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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 49

EM 10 DE MARÇO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Daniel José Rodrigues

Secretários os Exmos Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Abre a sessão com a presença de 50 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia - O Sr. Alberto Vidal requere que se discuta o parecer n.° 82, referente à taxa aplicada ao pessoal assalariado. O requerimento é aprovado, mas aguardando-se a presença do Sr. Ministro das Finanças, requerida pelo Sr. Marques Loureiro.

O Sr. Sousa Brasão produz considerações sôbre a exportação de géneros de produção insular, respondendo o Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia).

O Sr. Abreu Lima pede autorização para que a comissão de pescarias reúna durante a sessão.

Continua a discutir-se o parecer n.º 82, usando da palavra o Sr. Carvalho da Silva. O debate fica pendente.

Sôbre a acta o Sr. Santana Marques manda para a Mesa uma declaração de voto.

É concedida a palavra ao Sr. Cunha Leal para fazer a comunicação de se ter constituído o Partido da União Liberal Republicana, mandando para a Mesa uma declaração de voto.

Sôbre o incidente usam da palavra sucessivamente os Srs. Paiva Gomes, Moura Pinto, Manuel José da Silva, Pedro Pita, José Dominques dos Santos, Amando de Alpoim, Carvalho da Silva, Lino Neto, Eduardo de Oliveira e Presidente do Ministério (António Maria da Silva).

Volta a falar o Sr. Cunha Leal.

São autorizadas as comissões de Orçamento e de Legislação Criminal a reunir no dia seguinte durante a sessão.

Ordem do dia. - Continua a interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro sôbre as pautas aduaneiras.

Usam da palavra os Srs. Alberto Dinis da Fonseca e Rosado da Fonseca, ficando êste com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Alfredo Nordeste pede a comparência do Sr. Presidente do Ministério na sessão imediata, antes da ordem do dia.

Encerra-se a sessão, marcando-se outra para o dia seguinte à hora regimental.

Documentos mandados pêra a Mesa durante a sessão. - Última redacção Proposta de lei. Pareceres. Declaração de voto. Nota de interpelação. Requerimentos.

Abertura da sessão, às 15 horas e 16 minutos.

Presentes à chamada, 50 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 72 Srs. Deputados.

Responderam à chamada os Srs.:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António Alves Calem Júnior.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António de Paiva Gomes.

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Artur Brandão.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Fuseta.
Carlos de Moura Carvalho.
Dagoberto Augusto Guedes.
Daniel José Rodrigues.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Guilherme Alves Nunes.
Henrique Pereira de Oliveira.
João Baptista da Silva.
João da Cruz Filipe.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Carlos Trilho.
José Domingues dos Santos.
José Maria Alvarez.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre.
Mariano Rocha Felgueiras.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Severino Sant'Ana Marques.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abel Teixeira Pinto.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pedro Guisado.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Amâncio de Alpoim.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Ginestal Machado.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Augusto Reis Cosia.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Cruz.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Raimundo Alves.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Nunes Mexia.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Rosado da Fonseca.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano de Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.

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Raul Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
António Araújo Mimoso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Lopes de Castro.
Domingos António de Lara.
Domingos Leite Pereira.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jaime António Palma Mira.
João Lopes Soares.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Vale de Matos Cid.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Raul Marques Caldeira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 50 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Representação

Da comissão de retalhistas e revendedores de tabacos de Lisboa, para que na lei a ser aprovada fiquem exarados os descontos e bónus que indica.

Para a comissão de comércio e indústria.

Requerimento

Do capitão reformado Estêvão Rodrigues da Piedade, requerendo a medalha militar de prata, por bons serviços.

Para a comissão de colónias.

Ofícios

Do Tribunal do 2.° Distrito Criminal de Lisboa, solicitando autorização para ser inquirido como testemunha num processo-crime o Sr. Joaquim Ribeiro.

Peça se informação do processo-crime a que se refere êste ofício.

Do Ministério da Justiça, satisfazendo ao pedido no ofício n.° 430 para o Sr. Alfredo da Cruz Nordeste.

Para a Secretaria.

Telegramas

Do comércio de Bragança, pedindo para lhe serem deduzidos 40 por cento do imposto de transacção, visto a situação aflitiva por que está passando

Para a Secretaria.

Do presidente das comissões políticas que promoveram a eleição do Sr. Nuno Simões, comunicando terem-lhe pedido para desistir do seu pedido de renúncia.

Para a Secretaria.

Da Câmaras Municipais de S. Vicente e Machico, pedindo para ser aprovado o projecto de lei introduzindo modificações no regime do imposto de produção de aguardente.

Para a Secretaria.

Do pessoal dos fósforos do Pôrto, pedindo protecção, para minorar a situação

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com o encerramento das fábricas há vinte dias.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Alberto Vidal: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, para que submeta à consideração da Câmara, na ocasião que julgar oportuna, o seguinte requerimento:

"Requeiro que na primeira parte da ordem do dia, com prejuízo do qualquer outro projecto, se discuta o parecer n.° 82 que visa a acabar com uma grande injustiça que está sofrendo a classe dos trabalhadores assalariados, que devem ser isentos, pela lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, do pagamento da taxa anual.

Trata-se, pois, de corrigir uma interpretação da lei, ou seja de uma disposição do carácter interpretativo.

Êste projecto tem já parecer favorável de todas as comissões, e por isso peço a V. Exa. que na altura oportuna submeta o meu requerimento à votação da Câmara".

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovado o requerimento apresentado pelo Sr. Alberto Vidal.

Parecer n.° 82

Senhores Deputados. - O projecto do lei n.° G-AA é a renovação do n.° 896-G da anterior legislatura e da autoria do Sr. Alberto Ferreira Vidal. Visava êle a atender apenas os tripulantes de fragatas ou pequenas embarcações que se empreguem exclusivamente no tráfego local ou na cabotagem; porém as dúvidas que se têm levantado na execução do artigo 13.° da lei n.° 1:368, de 21 do Setembro de 1922, quando se trata de pessoal operário, levaram a comissão de finanças, no seu parecer n.° 936, do Abril de 1926, a substituí-lo por um contra projecto de lei, no qual se enumeravam os empregados que seriam considerados indicadores para a determinação da taxa anual da contribuição industrial.

Entendo também a vossa comissão de finanças que deve fazer substituir o projecto de lei n.° C-AA por um contra-projecto que resolva de vez as dúvidas, mas não pode concordar com o contra-projecto do citado parecer n.º 936, porque reduziria as receitas do Estado do uma maneira apreciável, pois não seriam indicadores para a incidência da taxa anual da contribuição industrial muitas daquelas, pessoas que, sendo empregadas no comércio, na indústria, nas profissões, artes e ofícios, não são operários e foram só êstes que o § 4.° do artigo 13.° da lei n.° 1:368 quis isentar.

As dúvidas resultam da própria lei por não ter definido com precisão o que deve entender-se por "pessoal operário", e ainda pela redacção do § 4.º do citado artigo 13.° quando diz: "não incido em caso algum sôbre o pessoal operário". Ora a taxa anual é uma das partes em que se divide a contribuição industrial e essa taxa incide sôbre as entidades sujeitas a essa contribuição e os operários estão isentos pelo n.° 6.° do artigo 11.º da citada lei n.° 1:368 quando trabalhem por conta do outrem. Resulta, pois, que a. redacção do citado § 4.º tem levado à interpretação de que todas as pessoas empregadas são indicadores para a aplicação da quantia fixa referida nas alíneas b) dos n.ºs 1.° a 3.° do artigo 13.° da lei n.º 1:368, quer êsses empregados sejam ou não operários.

Não é êsse o espírito da lei, porque a doutrina do § 4.° seria desnecessária, visto que os operários nas condições do artigo 13.°, isto é, por conta de outrem, já se encontravam isentos. Êste parágrafo teve em vista não serem os operários indicadores para a determinação da taxa anual, como aliás previu o § único do artigo 4.° do decreto n.° 8:465, de 4 de Novembro de 1922.

Nestes termos a vossa comissão de finanças é de parecer que o projecto de lei n.° 6-AA seja substituído pelo seguinte:

Artigo 1.° O § 4.° do artigo 13.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro do 1922, é substituído por:

§ 4.° O pessoal operário não é, em casa algum, indicador para a incidência da quantia fixa referida nas alíneas b) dos n.ºs 1.°, 2.° o 3.° dêste artigo: e conside-

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ra-se operário o pessoal das oficinas, dos transportes, das artes o dos ofícios quando receba a remuneração do seu trabalho por meio de salário diário.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da comissão de finanças, 25 do Fevereiro do 1926. - João Tamagnini (com declarações) - Manuel da Costa Dias - Amilcar Ramada Curto - Lourenço Correia Gomes - Carlos Soares Branco - Francisco Pinto da Cunha Leal (com declarações) - A. Paiva Gomes - Artur Carvalho da Silva (com declarações) -João da Cruz Filipe, relator.

Concordo. - 3 de Março de 1926. - Marques Guedes.

N.° 6-AA

Senhores Deputados. - Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 896-G, de 20 de Março de 1925, publicado no Diário do Govêrno n.° 68, de 23 de Março de 1923.

Em 14 de Fevereiro de 1926. - O Deputado, Marques Guedes.

