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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 20

EM 20 DE JANEIRO DE 1926

Presidência ao Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Voeira

Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 46 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Pinto Barriga justifica e envia, para a Mesa uma proposta de lei sôbre a iniciativa da revisão constitucional.

O Sr. Mário de Aguiar interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr Presidente.

O Sr. Vitorino Guimarães interroga a Mesa.

O Presidente manda ler a proposta do Sr. Pinto Barriga, a qual é admitida.

Os Srs. Vitorino Guimarães, Matos Cid, Ramada Curto, José Domingues dos Santos, António Cabral, Alberto Dinis da Fonseca e Pedro Pita usam da palavra concordando com a necessidade da revisão constitucional.

O Sr. José Domingues dos Santos ocupa-se de atropelos eleitorais e de perseguições a correligionários políticos do orador.

Q Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges) presta esclarecimentos.

O Sr. José Domingues dos Santos tem a palavra para explicações.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva} promete inteirar-se dos assuntos a que se referiu o orador precedente.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia) presta esclarecimentos sôbre um dos pontos do discurso do Sr. José Domingues dos Santos.

Ordem do dia. - É posta em discussão a acta.

O Sr. Carvalho da Silva, pedindo a palavra sôbre a acta, lavra um protesto a propósito da eleição do Funchal.

O Sr. Presidente aprecia a atitude do Sr. Carvalho da Silva, o qual tem a palavra para explicações

É aprovada a acta.

Lê-se uma nota de interpelação.

Fazem-se comunicações relativas a comissões parlamentares.

O Sr. Domingos Lara realiza a sua interpelação sôbre interêsses agrícolas ao Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia}, que lhe responde.

O Sr. Guilhermino Nunes requere autorização para que durante as sessões reúna a comissão do Regimento. Concedida.

O Sr. Agatão Lança comunica a constituição da comissão de marinha.

O Sr. Presidente comunica a constituição de várias comissões.

O Sr. Raimundo Alves requere a generalização do debate sôbre a matéria da interpelação do Sr. Domingos Lara.

É rejeitado.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges) manda para a Mesa uma proposta de lei, requerendo urgência e dispensa do Regimento, as quais são aprovadas.

É lido o parecer n.º 896, a que se refere a proposta, e aprovado sem discussão.

São lidas as alterações introduzidas pelo Senado no projecto de lei n.° 1:878, de iniciativa da Câmara dos Deputados.

O Sr. Manuel José da Silva requere que baixem à comissão de guerra, para dar parecer.

Aprovado.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Filomeno da Câmara pede a comparência do Ministro das Colónias para se ocupar dos acontecimentos de Moçambique.

O Sr. Carvalho da Silva pregunta quando é que o Govêrno trás às Câmaras medidas que se discutam.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) anuncia que o Sr. Ministro das Finanças apresentará brevemente a proposta sôbre a questão dos tabacos.

O Sr. Alberto Jordão alude aos acontecimentos de Moçambique e trata de assuntos de instrução mandando para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) promete informar-se acerca do que se passa em Moçambique.

O Sr. Dagoberto Guedes ocupa-se do fabrico de aguardentes para empregar nos vinhos do Pôrto.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Responde-lhe o Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia).

O Sr. Francisco Crus, pede providências para o estado em que se encontram as estradas do círculo de Elvas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Mana da Silva) promete providenciar.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão às 15 horas e 13 minutos.

Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 67 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adolfo Teixeira Leitão.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Alberto Carlos da Silveira.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo o Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Rodrigues.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur da Cunha Araújo.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Lopes de Castro.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos António de Lara.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Pereira do Oliveira.
João da Cruz Filipe.
João Salema.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José Carlos Trilho.
José Maria Alvarez.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Rosado da Fonseca.
José do Valo de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Melo Vieira
Mário Corroía Carvalho de Aguiar.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Marques Caldeira.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Delfim Costa.
Elmano de Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.

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Sessão de 20 de Janeiro de 1926 3

Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Aguas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina do Morais Júnior.
João Raimundo Alvos.
João Tamagnini do Sousa Barbosa.
Joaquim. António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José de Moura Neves.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Raúl Lelo Portela.
Severino Sant'Ana Marques.
Vasco Borges.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
Armando Marques Guedes.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos Fuseta.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Henrique Maria Pais Cabral.
Jaime António Palma Mira.
João Baptista da Silva.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximíno de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.

As 15 horas começou afazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 46 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 13 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando uma proposta de lei que autoriza a Câmara Municipal de Ovar a expropriar uns terrenos na praia do Furadouro.

Para a comissão de administração pública.

Do Senado, comunicando ter enviado à Presidência da República, para promulgação, a proposta de lei que altera a constituição das assembleas eleitorais do concelho de Trancoso.

Para a Secretaria.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Telegrama

Do funcionalismo de S. Tomé, pedindo a revogação dos artigos 14.°, 16.° e outros do diploma colonial n.° 86, de 30 de Novembro último.

Para a Secretaria.

Requerimento

Do João David Tierno Nunes da Silva, ex-capitão do artilharia pedindo a aplicação da lei n.° 1:244.

Para a comissão de guerra.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Pinto Barriga (para um negócio urgente): - Sr. President : todos nós sentimos a necessidade de se fazer uma revisão constitucional. Por isso não gastarei muitas palavras em justificar a proposta que tenho a honra de mandar para a Mesa, sôbre a revisão constitucional, o que é redigida nos seguintes termos:

Proponho que a Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 23.°, alínea e), da Constituição, tome a iniciativa da revisão constitucional, para os efeitos consignados no artigo 82.°, § 1.°, da Constituição. - Pinto Barriga.

Sr. Presidente: a Constituição revê-se normalmente de 10 em 10 anos, conforme determina o artigo 82.°

Tem-se afirmado que êste Congresso tem poderes constituintes, desde que se dê a circunstância prevista no § 1.°

Discute-se se essa proposta de convocação do Congresso é de exclusiva iniciativa da Câmara dos Deputados, ou se poderá ser feita pelo Senado.

De resto, pouco nos importa que assim seja. Na revisão de 1916 reconheceu-se como melhor interpretação que a iniciativa pertencia à Câmara dos Deputados, até mesmo para a convocação do Congresso.

Quando, em 1911, a Constituição foi promulgada, as condições sociais eram diferentes das de hoje. Os Parlamentos tiveram de acompanhar essas mutações bruscas da sociedade, não o podendo fazer completamente, dada a estrutura parlamentar actual.

Sr. Presidente: a nossa Constituição é do sistema rígido, isto ó, só pode ser transformada em prazos prefixados. Num país como o nosso, o estatuto fundamental precisa de defender-se um pouco das bruscas mutações que as circunstâncias políticas impõem. Todavia, é preciso colocá-lo acima das mais defeituosas interpretações.

A propósito, devemos reconhecer que os Parlamentos nem sempre têm estado à altura da sua missão. Assim temos assistido ao facto de o Parlamento dar as mais largas autorizações ao Poder Executivo, pelo que o artigo 29.° está, por assim dizer, gasto, visto o Poder Legislativo ter quási que abdicado das suas funções no Executivo.

No entretanto, não quero entrar na análise dêsse complexo problema, e passarei a tratar do outros pontos.

A nossa Constituição foi um pouco decalcada sôbre os modelos federalistas, e é talvez por êste motivo que ela sofro de vários defeitos.

Estamos no sistema bi-camaral, e o Senado, que devia ser uma Câmara de revisão, transformou-se em Câmara política. O que é indispensável é que o Senado seja restrito aos seus poderes, e para isso temos dois caminhos: ou eleger o Senado por sufrágio directo ou eleição feita pelas câmaras municipais.

Em França o Senado é escolhido pelas comunas, que têm uma vida própria; porém, em Portugal, as nossas juntas do freguesia não estão em condições de assumir êsse papel, pelo que talvez pudessem ser substituídas pelas câmaras municipais.

Sr. Presidente: as nossas colónias que estão sob o regime dos Altos Comissariados tendem à mais completa desnacionalização, porque tem assumido obrigações financeiras que dentro em pouco excedem as da Metrópole.

Torna-se necessário acabar com êsse regime, pelo que entendo ser êste um dos pontos que devem ser considerados, a fim de sofrer modificação.

O artigo 32.° diz:

Leu.

À sombra dêste artigo têm-se promulgado verdadeiras barbaridades sob o ponto de vista legislativo, o que é preciso de futuro evitar.

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Outro ponto importante é o da dissolução, mas isso é conformo o critério que se adoptar com relação ao Senado.

Eram êstes os pontos principais a que queria aludir para justificar a proposta que mandei para a Mesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Mário de Aguiar: - V. Exa., Sr. Presidente, diz-me se está presente algum Ministro?

O Sr. Presidente: - V. Exa. logo vê.

O Sr. Mário de Aguiar: - Eu só vejo um chapéu. O Govêrno está vivendo das oposições.

Vários àpartes.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: V. Exa. informa-me só entra em discussão a proposta do Sr. Pinto Barriga, ou se fica para outro momento?

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Pinto Barriga.

Leu-se e foi admitida.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Devo declarar, em nome da representação do Partido Republicano Português, que damos a nossa aprovação à proposta do Sr. Pinto Barriga porque reconhecemos que é necessário modificar a nossa Constituição segundo os processos modernos.

Neste momento não indicamos quais os pontos necessários para serem revistos; apenas fazemos esta declaração em nome da maioria parlamentar.

O orador não reviu.

O Sr. Matos Cid: - Sr. Presidente: embora não tenha o encargo de representar neste momento o meu partido (Não apoiados), julgo que não me afastarei sensivelmente da orientação dele.

Pertenci, como V. Exa. e mais alguns Srs. Deputados presentes, ao número dos que tiveram a honra de colaborar na lei fundamental do Estado.

Muitos dos Deputados que intervieram no trabalho de fazer a Constituição já não são vivos. Lembro-me com saudade da nobre figura de Braamcamp Freire, que.

ao terminar-se a votação do código basilar da nação, numa sessão de Agosto, aqui nesta sala, ergueu, como remate, um caloroso viva à República.

Lembro-me de João de Meneses, de José Barbosa, que foi o relator do projecto, de Correia de Lemos e de tantos outros que colaboraram brilhantemente nessa obra, mas, Sr. Presidente, eram outros os tempos e o grande ideal para essa época estava bem, mas presentemente é preciso modificar o nosso estatuto.

Folgo com o facto de que o círculo de Beja me tivesse trazido ao Parlamento para eu poder colaborar nesta obra de revisão e poder emendar a mão e fazer alguma cousa de novo em direito constitucional.

A Constituição tem de ser profundamente alterada, não só em alguns dos pontos a que o Sr. Pinto Barriga se referiu, mas ainda a outros.

Durante oito dias discutiu-se aqui a constitucionalidade dalguns diplomas do Govêrno anterior. Temos de rever a Constituição o a obra do Govêrno Provisório.

Nestas circunstâncias, dou o meu voto à proposta do Sr. Pinto Barriga e, na devida oportunidade, terei ocasião de, publicamente, mo penitenciar de muitos erros que cometi.

Resumindo - porque eu não gosto de privar a Câmara do ouvir outras pessoas que têm a autoridade que eu não tenho - eu direi que o que desejo é que a Constituição que se vai rever seja mais feliz na execução que se lhe der do que aquela que nós aqui elaborámos com tanta sinceridade, com tanto entusiasmo, o, principalmente, com tamanho espírito republicano. despido de qualquer sectarismo, animados apenas do desejo de darmos ao país um estatuto fundamental que todos reconhecessem, e à sombra do qual todos pudessem viver.

Apoiados.

