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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 17

EM 14 E 15 DE JANEIRO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Daniel José Rodrigues

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

PRIMEIRA PARTE

Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 58 Srs. Deputados, lê-se a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. António Cabral trata da observância do Regimento quanto ao inicio da chamada.

Responde-lhe o Sr. Presidente.

O Sr. Mário de Aguiar ocupa-se da forma por que está funcionando a Câmara, da situação política do Govêrno e de abusos cometidos pela autoridade administrativa em Salvaterra de Magos.

O Sr. Rafael Ribeiro justifica e manda para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Raul Caldeira comunica estar constituída a comissão de obras públicas.

O Sr. Sant'Ana Marques ocupa-se da isenção de determinados impostos sôbre os sindicatos agrícolas e trata das condições em que se está operando o comércio de azeites.

O Sr. Ramada Curto analisa o caso do Teatro Nacional, propondo alvitres para a sua solução.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva).

O Sr. Ornelas da Silva ocupa-se da crise que atravessa a indústria dos lacticínios.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia).

É autorizado um Sr. Deputado a depor como testemunha num processo.

Fazem-se admissões.

Fazem-se comunicações relativas a constituição de comissões.

Ordem do dia. - Realizam-se as eleições de vogais para os Conselhos Colonial, Superior de Finanças e Fiscal da Caixa Geral de Depósitos, bem como para a Junta do Crédito Público.

O Sr. Paiva Gomes requere a prorrogação da sessão até se concluir o debate sôbre o projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo.

O requerimento é aprovado depois de haverem usado da palavra, par a interrogar a Mesa, sôbre o modo de votar ou para invocar o Regimento e ainda para explicações, além do Sr. Presidente, os Srs. Paiva Gomes, Álvaro de Castro, Manuel, José da Silva, Carvalho da Silva e Manuel Homem de Melo.

O Sr Filomeno da Câmara conclui o seu discurso sôbre o decreto que reformou o regimento da armada.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva).

O Sr. Manuel José da Silva usa da palavra sôbre a ordem, devendo prosseguir na sessão imediata.

O Sr. Presidente comunica o resultado das eleições pouco antes realizadas.

É interrompida a sessão para continuar no dia seguinte, à hora regimental.

SEGUNDA PARTE

Reaberta a sessão, o Sr. Manuel José da Silva, que ficara com a palavra reservada da sessão anterior, conclui as suas considerações, enviando para a Mesa uma proposta com a sua moção, sendo ambas admitidas.

Lê-se na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Sampaio Maia ao Sr Ministro da Guerra (José Esteves da Conceição Mascarenhas).

É introduzido na sala, tomando assento, o Sr. Carlos de Vasconcelos.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes) apresenta ao Parlamento a proposta do Orçamento Geral do Estado, depois de ter sido invocado o artigo 23° do Regimento pelo Sr. Carvalho da Silva.

Voltando-se à discussão da matéria da ordem do dia, usa largamente da palavra o Sr. Domingos Pereira.

O Sr. Presidente interrompe a sessão, anunciando que ela prosseguirá às 21 horas e meia

Reaberta a sessão, o Sr. Domingos Pereira conclui o seu discurso, enviando pura a Mesa, com a sua moção, duas propostas.

Lidas na Mesa, são admitidas.

Segue-se no uso da palavra o Sr. Pinheiro Tôrres, que envia para a Mesa a sua moção.

É admitida.

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O Sr. Alfredo de Sousa faz largas considerações e envia uma moção para a Mesa.

É admitida.

Seguem-se no uso da palavra os Srs. José Domingues dos Santos, Rafael Ribeiro, Jorge Nunes, cujas moções são lidas na Mesa e admitidas, João Luís Ricardo e Filomeno da Câmara, que envio, para a Mesa uma proposta de aditamento.

É admitida.

O Sr. Álvaro de Castro manda para a Mesa uma contra proposta, que, lida na Mesa, e admitida.

Seguem-se no uso da palavra os Srs. Paiva Gomes, que manda para a Mesa uma proposta, que é admitida, Lino Neto e António Maria da Silva (Presidente do Ministério).

Usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Elmano da Cunha e Costa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

O Sr. Manuel José da Silva faz ainda algumas considerações, enviando para a Mesa uma proposta de aditamento à proposta do Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Afonso de Melo as algumas considerações sôbre a matéria em discussão, seguindo-se-lhe o Sr. Rafael Ribeiro, que envia uma proposta para a Mesa, que é admitida, e o Sr. Paiva Gomes, que responde às considerações do Sr. Afonso de Melo.

Enjeitada a inscrição, o Sr. Presidente anuncia que vai passar-se à votação.

O Sr. Paiva Gomes requere a prioridade para a sua moção.

É aprovado.

O Sr. Domingos Pereira requere que a sua moção seja votada em seguida.

É aprovado.

O Sr. João Luís Ricardo requere a votação nominal para a moção do Sr. Paiva Gomes.

É aprovado.

O Sr Joaquim Ribeiro requere a contraprova.

Efectuada esta, verifica se ter sido rejeitado o requerimento do Sr. João Luís Ricardo.

Lida na Mesa a moção do Sr. Paiva Gomes, usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Rafael. Ribeiro e Manuel José da Silva, sendo aprovada em seguida.

O Sr. Carvalho da Silva, requere a contraprova, invocando o § 2° do artigo 111.° do Regimento.

Efectuada a contraprova, verifica-se ter sido aprovada por 77 votos contra 17.

É considerada prejudicada a moção do Sr. Mário de Aguiar.

Lida na Mesa a proposta do aditamento do Sr. Manuel José da Silva, usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Paiva Gomes, Manuel José da Silva, Domingos Pereira e Presidente do Ministério, sendo em seguida rejeitada.

É rejeitada a moção do Sr. Domingos Pereira.

Feita a contraprova, requerida pelo Sr. Domingos Pereira, confirma-se a rejeição.

A Câmara aprova a moção do Sr. Cunha e Costa.

É considerada prejudicada a moção do Sr. Pina de Morais.

É aprovada a moção do Sr. Manuel José da Silva.

Usam da palavra, para interrogar a Mesa, os Srs. José Domingues dos Santos e Pina de Morais.

O Sr. Paiva Gomes requere que a moção do Sr. Pina de Morais baixe à comilão,

É rejeitada a moção do Sr. Pinheiro Tôrres.

É considerada prejudicada a moção do Sr. Amorim Ferreira e aprovada a do Sr. Velhinho Correia.

Consideradas prejudicadas as moções dos Srs. Álvaro de Castro, João Camoesas e Homem de Melo, é aprovada a moção do Sr. Alfredo de Sousa e rejeitada a do Sr. José Domingues dos Santos.

É considerada prejudicada a moção do Sr. Rafael Ribeiro.

O Sr. Presidente declara que as várias propostas que estão sôbre a Mesa devem baixar com o projecto às comissões

Usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Jorge Nunes, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Álvaro de Castro, Manuel José da Silva e Jorge Nunes.

Ó Sr. Paiva Gameis requere que as propostas que não contendam com as moções aprovadas baixem a comissão.

Lê-se na Mesa o projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo.

O Sr. Jorge Nunes usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

Usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Presidente do Ministério, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Álvaro de Castro, Manuel José da Silva e Jorge Nunes.

Os Srs. Velhinho Correia e Jorge Nunes usam da palavra para interrogar a Mesa.

É aprovado o requerimento do Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Presidente declara que o projecto de lei do Sr. João Luis Ricardo está, prejudicado, bem como outras propostas que são designadas.

Concluídas as votações, o Sr Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com. a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão, às 15 horas e 35 minutos.

Presentes à chamada, 58 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 61 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amilcar da Silva Ramada Curto.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.

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António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Ginestal Machado.
António de Paiva Gomes.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos António de Lara.
Domingos Leite Pereira.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Godinho Cabral.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime António Palma Mira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João da Cruz Filipe.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José Carlos Trilho.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano de Melo Vieira.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Maximino de Matos.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Marques Caldeira.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Álvaro Xavier do Castro.
Amâncio de Alpoim.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos de Barros Soares Branco.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Dagoberto Augusto Guedes.
Delfim Costa.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais da Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Herculano Amorim Ferreira.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Raimundo Alves.
João Salema.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

José do Vale de Matos Cid.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Serras.
Pedro Góis Pita.
Raul Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Vasco Borges.
Vítorino Máximo do Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos Fuseta.
Domingos Augusto Reis Costa.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Pereira de Oliveira.
João Baptista da Silva.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Maria Alvarez.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomo José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Às 15 horas e 30 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-so a acta. Eram 16 horas e 35 minutos. Leu-se a acta. Deu-se conta do seguinte

Ofícios

Do Ministério da Instrução Pública, respondendo ao ofício n.° 69, comunicando um requerimento do Sr. Angelo Sampaio Maia.

Para a Secretaria,

Da Câmara Municipal de Portimão, enviando uma representação. Para a Secretaria.

Representação

Da Câmara Municipal de Portimão, pedindo a revogação do decreto n.° 11:287.

Para a comissão de administração pública.

Requerimento

Do Henrique Nunes Simões, morador em Alenquer, pedindo para, como já requereu, ser reconhecido como revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

Telegrama

Dos funcionários de Angola, pedindo a anulação do diploma n.° 86. Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. António Cabral (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: desejava preguntar a V. Exa. a que horas começou hoje a chamada.

O Sr. Presidente: - Às 15 horas e 30 minutos.

O Orador: - Sr. Presidente: o artigo 23.° do Regimento diz o seguinte:

Leu.

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Uma hora depois é às 5 horas. Desde que V. Exa. me diz, e não é capaz de dizer senão a verdade, que a chamada começou às 15 horas e 30 minutos, o Regimento foi infringido. Tenho, portanto, todo o direito de invocar o Regimento, reclamando da Mesa o cumprimento do artigo 23.°

V. Exa. sabe muito bem, porque já tem presidido a outras sessões, que, quási todos os dias, a chamada é' iniciada um quarto do hora e meia hora depois da hora legal.

Nós estamos resolvidos, de hoje para o futuro, a reclamar o cumprimento do Regimento.

Na sessão de anteontem o meu ilustre colega Sr. Mário de Aguiar e eu reclamámos contra duas infracções do Regimento. Isto não e uma censura, mas uma queixa que fazemos muito justa e cheia de razão, porque V. Exa. compreende bem que, se a Mesa começa a infringir as disposições regimentais, amanhã não terá autoridade para chamar à ordem, qualquer Deputado que delas se afaste.

Nestas condições, muito correcta e serenamente, peço a V. Exa. para que faça cumprir o Regimento, iniciando-se a chamada, à hora legal.

O Sr. Presidente: Registo as considerações de V. Exa.

O Orador: - Peço a V. Exa. que a minha pregunta, a resposta de V. Exa. e as minhas considerações fiquem exaradas na acta.

O orador não reviu.

O Sr. Mário de Aguiar: - Perante o incidente que acaba de ocorrer, não sei se V. Exa., Sr. Presidente, considera esta sessão como funcionando legal ou ilegalmente. Peço a V. Exa. a fineza de informar a Câmara porque, se estivermos reunidos legalmente, uso da palavra, se o não estivermos, o melhor é irmo-nos embora.

O Sr. Presidente: - Não tenho dúvida em declarar que a sessão está constituída legalmente e assim o demonstra a presença de V. Exas.

O Orador: Perante as respostas de V. Exa., nós, a minoria monárquica, queremos dar mais uma vez a demonstração, peremptória e irrefutável, de que não queremos embaraçar os trabalhos da Câmara. Se nós consentimos que a Câmara funcione hoje...

Vozes: - Consentimos?!...

O Orador: - Se digo consentimos, é porque me julgo ao abrigo da lei, e, portanto, à sombra de disposições que mo dão direitos ; e, quando tenho um direito, sei bem fazê-lo respeitar.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe muito bom, em sua consciência, que nós podíamos impedir que a sessão prosseguisse, mas não o queremos fazer, repito, porque desejamos dar ao país a demonstração de que não queremos embaraçar os trabalhos da Câmara.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - Já ontem quisemos prorrogar a sessão, e a maioria não consentiu.

O Orador: - Sr. Presidente: pretendia apreciar a situação política do Govêrno, depois dos últimos acontecimentos, que considero gravíssimos, e que determinaram a prisão do Sr. Nuno Simões. Eu vejo no Poder, não só o mesmo partido, a que pertence o Ministro que saiu das cadeiras do Govêrno, para os cárceres da República...

Vozes: - Não apoiado. O Sr. Nuno Simões é independente.

O Orador: - Aceito as reflexões que V. Exas. acabam de fazer, mas há um outro facto ainda mais grave, e para o qual chamo a atenção da Câmara.

Sr. Presidente: nas cadeiras do Poder, encontra-se a maioria do Ministério a que o Sr. Nuno Simões pertenceu. Êste facto é extremamente censurável e estranhável, e eu não quero de modo nenhum, entendam o todos V. Exas., ter menos consideração por qualquer dos Ministros que fazem parte do Govêrno; desejo, tam somente, prestar-lhe um serviço, para que o país não esteja por mais tempo sem explicação do que se passa.

O Sr. Aboím Inglês (em àparte): - Mas que anjo que V. Exa. é!

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O Orador: - Tenho ouvido os comentários que se têm feito, mas, na verdade, o que pretendemos é ser esclarecidos, pela boca do Sr. Presidente do Ministério ou de qualquer dos Srs. Ministros, acerca dos factos que determinaram a prisão dêsse Sr. Deputado que, quando Ministro, teve sempre a solidariedade de todos os seus colegas.

V. Exas. lembram-se de que, quando o Sr. António Cabral preguntou no Sr. Nuno Simões se tinha saído do Ministério, por factos que se prendessem com o Banco Angola e Metrópole, S. Exa. se levantou do seu fauteuil de Deputado, e disse, claramente, que não tinha saído por êsse motivo. Portanto, não havia qualquer quebra de solidariedade para com o Govêrno, nem qualquer acto que determinasse a saída do Sr. Nuno Simões pelos motivos, por que foi preso.

Mas há mais. E sabido que os factos que determinaram a prisão de S. Exa. foram passados durante a sua gerência ministerial. Isto é grave, profundamente grave, e merece qualquer explicação da parte do Sr. Presidente do Ministério.

Insistindo, direi que a verdade é esta: apesar do a sessão ter começado quâsi uma hora depois daquela que marca o Regimento da Câmara, o Ministério tem tam pouca consideração pelos interêsses do país, e está tam alheio a tudo quanto se passa, que não comparece às sessões parlamentares.

Nós, Deputados, temos a palavra antes da ordem do dia, para apresentar os nossos projectos de lei e as nossas reclamações, conforme as necessidades locais o indicam e os interêsses do país o permitem Mas a verdade é que a maior parte dos dias não aparece aqui nenhum Ministro, durante aquele período, o que representa um desprêzo, não só político, como até mesmo administrativo.

Apoiados.

E tal facto não pode passar sem o nome veemente protesto.

É preciso que o Ministério nos acompanhe nos nossos trabalhos parlamentares ; é necessário que o Govêrno aqui venha, para responder poios seus actos políticos e administrativos.

Está ou não o país a necessitar de medidas que constantemente estão sendo exigidas pela consciência pública, pela imprensa, etc.?

Pois o Govêrno, exactamente no período em que podia aqui vir apresentar as medidas que anunciou na sua declaração ministerial, é que não põe cá os pés.

Não há um projecto do lei ou uma reforma, por êle apresentada, sôbre que tenha de incidir o nosso estudo ou a nossa atenção. Vem então depois, à última hora, com as autorizações parlamentares, e apresentando medidas precipitadas, que dão sempre uma péssima obra administrativa, como a que há mês e meio aqui estamos discutindo.

Temos de tratar dos interêsses do país com aquela capacidade que eu reconheço a V. Exas., individualmente, mas que não lhes reconheço colectivamente.

É preciso que da união dos nossos esfôrços saia o bem do país, que é também o de nós todos.

Ainda que o Sr. Presidente do Ministério não esteja presente, nem qualquer dos outros Srs. Ministros, não deixarei de formular as minhas reclamações, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, se digne transmitir ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior as considerações que vou fazer, contra o abuso que está sendo cometido pelo administrador do concelho de Salvaterra de Magos, que com o auxílio da fôrça armada - vejam V. Exa. como isto é grave - não permite que a Câmara legalmente eleita tome posse.

Eu sei que há uma reclamação junto da auditoria administrativa; mas, como V. Exas. também sabem, essas reclamações não tem efeito suspensivo, sendo o assunto regulado pelos artigos 94.º do Código Administrativo de 1878 e 20.° da lei n.° 88, de 7 de Agosto do 1913.

Aproveito estar no uso da palavra para pedir a V. Exa. que transmita ao Sr. Ministro do Comércio as minhas reclamações sôbre o péssimo estado em que se encontram as estradas dos concelhos de Tábua, Miranda do Corvo, etc.

A vila de Tábua está completamente bloqueada, cão tendo já comunicações com o caminho de ferro; não há correio, e é com enorme dificuldade que qualquer pessoa passa pelas estradas daquele concelho, tendo os camiões de percorrer grandes percursos, visto que, não poden-

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do seguir pelas estradas, têm de atravessar terrenos particulares.

Sem qualquer espírito de política, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que chame a atenção do Sr. Ministro do Comércio para êste assunto, a fim de que S. Exa. evite que, por mais, tempo, aquelas estradas continuem no lamentável estado em que actualmente se encontram.

Trata-se de uma das mais visitadas regiões do país e por isso é necessário que se olhe por ela não só com interêsse material, mas também sob o ponto de vista do turismo, que bastante interessa à riqueza e ao desenvolvimento do país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: querendo dar uma manifesta prova à minoria monárquica de que estou aqui para trabalhar, não faço qualquer discurso e limito-me a mandar para a Mesa um projecto de lei.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Raul Caldeira (em nome da comissão de obras públicas): - Sr. Presidente: participo a V. Exa. e à Câmara que se acha constituída a comissão de obras públicas, a qual escolheu para presidente o Sr. Aboim Inglês e a mim para secretário.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Severino Sant'Ana Marques: - Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Agricultura; mas vejo com desprazer que S. Exa. não está, nem nenhum dos outros Srs. Ministros, como muito bem acentuou há pouco o ilustre Deputado Sr. Mário de Aguiar.

Quando há dias mandei para a Mesa um projecto de lei no sentido de serem beneficiados os sindicatos agrícolas com a suspensão de impostos que sôbre êles impendem, vi que êsse projecto não seguiu porque trazia deminuição de receita para o Estado.

É com tristeza que vejo que, nestas condições, nunca mais uma lei iníqua e injusta pode deixar de pesar sôbre a economia pública e, em. especial, sôbre a economia agrícola. A lei-travão só serve para estas cousas, mas não é aplicada quando se aumentam as despesas, como sucedeu ultimamente com os 52 decretos cuja constitucionalidade actualmente aqui está em discussão.

Nas minhas reclamações havia também o ponto de vista de que se cumprisse a lei respeitante ao abatimento a que têm direito os sindicatos agrícolas no transporte de adubos nas linhas do Estado, assim como que fôsse dado cumprimento ao direito que aqueles mesmos sindicatos têm de possuir dois bilhetes de identidade mediante os quais os seus empregados viajam com 50 por cento de abatimento nos Caminhos de Ferro do Estado. As leis não se cumprem e é contra isto que eu protesto.

Dizia há pouco um Sr. Deputado que não pode haver concórdia sem justiça, e eu digo: emquanto não houver ordem administrativa não haverá concórdia e a revolta será cada vez maior. Mas devia dizer ao meu sindicato o que se passa aqui, para se aferir da maneira como se tratam no Parlamento os seus interêsses.

Mas não foi para isto que pedi a palavra. Sinto que não esteja presente o Sr. Ministro da Agricultura para lhe transmitir uma notícia acerca do azeites, pois diz-se que vai ser permitida a importação, dêsse óleo do estrangeiro.

É mais uma violência para a agricultura, e eu lavro o meu protesto energicamente.

Soube que ainda há pouco tempo a um lavrador foi dito que ou vendia o azeite pelo preço que o comprador pretendia, ou os poderes públicos seriam instados para permitirem a entrada de óleo estrangeiro.

Isto não pode ser!

Outro ponto para que desejava chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, que sinto não ver presente, é sôbre uma doença que tem dado nas azinheiras, devastando os montados, pois o que dava alimentação para oitenta cabeças não vai agora além do suficiente para seis.

De Portalegre já mandaram uma representação a esta Câmara que nem mereceu uma resposta, um simples aviso de recepção. A agricultura revolta-se, e com razão justificadíssima. Não está presente o

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Sr. Ministro da Agricultura, nem Ministro algum que oiça as minhas reclamações, mas, se não forem atendidas, a elas voltarei tantas vezes quantas se tornar preciso para que o sejam.

Tenho dito.

O Sr. Ramada Curto: - Não costumo ser orador antes da ordem do dia, e nesta ocasião é difícil, prender a atenção da Câmara.

Sinto não estar presente o Sr. Ministro da Instrução Pública para lhe preguntar o que resolve S. Exa. sôbre o Teatro Nacional o dizer duas palavras sôbre o que penso a respeito da sorte do mesmo Teatro.

A situação em que se encontra o Teatro Nacional é deprimente para o país. (Apoiados). Não temos uma grande dramaturgia original o há mais dramamíferos que dramaturgos. Só o Teatro Nacional, poré,, não serve para os seus fins próprios, ponham lá uma sucursal do Aquário do Dafundo, a estação do correio ou outro qualquer estabelecimento do utilidade pública.

O Teatro Nacional, como está, apenas servo para aposentadoria de senhoras entradas em anos e Coquelins cadetes...

Dir-se há que eu poderia apresentar uma proposta de reforma; não o faço, porém, porque iria para o cesto dos papéis velhos.

O Sr. Ministro da Instrução sabe que lá fora existem repartições de contrastaria de instrumentos de música, o não há filarmónica francesa, alemã ou italiana que não ano pelo mesmo diapasão. Cá poderia fazer-se o mesmo, e, com a receita que se criasse por meio de um tal contraste, habilitar-se-ia o Govêrno a manter o Teatro Nacional.

Apoiados.

Sc o Sr. Ministro da Instrução convencer o Sr. Presidente do Ministério do que estas cousas do teatro também são boas, e se o Sr. Ministro das Finanças criar para êsse efeito o imposto a que acabo de referir-me, penso que, sem grande esfôrço, se conseguirá a receita necessária à manutenção do Teatro Nacional.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo). - Ao abrigo duma autorização que foi concedida ao Poder Executivo, o Govêrno pode, se quiser, criar as taxas que entender, e, secundo a sugestão de V. Exa., não se trata dum imposto, mas duma taxa simplesmente.

O Orador: - A afirmação do Sr. Velhinho Correia mais mo convenço do que há facilidade em criar a contrastaria do som, cuja receita seria dividida em partos iguais pelo Teatro de S. Carlos e pelo Teatro Nacional, impondo aos respectivos artistas uma condição essencial - a de terem talento.

Faça o Sr. Ministro da Instrução isto o terá, não digo bem merecido da Pátria e da República, mas bem merecido das pessoas que entendem que estas bugiarias da arte, da cultura e da inteligência merecem um bocadinho de interêsse.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva): - Sr. Presidente: ouvi com todo o prazer as considerações do ilustre Deputado Sr. Ramada Curto, e também, como S. Exa., entendo que é indispensável que o Teatro Nacional seja, de facto, uma escola de educação literária tendente a espiritualizar um pouco a vida de todos nós.

A arte é, na verdade, adentro duma democracia, a mais simples forma de espiritualizar a vida, de a tornar, um pouco mais nobre em todas as suas manifestações.

Deve ser publicado depois de amanhã no Diário do Govêrno um decreto, que assinei sem alegria nenhuma, criando uma situação transitória aos societários do Teatro Nacional. A sociedade artística que estava trabalhando nesse teatro não pôde cumprir, por motivos vários, tendo havido até incidentes e actos de indisciplina que deviam ter uma sanção da parto do Estado. Ora a única sanção que eu podia aplicar era a de desenvolver aquela sociedade.

Perante esta atitude do Govêrno cria-se para todos os societários uma situação um pouco aflitiva, e o Estado mais uma vez está obrigado a prestar-lhes assistência.

Não é com alegria, repito, que estabeleço esta situação, mas a isso sou forçado pelas circunstâncias.

Os novos societários requereram ao

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Govêrno permissão para se organizarem em companhia, com a fiscalização do Govêrno junto do teatro.

O Conselho Teatral tem incumbência minha de, durante todo o mês de Fevereiro, me apresentar a sua proposta sôbre a situação futura do Teatro Nacional.

É necessário subsidiar êste teatro, que tem de representar só o que é bom e tem de representar sempre bem.

Para conseguir esto subsídio terei a boa vontade dos meus colegas do Govêrno; mas há uma vontade que não é fácil de vencer, a do Sr. Ministro das Finanças, que só poderei conquistar se na proposta dêsse subsídio obtiver receita compensadora.

A sugestão indicada pelo Sr. Ramada Curto é muito interessante, e confesso que a desconhecia. Vou estudá-la, parecendo-me desde já fácil e simples o seu estudo.

Outras sugestões me estão indicadas, algumas até do próprio Sr. Ramada Curto, como a do lançamento de uma contribuição sôbre as companhias estrangeiras que vêm a Portugal.

São estas as afirmações que tenho a dar ao ilustre Deputado.

Aproveito o ensejo para dizer à Câmara qual a situação do Teatro de S. Carlos; durante alguns anos foi conferido o direito de se fazer a exploração dêste teatro, com a condição de se darem anualmente 45 récitas de ópera, podendo ser alugado para declamação, desde que as companhias fossem dignas de nele representar.

O contrato terminava em 5 de Janeiro do corrente ano.

Abriu-se concurso em 13 de Outubro findo, e a êsse concurso apresentou-se o Sr. Rui Coelho, que não cumpriu, por circunstâncias várias, o compromisso de entrar com 100 contos.

Recebi depois dois requerimentos do Sr. Eriço Braga, um para continuar com a exploração do teatro e outro relativo às condições assentes.

O primeiro requerimento foi por mim deferido, dando quinze dias mais para poder trabalhar, mas abri novo concurso, mudando as condições primitivas.

No primitivo concurso o concorrente não era obrigado a apresentar caução; hoje é obrigado a dar 20 contos de entrada, liquidando os restantes 80 contos quinze dias depois, ao ser-lhe adjudicado o teatro.

Tive ainda de modificar o que estava fixado acerca do número de executantes e do número de indivíduos que constituíam os coros e corpo de baile, porque estavam exagerados.

O concurso será publicamente aberto dentro de dois ou três dias.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. João de Ornelas da Silva: - Sr. Presidente: muito gostosamente, sendo a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, apresento a V. Exa. os meus respeitosos cumprimentos.

Sr. Presidente: tenho-me inscrito para êste período antes da ordem do dia, e reclamado a presença do Sr. Ministro da Agricultura, para tratar de um assunto que reputo grave, não só para a indústria nacional, mas muito principalmente para a indústria dos lacticínios, na parte que diz respeito aos Açores.

O Sr. Ministro da Agricultura não desconhece a crise gravíssima por que vem passando a indústria nacional dos lacticínios, muito particularmente nos Açores e na Madeira.

Tendo-se agravado ultimamente essa crise e chegado ao meu conhecimento, por via de representações que tenho recebido dos diferentes corpos administrativos e dos industriais de lacticínios, a notícia dêsse agravamento, não posso deixar de elevar a minha voz no sentido de pedir ao Sr. Ministro da Agricultura que olhe para esta crise gravíssima e que adopte as medidas que julgue mais convenientes.

S. Exa. sabe que em tempos lhe foi apresentada urna representação dos industriais de lacticínios dos Açores, solicitando as necessárias providências para que terminasse, de uma vez para sempre, com a concorrência desleal que se estava notando no mercado de Lisboa, concorrência desleal provocada pela importação das chamadas margarinas.

S. Exa. sabe muito bem que a indústria nacional, muito principalmente a indústria dos Açores, está lutando ultimamente com esta concorrência desleal, mas, por mais representações que tenham dirigido aos Poderes Públicos, medidas

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algumas têm sido adoptadas por parte doa Poderes Públicos.

Se bem que, Sr. Presidente, já se tivesse pedido que se intensificasse a fiscalização do Ministério da Agricultura, de não se tem feito sentir, talvez por falta de verba que permita ao Ministro fazer a mobilização do pessoal necessário para essa fiscalização.

Os factos produzidos com essa concorrência desleal têm-se feito sentir de maneira poderosa, muito principalmente sôbre a indústria dos Açores, e assim permito-me solicitar do Sr. Ministro da Agricultura uma medida, da qual S. Exa. já tem conhecimento em virtude de uma representação que lho foi dirigida; se bom que não remedeie totalmente a questão, no emtanto, pode atenuar, de alguma forma, a grave crise que essa indústria está atravessando, que vem a ser a actualização, em ouro do imposto que antes da guerra se aplicava à entrada da margarina.

A actualização dêsse imposto em ouro, hoje, deve aproximar-se muito do preço da manteiga natural, e assim natural é que, em vez de se comprar margarina, se, compre a manteiga.

Os inconvenientes desta concorrência desleal têm sido enormes, não sabendo nós neste momento até onde poderão chegar.

Estamos vendo os arrendatários entregar as suas propriedades ao lavrador, dando-lhos como ronda os seus gados; estamos vendo o proprietário, com uma grande dificuldade em arranjar o numerário preciso para pagar a contribuição prédial, não falando nas outras.

O que seria para desejar ora que a fiscalização do Ministério da Agricultura só fizesse de uma maneira eficaz, cumprindo se integralmente a lei; mas as cousas são o que são, e não vemos maneira de elas melhorarem.

É por este motivo, Sr. Presidente, que me vejo obrigado a pedir a V. Exa., que é uma pessoa inteligente, pois conheço-o do tempo do Coimbra, que olhe com a devida atenção para a situação que essa indústria atravessa neste momento, dando-lhe aquele remédio que as circunstâncias impõem, remédio que seria, segundo o fim modo de ver e o de muita gente, a actualização em ouro da taxa imposta à margarina antes da guerra, a qual deve ser acompanhada da respectiva fiscalização do Ministério da Agricultura, que, na verdade, até hoje só não tem feito sentir, conformo já. tive ocasião de dizer á Câmara.

Espero, pois, que o Sr. Ministro da Agricultura olhe a sério para a situação verdadeiramente angustiosa em que se encontra toda a indústria nacional de lacticínios., muito especialmente nos Açores e na Madeira, cujas reclamações, que tenho aqui, presentes, vou mandar para as mãos de V. Exa. a fim de que as mesmas possam ser depois 7 emolidas ao Conselho Superior de Agricultura, para dar o seu parecer acerca de todas elas.

Tem elas por fim atenuar de qualquer forma a crise por que esta passando a industria dos lacticínios nos Açores.

Sei que no presente momento está pendente do estudo da comissão de pautas, presentemente em exercício, uma reclamação que os industriais açoreanos quiseram, submeter à sua apreciação.

Nessa reclamação pode-se o que acabo de pedir também a S. Exa. a tal autorização do imposto fiscal que existia antes da guerra sôbre as margarinas.

Sei também que uma representação, em que se faz igual reclamação, foi submetida ao parecer do Conselho Superior de Agricultara.

Seria, portanto, talvez oportuno que uma súmula das reclamações que vou passar ás mãos do V. Exa. fôsse junta a essa representação que vai receber parecer daquele douto Conselho:

1.ª O restabelecimento do decreto de 22 do Julho do 1$05 que organizou os Serviços do Fomento Comercial de Produtos Agrícolas, actualizando-se a respectiva doutrina.

Êste decreto tinha como fim principal assegurar a concorrência entre as margarinas e as manteigas naturais. Em 13 anos, que tanto foi a sua, duração, não houve produtos de qualquer proveniência contra a sua execução.

2.ª O restabelecimento da lei de 2 de Maio de 1898 reguladora das imposições aduaneiras aplicadas à importação de produtos exóticos susceptíveis do concorrer com as manteigas nacionais, e aditando à imbrica "óleos comestíveis"- os óleos de coco, actualizando tais imposições con-

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soante, as flutuações cambiais, ouro na data do respectivo despacho.

Estas imposições, que duraram até 1920, também nunca motivaram reclamações, e contribuíram eficazmente para a defesa das indústrias nacionais e da própria margarina.

3.ª A derrogação pura e simples do decreto n.° 6:398, de 6 de Setembro de J920? que permite a livre importação, com isenção de direitos alfandegários, da manteiga de vaca, da margarina e das gorduras vegetais comestíveis, e bem assim a derrogação do decreto de 27 de Março de 1923 que atribuiu a tais produtos imposições de carácter meramente estatísticos.

Foram, êstes decretos que concorreram para se criar em Portugal a indústria das imitações dos produtos naturais, trazendo como consequência a imobilização da indústrias descalabro da indústria pecuária.

4.ª Efectivação e intensificação da fiscalização por parte do Estado, tendo em vista a repressão das grandes que se praticam com a preparação o venda dos diversos produtos alimentares.

A falta de fiscalização tem dado e está fiando lugar à generalização das fraudes, ao não cumprimento dos diagramas legais impostos à preparação das margarinas, e à exposição em todos os estabelecimentos públicos de margarinas e manteigas.

5.ª A modernização dos laboratórios destinados às análises químico-fiscais, pondo-os em condição, de bem desempenhar as importantes funções que lhes são cometidas, tanto no que toca à rapidez do seu expediente como à intangibilidade das suas decisões.

Os laboratórios existentes para nada servem. Não têm utensílios necessários. Aos laboratórios existentes não se pode apelar para uma análise de recurso. Poderia citar muitos exemplos de factos extraordinários sucedidos com manteigas dos Açores, onde não se margarina.

6.ª A criação de uma estação de bacteriologia agrária que tenha por fim prestar a indispensável assistência técnica ao fabrico de queijo e manteigas em harmonia com os processos mais modernos, e ainda concorrer para uma completa fiscalização dos produtos alimentares, entre outros o leite destinado ao consumo público, o qual muitas vezes é portador inconsciente de germes de doenças perigosas; fornecer à vinicultura, nacional os,, meios mais consentâneos a um trabalho aperfeiçoada; fornecer à agricultura açoreana a defesa contra inimigos, como lobos e coelhos, que lhe estão criando dificuldades só comparáveis àquelas por que passou a Austrália; numa palavra, investigar e esclarecer os múltiplos problemas agrários que se prendem com o exercício da agricultura portuguesa tal qual se vem, fazendo hoje em dia em todos os países, mais progressivos, quer da Europa quer da América.

No nosso País não existe uma única estação de bacteriologia agrária, desconhecendo-se oficialmente o papel importantíssimo que hoje representa para o exercício da agricultura a cooperação do ensino da microbiologia.

Em quanto isto se, passa entre nós, outros países, como a Dinamarca, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos da América, multiplicam tais estabelecimentos scientíficos com enorme proveito para as suas riquezas.

7.ª A criação de uma escola móvel, de carácter temporário, para o ensino dos lacticínios nos dois arquipélagos, Madeira e Açores.

Uma escola desta natureza teria por fim estacionar um ano em cada uma das ilhas onde se pratica a indústria dos lacticínios, ensinando o fabrico aperfeiçoado dos produtos e fornecendo instrução sôbre o material fabril mais moderno.

8.ª O estabelecimento de compartimentos frigoríficos em todos os paquetes nacionais que fazem serviço do cabotagem, entre os dois arquipélagos e o continente.

Tendo a navegação de cabotagem nacional regalias especiais, não será de mais, pedir-lhe que proporcionem um tal serviço aos carregadores do determinadas especialidades, como sejam os lacticínios, os quais de outro modo não poderão chegar aos portos de destino em boas condições de conservação, visto o calor dos porões determinar quási sempre fermentações secundárias, sempre prejudiciais.

9.ª Regularizar devidamente a acção das autoridades administrativas dos locais de produção, de maneira a fazer cessar as requisições e, outras fórmulas inerentes o abastecimentos públicos, as quais redundam em pesados sacrifícios pecuniá-

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rios para os produtores de lacticínios nos dois arquipélagos, facto não aplicado em outro qualquer ponto do continente e, que constitui um entrave para o exercício da indústria insular, uma medida do excepção, uma desigualdade o uma verdadeira injustiça que ainda hoje se mantém.

Ainda hoje os industriais dos Açores se acham sujeitos à obrigação de contribuir para o abastecimento local com 40, 50, 60 e 70 por cento das respectivas exportações. Acho bem que se abasteça a população, mas que as requisições sejam, feitas pelo menos por preço nunca inferior ao custo da matéria prima, e que as percentagens sejam razoáveis. Êstes factos constituem também um entrave para o exercício da indústria.

Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar dêste assunto, porque represento nesta casa do Parlamento uma região, em que esta indústria tem uma alta importância. Principalmente a ilha de S. Jorge, quási toda formada de pastagens para o gado, sente, mais que nenhuma outra, a crise da indústria dos lacticínios, que é a sua principal fonte de riqueza.

V. Exas. calcularão qual o desequilíbrio económico que se faz sentir naquela população, que não encontra da parte do Estado a assistência e amparo de que carecia.

Sr. Presidente: confio na acção do Sr. Ministro da Agricultura, no sentido do proporcionar à indústria dos lacticínios melhores dias.

S. Exa. é um homem inteligente, que conhece bem o problema, e está animado de bons desejos de resolver esta crise o melhor que puder.

Dou, pois, por terminadas as minhas considerações, pedindo apenas a S. Exas. que não as esqueça.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações que acaba de fazer o Sr. Ornelas da Silva.

Elas revestem, sem dúvida, um grande interêsse para a economia nacional.

De há muito tempo que a indústria de lacticínios açoreana vem reclamando do Govêrno medidas imediatas para que possa vir colocar os seus produtos no continente, ao abrigo da concorrência que lhe faz,

não a manteiga nacional, mas a margarina, importada do estrangeiro e em parte, hoje, já fabricada no país.

Entendo que devo atacar o problema com uma fiscalização rigorosa e com a defesa pautal.

Como V. Exas. sabem, hoje, em Lisboar não se pode já vender no mesmo estabelecimento a margarina e a manteiga.

Ainda ontem passaram pela minha mão alguns boletins de análise, que deram lugar à apreensão de cêrca de 3:000 quilogramas de manteiga.

Quanto às reclamações, tenho a dizer que na pauta instituída por lei de 1898 constava o direito de um cruzado-ouro.

Foi enviada uma reclamação desta indústria ao Conselho Técnico Aduaneiro, que ainda não dou parecer, mas que sei achar essa importância exagerada.

Mas já sôbre êste mesmo assunto se pronunciou o Conselho Superior de Agricultura na sua reunião de ontem - creio - na qual resolveu que o imposto a cobrar nas alfândegas do continente, sôbre margarina importada, fôsse, não de um cruzado-ouro, mas de dois tostões-ouro, o que traz uma imposição de 4$ por quilograma, o que devemos já considerar como importante.

Estou a procurar obter todos os elementos para que a fiscalização seja rigorosamente feita, porque a indústria a que o ilustre Deputado Sr. Ornelas da Silva só referiu quere, e com muita razão, que em Portugal não seja vendida margarina com o nome de manteiga. É a êsse objectivo que eu pretendo dar satisfação.

Nós não podemos proibir, do uma maneira absoluta, a importação do margarina1. Tenho informação do que o consumo de manteiga aumentou extraordinariamente no país e nomeadamente nas províncias da Beira, Trás-os-Montes o Alentejo, já porque a população aumentou, já porque a manteiga foi levada ao consumo do muita gente que a não tinha.

Mas ter-se há paralelamente desenvolvido a indústria pecuária no sentido* lactícinico? Não.

Uma voz: - Asseguro a V. Exa. que há pontos onde se tem desenvolvido.

O Orador: - Falo por aquilo que sei. Refiro-me evidentemente ao conjunto

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do problema, embora conheça as excepções a que V. Exa. se refere.

No continente não temos acompanhado êsse progresso; pelo contrário, temo-nos desviado do campo pecuário da indústria de lacticínios. Procura-se antes fazer um estudo de zootecnia, aliás muito interessante, industrializando as raças para a venda, para o talho. Isto é o que eu verifico e que corresponde inteiramente a uma verdade.

Mas, dir-me-hão V. Exas., e devem dizê-lo porque só fazem justiça, as ilhas têm progredido.

Absolutamente, e tanto têm progredido que mais do 60 por cento da manteiga consumida em Lisboa é da Ilha da Madeira ou dos Açores. De maneira que, já que perdemos campo no continente, entendo eu que se devo promover ainda mais êsse progresso nas ilhas, onde parece ter encontrado, dado o seu desenvolvimento, condições apropriadas para se exercer.

Interrupção do Sr. Manuel José da Silva que se não ouviu.

O Orador: -Essa deve ser uma razão, mas também razão é a indústria de lacticínios encontrar um meio mais apropriado que no continente, de maneira que o Ministério da Agricultura, conhecedor dessa circunstância, propõe-se estudar o assunto.

A fiscalização faz-se e já temos o voto do Conselho Superior de Agricultura para a imposição de 4$00 por quilograma.

Uma voz: - Essa deliberação ainda não foi definitiva porque o assunto ainda está em estudo. Votámos em princípio.

O Orador: - Suponho que V. Exas. como consumidores dêsse género, no continente, não hão-de querer que se adopte arma solução que determine uma grande .alta de preço.

Muitas das reclamações que o Sr. Ornelas da Silva formula aqui já estão satisfeitas. Já foram derrogados os decretos que em 1918 e 1920 autorizaram a entrada dêsses óleos essenciais, coco e margarina, sem imposição de direitos. Esperarei que depois do voto do Conselho Superior de Agricultura ràpidamente se pronuncie o Conselho Técnico Aduaneiro e tenhamos em poucos dias um regime pautal para as margarinas que nos ponha um pouco a coberto da concorrência estrangeira.

Devemos fazê-lo porque defendemos uma indústria interessantíssima, que interessa não só as ilhas mas à nação, e também porque devemos aproveitar aí um pouco de receita no campo fiscal que noutros campos dificilmente poderíamos ir buscar.

Quanto à deficiência dos serviços analíticos, ela existe de facto, são os próprios chefes dêsses serviços que o reconhecem.

Os serviços químicos fiscais realizam-se, como não podiam deixar de se realizar, em laboratórios, mas, êsses laboratórios não tiveram possibilidade de fazer substituir a sua utensilagem antiga porque as dotações não lhe permitiam refazer a sua reserva em material, o seu trem.

Temos, por exemplo, o laboratório de Belém que foi um esplendido laboratório, o primeiro laboratório químico fiscal; se V. Exa. lá entrar, não encontra senão as paredes, porque não houve maneira de manter aquele material que era absolutamente indispensável.

De maneira que há uma falta extraordinária de material.

Hoje temos êsses serviços divididos por dois laboratórios químicos, um em Lisboa e outro no Pôrto, que sofreu do mesmo mal e até de instalações apropriadas; o de Lisboa está instalado num primeiro andar numa casa no Terreiro do Trigo, onde não há condições de salubridade e higiene para se instalar os métodos químicos-analíticos.

Como V. Exa. é um químico, e eu também, há-de dar-me a qualidade de conhecedor um pouco dêste assunto, podendo afirmar que êsses serviços estão atrasados.

Não só os métodos químicos propriamente ditos, mas também os bacteriológicos, com as reacções sucessivas que se conseguem, dão uma exacta notícia da composição orgânica e fisiológica do produto. Mas nós não temos dinheiro para essas aquisições.

Que o problema tenha escapado a quem de direito, não, e tanto não tem escapado que no laboratório central da Estação Agrária se vai neste momento procurar fazer uma instalação dessa natureza, que é custosa e tem sido impraticável em Lisboa.

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Nesses laboratórios é indispensável o aquecimento normal e uniformo das estufas, e nós só podemos conseguir um aquecimento económico e uniforme através de gás, visto o aquecimento eléctrico ser caríssimo.

Como durante êstes últimos anos não tivemos gás e agora felizmente vamos tê-lo, êsse serviço far-se há com mais economia. Não era com lâmpadas de álcool, nem com fogões do petróleo, nem com a electricidade caríssima que se podiam manter êsses serviços.

Por exemplo, estamos neste momento quási impossibilitados, pelos métodos usados, de investigar no azeito a existência de óleos combustíveis quando a sua percentagem fôr inferior a 10 por cento do seu volume.

Não podemos, no emtanto, admitir que não haja processo do verificar a existência do óleos.

Os nossos laboratórios não têm material, de forma que em determinados azeites é quási impossível investigar essa existência além de 15 ou 20 por cento.

O Sr. Aboim Inglês: - É quási impossível. Não é só cá. É um problema dos mais difíceis que existem.

O Orador: - De facto assim é. E V. Exa. tem autoridade para o afirmar, porque é uma pessoa que lida com êsse assunto.

Nos nossos laboratórios não há nada que sirva para essas análises. Não temos absolutamente nada, porque não temos tido dinheiro.

Não pode ser tomada em couta a competência dos analistas. Têm toda a capacidade para trabalhar, desde que lhes dêem os meios para isso.

A Bolsa Agrícola pede à lavoura portuguesa uns certos sacrifícios, cobrando uma certa percentagem que vai ser empregada nos laboratórios.

É a própria indústria que vai fazer um esfôrço e conjuntamente o Estado para quê daqui a um ano ou ano e meio tenhamos aquilo que não temos. Ao assunto não é estranha a instância competente.

Estamos a caminho duma solução. Não podem trazer um aumento sensível no preço do produto.

As gorduras têm de ser consideradas como elemento essencial para a alimentação desta raça depauperada pelo trabalho pesado e realizado em más condições de higiene e salubridade, e por virtude disso, alimentação insuficiente.

Temos de estimular o povo português a comer gorduras; e não podamos fazê-lo por uma disposição pautal que nos impeça de fazer bom trabalho.