Parecer n.° 936

Senhores Deputados. - A lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, pelo § 4.° do seu artigo 13.°, determina, quanto a taxa anual sôbre empregados, a que se referem as alíneas b) dos n.ºs 1.° a 3.° do referido artigo, que esta não incide, em caso algum, sôbre o pessoal operário.

Acontece, porém, que nas repartições competentes só tem entendido precisamente o contrário.

E assim as repartições de finanças dos concelhos e bairros, por virtude de instruções que lhes foram enviadas pelas repartições suas superiores, têm feito a aplicação da taxa anual à maior parte do pessoal operário, como sejam os oficiais de barbeiro, os tripulantes de barcos ao longo curso e mais ainda os de tráfego local e cabotagem costeira, os criados do cafés e os criados e moços de hotel, que nem assalariados da indústria são, porque não têm salários nem vencimentos, e muitos outros nas mesmas condições dos que ficam apontados.

Entende a vossa comissão de finanças que se tem saltado por cima da lei e abusado das suas precisas determinações, facto que se torna necessário evitar e impedir.

O projecto de lei n.° 896-G, da autoria do Sr. Alberto Ferreira Vidal, não tinha necessidade de ser apresentado se o abuso se não tivesse praticado.

As leis votadas pelo Parlamento são para serem cumpridas, mas infelizmente nem sempre assim tem acontecido.

Como o projecto de lei n.° 896-G visa apenas a atender uma classe, e se torna necessário firmar doutrina concreta e precisa, a vossa comissão de finanças entende que deve fazê-lo substituir por um contraprojecto de lei, assim redigido:

Artigo 1.° Continua em pleno vigor o § 4.° do artigo 13.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922.

Art. 2.° Os empregados a que se referem as alíneas b) dos n.ºs 1.° a 3.° do artigo 13.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro do 1922, para o efeito da taxa anual, são apenas os de escritórios, armazéns ou balcão, e os técnicos que dirigem oficinas, laboratórios ou qualquer indústria ou comércio.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da comissão de finanças, Abril de 1925. - A. de Portugal Durão - Jaime de Sousa (com restrições) - Carlos Pereira - Pinto Barriga (com declarações) - Viriato da Fonseca - Amadeu de Vasconcelos - M. Ferreira de Mira (com declarações) - António de Abranches Ferrão (com restrições) - Artur Carvalho da Silva (com declarações) - Lourenço Correia Gomes, relator.

Projecto de lei n.° 896-G

Senhores Deputados. - A lei n.° 1:368 diz, na alínea b) do artigo 1.°, que uma quantia fixa será paga por cada um dos administradores, directores, gerentes, empregados ou qualquer outra pessoa que preste serviço à sociedade.

Essa quantia será de 40$ para os maiores de 18 anos e 20$ para os restantes.

Mais adiante, no § 4.° do mesmo artigo, diz a lei: "as taxas a que se referem as alíneas b) dos n.ºs 1.° a 3.° não incidem em caso algum sôbre o pessoal operário".

Devemos esclarecer que estas duas verbas já estão, com os sucessivos aumentos que tem sofrido, em 132$70 e 70$, respectivamente.

Neste regime têm estado os tripulantes das fragatas, pois toda a gente, incluindo

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até os secretários de finanças, reconheciam que os tripulantes de fragatas, sendo trabalhadores assalariados, deviam gozar da mesma isenção da lei que os outros trabalhadores ou operários.

Até que ultimamente os proprietários de fragatas começaram a receber avisos para pagarem as taxas individuais pelos seus trabalhadores, e havendo a respectiva associação reclamado à Direcção Geral das Contribuições e Impostos contra esta desigualdade de tratamento para com a nossa indústria e errónea interpretação da lei, foi-lhe respondido que, conquanto assim fôsse, só ao Parlamento competia esclarecer a lei de forma que aos trabalhadores de fragatas fôsse igualmente reconhecida a isenção do pagamento da referida taxa individual; e equiparados aos outros operários.

Se os operários fragateiros não modificam a matéria não devem por isso deixar de ser considerados infatigáveis trabalhadores, como os outros, com a agravante de andarem sempre expostos aos grandes perigos das cargas e descargas em guindastes e a bordo, e ainda pelos riscos que o mar continuamente oferece, tendo por isso a sua vida sempre em perigo, o que não sucede vulgarmente nas indústrias terrestres.

Entre todas as indústrias é esta, sem dúvida, a que mais tem sofrido com a crise económica que o país atravessa, e não podia deixar de ser, sabendo-se que as fragatas se empregam exclusivamente nos serviços de comércio e indústria, sendo bem do conhecimento das autoridades marítimas que se encontram amarradas, por falta de trabalho, metade das fragatas, andando por isso desempregados mais de 1:000 fragateiros.

Há mais de um ano que os donos de fragatas se encontram nesta difícil situação, uns arruinados, com as suas fragatas a apodrecer encalhadas nas praias, e outros sem terem podido ao menos ganhar o suficiente para pagar ao Estado as grandes contribuições que lhes têm sido lançadas.

As Associações Industrial Portuguesa e dos Industriais Corticeiros têm instado com a Associação dos Proprietários de Fragatas para que sejam reduzidos os fretes das fragatas, a fim de ajudar a debelar a grande crise que atravessamos, e êsses eram também os nossos grandes desejos, pois a baixa dos fretes das nossas embarcações, além de vir fazer atenuar a crise, também concorreria alguma cousa para o embaratecimento da vida, visto que a maior parto dos géneros que consome a população são transportados pelas fragatas. Mas como poderemos nós enveredar por êste caminho se dia a dia nos estão aparecendo mais encargos, como êste que acabamos de expor a V. Exas.?

Para que a situação, já tam difícil, dos fragateiros não se agrave ainda mais torna-se necessário atender a esta justa reclamação, a fim de não parar por completa esta indústria, com graves prejuízos para o porto de Lisboa, comércio e indústria, e para as milhares de famílias que ficariam na miséria.

Por isso tenho a honra de submeter à vossa sábia apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Consideram-se compreendidos no § 4.° do artigo 13.° da lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922, os tripulantes de fragatas ou pequenas embarcações que se empreguem exclusivamente no tráfego local ou cabotagem costeira.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Lisboa, Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 20 de Março de 1925. - O Deputado, Alberto Vidal.

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente: antes de mais nada, quero lamentar que se procure atropelar assim o período de antes da ordem do dia, por forma a que os Deputados que queiram falar se vejam inibidos de o fazer.

Quando V. Exa., Sr. Presidente, pôs o requerimento do Sr. Alberto Vidal à votação, a Câmara conservou-se tal como estava então, e isso não obstou a que V. Exa. dissesse que estava aprovado.

Mas não era bem para isto que pedi a palavra, mas para protestar de uma maneira enérgica, que exprima aquilo que sinto, e o que reputo ser o dever de todos os Deputados, para que se não atropele a ordem dos trabalhos.

Êste projecto não é de tamanha urgência que seja indispensável atropelar a ordem dos trabalhos e prejudicar aquilo que representa o nosso direito, e que de

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certo modo exprime o cumprimento do nosso dever.

Eu vejo que ao alto dêste parecer se encontra o "concordo" do Sr. Ministro das Finanças, mas o que é certo é que S. Exa. não está agora presente, e, tratando-se de uma modificação às leis tributárias, que envolve de certo modo uma interpretação que pode, porventura, alterar a unidade dessas leis, afigura-se-me que se deve aguardar a presença de S. Exa. para, pelo menos, prestar alguns esclarecimentos, de que necessito, sôbre a economia do projecto.

Quando nesta Câmara se discutiu a proposta donde saiu a lei n.° 1:368, foi objecto de viva discussão se devia ou não ser tributado o pessoal assalariado. Recordo-me que foram aprovadas disposições que o Senado depois modificou, e que em reunião do Congresso não foram mantidas, por haver classes que não queriam a classificação de operários quando, Sr. Presidente, não é necessário forçar os termos para se considerarem operários aqueles que exercem qualquer profissão liberal.

Por outro lado afigura-se-me que a redacção que se pretende dar ao § 4.° do artigo 13.° da lei n.° 1:368 não é clara, por deixar margem a interpretações que podem vir prejudicar o contribuinte.

Sabem V. Exas. que nas repartições de finanças pouco caso fazem das leis, e não me surpreende que, quando amanhã o Sr. Ministro das Finanças expedir qualquer circular explicando o que se entende por pessoal operário, essas repartições dêem uma interpretação gravosa para o contribuinte.

Sr. Presidente: o pessoal operário não é indicador, recebendo os seus salários diários; mas se êstes não forem pagos diariamente, porventura, êsse pessoal deixa de o ser?

Esta é uma dúvida que necessita esclarecimento do Sr. Ministro das Finanças. A não ser que haja fraude manifesta, não há nenhum pessoal operário que receba diariamente. Em geral, recebe às semanas ou quinzenas.

Parece me, portanto, indispensável que o Sr. Ministro das Finanças esclareça o seu "concordo". Depois das explicações de S. Exa. eu orientarei as minhas considerações em face delas, e não tenho necessidade de invocar o Regimento para sobrestar na discussão dêste projecto, tam convencido estou da necessidade da presença do Sr. Ministro das Finanças.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Vidal - Sr. Presidente: quando há pouco usei da palavra, ao iniciar as, minhas considerações, disse que o meu requerimento era para que êste parecer fôsse discutido na primeira parte da ordem do dia.