Faltaram, porém, aqui, algumas disposições, e, na minha situação do homem acostumado, por dever de ofício, às lides do foro, eu já assisti a um julgamento em que só salientou esta doutrina: de que, não se incluindo na Constituição, entre as garantias individuais, a de que as leis não podem ter efeito retroactivo, pôde dar-se, efectivamente, a uma lei efeito retroactivo.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

Esto e outros casos têm provocado o meu desgosto, o sobretudo têm chocado a minha sensibilidade, fazendo-me pesar melhor as responsabilidades tremendas que assumi quando, em 1911, nesta casa do Parlamento, eu tive de concorrer com o meu voto, e, de quando em quando, com o meu parecer, para a aprovação desta lei.

Nestas circunstâncias, é tempo de reparar muitos danos que se fizeram e do encarar os problemas debaixo de outro aspecto. A evolução fez-se ràpidamente; é justo, portanto, que o país tenha um estatuto que melhor possa satisfazer às suas necessidades e aos seus interêsses.

Repito: eu entendo que é necessário rever a nossa Constituição, - a fim de a melhorar e, na ocasião oportuna, tanto mais que tenho culpas no cartório eu terei ocasião de colaborar na obra que, certamente,, vai ser apresentada pelo Sr. Pinto Barriga, visto que S. Exa. tem sido o principal paladino desta revisão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto: - Em nome da minoria socialista, associo-me à proposta do Sr. Pinto Barriga.

Está no programa com que os socialistas vieram a esta casa o tratar-se da revisão da Constituição no sentido de que ela seja realmente uma cousa digna duma democracia.

A Constituição do 1911 enferma de um excessivo doutrinarismo, e, por isso, a proposta do Sr. Pinto Barriga tem o apoio da minoria socialista.

Nós reservamo-nos para, aã ocasião oportuna, apresentar ao Congresso da República os princípios que entendemos que devem ficar consignados na Constituição.

Tal como ela está, representa o predomínio da chamada classe burguesa.

E, pois, necessário que se faça a urgente revisão da Constituição, para que se não continue na esterilidade que tem caracterizado êstes 15 anos de República, que se não recomendam nem pela obra administrativa, nem pela obra legislativa.

E, a forma de remediar isto, é fazer com que na Constituição fique consignada a representação dos reais interêsses das classes, no sentido de que se substitua a verborreia parlamentar, pelo estudo aturado e sensato das questões que interessam à vida nacional e de todas as classes sociais.

Nesta conformidade, o, sem me querer alongar na criticada Constituição do 1911, que vai buscar a segunda câmara de ponderação e de equilíbrio, não a representação de classes, mas ao mesmo sufrágio directo donde saem os Deputados, sistema êsse que tem dado os resultados que nós temos visto, eu devo afirmar, mais uma vez, que entendo que é absolutamente necessário que ela se reforme e que todos nos animemos da melhor boa vontade de fazermos um trabalho útil, no sentido de que não continue o desiquilíbrio e a vida de aventura em que a democracia portuguesa tem andado envolvida.

Paralelamente à obra do esterilidade realizada nestes últimos 15 anos, com relação à liberdade, temos tudo por fazer; "quem a tem, chama-lhe sua", e nada mais. E, com respeito a desenvolvimento económico, há esta maravilha...

Procuremos, pois, dar à lei fundamental da Nação a eficácia necessária para que êste estado do cousas acabe.

A minoria socialista associa se gostosamente à proposta do Sr. Pinto Barriga, pois é de interêsse para nós todos que a orientação que se dê a êsse diploma seja a mais inteligente, a mais honesta e a mais severa, não se perdendo de vista, além das classes produtoras, das classes trabalhadoras, o proletariado, a que não tenho a honra de pertencer.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: a Esquerda Democrática também vota o projecto apresentado pelo Sr. Pinto Barriga, pois entendemos que há necessidade urgente do modificar o estatuto fundamental da República.

A Constituição é o diploma pelo qual se pode e deve nortear uma nação.

A Constituição aprovada em 1911 foi infeliz, mas a revisão feita em 1922 mais infeliz foi. A que se vai fazer não será mais feliz se os homens, que são os mesmos, o com os mesmos defeitos, não mudarem de rumo, integrando-se no verdadeiro espírito da República.

Não se imagino que a Constituição equivale a uma varinha mágica que promove a felicidade geral. O preciso é

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que ela exprima o sentir dos verdadeiros republicanos o constitua uma perfeita defesa dos nossos direitos e das nossas liberdades, e nesta ordem de ideas colaborará na sua revisão o lado da Câmara que represento.

O orador não reviu.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: a minoria monárquica não se opõe à proposta, pois reconhece que a Constituição precisa de uma remodelação profunda. E dessa remodelação, que nós desejamos, mas que a Câmara actual não aceita, resultaria a reimplantação do regime monárquico.

A minoria monárquica deseja que pela nova reforma se obtenha a liberdade do ensino religioso, a qual nem sequer nos colégios particulares é permitida.

Sr. Presidente: na Constituição futura é necessário que seja introduzido o principio da não retroactividade das leis, princípio êste que não está actualmente consignado na Constituição, o que se não compreende por princípio algum.

A liberdade de pensamento, que devia ser respeitada, tem sido constantemente violada pela censura feita à imprensa, e eu, Sr. Presidente, que me honro de ter sido jornalista, não posso de forma alguma conformar-me com a censura feita à imprensa, tanto mais quanto é certo que ela devia ser respeitada o garantida pela República, visto ter sido êsso um dos princípios que ela tanto apregoou, mas de que não tem feito caso algum.

A minoria monárquica espera pois que o novo remendo a fazer na Constituição seja, deixe-mo V. Exa. assim dizer, o menos pior possível.

A minoria monárquica aprova a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Pinto Barriga, fazendo votos por que as alterações a fazer na Constituição sejam as mais convenientes para o país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: peço a palavra para declarar à Câmara que a minoria católica dá o seu voto à moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pinto Barriga.

Tem-se dito, Sr. Presidente, que a Constituição da República proíbe o ensino religioso nas escolas particulares, o que não é verdade, pois o que tem havido é falta de clareza na interpretação a dar a um artigo da Constituição, o qual necessita ser esclarecido, assim como outros revogados; não é esta, porém, a ocasião para tratar do assunto, o qual será versado na devida altura e com a necessária largueza. A Constituição, que é a lei fundamental, deve ser igual para todos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita : - Sr. Presidente: reconhecendo que foi uma amabilidade de V. Exa. o conceder-me a palavra, não posso deixar de lho agradecer.

A minoria nacionalista não pode deixar de votar a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pinto Barriga, tanto mais quanto é certo que, tendo defendido vários pontos do seu programa tendentes a alterar a Constituição, só por essa razão lhe dá o seu voto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lida na Mesa, foi seguidamente aprovada.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: desejo tratar de um assunto na presença de qualquer dos Srs. Ministros, se bem que esteja convencido de que o Govêrno não tomará quaisquer providências tendentes a remediar o mal que porventura já está feito.

O meu desejo, Sr. Presidente, é que o Poder Executivo não alegue ignorância em face das acusações que vou fazer e que me parecem de alguma forma importantes.

Desejávamos tratar de vários actos praticados pelo Govêrno anterior, de que faziam parte alguns Ministros do actual Gabinete, actos êstes que se relacionam com a interpelação anunciada por um dos membros do Partido Nacionalista, o Sr. Marques Loureiro.

O caso que vou expor à Câmara é original; creio que não há conhecimento de outro análogo. Trata-se de um caso bem banal de uma eleição de junta de freguesia; e não é uma junta a mais ou menos que nos pode prejudicar. No em tanto, queremos levantar o nosso protesto contra êste facto, pelo que êle significa.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

Sr. Presidente: num concelho do norte realizaram-se as eleições das respectivas juntas de freguesia, e como em determinada freguesia os elementos partidários do administrador, e agora do actual Govêrno, não tivessem eleitores para concorrer às urnas, resolveram abster-se. Não foram às eleições, o, todavia, a eleição realizou-se, tendo-se os respectivos eleitores munido dos cadernos eleitorais, e tendo-se a eleição feito à porta fechada.

Enviaram-se as actas pura o auditor administrativo o foram validadas as eleições.

Isto vexa, não é democracia; isto não honra a República nem o partido que o fez!

Apoiados.

Não nos incomoda, repito ainda, do nenhuma forma, mais uma ou menos uma junta de freguesia. Mas no período em que estamos, em que, é fora de dúvida, não há confiança nenhuma no acto eleitoral, praticarem-se actos desta natureza, em que se ganham eleições sem ir à urna, em que um administrador do concelho assim procedo sem escrúpulos o ninguém só levanta contra êste acto, é demais!

Já não quero filar das roubalheiras de que fumos vítimas, do acto de extorsão que foi realizado dentro desta Câmara para servir a minoria monárquica. Não queremos falar dos actos aqui praticados que nos vexam. Vou referir-mo à perseguição feita a um dos nossos correligionários. Tenho aqui o Diário do Govêrno em que vem publicado o seguinte decreto:

Leu.

Fez-se um decreto para perseguir um republicano, que é ao mesmo tempo um antigo Ministro e um homem de bem, o Sr. Augusto Nobre.

Apoiados.

Um Govêrno que assim procede está fora da lei, colocou-se fora da lei. E nós temos também o direito de nos colocar fora da lei.

Apoiados.

Temos dado provas de absoluta dignidade e correcção. Não temos levantado questões irritantes. Temos tido uma atitude levantada o digna. Mas não pensem que por termos praticado essa correcção, ela corresponda a medo ou a receio de combate.

Apoiados.

Ninguém imagine que com esta situação se pode pretender governar e dominar. Não, Sr. Presidente; colocando-se fora da lei, dão-nos o direito do nos colocarmos também fora da lei para os combater.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Sr. Presidente: direi ao ilustre Deputado Sr. José Domingues dos Santos que, como S. Exa. sabe, eu não tenho conhecimento do facto que acabou de apontar, mas...

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - Foi passado em Amarante.

Uma voz: - Há muitos por êsse país fora.

O Sr. Mário de Aguiar: - Se quiserem posso depor; nós podemos depor!

O Orador: - Como o Sr. José Domingues dos Santos deve compreender, não tenho conhecimento dos casos apontados.

Apoiados.

Mas posso também afirmar que os não conheço o Govêrno, o não cabe, portanto, ao Govêrno a responsabilidade de os ter originado.

Estou mesmo persuadido de que os Ministros, a quem a responsabilidade possa caber, ainda a esta hora os desconhecem. Assim sucede também em relação ao caso do Sr. Augusto Nobre. Não é justo fundamentá-lo na circunstância, do que só agora fui informado, de S. Exa. estar filiado na, Esquerda Democrática. Do modo algum se pode basear nossa consideração.

O que posso afirmar é que não deixarei de informar o Govêrno do que S.Ex.a acaba do dizer, e o Sr. Presidente do Ministério não deixará de tomar as providências que entender dever adoptar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos (para explicações): - Sr. Presidente: não acusei o Govêrno de ter ordenado os actos eleitorais irregulares de que há pouco dei

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conta à Câmara; mas dei conta deles ao "Governo, para que êle tome as necessárias providências contra o administrador do concelho que tais actos praticou. E devo dizer que não foi para fins diversos que se nomeou para o Pôrto um auditor administrativo substituto.

Creio que casos como êstes foram feitos com cumplicidade.

Quanto ao caso do Sr. Augusto Nobre, penso que alguns dos Ministros que realizaram tal acto o fizeram inconscientemente. E, pelo menos, um dêsses Ministros teve o assomo do me dizer que isso representava uma infâmia.