Precisamos dum plano pautal que ràpidamente obtenha o voto do Conselho Técnico Aduaneiro.

Não pode exceder 4$ o quilograma da margarina importada. E precisamos medidas do intensa fiscalização para impedir se façam contravenções como se tem feita até hoje.

Não pode êste caso deixar de se considerar como causa de ruína para a indústria dos lacticínios nos Açôres.

Formulem os Açoras uma representação no sentido dos seus legítimos interêsses. Expedirei um decreto que suspenda ou anule a execução dessa medida que vem sendo pedida por várias câmaras municipais dos Açores.

Por agora é o que tenho a dizer sôbre o assunto.

Estou certo de que o problema terá uma solução satisfatória.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

É lido o seguinte

Oficio

Do Conselho Superior de Disciplina do Exército, pedindo autorização para o Sr. Mariano Felgueiras poder depor como testemunha num processo no dia 18 decorrente.

Autorizado, declarando-se, porém, quer no dia indicado e durante toda essa semana o Sr. Deputado não estará em Lisboa.

Fizeram-se as seguintes admissões:

Projectos de lei

Do Sr. Rafael Ribeiro, aclarando as disposições do artigo 15.° da lei n.° 88, de Agosto de 1913, a do artigo 20.° dessa lei e a do artigo 113.° da lei n.° 3, de 3 de Julho de 1913.

Para a comissão de administração pública.

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• Do mesmo, determinando que os alunos a que se referem os decretos de 2 de Maio de 1904 e 2 de Novembro de 1912 possam ser admitidos a'exame do curso complementar de letras ou sciências do^s liceus com dispensa do exame do curso geral (2/ secção).

Pai-a a •• comissão de instt ução secundária.

Do mesmo, mandando que aos sargentos promovidos em empregos públicos, quando se impossibilitem de exercê-los, co^i direito à reforma militar, e por ela optarem, seja contado, para fixação do vencimento, alam do tempo de militares, o exercido no emprego.

Para a comissão de guerra.

Do mesmo, designando as incompatibi-lidades do cargo de Senador ou Deputado com cargos públicos.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

O Sr. Presidente : —Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

'O Sr. Presidente: — Vai proceder-se às eleições seguintes:

Conselho Colonial, três vogais efectivos;

, Conselho Superior de Finanças, dois vogais efectivos e dois substitutos;

Junta do Crédito Público, um vogal efectivo; e

Conselho Fiscal da Caixa Geral de Depósitos, um vogal substituto.

Está interrompida a sessão por 15 minutos para a confecção de listas.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente : — Está reaberta a 'sessão. • -Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: —Vai proceder-se à chamada.

Procedeu-se à chamada.

Responderam os Sr s.:

• Abel Teixeira Pinto. Adolfo Teixeira Leitão.

Adriano Gomes Ferreira Pimenta."

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Álvaro Dias Pereira. l

Alberto Dinis da Fonseca.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto de Moura Pinto. '-

Alberto Nogueira Gonçalves.

Alberto Pinheiro Tôrres.

Alexandre Ferreira.

Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.

Alfredo Pedro Guisado. ' •

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Xavier de Castro.

Aníbal Pereira Peixoto Beleza.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Rodrigues.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Ferreira Cabral Pais do Amaral.

António Ginestal Machado.

António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

António José Pereira.

António Lino Neto.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Maria da Silva.

António de Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

Armando Marques Guedes.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur da Cunha Araújo.

Artur Saraiva de Castilho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bernardo Pais de Almeida.

Carlos de Barros Soares Branco.

Custódio Lopes de Castro.

Custódio Martins de Paiva.

Daniel José Rodrigues.

Delfim Costa.

Diogo Albino de Sá Vargas.

Domingos António de Lara.

Domingos Leite Pereira.

Domingos José de Carvalho Araújo.

Eduardo Fernandes de Oliveira.

Eduardo Ferreira dos Santos Silva.

Elmano Morais da Cunha e Costa.

Felizardo António Saraiva.

Filemon da Silveira Duarte de Almeida. < * ' -

Filomeno da Câmara Melo Cabral. •

Francisco Alberto da Costa Cabral;

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Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime António Palma Mira.
João da Cruz Filipe.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.
João Salema.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José Carlos Trilho.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José do Vale de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Mariano Melo Vieira.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Lelo Portela.
Raul Marques Caldeira.
Sebastião de Horédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Vasco Borges.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a votação.

Lembro que podemos aproveitar o tempo e passar à segunda parte da ordem do dia, fazendo simultaneamente o escrutínio.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como esto meu alvitre não sofreu contestação, considero-o aprovado.

Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro a prorrogação da sessão até final do debate.

O Sr. Álvaro de Castro (sobre o modo de votar): - Se ontem não houve luz, pelo mesmo motivo hoje não se pode prorrogar a sessão.

O Sr. Manuel José da Silva: - ^Em que termos é feito o requerimento do Sr. Paiva Gomes?

É para a sessão ir pela noite adiante ? É para continuar amanhã sem haver chamada, sem leitura da acta nem expediente e sem antes da ordem?

É preciso explicar os termos do requerimento para a Câmara saber a atitude que tem a tomar.

O orador não reviu.

O Sr. Paiva Gome?: - O requerimento não tem outro intuito senão o que contém. Prorrogação é prorrogação.

Quanto a haver luz, o Sr. Presidente é que pode informar.

O Sr. Marques Loureiro: - É interrupção para jantar e também para dormir?

O Sr. Carvalho da Silva (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: a sessão não pode passar do um dia para o outro. Assim se entendeu na legislatura passada.

É uma disposição regimental que V. Exa. não pode alterar.

O Sr. Presidente: - A Câmara pode dispensar o Regimento quando assim o entender.

O Sr. Carvalho da Silva: - A Câmara não pode dispensar o Regimento para o seu funcionamento. Não podemos prescindir do antes da ordem do dia para tratar de assuntos urgentes.

O Sr. Domingos Pereira não aceitou essa doutrina na legislatura passada.

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Sessão de 14 e 15 de Janeiro de 1926 17

O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação da Câmara o requerimento do Sr. Paiva Gomes.

É aprovado.

O Sr. Filomeno da Câmara: - Sr. Presidente: está um tamanho sussurro na Câmara que eu não conseguirei fazer-me ouvir. Se V. Exa. não pede um pouco de silêncio, esperarei que os Srs. Deputados se disponham a deixar-me falar sozinho, demais a mais tenho tempo para esperar, visto que a sessão está prorrogada.

Pausa.

O Sr. Presidente: - V. Exa. preguntou alguma cousa?

O Orador: - Não, senhor. Eu só peço a V. Exa. que consiga da Câmara o necessário silêncio para eu poder falar em condições do ser ouvido.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Estabelece-se um pouco de silêncio.

O Orador: - Sr. Presidente: não me cabe a responsabilidade de mais uma vez fazer uso da palavra neste já longo debate que traz a Câmara por demais saturada. O meu juízo está feito o creio que todos os Srs. Deputados também já tem formado o seu. Mas querem que na representação do drama ou comédia política, nesta casa apenas tenham lugar os coros - a parte cantante é lá fora - e eu sou obrigado pela fôrça das circunstâncias a tomar parte nos coros. Repetirei, pois alguma cousa do que já aqui disse. Insistirei nisso para varrer também a minha testada.

Sr. Presidente: o que mais importa é a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos decretos. É secundário o apreciar se êles são bons ou maus.

O Poder Executivo é um dos órgãos da soberania nacional, dentro da lei. Fora dela não o é.

Mais uma vez friso que a questão da constitucionalidade dos decretos tem uma grande importância.

Há casos em que a inconstitucionalidade dos actos do Poder Executivo tem uma alta gravidade. Citarei como hipótese as acusações feitas aqui pelo Sr. Amâncio de Alpoim à administração do Banco de Portugal. Por aquilo que ouvi pareceu-me que havia uma forma de deminuir a gravidade dessas acusações. É que os factos apontados como irregulares teriam sido cometidos por culpa do Poder Executivo e nesse caso diz-se: Foi o Estado quem mandou. Mas eu pregunto se o Estado pode ser representado pela vontade do um Ministro. Não!

O Estado só pode ser representado pelo Poder Executivo quando êste se mantenha dentro das leis do país. Se algum dos factos apontados pelo Sr. Amâncio de Alpoim não tiver outra explicação senão a de que foi praticado por imposição do Govêrno, fora das leis, eu direi que há crime e que em vez de um criminoso há dois.

Por isto se vê quanta importância tem a constitucionalidade das leis publicadas no Diário do Govêrno.

Não podemos estar aqui como representantes da soberania nacional,, só para representar uma comédia. Temos que desempenhar de facto a nossa missão.

Eu já disse, e repito, que estou pronto a entregar o meu mandato de Deputado, para que se governe em ditadura. Estamos em câmaras constituintes e, portanto, é ocasião para se alterar a Constituição.

Eu desde já comprometo o meu voto para que se dê ao Cheio do Estado a máxima latitude nos seus poderes para dissolver as Câmaras, sem que haja prazo fixado para as eleições. O Govêrno então, dentro dessa nova fórmula, poderá governar à vontade. Mas até que isso se não dê, eu não aceito factos da natureza dos que se estão passando. Não quero ligar a êles a minha responsabilidade.

Como já demonstrei, o decreto do Sr. Ministro da Marinha, que aprova o Regimento dos oficiais da armada, é inconstitucional.

Mas eu leio mais uma vez o artigo 23.° da Constituição:

"Artigo 23.° É privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa: a) sôbre impostos; b) sôbre organização das fôrças de terra e mar; c) etc.".

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18 Diário da Câmara dos Deputados

O artigo 70.° diz:

"Artigo 70.° Leis especiais providenciarão acerca da organização e administração das fôrças militares de terra e mar em todo o território da República".

Quere dizer, o antigo partido republicano ao elaborar a Constituição entendia que tinha uma especial importância a organização das fôrças do mar o terra.

O Sr. Ministro da Agricultura teve há dias a gentileza de dizer nesta Câmara, repetindo uma vez essa afirmação, que as corporações militares são o espelho das virtudes.

Ninguém pode, pois, aceitar que assuntos relativos à organização das fôrças sejam tratados fora do Parlamento.

O diploma, que ou discuto, além do ser inconstitucional está cheio de defeitos.

Na Mesa da Câmara já apresentei um maço de requerimentos de oficiais da armada que reclamam contra as disposições de tal diploma.

Eu pregunto a todos os Srs. Deputados se estão dispostos, por considerações de ordem política, a saltar por cima da Constituição e dos direitos de cada um.

Pregunto também ao Sr. Ministro da Agricultura se S. Exa. não dará o seu apoio a êsses requerimentos depois da afirmação que fez e à qual já me referi.

Seriam as suas palavras uma simples figura de retórica ou são de facto a tradução do seu sentir?

Iremos hoje receber aqui a resolução esmagadora do número, do tal número que só sobrepõe à razão e à justiça?

Não sei.

Talvez

O final desta discussão o dirá.

O Sr. Ministro da Marinha é um oficial distinto, trabalhador e estudioso; mas o seu regimento aparece crivado de deficiências e contradições, não só com outros diplomas que S. Exa. assina, mas até com disposições do próprio diploma que estou analisando, por forma tal que não sabemos como conciliar os artigos 12.° com o 50.°, e 14.° com o 136.°, que dão lugar a uma verdadeira baralhada.

S. Exa., o Sr. Ministro da Marinha, sentindo que nalguma cousa mais teria de apoiar-se que não fôsse a infantilidade das autorizações que cita, declara que o seu diploma foi organizado de acordo com o estado maior naval e com o Conselho General da Armada.

É equívoco de S. Exa. por certo.

Estas afirmações, que não são exactas, não representam da parte de S. Exa. menos probidade, mas o facto é êste: S. Exa. dificilmente poderá hoje afirmar nesta Câmara o contrário do que eu digo, quando entre os requerimentos que eu entreguei hoje na Mesa há requerimentos de oficiais do próprio estado maior naval.

S. Exa., naturalmente, ouviu um e outro em conversas particulares o julgou-se depois, embora de boa fé, com direito a fazer estas afirmações.

Mas, ainda quando neste ponto eu pareça em êrro, não o estou, porque a prova material da minha afirmativa está na Mesa; tenho a repetir que não é o estado maior naval ou o Conselho General da Armada que podem dar a êste diploma a constitucionalidade que lhe falta.

Também o Sr. Ministro da Guerra fez a sua reorganização do exército ditatorialmente.

S. Exa. foi, porém, mais prudente: não se declarou de acordo com o estado maior do exército.

É a culpa, afinal, depois dêste longo debate, a quem pertence?

A nós ou ao Govêrno do Sr. Domingos Pereira?

Porque é que o Govêrno transacto fez. esta ditadura à vara larga?...

Que urgência havia nesta série de diplomas, de regulamentos, do cousas confusas?...

Nenhuma!

O Sr. Ministro da Marinha não pode invocar essa urgência, quando dois dias depois o Parlamento estaria aberto.

Sofre a marinha de guerra a influência, dos períodos em que a falta de dinheiro para realizações se faz sentir.

Há, eu concordo, certas orientações aproveitáveis neste regimento, mas isso não basta.

Há uma parte em que o Sr. Ministro quis ser agradável à corporação da armada, tratando dos seus interêsses para compensar uma situação relativamente inferior em que ela se encontra no seio da família , militar, dando-lhe assim as promoções por diuturnidade.

Mas eu devo dizer ao Sr. Ministro que

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não devia ter incluído tal disposição num diploma orgânico.

S. Exa., com êste decreto, fez com que na marinha, que êle tanto preza, fique existindo um amontoado de homens com galões sem terem onde se empregar.

Todos nós temos de sofrer, até certo ponto, os destinos da sua sorte: uns compram um bilhete e sai-lhes a sorte grande, e a outros não sai nada.

Muitas vezes me tenho arrependido de não ter seguido a carreira de funcionário aduaneiro, ou, por exemplo, de empregado do Ministério das Obras Públicas, porque vejo pessoas do meu tempo com situações superiores à minha.

É esta fúria igualitária que todos desejam é completamente impossível.

Tenhamos a coragem de aceitar a nossa posição.

Eu, Sr. Ministro, não quero a promoção que V. Exa. me dá por diuturnidade.

Reconheço que V. Exa. teve um espírito de solidariedade para com a sua classe, mas não lha agradeço, lamentando até que V. Exa. não tivesse feito um regimento dentro das normas legais e o trouxesse aqui à Câmara, em vez dêste que eu suponho que se quere mandar agora para as comissões, onde me farão relator, mas onde eu não poderei fazer aquilo que desejava.

Todos nós sabemos o que são os serviços públicos; em todos os ramos da nossa administração pública há a mais contraditória legislação, amontoando-se tumultuàriamente decretos sôbre decretos.

Para tudo, seja o que fôr, há uma enormidade de leis que provocam uma grande confusão, quási que havendo necessidade de termos permanentemente um consultor, ao nosso lado.

É a quantidade sobrepondo-se à qualidade, e eu citei e torno a citar, em benefício dos serviços públicos, que essa legislação anárquica tem desorganizado, a maneira superior como o Sr. João Luís Ricardo aqui tratou do problema do Ministério do Trabalho, mercê da sua qualidade de funcionário dêsse Ministério, de funcionário que ama a sua profissão, que tem dedicado a sua vida e o seu estudo às funções que exerce.

Apoiados.

Mas, Sr.. Presidente,, não só os serviços se desorganizam com esta legislação anárquica, com esta legislação de jacto contínuo, como, vendo que saltam por cima deles, desanimam, cruzam os braços e dizem: Seja feita à vontade de Deus!

Tudo isto são factores de ordem moral que ninguém deve esquecer, e o primeiro cuidado daqueles que tem responsabilidades superiores de administração deve ser exactamente o de manterem, devidamente organizados êstes serviços, estimulando-lhes o zelo, acatando-lhes as indicações, de modo que um Ministro, quando queira fazer modificações no seu Ministério, possa encontrar nos respectivos funcionários os seus melhores colaboradores.

É verdadeiramente absurdo agarrar nesses serviços como em papéis velhos, atirá-los ao espaço, bocado para aqui, bocado para além, esquecendo-se do lhes dar ordem, de lhes dar método e até de criar os organismos precisos para substituir aqueles indispensáveis para a cobrança das receitas.

Não me conformo, Sr. Presidente, com a idea, que já ouvi formular, de fazer mergulhar todos êstes diplomas nas comissões, nem mesmo o acho possível, porque nós estamos perante decretos publicados no Diário do Govêrno e não perante projectos de lei apresentados à discussão da Câmara.

Não pretendo também criar dificuldades nem ao Govêrno, nem muito especialmente ao Sr. Ministro da Marinha, e, por consequência, aconselharia a S. Exa. que fôsse o primeiro a manifestar o desejo de que êste diploma ficasse, de facto, suspenso, apresentando-o depois como proposta de lei, mas fazendo-o previamente correr pelas repartições do Ministério da Marinha, certo de que êle assim viria ao Parlamento em condições de não lhe termos talvez de introduzir uma única alteração.

De outro modo, porém, é impossível.

Eu, por exemplo, não posso aceitar -e isto seria o menos- que o Sr. Ministro da Marinha equipare um almirante a um general, quando, como já fiz ver, o deveria equiparar ao marechal do exército.

As repartições do Ministério da Marinha não podem trabalhar com um diploma que diz o contrário do Código de Justiça Militar, dois dias antes também publicado pelo Sr. Ministro da Marinha.

Mas há mais; V. Exa. neste seu diplo-

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ma disse que aos oficiais com licença ilimitada era contado o tempo para a reforma.

Todavia no artigo 55.° diz exactamente o contrário.

Eu prcgunto qual vale: Se o n.° 2.° do .artigo 11.°, se o n.° 3.° do artigo 55.°

Ainda relativamente às licenças disciplinares o que se verifica é que S. Exa. não conformou o regulamento disciplinar da armada com êste regulamento.

Sôbre as funções que cabem aos oficiais da armada, S. Exa. especifica as que cabem aos vice-íilmirantes, contra-almiran-tes, etc., mas esqueceu-só das funções do Supremo Tribunal do Justiça Militar e também de que dois dias antes havia publicado um diploma em que dava lugar naquele tribunal a três oficiais generais.

Por 6sto diploma não há funções judiciais para os oficiais de marinha.

ChegoàpartedoregulamentoqueS.Ex.a com certeza mais aprecia, e em que mais cuidado pôs, e essa é a que diz respeito a especialização dos oficiais de marinha.

E de uma tal confusão e do uma tal maneira contraditória esta parte que não é possível aos serviços públicos dar-lhe execução, porque ninguém sabe o que há--de fazer.

Em primeiro lugar, Sr. Presidente, parece-me um pouco de facciosismo falar cm' especialização e supcr-ospecializa-ção.

Eu concluo que as especializações não são especializações, mas sim cursos complementares obrigatórios para todos os oficiais, visto que todos os indivíduos que se especializam em artilharia e torpedos no pôsto de segundos tenentes são obrigados a especializar-se nos outros cursos em primeiros tenentes.

Acenas dessas especializações escapa uma — a do hidrógrafos e navegação.

Mas, obrigando o Sr. Ministro da Marinha êstes homens a quatro anos dó estudos em escolas superiores, de um programa extensíssimo, para depois saírem chefes de navegação —cargo que afinal é desempenhado por todos os oficiais de marinha— o Sr. Ministro encontrará oficiais muito conhecedores de matemática, mas absolutamente desabituados da vida de bordo, incapazes' de pegarem num sextante,

XD que >é mais grave ainda é que por

êste diploma ossa mesma especialização ó-lhes tirada quando chegam a capitaes--tcnentes.

Aqui está a inconveniência de enxertar num diploma desta natureza trabalhos parcelares feitos numa outra orientação.

Esta designação de engenheiros hidrógrafos tende a criar um quadro àparte; mas êstes homens, em vez do irem habilitar-se a engenheiros de portos, vão para chefes

No que rQspeitíi a oxtra-especiali/ações, nós vemos que o oficial extra-cspecializa-do atira pnla borda fora metade da especialização, e assim pároco que subir é de-minuir, em vez do aumentar, a nossa capacidade.

Seria a mesma cousa que considerar o Sr. António Maria da Silva um supor-homem por ter, segundo consta, um só rim. Seria talvez um motivo para considerar S. Exa. um super-homem se, em vez de ter apenas um rim, tivesse três ou quatro (Èisos); mas por lhe faltar unf certamente que não é motivo para lhe dar tal designação.

A propósito, lembro-me até de que Camilo Castelo Branco classificou um célebre orador sagrado de super-orador, por ter sempre dois pés no púlpito e outros dois nesta casa do Parlamento l

Risos.

É preciso, portanto, duplicar e não deminuir, para se passar do menor para o maior.

Mas eu continuo a ler o diploma do Sr. Ministro da Marinha:

Leu.

Eu conheço que o Sr. Ministro faz realmente uma idea lisongeira da capacidade mental dos seus camaradas, julgando-os capazes de se especializarem em todas estas cousas; mas osqnece-so de que êstes homens serão talvez depois uns sábios, faltando-lhes, contudo, o principal, que é serem uns bons oficiais de marinha, visto que passaram toda a sua vida nas escolas de especialização.

O Sr. Ministro diz no artigo 145.° o seguinte:

Leu.

Afinal vê-se que os oficiais extra-espe-cializados são obrigados a frequentar todos os cursos.

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Isto é de tal maneira confuso que não há maneira de se cumprir êste programa. Está bem, e, infelizmente, está mal também. Está bem como idea, está mal como forma de realizar, porque a passagem de oficiais superiores a oficiais generais, com as provas que se-lhes exige e na idade em que as têm de dar, reclama um material que não temos, infelizmente, e uma robustez que muitos oficiais já não podem ter.

Eu sei que o Sr. Ministra da Marinha tem procurado dar à marinha êsse material que lhe falta, mas estou convencido de que nada conseguirá, porque o estado financeiro do país não permite que durante muitos anos se possam fazer largas aquisições do material necessário para termos efectivamente uma marinha de guerra e podermos então fazer os tirocínios precisos para o comando das esquadras. Mas estar a introduzir-se na cabeça dum homem já de certa idade conhecimentos de estratégia e de tática com navios do cartão é uma brincadeira para os meus netos, mas não para mira.

Na verdade, tem V. Exa., Sr. Ministro, gasto já muito dinheiro na sua administração - e vamos lá que muitas vezes sem necessidade, mas isso fica para depois - sem que até hoje tenha conseguido resultados palpáveis em qualquer melhoria material da marinha de guerra. For aí pode S. Exa. ver qual o esfôrço que será necessário para qualquer cousa se fazer sentir na melhoria naval, porque a um pobre capitão de mar e guerra, para resolver problemas estratégicos, navais e de comando, etc., V. Exa. dá-lhe 180 horas do navegação.

Então um homem, em sete dias no mar, habilita-se a fazer tudo isso, com toda a variedade naval que hoje existe? Serão suficientes sete dias no mar para um exame para general?

V. Exa., porém, quando fixou êstes dias, sabia que não tinha marinha para lhe dar mais e que até talvez fôsse impossível fazê-lo navegar tanto.

Sr. Presidente: para não estar a carregar demasiadamente aã cores dêste quadro procurarei ainda no Regimento do Sr. Ministro da Marinha uma situação que S. Exa. dá aos oficiais de marinha, considerando-os em serviço da arma quando estejam ao serviço do Sr. Presidente da República. Ora V. Exa. sabe que o Presidente da República não tem casa militar, nem exerce funções militares.

Seria necessário fazer o Presidente da República chefe da fôrça armada para destacar oficiais do marinha para o seus serviço e considerá-los ao serviço da arma.

O Presidente da República não exercer nenhuma função militar, e, assim, não posso compreender que o Sr. Ministro dai Marinha coloque ao serviço do Presidente da República oficiais da armada na mesma situação em que pode colocá-los numa repartição ou num navio.

Diz-se também aqui neste diploma que estou discutindo:

Leu.

Não concordo. Isto é uma innovação inaceitável, porque o Ministro da Marinha exerce funções políticas e de administração, e não funções de oficial de marinha.

Sabe V. Exa. que um civil pode ser Ministro da Marinha. Já por mais de uma vez a pasta da marinha tem sido sobraçada por um civil.

Ora o que um civil faz não pode de maneira nenhuma ser considerado como tirocínio da arma.

Se S. Exa., na sua qualidade de Ministro da Marinha, exerce funções de oficial de marinha, procede mal, porque sai fora do âmbito das suas funções. Esquece as principais; esquece que a sua função é exclusivamente de administração.

Com respeito ao mergulhar êste diploma numa comissão, ou apelo para V. Exa. ar porque no entretanto, publicado êle no Diário do Govêrno, produzirá os seus efeitos.

E agora, como observação final, se S. Exa. consultar, e creio que já consultou o quadro correlativo da organização dos quadros o das suas funções, trabalho meticuloso, trabalho de paciência, S. Exa. verá que há através dêste organismo uma má distribuição de funções.

Apelo para o espírito de S. Exa., apelo para as suas boas intenções para que S. Exa. me releve esta crítica que lhe poderá ter sido acerba mas que é apenas exacta, que é apenas viva, porque é preciso definir com clareza e não deixar no espírito de quem quer que seja que me trouxe aqui qualquer propósito contra-

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S. Exa. ou politicamente contra o Govêrno.

Rogo a S. Exa. que faça o que lhe peço, faça com que êste seu diploma venha às Câmaras transformado em proposta do lei, passando por onde devo passar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que, nesta legislatura, uso da palavra nesta Câmara, cumpre-me dirigir a V. Exa. e a todos os Srs. Deputados os meus respeitosos cumprimentos..

Desejo também agradecer ao ilustre Deputado e meu colega, oficial de Marinha, comandante Sr. Filomeno da Câmara, o ensejo que me quis proporcionar de fazer algumas considerações em favor do diploma orgânico que foi publicado pelo Govêrno transacto, o regimento dos oficiais de armada.

Eu quero dizer à Câmara, com. uma convicção sincera, que não pretendi publicar um documento inconstitucional, nem eu nem o Govêrno de que fazia parte.

Em minha consciência e na consciência. do Govêrno a que pertenci, êsse diploma é constitucional porque se funda na alínea d) artigo 3.° da lei n.º 1:648, pela qual se deduz que ao Govêrno é permitido publicar providências desde que delas não resulte aumento de despesa em relação ao Orçamento, e, eu devo dizer; com toda a verdade, que dêsse diploma não resulta aumento das despesas previstas no Orçamento.

Ainda quero dizer que, se a Câmara entendesse, e pode entender no seu alto poder, que êste diploma é inconstitucional, o que eu pretendo que fique bem gravado é que não houve os sã pretensão da minha parte; que em minha consciência êsse diploma foi publicado não abusando das autorizações que o Poder Legislativo tem concedido aos Governos.

S. Exa. fez uma afirmação que me maguou um pouco, embora não fôsse essa a sua intenção.

Disse S. Exa. que êsse diploma não foi publicado de acordo com o estado maior naval, pelo facto de estar na Mesa o requerimento dum oficial do estado maior naval reclamando contra o decreto.

Devo dizer a S. Exa. e à Câmara que êste diploma, não vem de .ontem, êste estudo é longo, vem de afastada data, e também devo dizer que era eu oficial do estado maior naval quando se elaborou um parecer em que colaborei, parecer êsse, que me serviu de base para a elaboração dêste documento.

Quero, portanto, afirmar, que êste regulamento foi publicado de, acordo com o estado maior naval, não o estado maior, naval de hoje mas o desse tempo.

Foi ouvido igualmente o Conselho General de Armada.

S. Exa. apode muito bem confirmar estas, minhas afirmações lendo uma acta recente, do Conselho General da Armada, em que, se demonstra que êle foi ouvido.

Disse S. Exa. que o Ministro não se pode isolar no seu Gabinete com as pessoas, que, porventura q adulam, mas deve conhecer todos os serviços, e, de harmonia com êles, proceder.

O ilustre Deputado sabe muito bem que eu tenho vivido construi temente na armada integrado em todos os seus serviços; tenho as relações mais amigáveis com quási todos os meus camaradas. O meu Gabinete, nunca é fechado a nenhum deles, não podendo, portanto viver isolado nele.

Sabe também S. Exa. que, tendo eu desde 1911 feito parte de quási todas as comissões, de organização de marinha, o que tendo sido relator de muitas delas não posso desconhecer os serviços.

Também S. Exa. sabe que, na minha qualidade de oficial da estado maior naval, estava naturalmente ligado com os serviços, porque os serviços, estão em íntima ligação com o estado maior naval...

Fez S. Exa. várias considerações sôbre o decreto, mas, sôbre essas considerações de detalho que S. Exa. fez, estimaria eu, porque não estou de acordo com muitas, delas, expor, passo por passo, as razões justificativas de todo aquele articulado que constitue o regimento, mas, como S. Exa. faz parte da comissão de marinha, onde certamente se vão apreciar todos êsses pontos de detalhe, tenho o maior prazer em ouvir S. Exa. sôbre todas as incongruências que porventura haja nesse documento.

Digo também a S. Exa. com toda a verdade que tinha o maior prazer em que S. Exa. colaborasse comigo no sentido de

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melhorar êsse documento; para mim seria uma grande honra dar-se-lhe a fôrça que êle não tem, visto ser um decreto; dar-se-lhe uma fôrça legal, resultante do esfôrço de todos, melhorando-o em tudo aquilo em que fôr possível melhorá-lo.

Não tenho a pretensão de ter elaborado um documento perfeito - suponho que é impossível fazê-lo - mas o que tive sempre foi o maior desejo de provocar uma reacção vivificante sôbre o estado actual em que se encontra a corporação dos oficiais da armada.

Existindo no nosso país duas corporações militares a marinha e o exército, e exigindo-se para os oficiais do exército determinadas provas, não é razoável que para a marinha elas não existam.

Os tirocínios que actualmente se exigem para oficiais superiores e oficiais generais são insuficientes para se aquilatar dos seus merecimentos e aptidões para o exercício das suas funções.

Devo dizer a S. Exa. que, tendo apresentado a esta casa do Parlamento uma proposta para compra de material naval, que importa em cêrca de 7:000.000 de libras, tenho o dever do querer que êsse material fique em boas mãos e até hoje para se alcançar o ponto mais alto da hierarquia naval, pouco mais é preciso do que ser guarda-marinha e ter vida longa.

Uma das principais razões das manobras dêste ano foi preparar caminho para o futuro.

Já temos os navios ligeiros suficientes para uma razoável fiotilha e os agrupamentos tácticos que se constituíram durante as manobras bem demonstraram a possibilidade de se realizarem exercícios de molde a servirem para provas para promoção a oficial superior e oficial general.

O Sr Filomeno da Câmara: - É bastante 7 dias no mar, como tirocínio em capitães de mar e guerra?

O Orador: - Há também que contar com os tirocínios anteriores que todos os oficiais fizeram para chegarem a capitães de mar e guerra.

Não havia possibilidade com o número actual de capitães de mar e guerra garantir maiores tirocínios.

De futuro poderão ser aumentados, se o número das unidades navais aumentar, como espero, confiado no Parlamento.

Queria dar maior desenvolvimento às minhas considerações, porque era do meu dever responder a mais pontos. Mas para não cansar a Câmara, e ainda pela circunstância de que êste documento vai ser apreciado pela comissão de marinha, e nessa comissão terei o maior prazer de ouvir S. Exa. tratar dos seus pontos de vista, no sentido de melhorar êste documento porque tanto eu como S. Exa. estamos ambos animados pelo empenho de pôr a nossa marinha de guerra na devida altura.

Por isso na comissão de marinha, aqui e no meu gabinete terei muito prazer em colaborar com S. Exa., na revisão do diploma que estou defendendo.

Sôbre os reparos que S. Exa. fez sôbre as promoções, devo dizer que na actual situação militar existe grande disparidade entre oficiais do exército e marinha e oficiais de marinha congéneres.

Não há marinha alguma no mundo em que se encontrem capitães de fragata com a idade de 58 anos e no exército quási todos os oficiais que cursaram as escolas superiores com os actuais oficiais daquele pôsto são coronéis ou generais.

Além disto a idade de 58 anos é imprópria para o exercício das funções de oficial imediato e contudo um capitão de fragata daquela idade pode muito bem ser atingido hoje a desempenhar essas funções.

O princípio da diuturnidade é actualmente o único correctivo possível para remediar tal situação, tendo em atenção os serviços prestados.

Não foi aplicado o princípio da diuturnidade para promoção a oficial general, pois se entende que o pôsto de capitão de mar e guerra representa suficiente compensação por serviços prestados, reservando-se o pôsto de oficial general para quem demonstrar superiores qualidades de comando e direcção.

Agradeço a S. Exa. o ensejo que me deu de poder fazer algumas considerações em favor do regimento dos oficiais da armada.

Tenho dito.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: em harmonia com as disposições

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regimentais, vou ler a moção que mando para a Mesa:

"A Câmara dos Deputados, reconhecendo a necessidade do se proceder a uma urgente remodelação dos serviços públicos no sentido de realizar uma maior eficácia na administração do Estado e concomitantemente uma compressão de despesas, visando o equilíbrio orçamental, afirma o seu bom propósito do colaborar com o Poder Executivo neste objectivo, e passa à ordem do dia". - Manuel José da Silva.

Pela orientação que os numerosos oradores, que me precederam, têm dado ao debate, encontro-me neste momento na situação de ter de intervir num verdadeiro debate sôbre administração pública geral, e, implicitamente, sôbre política geral.

Antes de justificar os termos da minha moção, antes de formular os considerandos em que vou apoiar as conclusões de uma proposta que, oportunamente, mandarei para a Mesa, entendo dever dizer algumas palavras breves.

V. Exa. me relevará, Sr. Presidente, se elas não disserem directamente respeito à moção que tive a honra de enviar para a Mesa.

Entendi sempre, e entendo, que o Parlamento, em todos os momentos, tem de ser o guarda vigilante do diploma fundamental da nação.

Sempre que o Parlamento intervier no sentido de pretender estabelecer um correctivo a qualquer inconstitucionalidade do Govêrno, estarei ao lado daqueles que protestem nesse sentido.

Entendo, porém, que o Poder Legislativo só pode ter autoridade para assim proceder, se der um exemplo permanente e insofismável de respeito pela Constituição da República.

Vamos assistindo, de há dias a esta parte, a uma discussão sôbre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade em que vários diplomas legislativos se fundamentaram.

Êsses diplomas foram trazidos às colunas do Diário do Govêrno pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira.

E, hoje, o Parlamento, ao apreciá-los e ao discutir essa presumida constitucionalidade ou inconstitucionalidade, sentiria maior fôrça moral, teria um maior prestígio aos olhos do país, se, quando começou os seus trabalhos, tivesse tido logo o cuidado de se meter êle próprio adentro dos limites da Constituição.

Entendo que êste Parlamento da República funciona inconstitucionalmente.

Para fundamentar a minha opinião, bastaria invocar a lei n.° 1:554, que, para nós, tem sido letra morta.

Se nós, logo de início, tivéssemos tido-o cuidado de harmonizar o nosso sistema de trabalho com as disposições dessa lei, ao apreciarmos agora os decretos publicados pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira - repito - tínhamos muito mais autoridade moral.

Como complemento da atitude assumida há dias por mim nesta Câmara, quando foi presente uma proposta para que a comissão do Regimento dêsse o seu parecer sôbre uma proposta pendente da anterior legislatura, proposta creio quedo Sr. Velhinho Correia, para que o futuro Parlamento viesse a funcionar por secções, como complemento da atitude que tomei, dizendo que os que entendiam que o Parlamento estava funcionando mal, tinham absoluta obrigação de intervir agora, para que não tivéssemos um espectáculo idêntico ao do final da anterior legislatura, devo dizer a V. Exas. Sr. Presidente, que na minha situação de parlamentar independente e, portanto sem quaisquer compromissos partidários, logo que acabe o actual debate, proponho bater-me à outrance, para que nós, Poder Legislativo, nos metamos sempre adentro da Constituição e das leis em vigor.

Mas, Sr. Presidente, é caso para preguntar se o Sr. Domingos Pereira ou o seu Govêrno são acaso os culpados da situação que o Parlamento a si própria criou.

Decerto que não.

Por muitos erros ou virtudes que tenha afirmado o Govêrno de S. Exa., decerto não se lhe pode pedir a responsabilidade da situação do actual Parlamento, em face da lei n.° 1:554.

Vejamos, Sr. Presidente, se o sistema que o Parlamento tem seguido na orientação dos seus trabalhos corresponde, de longe ou de perto, à situação do responsabilidade que perante o país se criou..

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Vejamos também quais as questões que temos pendentes, e que se impõem à apreciação do Parlamento.

Tenho aqui apontado um sudário delas. E, assim, temos já nesta Câmara uma proposta de duodécimos relativa a cinco meses, que está na comissão do Orçamento, mas que, em breves dias, será submetida à nossa apreciação.

Temos, a seguir, de apreciar o Orçamento, e, porventura, acompanhando-o, um conjunto de propostas fiscais, que não podem ser discutidas do animo leve, mas que, no emtanto, têm do ser votadas de pronto.

Temos ainda o problema de que trata a minha moção: "a reorganização dos serviços públicos".

Temos, além de tudo, a exigência que a própria Constituição nos marca, de fazer uma lei do responsabilidade ministerial, a qual tem toda a oportunidade.

Temos também necessidade do discutir e votar uma proposta sôbre o Habeas Corpus.

Temos já anunciada uma interpelação ao Sr. Ministro das Colónias, sôbre o regime bancário no Ultramar.

É, uma questão destas, com um largo campo de transcendência, não vai ser, decerto, tratada em uma ou duas sessões.

Temos mais que apreciar uma proposta sôbre reforma agrária, que tem a sua actualidade.

É a Esquerda Democrática, pelo menos ela, certamente fará a diligência para que tal proposta seja discutida, visto que foi apresentada por um seu correligionário, e porque, além disso, se trata de um problema que fica bem a uma Democracia resolvê-lo.

É o que se pensa sôbre o problema das reparações?

É natural que qualquer Sr. Deputado interrogue o Sr. Ministro dos Estrangeiros sôbre o assunto, bem como sôbre a nossa vida de relações comerciais com os outros países; é natural que, sôbre êste assunto, apareça qualquer proposta, como complemento final dos trabalhos do Sr. Ministro dos Estrangeiros, proposta esta sôbre a qual a Câmara terá de fazer um estudo consciencioso.

Temos também, além de tudo, a reforma constitucional.

Tem o Parlamento poderes constituintes, e já se têm notado, no decurso anos, algumas anomalias que urge remediar.

E temos também de fazer um largo debate sôbre a nossa legislação eleitoral, que é tudo quanto há de mais antiquado.

Temos outra lei que há necessidade de o Parlamento votar e de que, decerto, a Govêrno bem depressa nos trará a respectiva proposta: é a lei da imprensa.

Ora, Sr. Presidente, vendo V. Exa. quantum de trabalho que se exige para se encararem êstes problemas que se completam o que têm como cúpula final, uma questão que é basilar para a vida do país, como é a questão dos tabacos, repare se o Parlamento, trabalhando como se está trabalhando, pode corresponder à altíssima missão que o país lhe confiou.

Sr. Presidente: tenho verificado, e com prazer, que o ambiente de ódio que por vezes se viveu em sessões legislativas anteriores, em que os homens dêste ou daquele partido quási se tratavam como feras, impossibilitando fórmulas de concórdia, desapareceu completam ente dentro do Parlamento. Vejo pessoas de alta. responsabilidade mental e de elevada categoria política aqui dentro darem diariamente mostras da sua admirável boa disposição para encontrarem fórmulas de transigência, podendo abdicar airosamente dos seus pontos de vista, desde que dessa abdicação resulte a conveniência a dentro do possível de realizar qualquer cousa. Isto é sintomático, e aos homens que dirigem os partidos cabe não perder este ensejo de fazer em benefício do país e da República aquilo de útil que até hoje não têm feito.

O Parlamento, entre todos os motivos de descrédito que ali se tem criado, pode considerar-se como tendo a principal razão do desprestígio no facto de funcionar permanentemente. Se o Parlamento funcionasse apenas no prazo marcado pela Constituição, digo a V. Exa. que o Parlamento sempre que estivesse fechado estaria altamente prestigiado, porque toda a gente que tivesse qualquer questão a tratar, envolvendo reconhecimento de direitos ou injustiças, havia do dar um voto de confiança, pelo menos, aos seus amigos, dizendo: ah! que se o Parlamento estivesse aberto fulano ou cicrano trat-

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ria do caso e o Parlamento resolvê-lo-ía com toda a justiça. Assim, funcionando como funciona o Parlamento, as questões acastelando-se enormemente, podendo ter hoje uma solução que é razoável, para no dia seguinte pala perda de oportunidade terem uma solução péssima, digo a V. Exa. que toda a génio que tem questões ,do interêsse a tratar vê nisso um flagelo. Portanto, temos do modificar os nossos costumes políticos, e o facto há pouco constatado por mim é indício seguro de que há uma tentativa nesse sentido.

Depois da reforma dos nossos costumes, temos de modificar o nosso sistema d@ trabalho. Há que passarmos a funcionar noutros termos, a fim de podermos trabalhar utilmente.

Feitas estas considerações à margem da minha moção, permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que catre na justificação dela.

Desde há quatro anos que eu, político som situação, a não ser a de simples comentador da Arcada em conversas com amigos, venho assistindo, de vez em quando e frequentes vezes, a afirmações traduzindo o desejo, ou por parto de agrupamentos partidários ou por parte de homens públicos isolados, mas trabalhando dentro das normas constitucionais, ou ainda por parte dos numerosos salvadores que de todos os lados surgem a querer impor-se à sombra da fôrça de uma ditadura, de que, por absoluta necessidade, sejam remodelados os serviços públicos; desejo que deriva da circunstância, por todos fàcilmente verificada, de que a nossa máquina administrativa, de que a nossa máquina burocrática está, desde há tempos a esta parte, absolutamente emperrada. Porque? Por falta de competência daqueles que a têm de manobrar? Por falta de elementos para que as boas vontades que têm posição de comando possam, eficientemente, desenvolver a sua acção? Porque a nossa engrenagem legislativa seja viciosa e emperrante?

Não o sei, mas, por um conjunto de razões, sejam elas quais forem, o que é certo, o que se verifica, é que a nossa máquina administrativa emperrou. Verifica-se mais, e para isso basta consultar no orçamento em qualquer altura: é que o pêso brutal de encargos que impendem sôbre o Estado resulta, sobretudo, da sua máquina burocrática. - É preciso remodelar os serviços públicos!... - toda a gente o diz. E, à fôrça de o ouvir dizer, eu próprio me tenho convencido em minha consciência de que, realmente, essa remodelação é necessária.

Tenho visto programas de partidos, de governos, anunciando compressões de despesas, preconizando o agrupamento de ministérios dentro do determinadas fórmulas, como, por exemplo, do Ministério da Agricultura com o do Comércio e porventura com os restos do Ministério do Trabalho, dando assim lugar ao mistério da Economia.

O próprio Parlamento, não o actual, mas o anterior, chamada a sua, atenção para um problema fundamental para a vida da nação, chegou, não quero dizer se constitucional ou inconstitucionalmente, a dar autorizações a sucessivos governos o sentido de procederem a uma remodelação dos serviços públicos, mas, como a maior parto das afirmações que se faziam s Obro a necessidade dessa remodelação não passava de palavras, porque os homens que as empregavam não se tinham preocupado a sério em. fazer traduzir em actos ou, ao menos, em esquema de actos o sou pensamento, o que é certo é que êsses sucessivos governos, portadores de tais autorizações, não fizeram outra cousa senão obra de incidentes, mas de pequeninos incidentes, do que resultou até uma maior anarquia para os serviços públicos.

Toda a gente que assiste ao desenrolar da nossa política de administração convenceu-se, e era fácil o convencimento, de que realmente a preocupação da maior parte dos Ministros não era servirem-se de uma autorização que o Parlamento lhes havia dado para efeito de remodelar os serviços públicos, mas, apenas, mandarem para o Diário do Govêrno pequeninos diplomas, que talvez pudessem levar ao seio da família a consoladora certeza de que o chefe era um grande homem, porque assinara seis ou sete diplomas.

As questões, à fôrça de serem proteladas, acabam por complicar-se, por enredar-se, criando uma situação que em certo momento é incomportável.

O problema da remodelação dos serviços públicos está nestas condições.

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O Govêrno, quer seja constituído por elementos da direita ou da esquerda, tem de arcar com êle, não nos termos em que se encarou no passado, suprimindo serviços aqui e além, mas fazendo uma obra criteriosa e metódica.

Pregunto: Qual é a economia que tem resultado do processo que se tem adoptado?

Verifica-se, Sr. Presidente, que os encargos do Estado são sensivelmente os mesmos, porque o pessoal, à sombra dos chamados "direitos adquiridos", continua recebendo dos cofres públicos as mesmas quantias que recebia.

Sr. Presidente: desde que se pense a sério na remodelação dos serviços públicos, temos de encarar o problema por forma a resolvê-lo com eficiência. Vi anunciada na declaração ministerial a intenção, por parte dos Srs. Ministros das Colónias e dos Estrangeiros, de procederem a uma remodelação dos serviços dos seus Ministérios.

Não sei à sombra de que autorização S. Exas. tencionam levar a efeito o seu pensamento, mas, no emtanto, deixem-me V. Exas. dizer que é convencimento meu que, se, porventura, amanhã qualquer dêsses titulares vier à Câmara, janto dos partidos, junto das pessoas que têm responsabilidades políticas, terão o apoio de todos nós. E nós, que podemos em certa altura duvidar até da legitimidade de qualquer autorização que não seja dada ao abrigo dos números que a Constituição taxativamente define, nós, partidos e homens isolados, não deixaremos de fazer essa obra útil e urgente.