No decurso das minhas considerações eu troquei, e julgo ter dito, no período de antes da ordem do dia. Mas a verdade é esta: eu falei em período antes da ordem do dia, quando me queria referir à ordem do dia; a minha intenção, pelo menos era esta.

Portanto, requeiro que êste projecto seja discutido na ordem do dia, estando presente o Sr. Ministro das Finanças.

Tenho dito.

Posto à votação êste requerimento, foi aprovado.

O orador não reviu.

O Sr. Adolfo Brasão: - Sendo esta a primeira vez que uso da palavra nesta casa, apresento a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, as minhas saudações.

Para as considerações que vou fazer peço a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, certo de que S. Exa. saberá tomar as providências devidas.

Até fins do ano passado os governadores civis insulares, ao abrigo dos Códigos Administrativos de 1878, de 1886 e de 1896 regularam a exportação dos produtos das ilhas no sentido de que não se exportassem quantidades que viessem afectar o consumo público.

Muitas vezes êsses governadores civis eram levados a tomar essa medida por que os negociantes, pouco escrupulosos, faziam a exportação de tal maneira que deixavam o povo consumidor em condições verdadeiramente desagradáveis, o que podia provocar a alteração da ordem pública, visto que quando há fome há o direito de reclamação e de revolta.

Quando se criou o Comissariado Geral dos Abastecimentos, aos governadores civis insulares foram concedidas atribuições para regular o assunto; mas, pelo de

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creto do 28 de Maio de 1925, que criou a Bolsa Agrícola, essas atribuições foram-lhes retiradas.

A Direcção Geral das Alfândegas deu instruções para que somente fossem cumpridas as ordens emanadas da Bolsa Agrícola ou do Ministério das Finanças

Aconteceu porém que os exportadores, vendo-se livres das peias que lhes punha o governador civil, começaram a abusar da liberdade que lhes era concedida, e elevaram de tal maneira os preços dos seus artigos, que o povo os não pode adquirir.

Por exemplo, a banana, que se vendia a. 1$40 cada quilograma, passou para 2$50; o feijão verde, que se obtinha por 1$, passou para 2$ e 2$50; todos os artigos chamados de refrescos para bordo começaram a ser vendidos por preços escepcionalíssimos.

Há leis e determinações que, convindo absolutamente ao Continente, de forma nenhuma se podem aplicar às Ilhas, que vivem em condições especiais.

A Madeira atravessa actualmente uma gravíssima crise, a que os governos têm de atender, sob pena dessa linda terra portuguesa se afundar.

Os vinhos da Madeira, que se exportavam em grande quantidade para o estrangeiro, têm hoje apenas uma pequeníssima saída, e isso é devido, principalmente, à falsificação que se faz dêsse afamado produto, por parte de negociantes pouco escrupulosos, e ainda por parte de vários países, como por exemplo, a Espanha.

A indústria dos bordados, que rendia à Madeira 1 milhão de libras, das quais seguramente, 200:000 eram para os operários e empregados, está hoje reduzida apenas a uma pequeníssima exportação, no valor de 100:000 libras.

A indústria de vime, que era uma das maiores riquezas da Madeira, está sofrendo uma concorrência enormíssima por parte de outros países.

O turismo, outra grande fonte de receita, foi altamente prejudicado por essa célebre lei chamada de "protecção à marinha mercante portuguesa", que fez com que muitos vapores estrangeiros vão procurar as Canárias, onde encontram facilidades que hoje não existem nos portos portugueses.

E é exactamente quando a Madeira atravessa uma crise destas, que se tira ao governador civil a faculdade que êle tinha de regular os preços dos géneros, que são absolutamente necessários ao consumo daquela Ilha.

Estou convencido de que o Sr. Ministro da Agricultura tomará as providências necessárias, no sentido de que o governador civil da Madeira tenha atribuições que lhe permitam regular a exportação dos produtos insulares, considerados de primeira necessidade.

Desejo também chamar a atenção de S. Exa. para um outro assunto: a questão das margarinas. Ela foi regulada, mas de uma maneira muito infeliz, porque, não havendo a necessária fiscalização, se continua a vender manteiga misturada com margarina. Nós não vemos vender ao público margarina, mas sim manteiga barata, que é uma mistura das duas cousas, e que é prejudicial à saúdo pública. A margarina pode ser usada na culinária, mas não se pode comer crua, como se come a manteiga. Já que não há a coragem de só proibir a importação de tal produto, faça-se, ao menos, a devida fiscalização.

Devo dizer a V. Exa. que a Madeira exportava para o Continente manteiga no valor de 6:000 contos, que os Açores mandam para o Continente grandes quantidades dêsse produto e que, em vez de se proteger essa indústria que começou há uma dezena de anos, se tanto, a intensificar-se, se vai permitir a importação de margarina que, pelo seu preço, faz uma concorrência desleal, sem que daí, para mais, advenha qualquer vantagem para o povo consumidor, visto que utiliza, como se fôsse manteiga, um produto que é impróprio para o consumo.

Estou convencido de que as Ilhas, e especialmente a minha terra, passarão d'ora avante a ser olhadas com mais carinho pelos Governos, que parece que só conhecem a sua existência quando se lembram delas para lançar contribuições.

É preciso que só saiba que essa linda terra, talvez a mais linda de Portugal, é bem digna pelo seu desenvolvimento, pele orgulho que têm os seus habitantes de serem portugueses, pelas suas qualidades de trabalho e perseverança, de que os poderes públicos a olhem com cuidado.

O Funchal é a terceira cidade do País, sob o ponto de vista da importância com que entra para o Tesouro Público. Ora,

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se assim é, isso constitui mais uma razão para que o Funchal mereça todo o amor e carinho daqueles que estão à frente dos destinos da nossa Pátria.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: o Sr. Adolfo Brasão acaba de formular um certo número de reclamações que dizem respeito à Ilha da Madeira.

Disse S. Exa. e com verdade que a faculdade da exportação na Ilha da Madeira tinha sido, em 1917, ao criar-se o extinto Comissariado dos Abastecimentos, regulamentada pelo governador civil do Funchal, que, para todos os efeitos, por uma disposição legal, era equiparado ao delegado do comissário dos abastecimentos. Pelo decreto - eu cito de memória - n.° 9:060 essas atribuições foram ampliadas pelo que diz respeito ao comércio de importação, exportação de cereais, de farinhas, etc., até que pelo decreto n.° 10:834, que regulamentou o funcionamento da Bolsa Agrícola, estabelecimento onde foram concentrados todos os serviços de carácter comercial dependentes do Ministério da Agricultura, essas atribuições foram dadas ao delegado da Bolsa Agrícola nessa Ilha, mas sempre sob consulta do governador civil. De maneira que não se quebrou por completo o statu que ante.

Foi S. Exa. porta-voz das reclamações que vêm da Ilha da Madeira sôbre o regime de exportação a que aludiu. Efectivamente, por minha parte, da própria autoridade superior do distrito tenho recebido reclamações contra o actual estado de cousas. A faculdade que hoje se dá ao governador civil impõe demoras, consultas sôbre consultas.

Devo dizer a S. Exa. que as determinações tomadas sôbre a Ilha da Madeira têm do integrar-se numa política de ordem geral, seguida pelo Ministério da Agricultura a partir de 1922, em que se tem pretendido suprimir, pouco a pouco, o regime criado durante a guerra, de restrições, tabelamentos, que ao atingir-se a normalidade não faziam sentido e que, em quási toda a parte, produzia resultados contraproducentes.

Vem o Sr. Adolfo Brasão afirmar - como afirma também a autoridade superior do distrito - que isso acarreta dificuldades de abastecimento local. Mas, sob o ponto de vista económico, a política seguida convém à Ilha da Madeira, e nem isso podia deixar de ser, visto que um aumento de exportação vem, até certo ponto, contrabalançar a baixa extraordinária nos géneros agrícolas dessa Ilha...

O Sr. Adolfo Brasão: - V. Exa. dá-me licença?... A exportação não aumenta.

O consumidor, que tem de comprar o artigo, obtém-no por um preço mais elevado. Porquê? Porque êsse artigo existe, em grandes quantidades, nas mãos dos exportadores, o no mercado só existe aquilo que êles não querem para a exportação.

O Orador: - Talvez haja especulação para elevar os preços. Isso é muito possível, mormente numa ilha, como aquela, de uma área limitada, bastante afastada de qualquer parte continental e em que, portanto, o comércio exportador pode fazer grandes lucros à custa do mercado interno.

Êste aspecto do problema é de considerar o eu considero-o evidentemente. No emtanto, não realizarei acto algum que signifique uma restrição à exportação da Ilha da Madeira. Cada vez mais é preciso estimular essa exportação, visto que a Ilha atravessa uma crise enorme, pela quebra que sofreu a exportação dos produtos que ocupavam os dois primeiros lugares na economia da Ilha da Madeira, os bordados e os vinhos.

A primeira destas duas fontes de riqueza não respeita ao Ministério da Agricultura; a outras entidades, que não a mim compete, portanto, o apreciá-la. A segunda, a dos vinhos, evidentemente que não pode deixar do interessar ao Ministério da Agricultura.