É preciso que o Govêrno revogue, o mais depressa possível, êsse decreto que representa um agravo contra um verdadeiro republicano e homem de bem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Quando cheguei à Câmara o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros preveniu-me de que o Sr. José Domingues dos Santos se tinha referido a irregularidades eleitorais praticadas pelo administrador do concelho do Amaranto, o ao facto de ter sido retirada uma ajuda do custo ao Sr. Augusto Nobre.

Devo preguntar a que ajuda de custo se quere referir o Sr. Deputado, porque não conheço o caso.

O Sr. Augusto Nobre, com quem eu mantive e mantenho as melhores relações, é um ilustre professor, mas suponho que o caso presente se refere a um lugar que êle ocupa nas estações aquícolas, isto é, afecto ao Sr. Ministro da Agricultura, a quem vou interrogar sôbre o assunto.

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - O Sr. Ministro da Agricultura já conhece o caso.

Entra na sala o Sr. Ministro da Agricultura.

O Orador: - Como já só acha presente o Sr. Ministro da Agricultura, elo informará V. Exa. do que há sôbre o caso do Sr. Augusto Nobre.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: em resposta às considerações do Sr. José Domingues dos Santos devo dizer o seguinte:

O Sr. Augusto Nobre é, do facto, uma pessoa que merece a consideração do Ministro da Agricultura, do Govêrno e de todos nós. S. Exa. exerce no Ministério da Agricultura o cargo de director da Estação Aquícola do Rio Ave, e é remunerado por uma gratificação especial. Numa determinada altura êle foi abrangido pela lei das melhorias, passando essa gratificação a ser considerada como vencimento.

Porém, em 5 de Dezembro, a 12.ª Repartição do Contabilidade do Ministério da Agricultura1 deu uma interpretação diferente ao assunto, e foi publicado um decreto nesse sentido, fundamentando-se em que, determinando o regulamento dos Serviços Aquícolas que os lugares de directores das Estações devem ser remunerados por gratificações especiais, a S. Exa. não cabia senão o triplo da gratificação que está inscrita no orçamento.

Eu entendo que êsse decreto não devia ter sido publicado, porque a primitiva interpretação tinha sido mantida durante tantos anos sem ninguém ter protestado, e porque a diferença que se ia retirar ao Sr. Augusto Nobre era tam insignificante que isso até poderia ser considerado como uma falta de consideração para com um, funcionário tam distinto.

A redacção dos considerandos é absolutamente infeliz porque, afirmando que há vários funcionários, etc., o que é necessário reportar-se ao cumprimento da lei, no final aparece só o nome do Sr. Dr. Augusto Nobre. Prometo, porém, ao Sr. José Domingues dos Santos fazer restabelecer as boas normas com respeito a êsse funcionário. Na verdade, o Sr. Dr. Augusto Nobre, tendo a seu cargo o único estabelecimento aquícola do país, tem conseguido realizar uma obra justamente apreciada, tanto entre nós como no estrangeiro, merecendo o maior respeito e a maior consideração por parte da Direcção Geral a que está afecto.

Êsse prurido de legalidade - chamemos-lhe assim - da 12.ª Repartição da Contabilidade Pública é tardio e pode considerar-se como agravante para com S. Exa. mas ou procurarei repor as cousas

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nos seus devidos termos, com honra para todas as partes, como se torna conveniente.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É posta em discussão a acta da sessão anterior.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente : peço a V. Exa. que mande exarar na acta o meu indignado protesto contra um facto que reputo absolutamente atentatório do prestígio do Parlamento e que representa um agravo para a minoria monárquica desta Câmara.

Protesto contra o facto de não ter ainda assistido à sessão de ontem um Deputado que iniludivelmente foi eleito pelo círculo do Funchal: o Sr. Luís Vieira de Castro.

Apoiados da minoria monárquica.

Sr. Presidente: só por um agravo feito à minoria monárquica o aos eleitores do círculo do Funchal o Sr. Luís Vieira de Castro não está ainda entre nós, cometendo-se assim um inqualificável abuso. E, se é intuito da maioria, a quem mais convém a boa ordem dos trabalhos parlamentares, agravar som a violência e com a fôrça do número os nossos direitos, então apelo para V. Exa., Sr. Presidente, como uma pessoa encarregada de zelar por essa boa ordem dos trabalhos, para que em sua consciência nos diga se quem exerce uma tal violência não tem de esperar que pela violência tam em lhe responda a minoria monárquica.

De todos os processos êste lado da Câmara tem usado, sem perturbação para os trabalhos, para tentar conseguir que se acabe com esta vergonha, mas até hoje não o tem conseguido.

Basta, portanto, de agravar a minoria monárquica o os eleitores do círculo do Funchal, e eu afirmo a V. Exa. que nós, forçados pela maioria, forçados pelo Govêrno que assim se impõe às comissões de verificação de poderes, saberemos responder à provocação que nos é feita.

Vários apartes.

O Sr. Presidente: - V. Exa. está a referir-se a um caso de que não trata a acta da sessão anterior.

O Orador: - Eu desejo, Sr. Presidente, que na acta fique exarado o meu protesto e declaro a V. Exa. que, uma vez que se persiste no abuso cometido, todos os disso farei.

Por todos os meios que o Regimento me assegura hei-de pugnar pelos direitos ofendidos do Deputado eleito pelo círculo do Funchal, hei-de pugnar contra esta violência a juntar a tantas outras que cobriram de vergonha os actos dessas chamadas comissões de verificação de poderes.

Apoiados da minoria monárquica.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - É da conveniência de todos que os trabalhos decorram regularmente e o que o Sr. Carvalho da Silva, acaba de fazer constitui um assalto à palavra (Apoiados), por isso que se estava ocupando de um assunto a que a acta da sessão anterior se não refere.

Com esta observação quero prevenir que estou na disposição de, era qualquer outro caso desta natureza, imediatamente retirar a palavra ao Sr. Deputado que dela estiver usando sem direito a fazê-lo.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): - Sr. Presidente: sabe V. Exa. como é minha norma respeitar quem está na Presidência da Câmara; sabe V. Exa. quanto empenho eu tenho, já pela pessoa de V. Exa., já pelas altas funções que exerce, em não desrespeitar as suas determinações. No entretanto, quando V. Exa. interpreta, a meu ver, erradamente as disposições regimentais naquilo que representam os meus direitos, eu não deixarei de lavrar o meu protesto - e êste é um dos casos.

Eu posso não só referir-me, na discussão da acta, ao que se passou, comer também, àquilo que ela não menciona. Ora, Sr. Presidente, a acta cita os nomes dos Deputados que assistiram à sessão de ontem e ou protesto contra o facto de por uma inqualificável violência, entre êsses nomes não figurar o do Sr. Luís Vieira de Castro, Deputado eleito pelo círculo do Funchal. E, Sr. Presidente, eu pregunto a V. Exa. se há alguma cousa mais atentatória do prestígio do Parlamento do que a vergonha de não estar ainda aqui sentado o Deputado que foi eleito por um círculo: Todos os dias, por-

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tanto, eu hei-de lavrar êste protesto o nele serei acompanhado pela minoria monárquica que se sente agravada com a atitude da maioria, porventura motivada por imposição do chefe do Govêrno que, para vergonha do país, ainda não teve "ma proposta para trazer ao Parlamento.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

É lida uma nota de interpelação do Sr. Lino Neto ao Sr. Ministro da Instrução.

São comunicadas as seguintes substituições:

Comissão de administração pública:

Substituir o Sr. Joaquim Ribeiro de Carvalho pelo Sr. António Pinto de Meireles Barriga.

Comissão de infracções e faltas:

Substituir o Sr. António Pinto de Meireles Barriga pelo Sr. Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Para a Secretaria.

ORDEM DO DIA

O Sr. Domingos Lara: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto que me proponho tratar, permita-me V. Exa. que faça algumas considerações tendentes a definir a minha atitude nesta casa do Parlamento.

Sabe V. Exa., sabe toda a Câmara, de que acusações foi alvo o Parlamento transacto, e decerto nenhum de nós ignora que essas mesmas acusações se estão já desenhando contra o actual Parlamento. Não me cabe a menor parcela de responsabilidade na maneira como têm decorrido os trabalhos desta Câmara, mus devo acentuar que, havendo já na Mesa uma proposta de alteração do Regimento, entendo que ela é indispensável, mas indispensável o, também, que seja votado com o firmo propósito, por parte de todos, de que venha a ser cumprida, pois estou convencido de que, se o actual Regimento fôsse cumprido, se evitaria muita discussão inútil, muito tempo perdido.

Sr. Presidente: vou tratar de um assunto da mais alta importância, pois se refere à classe agrícola, que é sem dúvida a que mais importa à vida económica da nação.

Apoiados.

Assim, Sr. Presidente, entendo do meu dever chamar a atenção da Câmara para certos factos que são, na verdade, altamente prejudiciais para a vida desta classe.

O Sr. Ministro das Finanças, há dias, quando apresentou à Câmara as suas propostas orçamentais, manifestou o desejo de que as finanças públicas entrem no caminho que, aliás, todos nós desejamos, mas afigura-se-me que todas as tentativas do Sr. Ministro das Finanças serão infructíferas, desde que se não trate a sério da questão agrícola.

O assunto, Sr. Presidente, tem de ser encarado em conjunto, e assim devo dizer que, se o Govêrno não tratar a sério de proteger as classes produtoras, os seus desejos serão baldados.

Na verdade, Sr. Presidente, uma das classes, aquela que sem dúvida mais carece do medidas de protecção por parte do Estado, é a classe agrícola.

Sabe V. Exa., assim como deve saber toda a Câmara, que do desenvolvimento da agricultura depende o desenvolvimento da nação.

Assim tem sido, assim será sempre, e V. Exa., compulsando a nossa história, verá que exactamente os períodos em que foi dado o legítimo impulso à agricultura foram os mais prósperos para a nação.

Nestas condições, permito-me chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para o assunto, a fim de que entre nós se faça o mesmo que se faz lá fora.

É também interessante ler alguns números à Câmara sôbre a produção de cereais.

Assim, em 1920, a superfície de trigo semeado atinge milhares de hectares.

Não se mandam os agrónomos para o campo fazer conferências, e, referindo-me a esta parte que seria importante para a propaganda agrícola, não posso deixar de aludir, porque é interessante fazê-lo, a êsse apóstolo da propaganda agrícola, que é o Sr. Mota Prego, que, ao domingo, à hora da missa, vai pelas aldeias, aproveitando a ocasião em que o povo humilde está reúnido, para fazer palestras, mas palestras despidas de literatura, procurando, com a sua linguagem simples, levar ao conhecimento do povo humilde os novos processos agrícolas.

O Ministério da Agricultura faz dos agrónomos outros tantos mangas de alpa-

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ca, em vez do adoptar o exemplo de Mota Prego.

Tem-se falado aqui, já falou o Sr. Ministro da Agricultura, na falta do confiança da lavoura nos poderes constituídos.

Mas como pode essa confiança existir se os factos são o que são?

Acusa-se a agricultura de não acorrer a preencher os manifestos, quando o Ministério da Agricultura entendo por bem enviá-los.

Mas quem desacreditou os manifestos foi o Poder constituído.

Fizeram-se manifestos que, por virtude de lei, eram secretos e Ossos manifestos foram arrebatados das administrações do concelho, foram devassados e serviram de perseguição à classe agrícola, e, assim, Sr. Presidente, assistimos a esta injustiça, que resultou dêste o de outros factos praticados: os agricultores, os produtores que cumpriam a lei, que davam à recta e à justa a nota da sua produção, viam entrar pela porta dentro, no dia seguinte, o fisco a tomar conta dos seus produtos, e aqueles que sonegaram aos poderes constituídos a nota exacta dos seus produtos ficaram na comodidade da sua casa, podendo vender, depois de esgotados os produtos daqueles que tinham sido ingénuos, os seus produtos pelo mais alto preço.