Mas, Sr. Presidente, êsse desejo dos Srs. Ministros das Colónias e Estrangeiros não pode ser isolado, sob pena de criarmos mais um motivo de descrença a juntar a tantos outros que já existem.

Essa obra tem de ser de conjunto, e desde o momento que o Govêrno quere governar - e deve governar porque tem maioria parlamentar - nós, simples anotadores, simples colaboradores - e essa é a posição em que estou - temos o direito de exigir da parte dele e da maioria a definição dos seus pontos de vista em torno de um problema de tal magnitude.

Não sei se o Govêrno e a maioria já pensaram no problema. Se o não fizeram, entendo que é o momento de o fazer.

Sinto que a Câmara não está a dar atenção às minhas palavras...

O Sr. Presidente: - Acaba de chegar à Presidência a informação de que dentro em pouco vai faltar a luz. Não pode, portanto, continuar a sessão.

Fica V. Exa. com a palavra reservada para amanhã.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sim, senhor.

O Sr. Presidente: - O resultado da votação feita há pouco é o seguinte:

Conselho Superior de Finanças

Para efectivos:

António de Paiva Gomes (eleito) .... 61 votos
Baltasar de Almeida Teixeira (eleito) .... 65 votos
José de Nápoles .... 1 voto
Palma Mira .... 1 voto

Substitutos:

A. Pires do Vale (eleito) ..... 63 votos
Custódio M. de Paiva (eleito) .... 61 "
Ornelas da Silva .... 1 voto
Rafael Ribeiro .... 1 "
Listas brancas, 25.

Caixa Geral de Depósitos Conselho Fiscal

Substituto:

Marques de Azevedo (eleito) .... 68 votos
Raimundo Alves ..... 1 voto
Listas inutilizadas .... 1 voto
Listas brancas, 28.

Junta do Crédito Público Efectivo:

Bernardo Pais de Almeida (eleito).... 68 votos
Cunha Leal .... 1 voto
Listas brancas, 29.

Conselho Colonial Efectivos:

Domingos Leite Pereira (eleito) .... 72 votos
Francisco Amaral Reis (eleito) .... 65 "
Alexandre de Vasconcelos e Sá (eleito) .... 42 votos
Filomeno da Câmara .... 3 votos
Tamagnini Barbosa .... 1 voto
Filemon de Almeida .... 1 "
José Carlos Trilho .... 1 "
Listas brancas, 14.

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O Sr. Presidente: - A sessão continua amanhã, à hora regimental.

Eram 20 horas.

SEGUNDA PARTE

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Manuel José da Silva.

O Sr. António Cabral: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa. neste momento, porque já dei a palavra ao Sr. Manuel José da Silva.

O Sr. António Cabral: - É uma violência, porque V. Exa. n reabriu a sessão às 15 horas o 20 minutos.

Não há número paru a Câmara funcionar.

O Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Exa. que o orador ficou com a palavra reservada.

O Sr. António Cabral: - Mas não há número.

O Sr. Presidente: - Nem V. Exa. nem eu podemos assegurar que não há número.

Depois de o Sr. Manuel José da Silva fazer as suas considerações, então é que V. Exa. poderá formular o seu requerimento.

Vozes: - Apoiado! Apoiado!

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: suponho que sou eu quem está no uso da palavra.

Não é a mim, nem a nenhum dos Deputados, que cabe a direcção dos trabalhos da sessão.

E a V. Exa., e sòmente a V. Exa., que o Regimento marca essa função.

Apoiados.

Sendo assim, e tendo V. Exa., no cumprimento de um dever, informado um Sr. Deputado acerca de determinada dúvida, e ainda de que eu estava no uso da palavra por virtude de ter ficado com ela reservada desde ontem, reputo um acto de desconsideração para V. Exa. para a Câmara o desacatar-se essa indicação.

O facto de se querer dar à galeria e impressão de que só não deseja trabalhar, provocando uma suspensão dos trabalhos é tudo quanto há de mais irrisório.

Estou no uso da palavra dentro do Regimento; e não é permitido a ninguém interromper-me, seja a que título fôr, sem minha automação.

Dito isto, continuo as minhas considerações sôbre o debate da administração pública, que tem estudo pendente desta casa do Parlamento.

Fiz ontem considerações de ordem geral, tendentes a demonstrar a verdade o a razão do certo número de pontos de vista, que, hoje, no decurso das considerações que vou formular, definirei.

Mas. porque preciso da presença do alguém do Govêrno, para acompanhar as considerações que vou fazer, antes de as iniciar pregunto a V. Exa. se sabe se o Govêrno se fez representar na sessão, dentro de curto prazo de tempo.

O Sr. Presidente: - Sou informado do que o Sr. Presidente do Ministério vem já a caminho da Câmara.

O Orador: - Nesse caso continuo as minhas considerações.

Sr. Presidente: a doutrina da moção que eu mandei para a Mesa, sintetiza-se nestas duas frases: seguir uma política firme do compressão de desposas, e fazer imediata monto a remodelação dos serviços públicos.

Ontem salientei o facto, deveras consolador para todos os republicanos, do termos que desta casa do Parlamento, onde durante anos sucessivos só vivou um ambiente do instabilidade da acção, por virtude das paixões políticas, que levaram os homens a choques tremendos, inutilizando-se a sua acção, vivemos num ambiente com características absolutamente opostas, e que aos homens que dentro dos partidos têm situação do direcção compete auxiliar, e, sobretudo, aproveitar.

Não sei só as pessoas que tem a seu cargo nortear a acção dos partidos, apesar do muito respeito que lhes devo como pessoas, estão ao nível da situação, me-

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nos pelos soas méritos mentais, mas mais e muito mais pelo ambiente que vivem dentro dos próprios partidos, que é de verdadeira indisciplina.

A Câmara dos Deputados viu chamada ã sua atenção para a obra do Govêrno do Sr. Domingos Pereira, por virtude da apresentação a esta casa do Parlamento do um projecto de lei, visando a anular os efeitos do um diploma publicado pelo Ministério das Finanças, e relativo às câmaras municipais.

O apresentante do projecto, e alguns oradores que secundaram as suas considerações, demonstraram com relativa facilidade a falta de argumentos razoáveis para justificar a manutenção dêsse decreto.

Criou-se assim, na Câmara, um ambiente favorável à anulação dêsse decreto.

Foi dentro dêsse ambiente que o Sr. João Luis Ricardo, talvez por uma associação de ideas, que eu reputo absolutamente lógica, apresentou o seu projecto abrangendo a suspensão do quatro ou cinco diplomas, que tinham sido levados às colunas do Diário do Govêrno pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira, de maneira que todos êles tivessem uma discussão em conjunto.

Nessa altura, intervindo no debate, demonstrei, e com relativa facilidade, que era má técnica parlamentar o associar, para efeitos de suspensão ou anulação, um conjunto de decretos que a Câmara, por cada um dos membros, não tinha lido tempo suficiente para apreciar.

Desse processo de trabalho deveria resultar fatalmente isto: é que um acto que a Câmara estava disposta a praticar, no convencimento do que êle era útil, poderia perder a sua oportunidade, por virtude de se enxertarem nele outras questões.

Entrou em discussão o projecto do Sr. João Luís Ricardo, e a maneira como os oradores se têm comportado, especialmente o Sr. Álvaro de Castro, levou a Câmara ao convencimento de que se estava dentro do um debate de administração pública geral, cabendo, portanto, a cada um marcar a sua posição.

Não é, portanto, de estranhar que um Deputado independente, que não tem do condicionar o seu procedimento à disciplina partidária, entre nesse debate.

Foi, porventura, por razões de constitucionalidade que o Sr. João Luís Ricardo apresentou o seu projecto de lei?

Não, porque, entre os decretos visados por S. Exa., alguns há que são absolutamente constitucionais, conforme eu demonstrarei daqui a pouco.

Foram, porventura, razões de oportunidade, de conveniência ou até de finalidade as da publicação dêsse decreto? Certamente. E o Sr. João Luís Ricardo teve o cuidado, na série de considerações que formulou, de o salientar.

Sendo assim, vejam V. Exa. Se se tinha ou não razão o ilustre leader do Partido Republicano Nacionalista quando, no último dia, falando a propósito desta questão, pôs em destaque a confusão enorme dentro da qual a Câmara está trabalhando.

Viu-se enxertar, numa questão relativa a oportunidade o a ordem técnica, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dêsses 4 ou 5 decretos, e, até mesmo, de muitos outros. E eu, que costumo acompanhar, no cumprimento do meu dever de representante da nação, as questões que aqui são postas, devo dizer que é em obediência a êsse dever que tenho vindo acompanhando a discussão citada, e que não vi ainda, na realidade, qualquer razão suficientemente forte para se poder afirmar que, pelo menos, a maior parte dêsses diplomas não é constitucional.

Mas cumpre-me pôr em destaque que entre os decretos que figuram no projecto do Sr. João Luís Ricardo há um, pelo menos, ao qual S. Exa. não pode invocar qualquer motivo de oportunidade, de conveniência de serviço, ou até mesmo de economia.

O diploma que mais vivo debate tem provocado nesta Câmara é o que se refere à extinção do Ministério do Trabalho.

O Sr. João Luís Ricardo nunca precisou, nem precisa hoje, dos meus conselhos; no emtanto, sempre lhe direi que, se S. Exa., em vez de ter amontoado no seu projecto de lei aquele feixe de decretos, tivesse provocado, única e simplesmente, um debate na Câmara acerca daquele decreto, certamente que outro resultado teria obtido.

Mas, já que assim só não fez, não nos podemos abstrair do assunto.

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Não é novo o que se está passando neste momento na Câmara dos Deputados.

Em vez de nos preocuparmos com a solução das questões que nos estão afectas o de incitar o Govêrno a que nos traga outras para apreciarmos, nós estamos aqui a gastar o nosso tempo com a discussão da obra de um Govêrno, para o qual até a recusa do bill de indemnidade nenhum mal lhe fazia. O bill do indemnidade tem. os seus efeitos, e a sua recusa pode provocar a queda de um Govêrno. Mas, com relação ao caso presente, de um Govêrno que já morreu, repito, nenhum mal lhe fará só êle lhe fôr negado.

Eu entendo que a Câmara dos Deputados, para avaliar da inconstitucionalidade do qualquer diploma dimanado do Poder Executivo, tem, sobretudo, de colocar se, em relação ao país o à Constituição, numa situação de prestígio, para que as suas resoluções possam realmente ser olhadas com respeito.

O facto de a Câmara dos Deputados estar, repito, e desejo pôr isto em destaque, trabalhando dentro dum sistema absolutamente inconstitucional faz lhe perder o seu prestígio. Seja, porém, como fôr; e, uma vez marcada esta nota, passemos adiante.

Em 1919, depois da série de acontecimentos resultantes da proclamação da monarquia do norte, o Sr. Domingos Pereira, levado por imposições brutais das circunstâncias do momento político, teve de arcar com as responsabilidades da governação pública. Nessa altura, Sr. Presidente, todos os republicanos, que tinham acabado do sair dum período de ditadura política, apelavam para e Govêrno para que solucionasse um conjunto de questões que - todos êles o diziam - interessavam à nação, mas nas quais integraram, alguns, os seus interêsses pessoais. Por virtude da brutalidade das circunstâncias, repito, o Govêrno do Sr. Domingos Pereira teve de actuar de uma maneira, por vezes atrabiliária. As colunas do Diário do Govêrno foram pejadas de diplomas de vária ordem; e o que é certo é que, quando o Parlamento que se seguiu, pelo voto de em ou dois parlamentares (e eu conto-me nesse número), tentou não discutir a obra do Govêrno Domingos Pereira, mas apenas dar ou recusar um bill de indemnidade a certos diplomas, a Câmara quási por unanimidade, excepção de cinco ou seis parlamentares, no número dos quais eu me contava, recusou-se a dar o bill de indemnidade porque não queria discutir a obra do Govêrno Domingos Pereira. Lembro que ao tempo era leader do Partido Republicano Português o Sr. Álvaro de Castro. Pena foi, Sr. Presidente, que nessa altura o leader do Partido Republicano Português não tivesse concordado com essa pequena minoria de Deputados que queria realmente regularizar a situação.

Mas talvez o Sr. Álvaro de Castro pensasse bem; e talvez pensasse bom porque da discussão de muitos dos diplomas em. causa, que hoje são criticados como tendo acarretado pura o Tesoura grande aumento de desposa, talvez se tivesse reconhecido da sua utilidade e da sua oportunidade ...

Digo isto com a autoridade que resulta de eu poder afirmar em toda a parte que não fui das pessoas beneficiadas pelo Govêrno Domingos Pereira.

No emtanto essa obra do Govêrno Domingos Pereira, que trouxe ao Estado grandes encargos, obedeceu do Tacto a uma política que é preciso que haja a coragem, não digo de defender, mas de pôr em foco perante aqueles que fazem a essa obra urna crítica acónima.

Nessa altura, decorrido um pequeno período depois do armistício, resultou para o País uma crise de desemprêgo agravada pela questão do ordem política interna, e, quando em todo o mundo se fazia uma política de assistência àqueles que pelas circunstâncias ocorrentes se encontravam desempregados, chegando a própria Inglaterra a consignar nos seus orçamentos importâncias avultadíssimas para atender à situação dos desempregados das docas o das minas, o Sr. Domingos Pereira reconheceu também que cá dentro era necessário fazer uma assistência aos desempregados.

A melhor forma do o conseguir foi aquela que adoptou o Govêrno, pondo ao serviço do Estado pessoas que êle reputava idóneas.

E porque as reputava idóneas?

Porque muitas delas estavam já na situação de contratadas do Estado; porque

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a respeito de muitas delas os partidos e os homens públicos se apressavam a constatar a sua idoneidade quanto a competência técnica.

O Govêrno Domingos Pereira procedendo como procedeu não fez mais do que realizar essa obra de assistência necessária em Portugal.

No entanto, depois disso, as críticas recaíram sôbre o Sr. Domingos Pereira e sôbre o seu Govêrno; e o certo é que, apesar do os partidos e homens públicos com responsabilidades anunciarem sempre e em toda a parte a conveniência e urgência de se reorganizarem os serviços públicos, daí para cá nada se fez nesse sentido, nem tam pouco no sentido de os melhorar.

Alguns Governos portadores de autorizações parlamentares comportaram-se em relação ao assunto por forma a que eu tenha o direito de os julgar, dizendo que não estavam preparados para arcar com o problema da organização dos serviços públicos.

À inércia dos governos associa-se a inércia do Parlamento; e Parlamento e Governos em conjunto demonstraram a sua falta do capacidade para solucionar êsse problema.

Foi nesse momento que se constituiu o Govêrno da presidência do Sr. Álvaro de Castro, de que tantos falam, o muito em especial o próprio Sr. Álvaro de Castro.

O Sr. Álvaro de Castro meteu-se dentro de um conjunto de normas que estabeleceu para justificar a sua acção política.

S. Exa. entrou assim na efectivação duma política de redução de despesas.

Devo dizer que eu também, preconizando essa política, acompanhei S. Exa. com o meu apoio moral no desenvolvimento dêsse pensamento de Govêrno; mas S. Exa. não conseguiu mais que desorganizar os serviços.

O Sr. Álvaro de Castro, porém, não sendo eu seu companheiro político, mas prestando homenagem à sinceridade do meu apoio, convidou-me para fazer parte da comissão de economias do Ministério das Finanças, lugar que aceitei.

Infelizmente a acção dessa comissão não pôde ser tam eficaz como era para desejar, pois não se sabia até que ponto ia a autorização parlamentar quanto à reorganização dos serviços e não se sabia também até que ponto estava disposto a ir o Sr. Álvaro de Castro.

Depois, o Ministério que se seguiu, a despeito das suas afirmações em contrário, não prosseguiu na efectivação dessa política.

Muitos diplomas foram publicados sob êsse pretexto, mas que o não eram.

Assim, o Ministério do Sr. Domingos Pereira publicou muitos decretos, e entre êles, um diploma sôbre duodécimos que permitiu ao Govêrno fazer alterações de verba de Ministério para Ministério, de pessoal para expediente e vice-versa.

Eu, Sr. Presidente, tenho especial autoridade para fazer justiça ao Govêrno, e, sobretudo, pôr em destaque a razão principal e fundamental do seu procedimento.

O Govêrno encontrava-se sem duodécimos, que o Parlamento não conseguira votar em três prorrogações sucessivas, o que é sintomático e sobretudo desprestígiante.

Se as Câmaras analisassem dos inconvenientes tremendos que daí resultam para a administração pública, não passaria um ano sem se votarem os orçamentos.

Não vou falar da história antiga; vamos, porém, ao que importa.

Entre os diplomas do Govêrno Domingos Pereira, considerados inconstitucionais, alguns são acobertados com a razão de oportunidade e de técnica.

Entre êsses diplomas há um que diz respeito à fiscalização dos caminhos de ferro.

O leader do Partido Nacionalista demonstrou já nesta Câmara, à evidência, que êsse diploma é constitucional, pois se encontra dentro das autorizações parlamentares.

O Sr. Cunha e Costa: - E V. Exa. reputa constitucionais as autorizações parlamentares?

Estabelece-se diálogo entre o Sr. Cunha e Costa e o orador.

O Orador: - Se as autorizações parlamentares não são constitucionais também há sete ou oito anos que muitos diplomas não são constitucionais.

O ilustre leader nacionalista afirmou 0 muito bem: 1.°, que o diploma sôbre fiscalização é absolutamente constitucional; 2.°, que o diploma era duma necessidade

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imperiosa; 3.° que êsse diploma libertaria o Estado dam encargo não inferior a 1:500 contos.

Ora, sendo assim, cabe-me demonstrar estas três asserções. Vou entrar nesse caminho.

Em 1920 o Govêrno do Sr. António Granjo, portador duma dessas aatorizações parlamentares, resolveu, pela pasta do Comércio, dar uma nova orientação aos serviços dêsse departamento da administração pública e assim fez publicar um decreto remodelando a sua orgânica.

Era Ministro do Comércio dêsse Govêrno o Sr. Velhinho Correia, e entre outras disposições que ao caso interessam vera inserta nesse decreto uma, para a qual ou chamo a atenção da Câmara: é a do artigo 29.°, citando o Conselho Superior do Caminhos de Ferro.

No mesmo diploma, e nos artigos 144.° e 145.°, diz-se que em diploma especial serão reguladas as atribuições e o funcionamento dêsse Conselho, ficando o Govêrno autorizado à publicação do todos os diplomas que sejam necessários à execução do referido decreto.

Passaram-se cinco anos e nunca os Governos executaram essas disposições do decreto orgânico do Ministério do Comércio.

Surge o Govêrno do Sr. Domingos Pereira, o, ao abrigo das autorizações que vou citar, resolvo fazer a publicação do decreto relativo à fiscalização dos caminhos do ferro.

Para êsse efeito, no diploma em questão invocou o n.° 3.° do artigo 47.° da Constituição. E invocou-o bem, tam bem ou tam mal que o Sr. Álvaro de Castro, no conjunto de diplomas que citou como sendo atropelo ao n.° 3.° do artigo 47.° da Constituição, não incluiu esto.

Invocou o Govêrno a doutrina da lei n.° 1:545, o os críticos, do dentro o de fora do Parlamento, não o combateram sob o ponto de vista dos interêsses do Estado, mas simplesmente dizendo que a lei n.° 1:545 autorizara o Govêrno a publicar decretos que visassem à melhoria cambial.

Essa lei n.° 1:545 autorizava, é certo, o Govêrno a publicar êsse diploma, visto êle contribuir directa e eficazmente para a melhoria das nossas divisas cambiais reduzindo-se como se traduziu numa eliminação do despesa do Estado sem novo encargo para u economia da Nação. Mas vamos adiante.

O Conselho Superior de Finanças, a cuja apreciação o decreto foi submetido, sem querer entrar na apreciação da economia resultante do decreto, consignou o princípio de que êle não só continha nessa autorização. E o Govêrno, recorrendo a autorizações legais, encontrou de facto o diploma que só por lapso não foi citado, e que é a lei n.° 1:648.

Nessa lei vêm contidas disposições que permitem ao Govêrno fazer a publicação dêsse decreto.

Os críticos apressaram-se a procurar demonstrar que a citação da lei n.° 1:648 mio podia ser feita, porque ela estava limitada, quanto ao tempo do execução, ao ano económico transacto, esquecendo-se êsses críticos do que de facto existe a lei n.° 1:763, à sombra do cujas disposições a lei n.° 1:048 foi mandada manter em vigor.

Assim, fez bem o Govêrno em manter êsse decreto, porque êle é absolutamente constitucional, o eu vou demonstrar a V. Exa. e à Câmara que êsse diploma foi duma oportunidade flagrante.

A fiscalização dos caminhos do ferro era em Portugal menos do que embrionária, porque não era nada.

Há um conjunto de diplomas a que essa fiscalização tinha de obedecer, desde a legislação Elvino de Brito, de 188.º, até o decreto n.° 7:036, de 1920, com passagem pelos decretos n.ºs 5:039, do 1918, e 5:605, de 1919.

Há uma série de disposições, algumas delas que, por serem secretas, era de presumir que modificassem muitas das disposições anteriores. Mas não.

A fiscalização dos caminhos do forro norteava a sua acção pelas disposições que muito bera lhe apeteciam duns e doutros diplomas. E - caso curioso - as pessoas que hoje falam da inconstitucionalidade do diploma em questão perfilham o statu que, que é apenas o querer dever-se respeito a dois diplomas publicados pela ditadura dos Governos de Sidónio Pais.

Interrupção do Sr. Álvaro de Castro que não se ouviu.

O Orador: - Não é admissível que se atribuam razões de inconstitucionalidade

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a certos diplomas, procurando-se, para tal, manter outros que têm, por muito mais fortes razões, motivos de inconstitucionalidade. Nenhum Parlamento, que eu saiba, concedeu bill de indemnidade à obra dos Governos saídos da revolução de 5 de Dezembro.

Sr. Presidente: de todo êsse emaranhado legislativo a que tinha de obedecer a fiscalização dos caminhos de ferro figuram alguns diplomas modificando serviços, os quais, na verdade, não foram publicados por conveniências de serviço público. Antes pelo contrário.

Sr. Presidente: a propósito da discussão dêste assunto, eu lembro à Câmara a
representação que foi formulada por uma das emprêsas, preconizando a suspensão
dêsse diploma, com o fundamento de os serviços de fiscalização terem um maior desenvolvimento.

Nós estamos, Sr. Presidente, a ver a sinceridade dessa empresa pedindo uma mais rigorosa fiscalização aos seus serviços, ela que se sentia admiravelmente bem dentro do sistema anterior!

O ilustre Deputado Sr. Cunha Leal teve ocasião de pôr em destaque e de justificar com argumentos qual era a situação dos serviços de fiscalização dos cominhos de ferro, e no rol das e nas argumentações citou um diploma que eu vou ter a honra de ler à Câmara, o qual contém afirmações gravíssimas relativamente a uma sindicância feita aos serviços do fiscalização dos caminhos de ferro, diploma êsse que diz o seguinte:

Leu.

O Sr. Cunha Leal foi estudar o assunto relativamente às sobretaxas, tendo verificado a maneira como essas companhias se têm comportado em relação aos Governos e para efeito do lhe fazerem entrega das importâncias que ao Estado pertencem.

Verifica-se, Sr. Presidente, que, por efeito dêsse diploma, se aumentaram as sobretaxas, e apreciada a sua inconstitucionalidade ela é muito mais discutível do que a do diploma que estamos discutindo.

No omtanto deu-se-lhe foros de legalidade, continuando de pé, como de pé tem estado, devido à inércia dos Governos, outros diplomas absolutamente ilegais e que constituíram um abusivo favor às companhias.

Refiro-me, Sr. Presidente, à portaria Lúcio de Azevedo, que veio modificar a doutrina de uma lei fundamental, relativa a sobretaxas.

Diz-se, Sr. Presidente, que êste diploma aumentou as despesas.

Não é assim; e eu devo dizer mesmo à Câmara que o diploma em questão eliminou alguns encargos orçamentais em cêrca de 1:580 contos; embora se tivesse aumentado de facto, em conjunto, os encargos de fiscalização.

Ficou assim liberto o Orçamento do Estado do encargo das desposas de fiscalização, que passarão a ser cobertas por uma insignificante cota parte das receitas das sobretaxas que o Govêrno permite subsistam sem alteração até novo o consciencioso estudo dos deficits de exploração, a despeito de se ter verificado uma sensível melhoria cambial.

Eu devo dizer em abono da verdade que considero êstes diplomas absolutamente constitucionais, e que foram de uma grande oportunidade, pois a verdade é que, se os serviços de fiscalização fôssem o que deviam ser, as sobretaxas nunca teriam chegado ao estado a que chegaram.

Sr. Presidente: a atitude da Câmara representa, de facto, um indicio de revelação do propósito em que ela está de se integrar nas disposições constitucionais: funciona por secções, não para estudar, é certo, mas para conversar sôbre assuntos que, som dúvida, devem ser muito interessantes, prestando assim todos nós um grande serviço ao país...

Mas, Sr. Presidente, dizia eu que, se porventura houvesse em Portugal um serviço de fiscalização de caminhos de ferro ao nível das circunstâncias, a bacanal em que temos vivido, principalmente desde que se estabeleceu o regime das sobretaxas, não teria tido possibilidade de existir.

A lei n.° 952, de 5 de Março de 1920, estabeleceu o regime das sobretaxas, tendo em atenção as modificações resultantes do desequilíbrio das divisas cambiais e suas reflexas na economia nacional.

Teve o Govêrno, por vontade própria, de reconhecer a necessidade de estabelecer um regime de sobretaxas, como processo de actualizar, tanto quanto possível, as tarifas iniciais.

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Nesse diploma fundamental, que é lei, e de cuja constitucionalidade, portanto, não se pode duvidar, estabeleceram-se taxativamente os fins a que estas sobretaxas visavam.

Consignava-se ainda a doutrina de que os organismos de fiscalização deveriam actuar por forma a que se averiguasse das possibilidades de redução do déficit da exploração e de que, tanto quanto possível, se deveria aplicar o regime das sobretaxas na execução das obras do primeiro estabelecimento.

Não tenho andado pelo Ministério do Comércio a compulsai e a estudar a documentação lá existente e relativa a caminhos de ferro; no emtanto, pelo que conheço dêsse ramo de serviços, posso dizer a V. Exa. que, nesta altura - o vão já, decorridos cinco anos do execução da lei n.° 952 e dos diplomas complementares dela - nada se sabe quanto a deficits de exploração das emprêsas.

Limita-se o Ministério do Comércio a constatar os dados que as próprias emprêsas lhe fornecem, pois que relatórios do que seja a exploração comercial dos caminhos de forro, se porventura existem, são tam pequeninos, são tam vagos, são tam insignificantes, que eu confesso, Sr. Presidente, devem ter tido razão os Ministros em não encontrar neles um único motivo para actuar em qualquer sentido.

E, só é certo que a fiscalização, sob o ponto do vista comercial e de exploração, se exerce pela fiscalização do Ministério do Comércio, sob o ponto do vista financeiro exerce-se poios comissários do Govêrno, os quais, se não todos, pelo menos a maior parto, não tem fornecido os necessários elementos para que, em relação a cada ano, o Govêrno possa julgar da natureza ou do montante dos encargos financeiros obrigatórios das emprêsas.

Como se não bastasse, para a vida das emprêsas, a lei n.° 952, a que me referi, um Ministro do Comércio entendeu dever modificar um dos seus números, dando-lhe uma maior latitude.

O Sr. Cunha Leal pôs em devido destaque o oportunamente a inconstitucionalidade dêsse diploma portaria, que visou a derrubar uma lei, e que não mereceu os protestos, as reclamações, as censuras daqueles que se têm agora insurgido contra o acto do Ministro que procurou dar uma maior eficiência aos serviços de fiscalização.

Depois da lei n.° 952 surgiu o decreto n.° 9:551, do Março de 1924. relativo a uma aumento de sobretaxas; o, como êle era um acto do vontade dos Governos, os Governos entenderam, e bem, aproveitar o ensejo da sua publicação para exigir que as emprêsas, beneficiando do novo modus vivendi, consignassem uma parte do rendimento que resultaria da aplicação dêsse decreto a dois fins: primeiro, ao fundo de assistência aos ferroviários tuberculosos; segundo, ao pagamento do imposto sôbre o valor das transacções que as emprêsas até então não pagavam e que justo seria não deixar de entrar nos exaustos cofres do Estado. Nesse diploma o Govêrno reconheceu, defendendo assim uma orientação política, oportuna o necessária, que do montante das sobretaxas deveria reservar-se o maior volume possível para obras do primeiro estabelecimento. A maior parto das em prosas, interpretando o decreto a seu modo o contra parecer da Procuradoria Geral da República, entendeu que a expressão e reservar-se deveria traduzir como manterem seus próprios cofres e - cousa curiosa! - uma das emprêsas que vieram ao Parlamento reclamar contra o último decreto, pedindo a sua suspensão e declarando que a sua finalidade era a de colaborar com o Govêrno para uma maior eficiência dos serviços de fiscalização, é justamente aquela que, contra lei o pela inércia dos Governos, durante êstes últimos cinco anos, tem guardado nos seus cofres uma importância que atinge mais do 700 contos e que, até à face da lei n.º 552, devia ter entrado nos cofres do Estado.

Contra o decreto n.° 9:551, e escudadas na sua suposta inconstitucionalidade, algumas empresas- recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

O Supremo Tribunal, em acórdão proferido sôbre o recurso da Companhia do Pôrto à Povoa, reconheceu que o Estado, tendo praticado, como praticou, um acto de livre vontade, qual foi o da actualização das sobretaxas, tinha o direito de impor as condições a que antes me referi, isto é, a relativa ao pagamento do imposto sôbre o valor das transacções e a respeitante ao quantitativo destinado ao fun-

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do de assistência aos ferroviários tuberculosos.

Sussurro, por virtude de conversas entre alguns Srs. Deputados.

O Orador: - Sr. Presidente: tenho a impressão de que a Câmara continua funcionando por secções ... de conversa num momento em que, de harmonia com as disposições regimentais, deve estar em sessão plena ... de ouvintes. Peço, portanto, a V. Exa. que convoque a Câmara a funcionar em tais condições.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara para as considerações do orador. Continua o sussurro.

O Orador: - Sr. Presidente: torno a repetir que o funcionamento da Câmara por secções não é compatível com o seu funcionamento simultâneo em sessão plena.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. O melhor será o Sr. Deputado continuar as suas considerações.

O Orador: - Quando V. Exa. me confessar que se reconhece impotente, não para conseguir a atenção ou o respeito da Câmara para as minhas considerações, mas o silêncio preciso para que GU me possa fazer ouvir por V. Exa., continuarei no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Estou ouvindo V. Exa.

O Orador: - Sr. Presidente: devo dizer, porque é oportuno, que eu, entrando neste debate, e não faço por um desejo de exibicionismo. Devo dizer mais a V. Exa. que, quando entro na discussão de qualquer assunto, tenho apenas o propósito do revelar o meu trabalho, a minha intenção de bem acertar e, sobretudo, o desejo de contribuir com o meu esfôrço, junto ao dos outros, para a solução dos problemas que interessam ao país. E no desempenho dessa missão que aqui estou.

Não estou fazendo obstrucionismo, nem tenho grande desejo de que o Diário das Câmaras ou os jornais venham cheios de frases minhas para que passem para a história; mas o que quero é, ao menos, fazer-me ouvir por aqueles que não revelaram nem boa vontade, nem capacidade para o estudo.

Isto de resolver de cor todas as questões, só porque alguém nos diz: "vote assim ou vote assado", não me serve! Para condicionar o meu voto, estudo; e só depois disso é que eu sei como proceder!

Apoiados.

Sr. Presidente: disse há pouco a V. Exa. que a nossa legislação era, em matéria do caminhos de ferro, verdadeiramente atrabiliária.

Existia no regime anterior uma repartição de caminhos de ferro que foi agora restaurada sob a forma de repartição central, porque havia sido extinta por um Ministro do Govêrno Álvaro de Castro. Nenhuma razão do ordem económica justificava a supressão dêsse organismo. E eu, que costumo interessar-me por estas cousas, tratou de averiguar quais as razões que levaram a proceder-se assim, em relação a um organismo respeitado, cujas funções eram necessárias em absoluto.

Procedi a estudo e verifiquei que da supressão dessa repartição tinha resultado a eliminação de um homem, que nem sei quem é o e ajo nome desconheço por completo.

Quais seriam as razões que teriam levado o Govêrno a actuar assim?

Fui informado então e detalhadamente.

Havia entre uma Companhia - a Companhia de Salamanca, nome por que é conhecida a dos portos e caminhos de forro peninsulares - e o Estado uma questão resultante dum dualismo de interpretações às disposições do Convénio de 1882.

Do pagamento do juro das obrigações em pesetas ao par ou em pesetas ao câmbio do dia resultavam duas situações completamente distintas para os interêsses do Estado.

Na primeira hipótese, o Estado teria de pagar duzentos e tal contos e na segunda teria de receber oitocentos e tantos.

A questão resultante desta divergência de critérios foi submetida à apreciação da Repartição dos Caminhos de Ferro. Esta, estudando o assunto, reconheceu como bom o ponto de vista que interessava o Estado, e do qual resultava êle ter de receber à sombra do Convénio perto de oitocentos e tal contos.

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Vinha consignada num parecer esta doutrina. Submetida a questão à Junta Consultiva dos Caminhos do Ferro foi de opinião oposta. Submetida ainda à Procuradoria da República esta sancionou a doutrina da Junta Consultiva, Mas o Concelho Superior do Finanças reconheceu, razão à Repartição do Caminho de Ferro e sancionou absolutamente o seu ponto de vista.

Desde êsse dia, Sr. Presidente, a Repartição de Caminho de Ferro, representada pelo seu chefe, viu lavrada a sua sentença de morte precisamente por aqueles indivíduos que queriam ter permanentemente a fiscalização do Estado nas anãos, como se esta instituição fôsse destinada a servir os interêsses dêste ou daquele e não os do Estado.

Apreciemos agora a afirmação por mim feita de que do diploma que reorganizou os caminhos de ferro há para o Estado a libertação dum encargo não inferior talvez a 1:580 contos.

O pessoal nomeado não é novo, como podia aparentemente resultar de um ou outro àparte feito no decurso das minhas considerações. Todo o pessoal nomeado para a fiscalização dos caminhos do ferro era já pessoal do Estado.

Deixam vagas que não podem ser preenchidas ao abrigo da lei-travão. Isto é preciso salientar.

Devo afirmar, Sr. Presidente, que não tomo que se esbocem contra, mim, nos corredores desta Câmara ou lá fora, insídias iguais àquelas que foram feitas contra o Sr. Cunha Leal.

Não conheço as pessoas nomeadas para os lugares de categoria inferior. Sai apenas que as pessoas nomeadas para o Conselho Superior de Caminhos do Ferro são daquelas cuja idoneidade ninguém pode por em dúvida; e elas dão-me, a mim e ao Govêrno, a cortesã de que não são capazes de servir os interêsses de quem quer que seja.

Talvez que o leader da oposição a êste diploma, que tanto invoca a sua constitucionalidade, para, por outro lado, numa atitude incoerente, louvar diploma? absolutamente anti-constitucionais também quando êstes representam interêsses para as Companhias, talvez o leader da oposição a êsse diploma tivesse tido durante tempo sucessivo os serviços de fiscalização nas próprias mãos... É um dia quando seja possível ver-se a sindicância feita por um magistrado, que não é do partido do Sr. Cunha Leal, que não é seu amigo sequer o que, quanto a mim, está nas mesmas condições - o Sr. Marcos Martins - talvez nesse dia se veja a razão que me assistia, quando afirmei que a fiscalização dos caminhos de ferio não existia ou só servia para amparar as irregularidades da administração das entidades a fiscalizar.

O Govêrno declarou, pela boca de qualquer Ministro, que se desinteressava completamente do debate. Não concordo com tal posição e espero que o Govêrno quebro tal propósito.

O Sr. Cunha Leal teve ensejo do demonstrar numa das suas afirmações perante a Câmara que nos cofres das companhias existem algumas avultadas somas que, ao abrigo da legislação em vigor, devem reverter integralmente para o Estado.

O interêsse do Parlamento e o próprio Ministro do Comércio não podem ir até o ponto do ignorar isto.

Sr. Presidente: suponho ter feito as considerações necessárias e suficientes para as pessoas de boa fé, as pessoas que conhecem as questões, que não estão fora delas, poderem verificar: 1.°, que é absolutamente constitucional o diploma em questão; 2.°, que foi duma flagrante oportunidade a sua publicação; 3.º, que a sua doutrina, até que mo demonstrem o contrário, é a doutrina adequada aos interêsses do Estado; 4.°, que redunda na supressão do uma despesa para o Estudo, que talvez monte a 1:580 contos, o que e importante.

Devo por isso merecer os louvores da Câmara o Ministro que tam cautelosamente soube zelar os interêsses do Estado, elaborando um diploma em matéria de fiscalização dos caminhos de ferro à sombra do qual será possível pôr têrmo a uma série de desmandos o favoritismos só beneficiando as companhias e prejudicando o País. Nestes termos a Câmara deve manter o diploma em questão.

Desejo ainda marcar a minha posição em relação a alguns outros decretos chamados para a discussão.

Refiro-me agora à extinção do Supremo Tribunal Administrativo.

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Não quero discutir a sua constitucionalidade ou a sua inconstitucionalidade.

Quero aceitar essa parte da, argumentação apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro que é inconstitucional.

No emtanto, para nortear os meus juízos, em relação a esta questão, devo dizer que é meu convencimento absoluto de que, pelo artigo 66.° da Constituição, é absolutamente exigida a existência de um Contencioso Administrativo. E assim, ao abrigo da Constituição, não é constitucional a supressão feita pelo Sr. Álvaro do Castro.

A supressão dêsse tribunal não redundou em benefício do Estado. Não se traduziu em economia o diploma anulando um serviço que continua a ter respeitados, para o efeito de vencimentos aos funcionários, os serviços prestados por êles.

Não quero deixar de aproveitar o ensejo, sem que isto indique o propósito de censura, do responder, apesar de isso me não caber a mim, a algumas considerações trazidas a esta Câmara pelo Sr. Cunha e Costa a propósito da acção do Ministro da Justiça na reconstituição do Supremo Tribunal Administrativo.

Disso o Sr. Cunha e Costa que o Sr. Ministro reconstituiu êste tribunal unicamente para fazer a sua própria nomeação.

Afirmações desta natureza, ainda mesmo que acompanhadas da declaração expressa de que não têm propósitos ofensivos, produzem um efeito terrível.

E então diz-se: é possível que na República haja um Ministro da Justiça dum Govêrno que publique um diploma para fazer nomeações apenas?".

Têm razão as pessoas que assim pensam se tivessem do olhar apenas para as afirmações do Sr. Cunha o Costa. Mas é preciso olharmos para uma outra cousa.

O Sr. Ministro da Justiça que reconstituiu o Supremo Tribunal Administrativo, fê-lo, porque dêsse tribunal estavam recebendo, como se êle existisse, homens que não trabalhavam, no número dos quais elo próprio só contava na qualidade de juiz.

Sendo esta questão posta assim, os intuitos políticos que se podiam conter na primeira afirmativa dos arraiais monárquicos ficam pelo menos muitíssimo atenuados, senão desfeitos.

O Sr. Álvaro de Castro condena-o contencioso administrativo.

Na verdade o Partido Republicano perfilhou no seu programa essa orientação-

No emtanto não fica mal aos homens abdicar um pouco dos seus princípios quando os interêsses públicos lhe impõem.

Aceitando a idea do contencioso administrativo como uma necessidade, devo dizer que não mo satisfez o decreto publicado pelo Sr. Domingos Pereira, apesar mesmo do posteriormente, ter publicado um novo diploma referente à homologação de acórdãos que até certo ponto vem atenuar os inconvenientes da organização actual.

Êsse diploma não deixa de ser interessante.

Por virtude das suas disposições a homologação do Executivo de ora avante passa a fazer-se em termos que constituem já uma garantia. Acórdão proferido e apreciado pelo Ministro respectivo que, discordando, terá do fundamentar a sua, discordância. Êsses fundamentos serão submetidos à apreciação do tribunal. Na hipótese de discordância já não será o Ministro a homologar mas todo o Govêrno em Conselho de Ministros, devendo obrigatoriamente ser publicada toda a. documentação para que o País possa apreciar da legitimidade da deliberação.

Com o Parlamento aberto, e dado que o Parlamento vivo quási durante o ano inteiro, devo dizer a S. Exa. que não será fácil a qualquer Govêrno saltar de ânimo leve sôbre um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

Diz-se: mas o Supremo Tribunal Administrativo dentro dêste mesmo modo dever não corresponde às necessidades de momento. Absolutamente do acordo; e para de acordo que, depois das premissas que estabeleci, eu próprio vou mandar para a Mesa uma proposta consignando a doutrina de que a Câmara dos Deputados deverá entregar nas mãos do Govêrno, se êle a solicitar, uma autorização nítida e definida por bases, no sentido de reorganizar o contencioso administrativo. É esta a doutrina que nós, querendo dar mostras de que trabalhamos a sério, temos de seguir.

Sr. Presidente: no número de diplomas que foram trazidos à consideração da Câmara figuram dois pela pasta da guerra-

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a que me referi quando da declaração ministerial, o a que se referiu o Sr. Álvaro do Castro no decurso das suas considerações, e a que, de passagem, volto agora a referir-me: é o Código de Justiça Militar e são as bases de reorganização do exército. Tanto por um como por outro, devo dizer a V. Exa. e à Câmara, que presto à intenção que os ditou as minhas homenagens, reconhecendo que o Sr. Ministro da Guerra outro intuito não teve que não fôsse o de prestar um serviço útil à defesa nacional.

Não acredito nas atoardas de certa imprensa que, certamente, com finalidade política, tem atribuído ao Sr. Ministro da Guerra a afirmação de que não aceitaria qualquer orientação da Câmara no sentido do modificar ou até mesmo do substituir as suas bases de reorganização do exército. E não acredito, pelas mesmas razões de homenagem e justiça que novamente lhe presto. Estou até, mais, convencido de que se o Sr. Ministro da Guerra estivesse certo de que algumas dessas bases poderiam levantar discussão no sentido de consignar a doutrina de que o seu decreto era inconstitucional, não o teria publicado, antes teria vindo ao Parlamento para dele arrancar um voto de concordância com. o seu ponto de vista.

Quando êste Govêrno se apresentou, ou afirmei que teria sido muito melhor processo do trabalho o Sr. Ministro da Guerra aguardar que o Parlamento se reunisse. S. Exa. viria à Câmara; e, se porventura não tivesse elaborado de pronto qualquer proposta no sentido de reorganizar o nosso exército, bastar-lhe--ia renovar a iniciativa duma proposta conscienciosamente elaborada na legislatura passada pelo Ministro da Guerra major Ribeiro de Carvalho com a colaboração do estado maior do exército.

Apesar de eu próprio reconhecer que essa proposta contém certas disposições que não estão em harmonia com as circunstâncias, entendo que ela ainda tinha uma grande oportunidade.

Sr. Presidente: o meu propósito, ao chamar de novo a atenção da Câmara para êstes dois decretos, Código de Justiça Militar e bases de reorganização do exército, visa apenas a isto: a levar a Câmara ao convencimento de que terão razão aqueles que entendem que êsses decretos devem baixar às respectivas comissões para que elas, levadas pelo mesmo patriotismo e profundo desejo de acertar, procedam como devem proceder.

Nos termos das considerações formuladas, vou mandar para a Mesa a minha proposta.

Em relação ao outro e último diploma que foi aquele para o qual a nossa atenção foi chamada pela minoria católica, devo dizer que ainda, mesmo prestando homenagem aos Ministros por cujas pastas foi publicado êsse diploma, entendo que nós, republicanos, devemos, por medida de boa política satisfazer essa pequena reclamação dos católicos que são (não podemos esquecê-lo) uma fôrça política importante, nunca a arredar do regime, mas a integrar no seu, terreno.

Tenho dito.

Foi admitida a moção.

É a seguinte:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo a necessidade do se proceder a uma urgente remodelação dos serviços públicos no sentido do realizar uma maior eficácia da Administração do Estado o concomitantemente uma compressão de desposas, visando o equilíbrio orçamental, afirma o seu de propósito do colaborar cora o Poder Executivo neste objectivo, e passa à ordem do dia.- Manuel José da Silva.

Foram admitidas as propostas.

São as seguintes:

A Câmara dos Deputados considerando:

1.° Que o decreto n.° 11:283, de 27 do Novembro de 1925, foi um acto do Govêrno, traduzindo-se em economia para o Estado com manifesta vantagem para os serviços de inspecção de caminhos de ferro, praticado ao abrigo de legítimas autorizações;

2.° Que o decreto n.° 11:250, de 19 de Novembro de 1925, restabelecendo o Contencioso Administrativo nas bases em que o fez, não correspondeu integralmente às necessidades bem reconhecidas, de organizar entre nós as Jurisdições Contenciosas Administrativas;

3.° Que os decretos n.ºs 11:292, de 28 de Novembro de 1925 (Código de Justiça

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Militar) e 11:294, de 30 de Novembro de 1925 (Reorganização do Exército), interessando a defesa nacional, carecem, pela sua transcendente importância, de ser devidamente apreciados nas suas complexas disposições; Resolve:

a) Reconhecer em pleno vigor o decreto n.° 11:283, de 27 de Novembro de 1925 e aguardar os resultados da sua efectivação.

b) Considerar como tendo fôrça de lei o decreto n.° 11:250 e convidar o Govêrno a submeter à sanção do Parlamento, dentro de curto prazo, o diploma ou bases de autorização parlamentar para a publicação do mesmo, reorganizando o Contencioso Administrativo dentro do objectivo de conseguir uma maior eficiência da sua acção a bem da justiça e do necessário equilíbrio dos poderes do Estado.

c) Submeter à apreciação da comissão de guerra os decretos n.ºs 11:292 e 11:294, para que essa comissão sôbre êle se pronuncie, julgando, em parecer fundamentado, da doutrina das suas disposições a fim de que a Câmara, devidamente elucidada, possa sôbre elos emitir voto.