Os vinhos da Madeira tem sofrido, não quanto a quantidade, porque se tem exportado, mais ou menos, sempre a mesma, ou, pelo menos, a quantidade considerada normal, mas têm perdido em qualidade o

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que se traduz numa baixa de preço em esterlino.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe que se tem cuidado muito pouco de manter a genuinidade do vinho da Madeira.

A exportação de vinhos do Continente para a Madeira foi em 1924 proibida por uma portaria do Sr. Joaquim Ribeiro, mas eu ainda tive muita cousa a fazer, pois muitos interessados alegaram que tinham contratos anteriores.

De nada serviu, pois o vinho não seguiu e como V. Exa. sabe êsse vinho servia para fabricar vinho da Madeira.

A desvalorização dos vinhos em parte é obra dos naturais. E preciso cuidar das castas para o fabrico de primeira qualidade.

Faço votos para que a Madeira junte os seus esfôrços aos do Ministério da Agricultura, a fim de que resulte o bem preciso.

Eu estou disposto a dar toda a colaboração, trabalhando para a boa resolução dêste problema.

O mesmo fenómeno que se dá com a Madeira, dá-se com o Douro. A guerra foi duradoura e provocou grande procura, de maneira que só se pensou na quantidade e não na qualidade. São casos que vieram do tempo da guerra.

O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. para restringir as suas considerações.

O Orador: - A respeito da questão da margarina também tratada pelo Sr. Deputado, é preciso marcar bem o que é a margarina e o que se vende por manteiga e não permitir as falsificações.

A fiscalização já fez apreensão de 3:000 quilogramas de manteiga falsificada e estou convencido de que se assim se continuar em Lisboa comer-se há manteiga quando fôr manteiga.

Assim ràpidamente respondi ao ilustra Deputado, na certeza de que darei toda e colaboração aos madeirenses.

Tenho dito.

O Sr. Abreu e Lima: - Requeiro a V. Exa. para que a comissão de pescarias reúna durante a sessão.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o parecer n.° 82.

O Sr. Carvalho da Silva: - Êste parecer em discussão era desnecessário mim regime onde houvesse respeito pelas leis votadas pelo Poder Legislativo.

Eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças, como é que podem manter-se multas lançadas sôbre contribuintes por não terem cumprido uma disposição a que a lei os não obrigava.

Sendo assim, é indispensável completar êste projecto - e eu já sei que o Sr. Alberto Vidal tenciona mandar para Mesa uma proposta de aditamento - de forma a ficarem sem efeito as multas lançadas pelo não cumprimento duma disposição regulamentar, que era absolutamente contrária à letra da lei.

Sr. Presidente: têm-se feito verdadeiras barbaridades em matéria de taxa anual da contribuição industrial.

Assim, sei que os oficiais de barbeiro que não são, que não podem ser, peia lei n.° 1:368, sujeitos à taxa anual da contribuição industrial, têm sido obrigados a pagar essa taxa.

Aos tripulantes de navios de pesca de bacalhau, segundo informações que me têm sido fornecidas, a indivíduos que vão prestar serviço cinco ou seis dias em qualquer barco de pesca, tem-se exigido que paguem adiantadamente a taxa anual, que vai até cêrca de 160$, dando-se ainda a circunstância de as capitanias dos portos se recusarem a admitir êsses tripulantes sem que tenham pago essa taxa anual!

Pregunto ao Sr. Ministro das Finanças, se pode continuar a cobrar-se uma receita que não é devida por lei, e que a Direcção Geral dos Impostos se julga no direito de lançar sôbre os contribuintes.

Sr. Presidente: com relação ao imposto de transacção sucede isto: os regulamentos alteram por completo as disposições da lei, cobrando-se impostos que a lei não permite que sejam cobrados.

Com relação ao imposto pessoal de rendimento, o mesmo. Estabelece a lei n.° 1:368 que não pode ser superior a 30 por cento a taxa sôbre qualquer fracção do rendimento colectável, e a Direcção Geral dos Impostos lança taxas que vão até 63 por cento.

Pregunto ao Sr. Ministro das Finanças se isto pode continuar. Com que direito é que se lançam multas, que permitem que certos funcionários de finan-

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ças façam ràpidamente fortuna, multas aplicadas a contribuinte" por não terem pago impostos que não são obrigados a pagar?

Eu sei, Sr. Presidente, de violências espantosas feitas há pouco em matéria de multas nestas condições, e pregunto ao Sr. Ministro das Finanças se pode continuar um regime desta natureza.

Já há dias, quando me referi à questão das multas, eu disse que era indispensável fazer-se um inquérito ás fortunas repentinamente feitas por muitos funcionários de finanças, e hoje insisto com o Sr. Ministro nesse ponto.

Afirma-se que há um sindicato destinado à exploração das multas, afirma-se que há até fiscais de impostos, simples fiscais, que já têm automóvel seu, e afirma-se mais que há um automóvel de um fiscal do impostos que é quem conduz ao Ministério das Finanças o director geral dos Impostos.

Pregunto ao Sr. Ministro das Finanças se as reclamações não devem ser atendidas, e se não é indispensável fazer um inquérito à maneira como se lançaram essas multas.

Entendeu o Sr. Ministro das Finanças que não era muito citarem-se aqui factos de funcionários que recebem dentro das disposições da lei 200.000$ e 300.000$ por ano, isto dentro da lei, e no momento em que o País atravessa a crise gravíssima que todos conhecem.

Afirmo a V. Exa. que diariamente me aparecem muitas pessoas que vivem na miséria mais espantosa, sem colocação há uns poucos de meses, tendo vivido à custa dos trastes que vendem da sua casa, encontrando-se numa situação verdadeiramente angustiosa, crise esta que o Govêrno e o Parlamento da República parece não conhecerem.

Vivem hoje na miséria muitas centenas de pessoas, não podendo, portanto, ser lícito que haja quem vença 200.000$ e 300.000$ por ano.

Presto a minha homenagem a inúmeros funcionários de finanças cuja honestidade se impõe ao respeito e consideração de toda a gente, mas não pode permitir-se a continuação de um regime tributário que permite os escândalos, roubos e fortunas repentinamente feitas por alguns dêsses funcionários.

Sr. Presidente: é lamentável que o Sr. Ministro das Finanças não tenha já trazido aqui uma reforma do regime tributário. Compreendo que S. Exa. me diga que leva tempo a elaborar essa reforma; mas o que S. Exa. deve fazer antes, e acima de tudo, é revogar todos os regulamentos contrários à letra expressa no decreto n.° 1:368. O que S. Exa. não deve consentir de maneira alguma é que simples circulares da Direcção Geral dos Impostos coloquem os contribuintes na contingência de terem de subornar um empregado de finanças ou de ficarem completamente arrumados.

Sr. Presidente: assinei com declarações o parecer, porque não concordei com a sua doutrina, porque entendo que, não só com relação a esta taxa anual de contribuição industrial mas a todos os impostos se faça entrar a Direcção Geral no regime da lei, não se permitindo que salte por cima do Poder Legislativo, lançando impostos que não está autorizada a lançar.

Sr. Presidente: ouço dizer, o é fácil armar à fácil popularidade, que há grandes fortunas que precisam de pagar muito.

Eu quero que cada um pague conforme aquilo que tem; mas não quero que a ninguém se façam extorsões como estão sendo feitas.

Não há hoje fortunas neste País porque elas estão à mercê das contingências resultantes das flutuações económicas. Ainda há dias, no Pôrto, nós vimos que uma pessoa, que se considerava possuidor de uma das maiores fortunas do País, teve um trágico fim em resultado de constatar que estava arrumado, que estava na miséria.

E estava arruinado por ter gasto prodigamente? Não. E que a situação aflitiva do País não dá qualquer garantia às fortunas dos portugueses.

Não há valores hoje no País, porque os valores só representam aquilo que é realizado. Não serve de nada alguém dizer que tem, por exemplo, fábricas cheias de qualquer mercadoria, se porventura essa mercadoria não tiver quem a compre, se não se traduzir num valor que o possa efectuar.

A economia nacional está atravessando uma crise gravíssima, de que são vítimas todas as classes.

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E indispensável que se saiba que um dos principais factores dessa crise da economia nacional é o sistema tributário. E o Sr. Ministro das Finanças, que tem preparação para o seu cargo, não deve ter a fraqueza do se deixar levar pelas repartições do seu Ministério.

S. Exa. devo saber que os impostos que actualmente se cobram não são impostos sôbre o rendimento, mas sim sôbre o capital.

Está-se a aniquilar a fortuna particular do Pais; está-se a aniquilar a matéria colectável. Quando um país entra neste caminho, não tem possível salvação.

Ou nesta casa do Parlamento se levanta uma forte corrente destinada a impor aos Governos que não estejam assim a lançar o País num caminho de ruína irremediável, ou então dentro do dois ou três anos não há matéria colectável em Portugal.

Sr. Presidente: está-se discutindo nesta casa do Parlamento uma cousa a que se chama o Orçamento Geral do Estado.

Eu pregunto: quem é que, conhecendo e verdadeira situação do País, não sabe que o País não pode salvar-se de nenhuma maneira sem que nos Orçamentos se façam reduções ferozes do despesa, de forma a impedir b aniquilamento da fortuna particular?