De maneira que, Sr. Presidente, tenho a mesma opinião do Sr. Ministro da Agricultura: é preciso restabelecer a confiança, mas para que ela se restabeleça é necessário que dos Governos, e principalmente do Ministério da Agricultura, partam medidas e haja uma boa vontade, que a agricultura até hoje não viu nem sentiu.

A maneira como essas estatísticas são feitas lambem é digna de reparo.

Tendo o Ministério da Agricultura um alfôbro de empregados, há secções dêsse Ministério, como por exemplo a do Coimbra, que dispõe do acto ou oito empregados, mas onde não há uma única secretária.

Ora êstes empregados, não tendo nem repartição nem secretárias, bem entendido que não podem encarregar-se de fazer manifestos.

Os manifestos são feitos nas administrações de concelho, onde há mil e uma cousas a tratar, repartições meramente políticas, onde o administrador do concelho não faz idea da vantagem do manifesto, e assim assistimos a êste espectáculo, que é realmente triste e lamentável, de numa determinada altura o Sr. Ministro da Agricultura ser solicitado pelas entidades importadoras a permitir a importação de determinado produto, e S. Exa. não estar habilitado a responder se deve ou não permitir essa importação.

Mas não são só os manifestos que são precários.

E claro que eu, querendo nesta interpelação habilitar-mo com alguns elementos para a poder basear em números, devo dizer que não encontrei onde colhêr elementos para isso.

Não há em Portugal uma estatística ao consumo de milho, o que é essencial para se saber se devo ou não importar-se.

Como há-de o Sr. Ministro permitir a importação do milho, quando êle não sabe o que se consome?

Quero, pois, chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para a Repartição de Estatística.

Essa Repartição encontra-se hoje num"! água-furtada. onde chove, na Rua do Mundo, pois na altura em que precisei colhêr elementos fui lá encontrar não uma repartição mas um emmaranhado de papéis e livros onde ninguém se entende.

Eu acho, Sr. Presidente, que as repartições de estatística, o principalmente aquelas que se destinam à estatística de produção, devem ser cuidadosamente olhadas pelos poderes públicos.

Para demonstrar mais ainda a falta de protecção do Estado para a classe agrícola eu vou referir alguns casos que se passam na região de Coimbra que eu conheço melhor.

A região dos campos de Coimbra, região do produção cerealífera importante que todos V. Exas. conhecem, pelo menos, do a terem atravessado no comboio, está em risso do ser absolutamente condenada. De ano para ano a área cultivada, dessa região vem deminuindo pela ameaça constante que para ela representa o assoreamento do rio Mondego. Não tem os poderes públicos, até hoje, feito nada que os remedeie êste mal.

Há planos de reorganização do leito do Mondego há muitos anos elaborados, mas que não há maneira de ver realizados.

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Criou-se uma junta autónoma do rio Mondego, creio que composta de duzentos membros, e por aqui já V. Exa. vê o critério prático que teve o legislador ao criar uma junta autónoma desta natureza.

Chamo ainda para êste ponto a atenção do Sr. Ministro da Agricultura; conquanto êle não seja propriamente da sua pasta, entendo que a S. Exa. fica bem interessar-se por êste problema porquanto êle interessa à produção nacional e, sendo o Sr. Ministro do Comércio Deputado também por Coimbra como o Sr. Ministro da Agricultura, peço a S. Exas. que estudem êste problema e procurem dar-lhe solução.

Mas, ainda sob êste aspecto, há cousas mais interessantes.

Existem nos campos de Coimbra, como em todos os campos, canais do drenagem, sem os quais as propriedades nada podem produzir. Êsses canais encontram-se há bastantes anos obstruídos, e apesar das reclamações feitas ao Govêrno pelos respectivos proprietários, no sentido de se realizarem essas obras, pagando, é claro, cada um proporcionalmente à área que possui, até hoje não conseguiram ser atendidos.

Para êste assunto chamo também a atenção dos Srs. Ministros da Agricultura e Comércio.

Acerca dos postos agrários, cuja maior parte não funciona, eu vou citar à Câmara o que se passa com o que acaba de ser criado na Figueira da Foz. Sendo Coimbra um centro de produção importantíssimo, tendo regiões fertilíssimas como Soure, Condeixa, Montemor e Cantanhede, é curioso que o Sr. Ministro da Agricultura do então não tivesse encontrado um local mais apropriado para instituir um pôsto agrário do que à beira-mar.

Conjuntamente com êste pôsto vai ser criado um campo experimental, que em nada pode interessar essa árida região.

Se a região fôsse fértil, êsse campo serviria de ensinamento aos agricultores; mas, assim, o que pode acontecer é êsse campo experimental ser visitado por um outro banhista, em nada interessando a agricultura.

No que respeita à selecção de sementes, eu tenho igualmente que chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, tanto mais que em conversa com S. Exa. tive ocasião de verificar que está mal informado quanto à maneira como êsse assunto corre em alguns postos agrários, e nomeadamente no de Belém.

O ano passado, tendo do adquirir sementes de arroz seleccionadas, dirigi-me ao pôsto agrário de Belém e aí fui informado do que não havia o que eu desejava.

Isto não pode ser, porque inibe muitas vezes a agricultura de tirar do seu trabalho um produto, não digo muito remunerador, mas razoável e regular.

Já importantíssima a existência do estações do selecção de sementes nos postos agrários.

Sr. Presidente: o problema da produção agrícola está intimamente ligado com o problema da viação ordinária.

No estado em que se encontram as nossas estradas os agricultores são altamente prejudicados pelas dificuldades que há na condução dos produtos indispensáveis à agricultura, como adubos, sementes, etc.

Eu, conhecendo alguma cousa do Alentejo, vou até o ponto do afirmar que o problema dessa região não se limita às irrigações, mas está também nas vias de comunicação.

Uni outro caso para o qual o Sr. Ministro da Agricultura precisa de olhar a sério é sem dúvida o do crédito agrícola, que considero indispensável ao desenvolvimento da agricultura.

É necessário que o Estado ofereça a sua protecção ao agricultor que tantas vezos se v ô na necessidade do recorrer ao crédito da agiotagem.

Apoiados.

Sr. Presidente:- o que eu pretendo frisar é a necessidade do iniciarmos uma política decisiva do fomento agrícola.

Apoiados.

O regime tributário actual é uma das causas do mal-estar e aborrecimento da classe agrícola para com os poderes constituídos.

Apoiados.

O proprietário não faz outra cousa senão caminhar para a repartição de finanças.

Apoiados.

Sôbre êste assunto do impostos está-se dando na Repartição do Finanças de Coim-

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bra um facto que acho abusivo e para o qual desejaria chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, que não vejo presente, pedindo por isso ao Sr. Ministro da Agricultura o obséquio de transmiti-lo àquele seu colega.

Com o a Câmara sabe, foi criado o ano passado o imposto de turismo, que incidia sôbre todas as viaturas, excepto sôbre as que eram empregadas exclusivamente em serviço das classes agrícolas.

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - O Poder Executivo entendeu, e muito bem, que devia suprimir o imposto de turismo para os carros em serviço da agricultura; mas o Ministro do Comercio, por virtude do um parecer da Procuradoria da República, fez expedir circulares a todos os chefes de conservação, dizendo que, emquanto o decruto não fôsse regulamentado, devia continuar em vigor para todos os carros.

O Orador: - Em algumas partes cumpre se o decreto, noutras não.

Em Coimbra a Repartição do Finanças tem colectado pequenos lavradores, pequenos proprietários, porque a lei exige que, dusde que os lavradores se empreguem a ganhar dinheiro com os geus carros, ficam sujeitos ao pagamento da contribuição.

Sucede, porém, que essa Repartição de Finanças está tendo um critério que reputo abusivo.

Sabem todos os que vivem nas aldeias que há um certo número de indivíduos que tem apenas um quintal e não podem possuir o gado e alfaias agrícolas para amanharem a sua pequena courela.

E corrente, nesses casos, haver uma troca de serviços; o trabalhador vai dar dois ou três dias de serviço o recebo, em troca, o empréstimo dos utensílios necessários ao amanho do seu bocado de terra.

Em Coimbra os indivíduos que fazem êste serviço estão sendo colectados com o imposto de turismo, além do imposto de transacção, contribuição industrial e taxa complementar.

Isto, fatalmente, traduz-se numa demi-nuição de produção, porquanto amanhã nenhum dêsses lavradores auxiliará o cultivo das pequenas courelas dos outros, que ficarão, por isso, incultas.

Sr. Presidente: entrando propriamente no assunto da minha interpelação, vou procurar demonstrar ao Sr. Ministro da Agricultura que acho absolutamente descabido, não só que se importe milho nesta ocasião, mas que nisso se fale, sequer.

Não há dados estatísticos oficiais, mas, pela previsão muito falível da produção dos últimos cinco anos, V, Exa. poderá ver que a previsão para 25 é de 394.031:000 litros de milho, ao passo que nos outros anos a média não vai além do 348 milhões.

Portanto, vê V. Exa. que, apesar dos erros que certamente essas previstes devem conter, há êste ano uma superabundância da produção de milho nas regiões próprias dessa cultura.

De maneira que, afigura-se-me, é imprudente admitir, sequer, a hipótese de que venha a permitir-se a importação do milho.

Sabe V. Exa. que, tendo sido o ano passado permitida a importação do milho estrangeiro, os lavradores se viram na necessidade de dar o sen milho ao gado, porque ficaram com êle em casa, sem terem quem lho comprasse, porque o milho estrangeiro tirou absolutamente a venda ao nacional.

E um contrasenso, porque o nosso milho 6 melhor, mas V. Exa. sabe muito bem que o lavrador não está costumado a ser negociante, esperando que o comerciante lho vá procurar, e como êste foi inundado o ano passado com milho estrangeiro não se viu na necessidade de o ir procurar no país.

Não me parece ainda, porque geralmente as razões que as estâncias oficiais dão para a permissão da importação dos produtos agrícolas é a sua falta de produção no nosso puís e as vantagens que daí advirão para a deminuição do custo da vida, que êste argumento colha.

Sabe realmente V. Exa. que o problema do custo da vida é um problema quási da capital; nos meios pequenos vive-se hoje melhor do que se vivia antes da guerra, vive-se mais desafogadamente; vive melhor, toda a gente o sabe, o trabalhador.

O Sr. Alberto Vidal: - Na região de Aveiro vivo-se pior.

O Orador: - Ora, se nós fizermos a comparação do preço por que se vendeu o mi-

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lho o ano passado com o preço por que se está vendendo êste ano, que é menos de metade, veremos o prejuízo enorme que já têm os lavradores pelo preço reduzido que está correndo no mercado, quanto mais se fôr autorizada a importação do milho.

Quero crer que isto não se dará, porque o Sr. Ministro, que é uma pessoa ponderada, estudará o assunto e reconhecerá, por certo, que prestará um serviço à lavoura só neste momento não permitir a importação.

Assim, termino as minhas considerações como as comecei: peço e espero do Sr. Ministro da Agricultura acertadas medidas de fomento agrícola tendentes a promoverem o desenvolvimento económico do país, sem o que quaisquer tentativas de equilíbrio orçamental ou valorização da moeda serão absolutamente inúteis.

Realmente, emquanto nós não procurarmos bastar-nos o mais possivel a nós próprios, para exportarmos aquilo que exceder as nossas necessidades, não sairemos desta situação difícil e angustiosa em que temos vivido.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: acaba o Sr. Domingos Lara de fazer um longo discurso sôbre a sua nota de interpelação enviada há dias para a Mesa.