Sala das sessões, 13 de Janeiro de 1926 - Manuel José da Silva.

Leu-se na Mesa uma nota de interpelação do Sr Sampaio Maia.

É a seguinte:

Desejo interpelar o Sr. Ministro da Guerra sôbre a forma como têm decorrido os serviços de recrutamento e designadamente das isenções dos mancebos do concelho da Feira recenseados em 3 924, que, por terem faltado ajunta de recrutamento, foram considerados aptos nos termos do artigo 79.° do regulamento do recrutamento. - Angelo Sampaio e Maia.

O Sr. Presidente: - Estando nos corredores da Câmara o Sr. Deputado eleito, Carlos de Vasconcelos, convido os Srs. José Domingues dos Santos, António Cabral, Alberto Jordão e Nunes Loureiro a introduzirem S. Exa. na sala.

S. Exa. foi introduzido e tonou, assento.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes) (para um negócio urgente}: - Sr. Presidente: encontramo-nos em sessão prorrogada para discussão dos decretos do Govêrno anterior.

A Câmara pôde ontem modificar uma disposição regimental; mas, eu pregunto a V. Exa. se poderá modificar-se uma disposição constitucional.

Desejando apresentar à Câmara a proposta do Orçamento Geral do Estado para o novo exercício, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se consente que faça essa apresentação.

O Sr. Presidente: - Tanto não tive dúvida sôbre a urgência do assunto que concedi a palavra a V. Exa. para êsse fim.

O Sr. Carvalho da Silva (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças pediu a palavra, creio, para ler à Câmara a sua proposta orçamental cumprindo assim uma disposição constitucional.

Eu sei que, na verdade, a Constituição manda que, até hoje. seja apresentada à Câmara a proposta orçamental; mas, quero lembrar a V. Exa. que, com muita vontade de respeitar sempre as decisões da Presidência da Câmara, entendo que ela deve ser fiel respeitadora do nosso Regimento, não procurando saltar sôbre os direitos das oposições.

O artigo 23.° do Regimento é expresso quando determina que numa sessão prorrogada não pode ser tratado qualquer assunto para o qual não fôsse pedida a prorrogação.

Lamento, Sr. Presidente, que V. Exa. tenha colocado a Câmara nesta contingência de ter de saltar ou por cima do Regimento ou por cima da Constituição.

O Sr. João Luís Ricardo: - Como pediu a palavra para invocar o Regimento indique os artigos que deseja invocar.

O Sr. Carvalho da Silva: - Já invoquei o artigo 23.°

Estava eu dizendo, que êste artigo não permitia ao Sr. Ministro das Finanças usar da palavra para apresentar a sua proposta orçamental; e acrescentarei ainda que esta sessão está a funcionar ilegalmente, contra os termos do Regimento; e que, entre dois atropelos, entendo que a Câmara deve optar pelo atropelo do Re-

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gimento em vez do atropelo à Constituição.

Foi V. Exa., Sr. Presidente, quem colocou a Câmara nesta situação.

O Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Exa. que sigo as determinações do artigo 34.° do Regimento.

O Sr. Carvalho da Silva: - Mas não em sessão prorrogada.

O que é preciso é que só cumpra o Regimento e a Presidência seja a Presidência da Câmara e não duma facção partidária.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Sr. Presidente: pela proposta orçamental que tenho a honra de apresentar a Câmara, verifica-se que o déficit é ainda avultado, é mesmo superior àquele que foi previsto na proposta orçamental, que foi trazida a esta Câmara no exercício passado.

Simplesmente a proposta do ano passado incluía nas receitas uma verba do 45:000 contos para despesas de amoedação, que não se realizou.

De modo que, em verdade, o Orçamento dêste ano aparece com um déficit previsto, inferior ao do ano passado.

Quando tomei couta da pasta das Finanças, os trabalhos de preparação do Orçamento estavam muito atrasados.

As notas enviadas pelos respectivos serviços acusavam todas elas aumentos consideráveis do despesa, do tal sorte, que se essas propostas fossem sancionadas, eu teria hoje do trazer uma proposta orçamental com um déficit superior a 200:000 contos.

Procurei, na medida do possível, reduzir êsse déficit; e, essa redução fez-se à cifra que há pouco li.

De um modo geral a proposta orçamental, no que respeita às previsões orçamentais quanto às receitas, apresenta poucas modificações à do ano passado.

Nos termos da legislação de contabilidade pública essas receitas foram previstas pelo método das correcções e pela média dos três últimos anos.

Muitas delas mantêm a mesma cifra que o ano passado, algumas apresentam até sensíveis deminuições.

Isto serve para provar que eu tive a intenção de apresentar ao Parlamento uma proposta orçamental que reproduzisse, tanto quanto possível, a verdade da situação financeira do país.

Assim, por exemplo, a verba da contribuição industrial, mantém a mesma cifra que no Orçamento anterior, ou sejam. 87:500 contos.

A contribuição de registo mantém também a mesma cifra, 70:000 contos. . Devo dizer desde já que só porventura tivesse de orientar-me apenas pelas contas provisórias da cobrança já realizada neste exercício, relativas a esta verba, deveria ela ser menor.

É esta a contribuição que só presta à, mais despojada fraudo, e aquela que está sendo comoda da maneira mais lesiva para os interêsses do Estado.

O. Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Para os interêsses do contribuinte, dirá V. Exa.

O Orador: - Do Estado.

Nós estamos num país em que toda a gente tem esto ponto de honra: defraudar o Estado, especialmente no que se refere-a esta contribuição.

Estão sendo tomadas medidas pelo Ministério das Finanças no sentido de coibir êsses abusos, havendo um número avultado de conhecimentos por liquidar, relativos à contribuição de registo.

Há 70:000 conhecimentos por liquidar e portanto não será exagero prever como rendimento, uma cifra igual à que foi orçada o ano passado, embora, de facto, a cobrança não correspondesse à provisão.

A contribuição predial é apresentada com uma cifra superior à do ano passado, o êsse aumento é autorizado pelos números da cobrança já efectuada, devendo atender-se ainda aos efeitos possíveis o prováveis da lei n.° 1:668, que estabeleceu os coeficientes da actualização.

Tudo isso faz prever para a contribuição predial urbana uma receita de 20:000 contos, e para a rústica de 50:000.

O imposto sôbre o valor das transacções é orçado em 90:000 contos.

Aproveito a ocasião para responder a

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algumas considerações que o Sr. Carvalho da Silva aqui fez há dias.

O Sr. Carvalho da Silva afirmava que o rendimento do imposto sôbre o valor das transacções deminuíra nestes primeiros quatro meses do exercício corrente cêrca de 9:000 contos.

Isto denunciava uma deminuição da riqueza pública.

E sabendo-se que o imposto de transacção serve de base ao lançamento de outros, e especialmente à contribuição industrial, deveria presumir-se que a deminuição do imposto sôbre as transacções implicaria a deminuição de todas as receitas. Lendo-se a conta provisória dos quatro primeiros meses da gerência corrente concluir-se-ia, de facto, que as receitas gerais teriam deminuído em mais de 40:000 contos em relação às cobranças de igual período do ano passado, se a esta última não houvesse de deduzir-se a verba de receita extraordinária da venda da prata, em montante superior a 80:000 contos, o que dá, na realidade um saldo positivo de mais de 45:000 contos de receitas cobradas neste ano.

Sabe V. Exa. que êste imposto, criado pela lei n.° 1:368, teve desde o seu início a previsão de receita de 105:000 contos. As cobranças efectuadas ficaram sempre muito aquém, mas em todos os orçamentos, tem-se mantido sempre essa verba. Pois bem: eu deminue na minha proposta orçamental a previsão dessa receita. No Orçamento de 1922-1923. a receita do imposto sôbre o valor das transacções orçava por 30:595 contos.

No exercício de 1923-1924 subiu a 57:352 contos, e no exercício de 1924-1925, as cobranças já efectuadas vão até 70:817 contos.

As liquidações que estão por fazer, autorizam-mo, porém, a afirmar que a rocei-ta dêsse imposto, no ano de 1924-1925, vai a 90:680 contos.

Na minha proposta inscrevo 90:000 contos.

Quanto ao imposto pessoal de rendimento, prevejo na minha proposta orçamental um aumento que não me parece exagerado, se levarmos em linha de conta a circunstância de apenas estar feita a cobrança relativa a 1922-1923, tendo de recair nos anos seguintes sôbre os rendimentos do funcionalismo civil e militar, acrescidos das subvenções e melhorias, votados desde aquele ano para cá.

Calculo o rendimento dêste imposto em 15:000 contos.

Quanto ao imposto do sêlo, há um aumento previsto, ficando orçado em 10:000 contos, especialmente no que se refere à receita prevista das bebidas engarrafadas e perfumarias.

E há receitas que estão orçadas com modéstia.

Assim, por exemplo, a receita dos fósforos, para cuja exploração se criou um regime novo que deve a breve trecho ser regulamentado e modificado, porque está já a experiência de poucas vezes a mostrar a sua insuficiência, está orçada apenas em 10:000 contos, e ainda deles há a deduzir as despesas de inspecção na importância de 1:700 contos, números redondos.

De maneira que os fósforos têm um rendimento orçado em 8:300 contos, mas que é, quanto a mim susceptível de aumento, especialmente quando se regular de uma maneira mais útil para os interêsses do Estado o uso das acendalhas e isqueiros.

A receita dos tabacos, na proposta orçamental, que tenho a honra de apresentar, é orçada também apenas nos termos dos contratos e arranjos em vigor.

Ora, qualquer que seja o novo regime a adoptar, régie ou indústria livre, afigura-se-me que não é exagerado dizer que a receita de 71:800 contos deve ser aumentada.

Não me custa a admitir como certo o número de 100:000 contos para a receita dos tabacos.

Ainda nas receitas do Estado, como disse há pouco, eliminou-se a verba de 45:000 contos proveniente da nova amoedação, receita que não se realizou o ano passado, que não poderá realizar-se êste, que não sei quando se poderá realizar.

Como V. Exas. vêem, em todo o caso o esfôrço fiscal do país está sendo enorme; mas se porventura não tivesse sido realizado nesta vasta proporção, o Orçamento não se poderia apresentar com o déficit relativamente tam pequeno como aquele que eu apresento.

Pode mesmo dizer-se que o esfôrço do país dificilmente poderá ser excedido; há porém que conseguir, é certo, uma melhor distribuição dos encargos fiscais, por

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que se há pessoas que realmente ainda pagam pouco, outras há que estão a pagar encargos absolutamente incomportáveis (Apoiados), e é preciso, sobretudo, que se faça uma .simplificação nos processos de cobrança, de forma a evitar os entraves que até agora tem surgido.

Apoiados.

Só, porventura, ou me demorar neste lugar, o que não poderá ser muito certo, visto que no esfôrço de, equilibrar as contas do Estado eu corro risco de desequilibrar irreparável mente as minhas, eu farei toda a diligência para solucionar os problemas que acabo de expor.

Quanto aos números que foram citados pelo Sr. Velhinho Correia, à volta dos quais já se fez uma especulaçãozinha reprovada, que S. Exa. procurou já combater quero fazer algumas considerações.

No que se refere especialmente à rubrica da dívida flutuante apareceram incluídos nela números que até agora não eram incluídos, estando até compreendidos nela Os números das circulações fiduciárias.

Devo a esto propósito repetir aquilo que já afirmei em notas oficiosas.

E a propósito tenho o prazer de comunicar à Câmara e ao país que desde Dezembro a nossa dívida flutuante externa está sendo consideràvelmente deminuída.

Havia, realmente, na dívida flutuante externa suprimentos por intermédio do Banco do Portugal que foram já pagos.

Uma outra divida, no montante de 257:000 libras aos banqueiros do Estado português em Londres, foi já deminuída de 50:000 libras.

Resta a grande cifra resultante da nossa dívida de guerra, o que anda à roda de duas dezenas de milhões de libras.

V. Exas. sabem as condições em que ela foi contraída e como vai ser solucionada, porque isso foi dito na declaração Ministerial.

As palavras desta foram devidamente pesadas.

Há, realmente, o desejo da nossa parte de liquidar essa dívida, mas em termos que sejam comportáveis para as nossas possibilidades financeiras e para as nossas necessidades económicas.

Creio que, confiados nos laços de amizade que nos ligam à Inglaterra, e na fidelidade dos compromissos da aliança, nós podemos esperar que essa liquidação se fará de moldo a não nos esmagar, tornando a nossa situação angustiosa.

Apoiados.

Nada mais posso por agora aumentar.

Compreende bem a Câmara a necessidade de toda a reserva a êste propósito.

Basta recordar que o êxito da missão Caillaux foi em grande parte comprometido por uma inconfidência.

Disse ainda o Sr. Velhinho Correia, escudado nos seus números, que o aumento, pode dizer-se pavoroso, de despesas, observado nestes últimos anos, expressa-se especialmente pelo aumento das verbas de pessoal.

Há com efeito um desequilíbrio entre o aumento das verbas de material e o das verbas do pessoal a favor dêste; êsse desequilíbrio - para que não dizê-lo! - vem especialmente das despesas militares.

O orçamento das despesas militares representa hoje quási 50 por cento das despesas do Estado.

Ora deixe a Câmara que lhe recorde, que em 1920 na conferencia financeira de Bruxelas se fazia a seguinte afirmação:

Leu.

Portanto, o mundo não podia continuar a suportar nas suas despesas totais os encargos do 20 por cento só de despesas militares

Pois em 1926 existe dentro da Europa um pequeno país onde as despesas de armamento e preparação para a guerra lhe levam mais de 50 por cento das suas despesas totais!

Apoiados.

O Sr. Velhinho Correia:- Há uma diferença.

Não se trata de despesas com material, mas com pessoa!!

O Orador: - Concordo.

Mas a essas despesas juntam-se as dos serviços militarizados.

Só a guarda republicana custa-nos mais de 87:000 contos.

Leva-nos toda a nossa contribuição industrial.

Apoiados.

Já fiz um acordo, com quem de direito, para se não preencherem as vagas à medida que se forem dando.

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Reduzir-se hão de 1:000 homens os efectivos da guarda nos postos da província e tal economia é apreciável.

Efectivamente, em Lisboa e Pôrto, cada homem da guarda republicana, apenas pelo que respeita a vestuário e alimentação, não incluindo despesas de alojamento, custa mais de 5 contos por ano.

A reorganização do exército, que foi planeada pelo meu ilustre e velho amigo, o Sr. tenente-coronel José de Mascarenhas, produzirá, dentro em breve, os seus efeitos benéficos, sob o ponto de vista financeiro, porque traz um aumento de receita e uma deminuição de despesa.

O aumento de receita é proveniente da taxa de emigração e das remissões dos recrutas prontos de instrução.

Mas, é justo dizer-se, já que estamos a falar nesta matéria de despesas militares, que devendo cada um tomar sôbre si o quinhão de responsabilidade que lhe compete, se deve afirmar que não é só ao Executivo que cabe toda a culpa dos aumentos de despesa dos serviços militares.

E eu tenho aqui uma nota pela qual se verifica que o Parlamento, dentro de um período relativamente curto, é responsável por leis ou decretos sancionados, que aumentam aquelas despesas em 20:520 contos.

É justo, pois, que as responsabilidades se repartam por aqueles a quem cabem.

Devo também afirmar, nesta altura, que o déficit previsto, neste momento, pode e deve ser atenuado.

E eu terei ocasião, logo que se me proporcione tempo para isso, de trazer ao Parlamento propostas tendentes a cobrir em parte, se não no todo, êsse déficit.

Essas propostas devem ser estudadas paralelamente ao Orçamento.

Não as trouxe já porque ainda n3,o tive tempo para isso; mas, mesmo que o tivesse, não as incluiria no Orçamento porque isso seria um processo detestável (Apoiados), contrário à doutrina da proposta Berthelot, que tende a expurgar do Orçamento todas as disposições parasitárias, para que na lei de meios, essencialmente temporária, se não insiram, contra as boas normas jurídicas, disposições -de carácter permanente.

V. Exas. devem calcular o esfôrço tremendo que eu fiz para trazer ao Parlamento êste Orçamento.

Apoiados.

E a seguir trarei outros com relação à proposta dos tabacos.

Disse eu que é preciso estudar essas propostas com cuidado para que o déficit se cubra, porque o equilíbrio orçamental é necessário e urgente.

E, a propósito, recordo a afirmação produzida há anos no Congresso Financeiro de Génova e que ficou consignada na sua resolução 7.ª

Eu não posso ter a pretensão de ir mais longe do que todas as sumidades financeiras que ali se reuniram. Elas concluíram, como V. Exas. acabam de ouvir ler, que a única política a fazer era a de uma severa compressão de despesas. E, realmente, eu não vejo maneira de, honestamente, se pedirem mais sacrifícios ao país.

Apoiados.

O orçamento de vê equilibrar-se no exercício de 1927-1928 se se der um facto, que começo agora a verificar que é muito mais difícil de que eu supunha: é termos todos juízo.

Apoiados.

É a propósito, aproveitando a ocasião de estar no uso da palavra, e respondendo a citações que me fizeram de vários lados da Câmara, devo confessar que realmente os decretos, actualmente em discussão neste Parlamento, trouxeram aumentos consideráveis de despesa. Não me interessa a sua parte política e técnica; interessam-me apenas pelo seu aspecto financeiro. E, como, repito, tenho sido citado, de diversas partes, para me pronunciar, aproveito a oportunidade para informar V. Exas. que as despesas públicas, pelos diversos Ministérios, de l de Julho de 1925 para cá, aumentaram da seguinte forma:

Pelo Ministério das Finanças, em 784.614$84. Êste aumento provém de melhorias de vencimentos propostas pela tal comissão de equiparações, em que falou há dias o Sr. Velhinho Correia, e, que eu vou extinguir.

Apoiados.

Pelo Ministério do Interior há um aumento de 801.153$, proveniente de gratificações de guarnição à guarda nacional republicana.

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Pelo Ministérío da Justiça aumentaram as despesas em 143.844$, provenientes de melhorias do pessoal do Ministério e das dotações dos serviços jurisdicionais e tutelares de menores.

Pelo Ministério da Guerra; o aumento foi de 11:436 contos, para gratificações de voo, melhorias, reformados, etc.

Pelo Ministério da Marinha, aumentaram em cêrca de 1:015 contos, relativos a gratificações de guarnição, de voo, etc.

Pelos Ministérios dos Estrangeiros e do Comércio, os aumentos foram, respectivamente, de 28 e 720 contos, para melhorias.

Os aumentos do Comércio provêm principalmente da transformação de algumas escolas técnicas e provimento de novos lugares, criados por aquela transformação.

O Sr. Velhinho Correia: - Êsse dinheiro ainda foi gasto.

O Orador: - Bem gasto, se o pessoal fôsse bem recrutado.

O Sr. Velhinho Correia: - Nessa lotaria não me saiu nada!

O Orador:- Nem a mim. Sou professor do ensino técnico, mas conquistei todos os meus lugares no Instituto Superior do Comércio e na Universidade do Pôrto por proposta do Conselho Escolar o por concurso.

Apoiados.

No caso de que se trata eu sei que o pessoal muitas vezes não foi bem recrutado.

O Sr. Velhinho Correia: - Mas V. Exa. não ignora que temos hoje uma população escolar que é o dôbro das anteriores.

O Orador: - E é pena que se lhe dêem tam maus professores.

Apoiados.

Pelos outros Ministérios temos os seguintes números:

Leu.

Uma voz: - É o Ministério do Trabalho?

O Orador: - As minhas notas dizem-me que da extinção do Ministério do Trabalho resultou, em vez de uma economia, um aumento de despesa, pela equiparação de determinados funcionados.

E se me referir ao decreto da Inspecção dos Caminhos de Ferro, devo dizer que êle traz uma grande economia, mas tem uma disposição que é péssima, que é aquela que diz o seguinte:

Leu.

São os tais fundos que quási sempre não têm fundo e escapam a toda a fiscalização da Contabilidade Pública.

Posto isto, devo para terminar as considerações que venho fazendo o com as, quais tenho abusado largamente da paciência dos que mo escutam, (Não apoiados), recordar que é mister o urgente reatar as boas tradições de economia da administração republicana, (Apoiados), que conseguiu em 1913 um superavit que na ocasião foi negado, mas que as contas posteriores de gerência confirmaram.

Apoiados.

E foi resolvido, então, que os saldos dos orçamentos nesse regime de superavit fossem consignados à criação de uma fundo especial, chamado de Defesa Nacional.

Suponho que, se houver juízo - vá outra vez a frase! - não devo ser difícil equilibrar o Orçamento pura o exercício de 1927-1928; podemos mesmo ter superavit.

Será preciso então criar também um fundo especial constituído pelos saldos orçamentais; simplesmente êsse fundo não deve ser para a guerra.

Deve ser o fundo de assistência e educação nacional,

Apoiados.

Efectivamente, V. Exas. sabem que as tabelas do movimento fisiológico da população portuguesa dão-nos indícios que são pura reflectir; a população aumenta insignificantemente; e só formos não só aos dados da estatística, mas também aos eugenésicos verificamos que ela definha e, morro.

V. Exas. sabem que depois da guerra, muitos militares voltaram tuberculizados e foram para as suas terras sem qualquer exame médico ou impedimento, semeando assim pelo país uma sementeira trágica de doença e de morte.

A tuberculose e a sífilis, quási sempre em forma associados, assola Portugal de norte a sul.

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E, portanto, necessária uma larga obra de assistência e educação. Se a não fizer, o Estado falha miseravelmente à sua função essencial.

Apoiados.

É indispensável, antes e acima de tudo, que ela garante aos seus cidadãos o fundamental, o irredutível, o sagrado direito de viver.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Domingos Pereira: - Sr. Presidente: no cumprimento das disposições regimentais, vou mandar para a Mesa a seguinte moção de ordem:

"Considerando que os decretos em discussão obedecerem ao alto e patriótico desígnio de melhorar os serviços a que respeitam;

Considerando que o decreto n.° 11:283 de 27 de Novembro de 1925 representa uma grande economia para o Estado e traduz-se em vantagens de fiscalização tendentes ao melhor funcionamento dos serviços ferroviários;

Considerando que o decreto n.° 11:250 de 19 de Novembro de 1925 correspondeu à imperiosa exigência, que a Constituição impõe e a prática demonstra, de manter uma jurisdição administrativa especializada consentânea com a indispensável harmonia com os Poderes do Estado;

Considerando que o decreto n.° 11:252 de 28 de Novembro de 1925 melhorou de 'uma maneira eficaz o funcionamento dos tribunais militares e a boa administração da justiça;

Considerando que as opiniões expendidas nesta Câmara foram unanimemente concordes em reconhecer as deficiências e exarada orientação dos serviços do extinto Ministério do Trabalho e, que a supressão dêste, levada a eleito pelo decreto n.° 11:267 e inspirada em votos expressos mais de uma vez pelo Parlamento, traz como consequência uma apreciável economia para o Estado;

Considerando que o decreto n.° 11:341 "que remodelou a cobrança do imposto de assistência, assegura um aumento de receita de 12:000 contos para ocorrer às despesas totais da Assistência Pública;

Considerando, porém, que nenhum dos decretos em discussão, bem como todos os decretos dos governos anteriores ao último, publicados ao abrigo de autorizações parlamentares, deve furtar-se à apreciação do Poder Legislativo:

A Câmara resolve submetê-los ao exame e estudo das comissões respectivas a fim de que estas, no mais curto prazo possível, dêem conta do resultado do seu trabalho".

Sala das Sessões, 14 de Janeiro de 1926.- Domingos Pereira.

Sr. Presidente: vai muito longo êste debate; mas está V. Exa. convencido, e com V. Exa. toda a Câmara, do que esta prolongação excessiva não é da minha responsabilidade, nem, sequer, da responsabilidade dos Deputados que porventura tenham opinião favorável aos decretos que estão em discussão.

É fácil fazer a demonstração do que afirmo pela lista dos Deputados que fizeram uso da palavra e pela lista dos que ainda estão inscritos para falar.

Deve somar o número avultado de quarenta e tantos Deputados, e alguns já falaram por mais de uma vez.

Fazendo a comparação do número dos Deputados que fizeram o uso da palavra, atacando os decretos com o número dos Deputados que os defenderam, é fácil chegar-se à conclusão a que atrás aludo: a culpa do prolongamento do debate não é deles, nem minha.

Não obstante, críticos de má raça têm-me atribuído essa responsabilidade. E uma maneira de inverter os factos, idêntica à maneira como se inverteu uma viagem do continente* português até um território afastado dele. E quando dessa vez se passou ainda além da Taprobana, desta vez foi-se aquém da Taprobana. Desta inversão de viagens resultou também a inversão do critério que devia ser aplicado ao excessivo prolongamento do debate.

Tencionava, Sr. Presidente, falar largamente sôbre os decretos em discussão; mas nesta altura do debate tenho necessàriamente de reduzir as minhas considerações, porque a Câmara já deu provas manifestas da sua fadiga e porque o próprio interêsse, que nas primeiras horas me animou, já hoje me abandonou completamente.

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Não entraria no debato até, se não fôsse a minha situação especial de Presidente do Ministério que publicou os decretos agora em causa.

Vou ser breve, o mais breve que possa ser.

Seria interessante recordar as condições excepcionais em que fui chamado a constituir Ministério. Nunca fui para o Poder levado pela ambição. (Apoiados). Sei olhar para mim; estou habituado a examinar-me a mim próprio; e nunca me inculquei capaz de libertar o país dos graves perigos que o ameaçam. Nunca laço o meu reclamo; o, tendo pela imprensa todo o respeito que merece dum homem civilizado, nunca me servi da imprensa, nem quando pertenço ou dirijo um Govêrno.

Entendo que isto deveria impor à Câmara dos Deputados da Nação o respeito por uma pessoa que ela tinha obrigação de reconhecer como bom português e republicano convicto.

Apoiados.

O que é mais para admirar é que homens do Partido Republicano Português trouxessem para o debate a publicação dos decretos sem prévio aviso, sem consideração e sem esperar que os homens responsáveis pudessem estar presentes.

Cada um usa dos processos que entende.

Não foi o meu Govêrno o único a publicar decretos à sombra de autorizações parlamentares. Muitos outros o fizeram (Apoiados), e com a agravante do estar o Parlamento aberto e sem ao Parlamento virem dar contas dos seus actos.

Apoiados.

O meu Govêrno era então única e exclusivamente para fazer eleições de Deputados, Senadores e administrativas.

Sr. Presidente: se fôsse só para isso, era dispensável que o Govêrno se constituisse de onze homens. Bastaria que houvesse um só, não tendo de se preocupar com os problemas pendentes das várias pastas e bastando-lhe assinar o habitual e diário expediente.

É singular, Sr. Presidente, a posição em que se pretende colocar o Govêrno a que presidi. "Faça as eleições, presida às eleições somente e não procure de modo algum atender aos interêsses do país, aos problemas que em cada pasta exigem imediata e rápida solução". E isto, Sr. Presidente, depois duma espantosa improficuidade do acção legislativa quo1 caracterizou a legislatura passada, Apoiados.

Afirmo-o aqui, como quem quere fazer solenemente o sou panitet me, porquê tendo pertencido à legislatura passada, tendo tido a honra do ocupar por algum tempo o lugar que V. Exa. Sr. Presidente,, ocupa neste momento, também me cabe uma cota parte de responsabilidade nessa improficuidade que atribuo à legislatura passada.

É necessário que êste Parlamento não siga o péssimo exemplo do anterior, e que, fazendo tábua rasa de todas as questões que possam fazer divergir os homens e separar opiniões, tenha apenas em mim o principio superior que deve caracterizar a acção do todo o português nesta hora grave: juntar esfôrços para procurar resolver os problemas que tanto urgem. Apoiados.

Foi porque existiam autorizações parlamentares, para serem usadas, porque os Governos anteriores tinham publicado medidas ao abrigo dessas autorizações, porque a improficuidade legislativa do Parlamento anterior era qualquer cousa de censurável e de pernicioso, foi porque os homens que comigo se sentaram nas cadeiras do Poder não queriam, de modo algum, reduzir-se a simples assinadores do expediente vulgar; foi ainda porque, animados de bons propósitos e entendendo que usavam acenas das referidas autorizações parlamentares, queriam servi apenas a República e o pais, que êstes decretos foram publicados. Têm êles erros? Mas, Sr. Presidente, seria necessário que eu passasse a mim próprio e aos homens que me acompanharam um atestado de inconscientes se supuséssemos, eu e êles. que toda a obra elaborada por nós tinha em si a característica incontestável duma suprema perfeição e infalibilidade. Tem erros a nossa obra?... Muitos deve ter talvez.

Não tenho receio de afirmar que é possível que em grande número de actos da minha vida haja uma percentagem de erros também. Mas pregunto à consciência dos homens que me escutam se os Governos anteriores ao meu, se todos os Governos que se têm colocado à frente-

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dos destinos do país têm praticado só actos louváveis, medidas acertadas, se têm, numa palavra, resolvido sempre os problemas pendentes com precisão admirável, com um alcance útil para o país? Com certeza que não. Mas, no em tanto, êsses Governos passaram. E a Câmara dos Deputados coloca-se numa posição mística de adoração em face dos diplomas publicados por êsses Governos, reservando todos os ataques para os Governos a que tenho presidido.

Assim, já em 1919 o meu Govêrno foi o réu formidável, o réu impenitente do crime da publicação dos suplementos ao Diário do Govêrno. Réu de tal ordem que nunca mais se deixou de falar até hoje no assunto.

Condenou se o meu Govêrno na imprensa e no Parlamento, mas não se disse que foi do Govêrno a que presidi que saiu um decreto que deu possibilidades a Gago Coutinho e Sacadura Cabral de se meterem a dentro do silêncio dos seus gabinetes para, scientíficamente, estudarem a sua viagem e para a realizarem com aquele êxito que tanto nos ergueu à face do mundo, parecendo que nesta época de abatimento e de miséria tínhamos regressado à idade heróica dos descobrimentos e conquistas.

Não se falou também no decreto do Govêrno, relativo ao Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios. Ninguém recordou essas medidas governativas, e eu próprio e os meus colegas do Govêrno de então e damo-nos também, para que não dissessem que nós queríamos para nós um quinhão na glória de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que, sem o decreto a que aludi, teria sido impossível. Julgo que aqui, pelo menos, os antagonistas encarniçados do Govêrno a que presidi em 1919 têm de dobrar um pouco a cabeça e reconhecer que alguma cousa se deve a êsse Govêrno.

É sob êste ponto de vista que eu desejaria que se apreciasse a obra do Govêrno transacto.

Assumi a responsabilidade de organizar um Govêrno num momento difícil e tenebroso para a sociedade portuguesa. Acompanharam-me homens com uma grande dedicação ao país e sem outra preocupação que não fôsse servir a República, como puderam e souberam.

E foi isso justamente o que nós fizemos.

Sr. Presidente: são apodados do inconstitucionais os decretos publicados pelo último Govêrno, e, todavia, eu tenho a responsabilidade moral e a responsabilidade jurídica dêsses decretos, publicados por um Govêrno a que eu tive a honra de presidir, responsabilidade que eu não enjeito nunca, pois não é do meu feitio fugir às responsabilidades que sôbre mim impendem.

Sr. Presidente: êsses decretos entendo eu que são constitucionais e que tiveram um fim útil.

Pode, Sr. Presidente, discutir-se êsse assunto debaixo do ponto de vista das autorizações que o Parlamento votou para serem usadas pelo Govêrno.

Sr. Presidente: se me quiserem chamar a êsse terreno, do forma a eu poder apresentar a minha opinião sôbre o assunto, devo dizer, em abono da verdade, que entendo que efectivamente essas autorizações são inconstitucionais.

Veja, Sr. Presidente, que o Sr. Carvalho da Silva está fazendo um movimento aprovativo com a cabeça; e porque êsse movimento não pode significar uma concordância política, visto que a distância que nos separa é muito grande, eu chego, no emtanto, à conclusão de que a afirmação que acabo de fazer é verdadeira, isto ,é, que essas autorizações não são constitucionais.

Os n.ºs 4.° e 14.° do artigo 26.° da Constituição dizem:

Leu.

Se V. Exas. tiverem o cuidado de reler neste instante toda a Constituição Política da República, não encontrarão nela nenhuma outra possibilidade de o Congresso da República conceder autorizações ao Poder Executivo que não sejam as consignadas nos dois números que acabo de citar.

Por conseguinte, pregunto eu: são inconstitucionais os decretos publicados pelo último Govêrno?

Çá dépend!

Ou são constitucionais as autorizações dadas pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo e, nesse casso, os decretos publicados pelo último Govêrno são tam. constitucionais como os decretos publicados por todos os Governos anteriores; ou são inconstitucionais e, nesse caso, in-

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constitucionais são todos os decretos publicados ao abrigo dessas autorizações, quer pelo último Govêrno, quer pelos Governos anteriores...

O Sr. Cunha e Costa: - Creio que V. Exa. labora em êrro.

Há decretos publicados à sombra de autorizações do Poder Legislativo a que os tribunais superiores deram sanção de constitucionalidade. A êsses devemos obediência.

Mas há outros que não têm essa sanção dos tribunais superiores...

O Orador: - Mas nós estamos na Câmara dos Deputados, que faz parte do Poder Legislativo da nação. O Poder Judicial pode declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinados decretos, mas o Parlamento não está por isso impossibilitado de definir doutrina...

Trocam simultaneamente explicações o orador, o Sr. Cunha e Costa e o Sr. Dias Pereira.

O Orador: - O Poder Judicial não pode ser considerado como infalível nas suas declarações,

O Sr. Cunha e Costa: - O que eu digo é que juridicamente só ficarão as cousas certas, votando o Parlamento um bill de indemnidade.

Estabelece-se dialogo entre o orador e o Sr. Cunha, e Costa.

O Orador: - V. Exa. há-de verificar que eu não concluo a minha moção declarando válidos os decretos publicados pelo último Govêrno.

Digo apenas isto: a Câmara resolve que êstes decretos sejam submetidos ao estudo das comissões para que elas dêem conta dos seus trabalhos à Câmara.

O orador e o Sr. Cunha e Costa, falando simultaneamente, trocam explicações.

O Orador: - O Sr. Magalhães Colaço, cuja sciência se impõe à nossa consideração, que milita no mesmo campo político de V. Exa., tem opinião oposta à de V. Exa...

O Sr. Cunha Leal: - Eu só discuto o acto praticado pelo Ministro.

O Orador: - Voltemos ao assunto principal das minhas considerações. Eu tive a ingenuidade de supor que êste debate não seria muito prolongado. Era, portanto, intenção minha fazer uma análise a cada um dos decretos publicados se não para convencer o Parlamento da legitimidade dêles, pelo menos para dar as razões que me determinaram a não contrariar a publicação dos decretos.

Mas tenho do passar ràpidamente sôbre o debate, fazendo apenas referência àqueles que mais especialmente têm dado lugar a êste tam largo debate.

Desejo referir-me agora, Sr. Presidente, ao projecto aqui apresentado pelo Sr. João Luís Ricardo, o qual diz o seguinte:

Leu.

Êste projecto, Sr. Presidente, foi aqui apresentado com urgência e dispensa do Regimento; o foi tal, Sr. Presidente, a precipitação da sua apresentação, que, na verdade, os seus considerandos não estão de harmonia com o pedido feito, de êle se discutir imediatamente, com urgência e dispensa do Regimento.

É necessário que a Câmara estude êste diploma, que merece uma larga discussão.

Na verdade, Sr. Presidente, êste projecto, para ser coerente com os considerandos que o precedem, não devia ser aqui apresentado com urgência e dispensa do Regimento, pois a verdade é que para ser devidamente estudado devia ter sido enviado para a respectiva comissão.

Sr. Presidente: a precipitação com que êle foi aqui apresentado foi tal que, referindo-se elo a dois artigos, houve o esquecimento de pôr o artigo primeiro, falta esta que em parte foi atenuada, pela proposta aqui apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro.

O que na verdade eu não compreendo, Sr. Presidente, é a razão por que se faça referência somente a êste decreto e não se faça referência a todos os outros.

O Sr. João Luís Ricardo: - Eu explicarei tudo isso a V. Exa.

O Orador: - Espero que V. Exa. me dê essa explicação.

O Sr. João Luís Ricardo tem discutido quási que exclusivamente, de todas as vezes que tem usado da palavra - e já

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são bastantes - o decreto relativo à supressão do Ministério do Trabalho.

Diz S. Exa. que êsse decreto é inconstitucional e envolve aumento de despesa. Eu volto a afirmar que, se as autorizações parlamentares são, efectivamente, constitucionais, constitucional é também o decreto que extinguiu o Ministério do Trabalho. Di-lo a lei n.° 1:648, di-lo a lei n.° 1:763, dizem-no as restantes leis da autorização parlamentar.

A lei n.° 1:648 estabelece o seguinte:

Leu.

A lei n.° 1:763 mantém em pleno vigor a lei n.° 1648, ampliando a sua durabilidade que estava restrita até ao fim do ano económico.

O Sr. João Luís Ricardo: - Eu não discuto a constitucionalidade das autorizações.

O Orador: - Eu estou apreciando o decreto em face das autorizações, o chego à conclusão, sinceramente, de que o decreto que extinguiu o Ministério do Trabalho é absolutamente legal sob o ponto de vista das autorizações à sombra das quais o publiquei.

A lei n.° 1:763 ratificou a lei n.° 1:648 que confere ao Poder Executivo a faculdade de remodelar e simplificar serviços, contanto que essa remodelação implique deminuição de despesas.

O decreto que extinguiu o Ministério do Trabalho remodela serviços e traz consigo uma deminuição de despesas.

Referiu-se há pouco o Sr. Ministro das Finanças a um aumento de despesa provocado por êste decreto. Quis S. Exa. aludir apenas à situação que passaram a ocupar os engenheiros do quadro industrial.

Ora a Câmara sabe que havia o decreto n.° 2:903, que dizia o seguinte:

Leu.

O Sr. João Luís Ricardo: - V. Exa. está a referir-se aos engenheiros do quadro de minas, e os que sofreram aumento foram os da Direcção Geral do Trabalho.

O Orador: - Eram engenheiros do Ministério do Trabalho, que estavam numa situação de desigualdade perante os seus colegas; e o decreto n.° 2:903, publicado quando era Ministro do Trabalho o Sr. Rocha Saraiva, obrigava a estabelecer-se uma situação igual, em matéria de vencimentos, aos engenheiros do Ministério do Comércio.

É a êste aumento de despesa que o Sr. Ministro das Finanças se refere.

Há decretos anteriores que não são da minha responsabilidade porque então era eu Presidente da Câmara.

A economia com a extinção do Ministério do Trabalho é de 269.592$, incontestáveis.

Por virtude do decreto anteriorn.0 9:203, a economia é ainda de 186:8905, também incontestáveis.

São simples operações de aritmética que toda a gente pode fazer. Nem mesmo eu sei nem gosto dos jogos de prestidigitação, nem me presto a isso, pois não tenho recursos financeiros paro. tal.

Chega-se fàcilmente à conclusão de que a extinção do Ministério do Trabalho se fez dentro das autorizações parlamentares (Apoiados], e que trouxe deminuição de despesa no Orçamento Geral do Estado.

Vamos então saber se esta medida é boa ou má.

Se neste país houvesse uma lei do imprensa séria e honesta (Apoiados), não seria permitido que se chegasse ao ponto de anavalharem homens que, moralmente, se consideram muito acima da craveira moral a que êles pertencem.

Apoiados.

Sr. Presidente: se quisesse trazer para aqui resposta a essas insinuações caluniosas, deprimir-me-ia a mim mesmo (Apoiados}, e a Câmara dava uma consideração a caluniadores que, aliás, não podem merecer de nenhum home)n de bem, nem duma Câmara que represente a nação.

Apoiados.

Faço votos para que o Govêrno traga o mais depressa possível ao Parlamento a proposta de lei a que se refere na declaração ministerial, relativa à imprensa, a fim de fazer uma distinção necessária entre os verdadeiros e honestos jornalistas e as pessoas que, intitulando-se jornalistas, só podem deminuir a respeitabilidade daqueles com quem pretendem confundir-se.

Nunca me servi do qualquer situação

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política que tenho ocupado, neste país para defender interêsses pessoais meus.

Apoiados.

Ergo bem altivamente a cabeça como podem erguer todos os homens de honra; nunca olhando para baixo, mas para cima, para o alto.

A extinção do Ministério do Trabalho fez-se som que eu tivesse tomado qualquer iniciativa nesse sentido, só para esclarecimento da Câmara, porque o Sr. Costa Cabral quando entrou neste debate fez a declaração do que não foi êle mas um dos membros do Govêrno, que propôs em Conselho de Ministros a extinção do Ministério do Trabalho.

Só por essa razão é que o preciso declarar, em face das insinuações torpes que atiram sôbre mim.

Quando o Sr. Costa Cabral, então membro do Govêrno, expôs a situação do seu Ministério, conforme êle entendeu justo expô-la, como conhecimento que adquirira do que era a organização e funcionamento dos serviços dêsse Ministério, apresentou as suas ideas acerca da remodelação dos serviços do Ministério do Trabalho.

Veio à tela da discussão e ninguém pediu a extinção dêsse Ministério.

Então houve uma proposta dum membro do Govêrno, para, efectivamente, ser reduzido o número do Ministérios, até ao menor número.

Em relação ao Ministério do Trabalho, do que tantas vezes no Parlamento, na imprensa e em conferências públicas havia- defendido a sua extinção, foi fácil a idea vingar dentro do Conselho de Ministros,

Suponho que nenhum membro do Govêrno, nem eu, poderia com o seu voto, acerca da administração pública, ter algum sentimento pessoal inconfessável que pudesse contribuir para a extinção do Ministério do Trabalho.

Apoiados.

E, se considerações de ordem pessoal foram produzidas no Conselho de Ministros acêrca dos factos que, porventura, a extinção pudesse trazer, essas considerações de ordem pessoal só poderiam ser feitas por parte do proponente do projecto de lei.

E, porque todos nós andamos sofrendo de uma profunda neurastenia, porque vivemos num país e época de neurasténicos e desconfiados, e eu próprio sou um deles...

O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo):- Eu. não sou; sou são.

O Orador: - V. Exa. considera-se são, e eu faço votos por que tenha sempre a saúdo que diz ter, ou que atinja a que já, diz ter.

O que é certo é que nenhuma consideração de ordem pessoal há que possa, atingir qualquer individualidade.

Compulsando documentos e acompanhando um pouco a história, convencemo-nos de que havia necessidade da extinção do Ministério do Trabalho.

O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo). - Não costumo ser ingrato, mas costumo ter a energia necessária ao que exponho.

Gostava, porém, que V. Exa. pudesse dizer à Câmara, já.

O Orador: - Se considerações de ordem pessoal pudessem ter sido feitas acerca do V. Exa., não seriam nunca considerações que pudessem melindrá-lo.

O Sr. João Luís Ricardo: - Não me fizeram senão justiça. Nada tenho que agradecer ao Govêrno.

O Orador: - O que é certo é que se havia formado uma atmosfera favorável à extinção do Ministério do Trabalho.

Feitas estas considerações, necessárias acêrca daquilo que eu considerava uma atmosfera feita a favor da extinção feita, fácil foi chegar à conclusão dessa extinção.

O que não houve foi atmosfera nenhuma favorável para a sua manutenção, porque toda a gente, referindo-se ao funcionamento do Ministério do Trabalho, à, sua organização, tal como estava, divide-se em dois partidos: remodelação, remodelação, remodelação, ou extinção, extinção, extinção.

Não há ninguém que diga: deixem estar o que está, porque é, perfeito. Ninguém.

Por conseguinte, o Govêrno julgou-se no direito (que reivindico para êsse Govêrno, porque foi um direito que todos

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os Governos reivindicaram) de remodelar certos serviços ao abrigo de autorizações parlamentares.

Foi o que fiz; e entre essas duas opiniões - remodelar o Ministério do Trabalho com uma nova organização de serviços ou extinguir êsse Ministério - optei por esta última opinião.

O Sr. João Luís Ricardo: - Serviços havia que era essencialíssimo remodelar e que não foram remodelados. Por exemplo: os serviços de saúde.

O Orador: - Mas V. Exa. imagina que eu estou aqui a bater-me pela necessidade da extinção do Ministério do Trabalho?

Está V. Exa. enganado.

Nem ou nem o Sr. Costa Cabral, que foi o autor dessa extinção.

V. Exa. não fez mais do que aceitar a idea que em Conselho de Ministros surgiu.

O Sr. João Luís Ricardo: - Eu combato a extinção do Ministério do Trabalho só pela maneira como foi feita, e que, como já demonstrei, é ilegal.

Eu ataco duas cousas no decreto: primeira, a ilegalidade da extinção: segunda, a ilegalidade da remodelação.

Diz V. Exa. que há dois partidos: um que quere o Ministério extinto, e outro remodelado.

Ora eu devo dizer que o Ministério do Trabalho, passado mês e meio, está exactamente na mesma.

O decreto de V. Exa. não fez mais do que repor o Ministério do Trabalho tal como estava. Só o que não tem é ò Ministro, o chauffeur e o automóvel.

O Orador: - É uma opinião de V. Exa.

O Sr. João Luís Ricardo: - Se V. Exa. quere uma sabatina a êsse respeito estou pronto a aceitá-la.

O Orador: - Como V. Exa. quiser.