Ouço dizer a toda a hora nesta casa do Parlamento que não se tem alargado a circulação fiduciária.

Em primeiro lugar, existem mais de 200:000 contos do notas em circulação ilegalmente, e em segundo lugar está-se dia a dia a aumentar a dívida flutuante.

É por êstes motivos que não queremos associar-nos à discussão do Orçamento, que outra cousa não é senão a continuação do caminho de ruína que temos seguido, porque, quem quiser fazer uma obra nacional, tem de fazer, acima de tudo, uma redução feroz nas despesas públicas.

Sr. Presidente: não quero tomar mais tempo à Camara e confio em que ela faça justiça às minhas reclamações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Está à votação a acta.

Foi aprovada.

O Sr. Sant'Ana Marques: - Mando para a Mesa uma declaração de voto.

Vai publicada nos documentos mandados para a Mesa durante a sessão.

É aprovada a acta.

O Sr. Cunha Leal (para uma comunicação urgente): - Sr. Presidente: por circunstâncias, com as quais nada tem a Câmara, vi-me obrigado a abandonar o Partido Nacionalista, no qual militei desde a sua origem, e pelo qual combati galhardamente. Digo galhardamente, porque assumi responsabilidades que não eram minhas, mas que eu assumia sempre pelo muito amor que tinha a êsse partido.

Ainda hoje no meu coração não existe qualquer parcela de ódio contra êsse agrupamento partidário, e, ao abandonador eu dirijo os meus cumprimentos aos velhos companheiros, que abandonei, fazendo votos para que êsse partido se desenvolva com préstimo para a Pátria e para a República.

No momento em que anunciei que abandonava o partido, entendi que era meu dever renunciar também o meu mandato de Deputado para que tinha sido eleito por votos nacionalistas, mas os representantes das comissões políticas do círculo de Chaves espontaneamente me procuraram no dia seguinte, para mo dizerem que me acompanhavam incondicionalmente e que estavam convencidos que no círculo de Chaves os eleitores nacionalistas me acompanhariam na sua totalidade, e nessas condições mo pediram para que os não abandonasse.

Assim eu entendi que não devia abandonar o Parlamento, visto que não sou aqui um intruso.

Fui eleito por votos nacionalistas, mas neste momento os votantes nacionalistas deixaram do o ser, e assim eu estou aqui representando os meus eleitores.

Seguidamente alguns membros do Partido Nacionalista abandonaram também esse lado da Câmara, e vieram para o meu lado, e impondo-me como um dever de honra que eu ficasse à frente de uma nova organização partidária no exercício de chefatura, que nenhum dos homens que me acompanha pretendia disputar.

Não quero estabelecer lutas nem: dissídios, nem quero roubar eleitores, por cabalas secretas, ao partido a que pertenci.

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A sua fôrça eleitoral não foi sensivelmente deminuída, e se eu quisesse fazer ironia podia citar a velha frase do duque de Olivaros, a respeito de Filipe IV: "Este meu amo o senhor é como um poço, quanto mais terra se lho tira mais fundo fica".

Não quero, Sr. Presidente, fazer ironias, porém devo dizer a V. Exas. que êles estão prontos a acompanhar-me, e consideram-se bastante fortes para lutar pela República.

Procuram na verdade constituir um organismo partidário, dizendo-mo que a única cousa que de mim exigiam era colocar-me à frente do mesmo organismo, sendo a nossa única aspiração trabalhar no sentido de dignificar a República, tirando-a do estado de estagnação em que ela se encontra, isto é, fazer uma Repú-Jblica nova, completamente diferente da que existe.

E o propósito que nós temos, para o que vou trabalhar, com o meu esfôrço e inteligência, se é que a tenho, e com muita boa vontade, de forma a que a República seja para todos, para os republicanos, e para aqueles que o não são, sendo êste o caminho que devem seguir todos aqueles que não são republicanos, pois não passa de uma ilusão o pensarem em restaurações.

Feita esta comunicação à Câmara, eu devo dizer a V. Exas. que o novo organismo que acaba de se constituir não se destina a atacar nem o Partido Nacionalista, nem o Partido Democrático, mas sim somente a defender a República e a .Pátria.

Não vimos para aqui atacar pessoas, sendo o nosso único desejo trabalhar em comum, no sentido da regeneração económica e financeira do País, trabalhando para o bem da Pátria.

Não temos, Sr. Presidente, que dar contas a ninguém relativamente ao caso do Banco Angola e Metrópole, sendo o nosso único desejo que o Govêrno meta na cadeia todos os burlões.

Sendo obrigatório, Sr. Presidente, participar à Câmara a constituição dos grupos parlamentares que se constituam, eu tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte declaração que passo a ler:

Alguns Deputados, que desde já abandonaram o Partido Republicano Nacionalista, e outros independentes, resolveram constituir-se em Grupo Parlamentar, assim o comunicando para efeitos regimentais. - Francisco Pinto da Cunha Leal - João de Ornelas da Silva - Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá - Artur Brandão - Custódio Lopes de Castro - Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - António Pinto de Meireles Barriga - Raul Lelo Portela - Domingos Augusto Reis Costa - por José de Nápoles, e devidamente autorizado, Francisco Pinto da Cunha Leal.

Além dêstes Deputados, que já abandonaram o Partido Nacionalista, alguns outros estão consultando os seus eleitores para lhes pedirem os aconselhem sôbre o impulso do seu coração, para o fim de se porem ao nosso lado.

Está participado a V. Exa. a constituição dêste novo agrupamento político. É preciso neste momento fazer mais algumas afirmações, o peço desculpa de ainda roubar à Câmara quatro ou cinco minutos.

Nós vamos ser, como éramos ontem, quando estávamos agrupados dentro do Partido Nacionalista, homens de oposição apaixonada ao Govêrno (Apoiados). Mas seremos oposição de princípios, oposição com uma finalidade, agora bem à vontade, sem que tenhamos de suportar ou subordinar-nos à vontade dos outros que não nos satisfazia.

Derrubar Governos, só pela vontade e prazer de os derrubar, não. Apoiados.

Havemos de empregar a nossa acção nesse sentido, quando vejamos que a conservação de um Govêrno é absolutamente prejudicial aos sagrados interêsses da República, quando tenhamos a certeza de que a substituição de um Govêrno será em termos do melhorar as posições da Nação, fazendo o substituir por melhor e não por pior.

Apoiados.

Estamos agora, finalmente, à vontade. Ao Sr. António Maria da Silva não nos vendemos. Pedimos-lhe apenas que ponha de parte as suas próprias paixões e partidarismo para melhorar a República.

Não faremos obstrucionismo: apenas uma oposição política, não oposição pelo

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prazer de derrubar Governos e só pelo prazer de os derrubar.

Apoiados.

Temos com prazer de constatar que os leaders das diversas correntes dos que ficaram dentro do Partido Nacionalista fazem essa política só pelo prazer de derrubar.

E queriam obrigar-me a fazê-la; mas em entrevistas aos jornais declaram que a não farão.

Apoiados; não apoiados.

O Sr. Francisco Cruz: - Não apoiado! Nunca se fez política assim.

E tenho a dizer que nunca aceitei dos meus amigos cousa alguma, quanto mais dos meus inimigos.

Não me preocupa que o Govêrno procedesse contra o Angola e Metrópole.

Tenho feito sempre uma opinião honesta e honrada. Sempre por linha recta.

O Orador: - Sempre por bom caminho e segue. É a divisa do Grandela.

Risos.

Eu seguirei, como os outros, no pleno direito de seguir o caminho que entender ser melhor.

Apoiados.

Não estamos aqui - e não pedimos licença a ninguém - para provocar.

As minhas primeiras palavras foram de consideração e de consideração serão as últimas.

Mas saberemos aceitar o combate tal como nos fôr dado.

Apoiados.

À energia responderemos com energia.

Apoiados.

Em ocasiões perigosas, no decorrer das lutas políticas, nunca fizemos a figura pueril de recuar.

Mas, evidentemente, nós não vimos aqui para disputar fôrças físicas: vimos para marcar as nossas atitudes.

O Sr. Francisco Cruz: - Não peço licença a ninguém; tenho a minha autoridade moral.

O País que nos ouve a todos fará justiça.

O Orador: - Pela primeira vez vou pedir a V. Exa. que me não interrompa sem me pedir autorização

Apoiados.

Definida a nossa situação de oposição fiscalizadora, deixaremos a outros o papel de obstrucionismo político, o papel de combate político pelo prazer de combater.

Nós temos nitidamente feita a declaração de que a atitude que agora vamos seguir é a que temos seguido até agora.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Vou terminar, endereçando a V. Exas., em nome do grupo parlamentar que represento, as minhas saudações.

Cumprimento todos os grupos da Câmara indistintamente.

Temos o melhor desejo de trabalhar de acordo com todos pelo prestígio da República e da instituição parlamentar, fazendo votos por que a acção de todos seja concordante com a que temos: a da levantar a Pátria.

Estamos prontos a combater no terreno para onde nos levarem.

Se V. Exas. entenderem que é combatível a nossa atitude, que rebatam os nossos argumentos.

Acreditem, porém, que a nossa acção será dirigida em benefício da Pátria e da República.

Apoiados.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Francisco Cruz não fez a revisão dos seus "àpartes".