Essa nota do interpelação visava um aspecto muito restrito do problema agrícola, mas S. Exa. no seu discurso abordou o problema na íntegra, não deixando quási nenhum dos seus aspectos sem a devida apreciação.

Fez S. Exa. essa larga resenha com brilho, com inteligência e profundo conhecimento das cousas; e é para mim motivo de muito prazer o ter de constatar êsse facto, congratulando-me também com êste debate por êle me dar ensejo não só a expor os meus pontos de vista sôbre o assunto, como porventura a provocar uma larga discussão parlamentar sôbre êle, e que só seria útil e interessante, porque, de facto e quanto a mim, que tenho a opinião de S. Exa., é oportuno tratar no seio da representação nacional daqueles problemas que mais interessam à economia pública, entre os quais está, sem dúvida alguma, em primeiro lugar o que se refere a uma boa, metódica e scientífica exploração da terra.

S. Exa. pôs no início das suas considerações perante o Parlamento a exuberância, a pompa, a eficiência, a produtividade dos sistemas administrativos de vários países da Europa no campo agrário, e focou mais particularmente a actividade do Estado na Lituânia. S. Exa. referiu, efectivamente, o esfôrço que êsse país de recente formação tem levado a efeito no campo agrário: criou umas tantas estações agrárias, crio n uns tantos campos experimentais e, até, umas tantas universidades agrícolas, e viu a assistência nas conferências públicas ou nas escolas elevada a um número absolutamente grande; emfim, verificou uma marcha metódica e sistemática para um progresso definitivo na sua economia agrária. Mas S. Exa. podia ter referido, ao lado da Lituânia, os últimos grandes esfôrços da Itália, talvez os mais poderosos de todos, o da Tcheco-Slovaquia, e da reconstituição da produção agrícola na Alemanha, a reconstituição da produção da beterraba e cereais nos antigos impérios centrais, nos próprios países que derivaram do desmembramento dêsses impérios até aquilo que tem sido feito na Rússia, para a reconquista da posição internacional dos seus trigos, que ocupavam um lugar predominante como fonte de riqueza dêsse país, sendo exportado em quantidade não inferior a 170 milhões de toneladas.

Mas S. Exa., que aludiu à obra que de facto se tem feito nestes países, deveria ter dito à Câmara qual o esfôrço monetário feito por êstes povos para o levar a efeito. S. Exa. veria bem que nós temos andado à roda do problema. Também conseguimos realizar a organização de serviços agronómicos no Ministério da Agricultura com uma base scientífica. Criámos estações agrárias que dominam o movimento profissional da agricultura, tal como na Lituânia se fez, e temos, numa palavra, organizados todos os elementos de demonstração e contrôle, embora só no papel; porque a obra que é

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preciso realizar não há dinheiro para ela. A verba orçada para as despesas do Ministério da Agricultura é de 17:000 contos, o que se gasta em qualquer dos países, pelo Sr. Deputado interpelante citados, com um só estabelecimento agrário. Por maior que seja a boa vontade dos funcionários do Ministério da Agricultura não se pode fazer nada.

O Sr. Domingos Lara disse que o quadro técnico, constituído por engenheiros agrónomos e médicos veterinários, desaparecera. N3o admira que essa deserção só tenha manifestado. Com efeito S. Exa. vê que um engenheiro agrónomo, dirigindo um campo agrário ou uma estação esperimental, ganha corça de 1:280$. Como a lei n.° 971 não permite as promoções, não há cousa alguma que possa dar incentivo a essa gente e ela fogo para o serviço dos particulares.

Desçamos um pouco mais à análise dêste assunto que é, na verdade, interessante. É certo que um indivíduo que concorro, numa dada altura, a um lugar de funcionário público sabe, pelos regulamentos que viu publicados, qual a situação em que irá ficar. Se concorre, manifesta tacitamente o desejo de submeter-se às obrigações dêste cargo.

Mas há certos factores de ordem subjectiva, psicológica - direi - que influem no espírito dêsse homem, depois de ser nomeado, e que podem levá-lo insensivelmente quási ao não cumprimento do seu dever. Êle vê, por exemplo, emquanto o obrigam a trabalhar excessivamente, outros que trabalham menos e que vivem muito mais desafogadamente. Depois vê quási toda a gente despreocupada pela causa pública, pondo em última lugar a defesa dos sagrados interêsses do Estado. E êsse homem sofre aquilo a que se pode chamar a desmoralização, a que ninguém foge em tais casos, ainda que trabalho adentro de uma corporação ou instituição de qualquer espécie, cujas normas de direcção sejam as mais severas. S. Exa. vê que até nas próprias instituições militares, tam severas nos castigos, se não consegue, muitas vezes, evitar a deserção.

É possivelmente desta natureza o fenómeno que se tem dado com os funcionários que tem composto os quadros técnicos do Ministério da Agricultura. Não têm futuro algum. Todas as vagas que havia foram extintas em 1924. Se assim procedi, foi porque diziam, e com muita razão, que era necessário caminhar para o equilíbrio orçamental.

Nós temos deixado assim enfraquecer, por falta de assistência técnica e por falta de dotações, os serviços externos do Ministério. Só deixámos instrumentos inúteis e eis o grande perigo que hoje ameaça a instituição do Ministério da Agricultura.

Numa determinada época fez-se o plano da distribuição do elementos do acção" externa. Núcleos constituídos pelas respectivas estações agrárias exerciam uma acção do propaganda através dos postos agrários ou campos experimentais.

Mas os técnicos começaram, como disse, a procurar as funcções mais remuneradas. Por esta razão e porque se cortou um pouco, sem ordem, sem plano, êsses quadros, ficámos sem pessoal.

As dotações orçamentais eram exíguas para manter os estabelecimentos que mencionei, e aquilo que o povo esperava que fôsse um elemento de demonstração e de cultura transformou-se numa cousa inútil" Há excepções honrosas, é certo, que mostram bem a eficácia do método...

O Sr. Domingos Lara: - V. Exa. dá-me licença?

Eu mantenho o meu ponto de vista. V. Exa. tem razão, afirmando que com 17:000 contos não se pode, com efeito,, fazer mais do que se tem feito. O que eu propunha é exactamente que 30 por cento do que se gasta com a fôrça publicar se consuma na agricultura.

O Orador: - Talvez tivesse sido prudente acabar com êsses organismos que tem sido, afinal, elementos de descrédito.

O Ministério da Agricultura, criado em 1918, foi logo apanhado pela crise financeira que então se desenhou.

Não encontrou, portanto, aquela atmosfera de tranquilidade o segurança absolutamente indispensável para a sua instalação e desenvolvimento.

Vínhamos, desde longe, com uma Direcção Geral da Agricultura. Muito se fez nela em prol do país. Mas foi reconhecido que era necessário dar maior ex-

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pansão a êsse serviço o criou-se então o Ministério. Criou-se, porém, uma organização burocrática fabulosa, desproporcionada mesmo para o país. Sei que ela foi moldada no departamento agrícola da América do Norte, país de formidável extensão territorial em relação ao nosso, demográfica o financeiramente melhor fornecido que nós, país que neste campo da actividade humana marcou, sem dúvida, o primeiro lugar.

Nós, em Portugal, querendo adoptar o mesmo sistema, criámos logo nove direcções gerais. Não tínhamos técnicos para preencher as legiões burocráticas que iam surgindo dessas novo direcções gerais.

Entrou se, por fim, no caminho de juntar aqui, suprimir acolá, mas sem método algum. Caímos num amontoado de cousas, que em 1922 era um verdadeiro caos. Nessa ocasião arranjou-se uma organização, que tem sido muito defendida o atacada, o que deixava a uma Direcção Geral e especialidade dos serviços florestais e agrícolas que tem prestado relevantes serviços ao país e que nos honraria em qualquer parto do mundo.

Por outro lado organizou-se um serviço do pecuária semelhante ao alemão; fez-se uma direcção geral de ensino o fomento que se chama Escola Superior do Agricultura e que tem como instrumentos estacões agrárias nacionais. Isto divide-se em 9 secções de especialidade o investigação scientífica.

E preciso que nós, homens scientíficos do século XX, não vamos adoptar só o que se faz lá fora som as modificações próprias o comuns ao país e mesmo à obra ideal de qualquer pessoa.

Êste trabalho está realizando-se, e dentro em pouco terei o prazer de ver publicados relatórios de propaganda e obras importantes.

Nós não temos laboratórios e precisamos estações nacionais no Norte, na Beira e no Alentejo, e não o podemos fazer por falta do recursos financeiros e técnicos.

A estação da Beira litoral é a q no mais importa ao ilustre Deputado. Há lá uma escola, mas não se sabe onde acaba a escola e começa a estação.

Não individualizamos, não multiplicamos pela insuficiência orçamental.

A partir do 1924 é que temos uma estação de selecção de sementes em Belém e agora adaptada ao palácio de Queluz uma estação zootécnica.

Começamos também agora com o serviço de pomicultura, o temos um pôsto em dois Portos dirigido pelo Sr. Castilho que muito tem feito, o se não vai mais longe é por falta de dinheiro.

Do 1916 a 1922 foi a época de descrédito; nada se fez.

Quanto à selecção do sementes, o que só está fazendo na estação do Belém é um trabalho muito honroso.

O Sr. Rosado da Fonseca: - Eu não posso dizer o mesmo, pois me forneceram trigo que não germinava por estar partido o tinha também à mistura outras sementes.

O Orador: - Isso deve ter uma explicação.

Quanto ao arroz, a falta de campo experimental não nos tem permitido fazer nada.

O meu antecessor, Sr. Gaspar de Lemos, já fez uma proposta para se criar um campo do experiências no baixo Mondego.

V. Exa. também se referiu à insuficiência do Ministério da Agricultura no campo pecuário e trouxe o programa da Lituânia.

Ora nós estamos num regime muito diferente da Lituânia; país pascigoso, como todos os países do norte, elo oferece à indústria da criação de gados condições de maior êxito do que o nosso.

Não temos pastagens e sujeitamos os gados a uma temperatura que quebra muito o vigor o desenvolvimento da espécie.

No emtanto temos feito alguma cousa. Devemos realizar o fazer mais?

Entendo que sim, mas temos desperdiçado muito tempo, porque a função do Ministério da Agricultura não tem sido baseada sôbre trabalhos do ordem scientífica. Levados pela beleza das raças nórdicas, nós começámos a importar, a partir do 1885, espécies exóticas, provenientes da Holanda o da Inglaterra. Temos a mania dos puros sangues, o que tem ocasionado o gasto de muito dinheiro, sem que, no emtanto, os resultados tenham sido apreciáveis.

Devemos fazer apreciar pela arte

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zootécnica, e - chamo-lhe uma arte e não uma sciência - o rejuvonescimento anatómico e fisiológico das raças indígenas, porque é assim que podemos tornar perduráveis os melhoramentos que lhe introduzirmos, e não pretendermos aclimatar sangues inadaptáveis às condições do nosso país.

Eu, que tenho uma educação naturalista, porque cursei na Universidade varias cadeiras referentes a estas questões, estou disposto noutro local, que não êste, a fazer a demonstração da veracidade desta teoria. Se não fôsse assim, teríamos de negar toda a influência do meio sôbre os organismos vivos, o que reputo uma impossibilidade, na altura actual da sciência.

De maneira que devemos, de facto, realizar uma obra intensiva nesse campo, uma obra absolutamente portuguesa. Até aqui nós temos sofrido as consequências terríveis de nos afastarmos de quási todas as manifestações da nossa vitalidade como nação (Apoiados), das normas e dos elementos que a nacionalidade oferece para a sua própria reorganização.

Pareço que isso vai passando um pouco; os puros sangues foram abandonados. Aparecem, de quando em quando, requerimentos para importação de vários animais dessa espécie; julgo porém que não é para reprodução, mas para corridas de cavalos no Campo Grande.