V. Exa. afirmou agora que ficou tudo como estava, menos o Ministro. Se assim é, V. Exa., que declarou aqui e na imprensa que a culpa de muitas cousas correrem mal no Ministério do Trabalho pertencia simplesmente aos Ministros, não deve ter razão senão para se felicitar por essa extinção.

O Sr. João Luís Ricardo: - Mas é que agora estamos colocados nesta situação, que nunca existiu adentro dos serviços: - é que, em vez de ser um Ministro, são dois.

Os serviços de saúde, por exemplo, pertencem ao Ministério da Instrução e ao Ministério do Trabalho.

O Orador: - Tudo isso acaba desde que o Poder Executivo ponha em execução os decretos publicados.

É uma situação transitória, que resulta de um êrro, confesso-o - o êrro de não terem pôsto em execução imediatamente êsses decretos.

E sabe V. Exa. porque o não fez o Govêrno a que presidi?

Porque estava demissionário.

Não quis pôr em execução êsses decretos, para que se não acentuasse o campanha levantada em certa imprensa de que o Govêrno tinha apenas o objectivo de anichar pessoas.

Apenas isto e mais nada.

O Sr. João Luís Ricardo: - Mas há lugares de eleição.

O Orador: - Há de eleição e de nomeação, e eu só fiz referência aos lugares de nomeação.

O Govêrno, repito, não fez essas nomeações por uma questão de melindres, porque não quis que continuasse a campanha que foi feita, e está sendo feita agora, de que havia apenas um objectivo pessoal, afirmando-se que o Govêrno não queria perder a oportunidade de meter nesse Conselho amigos seus.

Deixou, portanto, ao Govêrno seguinte a faculdade de fazer essas nomeações.

Era essa a orientação que eu desejava dar ao meu discurso: fazer a demonstração pormenorizada das opiniões exibidas acerca da necessidade da remodelação do Ministério do Trabalho e das críticas feitas à maneira como êsses serviços se faziam.

Tanto dum parecer que foi apresentado ao Senado, em Junho de 1922, como de opiniões várias expendidas nas duas ca-

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sãs do Parlamento, como ainda do referências feitas na imprensa, tirava-se a conclusão de que toda a gente que dizia que não ora partidária da extinção, o era da remodelação.

E o parecer apresentado ao Senado pode considerar-se um libelo contra a maneira como funcionam os serviços do Ministério do Trabalho.

Começo por acentuar que o Ministério foi criado em 1910, por um suplemento do Diário do Govêrno, de 16 do Março, mas que não é meu.

Não valo a pena cansar a Câmara para lhe dizer como foi organizado êsse Ministério; mas, vale a pena dizer que, logo pouco depois, antes do um ano, êle sofreu uma remodelação, por meio de um decreto, creio que também publicado num suplemento ao Diário do Govêrno, mas que também não é meu.

Ainda em 1917, uma segunda remodelação se fez. Em 1918, fez-se uma nova modificação dos serviços daquele Ministério, por um decreto com fôrça de lei, n.° 4:641, pelo qual se transferiu do Ministério do Trabalho, para o do Interior, a Direcção Geral da Assistência Pública.

E é crime que o decreto publicado pelo Govêrno a que presidi fôsse ao decreto ditatorial de Sídónio País, que passava serviços dos Ministérios das Finanças e do Interior para o do Trabalho, e tornasse a colocá-los naqueles?

Mas veio depois a quinta reorganização pelo decreto com fôrça de lei n.° 4:885 que não é meu, transferindo para o Ministério do Trabalho os hospitais civis de Lisboa e a Direcção Geral de Saúde.

Em 1919 - e eu peço a atenção do Sr. Cunha e Costa - foi praticado o nefando crime da publicação dos suplementos...

O Sr. Cunha e Costa (em àparte): - Eu não disse nada.

O Orador: - Mas a quinta reorganização a que aludi mereceu o aplauso de todo o mundo... et son pere. Sempre que se fazia uma reorganização, todos gostavam muito, até o dia em que vinha uma pessoa que não gostava e fazia outra.

Eu vejo que muitas das pessoas que condenavam êstes decretos até agora, mudaram já um pouco de atitude. O Sr. Cunha e Costa, porém, dada a posição política de S. Exa. perante o país, é natural que continue a condenar ...

O Sr. Cunha e Costa: - V. Exa. dá-me licença para uma interrupção?

A mim, interessa-me particularmente neste assunto o aspecto técnico jurídico da questão. Eu compreendo que V. Exa., amanhã, em ditadura, publique decretos; mas faça como o Sr. Ministro da Justiça: venha perante a Câmara e diga: eu fiz isto, por êste motivo.

O Parlamento que confirmo ou invalido. O resto não me interessa. A discussão far-se-há na altura própria; mas todas as cousas se podem fazer por uma forma jurídica.

O Orador - Em 1919, fez-se a sexta reorganização dos serviços do Ministério do Trabalho, por meio dos decretos nefandos dos suplementos.

Isto relativamente a um Govêrno a que eu tive a honra de presidir.

Eu, no emtanto, Sr. Presidente, não posso deixar de chamar a atenção da Câmara e de todos aqueles que até agora, de boa fé, têm atacado êsse nefando decreto, para as seguintes palavras que se encontram aqui escritas e que vou ler à Câmara.

Nesta altura trocam-se vários apartes que não é possível reproduzir.

O Orador: - O que eu na verdade desejarei é que V. Exa., Sr. João Luís Ricardo, não se esqueça nessa altura, de fazer as considerações que se esqueceu naturalmente de fazer, quando da outra vez usou da palavra, pois, na, verdade, toda essa legislação do 1919, merece e deve merecer, a consideração de toda a gente.

Trocam-se novos apartes que não foi possível reproduzir.

O Orador: - Tenho na verdade ligado o meu nome a êsses decretos que foram publicados pelo último Govêrno; porém, repito não enjeito a responsabilidade que sôbre mim impende, tanto mais quanto é certo que na verdade não tenho feitio para isso.

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Porém mais adiante nós lemos mais o seguinte:

Leu.

Há muito que eu não tinha a possibilidade de, como Deputado, dizer alguma cousa que não podia dizer da minha cadeira do Presidente ou das cadeiras do Govêrno.

A legislação de 1919 toda a gente sabe que é má, mas muita gente diz que é boa.

Sr. Presidente: suspendi as minhas considerações.

Agradeço a V. Exa. ter consentido que alongasse esta primeira parte das minhas considerações; mas seja-me permitido dizer ainda que quem está a fazer a defesa da legislação de 1919 é o Sr. Francisco Grilo que escreve no Diário de Noticias.

O Sr. Presidente: - A sessão reabre às 21 horas e meia.

Está suspensa a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 40 minutos.

O Sr. Domingos Pereira: - Sr. Presidente: quando há pouco interrompi as minhas considerações, estava eu aludindo à sexta reorganização do Ministério do Trabalho, realizada em 1919 por meio de cinco decretos.

Já pus em relêvo a circunstância de que êsses decretos não são tam maus como a crítica, em geral, os fazia, porque, na hora em que começou a ser discutida e atacada a medida que extingue o Ministério do Trabalho, foram considerados tais decretos como úteis e até do maior alcance.

E disse mais que essa circunstância me servia do consolo, bem como aos meus colegas do Govêrno em 1919, contra tantos ataques que êsses decretos provocaram desde então até agora.

Mis não param aqui as reorgnizações do Ministério do Trabalho, porque se pretendeu ainda reorganizá-lo, alegando que os seus serviços não satisfaziam aos fins para que tinham sido criados.

Não vou citar a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, as variadíssimas modalidades das opiniões expendidas acêrca das necessidades da reorganização do Ministério do Trabalho; mas devo aqui afirmar a V. Exa. que, a favor da sua extinção, algumas opiniões também foram expendidas nesta Câmara, no Senado e até mesmo na imprensa. E em 19 de Outubro de 1920, como pode ver-se pelo Diário do Govêrno n.° 234, 2.ª série, do 22 de Outubro do 1920, foi apresentada na Câmara dos Deputados uma proposta de lei subscrita pelos Srs. Ministros do Trabalho, do Comércio, da Instrução Pública, das Finanças o da Guerra, propondo a extinção do Ministério do Trabalho.

Por esta proposta passam os Ministérios do Trabalho e Comércio a denominar-se Ministério de Saúde e Assistência e Previdência Social, e esta proposta de lei foi defendida pelo Sr. João Luís Ricardo como relator do Orçamento.

Mais tarde a comissão mixta do Deputados o Senadores, constituída pelo, decreto n.° 1.-344, propunha a extinção do Ministério do Trabalho. Isto em 26 de Setembro de 1923.

Foi proposta a sua extinção num parecer sôbre as propostas do Ministro das Finanças, Sr. Velhinho Correia.

Em 1924 o Sr. João Camoesas apresentou também uma proposta para a remodelação dos serviços públicos, na qual se propunha a extinção do Ministério do Trabalho.

Para não estar com mais citações e não alongar o debate, fica demonstrado que essa idea de extinção do Ministério do Trabalho, na maneira de ver de muita gente, não era cousa que merecesse uma. oposição sistemática, oposição quási de revolta contra a medida adoptada.

É por isso que, quando o Govêrno resolveu em Conselho a extinção dêsse Ministério, entendeu na sua boa fé que essa proposta não era de molde a levantar as pedras das calçadas, como afinal parece estar sucedendo.

Desejarão que o Ministério do Trabalho seja de novo organizado? Desejarão que êle subsista?

Se o Parlamento o quiser, não tenho eu evidentemente uma disposição de manter uma discordância sistemática com a resolução que o Parlamento entende dever adoptar.

Mas do que estou convencido é de quer.

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a ser restabelecido êsse Ministério, não o será nas condições era que funcionava e estava organizado.

O decreto da extinção teria pelo menos o valor de ter provocado uma discussão que de outro modo se não faria tam cedo acerca dêsse Ministério, que, se fôr restabelecido, será de moldo a satisfazer os seus fins.

Se V. Exas. quiserem que eu forneça ainda alguns argumentos para demonstrar que o Ministério do Trabalho, tal como existia, não podia subsistir, bastará ler o parecer elaborado sôbre a proposta orçamental da receita e desposa para o ano económico do 1922-1923 dos serviços autónomos do Ministério do Trabalho, e confrontá-lo com o Boletim de Previdência Social, referente aos meses de Julho a Dezembro de 1925.

Há palavras do Boletim, publicado em 192U, que são exactamente as mesmas que constam do parecer datado do 1922.

Sr. Presidente: fazendo estas afirmações, outra cousa não desejo provar senão o meu inabalável convencimento do que o Ministério do Trabalho não correspondia de modo nenhum ao fim para que havia sido criado.

Comparados o Boletim de 1920 e o parecer de 1922-1923, verificamos a mesma homenagem, as mesmas iniciativas, dois anos depois, sem que se acrescente mais uma iniciativa.

Creio, Sr. Presidente, estar já demonstrado que o Govêrno anterior foi levado a extinguir o Ministério do Trabalho, apenas por motivos e razões que o convenceram da necessidade dessa extinção.

Aos que, porventura, queiram alegar que essa extinção foi consequência do desinterêssse do Govêrno pelos serviços dêsse Ministério, eu respondo que êsse Govêrno reservou para a Assistência Pública, 5 por cento das novas receitas do Ministério da Guerra - taxas do emigração e licenças militares - conforme o poderá dizer o Sr. Tôrres Garcia que é bastante conhecedor dos assuntos que especialmente dizem respeito ao Ministério da Guerra.

Essa percentagem produzirá aproximadamente 2:500 contos.

Além disso, pelo decreto n.° 11:341 que menciono nos considerandos da minha moção, criaram-se receitas também para a Assistência, que devem atingir o montante do 12:000 contos.

Não é pois tam má, como possam querer, dizer, a obra do último Govêrno.

É discutível?

Decerto que é.

Nada há que não seja discutível.

Mas não considere a Câmara só discutíveis os actos do meu Govêrno.

Discutíveis considere também os actos dos Governos anteriores, porque eu não estou disposto a conservar-mo em silêncio agora que, felizmente, recuperei uma liberdade de acção que há muito não tinha, ocupando uma cadeira, aqui, para me defender de todas as acusações que me tem feito, procurando colocar-me numa situação de inferioridade perante os Governos que se têm sucedido nas cadeiras do poder, como se eu fora fadado para corresponder às exigências do determinados momentos políticos, indo tomar as rédeas da governação pública, contra vontade, para no fim se me dizer que afinal deixo sempre atrás de mim uma obra ruinosa que não pode recorrer confronto com a dos outros Governos.

Dizia Santo Agostinho, Sr. Presidente, e vale bom a pena citar a opinião dêste grande doutor da igreja, numa Câmara onde há uma tam luzida representação católica, que "não há nenhum género de orgulho mais repugnante do que aquele que consisto em deprimir os outros; e que é preferível que o orgulho se revele elevando-se cada um excessivamente".

Realmente, sei de muitas pessoas que não querem deixar os seus créditos por mãos alheias; mas ou tenho tido o defeito contrário, não procurando fazer reclame da minha pessoa nos jornais, em artigos o entrevistas, e não fazendo a vida de cafés arranjando uma roda de admiradores, pelo menos, nos amigos que bebessem comigo à mesma mesa.

Mas agora não estou disposto a consentir que essa espécie de orgulho mais deplorável que qualquer outro, que consiste em deprimir os outros, se continue revelando contra mim, embora esteja disposto a permitir que cada um se eleve a si próprio mais do que deve elevar-se.

Sr. Presidente: um outro decreto, que mereceu as honras de um rude ataque, foi aquele que restabeleceu o Contencioso Administrativo.

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A respeito dêsse tenho, então, uma responsabilidade muito especial, embora tenha também a responsabilidade, como já o disse mais de uma vez, quanto à, publicação de todos os decretos, não só porque se trata de um assunto que competia à pasta que eu geria, mas até porque é da minha exclusiva iniciativa.

Tenho ouvido arguir êsse decreto de inconstitucional e tenho ouvido louvar e aplaudir como constitucional o decreto que extinguiu o Contencioso Administrativo.

Não quero entrar na discussão política ,a que o assunto podia levar-mo; mas vou procurar demonstrar que é minha convicção que o decreto que restabeleceu o Contencioso Administrativo é constitucional a que o outro que o extinguiu é inconstitucional, embora dê a todos o direito de ter uma opinião diferente da minha.

Quando no Govêrno presidido pelo Sr. Álvaro do Castro foi apresentado o projecto de decreto para a extinção do Contencioso Administrativo, eu, que então sobraçava a pasta dos Estrangeiros, tive ocasião, em Conselho de Ministros, de manifestar acêrca dele a minha discordância.

Evidentemente que eu não ia fazer uma questão ministerial, porque a proposta era apresentada pelo Ministro respectivo - o Ministro do Interior de então. Sendo eu o Ministro dos Estrangeiros, não se tratando, portanto, de um assunto que dissesse, directamente, respeito à minha pasta, não podia levar a minha discordância ao ponto de abandonar as cadeiras do Poder. Ninguém promove uma crise ministerial por motivo de discordar de uma medida de qualquer, colega. Eu assinei o decreto com fôrça do lei, à sombra do autorizações parlamentares, um pouco na situação em que agora se encontrou o Sr. João Camoesas perante o diploma que extinguiu o Ministério do Trabalho. Limitei-me então, como S. Exa. fez agora, a deixar assinalada, em Conselho de Ministros, a minha discordância.

O decreto n.° 9:340, que extinguiu o contencioso administrativo, era, a meu ror, inconstitucional, porque o artigo 66.° da Constituição diz na sua base 2.ª:

"As deliberações dos corpos administrativos poderão ser modificadas ou anuladas pelos tribunais do Contencioso quando forem ofensivas das leis e regulamentos de ordem geral".

E eu estou convencido - e vou dizer porquê - de que esta disposição da Constituição, empregando a expressão tribunais do Contencioso, quando fala nas atribuições dos corpos administrativos, se refere ao Contencioso Administrativo. A Constituição, quando só refere a tribunais, nunca lhes chama tribunais do Contencioso, senão na base 2.ª do artigo 66.° Fala se em tribunais "competentes", em tribunais "ordinários", em tribunais "comuns", mas nunca em tribunais do Contencioso, senão na disposição citada. Está, portanto, no espírito do legislador o quê?... O referir-se aos tribunais do Contencioso Administrativo, para julgarem das deliberações dos corpos administrativos. Em reforço da minha opinião, vem a interpretação dada pelo próprio autor desta disposição legal. Eu tive, com efeito, o prazer de ver que no Século o Sr. Dr. Jacinto Nunes, que é, indiscutivelmente, uma autoridade em Direito Administrativo e que fez parte da Assemblea Nacional Constituinte, após a extinção do Contencioso Administrativo pelo decreto n.° 9:340, saiu imediatamente à estacada, dizendo que entendia ser do seu dever vir a público contestar a constitucionalidade dêsse decreto, visto ter sido êle o autor da disposição constitucional do artigo 66.° Convidava o Sr. Jacinto Nunes o Parlamento de então, a que eu presidia na Câmara dos Deputados, a dar uma prova do seu respeito pela Constituição, exortando-o a anular o decreto n.° 9:340 e a restabelecer o Contencioso Administrativo.

O Sr. Cunha e Costa (interrompendo):- O que não há infelizmente, a meu ver, é um critério jurídico. A verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça ainda é alguma cousa neste país; e, como tal, deve merecer o respeito de toda a gente, não podendo haver uma afirmação em sentido contrário.

O Sr. Moura Pinto: - Para mim a Constituição ainda me merece mais respeito.

Nesta altura trocam-se vários apartes que não foi possível reproduzir.

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O Orador: - Eu já tive ocasião hoje de responder no Sr. Cunha e Costa sôbre a observação que acaba do fazer.

Bom será que V. Exa. só não exalte, nem perca a sua serenidade, e que veja as cousas como elas suo.

O Sr. Cunha e Costa: - Peço desculpa a V. Exa., toas eu não estou exaltado.

O que digo a V. Exa., e afirmo, é que em qualquer país civilizado o Sr. Augusto Monteiro não estaria no Supremo Tribunal de Justiça, visto que nem juiz é.

Não apoiados.

Nesta altura trocam-se vários àpartes.

O Orador: - Só V. Exa. tivesse lido com atenção o decreto n.° 9:340, não faria as observações que faz,

São direitos mantidos pela lei.

O Sr. Cunha e Costa (Interrompendo): - estão êsses direitos adquiridos?

O Orador: - São-no pela lei...

Estão na própria Constituição da República.

Sr. Presidente: V. Exa. vê que não é minha a culpa das interrupções para que V. Exa. está chamando a atenção.

Tenho o maior prazer em ouvir as considerações do Sr. Cunha e Costa e de qualquer outro Deputado. Se souber responder, respondo se não souber, não respondo.

Tenho a humildade necessária para dizer que não sei responder.

O Sr. Cunha e Costa: - Eu só quero ser convencido.

O Orador: - Êsses direitos estão garantidos.

O Sr. Cunha e Costa: - V. Exa. tem sabido conquistar as simpatias pessoais de todos nós. E de uma extrema gentileza.

Todos nós temos, os Deputados, por V. Exa., pela sua gentileza, a maior simpatia.

O Orador: - Dizia eu que os direitos estavam garantidos no próprio decreto e pela própria Constituição da República.

Nova interrupção do Sr. Cunha e Costa.

O Orador: - Habituei-me a respeitar o Sr. Jacinto Nunes pela sua inteligência e pela sua sinceridade, mesmo quando dele discordo. Reconheço que é realmente uma autoridade.

O Sr. Cunha e Costa: - Fica então assente que, quando eu apresentar o meu projecto de lei sôbre o Código Administrativo, a Câmara apoia as minhas considerações.

Vozes: - Essa agora!

O Orador: -Ora eu que tenho tanto respeito pelo Sr. Jacinto Nunes, pela sua autoridade e carácter, eu que sou um dos seus mais dilectos amigos, nunca seria capaz de pronunciar qualquer palavra que o desmerecesse no seu vigor intelectual.

E a maneira como o Sr. Jacinto Nunes escreve ainda hoje e escreveu êste artigo, que eu recortei do Século, é mais uma demonstração do que S. Exa. mantém uma claridade mental e uma memória tam fiel que não são próprias de todos os homens que chegam à sua idade.

É uma excepção; e eu exulto em aqui poder fazer esta declaração.

Eu tinha a opinião de que o Contencioso Administrativo devia existir, em virtude da Constituição, e o Sr. Jacinto Nunes, que é urna autoridade no assunto, forneceu-me argumentos para eu reforçar os meus.

Diz depois o Sr. Jacinto Nunes:

Leu.

Vamos agora buscar uma outra grande opinião em direito administrativo, o Sr. Dr. Magalhães Colaço.

Diz o Sr. Magalhães Colaço:

Leu.

Vem em reforço dizer que já o projecto do Código Administrativo de 1911, inspirado no artigo 66.°, base 2.ª, da Constituição, consagra a existência das autorias e do Supremo Tribunal Administrativo.

A lei n.° 88. de 7 de Agosto de 1913, desenvolvendo o preceito daquela base constitucional, diz que uma deliberação dos corpos administrativos somente podia ser anulada ou modificada pelo Tribunal Administrativo.

Depois refere-se à palavra tradição do Contencioso do nosso país que em linguagem jurídica, entre os especialistas de-

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direito, é sempre o Contencioso Administrativo.

Depois faz o Sr. Magalhães Colaço a sua conferência, que é admirável pela sua maneira sintética, muito clara.

Veio com a tradição portuguesa acêrca do Contencioso Administrativo, referindo-
-se às tentativas feitas em Portugal para a extinção dêsse Contencioso, e com os restabelecimentos imediatos a seguir à extinção do mesmo Contencioso.

Refere-se depois especialmente à supressão do Contencioso Administrativo de 1892, por Dias Ferreira, que se baseou precisamente nas mesmas razões em que assentou a extinção do Contencioso, pelo Ministério do Sr. Álvaro de Castro: razões de economia e de absoluta necessidade de compressão de despesas.

Mas, em todo o caso, José Dias Ferreira extinguiu o Contencioso, deixando no emtanto o Contencioso Administrativo a que o Sr. Magalhães Colaço chama híbrido, pois deixa o julgamento das questões administrativas aos tribunais judiciais, em 1.ª instância, e em recurso ao Supremo Tribunal.

Êste estado de cousas não se manteve, porque os resultados foram tais que a êle se pôs têrmo em 1895 com o Código Administrativo.

É sabido o péssimo resultado que daí tem vindo para a administração pública.

Afirma o Sr. Magalhães Colaço que essa extinção só deu a confusão na jurisprudência de onde resultaram os mais graves inconvenientes.

Quando se publicou o decreto n.° 9:340 houve necessidade de publicar decretos subseqüentes; e, se bem me recordo, fizeram-se quatro edições dêsse decreto, e no fim concluía, dando ao Supremo Tribunal de Justiça, que ficou julgando as questões do Contencioso Administrativo, poderes executórios dos seus acórdãos.

Assim se desejava acabar com os abusos cometidos por vários Governos, em relação à homologação.

Efectivamente, se formos fazer a história do que tem sido pràticamente a homologação por parte do Executivo, temos de concluir que muita cousa má se tem feito.

Pois apesar de se ter estabelecido, por meio do decreto n.° 9:340, que os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça tinham fôrça executória, ainda assim o Poder Executivo deixa de cumprir êsses acórdãos.

E então há muitos casos curiosos.

Por exemplo: num acórdão do Supremo tribunal de Justiça, sôbre um recurso que tinha sido ainda apresentado ao Supremo Tribunal Administrativo, por um comissário do Govêrno, junto da Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola, lugar para o qual foi nomeado em 1919 e de que depois foi demitido, termina-se dando provimento e mandando reintegrar o respectivo funcionário.

Pois bem.

Como cumpriu o Poder Executivo êste acórdão, que é de 24 de Junho de 1924?

Em 19 de Julho de 1924 foi publicado pelo Ministério das Colónias um decreto exonerando do seu lugar êsse funcionário.

O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo) : - Isso é o que se dá com os tribunais administrativos.

O Orador: - Não sei se V. Exa. conhece o segundo decreto que regulamenta as atribuições dos tribunais administrativos, mas parece que não leu.

Eu defendo a necessidade, por parte do Poder Executivo, de certas resoluções do Supremo Tribunal...

O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): - Essa medida que V. Exa. está a defender é absolutamente oposta aos seus princípios democráticos.

O Orador: - Entendo que da independência dos poderes que a Constituïção estabelece é que resulta a necessidade da homologação, por parte do Executivo, de determinadas resoluções sôbre actos do Poder Executivo serem derrogados; porque, se assim não fôr, ao Poder Judicial fica sobreposto o Poder Executivo, e, portanto, actuando o princípio constitucional da independência e harmonia dos poderes.

É por isso que entendia que se devia defender o contencioso administrativo, porque subordinando-se às resoluções dum tribunal especializado não tinha de se subordinar ao Poder Judicial.

O Sr. Afonso de Melo (interrompendo): - É necessário que haja alguém que esteja

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acima do Ministro, defendendo o Conselho.

O Orador: - O Govêrno não o podia fazer. O Parlamento é que tinha de o fazer; mas como isto não podia ser feito definitivamente, a minha opinião é a melhor: entregar ao Poder Judicial.

Entretanto, para obviar aos inconvenientes da questão da homologação, o decreto regulamentar já foi ao encontro dêsse decreto, restringindo-o.

Toda a documentação publicada no Diário do Govêrno não é uma peia grande como muitos imaginam.

Em todo o caso, digo que não me satisfaz apesar de ser eu o autor.

Sr. Presidente: eu desejo que a Câmara tome conhecimento dêste decreto e dos outros, apreciando-os, discutindo-os e resolvendo como entender.

Eu desejava ainda referir-me a vários outros decretos e, nomeadamente, àquele que reformou a Inspecção dos Caminhos de Ferro; mas como o assunto foi brilhantemente tratado pelos Srs. Cunhal Leal e Manuel José da Silva, para não fatigar a Câmara, eu poucas palavras direi.

O Sr. Cunha e Costa: - Nesse decreto da Fiscalização dos Caminhos de Ferro há uma disposição de carácter grave, que eu desejava que V. Exa. esclarecesse. Tem um artigo êsse decreto, que é o 152.°, se a memória me não falha, em que se diz, de forma imperativa:

"O conselho fiscal terá de proceder à revisão das leis tais e tais, apresentando ao Ministro as bases da remodelação".

Eu desejava que V. Exa. me dissesse se foi intenção do Govêrno, ao redigir esta disposição, considerar aquele conselho um corpo consultivo ou dar-lhe uma autorização. Se foi uma autorização, o caso é muitíssimo grave, pois podia-se ir até o extremo de se revogarem disposições do Código Comercial.

Eu faço esta observação para se saber qual foi a intenção do legislador.

O Orador: - Se o Sr. Nuno Simões não estivesse infelizmente privado de tomar parte nos trabalhos da Câmara, responderia a V. Exa., como autor do decreto, que o mesmo decreto, estabelecendo as atribuições do conselho fiscal, não lhes dava outras que não fôssem consultivas.

Para terminar, eu quero dizer à Câmara que, na proposta orçamental apresentada hoje ao Parlamento pelo Sr. Ministro das Finanças, as eliminações de despesas que S. Exa. aponta são determinadas, muitas delas, pelo decreto n.° 11:054, publicado pelo Govêrno a que presidi.

Portanto, mais uma vez se verifica que o Ministério transacto não produziu obra tam má como alguns Srs. Parlamentares e uma parte da imprensa pretenderam fazer acreditar.

O decreto n.° 11:054, que pelo artigo 3.° permite a compressão de despesas feita na proposta orçamental, determinou as seguintes eliminações:

Leu.

Em virtude dêsse decreto é que foi possível ao Sr. Ministro das Finanças apresentar hoje na proposta orçamental estas verbas eliminadas.

Eu tenho uma profunda antipatia pela designação que foi dada aos antigos administradores de concelho. Emquanto não houver um novo código que lhes chame delegados do Govêrno, eu tenho todo o direito de usar da designação antiga, e por isso resolvi ir buscar essa designação que estava consagrada na tradição.

Então mandei um decreto...

Vozes: - Foi uma portaria.

O Orador: - Nesse momento estava assoberbado por mil preocupações, tendo de me haver com um despacho atrasado ...

Uma voz: - E por isso assinou uma portaria como sendo um decreto.

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Todos os Ministérios têm os seus técnicos; os Ministros são políticos, aqui, e em toda a parte do mundo.

Em Portugal os Ministros são políticos da mesma maneira; e confiam na competência especial dos funcionários relativamente aos assuntos que pela sua repartição correm.

O funcionário que dirige a repartição respectiva do Ministério do Interior é evi-

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dentemente um funcionário competente, um bacharel formado em direito, e uma pessoa que tem uma longa carreira na burocracia.

Eu estou convencido de que êle, elaborando um diploma a revogar outro diploma, procedeu conforme a sua opinião, naquele momento. Foi por ventura um momento de êrro? Não discuto.

Sr. Presidente: vou terminar.

Emfim os decretos estão submetidos à apreciação do Parlamento. Não tenho nada de que me queixar; e se alguém pudesse supor que o Govêrno a que eu presidi se sentiria magoado por virtude do Poder Legislativo entender que devia estudar e reconhecer definitivamente os decretos publicados, engana-se.

Apenas me queixo, Sr. Presidente - e desejo-o salientar - da excepção cometida para comigo.

Emquanto os Governos que me precederam publicaram os decretos que quiseram, à sombra de autorizações parlamentares cuja constitucionalidade é discutível e contestável, decretos muitos deles publicados com o Parlamento aberto e a funcionar, sem que o Parlamento discutisse e atacasse os Ministros que os publicaram, com o Govêrno a que eu presidi praticou-se duma maneira oposta: - porque uma das primeiras preocupações do Parlamento, apenas abriu as suas portas, é não só discutir - e isso seria o menos - êsses decretos do Govêrno da minha presidência, mas é também acusar os homens que constituíram o Govêrno de quási terem praticado crimes, publicando êsses decretos.

A excepção é que eu desejo pôr em relevo. E ponho-a em relêvo, porque quero provocar da parte da Câmara um espírito de justiça a que ela naturalmente não quererá faltar, dando a todos os decretos do Poder Executivo, feitos à sombra de autorizações e publicados por qualquer Govêrno, a mesma atenção e o mesmo tratamento que está dando aos decretos em discussão.

O Poder Legislativo por conseguinte que resolva.

Êsses decretos, depois de estudados pelas comissões, virão à discussão e essa discussão será naturalmente melhor orientada do que a discussão feita agora de tantos decretos em conjunto e sem pareceres.

Quando vierem à discussão, serão discutidos, um por um, duma maneira mais reflectida e mais serena. A Câmara mesmo discutirá melhor; e, discutindo melhor, melhor resolverá.

O que eu queria, e é por isso que estou aqui presente na Câmara, embora as minhas condições de saúde quási mo impedissem, era evitar que acaso a Câmara não reparasse no mal que faria se assim procedesse, resolvendo sôbre tantos decretos em conjunto e votando um projecto de lei, suspendendo-os a todos, sem o estudo prévio das comissões.

Se a Câmara efectivamente resolver que êles sejam remetidos ao estudo das comissões dou-me por satisfeito; porque, não tendo caprichos nenhuns na publicação dos decretos, apenas desejo que os objectivos que êles procuravam atingir sejam melhor atingidos depois dêsses decretos melhorados e votados pelo Parlamento.

Mas como na Mesa há o projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo e uma proposta de aditamento do Sr. Álvaro de Castro, se a Câmara quiser votar o projecto e proposta de aditamento, então, em nome do espírito da justiça que anima os Srs. Deputados da nação, eu reclamo que as emendas que vou enviar para a Mesa sejam votadas igualmente porque são complemento natural e lógico do projecto e da proposta a que me referi.

Ao projecto do Sr. João Luís Ricardo eu proponho o seguinte aditamento:

Proponho que ao projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo seja aditado o seguinte artigo:

Artigo 2.° Ficam igualmente suspensos, até que o Parlamento se pronuncie, todos os decretos publicados por qualquer Govêrno ao abrigo de autorizações parlamentares. - Domingos Pereira.

À proposta do Sr. Álvaro de Castro eu faço o seguinte aditamento:

Proponho o seguinte aditamento à proposta do Sr. Álvaro de Castro:

São suspensos igualmente todos os decretos publicados por qualquer Govêrno, ao abrigo de autorizações parlamentares, a fim de que as comissões se pronunciem

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sôbre a sua constitucionalidade e estudem a legitimidade das referidas autorizações em face das disposições da Constituição. - Domingos Pereira.

Continuo, Sr. Presidente, a dizer para terminar: se a Câmara quiser votar o projecto em discussão e a proposta de aditamento a êsse projecto que foi enviada para a Mesa, a Câmara tem lògicamente de votar a minha proposta de aditamento. E continuo a afirmar a V. Exa. e à Câmara, como afirmei ao começar as minhas considerações desta tarde, que as autorizações parlamentares são abusivas e significam da parte do Poder Legislativo a manifestação duma odiosa ditadura.

Tenho dito.

O orador não reviu.

São lidas e admitidas a moção e as propostas.

O Sr. Pinheiro Tôrres: - Sr. Presidente: mando para a Mesa a minha moção de ordem, que passo a ler:

Moção de ordem

A Câmara reconhecendo que os decretos em discussão são inconstitucionais; aumentaram as despesas públicas; privam os cidadãos portugueses da garantia de independência, e imparcialidade e competência que só o Poder Judicial possui; e que com a sua promulgação os membros do Poder Executivo cometeram o crime previsto e punido pelo n.° 4.° do artigo 8.° da lei n.° 266, de 27 de Julho de 1914: passa à ordem do dia. - Alberto Pinheiro Tôrres.

Sr. Presidente: antes de entrar no assunto que me proponho tratar, cumpro o dever, que corresponde a um impulso do meu coração, de agradecer a V. Exa. e à Câmara a parte que tomaram no meu luto recente.

Comovidamente, a todos apresento os protestos do meu mais profundo reconhecimento.

Sr. Presidente: abatido e abalado ainda pelo desgosto que me feriu, é com esfôrço, é com sacrifício, que eu tomo parte neste debate.

Mas a missão que me foi confiada obriga-me a quebrar um consolador silêncio que tam grato me seria demorar.

E a minha consciência, ainda talvez mais delicada nesta conjuntura, impõe-me o dever de lavrar o meu protesto, ou, melhor, de o renovar, contra aquilo que julgo ser uma afronta à opinião pública e um grave perigo: a conservação do actual Govêrno.

Realmente, êste Gabinete, composto na sua grande maioria de Ministros do Govêrno anterior, se não tivesse sido já condenado pela exautoração a que se anda procedendo nesta Câmara há tanto dias, devia automàticamente cair pelo facto da prisão do Sr. Nuno Simões.

Parece-me, e assim me indica a minha sensibilidade moral e a minha inteligência, que os homens do Govêrno deviam ser os primeiros a sentir a imperiosa necessidade de abandonar o Poder.

Mas não!

Olho, torno a olhar, demoro-me a olhar, e verifico com espanto e com tristeza que são os mesmos homens que ocupam as cadeiras do Poder e que, na sua ânsia sofrega de mando, nem vêem a melindrosa situação em que se colocam.

Não apoiados da maioria.

Pois faz sentido, pois é crível que homens que fizeram parte do Govêrno com o Sr. Nuno Simões, achando-se êste acusado, não sei se com verdade se não, prezo muito a minha honra para não prezar a dos outros! de pôr a sua pasta ministerial ao serviço de burlões e inconfessáveis interêsses, e tendo-se êles solidarizado até o fim com a sua obra, estejam no Poder e S. Exa. esteja na cadeia?

Pois é crível, pois faz sentido que um Govêrno que tem de resolver, sobretudo, êsse grande caso do Banco de Angola e Metrópole, que agitou a opinião pública, facto que parece que muitos desconhecem, na altura em que tudo se complica pelas declarações de Mr. Waterlow, que tanta luz lançou sôbre êste caso, e na mesma hora em que o nosso Embaixador em Londres, que teve essa embaixada como prémio da sua deplorável administração em Angola, é visado no relatório da Comissão de Abastecimentos, seja composto por homens solidários moralmente com um dos pretensos autores dessa enorme burla?

Isto não faz sentido, repugna ao próprio decôro e dignidade do Poder.

Esta circunstância e os princípios de justiça, ligados ao interêsse público, intimam

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pela minha voz, que é bem humilde, mas sincera, o Govêrno a que abandone as cadeiras do Poder e que saiba morrer, já que tem vivido tam inglòriamente.

Não apoiados da maioria e apoiados da minoria monárquica.

Não quero a maioria que seja assim; mas estamos aqui há quási um mês e o Govêrno deu-nos para discussão, e de afogadilho, um duodécimo apenas.

Continua-se neste regime que o Sr. Ministro das Finanças, na proposta apresentada acêrca do Orçamento, declarou que tem custado milhares de contos ao país.

Não devemos perder de vista um ponto muito importante, e êsse é que o actual Govêrno de que fazem parte, na sua grande maioria, homens do Ministério transacto, é apenas uma continuação, um prolongamento do anterior, cuja obra é essa ditadura que vimos analisando, impertinente e inútil, que as circunstâncias não justificavam, agravadora das despesas públicas e atentatória dos mais sólidos princípios jurídicos e morais, como vou demonstrar.

Ela é como que a continuação dos trinta suplementos do Diário do Govêrno, que num país e num regime livre e de opinião consciente seria bastante para inutilizar politicamente o governante que o fizesse.

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - Antes dessa ditadura a que V. Exa. se refere houve uma outra muito mais odiosa, e que tornou essa necessária.

A seguir à revolução monárquica, pela fôrça das circunstâncias, o Govêrno viu-se obrigado a praticar determinados actos.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - V. Exa. não pode ignorar, dada a sua alta cultura, que ùltimamente em quási todos os países da Europa, ainda naqueles que maior respeito têm pela Constituição, se tem seguido êsse sistema.

O Orador: - Sr. Presidente: dizia eu, e sem acrimónia, nem azedume para com o Sr. Domingos Pereira, a quem pessoalmente, por várias razões, estimo, que essa obra era para o inutilizar.

Mas o que é certo ...

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - Eu não quero estar a interromper V. Exa. e só muito contrariado o faço.

Porém, a palavra que V. Exa. empregou é demasiadamente pesada.

V. Exa., que é uma pessoa de tanta delicadeza de espírito, emprega no emtanto uma palavra, que a minha personalidade política não pode deixar de se sentir ferida.

O Orador: - Mas qual é a palavra que o fere?

O Sr. Domingos Pereira: - V. Exa. disse que essa ditadura, em qualquer outro país inutilizaria para todo o sempre o homem que a fizesse.

O Orador: - Porque é essa a minha impressão, e creia V. Exa. que é a de muita gente.

O Sr. Domingos Pereira: - Não julgo a palavra ofensiva; mas, em todo o caso, talvez porque eu tenha uma sensibilidade exagerada, eu devo dizer que não suponho estar inutilizado para a vida política do meu país.

Apoiados.

Se assim não pensasse, não precisava das exortações de ninguém, ainda mesmo que fôsse uma pessoa de categoria mental de V. Exa., para me retirar à minha família, à minha vida particular.

O império das circunstâncias foi tam grande, que nós vimo-nos obrigados a publicar êsses decretos.

Êles poderão estar cheios de erros; mas todos os actos dos homens os têm. De modo que, se eu devesse ser inutilizado pela responsabilidade que assumi com a publicação dêles, inutilizado ficaria para todo o sempre o ditador que colocou êste país na situação de ter de fazer essa outra ditadura.

Eu sei que os sentimentos de V. Exa. não são de modo nenhum no sentido de condenar à face da História êsse homem que fez uma ditadura mais ampla e ruinosa do que a minha, com a agravante ...

O Orador: - Mas eu não quis fazer comparações...

O Sr. Domingos Pereira: - Agradeço a V. Exa. o ter-me permitido que o interrompesse. Senti necessidade de fazê-lo porque me magoaram as suas palavras

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pelo que elas traduziam, parecendo-me que V. Exa. quisera significar que eu teria de abandonar esta sala e a política.

O Orador: - Não intimo ninguém a que saia, mas também não quero que me neguem o meu direito de crítica.

O Sr. Domingos Pereira: - Eu não lho neguei. Eu apenas expus as razões por que me senti ferido com as palavras de V. Exa., que significaram uma intimação perante a qual eu não podia deixar de o interromper com as minhas palavras, aliás dirigidas a V. Exa. com todo o respeito que me impõe a consideração que tenho por V. Exa.

O Orador: - Muito obrigado. Mas, repito, eu não faço intimações. De resto, V. Exa. conhece a boutade - dolorosa verdade! - de Guerra Junqueiro, que dizia: "em Portugal os homens públicos não se inutilizam nem que passe um cilindro por cima dêles".

Trocam-se àpartes entre o orador e alguns dos Srs. Deputados que o rodeiam.

O Orador: - Eu falei há pouco em ditadura, ditadura que me parece inqualificável, repito, porque não houve circunstâncias que a determinassem nem justificassem.

Num livro recente, onde se mostra a Europa entre dois imperialismos - o de Lenine e o de Mussolini - convida-se a mocidade a não ter mêdo das palavras...

Eu também não tenho mêdo das palavras. Muitas vezes meditei aquelas palavras profundas dum dos grandes oradores da Revolução Francesa, Mirabeau, que nos dizem que a ditadura é a válvula de segurança das democracias e que é a fórmula política a que se deverá recorrer em circunstâncias extraordinárias e de salvação pública.

Roma conheceu ditaduras, e salutares, e nem por isso a República romana deixou de ser a mais poderosa democracia que o mundo tem visto.

A ditadura é legítima, é bela, é nobre, quando efectivamente dirige e encaminha as energias de um povo inteiro no sentido alto de vida colectiva e de interêsse nacional, como sucede na Itália...

Não apoiados.

Mas é criminosa quando se destina apenas a favorecer uma facção ou um partido, postergando os interêsses nacionais.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - É criminosa quando é dos outros.

E óptima quando é nossa.

Diga-o V. Exa. assim com esta clareza que traduz o seu sentimento.

O Orador: - Não é assim. V. Exa. interpreta mal, muito mal, o que eu digo.

Não é o meu modo de ver pessoal; é modo de ver de toda a gente.

E V. Exa. não poderá deixar de reconhecer que ditaduras há, e têm-nas havido, que levantam os povos e lhes dão direito a aspirarem a uma situação excepcional ...

O orador é novamente interrompido por vários Srs. Deputados simultâneamente.

O Orador: - Mas eu continuo se me dão licença.

Ditadura como esta, que nada justifica, é ditadura feita exactamente ao contrário do que devia ser.

Assim ao passo que foi extinto o Ministério do Trabalho, que, embora remodelado devia conservar-se, restaurou-se o Supremo Tribunal Administrativo, essa espantosa cousa que deveria não mais existir.

Quanto ao Ministério do Trabalho, que tem sido já tam discutido, eu abstenho-me por emquanto de fazer considerações; e, quando voltar à discussão da Câmara êste ponto, então diremos qual é a nossa opinião sôbre o assunto.

Em todo o caso, posso dizer desde já que reputo a extinção dêste Ministério como um acto absolutamente contrário à política social e até à justiça social que hoje se faz em toda a parte.

Ao passo que em França se concentram êsses serviços reunidos, procurando-se a unidade, em Portugal fraccionam-se e dividem-se.

É que lá os estadistas chamam-se Clemenceau, e aos oitenta anos escrevem livros; e em Portugal chamam-se Augustos Monteiros e escrevem considerandos como aqueles que daqui a pouco vou ler.

E como parêntese, lembro-me agora duma anedota interessante de Clemenceau, que há dias li num jornal.

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Estava Clemenceau num jardim de Paris o passou por êle uma pequenita com a mãe. Parou a pequenita e preguntou:

"Quem é êste homem?"

Respondeu-lhe a mãe:

"É Clemenceau, que salvou a França".

E a pequenita respondeu:

"Mas então é como Jeanne d'Arc! E, sendo assim, porque o não queimaram, como fizeram à outra?"

Clemenceau tirou esta ilação:

"Eis o fim que me espera!"

Mas, Sr. Presidente, reatando o fio das minhas considerações, eu quero referir-
-me ao Supremo Tribunal Administrativo.

Eu creio que bastava um bocadinho de delicadeza moral para o Govêrno estar impedido de promulgar êste decreto, sabendo-se que a restauração dêste tribunal ia beneficiar automàticamente o Sr. Augusto Monteiro, ex-Ministro da Justiça, e o Sr. Nuno Simões, ex-Ministro do Comércio e secretário geral do tribunal.

Quando foi extinto o tribunal os Srs. Augusto Monteiro e Nuno Simões ficaram na situação de adidos; e, não se conformando com a extinção dêsse tribunal, reclamaram para o Supremo Tribunal de Justiça, que declarou a inconsistência dos argumentos apresentados pelos reclamantes e a constitucionalidade do decreto que extinguiu o Tribunal Administrativo.

Parece que o caso estava resolvido e que, tendo falado o mais alto órgão da justiça do país, o assunto estava liquidado.

Mas não!

Em Portugal, sob o regime republicano - eu não sei se V. Exas. se escandalizam, mas eu não sei como dizer outra cousa - parece que não são os tribunais competentes que dão a última palavra nas questões; parece que, infelizmente, acima do caso julgado, há uma fôrça, a chamada fôrça política, medonha, dominadora, despótica, que procura abafar as livres manifestações da vontade dos órgãos do Estado.

E eu o que vejo agora?

É que nós substituímos o rei constitucional, cheio de prestígio pelo que representava de tradição e continuidade histórica, por uma série - perdoem-me V. Exas. - de... "reis" que põem a sua vontade acima de tudo e da própria lei, e que, afinal, não representam cousa alguma.