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: em nome do grupo parlamentar do Partido Republicano Português endereço os mais cordiais e sinceros cumprimentos ao novo agrupamento parlamentar.

Pelas afirmações que acabam de ser feitas pelo ilustre Deputado o Sr. Cunha Leal, ficamos na convicção de que o nova grupo vai desenvolver a sua acção no sentido de concorrer para que os trabalhos parlamentares sejam úteis e profícuos.

Registo a declaração que S. Exa. fez, de que é orientação do grupo, em nome

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do qual falou, não fazer oposição sistemática aos Governos, nem ter a preocupação de os derrubar.

O meu partido não pode desejar mais, e muito prazer senti em ter de contar com ama oposição de tal natureza, visto que uma oposição sistemática ou uma oposição que se transformasse em subserviência tomaria aspectos que a todos nós desonravam.

Bastam-nos as afirmações firmes e categóricas saídas da boca do Sr. Cunha Leal, a quem todos acabamos de ouvir, para estarmos, certos de que os factos corresponderão a elas.

No emtanto, Sr. Presidente., eu direi a V. Exa. que as razões, com as quais, aliás, nada temos, da formação do novo agrupamento político, nos colheram de surpresa e nos provocaram um acentuado pesar, porquanto, transitoriamente ou não, a cisão do Partido Nacionalista traz o enfranquecimento para êsse partido, e a nós, democráticos, só nos satisfaz que os partidos da oposição sejam cada vez mais fortes, mais homogéneos e que se engrandeçam por maneira a poderem dar ao País plena garantia de vida política.

Sr. Presidente: o Partido Republicano Português faz votos para que da parte dos componentes do Partido Nacionalista, e do novo agrupamento político, desapareçam de uma vez para sempre as preocupações de exagerada hostilidade que têm existido contra êle.

Apoiados.

Com fundo pesar as temos sentido, não sabendo a que atribuir os seus propósitos; mas sabemos, e daí vem o nosso pesar, que continuando nessa senda alguns dos elementos a que, porventura, me quero referir, só advirá desdouro para a República, com o que todos temos a perder.

Apoiados.

Termino, reiterando os nossos cumprimentos ao novo agrupamento partidário.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bom.

O orador foi muito cumprimentado.

O orador não reviu.

O Sr. Moura Pinto: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são para dirigir os meus cumprimentos aos ilustres parlamentares que fazem parte do novo agrupamento político, apresentado a esta Câmara pelo Sr. Cunha Leal.

Como em todos os lados desta Câmara, tenho também nesse agrupamento político amizades que vêem do sentimento afectivo e amizades que vêem de nos termos todos encontrado em horas más, em defesa da Pátria e em defesa da República.

Estejam onde estiverem essas amizades, eu não as posso esquecer, mas devo afirmar que no Partido em via de formação, e que é dirigido pelo nosso ilustre colega Sr. Cunha Leal, eu conto bastantes daquela? amizades, criadas umas no campo puro do afecto, e outras no campo comum em que se encontram todos os republicanos e todos os bons portugueses.

Sr. Presidente: prestada a minha homenagem às pessoas, seja-me permitido agora dirigir as minhas saudações ao novo agrupamento político, o que faço sinceramente, desejando que êle constitua uma força destinada a bem servir a Pátria e a República.

Sr. Presidente: a República não tem sido feliz na solução do seu problema político, como também a Monarquia o não foi no final da sua vida. Porque não soube resolver o seu problema político, a Monarquia caiu!

Se a República ao cabo de 15 anos de existência não consegue caminhar para a resolução dêsse problema; se todos os fenómenos que agitam os arraiais republicanos não se encaminham para a formação de um sistema firme, em toro o do qual e sôbre o qual assente a vida da República, mal no vai a todos nós!

Apoiados.

É tempo de pensar e de arrepiar caminho.

Há certas pessoas que lá fora dizem, que a política é uma cousa abominável, que os políticos são animais de raça má. Pois por muito que isto a êsses pese, eu declaro que não acredito, que ninguém acredita, na possibilidade de se resolverem os problemas da administração pública de qualquer país sem que esteja resolvido o problema político.

A República tem sido infeliz. Não tem encontrado o fulcro da sua acção.

Mas, Sr. Presidente, é tempo para que todos façam aquilo que ainda ontem eu

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preconizava em conversa particular com amigos meus. É darem todos os republicanos dois terços do seu estorço à "Pátria e à República, reservando o outro têrço para os seus interêsses particulares.

Se a proporção fôr esta, o País salva-se. Se fôr a inversa, o País perde-se.

Sr. Presidente: é o momento para os homens que não têm filiação partidária dizerem o que pensam dos partidos.

Eu não saí do agrupamento em que muitos anos militei porque nunca mudei de partido. O meu partido é que foi mudando de nome. É ocasião de eu afirmar que não me move contra os partidos nenhuma hostilidade. Entendo que não é possível haver vida política sem que existam partidos.

Sr. Presidente: toda a questão que se está debatendo em Portugal é se devemos ser partidários dos grandes agrupamentos ou dos pequenos grupos.

Por tradição do passado, criada depois dentro da aspiração de um chefe imaculado, figura que saudosamente invoco no Parlamento, tinha a convicção de que só as grandes fôrças são capazes, dos grandes movimentos.

Sacrifiquei-me - e os meus sacrifícios não tem o País obrigação de os conhecer - e, quando cheguei ao convencimento de que o meu esfôrço não chegava, de que a minha sinceridade não bastava e do que a minha fé pouco valia para levar ao fim a constituição de, pelo menos, duas grandes fôrças sôbre as quais a política do meu País se pudesse apoiar, abandonei o agrupamento em que há anos me encontrava, e constatei, com tristeza, que a minha tese era uma tese perdida.

Teremos de ir para os pequenos agrupamentos, teremos de ir para a expressão da doutrina dispersa, hoje uma cousa, amanhã outra, até que o País entenda que não tem na sua tradição, nem nos seus hábitos esto sistema. E, nessa altura, possivelmente já não estando eu na vida política, talvez que regressemos ao velho sistema, por entendermos que o que vamos iniciar não nos foi mais conveniente.

Mas, aos homens que, animados de fé e da intenção de bem servirem a Pátria e a República, procuram dar-lhes todo o seu esfôrço, eu, que não tenho partido, e que nada valho, (Não apoiados) não posso deixar de lhes prestar as minhas mais sinceras homenagens, fazendo votos para que, em boa verdade, êles sirvam os interêsses do País o da República.

A minha voz não ganhou ainda autoridade para dar pareceres ou conselhos; mas, em todo o caso, àqueles que se encontram agrupados, o principalmente à maioria, eu direi que não tome muito a peito as vitórias que o destino parece congregar junto do seu Partido; não abuse delas, e saiba-as usar em. termos de mostrar que a República é o Govêrno em que todos devem ter cabimento.

Aos homens novos e aos que agora ficam enfraquecidos eu direi que não se percam, que não se desorientem, que se lembrem de que o País muito precisa de se reconstruir, e que o único caminho que devem seguir é o caminho da Democracia.

Apoiados.

E servir a democracia não seguindo outro princípio e n3o indo atrás do novos processos, de noves ideais, de novas doutrinas que não estão ainda experimentadas.

Não é lícito adoptar em Portugal o processo de o tornar ensaiador e laboratório de doutrinas.

Temos uma República a fazer.

Sr. Presidente: vale a pena considerar com sinceridade que em quanto os pastores jogam a paulada, jogam o tiro - e por vezes até as pedradas lhes caem em cima - há um rebanho abandonado e disperso, que só se tem salvo por aquela fé profunda que possui nos destinos da Pátria e da democracia.

Êsse rebanho só por tal instinto se tem salvo, reconstruindo a Pátria ao lado dos pastores, como se êstes não existissem.

Os pastores são para dirigir a grei, e não há-de ser a grei que há-de trabalhar pelos pastores.

As minhas palavras de saudação àqueles que têm processos novos o os meus maiores desejos de que êles sirvam a Pátria e a República.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as natas taguigràficas que lhe foram enviadas.

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O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: porque ocupo nesta Câmara a posição de Deputado independente, entendo que devo proferir algumas palavras a propósito da apresentação do novo agrupamento parlamentar, sob a direcção política do ilustre Deputado Sr. Cunha Leal.

Sem fazer grande esfôrço, vou procurar conseguir que pela minha boca fale a sinceridade de todos nós.

Quantos me conhecem sabem que a minha intervenção em torno dêste problema é absolutamente insuspeita, e só pode, ma verdade, ser produto da sinceridade.

Olho para o novo agrupamento político, vejo cada um dos seus componentes e recordo que, na sua maioria, são antigos correligionários meus, tendo militado muitos num Partido que na história da República marcou uma gloriosa tradição.

Refiro-me ao Partido Evolucionista.

Sempre que mo recordo do passado e da acção dêsse Partido político, faço-o com um enternecimento enorme e uma saudade profunda e comovida.

Felizmente para mim os homens que constituíam êsse Partido são na sua maioria meus amigos pessoais.

Eu vejo, Sr. Presidente, que a assumir a posição do comando do novo agrupamento parlamentar está um homem de quem tenho discordado muitas vezes, a quem tenho dirigido por vezes críticas severas, mas a quem não posso deixar de prestar a homenagem que os seus méritos e os seus serviços à Pátria e à República impõem a todo o republicano despido de paixões.