Referiu-se V. Exa. ainda, e foi êsse o objectivo principal da sua interpelação, à importação de milho.

A êsse respeito cumpre-me concordar com V. Exa. quanto à impossibilidade que o Ministro da Agricultura tem hoje do conscientemente pôr o seu despacho autorizando ou não determinado pedido de importação.

A estatística cai Portugal é conjecturai; não temos elementos seguros para a elaborar, tendo-me, no emtanto, sido afirmado que a produção do ano passado foi de 394 milhões. Eu sei a maneira como êstes números são encontrados; êles obedecem a um artifício habilidoso e inteligente, mas não assentam sôbre uma base matemática. E o que aconteceu.

Em determinada altura afluíram à instância competente, a Bolsa Agrícola, vários pedidos de importação.

A Bolsa fez uso da lei, e, pelas informações da estatística, fez uma chamada do produto nacional, chamada que não deu resultado.

O Sr. Domingos Lara (interrompendo): - Isso não se fez, Sr. Ministro. Em Coimbra foram os regedores que indicaram as quantidades de milho.

O Orador: - É o que êles classificam de chamada indirecta.

O assunto foi mandado ao Conselho do Comércio Agrícola. Êste debateu a questão, estando a agricultura representada, por um vogal, delegado da Associação Central de Agricultura, e por um delegado da Federação Agrícola, que, em última análise, deu o seu voto à importação de 20:000 toneladas do milho exótico, até 31 de Março.

Recordo-me de que o delegado da Associação de Agricultura, que assistiu à sessão, foi o Sr. Nunes Mexia, pessoa que marca uma situação proeminente na agricultura, não me lembrando do nome do outro delegado.

O parecer foi-me depois levado, e como sou de uma região produtora de trigo, embora não seja produtor, lavrei um despacho em que não concordava com o douto parecer.

De maneira que V. Exa. pode estar tranquilo, porque a importação foi sustada por mim. E foi sustada porquê? Porque sei que em Portugal tem aumentado a produção de milho.

E tenho a certeza de que a produção do milho tem aumentado - porquê?

Porque a actividade agrícola de regiões do norte, principalmente do Minho e da Beira, é absolutamente notável na chamada cultura intensiva das suas terras. Ali tira-se tudo quanto a terra pode dar.

A terra nunca está, sem produzir. O grande anseio de todos é aumentar a produção.

Também sei que o Ribatejo tem produzido agora mais milho que nalguns anos atrás.

Por experiências fritas na estação agrária de Vale de Figueira provou se que ali não se aproveitava a água para culturas regadas. Hoje, com excepção de pequenos terrenos, todo o resto do Ribatejo é exclusivamente cultivado em culturas de sementeira, quando está verificado que, se

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transformássemos essa cultura, obteríamos de uma só vez uma decuplicação de produção.

Tenho informações de que nos últimos anos se têm feito grandes culturas de milho.

Tenho a certeza de que a deminuição do consumo de milho para alimentação pública é um facto incontestável a reflectir-se no aumento extraordinário do consumo de trigo que temos de comprar.

Era corrente, há dez anos ainda, percorrer aldeias onde se não encontrava uma padaria, tendo de se ir à feira mais próxima para se comprar um pão; hoje não há aldeia que não tenha uma padaria com pão de trigo.

Colaborou o Estado neste acto irregular, porquanto a Manutenção Militar, em vez de distribuir às praças pão de milho, que as praças comiam com boa vontade, sem receios, visto que era o pão que comiam nas suas terras, a partir de certos anos para cá distribui em todo o país uma ração constituída exclusivamente por farinha de trigo. Isto, em minha opinião, não pode nem deve manter-se.

Apoiados.

A Manutenção Militar lançou-se na indústria da moagem, fora da sua esfera de acção militar, propriamente dita.

Apoiados.

Como a Manutenção Militar tinha ainda de fornecer de pão a tropa e serviços de assistência, como o soldado não pode recusar o que lhe dão porque incorre numa pena gravíssima e os albergados da Assistência têm de comer aquilo que lhes dão, arranjou, com diagramas convenientes só para ela, um certo pão de farinha de segunda; como, porém, êsse pão era impossível de comer mistura-lhe então um pouco de milho para dourar a pílula.

Devo dizer que, neste momento, estou empenhado em que isso acabe.

Tudo isto, creiam V. Exas., são causas da deminuição do consumo.

Bastos elementos de prova tenho colhido quanto ao aumento de produção do milho.

Como a cultura do milho exige certos cuidados, no meu Ministério não se tem descurado o assunto, e assim, nesse sentido, têm-se feito estudos interessantíssimos.

Dos relatórios, um que já está concluído e vai ser publicado dentro de pouco tempo, é um largo trabalho ilustrado com todos os diagramas e que diz respeito à cultura regada do milho. Ao lado dêste estudo, essencialmente agronómico, foi. estudada a irrigação de toda a margem direita do Tejo, entre Santarém e Vila Franca. Êsse projecto está concluído, tendo sido feito por um engenheiro inglês que o Ministério da Agricultura trouxe a Portugal.

O Sr. Aboim Inglês: - V. Exa. podia explicar-me por que foram buscar um técnico inglês, havendo técnicos portugueses capazes de fazer êsse estudo?

O Orador: - Foi buscar se um técnica à Inglaterra porque temos em Portugal engenheiros civis capazes de concluir um plano de irrigação naquilo que diz respeito ao delineamento material, segurança dos canais e das comportas, etc., mas não temos em Portugal nenhum engenheiro civil que seja capaz de juntar a êsses conhecimentos os conhecimentos de ordem agronómica que são necessários para bem averiguar da complexidade do problema.

O Sr. Aboim Inglês: - Sinto-me vexado por se ter ido buscar um técnico inglês, que afinal só veio provar que os técnicos portugueses tinham toda a razão.

O Orador: - Não fez só isso!

Achou bem o delineamento do sistema de distribuição das águas, mas tem de-fazer o estudo do roídement das águas para cada cultura, o que não podia ser feito pela engenharia civil portuguesa; Essa parte do estudo a fazer só poderia ser tratada por engenheiros agrónomos, e ninguém do respectivo corpo técnico do Ministério da Agricultura se considerou vexado com a vinda do técnico inglês.

No Ministério da Agricultura está pronto o plano de irrigação da margem direita do Tejo. Uma vez pôsto em execução, estou certo de que os resultados levarão os portugueses a novos empreendimentos que farão com que resolvamos o nosso problema agrário.

A despesa não é muita.

Pela estimativa feita dessas obras verifica-se que a cifra precisa não vai além de uns 19:000 a 20:000 contos. Estou,

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convencido de que se víssemos as cousas bem não haveria hesitação em permitir que fôsse aberto um crédito dessa importância para a execução dum tal melhoramento.

As vantagens obtíveis tornariam fácil o pagamento dêsse crédito em muito pouco tempo.

E porque se não faz isso? Não se faz porque em Portugal encara-se mal o problema económico.

Apoiados.

Andamos atrás duma miragem, que outra cousa não é o equilíbrio orçamental. Era necessário ir-se ao âmago da questão, tomando soluções no campo económico capazes de nos darem a solução do problema. Não posso admitir, como Ministro da Agricultura, que o país viva na situação em que vive.

É necessário reparar que a estimativa a que me referi dá uma quantia menor do que custa a manutenção dum batalhão da guarda republicana.

Também politicamente deveríamos olhar para esta questão. E que, uma vez conseguido um relativo desafogo económico, teríamos em Portugal consolidada a ordem.

O país, debatendo-se na miséria, não pode dar condições de segurança no campo da ordem pública. Há muito que está verificado pela filosofia popular que "casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão".

A interpelação feita pelo Sr. Lara foi muito brilhante, visto que S. Exa. tratou com larga cópia de conhecimentos o assunto que versou. Agradeço-a, porque ela veio dar-me oportunidade para eu também mo pronunciar sôbre um assunto cuja importância é demais reconhecida.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Guilhermino Nunes: - Em nome da comissão do Regimento peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se ela consente em que a comissão do Regimento reúna durante os trabalhos parlamentares.

Foi autorizado.

O Sr. Agatão Lança: - Comunico à Câmara que se acha instalada a comissão de marinha, tendo sido escolhido para presidente o Sr. Filemon de Almeida e para secretário a minha pessoa.

Aproveito o ensejo para pedir a V. Exa. que ordeno as devidas providencias no sentido de ser fornecido à comissão do marinha o Diário do Govêrno, pois dele necessita para compulsar as leis publicadas pelo Govêrno anterior, cuja apreciação foi submetida à comissão de marinha, para dar parecer.

São feitas as seguintes comunicações de constituição de comissões:

Finanças:

Presidente, o Sr. Daniel Rodrigues. Secretário, o Sr. Lourenço Correia Gomes.

Para a Secretaria.

Marinha:

Presidente, o Sr. Filemon Duarte de Almeida.

Secretário, o Sr. Armando Agatão Lança.

Para a Secretaria.

Caminhos de ferro: Presidente, o Sr. Tomé José de Barros Queiroz.

Secretário, o Sr. Luís da Costa Amorim.

Para a Secretaria.

Regimento:

Presidente, o Sr. João Camoesas.
Secretário, o Sr. Guilhermino Nunes.

Para a Secretaria.

O Sr. Raimundo Alves: - Requeiro a generalização da discussão do assunto a que se referiu o Sr. Domingos Lara na sua interpelação.

Foi rejeitado.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Envio para a Mesa uma proposta renovando a iniciativa duma proposta de lei apresentada em tempo a esta casa do Parlamento, e referente a assuntos de ordem internacional.

Requeiro a urgência e dispensa do Regimento.

foi aprovada a urgência e a dispensa do Regimento para a seguinte renovação de iniciativa:

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 857-B, a qual já tem o parecer

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n.° 896. - O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Vasco Borges.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se.

Foi lida na Mesa e posta à discussão a proposta com o parecer n° 890, que autoriza o Govêrno a aderir à Convenção relativa á organização do Estatuto de Tânger.

O Sr. Presidente: - Como ninguém peça a palavra vai votar-se.

Seguidamente foi votada a proposta na generalidade e na especialidade.

O Sr. Presidente: - Vão entrar em discussão as alterações introduzidas pelo Senado na projecto de lei n.° 878, da Câmara dos Deputados.

Foram lidas na Mesa.

Foram aprovadas.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre só permite a dispensa da última redacção para a minha proposta do lei que acaba do ser aprovada.

É aprovada.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão as alterações vindas do Senado, que já foram lidas na Mesa.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: da rápida leitura que ouvi fazer na Mesa, o do que pude apreender, vejo que só trata do seguinte: duma proposta de emenda do Senado a um projecto de lei votado pela Câmara dos Deputados e a ela apresentado pelo Sr. João Camoesas.

Êsse projecto de lei visava, pelo que se dizia nos considerandos do seu relatório, a reparar uma injustiça havida com determinados sargentos dos serviços de administração militar, do quadro do picadores o dos quadros dos serviços de saúde o farmacêuticos. Creio piamente que foram razões de justiça, e só essas, que levaram o apresentante a trazer à Câmara êste projecto, esta a dar-lho a sua aprovação e o Senado a introduzir-lhe as emendas que a Câmara está a apreciar. Não posso, porém, certificar-me de momento dessa justiça, e, para não ter de negar o meu. voto à emenda, alvitrava, a bem dos trabalhos parlamentares, que a proposta baixasse à comissão de guerra, para ela dar o sou parecer, embora em breve espaço de tempo, e assim a Câmara tomar conhecimento inteiro do assunto.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não há mais ninguém inscrito.

Vai votar-se a proposta do Sr. Manuel José da Silva.