Sr. Presidente: o Sr. Augusto Monteiro, fiado nesta fôrça, foi para diante e publicou o monstruoso decreto, cujos considerandos, para vergonha do seu autor - porque a redacção foi sempre atribuída a êsse senhor - eu passo a ler:

Leu.

A gente lê, relê e não percebe a justificação do diploma, com esta redacção que, segundo creio e se diz, é devida ao Sr. Augusto Monteiro.

O Sr. Domingos Pereira: - V. Exa. dá-me licença?

É um ponto que eu, tenho obrigação de esclarecer desde já.

Não foi o Sr. Augusto Monteiro quem redigiu êsses considerandos. A doutrina dêles vai V. Exa. encontrá-la nas exposições que sôbre o assunto faz o Sr. Maga- lhães Colaço.

Vozes: - Mas a forma...

O Orador: - Eu falo apenas do que está aqui, do que se permite depreender da leitura dos considerandos.

Vejo que se cortaram as relações com a sciência jurídica moderna e até com a bela, com a rica e pura língua portuguesa, essa admirável língua que, no dizer clássico, foi a primeira que praguejou ante as tempestades do oceano revôlto, língua que é, pelo menos, tam respeitável como a Constituição da República, língua cujo desprêzo representa, não raro, da parte dos políticos, um grande desalinho intelectual.

Mas, Sr. Presidente, o que é certo é que êste arrazoado do Sr. Ministro da Justiça do Govêrno transacto, ou de quem quer que é, permite fazer insinuações, embora indirectas, à competência e independência do Poder Judicial, porque êle se não prestava a ser a mera chancela de arbitrariedades e violências que se queriam cometer.

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Esqueceram-se de que o Poder Judicial é, pela Constituïção da República, o único que pode reconhecer da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos actos do Poder Legislativo e Executivo, intervindo eficazmente para corrigir os abusos dum o os desmandos doutro.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não apoiado!

O Orador: - Não apoiado, diz V. Exa.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não apoiado, como homem de leis.

O Parlamento interpreta as leis privativamente.

O Poder Legislativo, nesse ponto, está acima do Poder Judicial.

O Orador: - Eu leio apenas o que diz a Constituição no artigo 63.º

Eu não sou um paladino da Constituïção da República, porque sou monárquico.

Mas, emfim, temos de examinar os problemas adentro das leis vigentes ...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - O Poder Judicial só interpreta em casos particulares, e não tem vantagens sôbre o Parlamento.

O Orador: - Eu ouvi aqui, durante esta discussão, a defesa do Sr. Domingos Pereira.

S. Exa. declarou que a atitude do seu Ministério tinha precedentes ...

O Sr. Domingos Pereira: - Mas eu não disse só isso.

O Orador: - Foi um dos argumentos de defesa de V. Exa.

Mas, notem V. Exas.: isto não faz senão confirmar aquilo que nós pensamos há muito tempo.

E permitam-me também V. Exas. que eu diga que uma das características do regime, até agora, tem sido um grande desprêzo pelo Poder Judicial.

Essa classe, a meu ver, tem um único defeito: a sua passividade, por vezes demasiada, perante o Poder Executivo. E V. Exas. não podem deixar de estar lem-brados da forma como foram castigados magistrados, em documentos públicos.

O autor da violência arrependeu-se depois; mas o que é certo é que ela já estava feita.

A República foi sempre muito precoce, arranjando para as suas laboriosas digestões leis de excepção.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Eu não estou de acôrdo com V. Exa., porque sou bisneto de um homem a quem o constitucionalismo arrancou do seu lugar.

O Orador: - Eu não estou defendendo o constitucionalismo; mas devo dizer a V. Exas. que nêle havia muito bom e muito mau.

O muito bom que havia estragaram-no V. Exas.; o muito mau aproveitaram-no.

As leis de excepção com efeito retroactivo e os decretos inconstitucionais têm sido obra da República.

Mas, de entre êsses atentados - e permita-me o Sr. Domingos Pereira a rudeza da expressão - poucos têm sido como a publicação do inconstitucionalissimo n.° 934.

E eu entendo que não ficará bem a Câmara se não revogar êsse monstruoso e estupendo decreto.

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - Se V. Exa. se tivesse dado ao trabalho de ler essas duas autorizações, não chegaria certamente a essa conclusão.

O Orador: - Eu tive, Sr. Presidente, o cuidado de nunca interromper S. Exa.; mas devo dizer que acho sempre muito agradáveis as suas interrupções.

E, assim, devo dizer-lhe que não posso deixar de chamar a sua atenção para a opinião apresentada sôbre o assunto por êsse admirável homem de bem e velho republicano que se chama Jacinto Nunes.

Nesta altura travou-se um diálogo entre o orador e o Sr. Domingos Pereira, que não foi possível reproduzir.

O Orador: - Além disso, V. Exa. referiu-se à opinião do Sr. Magalhães Colaço.

Porém, se se der ao trabalho de consultar o que êle escreveu sôbre matéria

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administrativa, verá que a sua opinião é a seguinte:

Leu.

É esta a opinião de Magalhães Colaço, posso garantir a V. Exa.

O Sr. Domingos Pereira: - Se V. Exa. me dá licença eu passo a ler o que êle diz sôbre o assunto, visto que tenho aqui êsse livro.

Leu.

Já vê V. Exa. que foi justamente isto o que eu fiz, e nada mais.

O Orador: - V. Exa. há-de desculpar-me; mas não devia proceder de forma diversa daquela que expus à Câmara. E se citei a opinião de Magalhães Colaço, foi justamente por o considerar uma autoridade jurídica.

Não contesto a autoridade jurídica.

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - V. Exa. contesta a legalidade da lei.

O Orador: - A êste propósito.

Mas V. Exa. me responderá. O que é certo é que eu desejaria que me deixassem concluir. É tarde, e a Câmara está cansada.

Continuando as minhas considerações se V. Exa. me permite, direi que, pre-guntando-se a um estudante do 1.° ano de direito, se um decreto revoga outro decreto com fôrça de lei, êle responderia sem hesitar que o decreto é de igual natureza.

Se o Sr. Domingos Pereira entende que deve ser revogado o decreto com fôrça de lei, eu desejava saber qual foi a disposição legal em que o Govêrno de V. Exa. se fundou para restabelecer o Tribunal Administrativo.

O artigo 47.° no n.° 3.° creio que serve para tudo:

"Promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Poder Legislativo expedindo os decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das mesmas".

Quer dizer: o decreto que restabeleceu o Tribunal Administrativo foi publicado como regulamento.

E, como tal, insanável: - ninguém lhe deve obediência.

Apoiados.

Não apoiados.

Não se lhe deve obediência, tanto mais que V. Exas. esqueceram o que aqui foi resolvido na Câmara, quando foi da discussão do projecto do Tribunal Administrativo.

Nesta Câmara foi resolvido:

Leu.

Assim foi interpretado o pensamento.

Relegando-se o Contencioso ao Poder Judicial.

O Sr. Alfredo de Sousa: - Mas em tribunais especiais.

O Orador: - Mas V. Exa. não me deixou terminar...

Mas V. Exas. verão que estamos de acôrdo, como, de resto, não podem deixar de estar, visto que conhecem o assunto.

O Tribunal Judicial é o único que tem competência para julgar.

Ora, há três soluções... Há sempre três soluções.

Já em Coimbra havia sempre três soluções.

As três soluções são estas: os Tribunais Administrativos, os Tribunais Judiciais ordinários, o os Tribunais Judiciais especiais.

Lembra-me aqui um meu colega, que por proposta do Sr. António da Fonseca, que não conheço, mas que é um espírito admirável, foi proposta a extinção do Tribunal Administrativo.

O Poder Judicial é que tem de julgar os actos administrativos. Temos três cousas diferentes: julgar, administrar e legislar.

Em França, o Conselho de Estado continua apenas pelo prestígio e valor dos homens que fazem parte dêle.

Mas suprimir o Supremo Tribunal Administrativo não é a mesma cousa.

Eu sei que isto está em conformidade com os princípios modernos. A única solução é a criação de Tribunais Judiciais especiais.

Apoiados.

Para finalizar, pois a hora já vai adiantada, direi o que Rui Barbosa, que V. Exa. conhece muito bem como todos nós conhe-

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comos, disse no Congresso Brasileiro invocando a misericórdia divina para a miséria do Brasil.

Agora eu também invoco a misericórdia divina para a fraqueza dos homens a que estão confiadas as instituïções de Portugal.

Ouçamos o que é do mestre. São poucas palavras:

Leu.

É isto, Sr. Presidente, a garantia que o cidadão tem. Veja V. Exa. ainda os tratadistas da América do Norte... Mas isso seria longo e eu quero terminar já.

Emfim, o que vemos? E temos todos que concordar que essa é a verdade, porque somos todos portugueses e nas questões de interêsse nacional temos que nos encontrar todos do mesmo lado da barricada! O que vemos, o que é certo, é que entre nós não há ordem jurídica. E não há ordem jurídica, porque não há ordem política. Esta não basta para os povos; mas sem ela não pode haver ordem jurídica. É, afinal, o pensamento condensado do grande mestre Mauras: Politique d'abord, que é a frase de todos os homens de Estado modernos, como de todos os homens de justiça. Mas V. Exas. não têm ordem jurídica, porque não querem ter ordem política; pelo menos, até hoje, não demonstraram que a quisessem.

Não apoiados da esquerda da Câmara.

Tenho dito.

Vozes da minoria monárquica: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Alfredo de Sousa: - Sr. Presidente: cumprindo o preceito regimental, passo a ler a seguinte moção de ordem:

Considerando que o julgamento das questões administrativas, ou seja das questões entre a administração e os particulares, demanda conhecimentos e até educações especiais;

Considerando que, sendo estas questões de uma natureza especial, lógico é que elas sejam julgadas por tribunais especiais;

Considerando que a prática tem mostrado que o julgamento destas questões, pelos tribunais comuns, produz muitas vezes consideráveis inconvenientes;

Considerando que a República, pela Câmara dos Deputados, saída da Assemblea Nacional Constituinte, já se manifestou pela existência de tribunais especiais para o julgamento das questões administrativas, e por tanto por uma jurisdição propriamente administrativa;

Considerando que o princípio da especialização das jurisdições administrativas é geralmente defendido pelos tratadistas de direito administrativo, e até, de uma maneira indirecta, se encontra consignado no artigo 66.º n.° 2 da Constituição Política da República;

Considerando que a existência de tribunais especiais, para o julgamento das questões de administração, não implica obrigação destas entidades julgadoras, constituírem órgãos ou dependências do Poder Executivo:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que as questões administrativas não devem ser julgadas pelos tribunais comuns, continua na ordem do dia. - Alfredo de Sousa.

O debate que há bastante tempo tem ocupado a ordem do dia desta Câmara, longe de se poder considerar estéril ou de constituir um desperdício de tempo, como muitos supõem, tem o apreciável mérito de manifestar com evidente clareza, um espírito feito de constitucionalismo que anima a Câmara dos Deputados, de maneira a prever que esta, com firmeza e galhardia, saberá pugnar para que a lei seja sòmente aquela que o Poder Legislativo - que possui como única garantia o direito - resolver, ditar, em harmonia com as normas constitucionais; e que jámais consentirá que o Poder Executivo, que tem como garantia a fôrça, abusando dela e, portanto, indo além das suas atribuições, assuma também a função de legislar.

A atitude tomada por esta Câmara, ainda há bem pouco tempo, a propósito de um decreto com carácter legislativo, que feria a vida e os interêsses dos municípios, e que esta Câmara, em homenagem aos preceitos constitucionais, deliberou considerar nulo e de nenhum efeito, é deveras sintomática, como não é menos sintomático o facto de neste debate tomarem parte as figuras de maior relêvo da Câmara, aquelas que mais de uma vez

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têm assumido as responsabilidades do Poder. E digo que o facto é sintomático porque as declarações dêstes considerados homens públicos, as suas afirmações e os seus argumentos manifestaram-se absolutamente no sentido constitucionalista do seu respeito pela Constituição e de forma a que a função de legislar seja apenas exercida pelo Poder Legislativo nos precisos termos da Constituição.

Ora, sendo certo que essas figuras, nos diversos Governos de que tem feito parte, assinaram decretos com fôrça legislativa, a meu ver com ofensa da Constituição, procedendo assim na melhor boa fé e na convicção de que com a publicação dêstes decretos bem serviram o país, as suas declarações de agora, se não devem considerar-se o poenitet me pecati do seu arrependimento, podem todavia considerar-se uma garantia do seu procedimento futuro nos Governos em que venham a tomar parte.

Sr. Presidente: estas manifestações de espírito constitucionalista são deveras agradáveis, nesta hora sombria e incerta, em que lá fora corre uma vaga de ditadura e de domínio de poder pessoal o que cá no país há quem até pelas formas violentas procure fazer cessar ou suspender a acção do órgão que no Estado português tem a função de legislar, para numa ditadura franca e opressora se introduzir no nosso país, como dominante, ditando a lei, o poder pessoal.

Não se lembram essas criaturas, que têm êste desejo e que procuram satisfazê-lo, que, se lá fora por vezes e em épocas extraordinárias a ditadura alguns benefícios, tem produzido, em Portugal, cujo povo tem uma ânsia de liberdade como poucos, como aliás o tem mostrado através da sua história, os poucos benefícios que as ditaduras porventura criaram são destruídos pela forma trágica como essas ditaduras têm acabado, pela acção altiva e irreverente do povo português, que mais de uma vez tem mostrado que as não admite.

Em Portugal, Sr. Presidente, no período constitucional, a não ser a ditadura romântica de Mousinho da Silveira, expedindo do alto da Ilha da Terceira os célebres decretos de 16 e 24 de Maio de 1832, que modificaram a organização administrativa, judicial e social da nação portuguesa, mas que aliás foram promulgados e publicados quando ainda o regime constitucional não dominava o território continental do país, todas as demais ditaduras se diluíram em sangue, desde a ditadura, porventura honesta, mas violenta, de Costa Cabral até àquela que terminou com o assassinato do Presidente Sidónio Pais.

Invoco êstes factos, Sr. Presidente, para mostrar que mal orientados andam aqueles que à procuram renovar no país o domínio do poder pessoal nas mãos de um ditador, sem se lembrarem que diversos e repetidos factos da nossa história, que constituem elementos de ordem sociológica, mostram bem que o povo português tal domínio não admite, e que se êste aparece ou chega a estabelecer-se por motivo de qualquer comoção ou conflagração social, o nosso povo não se demora a sacudi-lo com violência e até tragicamente. A geral manifestação do espírito e respeito constitucionalista por parte desta Câmara é pois de apreciar e considerar.

Sr. Presidente: a minha moção de ordem traduz fielmente a minha idea, no sentido de mostrar a que decretos do último Govêrno, sujeitos agora à apreciação desta Câmara, se estendem em especial as minhas considerações.

Procurando o projecto em discussão suspender muitos decretos, eu especialmente tratarei do que diz respeito ao restabelecimento das auditorias e do Supremo Tribunal Administrativo.

Antes, porém, de entrar propriamente no assunto que em especial respeita ao decreto, do carácter legislativo, que retirou ao Poder Judicial o julgamento das questões administrativas, procuro apreciar, pelo menos ligeiramente, a legitimidade constitucional de todos os decretos a que o projecto de lei em discussão se refere.

São na verdade êstes decretos constitucionais?

O Poder Executivo estava por lei autorizado a decretar as medidas a que êstes decretos se referem?

À face pura dos princípios e das expressões terminantes da Constituição Política da República, eu, homem de leis, não tenho dúvida em considerar absolutamente inconstitucionais êstes decretos,

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pois êles foram promulgados fora dos termos da Constituição.

Mas, nas mesmas condições, o portanto inconstitucionais, são também todos ou pelo menos a maior parto dos decretos promulgados com carácter legislativo desde 1912 para cá, como inconstitucionais até são muitas autorizações parlamentares que em leis especiais tem sido concedidas ao Poder Executivo, pois é facto que tais autorizações não são permitidas pela Constituição, como bem só pode concluir apreciando e analisando o artigo 26.° e seus números da Constituição da República, onde expressamente se determina que a função de legislar é privativa do Congresso da República.

E todavia as disposições dêsses decretos o destas leis de autorizações têm sido respeitadas, executadas o cumpridas como se fossem proclamadas como disposições legais nos precisos termos da Constituição.

Há muitos e muitos decretos de carácter legislativo, que estabelecem profundas reformas e modificam importantes serviços, que foram promulgados por diversos Governos, som estos invocarem do verdade ou sem ela qualquer autorização parlamentar. E todavia êstes decretos vigoram como para lei. sendo acatados o respeitados, sem que a respeito da maior parte dêles o Congresso da República se tenha pronunciado por qualquer forma, de maneira a legalmente se admitir que tais decretos obtiveram a sanção ou o reconhecimento expresso do legitimidade por parte do Poder Legislativo.

Referia-se o Sr. Álvaro de Castro a estos decretos, afirmando com a sua alta autoridade de republicano com os mais dedicados o valiosos serviços à República, que êles se justificavam pelas circunstâncias que os ocasionaram, tendo foros do leis pelo motivo da ocasião especial em que êles foram promulgados.

Sr. Presidente: as razões apresentadas pelo Sr. Álvaro do Castro, para justificar a fôrça de lei dêstes decretos têm valor morai e até político.

Sob o ponto de vista jurídico e constitucional não tem nenhum. Isto claramente, à face pura do direito o das expressões terminantes da Constituição.

Praticamente reconheço que as razões morais e políticas indicadas pelo Sr. Álvaro de Castro têm dominado, sobrepondo-se às razões jurídicas, fundadas apenas nos princípios do direito constitucional e na letra expressa da Constituição.

Tem-se visto na verdade em circunstâncias especiais o excepcionais o Poder Executivo, por intermédio dos Governos da República, assumir a função de legislar o exercer largamente a sua acção neste sentido, sendo os seus decretos acatados e cumpridos por todos como puras leis, sem que o Parlamento tenha depois promulgado qualquer sanção, com o fim de dar constitucionalidade ou legalidade a êstes decretos.

Tem-se procedido assim, é certo, Sr. Presidente, devendo ainda notar que, acoitando-se como leis êstes decretos, emanados do Poder Executivo, nem ao menos o Parlamento alguma vez apreciou ou tomou deliberação no sentido de considerar como ocasião excepcional e especial aquela em que os Governos legislaram, publicando decretos com o carácter legislativo.

Valendo, pois, à face dos factos observados, as razões referidas pelo Sr. Álvaro do Castro para justificar a legalidade de certos decretos promulgados com fôrça de lei, eu sou levado a concluir que dentro do regime constitucional da República só criou um certo direito constitucional consuctudinário, que se sobrepõe algumas vezes ao direito expresso na Constituição. E assim, para apreciarmos se são ou não legais, à face destas razões ou dêsto direito, fundado no costume, os decretos legislativos do Govêrno do Sr. Domingos Pereira, precisamos do averiguar se esto Govêrno, quando assumiu a função do legislar, só encontrava ou não em circunstâncias extraordinárias e especiais que justifiquem esta sua atitude.

Sem dúvida, Sr. Presidente, que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira se encontrou em condições excepcionais o especiais, que o forçaram a legislar.

O Govêrno do Sr. Domingos Pereira encontrou-se num momento especial e gravíssimo, com o Parlamento encerrado, sem que esto lhe tivesse votado a lei mais constitucional e mais necessária para a vida da nação, a lei orçamental.

Nem êste Govêrno nem qualquer outro poderia governar constitucionalmente, por

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lho faltar a lei orçamental, precisa para o exercício respectivo. E o Parlamento tinha encerrado as suas portas, considerando os respectivos parlamentares finda a sua missão legislativa.

Mas era precisa uma medida de carácter legislativo que suprisse a falta da lei orçamental. O Parlamento tinha dado provas de que estava incapaz de poder funcionar. Como resolver o caso?

Dentro da Constituição a solução torna-se impossível pela falência do Parlamento. Em face disto, e em nome do superior interêsse do país, o Poder Executivo tinha de suprir esta falta, assumindo, como assumiu, a função legislativa, para fazer o que o Parlamento tinha obrigação de fazer e não fez.

Estou absolutamente convencido de que o Sr. Domingos Pereira, republicano do alma e do princípios, só constrangido assumiu com o seu Govêrno a ditadura, procedendo assim com a certeza de que tal procedimento necessitava o país. Sem dúvida que era preciso decretar qualquer medida de carácter orçamental.

Esta medida, porém, emanada do Poder Executivo constitui uma ofensa aos princípios constitucionais; e por outro lado verifica-se que o órgão constitucional com atribuições para promulgar uma medida destas não funcionava já.

Que fazer pois?

Sr. Presidente: durante a vigência da efémera República espanhola, Pi y Marçal, o grande republicano, filósofo e idealista, num caso em que para governar tinha de ofender os seus princípios, abandonou o poder, para que êstes por êle não fossem ofendidos.

Para justificar a sua respeitável atitude exclamara:- Que morra a República mas salvem-se os princípios. Foram estas e outras atitudes românticas do uma respeitável ideologia que prepararam a queda da República no país vizinho com graves prejuízos para a democracia peninsular.

Felizmente que êste gesto do eminente espanhol não foi seguido pelo Sr. Domingos Pereira, na iminência em que só encontrou de estar sem Parlamento e sem lei orçamental.

Sr. Domingos Pereira, para respeitar o princípio constitucional, não podia cobrar receitas nem fazer despesas, por não ter lei que o autorizasse. Mas proceder assim era prejudicar o regular andamento da vida da nação...

Em tais circunstâncias o Govêrno do Sr. Domingos Pereira teve de assumir a função de legislar, e no respectivo exercício publicou o conhecido decreto que aprovou os duodécimos provisórios até ao fim do ano de 1925 e juntamente com êle outras medidas igualmente de carácter legislativo.

Pois, Sr. Presidente, toda a gente aceitou como pura lei êste decreto. Foi a nação inteira que o reconheceu como legítima lei, sem protestos nem oposição de ninguém. E todavia êle, à face dos princípios da Constituição, é absolutamente inconstitucional.

Todavia cumpre-se como lei, reconhece-se como lei e sem oposição alguma. Tudo pelo motivo das circunstâncias extraordinárias e especiais que se deram para o Govêrno do Sr. Domingos Pereira ter do legislar.

Assumindo êste Govêrno a função de legislar com o consentimento tácito o sem oposição alguma por parte da nação, o considerando-se esta atitude do Govêrno legítima e necessária ao país, é caso para preguntar quando é que para êste Govêrno termina a legitimidade para legislar.

Encontrando-nos fora da Constituição é ainda aos costumes o ao exemplo de casos semelhantes que ternos de ir. E os exemplos havidos em toda a vigência da República são no sentido de que o Govêrno que, por circunstâncias extraordinárias e especiais, assumo a função de legislar, perde a legitimidade para exercer esta função somente quando começar a funcionar o Congresso da República.

Nestas circunstâncias, todos os decretos de carácter legislativo promulgados pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira são legítimos e tam legais como os mais decretos legislativos, publicados por outros Governos, que se encontraram nas condições extraordinárias e especiais a que aludiu o Sr. Álvaro de Castro para julgar legítimos e legais tais decretos.

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - V. Exa. pode dizer-me qual foi a razão imperiosa que levou o Govêrno do Sr. Domingos Pereira a restabelecer o Supremo Tribunal Administrativo?

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O Orador: - Lá iremos. As razões legitimaram uns decretos legitimam os outros. É legítimo e bem necessário o restabelecimento dos tribunais administrativos, ou melhor, é legítimo o imperiosamente necessário tirar aos tribunais comuns o julgamento das questões administrativas. Isto tanto em face dos factos observados, pelos quais se vê que os interêsses do Estado não se encontram legitimamente assegurados, o que ô mester, como à face dos próprios princípios do direito.

Mas entremos no assunto que diz respeito ao decreto que restaura os tribunais administrativos, e digo tribunais porque as auditorias constituem também tribunais.

O Sr. Álvaro de Castro, com a distinção e proficiência que usa sempre nos debates parlamentares em que toma parte, apreciou esta questão sob o aspecto scientifico do direito, ou seja sob o aspecto doutrinário e sob o aspecto do direito constituído.

Seguirei a orientação do S. Exa. nas observações e apreciações que vou fazer.

O Sr. Álvaro de Castro, que foi o Presidente do Govêrno que dissolveu os tribunais administrativos, defendeu com calor o decreto da autoria do seu Govêrno, que extinguiu êstes tribunais e fez passar as suas funções para os tribunais comuns, como combateu com veemência o decreto do Govêrno do Sr. Domingos Pereira, que restabeleceu aqueles tribunais administrativos.

j£m todo o seu discurso procurou S. Exa. sustentar que as questões administrativas deviam ser julgadas pelos tribunais comuns.

Não posso concordar com essa opinião. Poderia concordar, o concordo, que essas questões sejam julgadas pelo Poder Judicial, porque a função julgadora ao Poder Judicial devo pertencer; mas que as questões administrativas sejam julgadas pelos tribunais comuns, isto é, pelos mesmos juizes que julgam as questões de direito privado, com isso é que eu não poderei concordar.

O gesto praticado pelo Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, pela mão do Sr. general Sá Cardoso, anulando o contencioso administrativo e entregando o julgamento das respectivas questões aos tribunais comuns, não foi caso novo em Portugal. Pouco após a implantação do regime da Carta Constitucional foi determinado que as questões contenciosas da administração fossem devolvidas ao Poder Judicial.

Foi a lei de 25 de Abril de 1835, no seu artigo 2.°, que tal doutrina estabeleceu. Foi o regime constitucional triunfante que, confiando nos juizes e na sempre proclamada probidade do Poder Judicial, lho entregou a decisão dois pleitos havidos entro ,a sua administração e os particulares. À magistratura judicial o constitucionalismo, triunfante pelas armas em Évora Monte, entregou a sua guarda e defesa nos pleitos com os particulares, ao tempo desafectos, numa grande parte, ao regime liberal. Pouco tempo, porém, isto durou, pois que pela lei de 29 de Outubro de 1840 e Estado liberal e constitucional viu-se obrigado, em sua legítima defesa, a retirar ao Poder Judicial a função julgadora das questões administrativas.

O Sr. Álvaro de Castro: - Era a reacção cartista!

O Orador: - Engana-se V. Exa.: a lei de 29 de Outubro de 1840 foi gerada ainda no domínio da constituição de 1838, embora no seu crepúsculo.

O que foi é que o regime constitucional não encontrou nos juizes, como a República não tem encontrado - é preciso que isto se diga aberta e claramente - a defesa que era legítimo encontrar da sua existência. E assim o constitucionalismo, para se defender, teve de retirar de novo ao Poder Judicial a alta função que lhe tinha entregue de julgar os pleitos entre os particulares e a administração do Estado.

Não foi, pois, a reacção cartista que deu lugar a que se retirasse ao Poder Judicial a função que lhe havia sido confiada; foi a necessidade legítima que o regime teve de se defender.

Apoiados.

A Câmara ouviu, há pouco, o ilustre Deputado da minoria monárquica, Sr. Pinheiro Tôrres, acusar a República de facciosa e intolerante por ter o Govêrno Provisório, que aliás tinha nas suas mãos

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todos os poderes, haver transferido uns juizes de tribunais superiores do continente para o ultramar, isto como penalidade contra êstes juizes, desrespeitadores da República triunfante e dominante, contra a qual nas suas decisões se manifestavam, chegando a invocar, como lei vigente, a Carta Constitucional.

Esquece o Sr. Pinheiro Tôrres que o constitucionalismo monárquico, para se defender, teve de demitir, sem processo nem recurso, muitos dos juizes, certamente os que mais facciosos e imprudentes se manifestavam contra o novo regime.

Apoiados.

Pois a República, a tal República intolerante e perseguidora, que tem sido mais atacada pelos juizes do que foi o constitucionalismo, limitou-se a mandar alguns juizes num passeio até à índia, à custa do Estado e com ajudas de custo!

Que grave penalidade!

Quantas pessoas não desejariam sofrer esta duríssima pena. que afinal de contas bem pode considerar-se um mimo. Um passeio até à India, em liberdade, à custa do Estado, e ainda com ajudas de custo! Que República tam intolerante e perseguidora!

Mas passemos à questão do contencioso administrativo.

Sôbre esta questão há a considerar os seguintes casos: primeiro, o julgamento destas questões pelos tribunais comuns; segundo, o julgamento delas por tribunais especiais; terceiro, neste segundo caso, se êstes tribunais especiais devem - fazer parte do Poder Judicial ou se devem ser órgãos do Poder Executivo.

Como disse na minha moção, o princípio da especialização das jurisdições administrativas é geralmente defendido pelos trabalhistas, do direito administrativo. Sem dúvida que o julgamento das questões entre a administração pública e os particulares demanda, por parte de quem tem do julgar, uma educação e uns conhecimentos especiais.

As disposições da lei administrativa não podem nem devem interpretar-se com o rigor do significado literal das leis civis e comerciais.

Para as questões de administração precisa-se de maior elasticidade, permita-se-me o termo, na interpretação da lei e nos julgamentos. Há questões delicadas da vida do Estado duma natureza tam especial que não podem sujeitar-se à disciplina e ao rigorismo dos textos, como se exige nos tribunais comuns, nas questões civis e comerciais.

Ora, para assim julgar, não estão aptos os magistrados judiciais, habituados aos julgamentos nos tribunais comuns. É ver o que se tem passado neste período, em que as questões de administração estiveram entregues aos tribunais judiciais. O Estado encontrou-se indefeso. Todas ou quási todas as questões foram decididas contra êle, e algumas, digo bem alto, com manifesta injustiça e com enorme prejuízo para a nação. Mas era o Poder Judicial que julgava com a tal sua probidade e independência, que dizem oferecer garantias, sem nenhumas garantias dar. Claramente que me refiro ao julgamento das questões administrativas.

Conheço casos curiosíssimos de julgamentos de questões administrativas por juizes de tribunais comuns que representam não doutrinas jurídicas a considerar, .mas erros palmares a lamentar.

Tudo isto por falta de educação e de conhecimentos especiais para o julgamento destas questões, que são, sem dúvida, altamente delicadas.

Só na Bélgica, suponho eu, o julgamento das questões administrativas está entregue aos tribunais comuns.

Na Alemanha prática e cesarista êstes julgamentos estão entregues a tribunais especiais. O mesmo sucede na França, na Itália e noutros países, bem como, em parte, na Inglaterra.

É caso para preguntarmos: porque é que essas nações poderosas, que orientam o mundo, não entregam aos seus juizes ordinários o julgamento das questões administrativas?

Porque é que a Alemanha cesarista e prática, que se orgulha através da história da hombridade dos seus juizes, não deixa que os juizes que hão-de julgar as questões de propriedade e outros pleitos de direito privado e de interêsses entre os indivíduos julguem também as questões administrativas entre o Estado e os particulares?

Mas, Sr. Presidente, em Portugal apenas estava entregue o julgamento das questões administrativas ao Poder Judi-

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cial, ou melhor, aos tribunais comuns desde 1835 a 1840, e ultimamente desde o Govêrno da presidência do Sr. Álvaro de Castro ao da presidência do Sr. Domingos Pereira.

Pelo Código Administrativo do 1886 os tribunais administrativos de 1.ª instância eram constituídos por juízos do direito; mas já o mesmo não sucedia com o Supremo Tribunal Administrativo, que julgava sob a homologação do Poder Executivo.

Era 1892 foram extintos êstes tribunais administrativos do 1.ª instância, passando as suas atribuições para os juízos de direito das respectivas comarcas; mas conservou-se o Supremo Tribunal Administrativo, funcionando nas condições prescritos no Código Administrativo de 1880.

E, todavia, o reformador de 1892 foi José Dias Ferreira, espírito liberal o avançado para a sua época, o certamente o maior e mais notável jurisconsulto do seu tempo.

Êste memorável estadista, cultor do direito como poucos e escritor de assuntos jurídicos, extinguindo os tribunais administrativos da primeira instância, formadas pelos juizes do quadro judicial, e passando as suas funções para os tribunais comuns, teve era vista unicamente fazer economias.

Conservou, porém, o Supremo Tribunal Administrativo, para o qual seguiam os recursos das questões administrativas julgadas pelos juízos do direito das comarcas, isto para de facto, como é evidente, tirar tais questões da alçada do Poder Judicial e assim melhor só poder defender o Estado nas questões da sua administração.

Em face do que tenho exposto verifica-se bem que na tradição do nosso contencioso administrativo êste encontra-se fora da acção dos tribunais judiciais comuns. O que em contrário só passou de 1835 a 1840 o de 1924 a 1945 não passa do simples episódio no qual pràticamente se viram os inconvenientes, para o Estado, do julgamento das questões administrativas pelos tribunais comuns.

Bem sei que, se os tribunais que tenham a função de julgar estas questões estiverem dependentes do Poder Executivo, se pode dizer que o Estado é ao mesmo tempo parte e juiz na causa, concluindo-se daqui que em tais julgamentos não têm os particulares todas as garantias que em bom direito deviam ter.

Isto não se pode dizer que de uma maneira absoluta aconteça; mas se alguma cousa se pode considerar como verdadeiro, certo é também que, neste pequeno período do tempo em que as questões administrativas estiveram entregues ao Poder Judicial, por mercê do decreto, que dissolveu os tribunais administrativos, do Govêrno da presidência do Sr. Álvaro de Castro, o Estado IHIO encontrou defesa alguma, parecendo até que se procurava julgar as questões de forma a o Estado decair sempre.

Em tais condições verificou-se pràticamente, e por esta nova experiência, que se entregou, a função de julgar as questões administrativas a quem não tem as condições, a educação o os conhecimentos próprios u precisos pura se julgarem questões desta natureza.

Mas pode preguntar-se: Porque é que nesta altura o Govêrno do Sr. Domingos Pereira restabeleceu os tribunais administrativos, ou melhor, qual a razão por que o Sr. Domingos Pereira entregou de novo a função de julgar as questões administrativas a tribunais especiais? Porque é que se não esperou pela abertura do Parlamento e apresentou uma proposta do lei nesse sentido?

Sim. Podem-se fazer estas preguntas.

Quanto a mim, porém, entendo que urgia uma providência radical que retirasse aos tribunais comuns o julgamento das questões administrativas, não só pela atitude continuadamente antagónica manifestada por êstes tribunais contra os legítimos interêsses do Estado no julgamento destas questões, mas ainda porque, tendo-se realizado as eleições administrativas, não deviam ser os tribunais comuns os julgadores destas eleições. Certamente que não são êstes tribunais os que estão nas condições de julgar da validade das eleições das juntas das freguesias, das câmaras municipais e das juntas gerais dos distritos e de proclamar definitivamente os seus eleitos.

Apresentando as considerações que tenho exposto à Câmara não quere isto dizer que ou mo conforme em absoluto com a organização do contencioso administrativo tal como se encontra, com auditorias distritais e Supremo Tribunal Administra-

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tivo, sujeito à homologação do Govêrno para algumas das suas decisões.

A minha doutrina em especial, e que aliás é, em geral, a dos tratadistas do direito administrativo, é que as questões administrativas sejam julgadas por tribunais especiais, com juizes que não sejam também dos tribunais comuns.

Aceito mesmo que êstes tribunais especiais possam ser órgãos do Poder Judicial, e que até a última instância do contencioso administrativo, hoje Supremo Tribunal Administrativo, passe a constituir uma secção exclusivamente administrativa do Supremo Tribunal do Justiça.

A organização constante do decreto que restabeleceu o contencioso administrativo tem defeitos, pelo que precisa de ser corrigida, mas mais defeituoso e mais inconveniente era o regime estabelecido pelo Govêrno do Sr. Álvaro de Castro que entregou aos tribunais comuns o julgamento das questões administrativas.

Entendo que é de aceitar, transitoriamente, a organização do contencioso administrativo tal como foi estabelecido pelo decreto do Govêrno do Sr. Domingos Pereira, até que o Parlamento, primeiro pelas suas comissões de estudo e depois pelos seus votos, estabeleça um novo regime em harmonia com os princípios estabelecidos na minha moção de ordem.

Senhor Presidente: entre outros decretos que, pelo presente projecto de lei, se procura suspender encontra-se aquele que extinguiu o Ministério do Trabalho. É êsse decreto que certamente constitui a causa especial, quanto a mim, de toda a discussão que se tem feito, a propósito dêste projecto de lei porque talvez - sem ofensa para ninguém - se não fôsse êsse decreto, a discussão se não fizesse, pelo menos por agora, sôbre os outros que o projecto procura também suspender.

Eu sou daqueles que entendem que é necessário e restabelecimento do Ministério do Trabalho, mas também entendo que êle deve ser absolutamente reorganizado. Entendo que as autonomias que há no Ministério do Trabalho como nos outros Ministérios não sejam superiores ao Ministro.

Não posso admitir que um simples director geral seja, dentro do serviço de um Ministério, independente do Ministro.

Tenho muita consideração pela pessoa do Sr. João Luís Ricardo, administrador geral dos Seguros Sociais Obrigatórios, lugar que exerce com o maior zelo e até com amor pelos respectivos serviços.

Isto não quere dizer, porém, que deva admitir que S. Exa., ou, melhor, o Instituto de que é administrador geral, seja a entidade quem independentemente do Ministro faça a distribuição das verbas da assistência.

O Sr. João Luís Ricardo: - V. Exa. quando foi Ministro do Trabalho, após o 19 de Outubro, a primeira cousa que fez foi averiguar da verba que havia para distribuir da crise de trabalho e fazer a sua distribuição.

O Orador: - V. Exa. não diz a verdade. V. Exa. na altura em que eu assumi a gerência da pasta do Trabalho nada podia observar.

V. Exa., preocupado com a idea, que aliás não tinha fundamento, de que seria demitido no dia da minha posse, apresentou-se-me lacrimoso, chorando comovidamente.

Lembro-me que o sosseguei, fazendo a êste respeito as afirmações que podia fazer e que lho deram todas as garantias, aliás com muita estima da minha parte.

O Sr. João Luís Ricardo: - Eu nunca estive agarrado ao lugar... Nunca lhe tive amor... Não preciso do lugar para nada.

V. Exa., quando tomou posse, o que quis saber era o dinheiro que tinha para distribuir. E, na sua posse, tive a hombridade de repelir o 19 de Outubro.

O Orador: - Diz isto V. Exa. Eu não tenho idea alguma a êste respeito. No entanto não desminto nem confirmo.

Mas vamos adiante.

Repito: não é legítimo nem razoável que as verbas do assistência sejam distribuídas sem a seu respeito ser ouvido o Ministro para conceder a sua autorização. A autonomia que existia no Ministério do Trabalho a favor do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios era de tal forma que o Ministro nada tinha com a distribuição e aplicação desta importante verba do seu Ministério. Actualmente não pode suceder assim. O Instituto de Se-

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guros Sociais Obrigatórios faz uma proposta do distribuição ao Ministro. Se êste concorda, bem está. Se não concorda, diz a razão porquê, e tudo passa a ser publicado no Diário do Govêrno.

Assim está bem. Tem garantias o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e fica assegurada a autoridade do Ministro.

Protesta o Sr. João Luís Ricardo contra êste novo regime de distribuição das verbas de assistência, manifestando-se no sentido do que se lhe mantenha a sua antiga autonomia.

Não tem razão S. Exa. O Ministério do Trabalho deve restaurar-se, mas quero crer que ninguém concordará que a Administração Geral do Instituto do Seguros Sociais Obrigatórios readquira a autonomia nos precisos termos em que a gozava até há pouco.

Esta e outras autonomias que se dão noutros Ministérios só tem sido prejudiciais à acção da administração republicana.

Vou terminar declarando que voto no sentido de todos os decretos baixarem às comissões para estas darem o seu parecer o mais breve possível, de forma a que se faça uma reforma em condições dos serviços a que respeitem os referidos decretos.

Tenho dito.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: em harmonia com. as disposições regimentais, mando para a Mesa a seguinte moção de ordem:

Considerando que é dever da democracia - até como fórmula única de um justo equilíbrio social - tornar menos dolorosas as condições de vida das classes Laboriosas, nobilitando o trabalho pelo são constante aperfeiçoamento scientífico o libertando o trabalhador - supremo produtor da riqueza nacional - da miséria o da opressão em que tem vivido;

Considerando que 8ssc dever mais instante se afirma num país como o nosso que, tendo cêrca de 6 milhões de habitantes, emprega mais de 2 milhões do trabalhadores nas indústrias fabris e mineiras, na pesca, na agricultura e no comércio, com salários ínfimos, que mal chegam para o seu sustento diário, apesar de viverem sem higiene e sem conforto, mal alimentados e quási andrajosamente vestidos;

Considerando que, apesar do auxílio que as actualidades prestam, o número dos inválidos de trabalho que vivem na mais cruciante miséria atinge a espantosa cifra de 1 milhão, ou seja cêrca de 1/6 da população portuguesa;

Considerando que a democracia, para cumprir aquele seu dever, precisa de um órgão de execução apropriado que, em harmonia com os ensinamentos da economia social que hoje orienta os esforços do todos os que, nos países cultos, se. interessam por êstes problemas, oriente toda a actividade do Estado neste ramo da administração pública, organizando o trabalho em bases scientíficas, e protegendo a mulher e a criança, defendendo o trabalhador contra a doença, desastre no trabalho, invalidez e velhice, não com promessas vagas, mas prla realização do medidas justas entre as quais avulta o direito de reforma para todo o trabalhador;

Considerando que o Ministério do Trabalho, organizado com a intenção de corresponder a êsses altos intuitos de humanidade e do justiça social, embora não correspondesse inteiramente aos fins para que havia sido criado, representava todavia urna tentativa de organização que seria necessário corrigir e melhorar, mas que nada aconselhava a suprimir como inútil o prejudicial:

A Câmara dos Deputados resolvo proceder desde já à reorganização do Ministério do Trabalho, considerando bases dessa reorganização a parte orgânica o construtiva do decreto em discussão. - José Domingues dos Santos.

Ao fim de oito dias, tantos são aqueles que decorrem desde a hora em que pedi a palavra, consigo em fim dizer da minha justiça.

Sou, digamos, um homem com pouca sorte, ao contrário do que sucede ao Sr. Presidente do Ministério.

Tendo formado Govêrno há mais de um mês, tendo apresentado uma declaração ministerial, seca, árida, sem um traço a marcar a sua finalidade política, sem uma idea a marcar a sua posição, desde logo eu disse, quando S. Exa. aqui se apresentou, que dificilmente produziria qualquer cousa de útil para o país e para a nação, mas que entretanto ficávamos esperando.

Se porventura S. Exa. não tem tido a

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sorte do Sr. Domingos Pereira ser seu antecessor, e se êste homem público não tem feito esta obra um tanto atrabiliária e ditatorial, se porventura não se tem levantado toda esta celeuma em volta de um Govêrno que já findou, eu pregunto: como poderíamos nós ter ocupado êstes longos dias de sessão que decorrem desde 2 de Dezembro até agora?

O Govêrno ainda não trouxe uma proposta, ainda não nos disso o que queria; e assim teríamos de estar todo êste tempo sem podermos discutir qualquer diploma.

Emquanto nos entretemos em volta da obra do Sr. Domingos Pereira, o Sr. António Maria da Silva e o seu Govêrno vão dormindo à espera que os dias decorram, contando no seu carnet mais um dia de Govêrno, certo de que não faz nada nem tem oposição a temer.

Disseram-me há dias que certo Ministro, que ainda não doa um despacho, tinha sido assediado por um dos directores gerais que lhe pedia um despacho ao menos, e o Ministro respondeu: "Nem um emquanto não der despacho, tenho a certeza de não fazer asneira".

E nós estamos discutindo assim a obra do Govêrno que passou e não do Govêrno que está.

Sr. Presidente: já lá vai mais de um mês depois que êste Parlamento se constituiu.

Já lá vão não sei quantas sessões a discutir o projecto de lei que o Sr. João Luís Ricardo mandou para a Mesa; pregunto a V. Exas., ao fim de todo êste tempo de discussão, o que lucrámos.

Várias moções estão sôbre a Mesa e, por fim, a que há a resolver?

Essa cousa é simples: se os projectos devem ser suspensos nos termos do projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo ou se os projectos vão para as comissões, nos termos de várias outras propostas.

Quere dizer: não resolvemos nada e gastámos mais de um mês a discutir.

Longos discursos se fizeram, mas pregunto: o país que lucraria?

Êste problema, se os decretos dovem ser suspensos ou ir para as comissões, dizemos em boa verdade, discutia-se em boa meia hora.

O problema vital ficará por resolver.

Teremos de o resolver depois, pois na melhor das hipóteses, indo os decretos para as comissões, estas estudá-los hão; e, ao fim de longos dias de discussão, êles virão novamente e a discussão recomeçará.

Não lucrámos um dia de trabalho; perdemos tudo, numa ocasião em que devíamos aproveitar todos os minutos.

Sr. Presidente: eu conheço como V. Exas. a brisa que vai por êsse mundo fora, contra o parlamentarismo.

Digamo-lo sinceramente: o parlamentarismo está em crise.

A crise não é portuguesa, é mundial.

Em todos os países da Europa que eu conheço, o único Parlamento que conserva o seu prestígio é o inglês.

Todos os outros estão em crise.

Em toda a parte, quer os adeptos das doutrinas conservadoras guiados por Maura, aqui brilhantemente representados pelo Sr. Pinheiro Tôrres, quer os adeptos das doutrinas mais avançadas, todos atacam o parlamentarismo que eu devendo, apesar de insinuações de bolchevista que me têm feito.

Êsse Parlamento começou mal, demorando as questões demasiadamente e não as discutindo com aquela elevação que era indispensável.

Andamos aqui enrodilhando há tantos dias as questões, só porque dentro do Partido Democrático se levantou uma teima entre correligionários.

Sr. Presidente: dir-se-há que desde que me expulsaram do Partido Democrático a harmonia que lá reina é celestial.