Refiro-me ao ilustre Deputado Sr. Cunha Leal.

E evocando o passado, evoco com uma saudado enorme a nossa acção em conjunto durante três anos de vida política.

Lembro a nossa acção num agrupamento político nascido, senão nas mesmas, em condições aproximadas a esto agora constituído e que tinha a chefiá-lo a figura saudosa e inesquecível do grande patriota, que não se conta já no número dos vivos, Dr. Júlio Martins.

O Grupo Parlamentar Popular foi um grupo de acção útil e vantajosa para a República, porque veio demonstrar que os pequenos grupos, quando actuando no sentido de interpretarem a vontade nacional, são capazes de servir de correctivo aos grandes agrupamentos políticos.

O mal não é de haver muitos partidos, mas sim de não haver agrupamentos partidários com objectivos nitidamente definidos o com os seus componentes capazes de, em todos os lances, colaborarem lealmente com os seus adversários, contanto que essa colaboração resulte benéfica para as instituições o para o País.

Afirmou o Deputado e meu amigo Sr. Cunha Leal, que a acção do agrupamento político que hoje se apresentou na Câmara vai ser toda ela uma política de colaboração.

Não posso neste momento deixar de fazer uma rápida referência ao Partido Nacionalista, porque êle bem a merece.

O Partido Nacionalista, produto da fusão de dois agrupamentos políticos - o Partido Liberal e o Partido Reconstituinte - foi fundado no convencimento de cada um dos seus componentes de que possuía a fôrça necessária para poder interpretar as suas aspirações.

O Partido Nacionalista foi desfalcado por duas dissidências, uma delas agora do altíssima importância.

No Partido Nacionalista ainda ficam republicanos de grande valor.

Apoiado do Sr. Cunha Leal.

O Orador: - Eu como republicano estranho à política partidária, tenho visto que o Partido Nacionalista tem desejado ir ao Poder por meio da dissolução, mas a dissolução só se compreende em determinados casos. Quando por favor da Presidência, é um favor que custa muito caro.

O novo agrupamento político tem uma directriz conservadora, mas quanto à minha opinião devia seguir uma política de evolucionismo, dando as mãos mesmo aos elementos mais avançados.

A política do novo agrupamento deve ser de catequizar consciências e não a de afagar estômagos.

Por último e para terminar, devo dirigir aos elementos que constituem o agrupamento parlamentar que se apresenta as minhas melhores e mais enternecidas saudações, afirmando-lhes que sempre que êles se encontrem na defesa da República encontrarão da parte de todos os republicanos que, como eu, não estão presos a disciplinas partidárias aquele leal apoio

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que todos os republicanos uns aos outros devem mutuamente.

Até mesmo quando tenhamos de ter discordâncias. elas só poderão servir para melhor esclarecer aquilo que seja a conveniência da República.

Que não esfreguem as mãos de contentes os monárquicos pelo facto de verem que as fôrças partidárias da República se vão fragmentando, porque acima de todos os estandartes partidários há um que a todos nós cobre e que nós procuraremos sempre defender com o nosso melhor esfôrço: é o estandarte da República!...

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: circunstâncias várias fazem com que eu, dentro doa meus correligionários, tenha de ser quem fale neste momento. Estando doente o ilustre leader do meu partido, Sr. Barros Queiroz, e estando impedido de aqui comparecer o Sr. Lopes Cardoso, não podia ser outro senão eu quem neste instante usasse da palavra, visto que mantenho, no meu partido, a situação que anteriormente tinha.

Além disso, o meu silêncio poderia ser mal interpretado, e eu devo declarar que não tenho razão alguma para deixar de retribuir as saudações que nos foram dirigidas por parte do Sr. Cunha Leal em nome do novo agrupamento político.

Faço votos para que êsse agrupamento, que hoje se apresenta, possa marcar na vida da República uma função importante prestando ao País aqueles bons serviços que eu sei que todos os seus elementos estão dispostos a prestar. Nossos companheiros de ontem, mal nos ficaria se nas nossas almas existissem outros sentimentos em relação a êles, que não fossem os que acabo de expor.

As fôrças conservadoras da República - porque como conservador se intitula o novo agrupamento político - não deminuíram. A República, portanto, nada perdeu.

É isso o que principalmente interessa.

Houve uma referência no discurso do Sr. Cunha Leal a que eu não posso deixar de aludir particularmente. S. Exa. referiu-se à atitude tomada no caso chamado do Angola e Metrópole.

Tenho a dizer a V. Exa. e à Câmara que fui - e creio que fui só eu até - dos que discordaram dessa atitude.

Foi por isso que eu, para não dar lá fora a impressão de um desentendimento, antes de S. Exa. acabar o discurso que então proferiu, saí da sala, prevendo que o Sr. Cunha Leal ia ser cumprimentado e não desejando que, dos meus cumprimentos, se pudesse concluir que havia, também da minha parte concordância com S. Exa. nesse ponto.

Sr. Presidente: também eu e o meu partido entendemos que se torna absolutamente necessário castigar todos os burlões do Angola e Metrópole; simplesmente, entendemos também que o Sr. António Maria da Silva não é mais capaz do que outro qualquer de fazer essa repressão.

Sr. Presidente: pelo que respeita à nossa atitude na Câmara, direi que nós não temos a preocupação de orientar nenhum dos outros grupos parlamentares.

Mas queremos - e estamos no nosso direito - que o nosso grupo parlamentar seja orientado apenas por aqueles que o compõem.

Também nós, Sr. Presidente, não temos ódios contra êste ou aquele; e se às vezes temos combatido o Partido Democrático é porque entendemos, como muitas pessoas, que a sua teimosa preocupação do Poder, num exclusivismo que já dura excessivamente, longe de servir, prejudica a República.

Levantam-se protestos.

O Orador: - V. Exas. têm a sua opinião, e eu tenho a minha.

Insisto: não é gastando-se no Poder que essa fôrça republicana se consolida, nem é afastando as outras do Govêrno, que ela pode robustecer-se.

E porque a República de todas carecer serve mal a República quem assim a serve.

A orientação do meu partido continua a ser a mesma que tem sido até hoje, não fazendo oposição por sistema, mas fazendo aquela que os legítimos interês-

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ses do meu partido e da República aconselhavam.

Nas questões importantes que estão para ser resolvidas por esta Câmara, já manifestámos a nossa maneira de pensar, já marcámos os nossos pontos de vista.

Pensamos que êles são os melhores, e que é assim que bem servimos a Pátria e a República.

Sr. Presidente: aqueles que desejam servir a Pátria e a República vêm apenas encontrar-se connosco. Nós os saudamos.

Devo ainda dizer a V. Exas., em resposta ao Sr. Cunha Leal, que não sendo o Partido Nacionalista de facto um poço, donde quanto mais terra se tira, mais fundo fique, é no emtanto tam grande, que os agrupamentos que dele se afastam logo se consideram maiores... que êle próprio.

Sr. Presidente: fazendo votos por que o novo organismo que foi criado preste bons serviços à Pátria e à República, em nome do Partido Nacionalista tenho a honra de apresentar a êsse organismo os nossos cumprimentos e as nossas saudações.

Tenho dito.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: a Esquerda Democrática, em nome da qual tenho a honra de falar neste momento, vê com satisfação o facto de aparecer na Câmara um novo agrupamento partidário.

Nós somos, Sr. Presidente, partidários da separação dos partidos, por isso que entendemos que a constituição dos grandes partidos só trabalha em volta de interêsses e de ódios, constituindo aquele rotativismo constitucional que tanto tem prejudicado a Nação, e que arrumou a própria Monarquia.

Entendemos que os homens que têm certamente finalidades de pensamento se devem juntar claramente e dizer ao País o que pensam, pois a verdade é que nos agrupamentos partidários por vezes não há aquela união de opiniões que deveria haver, e haja vista o que já aqui se deu com um grande partido da República, que fez com que determinados projectos de lei que poderiam ser discutidos e votados em 24 horas, levassem 24 sessões, para no fim nada se resolver.

Assim, Sr. Presidente, aparecendo mais um grupo adentro desta Câmara, é motivo de prazer para a Esquerda Democrática.

Nesse partido eu vejo pessoas que de longa data são velhos amigos e antigos condiscípulos de Universidade que seguem como chefe incontestado e incontestável um homem que pode pensar que os homens da Esquerda Democrática têm por S. Exa. uma grande antipatia.

Profundo êrro!

Eu nunca acreditei que S. Exa. fôsse capaz de descarregar o tal descarregador em que se falou num comício!

Não sei bem qual a posição política que o novo partido vai tomar, porque afinal servir a Pátria e a República é a função de todos os partidos republicanos. Se é assim, isto basta à Esquerda Democrática.

Não esperamos ver aumentado o nosso partido dentro desta Câmara, mas eu tenho a esperança de que o Sr. Domingos Pereira consiga para o seu lado o velho republicano e amigo Sr. Cunha Leal, e nessa ocasião, em nome da Esquerda Democrática, eu terei de apresentar ao Partido Republicano Português mais uma vez as minhas saudações, mas por agora é ao novo chefe que tenho de apresentar os meus cumprimentos.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos,, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: em nome da minoria socialista cumpro o dever protocolar de apresentar as minhas saudações ao novo e incontestado chefe, e não são só para êle, mas para alguns dos seus companheiros a quem me ligam laços de uma amizade pessoal.