Posta à votação, é aprovada a seguinte proposta:

Proponho que a proposta em discussão baixo à comissão de guerra para que ela se pronuncio sôbre a sua doutrina. - Manuel José da Silva.

O Sr. Presidente: - Como não há mais assuntos na ordem do dia, vou dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram para

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Filomeno da Câmara: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra antes da ordem do dia, mas o Regimento opôs-se a que eu pudesse usar dela por já ter chegado a hora do só entrar nos trabalhos da ordem do dia. Foi por êsse motivo que a pedi para antes de se encerrar a sessão.

Desejava pedir ao Sr. Ministro das Colónias que, do qualquer forma, viesse informar a Câmara do que se está passando na província do Moçambique.

Constou-me hoje que um alto funcionário do Lourenço Marques foi vitima do um atentado. Não pude sabor as razões nem as circunstâncias dele, mas parece que foi um atentado à bomba, de que resultou a sua morte.

Disse outro dia ao Sr. Ministro das Colónias que o desejava ver à frente do seu Ministério cheio do coragem mas menos confiante.

S. Exa. manteve-se, porém, no seu optimismo, e os factos parece que não lhe dão razão. E de lastimar tal atitude, ou que, se S. Exas. tem motivos para estar tranquilo, os não venha dizer à Câmara.

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Com estas palavras não quero de maneira alguma perturbar a vida do Govêrno nora a do Sr. Ministro das Colónias, declarando que pessoalmente confio na sua pessoa para ver bom resolvido para o país êste assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: desejo saber o que é que está em discussão.

O Sr. Presidente: - Estamos no período de antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Então não há mais nada que discutir na ordem do dia!? Está bem.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: desejava que o Sr. Presidente do Ministério fizesse o favor do me informar e à Câmara sôbre o seguinte: Aquando é que o Govêrno pensa ter alguma idea?

Falta uma hora para acabar a sessão e hoje, como nas sessões anteriores, a Câmara não se ocupa de assuntos de interêsse nacional, porque o Govêrno não lho traz nenhuma proposta para discutir.

Apoiados.

As palavras do Sr. Filomeno da Câmara, revelando mais uma vez a gravidade da situação das colónias, são a maior condenação do Govêrno, que, sabedor dos perigos que cercam a nossa soberania no ultramar, sabedor da situação financeira angustiosa que as colónias atravessam, ainda não trouxe aqui qualquer proposta, nina palavra sequer.

Sob o ponto de vista financeiro, apenas duas propostas o Govêrno aqui trouxe: a de duodécimos (que o Sr. Ministro das Finanças declarou não ser da sua autoria) e a relativa ao Orçamento, que, pelos números publicados nas contas da gerência e no Diário do Govêrno, relativas aos primeiros cinco meses, representa uma verdadeira mistificação.

E vem o Govêrno pedir um crédito de 18:000 contos para a província do Moçambique no momento grave que o país atravessa.

Eis a acção do Govêrno!

Que direito tem êle de continuar naquelas cadeiras? Nenhum; a sua situação é verdadeiramente insustentável nesta Câmara. Senão, vejamos.

O Sr. Domingos Pereira apresentou na sessão de sexta feira passada uma moção que ora de confiança ou louvor à obra de seis Ministros do seu Gabinete, que pertencem igualmente ao Govêrno actual.

A Câmara rejeitou essa moção. Êsses seis Ministros ficaram, portanto, em choque, mas o Govêrno ainda pensa em manter-se.

Pregunto se o Sr. Presidente de Ministério, que, a três meses da solução da questão dos tabacos, ainda não teve uma proposta para aqui trazer, se julga competente para continuar à frente da governação do país.

Talvez o acordo manifesto que existe entre a minoria nacionalista e a maioria governamental se a do molde a permitir a continuação de um Govêrno que só atende às mesquinhas cousas da política republicana, sem se importar com os interêsses do país.

Nós, dêste lado da Câmara, não estamos dispostos a entrar em quaisquer combinações ou acordos.

Favor será que o Sr. Presidente do Ministério diga ao país qual o dia em que, excepcionalmente, o Govêrno tem uma idea sôbre qualquer assunto de administração pública.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Então o Sr. Presidente do Ministério não responde nada? Vejam quando é que houve um Govêrno que procedesse assim!

Vozes: - O Sr. Presidente do Ministério já pediu a palavra.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Pedia a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de mo informar quais são as propostas governamentais que estão na Mesa para serem submetidas à discussão da Câmara.

O Sr. Presidente: - Essas propostas não são presentes à Mesa para aqui ficarem; vão para as comissões.

O Orador: - Mas quais são as já enviadas às comissões?

Pausa.

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O Orador: - Ah! V. Exa. também não tem ídeas?

O Sr. Presidente: - Eu julgo não ter compreendido bom a pregunta do V. Exa.

O Orador: - Se há algumas propostas governamentais que tenham ido para as comissões?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.

O Orador: - ... a proposta que pode 18:000 contos, a dos duodécimos, a do Orçamento, que é uma mistificação...

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: já é velha praxe do ilustre parlamentar e meu amigo Sr. Carvalho da Silva dizer que os Governos republicanos não têm ideas e especialmente aqueles a que ou presida.

Eu nem mesmo excepcionalmente terei uma idea que contente S. Exa.

Em todo o caso direi a S. Exa. que terá ocasião de examinar aã propostas que já estão pendentes das comissões e outras que o Govêrno, oportunamente, apresentará à Câmara.

V. Exa. já deve ter conhecimento, porque isso ô do domínio público, de que o meu colega das Finanças trará aqui em breve a proposta sôbre o regime dos Tabacos, de harmonia com o que a êsse respeito se dizia na declaração ministerial.

E espero que V. Exa. não só aprecie, como até colabore connosco, com a sua muita competência, no estudo dessas propostas, como aliás já tem feito.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: como está presente o Sr. Presidente do Ministério, permita-me V. Exa. que eu diga que me parecia razoável que S. Exa., que ouviu certamente há pouco as considerações produzidas pelo Sr. Filomeno da Câmara, a respeito de acontecimentos, de certo modo importantes, que se passam em Moçambique, dêsse à Câmara quaisquer esclarecimentos sôbre o assunto, porque, de facto, pela maneira como o Sr. Filomeno da Câmara pôs a questão, nós devemos ficar em sobressalto.

Apesar do não estar presente o Sr. Ministro da Instrução, eu mando para a Mesa um projecto de lei referente às professoras diplomadas pelas escolas normais superiores.

Sabem V. Exas. que o Estado contraiu para com elas determinadas responsabilidades, mas que está faltando àquilo a que se comprometeu.

O meu projecto do lei procura obviar, um tanto, a isso; e, assim, eu diligenciarei que esta Câmara vote no sentido de se permitir a essas professoras que leccionem nos liceus que tenham frequência mixta.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Não ouvi, há pouco, o Sr. Filomeno da Câmara nas considerações que fez, relativas ao primeiro assunto a que agora só referiu o Sr. Alberto Jordão, porque, de contrário, teria respondido a S. Exa.

Não tenho conhecimento dos factos apontados; porém, vou informar-me, e tenho a certeza do que o Sr. Ministro das Colónias amanhã aqui virá comunicar à primara tudo o que souber sôbre o assunto.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - A situação das colónias está-se tornando de tal maneira grave, que eu peço a V. Exa. que não se preocupe só com partidarismos, porque as colónias são pertença da nação e não do Partido Democrático.

Apoiados.

Apelo para o espírito patriótico de V. Exa., para que se esqueça de que tem lá partidários, e que se êles estão prejudicando a nação pelos seus atentados, tornando assim impossível uma futura acção profícua, V. Exa. os deve demitir ou pelo menos chamar à metrópole, a fim de lhes tomar conta dos seus actos.

O Sr. Filomeno da Câmara (interrompendo): - Agradeço as explicações que V. Exa. me deu, e julgo V. Exa. incapaz de faltar aos seus compromissos.

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Moçambique e Angola estão, positivamente, em má situarão.

Eu não quero criar dificuldades ao Govêrno, e, se me referi ao assunto, é porque, realmente, êle me preocupa bastante.

Eu queria que, num caso dêstes, V. Exa. as estivessem como ou cheio de ansiedade o do terror.

O Orador: - Eu tenho muita estima, o consideração pelo Alto Comissário de Moçambique, mas, se de não cumprir o sou dever ou só eu julgar insustentável a sua situação naquela colónia, não anteporei qualquer partidarismo aos interêsses nacionais.

Todos que mo conhecem sabem, bem que sou incapaz de, por qualquer motivo do ordem partidária, sacrificar os interêsses do país.

Acima de indo devemos unir-nos como portugueses para manter o nosso património nacional e resolver os problemas que com êle se relacionam.

Infelizmente Ossos problemas não se resolvem do um momento para o outro, mas a ninguém dou o direito de dizer que êste Govêrno se não tem interessado pelo assunto.

Em quási todos os Conselhos do Ministros a questão tem sido tratada. Já fizemos as preguntas necessárias, recebemos respostas que nos satisfizeram em parte, interrogámos de novo e aguardamos segundas respostas que devem chegar muito em breve.

Como V. Exas. compreendera, o Tesouro da metrópole não pode continuar a subvencionar como até aqui as colónias. Tem do só procurar tuna fórmula diferente das anteriores, que o Govêrno está estudando o que brevemente trará à consideração da Câmara.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - O Parlamento votou aqui 2.000:000 de libras para pagar o resultado do uma obra administrativa que ou condenei, o apesar disso os 2.000:000 do libras foram insuficientes, continuando essa obra a pesar terrivelmente sôbre os destinos do Angola.

E absolutamente necessário que questões desta natureza só tratem do alto, não atendendo às pessoas que as levantam, mas às ideas que sejam trazidas ao debate

O Orador: - Não há nenhum espírito partidário que me impeça de cumprir o meu dever.

Se eu peço a colaboração do todos, é porque entendo que não há nenhum português que não envido os seus esfôrços para se chegar a um bom resultado.

Se o Poder Legislativo e o Poder Executivo não se unirem para essa obra, nada conseguirá fazer-se.

Assim deve dizer a V. Exa. que, se fôr necessário modificar a legislação vigente, não torci dúvida alguma em trazer o assunto ao Parlamento para êle o apreciar devidamente, para o que a Câmara poderá, só assim o entender, pedir a generalização do debato, a fim do que todos possam entrar nêle e o assunto possa ser resolvido como é mester.

São estes os propósitos do Govêrno.

O Sr. Amâncio ds Alpoim (interrompendo): - Eu parto do princípio de que V. Exa. falando dessa forma não tenciona trazer ao Parlamento nenhum projecto do lei sôbre o assunto.

O Orador: - Eu não falei em trazer ao Parlamento nenhum projecto de lei sôbre o assunto; o que disso, e nisso vou mais longe, ô que, se s(c) reconhecer a necessidade de modificar a legislação vigente, não terei dúvidas em trazer o assunto ao Parlamento, no qual poderá ser generalizado sem a apresentação do qualquer proposta ou projecto de lei.

Foi isto o que disse o afirmo, pois a verdade é que o Govêrno o que deseja é que o assunto seja resolvido completamente e de harmonia com os interôsses do Estado.

Nesta altura travou-se um diálogo entra o orador e o Sr. Filomeno da Câmara, que se neto ouviu.

O Govêrno está no propósito, repito, do trazer o assunto ao Parlamento para êle o ponderar unicamente, modificando a legislação actual, se o julgar conveniente.

O orador não reviu.

O Sr. Dagoberto Guedes: - Sr. Presidente: vou tratar de um assunto que reputo de graúdo interêsse para a economia nacional, digno da atenção da Câmara.

Tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia, mas como o Sr. Carvalho

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Da Silva absorve todo o tempo disponível para repetir os seus requentados discursos políticos. - e ainda nojo pronunciou um bem extenso, tendo pedido a palavra sôbre a acta, atropelando assim o Regimento -, não me foi possível usar da palavra. Por isso, mo inscrevi para autos do só encerrar a sessão, porque é urgente o problema a que me vou referir, interessando vivamente a vinicultura nacional. Porque o assunto corre pela pasta da Agricultura, chamo a atenção do Sr. Tôrres Clareia para as minhas considerações.

Chegou ao meu conhecimento que alguns industriais do norte do para estão fabricando álcool pela destilação de melaço, com o objectivo de empregá-lo na beneficiação do vinho do Pôrto. A ser exacto êste facto, êle significa o desrespeito que certos indivíduos ou determinadas entidades têm pela lei, apenas com a preocupação criminosa de realizar lucros ilícitos e excessivos, com manifesto prejuízo da economia geral do país e do bom crédito do vinho do Pôrto.

Consta-me até que se tem importado grande quantidade de melaço para êsse fim industrial.

Como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, está legislada o regulamentada pelo Ministério da Agricultura a fabricação do álcool e aguardente. Existem ainda em vigor o Regulamento do imposto de produção de álcoois o aguardentes de 12 de Maio de 1892, assinado por Dias Ferreira e Oliveira Martins, o decreto de 14 de Julho de 1901 e o Regulamento para o comércio de aguardentes e álcoois de 27 de Novembro de 1908. Por êstes regulamentos, e ainda por outra legislação posterior, se determinam os termos em que se devem fabricar os álcoois e aguardentes, as suas aplicações e como se deve fazer a fiscalização. Pela legislação vigente está determinado que para a alcoolização e fabrico do vinho do Pôrto se deve empregar exclusivamente a aguardente de vinho.

O vinho do Pôrto fabricado com aguardente obtida pela destilação de melaço, de figo, de cereais ou de outras matérias primas, é altamente prejudicado nas suas propriedades, eterificação e perfume, o que consequentemente determina a sua depreciação e descrédito.

Apenas êsses fabricantes, pouco escrupulosos, obterão lucros enormes, excessivos, era detrimento da economia do país o do bom nome do vinho do Pôrto, de prestigio universal.

Peço ao Sr. Ministro da Agricultura a sua atenção por êste assunto, certo do que S. Exa. mandará fiscalizar rigorosamente, e de uma forma electiva, essas fábricas que estão fabricando clandestinamente álcool ou melaço, para depois ser aplicado na fabricação do vinho do Pôrto.

E não só no norte só está fabricando álcool pela destilação de melaço, também no sul me consta que se está fabricando aguardente pela distilação do figo, também para e mesmo fim.

Existem mesmo, segundo sou informado, alguns industriais de nacionalidade estrangeira que fabricam álcool vínico, ludibriando a lei, com o fim evidente de obter grandes lucros.

A lei não proíbe, Sr. Presidente, a fabricação dêsses álcoois, para fins industriais e para outros usos, mas não é permitido o seu emprego na preparação do vinho do Pôrto.

A fabricação do álcool de melaço e do matérias primas com o intuito de ser empregado na alcoolização do vinho do Pôrto, obedece apenas a interêsses pessoais mesquinhos e à insaciável ambição de certos industriais gananciosos.

E um desrespeito pela lei, com manifesto prejuízo da economia nacional, por parto do pessoas sem escrúpulos que fraudulentamente realizam lucros fabulosos.

Como o Sr. Ministro da Agricultura não ignora - pois tem acompanhado com a maior declinação republicana as diversas fases da crise económica do nosso país após a guerra - há criaturas ou entidades que, mercê duma fraca fiscalização no cumprimento das leis, de imprevidência governativa ou de omissões nos textos legais, à sombra de tais situações conseguem realizar óptimos negócios, ganhando mais do que legitimamente deviam ganhar, concorrendo assim para o desiquílibrio económico da nação. Comtudo, não vem patrioticamente confessar aos poderes públicos os lucros ilegítimos ou excessivos, para que se providencie devidamente, evitando-se êsses erros. Calam-se, enriquecem e, se reconhecem intimamente essa verdade, não manifestam que

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foi devido a tais circunstâncias que puderam realizar rápidas fortunas,

Mas, pelo contrário quando uma loi é votada, ou se é tomada qualquer providência governativa no sentido de só pedir a essas criaturas ou a essas entidades uma maior contribuição directa ou indirectamente, para os cofres do Estado, são essas entidades que tam ràpidamente enriqueceram, aos que mais violentamente surgem a protestar contra tais disposições legais o acusam o Parlamento, os Governos e os estadistas da República de incompetentes!

É necessário, Sr. Presidente, não haver complacência com tais indivíduos o com tais entidades, evitando-se por uma fiscalização rigorosa falsificações e fraudes.

Confio em que o Sr. Ministro dá Agricultura determinará uma fiscalização às fabricas onde se produz o álcool do melaço ou outras matérias primas, feita por funcionários honestos e competentes, zelosos cumpridores do seu dever, com a consciência de que, evitando o ludíbrio à lei, não permitem a fraude que venho a apontar o que, repito, se por um lado prejudica os interêsses vitais do país e do Estado, por outro concorre para o descrédito dos vinhos do Pôrto, do fama secular e mundial.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: idênticas reclamações às que acaba de apresentar o ilustre Deputado a quem respondo já foram postas no Ministério da Agricultura por interessados legitimamente no assunto.

Não há dúvida do que está tomando grande desenvolvimento o fabrico do álcool que não é o vínico.

Segundo se afirma, está sendo feito em larga escala o fabrico do álcool extraído do figo.

Indicam-se até as regiões em que êsse fabrico se faz.

Há também indicações de que se faz a extração de álcool de cereais e de melaço.

Não tive até à data conhecimento exacto dos locais em que se faz a destilação de melaço, mas tenho notícia circunstanciada do que se passa com respeito ao fabrico de aguardente de figo e de cereais.

A medida tomada, numa época ainda relativamente recente, foi a de uma visita por parte da fiscalização, aos locais dêsse fabrico.

Foi encontrada, de facto, uma grande quantidade dessa aguardente, mas como catavam nas fábricas não houve maneira do intervir legalmente, porque a lei referente ao caso, que é de 1892, autoriza êsse fabrico sob a condição de o produto só poder sair das fábricas depois de ser desnaturado.

Ora como a lei não é expressa relativamente à obrigatoriedade de essa desnaturação se fazer logo a seguir ao fabrico, não havia meio de intervir.

Tomaram-se, porém, medidas para evitar fraudes.

Assim é que, havendo notícia de que êsse álcool se destinava ao tratamento dos vinhos do Douro, determinou-se que em Gaia se exercesse uma rigorosa fiscalização sôbre as aguardentes que entrassem nessa região, visto que tais vinhos não podem ser tratados com outro álcool que não seja o vínico.

Trocam-se explicações entre o orador e o Sr. Deputado a quem o Sr. Ministro respondia.

O Si. Dagoberto Guedes: - Isso seria verdade, se realmente fôsse feito pelos lavradores.

Mas V. Exa. sabe que se há industriais que são escrupulosos, há outros que o não são.

O Orador: - Vou novamente tomar as medidas convenientes para que as reclamações que V. Exa. apresentou sejam satisfeitas, pois V. Exa. está dentro do ponto de vista legal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Francisco Cruz. - Sr. Presidente: começo por declarar à Câmara o ao país que mo sinto vexado, quási, de continuamente estar a pedir providencias contra o lamentoso estado em que se encontram as estradas de Portugal.

Mas, tendo eu lido há dias a notícia de que o Govêrno da Presidência do Sr. António Maria da Silva, homem que realmente aos assuntos de fomento tem dedicado parte da sua actividade política, ia

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estudar a forma de resolver o assunto, quero pedir ao Sr. Presidente do Ministério que não descuro êsse problema, porque do meu círculo recebo a cada passo reclamações, que são gritos de alma de quem quere viver e não pode, contra o estado desgraçado das estradas daquele círculo, que é de tal ordem que não permite o trânsito e ligação para os concelhos vizinhos.

E isto, que se dá no meu círculo, sucede em muitos mais, para não dizer em quási todos os pontos do país.

Isto não pode continuar para honra da República.

Apoiados.

Peço, por isso, a atenção patriótica do Sr. Presidente do Ministério, a fim de que S. Exa. junto do Ministro das Finanças muito especialmente, visto que o Sr. Ministro do Comércio não pode realizar se não lhe derem dinheiro, tome providências, porque senão a riqueza pública não se criará, a matéria colectável desaparecerá e não se pode assim governar o país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: o ilustre parlamentar e meu velho amigo, Sr. Francisco Cruz chamou a minha atenção para o problema das estradas. S. Exa. sabe que a legislação vigente, no que diz respeito até a construção, é da minha autoria.

Infelizmente os que me seguiram na pasta do fomento não respeitaram essa legislação.

O Sr. Francisco Cruz: - Eu costumo fazer sempre justiça aos homens, ainda mesmo quando meus adversários políticos.

O Orador: - A culpa não está muitas vezes na existência de uma má lei; provem da sua má execução, em certos casos.

Mas, apresentando o Govêrno uma proposta sôbre o assunto, o Parlamento terá de resolver.

É êste o intuito do Govêrno, que continuará a merecer a confiança do meu partido, pelo menos, até prova em contrário.

Pelas pastas do Comércio e das Finanças estudar-se-há convenientemente o problema e conto trazer em breve à Câmara, como já disse, uma proposta que resolva o assunto, com honra para o Parlamento, para o regime e para nós. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Parecer n.° 433, que permite fazerem exames finais aos alunos matriculados condicionalmente em qualquer curso superior.

Parecer n.° 758, que regula as avenças do sêlo da assistência pública.

Parecer n.° 566, que reintegra no exército o primeiro sargento de infantaria Marcelino António Gorgulho.

Parecer n.° 905, que autoriza o Govêrno a mandar imprimir uma sobretaxa no valor de selos comemorativos do 4.° centenário da descoberta do caminho marítimo para a India.

Parecer n.° 920, que regula o tempo de serviço efectivo exigido para a promoção dos oficiais do exército.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Adriano Pimenta, considerando, para todos os efeitos, empregados das secretarias das administrações dos concelhos os oficiais de diligências das mesmas administrações.

Para o "Diário do Governo".

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 893-J, que já tem o parecer n.° 937.

Sala das Sessões, 20 de Janeiro de 1926. - João E. Águas.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de finanças.

Pareceres

Da comissão de guerra, sôbre a petição do tenente médico miliciano Gaspar Santos para ser colocado no quadro especial dos módicos milicianos.

Para a comissão de petições.

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Da mesma sôbre o requerimento de Alberto Augusto do Araújo, primeiro sargento artífice, para ser considerado ao abrigo da lei n.º 1:158.

Para a comissão de petições.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me seja fornecida, com a urgência possível, nota de toda a receita proveniente da aplicação da lei n.° 1:363, de 13 de Setembro de 1922. - Alberto Jordão.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, seja enviada urgentemente à comissão do orçamento, cópia da sentença ou comunicação judicial respeitante à indemnização fixada para os proprietários da Granja do Marquês (Sintra).

Sala das Sessões, 20 de Janeiro de 1925. Pela comissão do orçamento, Henrique Pires Monteiro.

Expeça-se.

Requeiro que a petição de Maria Felicidade da Silva Branco, empregada na Junta do Crédito Público, que se acha arquivada, seja enviada à comissão de petições,

Sala das Sessões, 20 de Janeiro de 1926. - Francisco Godinho Cabral.

Junte-se ao requerimento e envie-se à comissão de petições.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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