Ainda há pouco, vi dois correligionários dizendo cousas bem agradáveis um ao outro, e há longos dias que aqui se vem repetindo o mesmo fenómeno.

Tudo isto vem a propósito do seguinte: nós temos um Govêrno que não nos diz qual o seu pensamento, e urna maioria que quero resolver o problema da forma que melhor lhe convenha.

Por que não dizer toda a verdade, se estamos a ver que isto é incontestável?

O projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo tem um defeito: mistura muito as questões, do forma a agrupar à volta do seu, projecto todos os descontentes.

É uma velha tática; e assim junto com o seu projecto vem um outro projecto que concilia os votos de várias outras correntes políticas aqui representadas.

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A S. Exa. o que interessa sobretudo é o Ministério do Trabalho.

O restabelecimento do Supremo Tribunal Administrativo pouco lhe importa; nas bases da organização militar, nem sequer toca.

O projecto de lei que tanto interessa o Sr. Lino Neto não lhe interessa da mesma forma.

Só o que merece o seu interêsse é o restabelecimento do Ministério do Trabalho.

Porventura se S, Exa. tivesse pôsto a questão neste pé talvez já estivesse resolvida. Assim, baralhando as questões, obriga quem quiser tratar das questões a ser fatalmente longo, sob pena do não tratar de nada o nada dizer.

Todos sabem que nós tomámos uma determinada feição política o queremos viver dentro dela. Aproximamo-nos das classes trabalhadoras o queremos viver junto delas, não para as levar para a luta de classes contra as instituições actuais, mas antes para as aproximarmos da própria República, integrando-as dentro da sua vida.

Sr. Presidente: o Ministério do Trabalho foi criado em 1916, se bem me recordo pelo Sr. António Maria da Silva.

Teve, é certo, como tem, em regra aquilo em que o Sr. António Maria da Silva toca, certos defeitos desde o seu início, como sucedeu um pouco com o serviço dos correios e telégrafos que S. Exa. tocou e desorganizou, e é o que está sucedendo com a vida do Partido Democrático que S. Exa. teima em desorganizar, O Ministério do Trabalho principiou mal o teve várias reformas. Tinha um fim interessante, que todos os homens que se interessam por uma melhor distribuição da justiça acoitaram bem. Efectivamente tinha aquilo que devia marcar melhor a sua função; e foi assim que após a jornada de Monsanto, após a guerra, após a ditadura de Sidónio Pais, em que todos os homens das classes trabalhadoras se juntaram, uns para defender a sua liberdade, outros para defender a sua pátria, nessa altura em que a República viveu sobretudo sustentada pelos braços fortes das classes trabalhadoras, porque nessa mole imensa de gente que foi de Lisboa até o cimo de Monsanto, a maior parte tinha as mãos bem calejadas pelo trabalho, foi nessa altura que se sentiu a necessidade absoluta de dar um pouco do satisfação às suas reclamações que vinham sendo formuladas de há largos anos. Era a hora da febre, da precipitação.

Os decretos publicados nessa altura, da autoria do Sr. Jorge Nunes, mas que vinham sendo preparados pelo seu antecessor, quiseram, na verdade, corresponder a essa ansiedade de justiça, a essa necessidade do satisfazer as justas reclamações das classes trabalhadoras.

Eu li algures que Rousseau, que tinha o critério de que devia sustentar-se no Govêrno apesar de tudo e contra tudo, sentindo-se em corta altura aportado pelas oposições, viu a necessidade de aproximar-se da classe política que então representava, e, embora com o pensamento reservado do não satisfazer, consentiu em que se publicasse uma lei sôbre a reforma operária. Simplesmente redigiu essa lei de forma a torná-la inexequível.

Não foi êsse certamente o pensamento do Sr. Jorge Nunes nem das outras pessoas que assinaram o decreto dos seguros sociais obrigatórios; mas, na verdade, porque as condições económicas e sociais só modificaram profundamente, certo é que a sua intenção não foi realizada inteiramente.

Sr. Presidente: todos sabem que a mutualidade, o seguro contra a doença, contra a velhice e contra a invalidez é uma das fórmulas sociais mais necessárias.

Nós temos o número espantoso de cêrca de um milhão de inválidos do trabalho, pessoas que levaram toda a sua vida a produzir riqueza e que no fim, quando já não tem fôrças, morrem abandonadas a uma esquina ou no catre dum hospital.

E todavia essa, fórmula de seguro nunca se realizou por culpa dos legisladores, das circunstâncias e dos acontecimentos.

Mas porque se não realizou ainda essa obra, há motivos para acabar com a instituição?

Aqui é que eu discordo do Sr. Costa Cabral.

O Parlamento também neste momento não corresponde inteiramente aos fins para que foi criado e nem por isso ninguém pode pensar em acabar com êle.

O Sr. Costa Cabral teria realizado uma bela obra se escrevesse a sua acção dita-

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torial no sentido de criar uma obra que permitisse efectivar essa grande aspiração das classes trabalhadoras, qual é o seguro contra a doença, contra a velhice e contra a invalidez.

Sr. Presidente: se na verdade o Ministério do Trabalho, tal como estava organizado, não correspondia inteiramente à função para que foi criado, remodelassem os seus serviços, mas não o extinguissem, porque é necessário reconhecer a utilidade das instituições que o compunham e que são indispensáveis a uma melhor justiça social, para que o Estado possa servir àquilo que vem sendo reclamado há uma dezena de anos por uma imensa legião de trabalhadores. O Sr. Presidente: há um outro assunto que eu quero também tocar ligeiramente: é o que respeita à criação do Supremo Tribunal Administrativo.

Eu tive a honra de pertencer ao Ministério presidido pelo Sr. Álvaro de Castro, tendo sido uma das pessoas que assinaram o decreto da extinção daquele tribunal. E penso, como S. Exa., que as várias auditorias administrativas espalhadas pelo país não têm nenhuma espécie de função útil.

Apoiados.

E, senão, vejam V. Exas.: acaba de ser criado o Supremo Tribunal Administrativo, bem como várias auditorias. Pois bem, depois dêsses serviços estarem suspensos durante dois anos, o auditor administrativo do Pôrto estava tam cansado de trabalhar que, mal tomou posse, pediu imediatamente uma licença para que o Sr. Ministro do Interior nomeasse, para o substituir, um conservador do Registo Civil a fim de arquivar aquela limpeza das eleições que lá se fez para o norte.

Apoiados.

Na verdade as auditorias administrativas, como estão criadas, com as suas funções actuais, não servem para nada; apenas servem para se praticarem actos dêstes; na ocasião oportuna o efectivo pede uma licença, e o substituto, adrede nomeado, faz o que o Poder Executivo lhe ordena.

Ora isto não é próprio de uma democracia.

Apoiados.

Mas, se assim penso, tenho também um pouco a opinião de que é indispensável criar em Portugal um Contencioso Administrativo, com funções especificadas, com um recrutamento especial e com inteira independência em face do Poder Executivo.

Apoiados.

Entendo que assim, um Supremo Tribunal Administrativo, se assim lhe quiserem chamar, ou um Conselho de Estado, como lhe chamam em França, pode prestar grandes serviços à democracia.

Há pouco interrompi o Sr. Alfredo de Sousa para lhe dizer que só os tribunais comuns julgam todas as questões; S. Exa. contestou, porque estava equivocado.

Tive depois ocasião de lhe mostrar um livro que aqui tenho, de um professor da Universidade de Paris, que diz exactamente o contrário do que S. Exa. afirmara.

Quere dizer: na verdade a Inglaterra, que SB julga ciosa da sua pureza de princípios, entende que todas as questões devem ser tratadas pelo mesmo tribunal.

Porém, isso para mim não tem influência de maior, porque a organização inglesa não é a melhor para nós adoptarmos.

Se, porventura, das várias instituições do estrangeiro eu tivesse que escolher uma que inteiramente me satisfizesse, eu prefiriria uma organização semelhante à do Conselho de Estado Francês.

Tenho também aqui um livro de um professor republicano, que diz que o Conselho de Estado é, em França, o maior defensor dos direitos o das liberdades dos cidadãos. E é por isso que todos os espíritos ávidos de liberdade só juntam à volta do Conselho de Estado, certos de que nele encontram o seu melhor amparo contra todas as arbitrariedades do Poder Executivo.

Os nossos tribunais administrativos defendem as liberdades dos cidadãos?

Não há um só homem com mentalidade regular que seja capaz de dizer que os Tribunais Administrativos de Portugal são como o Conselho de Estado em França.

É que na verdade o Conselho de Estado em França representa alguma cousa: é constituído por homens cultos e homens sedentos de justiça e que sabem defender os direitos do cidadão e do Estado republicano.

Apoiados.

Contou-me há pouco o ilustre Deputado

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Sr. Moura Pinto uma anedota que João Chagas lhe contara e que V. Exa. talvez conheçam: um director geral monárquico dissera mal do seu Ministro.

João Chagas preguntou em França a um director geral o que sucederia a um director geral que dissesse mal do seu Ministro. O director disse: "pas possible!" Chagas insistiu: "Mas admitamos essa hipótese ". O director respondeu: "Era demitido".

Mas o director podia recorrer para o Conselho de Estado. O Conselho de Estado demitia-o outra vez.

Em França há quem defenda a República e há a certeza da defesa dos direitos do cidadão.

A Esquerda Democrática compreende o Contencioso Administrativo dentro das bases iguais às do Conselho de Estado de França.

Apoiados.

O que não se compreende é que um tribunal julgue e o Ministro anule.

Apoiados.

O que não se compreende é um Supremo Tribunal Administrativo que venha cheio de velhos moldes monárquicos.

Eu não quero entrar na apreciação que suprimiu o Supremo Tribunal Administrativo. Direi só que o decreto que o extinguiu é constitucional.

Agora o Sr. Domingos Pereira, no seu brilhante discurso que ou ouvi com toda a atenção, não tem razão, pois muitos outros decretos também sofreram grande impugnação; e um, do meu Govêrno, sôbre a reforma bancária acabou numa sessão do madrugada com uma moção aprovada por 5 votos de maioria.

O Sr. Domingos Pereira: - A diferença é que para os meus decretos foi logo apresentado um projecto de lei com urgência e dispensa do Regimento.

O Orador: - Sr. Presidente: a esquerda democrática vota o projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo.

Porquê?

Vamos dizê-lo em poucas palavras:

Nós temos a impressão, que nos vem do conhecimento que temos do funcionamento da Câmara, que isto de mandar projectos para as comissões significa um enterro de 1.ª classe.

Os decretos vão para as comissões e por lá dormirão o sono dos justos; e, no entretanto, as suas disposições irão sendo executadas como se boas fossem.

É a forma de abafar os protestos dos que acusam os decretos de serem inconstitucionais e de trazerem grandes aumentos de despesa.

Na discussão dos famosos decretos foi pronunciado um discurso que vale por todos.

Que me desculpem os outros oradores que aliás falaram brilhantemente.

O discurso que mais me convenceu, e no meu entender bastará para também convencer a Câmara das realidades, foi o que pronunciou há pouco o Sr. Ministro das Finanças.

Depois do ouvido êsse magistral discurso só havia uma caminho a seguir: era o Sr. António Maria da Silva, chefe do Govêrno, dizer à Câmara, naquele tem severo de que já aqui nos falou o Sr. Ramada Curto, o seguinte: "Sr. Presidente, em face da desinteligência clara, manifestada pelo Sr. Ministro das Finanças, com seis dos seus colegas, que aqui veio acusar severamente, o Ministério não pode continuar. Vou a Belém pedir a demissão".

Esporava que assim fôsse; o ainda espero que seja.

O Sr. António Maria da Silva é bem capaz de me fazer desta vez a vontade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa e admitida a moção do Sr. José Domingues dos Santos.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Nos termos do Regimento mando para a Mesa a minha moção de ordem, que é concebida nos seguintes termos:

A Câmara dos Deputados, manifestando as suas dúvidas sôbre a constitucionalidade dos decretos n.ºs:

11:200, que revogou o que extinguiu o Supremo Tribunal Administrativo;

11:267, que extinguiu o Ministério do Trabalho;

11:294, que autorizou o Govêrno a introduzir na organização do exército metropolitano determinadas modificações;

11:297, que constituiu o quadro dos oficiais da arma de aeronáutica militar;

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11:299 e 11:300, que introduziram modificações na lei de recrutamento militar;

11:306, que aprovou e mandou pôr em execução o regimento dos oficiais da armada;

11:336 e 11:346. que se relacionam com a execução do decreto que extinguiu o Ministério do Trabalho; e

11:352, que se refere à exploração da indústria do amoníaco sintético: convida a comissão de legislação civil e comercial a pronunciar-se sôbre êles no mais curto praso possível, e continua na ordem do dia. - Rafael Ribeiro.

Sr. Presidente: já vai alta a hora da discussão do projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo, tendente a suspender determinados decretos promulgados pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira.

A discussão tem-se arrastado haja oito longas sessões, e nesta hora alta da madrugada, em que todos estamos ansiosos de ir para casa, sabe-se o que já se sabia no dia em que o Sr. João Luís Ricardo apresentou o seu projecto de lei - os decretes tidos e havidos como inconstitucionais baixarão às respectivas comissões para estudo.

Pois, apesar disso, a discussão tem-se arrastado.

Sr. Presidente: esta Câmara entrou em efectivo exercício no dia 10 de Dezembro.

Na primeira sessão elegemos a Mesa, na segunda tratámos de diversos assuntos sem interêsse de maior, na terceira, quarta e quinta versámos o desgraçado caso do Banco Angola e Metrópole, na sexta apresentou o Sr. João Luís Ricardo o seu projecto de lei e sôbre êle falaram três Deputados da maioria, na sétima sessão apreciámos e votámos a proposta de lei do duodécimo para o corrente mês, e na oitava e nona, e esta em sessão prorrogada que foi até à madrugada do dia 22 de Dezembro, recebemos a apresentação do Ministério do Sr. António Maria da Silva.

Foi a nona sessão a última que teve lugar no mês de Dezembro.

O que fizemos nós, Sr. Presidente, nestas nove sessões?

Nada, absolutamente nada.

Pois, apesar de nada termos feito, o Estado despendeu connosco no mês de Dezembro, pelo "nosso trabalho", 203.935$ tal foi o montante dos subsídios pagos nesse mês.

Em 4 de Janeiro teve lugar a décima sessão, que foi prorrogada, e nela discutimos o negócio urgente do Sr. Amâncio de Alpoim.

Na décima primeira sessão discutimos e aprovámos a proposta do Sr. Ministro da Justiça tendente a considerar como tendo fôrça de lei desde a sua publicação os decretos n.ºs 11:339 e 11:381, proposta decerto inspirada por um artigo que o Sr. Alberto Xavier escreveu no Diário da Tarde.

Nesta sessão o Sr. João Luís Ricardo, que sôbre o seu projecto tinha ficado com a palavra reservada, concluiu as suas considerações.

Nas sessões seguintes, nas décima segunda a decima oitava, esta prorrogada até, pelo menos, à hora a que estou falando, quatro horas da madrugada, outra cousa aqui não se fez que não fôsse discutir o projecto João Luís Ricardo.

Temos que já êste mês discutimos o projecto durante oito sessões.

Sôbre êle falaram até êste momento 26 Deputados, 4 dos quais por duas vezes, sendo 7 democráticos, 4 nacionalistas, 5 monárquicos, 3 esquerdistas, 2 independentes, um autonomista, 1 socialista e 3 Ministros.

E tudo isto para quê?

Para nada.

Nada, não. Não é bem dito.

Sabendo-se que o número de Deputados é de 168, havendo no mês de Janeiro vinte dias de sessão; ganhando cada Deputado 2.000$ mensais, o que dá, no mês de Janeiro, 100$ por cada dia de sessão, resulta êste flagrante e triste quadro: 168 Deputados a 100$ por dia, em 8 dias de discussão do projecto João Luís Ricardo, despenderam 134.400$.

Se os decretos do Sr. Domingos Pereira que aqui vêm sendo, há oito longas sessões, taxados de inconstitucionais, acarretam ao Tesouro qualquer aumento de despesa - que eu não sei porque não estudei a sua estrutura económica e financeira, pois que me limitei ao estudo da questão principal: a sua constitucionalidade - há que juntar a êsse aumento os 134.400$ que despendemos com a sua discussão.

Sr. Presidente: na sessão de 12 do corrente o Sr. Carvalho da Silva reque-

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reu a sua prorrogação até serem votadas as moções o propostas que referentemente ao projecto João Luís Ricardo se encontravam na Mesa. A Câmara rejeitou, o que voltou a suceder na sessão seguinte, quando o mesmo Deputado requereu a prorrogação da sessão até se votar o assunto.

Pois, Sr. Presidente, ontem votou só aqui o requerimento do Sr. Paiva Gomes para que se prorrogasse a sessão até conclusão dêste debato.

Porquê êste volte-face da maioria da Câmara?

Êle vê-se na nota oficiosa relatando o que se passou na retini H, o que ontem teve o Grupo Parlamentar Democrático.

Diz essa nota:

"Tratou-se da questão relativa aos decretos considerados por alguns parlamentares fora das autorizações legislativas, sendo resolvido, por unanimidade, apresentar mi Câmara uma moção no sentido de baixarem às respectivas comissões, a fim de estas sôbre êles se pronunciarem num curto prazo do tempo".

Ali! Sr. Presidente, isto quero simplesmente dizer que esto debate se tem prolongado com um dispêndio para o Tesouro de 184 contos, porque a maioria da Câmara não sabia, o que queria nem se entendia.

Aqui estivemos nós todos, o país, à espera que o Grupo Parlamentar Democrático dissesse o que queria.

Emquanto o Grupo não dizia o que queria estivemos nós a ouvir discursos que a propósito de tudo o de nada se falava nas águas do Andalnz, na Carlota Joaquina, na Maria da Fonte, e no Pinheiro Maluco.

Como isto é profundamente triste!

Sr. Presidente: entrei aquelas portas convictamente parlamentarista, mas se o parlamentarismo é isto a que venho assistindo, pelas mesmas portas sairei arreigadamente anti-parlamentarista. Isto não me serve, porque não serve a Nação, não serve a República.

Sr. Presidente: a propósito do projecto em discussão, já aqui se foz a comparação da obra do último Governo do Sr. Álvaro de Castro com a obra do Govêrno do Sr. Domingos Pereira.

Não serei eu que novamente traga à baila a obra dêsse Govêrno do Sr. Álvaro de Castro. Boa ou má não a quero agora discutir.

O que sei, o que todos nós sabemos, é que dessa obra só resta de pó o sou mais pernicioso diploma - o decreto n.° 9:358, do 8 de Janeiro de 1924, que suprimiu os cargos de administradores de concelho e os substituiu por entidades a que sem razão deu o nome de delegados do Govêrno. É, mesmo êste diploma, Sr. Presidente, já foi alterado pela portaria n.° 4:529, de 23 de Novembro último, que aos delegados do Govêrno voltou a chamar administradores do concelho. Depois da promulgação do decreto n.° 9:358 há concelhos que nunca mais tiveram administrador.

Sr. Presidente: muito se tem discutido sôbre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do determinados decretos do Govêrno do Sr. Domingos Pereira. E a sua obra? O que foi a sua obra?

Abriram-se créditos num montante de 59:049 contos, a cinco dos quais, numa totalidade do 6:650 contos, o Conselho Superior de Finanças recusou o visto, e que foram mantidos pelo Conselho de Ministros; aumentaram-se os quadros de escolas industriais e comerciais, o que acarretou ao , Tesouro um acréscimo de despesa de 418 contos; dispenderam-se 214 contos em automóveis; no Ministério dos Negócios Estrangeiros passou-se pessoal à disponibilidade para dar lugar a promoções; criaram-se 11 consulados para colocar amigos, nomearam-se 13 cônsules amigos o 10 íididos extraordinários, a maioria dos quais nem republicanos são, e cujos méritos notórios são o de ser sócios ou recomendados do Grémio Literário, onde furiosamente se ataca a República, como o Sr. Ministro bem o sabe. E era tal a febre que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tinha em nomear amigos que até se nomeou um cônsul para um consulado que não existia na data da nomeação.

Sr. Presidente: esta é a obra do Govêrno do Sr. Domingos Pereira. Mas o principal, o super-sumo, o básico, está nos decretos n.ºs 11:162, 11:239, 11:244, 11:266, 11:280 e 11:338. Neles está a salvação da Pátria... e das batatas. Êsses decretos modificaram a denominação do

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pessoal dos Estrangeiros, Agricultura, Instrução, Trabalho, Guerra e Justiça, os serventes passaram a chamar-se segundos contínuos.

Tenho dito.

Lida na Mesa a moção, foi admitida.

O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: nesta altura da madrugada em que a Câmara está fatigada de ouvir tanto discurso e em que, confesso, que só pela falta de me ouvir, me sentiria fatigado também, eu não vou fazer um discurso, tanto mais que têm sido brilhantes aqueles que se têm aqui feito, e de todos os lados da Câmara.

Limito-me, pois, a mandar para a Mesa a minha moção, que nem sequer leio, para a Câmara a não ouvir ler duas vezes.

Sr. Presidente: visto que acabo de dar esta agradável surpresa à Câmara, eu espero que a minha moção, ao menos, mereça a sua simpatia e o seu aplauso.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lida na Mesa a moção foi seguidamente admitida.

O Sr. João Luís Ricardo: - Sr. Presidente: não posso fazer o mesmo que acaba de fazer o Sr. Jorge Nunes, tanto mais quanto é certo que não soa uma criatura simpática como S. Exa.

Não apoiados.

Tive, Sr. Presidente, o prazer de ver â minha biografia num jornal da capital - que confesso estava bem feita - dizendo que eu era uma pessoa que fàcilmente me exaltava e que tinha o condão de irritar toda a gente.

É na verdade, Sr. Presidente, uma biografia bem feita, pois a verdade é que vi bem que sou criatura fàcilmente irritável e com o condão de irritar.

No emtanto, tenho forçosamente que falar, já por motivo de afirmações que viciam os jornais, já porque alguns Deputados que falaram neste debate, o Sr. Cunha Leal - que tenho pena de que não esteja presente, pois não me poderei referir ao que S. Exa. disse, mas que, de resto, foi por outras palavras o que disse o Sr. Manuel José da Silva, - êste Deputado, o Sr. João Camoesas e o Sr. Domingos Pereira, deixaram entrever nas suas palavras a opinião de que, porventura, a atitude que eu tinha tomado na discussão dos decretos do Govêrno anterior derivava de melindres, derivava de rivalidades.

Efectivamente, o Sr. Manuel José da Silva disse que não compreendia bem como é que eu tinha enxertado num projecto que estava na Mesa o meu projecto, referindo-se, aliás, só a alguns decretos cuja inconstitucionalidade não via, e que, portanto, entendia que outras razões haveria para o meu procedimento.

O Sr. Manuel José da Silva: - V. Exa. está sendo vítima duma confusão, naturalmente pelo motivo da forma por que a Câmara está a trabalhar.

Eu não falei em quaisquer melindres pessoais. Disse apenas que a apresentação do projecto de V. Exa. tinha sido má tática parlamentar.

Conheço V. Exa. e sei fazer-lhe a justiça devida para não usar de expressões que não competissem ao seu carácter.

O Orador: - Seja assim; mas o Sr. Deputado Cunha Leal referiu-se a pruridos constitucionais no que foi acompanhado pelo Sr. Domingos Pereira. Êste mesmo teve ocasião de varrer as referências contra a ditadura de 1919 que se lhe faziam; e, se eu não concordo com toda a obra de S. Exa. nesse momento, devo dizer, entretanto, que entendo que S. Exa. fez nessa altura uma ditadura legítima para defender a República.

Apoiados.

Mas o que é que me determinou a apresentar o meu projecto de lei?

Fi-lo provocado por variadíssimas razões e, entre elas, os actos de ditadura dos anteriores Governos. Pela má orientação do Parlamento assistimos durante três ou quatro anos a manifestações desordenadas da opinião pública que vieram dar-nos diversas tentativas revolucionar rias.

Era acoimado o Partido Republicano Português de ser o responsável dêsse estado de cousas.

Terminou o seu mandato o Parlamento anterior, entrámos num período eleitoral, e o Partido Republicano Português, a que me honro do pertencer, proclamou ao país inteiro que tinha capacidade de Govêrno

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O que era capaz de governar dentro da legalidade.

Eu sou daqueles que tem afirmado sempre que a ordem nas ruas o nos espíritos se mantém principal e fàcilmente com o respeito à lei e com uma administração tourada, muito melhor do que com as baionetas da guarda republicana.

Portanto, desde que o partido a que pertenço tomou êsse compromisso com o país, entendo que tinha obrigação do provar ao país que não lhe tinha mentido. De contrário, cometia um crime de lesa-pátria.

O Govêrno do Sr. Domingos Pereira, apesar de ser composto em grande parto por correligionários meus, não era um Govêrno partidário. O Sr. Domingos Pereira sabe muito bem que toda a gente faz justiça ao seu carácter, à sua honorabilidade e aos seus sentimentos de amabilidade.

Era o enfant gaté do Parlamento passado. Mas, daí a S. Exa. não querer que discutamos os seus actos como homem público, vai uma grande distância.

Sou daqueles que têm uma responsabilidade enorme na acção governativa que S. Exa. exerceu em 1919. Não sendo super-homem, tenho, todavia, ajudado a fazer alguns, entre os quais o Sr. Domingos Pereira, que foi chefe do Govêrno em 1919. É por isso, quando vi que S. Exa. entrava neste último Govêrno, tive pena, porque tinha a certeza do que havia de chegar ao fim sucedendo-lhe o que sucedeu.

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - Houve uma razão fone de ordem moral que me obrigou. Foi como um dever de honra.

O Orador: - Sr. Presidente: não quero entrar neste capítulo, porque teríamos do ir talvez muito longe.

Disse S. Exa.: há pouco que o Govêrno não tinha sido constituído sòmente para fazer as eleições. Está certo, porque era formado de homens competentes, que tinham necessidade de mostrar ao país que não serviam apenas para regedores eleitorais.

Mas quando é que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira começou a legislar?

Quando já estava eleito o novo Parlamento, o quando êle já havia declarado ter terminado a sua missão.

Antes dos decretos saírem, já se dizia muito mal deles, afirmando-so que, só iam fazer nomeações de compadrio. etc.

Como soldado do um partido - e desculpo-me a Câmara trazer esta questão para aqui - procurei o seu directório - e não fui eu a primeira pessoa, porque já alguém o havia feito - para que realizasse as démarches necessárias junto do Govêrno, a fim do que não publicasse um único decreto com carácter legislativo. Esta missão foi efectivada.

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - Não é exactamente assim.

O Orador: - Mas consta dos jornais. Por uma nota oficiosa do Pai tido Nacionalista eu sei que essas démarches só fizeram junto de uma figura de destaque do Partido Democrático, em quem ai cava, a sua posição contra o procedimento que ia tomar o Sr. Domingos Pereira e declarava ao Partido Republicano Português que, só êsses decretos fossem publicados, tomaria uma atitude de perfeita hostilidade contra a maioria e pugnaria pela revogação pura o simples dêsses decretos.

Esta mesma atitude assumi perante o directório do meu partido, declarando que, embora sozinho, com a saucção do partido eu proporia a revogação dêsses decretos.

Levou o novo Parlamento o tempo necessário para se constituir; e, entretanto, todos nós esperávamos que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira aparecesse no Parlamento.

Queixou-se o Sr. Domingos Pereira de eu mio esporar que êle aqui estivesse para, tratar do assunto, esquecendo só S. Exa. do que a sua crise não foi aberta no Parlamento o que eu ignorava quais as intenções do Sr. Domingos Pereira como Deputado.

Fi-lo, porém, com a presença do Deputado autor dos projectos, como Ministrado Gabinete do Sr. Domingos Pereira,, pessoa competente para sôbre êles se pronunciar; mas assim mesmo devo declarar que o não fiz por melindre, nem amor próprio, nem por meu simples alvedrio.

No dia em que se constituiu o actual

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Govêrno eu entrei na sala onde estava reunido o Grupo Parlamentar Democrático. Vozes indignadas exigiam que imediatamente se propusesse a revogação pura e simples dêsses decretos.

Ninguém, absolutamente ninguém, ali levantou a voz para defender a obra ditatorial do Sr. Domingos Pereira.

Gritava-se que era preciso já, mas já, fazer sustar o decreto n.° 10:334 respeitante às câmaras municipais.

Pedi então a palavra para comunicar ao Grupo que ia tomar a iniciativa de um projecto do lei revogando o decreto respeitante.

Todos me apoiaram una você, querendo que o fizesse imediatamente.

- Imediatamente não; amanhã faremos isso - lhes respondi.

Esperei eu e fiz que o Grupo esperasse também.

Preguntei ao Grupo se me autorizava a auscultar a opinião de todos os lados da Câmara.

Concordaram e eu assim fiz.

Consultei todos os lados da Câmara, e em todos verifiquei a ânsia de deitar abaixo êsses decretos.

Afirmei-lhes que dos decretos sôbre o Ministério do Trabalho, Contencioso Administrativo, das câmaras municipais e da organização dos caminhos de ferro, me ocuparia eu.

Quanto aos outros decretos, sôbre os quais de todos os lados me choviam indicações, por não estarem na minha alçada, outros que tomassem a iniciativa da sua revogação, pois não está na minha índole discutir assuntos que não conheço.

Aqueles, sim; que ou bem sabia serem inconstitucionais.

Não sei, por exemplo, se os decretos publicados pelos Ministérios da Guerra e da Marinha são ou não inconstitucionais.

Não tem que melindrar-se o Sr. Domingos Pereira pela atitude que o Parlamento tomou para com êle.

Essa atitude foi sempre idêntica para com outros Ministérios que praticaram obra ditatorial, permita S. Exa. que o diga, até com mais atenuantes e justificação.

O Sr. Domingos Pereira legislou ao abrigo de autorizações.

É discutível se elas estavam ou não de pé; mas, moralmente, sem ofensa para S. Exa., S. Exa. não tinha o direito de usar dessas autorizações, estando eleito o novo Parlamento.

E êste já estava constituído a 10 ou 11 de Dezembro de 1925.

O Sr. Domingos Pereira: - Se o Parlamento não queria que mo utilizasse delas para que me conferiu essas autorizações?

O Orador: - Essas autorizações foram, concedidas pelo Parlamento anterior; e V. Exa. não sabia se o novo Parlamento as sancionava.

Era êsse meu procedimento a consequência lógica de uma atitude que hei-de sempre tomar.

Se o Grupo Parlamentar Democrático não segue na minha esteira nada me importa.

Sou disciplinado e estou absolutamente convencido de que, se esta Câmara quere fazer melhor trabalho que as anteriores, não pode sancionar aquilo que se pretende fazer.

Mas não teve desvantagem nenhuma esta longuíssima discussão?

Teve pelo menos uma vantagem, disse-o há pouco em tem risonho o Sr. Presidente do Ministério: o do deixar o Govêrno em sossêgo durante êstes longos dias.

Assim, por exemplo, o Sr. Ministro das Finanças teve largo tempo para estudar as suas propostas orçamentais; e, por certo, outros membros do Govêrno terão aproveitado estas tréguas de forma que, na próxima semana o Parlamento será inundado pelas manifestações de trabalho do Govêrno.

Até agora pouco havia a fazer, pois que a proposta mais importante, a dos duodécimos, ainda está em estudo e creio que só lá para torça ou quarta-feira estará relatada.

Teve pois esta discussão a vantagem de impedir-nos do entrar num debate político que certamente teria criado uma atmosfera diferente desta; porque, é interessante constatá-lo pois constitui um aspecto interessante dêste Parlamento; conseguiu-se fazer êste debate sem tentativas de combates políticos, atenuado-se em muito as divergências entre os diferentes lados da Câmara, o que a muitos só afigurava não ser fácil.

Mas, exaustas estas razões breves, que para V. Exas. foram longas, justificativas da minha atitude, declaro que não tenho

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particular interêsse na suspensão do decreto referente ao Ministério do Trabalho, como na do Contencioso Administrativo ou na de qualquer outro, pois os reputo a todos inconstitucionais.

Posso sentir-mo chocado, não tanto por estimar o Instituto ou o Ministério do Trabalho, como pela maneira como êsses serviços foram extintos.

Realmente o que se fez foi desorganizar.

Muitos daqueles que arranjaram essa plataforma que agora vai ser aprovada, eram dos que me afirmavam que votariam contra a extinção do Ministério do Trabalho.

Explore quem quiser explorar.

Isto teve uma vantagem para os políticos, não para mim, foi que, por causa da longa discussão que se fez; sôbre o assunto, largas combinações se arranjaram.

Mas seja embora!

E um mau passo.

Do que ou tenho pena é de ainda vir a sorrir-me com aquela autoridade e satisfação que pertence aos deuses.

Eu não sou Deus nem profeta; mas tenho quási sempre a previsão das cousas.

Eu deixo que o tempo ponha as cousas no seu lugar.

Vai baixar às comissões desta Câmara o decreto que extinguiu o Ministério do Trabalho. Para quê? ^Para se saber se êle era constitucional?

Mas há trinta e tantos Srs. Deputados que disseram que êle era inconstitucional.

Os projectos do lei que primitivamente eu tinha para mandar para a Mesa eram êstes:

Leu.

E quando eu já tinha mostrado a todos os lados da Câmara o meu projecto de lei, fui procurado pelo Sr. Moura Pinto que me preguntou se eu o mostrara ao Sr. Costa Cabral. Respondi-lhe que não; e o Sr. Moura Pinto pediu-me licença para o levar ao Sr. Costa Cabral. E levou-o.

Isto era na ocasião em que todos tinham a ânsia de votá-lo.

O Sr. Moura Pinto trouxe-me depois o projecto e disse: olhe o Costa Cabral diz que não faz caso disso.

O Sr. Moura Pinto: - A minha intervenção nesse assunto resultou simplesmente do facto de, sendo eu amigo de V. Exa. e do Sr. Costa Cabral...

Uma voz: - Queria uni-los. V. Exa. é da União Republicana...

O Sr. Moura Pinto: - ... pretender evitar uma discussão impertinente e inconveniente.

O Orador: - Eu não digo que o Sr. Moura Pinto dêsse a sua aquiescência tácita ao meu projecto do lei; mas o que eu via era uma ansiedade, um desejo rápido e ardente de que o decreto fôsse anulado.

O Sr. Moura Pinto: - A minha invenção foi uma intervenção amigável.

Socorri-me da minha amizade com o Sr. Costa Cabral para preguntar a S. Exa. o que é que pensava em relação ao projecto de lei de V. Exa. E o que eu posso garantir é que o Sr. Costa Cabral me respondeu que não poria no caso nenhuma irritação pessoal.

O Orador: - Mas dizia eu: vai o meu projecto de lei baixar às comissões para ser apreciada a constitucionalidade do decreto.

E quem é que disse que êle ora constitucional?

Foram os Srs. Domingos Pereira e João Camoesas.

Isto é a afirmação clara de que os Governos anteriores sentiam e conheciam que a extinção do Ministério do Trabalho só cota a acção do Parlamento se poderia efectivar.

A lei n.° 1:648, bem como a 1:743, pede em vigor o artigo 1.° da lei n.° 1:344.

Diz êsse artigo que o Parlamento nomeará comissões especiais para, de acordo com o Govêrno, proceder à remodelação de todos os serviços públicos, podendo ir até à extinção dos Ministérios.

Não foi com êsse fundamento, nem com êsse artigo que o decreto foi publicado.

Afirmaram os Srs. Tôrres Garcia e Domingos Pereira que, se tal se não fizese, não teria havido êste largo debate.

Havia portanto a necessidade de estabelecer o debate.

Mas, Sr. Presidente, legalmente êsse debate estabelecia-se se o Sr. Domingos Pereira, quer como Presidente do Minis-

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tério, quer como Deputado, viesse ao Parlamento com uma proposta extinguindo êsse Ministério.

Era um debate legalista, o não se estava agora a atacar uma atitude de ditadura tomada por S. Exa.

Mas, no Ministério do Trabalho, não se fez só isso: fez-se uma remodelação de serviços, para o que estava realmente autorizado, desde o momento que essa remodelação estivesse de acordo com o artigo 1.° da lei n.° 1:364, que diz que se podem simplificar os quadros, com tanto que dessa simplificação resulte uma deminuição do despesas.

Ora, Sr. Presidente, o Sr. Domingos Pereira afirmou que há deminuição de despesas; e eu garanto a V. Exa. e á Câmara que por esta forma há um aumento do despesa. E, Sr. Presidente, no primeiro decreto havia mais do que isto: havia uma deminuição de receitas na importância do 12:000.000$.

Os factos são os factos. Não tenho culpa de que quem aplicou o decreto o articulasse mal. O que S. Exa. fez com o decreto de 10 foi repor as cousas no pó anterior.

O que ficou do Ministério do Trabalho depois da publicação do decreto do Sr. Domingos Pereira?

Ficou tudo quanto existia, porque não houve remodelação a não ser para a direcção do Trabalho, que ora só por si a afirmação do valor do Instituto.

Havendo um dia de despacho para cada direcção, só o Instituto despachava mais do que todo o Ministério.

Toda a gente sabe que há em Portugal um director geral de saúde, uma verdadeira notabilidade apreciada talvez mais no estrangeiro do que em Portugal; e, no emtanto, podemos afirmar, sem receio do contestação de ordem nenhuma, que não há organizados os serviços de saúde.

Como querem fazer o progresso de um país onde não existem bem organizados os serviços sanitários?

A base da sociedade moderna, gira em volta da assistência, gira em volta da sanidade.

Não há possibilidade do valor alto de um indivíduo sem que êle tenha todas as condições do vida.

Não basta ter só o pão, é necessária e absolutamente imprescindível a higiene.

Mas infelizmente em Portugal não há, serviços de saúde.

Estão no Parlamento projectos sôbre êstes assuntos; e, se bem que não se fizesse nada no Instituto, foi através dele que vários Ministros trouxeram ao Parlamento a reforma sôbre a legislação respeitante ao problema da assistência.

O Sr. João Camoesas, na fobia de atacar o Instituto, afirmou que em todos os países do mundo - isto é fácil de dizer - o seguro social na doença dominou a tuberculose.

Ora, Sr. Presidente, se em Portugal, depois da guerra, aumentou a percentagem de tuberculosos isso foi devido à carestia da vida e por que a guorra nos trouxe milhares do tuberculosos que por êsse Portugal fora andam deitando em farrapos os seus pulmões, e com os quais o Estado gasta somente 700 contos,

E é nesta hora, Sr. Presidente, em que tam necessário só tornava a instalação de postos anti-sifilíticos o que tam necessária, era a organização dos serviços de assistência aos tuberculosos, é nesta hora, repito, que só atira um pontapé a desmanchar a obra que, afirmo-o com orgulho do republicano, é a maior obra da República.

Sr. Presidente: na Espanha, na França, na Inglaterra, vivem financeiramente à custa dos seguros sociais os serviços de assistência e de sanidade.

Diplomas não saem dos Ministros - mas do Parlamento.

Então justamente na ocasião em que a Assistência dos Tuberculosos do acordo, com o Instituto queria criar um sanatório para tuberculosos -por que não existe nenhum, e só temos no Hospital do Rêgo um recanto onde os doentes vão morrer- na hora em que a câmara municipal pede um auxílio para um sanatório, destinado a crianças tuberculosas, é nesta hora que se vem afirmar que é necessário que as verbas sejam destinadas pelos Ministros, por que o Instituto arranja aquela igrejinha a seu belo prazer?

Eu nem quero pensar nisso.

Durante alguns anos a assistência vive realmente de uma verba que era a verba privativa do Instituto de Seguros Sociais.

Essa verba, que foi criada pelos bancos o companhias de seguros, é por lei.

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destinada exclusivamente à manutenção do Instituto.

Por iniciativa do Conselho, nós trazemos aqui, todos os anos ao Parlamento, às disponibilidades do fundo de capitalização o pedimos sempre que êsses fundos sejam distribuídos por serviços da Assistência.

Mas agora que o fundo da Assistência, que era de 1:800 contos, e que hoje no Orçamento é de 10:000 contos e para futuros Orçamentos se poderão orçar 100:000 contos, é que se publica um decreto que procura dar satisfação à descentralização da Assistência.

Mas vejam V. Exas. o que sucede: a verba para fundo de capitalização, desapareço no dia em que desaparecer uma disposição legal contra aquilo que determina que os serviços autónomos se devem bastar a si próprios.

Nosso dia, ossos 1:400 contos desaparecem da Assistência, para serem absorvidos pelos funcionários.

É isto moral?

Não é; por que entendo que, dizendo-se aos bancos e companhias: "dêem essa verba para a Assistência", nós não devemos aplicá-la em outra cousa diferente.

Essas entidades não tem culpa da situação em que vivemos e em que vivem os funcionários do Estado.

Digam o que disseram, ou sei que a maior preocupação do todos os Ministros que por ali passaram ora realmente a distribuição dessa verba.

Ora, essa distribuição tem-se feito ao sabor das necessidades, isto é, ao sabor dos amigos da situação política, e às vezes dos inimigos, se êles têm habilidade.

Não necessitava fatigar mais a atenção da Câmara para provar que estou na boa razão. Contudo, não quero deixar de me referir, ainda que ràpidamente à questão da organização dos caminhos de ferro.

Os Srs. Cunha Leal e Manuel José da Silva referiram se largamente ao assunto. O Sr. Cunha Leal veio até em reforço da minha opinião.

S. Exa. no seu discurso, respondendo, não a mim, mas aos Deputados monárquicos e ao que se diz na imprensa, discutiu a constitucionalidade do decreto, afirmando que ora legítimo dispor da verba das sobretaxas, porque essa verba constituía pertença do Estado.

Também eu entendo que ao Estado pertence essa verba. E se assim é, não há tal economia.

O Sr. Manuel José da Silva: - As sobretaxas não são do Estado.

O Orador: - S. Exa. disse que as sobretaxas pertenciam ao Estado. E posso afiançar a V. Exa. que há aumento de lugares. Há 29 lugares a mais.

O Sr. Manuel José da Silva: - Há apenas 12 lugares a mais.

O Orador: - Em 1920 havia 90: hoje há 119.

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - Depois da organização de 1920 foram, publicados vários diplomas criando novos lugares. Cito, por exemplo, dois diplomas publicados pelo Sr. Pires Monteiro criando três lugares de consultores e dois de médicos.

Como é que V. Exa. vem atribuir a esto diploma o aumento de funcionários?

O Orador: - O que eu digo e sustento é que há aumento de lugares.

O Sr. Manuel José da Silva: - Mas preenchidos por funcionários do Estado pertencentes ao Ministério do Comércio e Comunicações.

O Orador: - Diz V. Exa. que são preenchidos por funcionários do Ministério do Comércio o Comunicações. Pouco me importa.

O que é facto é que êsses lugares tem de figurar em orçamento e desde que esteja aí inscrita a verba isso representa aumento de despesa.

Foram realmente nomeados engenheiros do quadro de minas e engenheiros do quadro do Ministério do Comércio que deixaram vagas as quais serão preenchidas.

O que havia a fazer era o se que êsses funcionários iam para os quadros de fiscalização; mas os lugares que êles deixavam deviam ser extintos.

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo):- Os engenheiros que são deslo-

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cados do quadro para o conselho superior dos caminhos de ferro não deixam vagas.

O Orador: - V. Exa. fala só no Conselho Superior dos Caminhos de Ferro. Estão nomeados nove ou dez funcionários que deixaram vaga.

Há segundos oficiais e terceiros oficiais que passaram para o quadro da fiscalização superior dos caminhos do ferro com promoção o outros sem promoção; mas os seus lugares ficaram. E, portanto, desde que não se suprimiram êsses lugares, não houve economias.

Mas há mais. A reforma não trouxe aumento no pessoal técnico, êsse aumento foi no pessoal administrativo. Até para as linhas de caminhos de ferro eléctricos, quando não temos nenhum (vamos ter apenas 20 quilómetros) criaram-se dois ou três inspectores!...

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - Se não fôsse criada a secção dos serviços eléctricos nem sequer se podia fiscalizar as centrais dos caminhos de ferro eléctricos.

O Orador: - O Sr. Cunha Leal disse que êste decreto podia ser considerado como uma regulamentação. Não é tal: êste decreto é uma reorganização.

Por êste decreto até são tiradas aquelas disposições que eram uma garantia para os passageiros.

Eu tenho interêsse só na afirmação de princípios que fiz, e que continuo a manter; porque V. Exas. sabem tam bem como eu o que significa baixar o decreto sôbre o Ministério do Trabalho às comissões para estudo. As comissões que se vão pronunciar são seis: do legislação civil, finanças, saúde, comércio, trabalho e previdência social, porque as organizações que fazem parte do Ministério do Trabalho estão espalhadas por várias comissões.

Vêm V. Exas. como isso vai ser um trabalho interessante e produtivo. Tendo cada comissão, em média, nove Deputados, temos cinquenta e quatro Deputados em colaboração a produzirem um projecto de remodelação dêsse Ministério. Deve sair obra asseada!

Não voto nenhuma das moções.

Nem mesmo voto a do Sr. Álvaro de Castro, porque não é completa quando diz que devem baixar às comissões os decretos que tragam aumento de despesa.

Não voto também a moção do Sr. Manuel José da Silva.

Se S. Exa. mandasse para a Mesa uma moção reclamando que a Câmara pusesse em execução o artigo 2.° da lei n.° 1:344 estaria certo.

Agora uma afirmação do que a Câmara está disposta a trabalhar com o Govêrno para a remodelação dos serviços públicos, é uma cousa vaga.

Sr. Presidente: não resta dúvida a V. Exa. e à Câmara de que era capaz de mo tornar muito mais enfadonho porque só o Ministério do Trabalho, que é aquele que eu conheço melhor, dava para largas horas.

Houve a preocupação de o fazer desaparecer; mas não houve a preocupação de pôr em termos alguma cousa que lá há e que não é justa.

No artigo 3.° da reorganização de caminhos de ferro existe uma disposição que é interessante.

Há emolumentos, criados numa Direcção Geral, dos quais é informado o Sr. Ministro das Finanças de três em três meses, na importância de 40 por cento.

Os outros 60 por cento são para distribuir pelos funcionários em função dos vencimentos e da assiduidade, mas sem dar contas a ninguém.

No Govêrno do Sr. Domingos Pereira houve um Ministro que em Agosto publicou um decreto que devia ter beneficiado altamente a melhoria da vida, aumentando as taxas no Pôrto de Lisboa, e destinando dessa elevação 10 por cento para distribuir pelos funcionários em função do vencimento.

Assim o Orçamento actual contém um total de 2:000 contos para distribuir pelos funcionários.

Desta forma são condenáveis as autonomias, mas são condenáveis também os Ministros que praticam êsses actos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Filomeno da Câmara: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de aditamento à proposta do Sr. João Luís Ricardo.

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Êste projecto é o seguinte:

Proponho que aos decretos constantes do projecto do lei apresentado pelo Sr. João Luís Ricardo se adite o decreto n.° 11:306, do 30 de Dezembro de 1925.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 11 de Janeiro de 1926.- O Deputado, Filomeno da Câmara Melo Cabral.

Diz respeito ao decreto n.° 11:016 que é ofensivo da carta de lei de 5 de Junho de 1903.

Como pela discussão me parece que tudo isto vai parar às comissões, mando o meu projecto para a Mesa e não faço Diais comentários.

Que a terra lhe seja leve.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi admitido o projecto.

O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa uma contra-proposta se assim se lhe pode chamar.

Em virtude das moções que se encontram na Mesa, julgo que a doutrina dêste documento está no ânimo da Câmara, e conforme com as ideas que aqui foram afirmadas brilhantemente por vários oradores, sendo legítimo destacar de entre êles, pela palavra fluente, filigranada e interessante, o Deputado monárquico Sr. Pinheiro Tôrres e o Deputado da esquerda democrática Sr. José Doniiugues dos Santos que fez asserções inteiramente concordantes e que representam um novo e vivo espírito democrático que é necessário insuflar na República para que a reintegremos naqueles princípios que foram defendidos na propaganda da República e que a tornaram num facto.

E curioso como nesta hora se encontram pugnando pelos mesmos ideais e princípios, as extremas da Câmara: os monárquicos e os da esquerda democrática.

E preciso que aqueles que têm o encargo de governar, se integrem nos princípios, porque acima de todos os interêses que para muitos parecem constituir o sólido alicerce do regime, esta é a verdade das cousas.

E a verdade é que, a história o prova, o formidável, o inabalável fundamento de todos os regimes é a prática constante dos princípios que os animam, tornando-os eternos.

Não cansarei a Câmara com mais considerações, embora sinta a necessidade de responder a algumas passagens dos discursos aqui produzidos, principalmente, do discurso do Sr. Domingos Pereira, a quem dirijo os meus cumprimentos o as minhas homenagens, mas a quem não posso dirigir os meus elogios pela sua última acção governativa, se bem que do outras vezes a tenha desenvolvido com grande vantagem para a República.

Apoiados.

Todavia, não posso deixar de afirmar que S. Exa. estaria laborando num êrro quando declarou que as câmaras anteriores não tinham discutido os decretos publicados pelo Govêrno de que fiz parte.

De lacto, êsses decretos foram aqui longamente combatidos, fracamente defendidos, mas fortemente votados, porque foram votadas moções que mantiveram êsses decretos e que, por isso, se encontram ainda em vigor.

Efectivamente é bom que o Parlamento discuta com largueza e amplitude todos os diplomas que lhe são presentes ou que, não lho sendo presentes, hajam sido publicados pelo Executivo à sombra de autorizações concedidas pelo Legislativo.

Eu votaria o aditamento que o Sr. Domingos Pereira apresentou, se êle não fôsse de rejeitar por esta circunstância que citei, de os Parlamentos anteriores se haverem já pronunciado.

Achava interessante que o Parlamento tomasse conta do estudo de todos os decretos publicados à sombra de autorizações parlamentares; mas, não para os revogar, porque isso seria absurdo, e, além disso, porque nós não podemos estar aqui a fazer urna brincadeira de mau gosto, anulando diplomas que estão em vigor, uns há mais de cinco anos e outros há mais de sete.

Não é positivamente êsse o nosso papel, porque temos de olhar pelos interêsses do país, acima mesmo das nossas vaidades, que nós reputamos ofendidas. E não digo isto com relação ao Sr. Domingos Pereira.

Se o Parlamento quisesse, poderia fazer êsse estudo por mero diletantismo, para ver quantas vezes os Governos têm usado dessas autorizações. Mas nós nem

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sequer temos uma comissão de interpretação constitucional, que êste Parlamento devia ter organizado logo que iniciou o seu funcionamento, tanto mais que êle tem uma caraterística constitucional.

Qual é pois a comissão que há-de analisar os decretos que estamos discutindo sob o ponto de vista da sua constitucionalidade, que foi aquele em que aqui foi pôsto pelo Sr. João Luís Ricardo?

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): - A comissão de legislação civil.

O Orador: - Evidentemente que os dados estão jogados, e é por isso mesmo que não merece a pena estar a falar mais nos decretos: não foram jogados aqui, mas sim fora do Parlamento; porém, nós já sabemos o que se vai passar.

No emtanto, não deixarei de mandar para a Mesa uma contraproposta para ser apreciada pela comissão.

Refere-se ela a uma cousa por que eu há muito venho pugnando: pela criação de um Tribunal de Contencioso Administrativo Especial, funcionando nos termos das leis orgânicas.

Já tive o cuidado de elaborar esta base de acordo com o Código Administrativo e com o que foi votado aqui na Câmara, e que chegou a ter parecer favorável da respectiva comissão do Senado.

Os tribunais não podem ser tantos como as auditorias porque seriam muitos, e porque, mesmo reduzindo-os a quatro, se a Câmara assim o entender, o número de processos com que fica cada um não excede a 50.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa, e admitida, a proposta do Sr. Álvaro de Castro.

É a seguinte:

Base 1.ª São extintas as auditorias administrativas e o Supremo Tribunal Administrativo.

Base 2.ª O contencioso administrativo é confiado ao Poder Judicial, criando-se quatro circunscrições judiciais do contencioso administrativo, grupados os distritos da seguinte forma:

1.ª Com sede em Lisboa, compreendendo os distritos de Lisboa, Santarém, Évora, Beja, Portalegre e Faro;

2.ª Com sede no Pôrto, compreendendo os distritos do Pôrto, Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança;

3.ª Com sede em Coimbra, compreendendo os distritos de Coimbra, Aveiro, Leiria, Viseu, Guarda e Castelo Branco;

4.ª Com sede em Ponta Delgada, compreendendo os distritos de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta e Funchal.

Base 3.ª Na sede de cada circunscrição funcionará um tribunal de 1.ª instância composto por um juiz de direito, por um delegado do Procurador da República e os empregados que forem julgados necessários.

Base 4.ª A 2.ª instância do contencioso administrativo será exercida por uma secção do Supremo Tribunal de Justiça de cinco juizes, constituída e funcionando nos termos das leis orgânicas do Poder Judicial. - Álvaro de Castro.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: limito-me a mandar para a Mesa a seguinte moção que passo a ler:

Considerando que o Govêrno anterior publicou os decretos em discussão em obediência a um superior intuito patriótico;

Considerando que se suscitam dúvidas de ordem constitucional a êste respeito;

Considerando aconselhável, com a máxima urgência, um ponderado exame dos referidos decretos por parte das comissões:

A Câmara resolve que êsses decretos sejam convenientemente examinados pelas comissões de estudo, esperando ao mesmo tempo que o Govêrno não regulamente os aludidos diplomas nem publique quaisquer decretos de nomeação ou promoção de pessoal a que porventura possam dar lugar. - Paiva Gomes.

Foi lida e admitida.

O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: a minoria católica já teve ocasião de manifestar a sua atitude em face do decreto n.° 11:286. Porém, em vista da moção que acaba de ser enviada para a Mesa pelo Sr. Paiva Gomes, que carecia de algumas considerações, que pelo adiantado da hora me dispenso de fazer, não posso, no emtanto, dispensar me de ver devida-

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mente esclarecida pelo Govêrno relativamente ao que êle pensa sôbre as modificações que há a fazer emquanto o Parlamento não fôr ouvido a tal respeito.

Espero, pois, que o Sr. Presidente do Ministério me diga claramente o que tenciona fazer em face dessa moção, pois da sua resposta dependerá o voto da minoria natólica.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: eu devo dizer ao ilustre Deputado que o Govêrno já teve ocasião de manifestar o seu modo de pensar sôbre o assunto na declaração ministerial que leu aqui à Câmara. E, assim, o seu dever será respeitar o voto da Câmara.

Ao Govêrno, repito, cumpre unicamente respeitar o voto da Câmara, e, assim, se a moção do Sr. Paiva Gomes fôr aprovada, respeitá-la há.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha e Costa: - V. Exa. pode-me informar qual é a comissão de estudo que tem de examinar os decretos em questão, segundo a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Paiva Gomes?

O Sr. Presidente: - De pronto, não posso de facto responder a V. Exa., visto que as comissões são várias e diferentes as matérias.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: ouvi ler, com toda a atenção, a moção do Sr. Paiva Gomes, mormente depois de ter sido para ela pedida a prioridade, o que significa que será votada.

Da votação dessa moção vem resultar, em relação ao decreto dos caminhos de ferro, uma situação única para a qual chamo a atenção da Câmara.

O Conselho Superior de Caminhos do Ferro, que irá substituir a comissão de vigilância, não está ainda constituído completamente, porque não foram feitas as nomeações dos delegados dos organismos económicos.

Assim, o Conselho Superior dos Caminhos de Ferro não poderá funcionar e as companhias não terão fiscalização.

Nestes termos, mando para a Mesa um pequeno aditamento à moção do Sr. Paiva Gomes.

Êsse aditamento é o seguinte:

"Não poderão ser feitas nomeações remuneradas".

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Afonso de Melo: - Sr. Presidente: aos Deputados do Partido Republicano Nacionalista não pode satisfazer a doutrina da moção do Sr. Paiva Gomes.

Não está aqui a minoria nacionalista para agravar dificuldades; mas também não é seu papel resolvê-las.

O Partido Democrático que as resolva como entender, não podendo esperar que levemos a nossa complacência até ao ponto de votarmos essa moção, que para nós tem um significado muito restrito, porque a achamos incompleta.

Para não alongarmos êste debato não quisemos trazer à discussão um grande número do diplomas que precisavam também de um profundo estudo.

A minoria nacionalista limita-se a chamar a atenção do Govêrno e a esperar do seu patriotismo, espírito de economia e bom senso o procedimento que deve ter perante êsses decretos, convencida do que êle não faltará aos seus devores para com a República e a nação.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: tenho dúvidas e muitas dúvidas no meu espírito sôbre a constitucionalidade dos decretos a que se refere o projecto do Sr. João Luís Ricardo.

Não tenho, porém, dúvidas nenhumas, nem a Câmara as pode ter também, acerca dos decretos dos Ministérios das Guerra o da Marinha, porque, segundo a Constituição, a organização das fôrças de terra e mar é função privativa da Câmara dos Deputados.

Estranho bastante que na moção do Sr. Paiva Gomes não figurem os decretos do Ministério da Guerra e da Marinha.

O Sr. Paiva Gomes: - Está tudo!

O Orador: - Sr. Presidente: para não cansar mais a atenção da Câmara e mar-

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cando a minha atitude, mando para a Mesa a seguinte proposta:

Proponho que baixem também às comissões respectivas os decretos a que se faz referência na minha moção. - Rafael Ribeiro.

Lida na Mesa, é admitida e posta em discussão.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: eu compreendo a atitude do ilustre Deputado Sr. Afonso de Melo, falando, como o fez, em nome do Partido Nacionalista.

Evidentemente o Partido Nacionalista não podia somar os seus aos votos do Partido Democrático no caso presente.

Não era isso razoável e porventura lícito até.

Mas daí até o ponto de S. Exa. poder afirmar que a moção, tal como estava, exprimia apenas o desejo de evitar conflitos adentro do Partido Democrático, vai uma grande distância1.

A moção tende, não a isso, que seria mesquinho, mas a resolver uma situação delicada como esta.

Vamos, porventura, anular, de um só jacto, todos os decretos publicados, perturbar ainda mais os serviços, retirar regalias concedidas, sem estudarmos convenientemente o assunto?

Foi bom ou mau o que se fez relativamente a A, B ou C?

Não nos interessa isso, se bem que saibamos quanto é difícil retirar qualquer vantagem que o Govêrno especialmente conceda.

O que nós queremos é arredar embaraços, pôr de parte determinados aspectos desta questão que só poderiam dividir-nos e encarar o assunto de uma forma alevantada e patriótica.

Apoiados.

Temos à porta o Orçamento.

A Câmara, nova como é, deve vir disposta a trabalhar e eu confio que ela não deixará de consagrar a sua atenção à discussão do tam importante diploma.

Já várias vezes. Sr. Presidente, se tem falado aqui a propósito da vida interna do Partido Democrático.

Presentemente eu estou autorizado a dizer que o Grupo Parlamentar Democrático, nas suas reuniões, deu inteira liberdade aos seus membros, podendo êstes votar e discutir como entenderem e não havendo, portanto, motivos para susceptibilidades da parte de ninguém em face de qualquer voto da Câmara.

E assim que entendeu dever proceder o Grupo Democrático, não tendo em vista qualquer intuito mesquinho.

O Sr. Agatão Lança (interrompendo): - Desejava que V. Exa. me dissesse se entende que na sua moção estão incluídos os oficiais da armada, o quais as consequências que possam advir para o pessoal.

O Orador: - Está isso no intuito da moção e muito especialmente no meu espírito e no do grupo a que pertenço.

O decreto tem de ser revisto - e isto mesmo se conclui das palavras do Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Amorim Ferreira: - Baseadas no decreto que criou a Inspecção Geral dos Caminhos de Ferro foram publicadas nomeações e promoções, às quais o Conselho Superior de Finanças recusou o visto; e no emtanto essas nomeações vieram à publicidade no Diário do Govêrno.

O Orador: - A indicação não pode ir além dos limites que nas leis temos; e das pessoas nomeadas já várias tomaram posse.

Os funcionários respectivos tomaram posse ao abrigo de todas as leis.

O Sr. Sampaio Maia: - E se a Câmara considerasse os decretos ilegais?

O Orador: - Isso não é com o Govêrno. E uma cousa de ordem política.

O Sr. Carvalho da Silva: - Desde que a nomeação se fez por decretos legais, há direitos adquiridos.

Mas se assim não fôr, não há direitos adquiridos.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro a prioridade para a minha proposta.

Foi aprovado.

O Sr. Domingos Pereira: - Requeiro prioridade para a minha proposta, depois do aprovada a do Sr. Paiva Gomes.

Foi aprovado.

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O Sr. João Luís Ricardo: - Requeiro votação nominal, foi aprovado.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sequeiro a contraprova e contagem. Procedeu-se à contagem. De pé 53 Srs. Deputados, sentados 20.

Foi rejeitada.

Leu-se a moção do Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Rafael Ribeiro (sobre o modo de votar): - Eu desejo que fique bem acentuado que todos os decretos devem baixar à comissão.

O Sr. Manuel José da Silva (sôbre o modo de votar): - A razão do meu aditamento é que, sendo a doutrina da moção de afoitos futuros, é impossível nomear representantes para a companhia dos caminhos de ferro.

Posta à votação, foi aprovada a moção do Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procedeu-se à contagem.

Sentados 57 Srs. Deputados.

De pé 17 Srs. Deputados.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o aditamento.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: é desnecessária a votação dêsse aditamento.

O Govêrno fica autorizado a fazer as nomeações.

O Sr. Manuel José da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: quando fiz referência a lugares não remunerados, não quis significar que se tratasse de uma remuneração momentânea; referia-me àqueles lugares do Conselho Superior dos Caminhos de Ferro que, devendo ser ocupados pelos representantes dos organismos económicos, ainda segundo me consta, não estão providos.

E possível, porém, que a estas horas já o estejam.

O Sr. Domingos Pereira (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: parece-me que é perfeitamente conciliável o ponto de vista do Sr. Manuel José da Silva, com a moção do Sr. Paiva Gomes.

Esta moção o que diz?

Que espera que o Govêrno não fará as nomeações a que, porventura, os decretos possam dar lugar.

O que deseja o Sr. Manuel José da Silva?

Que o Conselho Superior dos Caminhos de Ferro, seja completado pelos representantes dos vigarismos económicos.

Como se trata de assegurar o funcionamento dêste organismo, o aditamento espera que não deixem de ser feitas as nomeações que não são remuneradas.

Apoiados.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: o Govêrno já se manifestou, em devido tempo, sôbre esta questão; e, como desde a primeira hora afirmou que ela ora uma questão do Parlamento, não ia, com certeza, praticar actos que pudessem ser considerados como uma mistificação das suas resoluções.

Assim, as nomeações que fez, têm só um carácter provisório.

Assim se fará, se ainda fôr necessário.

Apoiados.

É rejeitado o aditamento do Sr. Manuel José da Silva.

E também rejeitada a moção do Sr. Domingos Pereira.

O Sr. Domingos Pereira: - Requeira a contraprova.

Procedendo-se à contraprova, verifica-se ter dado o mesmo resultado a votação.

Foi lida na Mesa e considerada prejudicada a moção do Sr. Mário de Aguiar.

É a seguinte:

Considerando que o Govêrno transacto faltou aos compromissos que determinaram a sua organização;

Considerando que realizou as eleições gerais com manifesto desrespeito das leis e das liberdades individuais;

Considerando que depois de já ter sido eleito o actual Parlamento, êsse Govêrno, sem qualquer indicação nacional, com evidente desprêzo pela Constituição, exerceu uma larga ditadura, publicando providências que só ao actual Congresso competia

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tomar conhecimento, o que representa uma inversão tumultuaria das atribuições desta Câmara;

Considerando que tal ofensa do Poder Executivo, não pode ser permitida, já pelo respeito devido à Constituição e às leis, já pela inviolabilidade da soberania parlamentar que é preciso manter;

Considerando que foi tal a precipitação de legislar, que até se publicaram portarias para renovar decretos, como sucede com a portaria n.° 4:529, que diz expressamente revogar o decreto n.° 9:356, de 8 de Janeiro de 1924;

Considerando que, entre as medidas ditatoriais publicadas, se encontram os decretos 11:250 (Supremo Tribunal de Justiça), 11:267 (Ministério do Trabalho), 11:283 (Caminhos de Ferro) e 11:286 (Bens religiosos):

A Câmara dos Deputados delibera que todos êstes diplomas baixem às respectivas comissões, para dentro de curto prazo darem o seu parecer.

Suspende entretanto todas as disposições contidas nesses diplomas por manifestamente inconstitucionais com regresso ao exercício das leis anteriores e passa à ordem do dia.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 11 de Janeiro de 1926. - Mário de Aguiar.

Foi lida na Mesa e aprovada a moção do Sr. Cunha e Costa.

Foi lida na Mesa e considerada prejudicada a moção do Sr. Pina de Morais.

É a seguinte:

Considerando que só o Poder Legislativo pode organizar ou modificar a organização da defesa nacional como claramente se conclui do n.° 6.° do artigo 26 ° e n.° 70.° da Constituição;

Considerando que as leis citadas como justificação de legalidade dos decretos inconstitucionais n.ºs 11:294 e 11:299, só agravam e evidenciam a sua inconstitucionalidade e nem mesmo afora o lado jurídico são leis todas atinentes a uma maior economia dos dinheiros públicos e as modificações destinadas a simplificar e purificar;

Considerando que todos e qualquer diploma relativo a remodelação da organização actual do exército ou de nova organização do mesmo e até sôbre as mais simples modificações do mesmo, deve ser baseado na defesa da metrópole e atender às obrigações que lhe são impostas quer pela defesa do nosso património colonial quer pelos tratados internacionais em que o Estado português seja parte;

Considerando que só quando integrado no "Quadro de organização geral da nação" para a sua eficiência como grande potência colonial se podem executar medidas novas de organização ou modificação actual;

Considerando que é necessário preparar a mobilização integral da nação, compreendendo a mobilização política, económica, administrativa, financeira e scientífica;

Considerando que é necessário que o Ministério da Guerra seja um órgão essencialmente forte e coordenador e centralizador trabalhando íntima e convenientemente ligado com os altos organismos do exército;

Considerando a necessidade da criação das direcções das armas e serviços técnicos para tornar possível e eficaz a acção tanto do Ministério da Guerra como do estado maior do exército, para concentrarem sobretudo atribuições que incompreensivelmente estão dispersas por várias entidades;

Considerando que a divisão territorial deve atender: a forma como a população se acha distribuída no território do continente e ao provável alargamento das fôrças em caso de guerra e presumíveis teatros de operações e ainda à situação dos quartéis generais e ao funcionamento das "coberturas", bem como ao sistema de mobilização:

Considerando que êste sistema tem de atender a topografia do território, resistência das nossas tropas, rede de comunicações aos projectos a adoptar e já adoptados sôbre operações o sobretudo atender ao princípio primário o especial no nosso caso da rapidez;

Considerando que só devem reduzir as unidades em tempo de paz ao mínimo compatível da instrução e com a necessidade de constituir os núcleos de mobilização convenientes com o duplo fim de deminuir despesas e permitir a possibilidade de maiores efectivos para essas unidades;

Considerando que nem a organização

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actual do campo entrincheirado nem tam pouco a proposta satisfazem de modo algum o fim a que se propõe;

Considerando que na organização das armas só devora atender à necessidade de especialidades a instruir e em satisfazer as grandes e gerais exigências da defesa nacional;

Considerando que é indispensável definir a situação dos oficiais tornando possível influir no quadro do cada arma ou serviço apenas o numero necessário para o desempenho da sua destinada função de forma a conseguir-se uma económica fixação dos quadros e conhecermos assim quanto custa cada serviço no exército o que hoje se torna impossível;

Considerando que é urgente proceder-se a um estudo dos estabelecimentos produtores a cargo do Ministério da Guerra e ao modo de utilizar as reparações nos depósitos anexos a alguns dêsses estabelecimentos, de modo a libertar o Orçamento de pesadas verbas e tornar mais definidas as funções das entidades responsáveis pela conservação, reparação e distribuição do material;

Considerando que é um grave êrro doutrinário o estabelecido na base 1.ª, baseando a organização de campanha na organização no tempo de paz;

Considerando que as bases apresentadas não resolvem o problema da mobilização integral da nação;

Considerando como inaceitável a extinção pura e simples do escalão de tropas de reserva, indicação que não atende aos ensinamentos da guerra;

Considerando que a existência do comando das defesas fixas do porto de Lisboa, compreendendo as defesas anti-aéreas, implicará uma sobreposição de funções altamente inconvenientes e não correspondo à necessidade exclusiva do comando da defesa marítima do porto de Lisboa;

Considerando que o decreto não resolve o instante problema dos quadros de artilharia;

Considerando que é necessário legislar sôbre os elementos que constituem propriamente os organismos superiores da Pátria e da República, respectivas atribuições e forma de coordenação de esfôrços para a República pedir a quem de direito inteiras responsabilidades;

Considerando que todo e qualquer diploma do Poder Legislativo ou do Poder Executivo deve atender à legislação sôbre economias gerais e atender à vida financeira da República;

Considerando que sendo agora o momento da apresentação do orçamento da Guerra e precisando o decreto n.° 11:294 de estudo completo da sua doutrina e nos seus efeitos deve a comissão de guerra estudar em conjunto os dois diplomas;

Considerando finalmente que as bases prescritas pelo decreto n.° 11:294, do 30 de Novembro último, não permitem, dada a latitude de algumas das suas determinações e a ausência de concretização das restantes, verificar como não atendidas as condições exaradas nos considerandos anteriores e especialmente a influência que a sua execução poderá vir a ter no Orçamento das despesas gerais do Estado: a Câmara resolve que os decretos n.ºs 11:294 e 11:299 baixem à comissão de guerra desta Câmara. - Pina de Morais.

Foi lida na Mesa e aprovada a moção do Sr. Manuel José da Silva.

É a seguinte:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo a necessidade de se proceder a uma urgente remodelação dos serviços públicos no sentido de realizar uma maior eficácia da administração do Estado e, concomitantemente, uma compressão de despesas visando o equilíbrio orçamental: afirma o seu bom propósito de colaborar com o Poder Executivo neste objectivo, e passa à ordem do dia. - Manuel José da Silva.

Foi lida na Mesa a moção do Sr. Pinheiro Tôrres.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: eu não ouvi ler a moção apresentada pelo Sr. Pina de Morais.

O Sr. Presidente: - A moção do Sr. Pina de Morais já foi lida na Mesa e foi considerada prejudicada.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Porque? Essa moção tem doutrina que a Câmara pode entender que não está prejudicada.

O Sr. Pina de Morais: - Como a minha moção é longa, eu peço a V. Exa. para

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consultar a Câmara sôbre se dispensa a sua leitura. Agora o que eu não dispenso é que a Câmara só pronuncie sôbre êla.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se entende que a moção do Sr. Pina de Morais seja enviada à comissão.

Risos.

O Sr. Paiva Gomes: - É que, parecendo ser uma moção, é uma proposta.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre o modo de votar apenas para chamar a atenção da Câmara para o seguinte:

Se V. Exa., Sr. Presidente, classificou o documento mandado para a Mesa pelo Sr. Pina de Morais como uma moção, o requerimento do Sr. Paiva Gomes não pode ser votado, visto não existirem comissões de moções; se se trata de uma proposta - e eu acredito que se trata do uma proposta - então tem cabimento o requerimento do Sr. Paiva Gomes.

De maneira que eu desejava que V. Exa. me dissesse se se trata de uma proposta ou de uma moção.

O Sr. Presidente: - O autor chamou-lhe moção de ordem, mas êsse documento termina assim:

Leu.

E como os decretos a que êle se refere vão ser enviados às comissões, eu considerei-o prejudicado.

Parece-me isto lógico.

No emtanto, como a Câmara tem dúvidas, vou mandar ler novamente a moção do Sr. Pina de Morais.

Leu-se.

Foi rejeitada.

Foi lida e posta à votação é aprovada a moção do Sr. Velhinho Correia.

É a seguinte:

A Câmara, reconhecendo a necessidade imediata de se levar a efeito uma rigorosa política de redução de despesas: passa à ordem do dia. - F. G. Velhinho Correia.

O Sr. Presidente: - A moção do Sr. Álvaro de Castro está prejudicada.

O Sr. Álvaro de Castro: - Porque Presidente?

O Sr. Presidente: - A Mesa entende que a moção está prejudicada visto já se ter votado uma moção contendo a mesma matéria.

A moção é a seguinte:

Moção

A Câmara dos Deputados resolve suspender não só os decretos em discussão, mas também todos os publicados, desde que o Parlamento se encerrou até a sua reabertura, que aumentaram a despesa e foram publicados sem a necessária autorização legislativa, considerando-os como propostas para o efeito de serem enviados às respectivas comissões que em curto prazo deverão formular o seu parecer. - Álvaro de Castro.

O Sr. Presidente :-As moções dos Srs. João Camoesas e Homem de Melo estão prejudicadas.

Foi lida a moção do Sr. Alfredo de Sousa, e, tendo sido posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Uma das moções do Sr. José Domingues dos Santos está prejudicada.

A outra, a meu ver, é uma proposta e não uma moção.

Foi lida a proposta do Sr. José Domingues dos Santos, tendo sido em seguida rejeitada.

O Sr. Presidente: - A moção do Sr. Rafael Ribeiro está prejudicada.

Não há mais moções sôbre a Mesa, havendo no emtanto várias propostas, a que deu origem a esta discussão e outras que as completam.

Portanto acho que elas devem baixar às comissões.

O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: salvo melhor opinião, entendo que V. Exa. deve consultar a Câmara sôbre cada uma dessas propostas.

A Câmara está suficientemente esclarecida; e, se porventura alguma dessas propostas contiver doutrina contrária a outra já votada, ela seguirá o caminho das moções.

Não é pelo facto do mandar para as comissões essas propostas que resulta da

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pacto da Câmara qualquer deliberação sôbre elas.

V. Exa. compreende que no decorrer da discussão se reconheceu que, independentemente da proposta inicial, outros decretos estariam sob a alçada da Câmara, e é sôbre isso que deve incidir a votação da Câmara.

O Sr. Presidente: - Salvo o devido respeito, podia ficar suspensa a deliberação da Câmara sôbre essas propostas até que as comissões se pronunciassem sôbre elas.

O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente, parece-me que, regimentalmente, não está bem a resolução de V. Exa., porque a Câmara resolveu, votando a moção do Sr. Paiva Gomes, que o Govêrno não fizesse nomeações a respeito dos decretos e que êles baixassem às respectivas comissões.

Esta deliberação não contraria a de a Câmara suspender êste ou aquele decreto.

A Câmara pode ter resolvido que o Govêrno não faça nomeações e resolver também suspender desde já determinados decretos.

Mas a êste raciocínio que se refere a uma determinada moção pode ainda acrescer um outro, que é o que resulta da votação da moção do Sr. Jorge Nunes e anula da do Sr. Alfredo de Sousa, que consignam uma doutrina que foi aprovada pela Câmara.

Encontra-se uma proposta na Mesa com essa doutrina. Não deve ir às comissões visto a Câmara já ter aprovado uma doutrina em que está englobada a contraproposta que mandei para a Mesa.

Não há nada que indique que ela deve ser enviada para a comissão.

A do Sr. Alfredo de Sousa é que deve ser enviada à comissão.

Eis as razões por que entendo que as propostas que estão na Mesa devem ser aqui votadas num sentido ou noutro, conforme entender.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Parece-me que está suspensa a apreciação da Câmara.

O Sr. Manuel José da Silva: - Estão na Mesa várias propostas que consignam pontos de vista diversos em relação às muitas questões trazidas ao debate.

Será de boa tática parlamentar que a Câmara as aprove ou as rejeite?

Em conjunto ou em separado?

Qual é a comissão de propostas, nesta Câmara?

Não temos.

As propostas devem ser votadas pela Câmara, inteirando-se previamente dos assuntos a que respeitam.

O Sr. Jorge Nunes: - Eu compreendo que V. Exa., Sr. Presidente, quási não tenha necessidade de consultar a Câmara acerca de propostas que contenham matéria idêntica à do moções já aprovadas; mas como não houve em nenhuma moção a mais pequena referencia ao decreto a que se refere a proposta que mandei para a Mesa, eu pregunto se há algum fundamento que autorize a comissão a apreciar a minha proposta.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro que as propostas que se encontram sôbre a Mesa, que contendem com as moções que foram aprovadas, sejam postas à consideração da Câmara, para efeito de aprovação ou do rejeição.

Quanto às propostas que se encontram sôbre a Mesa, que não contendem com as moções aprovadas, requeiro que baixem às comissões respectivas.

Leu-se na Mesa uma proposta do Sr. João Luís Ricardo.

O Sr. Jorge Nunes: - Eu não sei a que essa proposta se refere; mas, ainda que ela, da minha parte, merecesse um incondicional apoio, devo lembrar que, se, porventura, ela briga com a moção do Sr. Paiva Gomes, não pode ser aprovada.

O Sr. Álvaro de Castro (sobre o modo de votar): - V. Exa. vai pôr à votação a proposta requerimento do Sr. Paiva Gomes?

Se assim é peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente; eu peço a V. Exa., no uso do meu direito de parlamentar, o favor de me infor-

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mar se as propostas que estão na Mesa colidem ou não com a do Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Presidente: - Só posso responder a V. Exa. depois de ler todas as propostas.

O Orador: - Ora não estando V. Exa. habilitado a dar-me essa resposta, como o posso estar eu para votar?

O Sr. Álvaro de Castro: - Requeiro que a proposta do Sr. Paiva Gomos baixe às comissões.

Pausa.

Sussurro.

Sr. Presidente: têm os trabalhos parlamentares e as votações decorrido muito bem; mas quere-se arranjar agora um sistema de não cumprir o Regimento. Ora importa às minorias que o Regimento se cumpra.

Efectivamente encontram-se na Mesa propostas que não estão na situação de irem para as comissões, devendo portanto a Câmara apreciá-las, aprovando-as ou rejeitando-as.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: se porventura o requerimento do Sr. Paiva Gomes fôr votado, a Mesa ver-se-há fatalmente em sérios embaraços na escolha das comissões a que deve enviar algumas propostas que estão sôbre a Mesa.

Por exemplo: uma das alíneas da minha proposta diz respeito a autorização a conceder ao Govêrno. E eu desejo saber da Mesa qual será a comissão escolhida.

Não está certo o caminho que só pretende seguir.

O Sr. Presidente: - O enviar as propostas que aqui estão às comissões é trabalho que a Mesa fará a seu tempo.

Agora trata se de confiar à Mesa a escolha das que devem baixar às comissões e das que devem ser submetidas ao exame da Câmara.

Portanto vou pôr à votação o requerimento do Sr. Paiva Gomes. A Câmara deliberará.

O Orador: - Há propostas que restringem a latitude da moção inicial; há propostas que colidem com a doutrina das moções votadas e há propostas cuja doutrina está fora do âmbito das moções votadas.

As primeiras votá-las há a Câmara no mesmo sentido em que já votou; aquelas que são abrangidas pelas moções votadas, da mesma forma; as que estão fora delas não terá a Câmara dúvida em as votar visto estar funcionando.

O Sr. Jorge Nunes: - Requeiro a V. Exa. consulte a Câmara sôbre se permite a leitura da minha proposta para, pela sua leitura, resolver se deve ou não sôbre ela pronunciar-se imediatamente.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Sr. Presidente: desejo saber a razão porque, dizendo V. Exa. que se ia votar o requerimento do Sr. Paiva Gomes, ainda não se votou.

Vozes: - É uma proposta, não é um requerimento.

O Sr. Velhinho Correia: - Não compreendo a razão por que, devendo baixar às comissões a proposta do Sr. Jorge Nunes, se vá a Câmara pronunciar sôbre ela por intermédio de votações.

Das comissões é que essa proposta deve vir relatada para então ser discutida aqui.

O Orador: - Eu compreendo que a Câmara tenha dúvidas sôbre se deve ou não pronunciar-se sôbre as propostas que estão na Mesa por não saber se são compatíveis ou incompatíveis com a doutrina das moções aprovadas; mas a moção que se refere a um decreto considerado constitucional pode merecer da Câmara uma discussão imediata.

Eu compreendo também que haja da parte de toda a Câmara um vivo desejo de terminar esta sessão; e eu mais do que ninguém comungo nesse desejo, pois sou certamente o Deputado que se levantou mais cedo. Mas não deixo de estranhar esta hermenêutica especial de se estarem sofisticam ente apresentando requerimentos que não são mais que propostas.

Mas se essa minha proposta seguir para as comissões porque forma se há-de pronunciar sôbre ela a Câmara?

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O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Paiva Gomes.

Foi aprovado por maioria.

Foram considerados prejudicados, o projecto de lei do Sr. João Luis Ricardo, e as propostas de aditamento dos Srs. Lino Neto, Álvaro de Castro e Filomeno da Câmara.

Foram consideradas prejudicadas as propostas dos Srs. Cunha e Costa, Manuel José da Silva e Domingos Pereira.

O Sr. Presidente: - Considero igualmente prejudicada a proposta do Sr. Jorge Nunes.

O Sr. Jorge Nunes: - Não sei porquê, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pelas propostas já votadas, êsses diplomas são todos remetidos às comissões.

Logo, a de V. Exa. parece-me estar prejudicada.

O Sr. Jorge Nunes: - V. Exa. dá-me licença? Pela proposta do Sr. Paiva Gomes, todos os diplomas serão enviados às comissões. Não há dúvida: mas não há nada que impeça que a Câmara aprove a minha proposta.

O Sr. Paiva Gomes: - A proposta de V. Exa. tem uma afirmação categórica.

O Sr. Jorge Nunes: - Só V. Exa. se refere aos considerandos, ou peço a V. Exa., Sr. Presidente, para que consulto a Câmara sôbre se permite que a minha proposta seja dividida em duas partes: os considerandos e a proposta em si.

Foi aprovado o requerimento formulado pelo Sr. Jorge Nunes.

Leu-se na Mesa a moção. É a seguinte:

Considerando que é inconstitucional o decreto n.° 11:069, de 11 de Setembro último;

Considerando que da aplicação do mesmo decreto resultaram inconvenientes graves para os trabalhos rurais e vexatórias extorsões com constantes multas: proponho:

Que a respeito do referido decreto n.° 11:069 a Câmara adopto procedimento igual ao que fôr deliberado acerca dos demais decretos do Govêrno transacto, havidos como inconstitucionais. - Jorge Nunes.

O Sr. Paiva Gomes: - V. Exa., Sr. Presidente, dá-me licença?

Parece-me que a proposta do Sr. Jorge Nunes contém-se dentro da minha proposta, que já foi aprovada.

O Sr. Presidente: -Pela proposta do Sr. Paiva Gomes, que já foi aprovada pela Câmara, a Mesa recebeu o mandato de fazer a selecção. Tem procurado desempenhar-se dessa missão com todo o critério, mas nem sempre os proponentes concordam com êle.

O Sr. Jorge Nunes: - Mas nas minhas palavras não houve qualquer intenção de melindrar V. Exa.

Desde que a Câmara considera a minha proposta contida na do Sr. Paiva Gomes, eu confio em que V. Exa. a mandará para a comissão.

Foi considerada prejudicada a proposta do Sr. Filomeno da Câmara.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é na segunda-feira à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Projecto de lei n.° 969-B, que manda rever todos os processos relativos a mutilados e inválidos de guerra.

Interpelação do Sr. Domingos do Lara ao Sr. Ministro da Agricultura.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 10 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Declarações de voto

Declaramos que rejeitámos a moção do Sr. Domingos Pereira apenas no que respeita ao último considerando. - Luís de Sousa Faísca - Lourenço Correia Gomes - Viriato Lobo - Alfredo Sousa - Carlos Soares Branco - Guilhermino Nunes - Velhinho Correia - Oliveira Simões - João Coutinho - António José Pereira - Alfredo Guisado - António Castilho - J. Vicente Barato.

Para a acta.

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Declaro que rejeitei a moção do Sr. Domingos Pereira, por não concordar com alguns dos seus considerandos. - Dagoberto Guedes.

Para a acta.

Propostas de lei

Do Ministro da Guerra, concedendo a reforma ao pessoal civil do Depósito Central de Fardamentos.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, determinando que as obras de construção, conservação e reparação em quartéis, estabelecimentos ou propriedades ocupadas por serviços militares, com designadas exclusões, só possam ser projectadas e dirigidas pelas Inspecções Territoriais das Fortificações e Obras Militares.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, suprimindo, a partir de 1 de Janeiro de 1927, a doutrina do § 9.° (transitório) do artigo 189.° do decreto de 25 de Maio de 1911.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, dando nova redacção ao artigo 21.° do decreto n.° 5:570, alterado pela lei n.° 1:039, de 28 de Agosto de 1920.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. Ministro das Finanças, avaliando as receitas e fixando as despesas do Estado para o ano económico de 1926-1927.

Para a comissão do Orçamento.

Parecer

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 835-B, que torna extensiva aos alunos da Escola Naval e da Escola Militar, nas condições da lei n.° 1:679, a doutrina e garantias nela concedidas.

Para a comissão de marinha.

Projectos de lei

Do Sr. Rafael Ribeiro, criando bibliotecas públicas junto das câmaras municipais do continente e ilhas adjacentes.

Para o "Diário do Governo".

Dos Srs. Pires Monteiro e Artur da Cunha Araújo, reintegrando no lugar de professor das escolas práticas de agricultura, para aposentação, Guilherme Joaquim Felgueiras.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. Manuel de Sousa Coutinho Júnior, extinguindo nos liceus os lugares de prefeitos, sub-prefeitos, serventes e guardas, passando os indivíduos nesse cargo a ser denominados "contínuos".

Para o "Diário do Governo".

Renovação de iniciativas

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 695-H, apresentado em Abril de 1924. a que corresponde o parecer n.° 799, de 17 de Julho de 1924.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 14 de Janeiro de 1926. - Mariano de Melo Vieira.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.

Tenho a honra de renovar a iniciativa da proposta de lei do Ministro das Finanças, Sr. Vitorino Guimarães, sôbre cascaria estrangeira importada temporariamente, que foi apresentada a esta Câmara em sessão de 14 de Abril de 1925 e publicada no Diário do Govêrno, 2.ª série, de 14 de Abril de 1925. - O Ministro das Finanças, Armando Marques Guedes.

Para a comissão de comércio e indústria, depois de junto ao processo.

Renovamos a iniciativa do projecto de lei n.° 906-A, publicado no Diário do Govêrno n.° 79, de 4 de Abril de 1925.

Sala das Sessões, 14 de Janeiro de 1926. - Artur da Cunha Araújo - Henrique Pires Monteiro.

Junte-se ao processo e envie-se a comissão de finanças.

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 896-D, da autoria do Sr. Cortês dos Santos, na sessão legislativa de 1925.

Lisboa, 14 de Janeiro de 1926. - Joaquim Brandão.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de guerra.

Declaro que renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 709-J, publicado no Diá-

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rio do Govêrno n.° 104, do 7 de Maio do 1924.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 14 de Janeiro de 1926. - João Camoesas.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de comércio e indústria.

Declaro que renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 113-C, apresentado em 1922 pelo Sr. Tavares de Carvalho, criando uma nova assemblea com sede ria freguesia do Faial, concelho de Sant'Ana, distrito do Funchal.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 14 de Janeiro de 1926. - M. Costa Dias.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 614-D, de 24 do Outubro de 1923. e que teve o parecer n.° 825.

Saiu das Sessões, 14 de Janeiro de 1925. - Francisco Cruz.

Junte-se ao processo e envie-se a comissão de administração pública.

Renovo a iniciativa do parecer n.° 555 (remodelação dos serviços públicos), de 25 de Junho de 1923.

Sala das Sessões, 14 de Janeiro de 1926. - Henrique Pires Monteiro.

Junte se ao processo e envie-se a comissão de administração pública.

Tenho a honra do renovar a iniciativa da proposta de lei n.° 695-C, apresentada em sessão de 2 de Abril de 1924, publicada no Diário do Govêrno n.° 87, de 5 de Abril de 1924. - Armando Marques Guedes.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 901-C, parecer n.° 929, publicado no Diário do Govêrno n.° 70, de 25 de Março de 1925.

Sala das Sessões, 14 de Janeiro de 1926. - Henrique Pires Monteiro.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de instrução especial e técnica.

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 896-G, de 20 de Março de 1925, publicado no Diário do Govêrno n.° 68, de 23 de Março de 1923.

Em 14 de Janeiro de 1926. - Marques de Azevedo.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de finanças.

Declaro que renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 259-D, criando uma nova assemblea eleitoral na freguesia do Boa Ventura, concelho de S. Vicente Funchal, apresentado em 1922 pelo Sr. Delfim Costa.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 15 de Janeiro de 1926. - M. Costa Dias.

Junto-se ao processo e envie-se á comissão de administração pública.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério do Interior, me seja permitido consultar os trabalhos feitos sôbre legislação administrativa pelas comissões nomeadas por decreto de 12 de Agosto de 1919 e portaria de 25 de Março de 1922, diplomas estes que foram publicados, respectivamente, no Diário do Govêrno n.° 193, 2.ª série, de 20 de Agosto, o n.° 71, 2.ª série, de 28 do Março dos mesmos anos. -Rafael Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que a representação enviada a esta Câmara na última sessão legislativa seja novamente enviada à comissão de colónias para ter o devido seguimento. - Delfim Costa.

Junte-se a representação e envie-se à comissão de colónias.

Requeiro que, pelo Ministério do Interior, me seja fornecido um exemplar do projecto do Código Administrativo organizado pelo então director geral da Administração Pública, Sr. J. Carneiro de Moura, projecto que, por portaria de 26 de Fevereiro de 1919, publicada no Diário do Govêrno n.° 49, 2.a série, de 3 de Março do mesmo ano, foi remetido à Direcção Geral da Imprensa Nacional, para ser impresso, a fim de ser devidamente estudada a conveniência da sua aprovação e promulgação. - Rafael Ribeiro.

Expeça-se.

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Requeiro que, pelo Ministério do Interior, me sejam fornecidas cópias dos seguintes documentos:

1) Do ofício n.° 530, L.-79, de 24 de Agosto de 1921, que pela Direcção Geral da Administração Política e Civil foi dirigido aos Srs. Alberto Cardoso de Meneses, Alberto da Cunha Rocha Saraiva e João Maria Telo de Magalhães Colaço; e

2) Dos relatórios, informações ou alvitres feitos pelo director geral da Administração Política e Civil, efectivo e interinos, aos Ministros do Interior, sôbre a conveniência da imediata e urgente elaboração de um Código Administrativo.

Lisboa, 15 de Janeiro de 1926. - Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.

Expeça-se.

Substituição

Substituir na comissão de agricultura o Sr. Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro pelo Sr. Artur Saraiva de Castilho.

Para a Secretaria.

Constituição de comissões

Instrução primária:

Presidente, o Sr. Costa Cabral.
Secretário, o Sr. Tavares Ferreira.

Para a Secretaria.

Administração pública:

Presidente, o Sr. Alfredo de Sousa.
Secretário, o Sr. Custódio de Paiva.

Para a Secretaria.

Colónias:

Presidente, o Sr. Paiva Gomes.
Secretário, o Sr. Delfim Costa.

Para a Secretaria.

OS REDACTORES:

Avelino de Almeida.
João Saraiva.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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