Não sou daquelas pessoas que de tal forma se congestionam as meninges no" calor da discussão que possa odiar um inimigo político.

No curto caminho da minha vida política por vezes me tenho encontrado com adversários políticos, como por exemplo o Sr. capitão Cunha Leal, e se dêsse combate alguém eu tivesse de elogiar, teria de começar por mim próprio.

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O Partido Nacionalista tem sido uma espécie de sucursal do Partido Democrático, e notei que a atmosfera nesta casa estava densa de mais para quem quisesse fazer oposição.

Tive uma ocasião em que supus que me quisessem deitar fora desta casa, empurrando-me para a galeria da imprensa. Mudou de orientação e foi isso que o fez sair?

O Sr. Cunha Leal saiu do Partido Nacionalista por uma preocupação de ordem pessoal; não apenas com certeza por orgulho de uma situação incompatível, por prazer de qualquer ordem.

Essa injustiça não faço a um adversário político.

Disse S. Exa. que estavam aqui para servir a Pátria e a República. Evidentemente não me poderia dizer que se tinha colocado numa situação política para prejudicar a Pátria e a República.

O que resta, pois, para conhecimento parlamentar das declarações do Sr. Cunha Leal?

Fica-nos o direito de dizer que nem o Parlamento nem o País compreendem a razão da divisão de um partido para seguir a política e a, orientação que lhe foi dada pelo seu leader que tinha seguido até aqui.

Não sou capaz da compreender a base fundamental da scisão, confesso.

O grupo dissidente do nacionalismo ainda mantém, em relação à política, a política que nos últimos tempos seguia: a de oposição aberta, leal. Não seja como aqueles que, tendo feito uma ingestão abundante, provocam uma congestão.

Nós, socialistas, temos dito muitas vezes o que pretendemos.

Queremos um Govêrno que governe. Cremos que o Govêrno ganhe, mas entendemos que nada convém mais a um forte partido político, como ainda e por em quanto se apresenta ao País o Partido Democrático, nada convém, mais do que uma oposição robusta, do que uma bom intencionada oposição ao Govêrno, oposição que é côntrole, que é fiscalização, que é correctivo.

Apoiados.

Se essa oposição, se essa fiscalização se desfaz, se pulveriza, dividindo-se em pequenos grupos que, sem uma alta finalidade política determinada, que aliás não afirmou o grupo novo, apenas esperam das mãos do Poder o acto de favor que há-de permitir o seu triunfo, maus dias, más horas vai registar a história da República Portuguesa. Maus dias, más horas também há-de registar-se, depois das declarações, que - digo-o com franqueza - são anodinas, aqui apresentadas pelo Sr. capitão Cunha Leal, se vai estabelecer dentro das duas correntes definidas do Partido Nacionalista - uma espécie de desafio, uma espécie de concorrência para se ver e saber quem há-de dar mais pancada, quem há-de fazer mais feroz, mais entranhada, mais intransigente oposição ao Partido Democrático.

Aí que se o programa é apenas, como muitas vezes se tem afirmado dentro das fileiras políticas a que o Sr. capitão Cunha Leal pertenceu, fazer guerra aos democráticos, êsse programa é fraco e não conduz a parte nenhuma!

Se o programa é apenas fazer guerra aos democráticos, se, para aproveitar o ódio, a má vontade, a tristeza, o desespero ou mesmo o descrédito que o exercício do Poder sempre produz, se vai lançar no País, numa concorrência de grupo com grupo, ou rivalidades pessoais, a teoria de que mais nacionalista é quem mais pancada der no Govêrno, maus dias, más horas havemos de viver todos nós dentro de Portugal!

Por emquanto sei apenas, como particular, as razões porque o Sr. capitão Cunha Leal saiu do Partido Democrático.

Vozes: - Do Partido Nacionalista.

O Orador: - Desculpem-me V. Exa. que eu não falo por antecipação...

Risos.

O País não conhece, oficialmente comunicados à Câmara, os motivos que levaram o capitão Sr. Cunha Leal a abandonar o Partido Nacionalista. Por emquanto, eu, como particular, também sei qual é o programa do novo grupo; porém, o País não o conhece oficialmente. E eu digo que, como particular, sei qual êle é, porque, encontrando-se lá o capitão Sr. Cunha Leal, o programa há-de ser sempre: capitão Cunha Leal - capitão Cunha Leal super omnia, capitão Cunha Leal fôr ever, capitão Cunha Leal aqui e em toda a parte. Se o programa é êste; está certo, e não

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haverá nele incoerências, porque S. Exa. é sempre a mesma pessoa. O País, todavia, não aceitará tal programa.

Quanto à posição política do novo grupo, também não a conhecemos.

Pelas declarações feitas no Congresso do Partido Nacionalista, verifica-se que a política futura do Partido será de oposição aos democráticos, oposição construtiva, oposição não revolucionária ou de desordem, por vezes de colaboração em assuntos de interesso nacional, mas oposição. Das afirmações do capitão Sr. Cunha Leal nem isso podemos dizer, porque, realmente, nenhuma afirmação nos fez nesse sentido.

As saudações pessoais faço-as de bom gosto, não apenas ao capitão Sr. Cunha Leal e aos seus novos correligionários, que tantos são meus amigos, mas, também, ao Partido Democrático e - desculpem-me a sinceridade - até a mim próprio. E que a atmosfera que nos últimos tempos se estava respirando, por parte dos Nacionalistas - digo-o sinceramente e com a memória física das pancadas recebidas - era muito densa, era bastante impenetrável. E lucrarão o País o a República alguma cousa com o que acaba de se passar? Lucrarão, se vier a ser estabelecida uma rivalidade honesta, sadia, bem intencionada, entre os dois grupos em que se desdobrou agora o chamado partido conservador. Digo o chamado partido conservador, porque, a respeito de conservantísmo perante os seus adversários ao rotativismo, ainda teríamos muito que falar, não se sabendo também qual dos grupos é mais conservador, só o que saiu, se o que ficou.

O Sr. Ramada Curto: - V. Exa. dá-me licença? Por agora, o grupo mais conservador é o que ficou, visto que um dos seus leaders, o meu ilustre amigo Sr. Pedro Pita, é conservador... do registo civil.

Risos.

O Orador: - É, de facto, uma razão e forte.

Se os dois grupos, numa rivalidade honesta, sadia e bem intencionada se dedicarem à apresentação de pontos de vista, maduramente estudados e não improvisados, sôbre os magnos problemas que alanceiam o nosso País, procurando solucioná-los, muito terão a lucrar o País e a República. E, ainda quando essa política em público se apresente como conservadora, ela não fará arrecear o meu espírito, porque em todo o mundo branco civilizado é tam grande o triunfo dos novos princípios que êles andam inscritos, como fundamentais, nos programas de todos os grandes partidos conservadores. Se são os que saíram e os que ficaram, sinceros conservadores que querem ser úteis à terra que os viu nascer e não indivíduos impulsionados por uma mera preocupação de interêsse pessoal, hão-de saber cumprir o seu dever de conservadores europeus, sendo evolucionistas, sendo radicais, por assim dizer, nos seus processos de ataque àqueles defeitos, àqueles vícios, àquelas tristezas e desgraças de que enferma a nossa economia, a nossa nacionalidade.

Se o conseguirem, serão úteis, e eu que, por mim apenas, entendo que ainda não são nossas as horas que decorrem, não hei-de ver com rancor, com arremessos de luta à outrance a sua acção de conservadores sinceros.

Receio muito ter encontrado no personalismo do novo chefe partidário o símbolo de uma orientação política que, para desgraça de muitos países, está triunfando em algumas partes.

Que não passe daí, porém, o capitão Sr. Cunha Leal! Se reconheceu, para os efeitos da vida do seu grupo, a necessidade de uma incontestável autoridade, de uma superioridade sôbre os seus tam categorizados companheiros, não a queira êle impor ao País.

Olhe bem para si próprio, tal como é, homem do nosso tempo, inteligente, forte, corajoso. O capitão Sr. Cunha Leal usa calças, cuecas e camisa, como qualquer de nós, e não tem, positivamente, o talhe de um César vencedor. Nem a nossa pequena nacionalidade dá campo para Césares, nem o nosso temperamento português os admira. Queira êle, com as suas grandes qualidades de parlamentar, que as tem - se há obrigação de justiça, ela impõe-se para com os nossos próprios adversários - queira êle combater aqui o bom combate dos princípios e das ideas. Há-de triunfar muitas vezes, quando tenha razão. Na defesa dos princípios, sem

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a preocupação da galeria, há-de encontrar-me por vezes a seu lado, combatendo. Mas não pense em transportar para os domínios da Nação, que não quere senhores absolutos, os princípios do incontestado predomínio que um grupo de amigos lhe reconhece, porque, por muito que valha, nem todas as pessoas de bem que habitam êste nosso Portugal são amigos incondicionais de Cunha Leal.

Sr. Presidente: julgando que sem quebra dos bons princípios de cortesia, não seria possível fazer a critica dos acontecimentos pelas afirmações aqui produzidas, repito de bom grado as minhas saudações ao capitão Sr. Cunha Leal e aos seus companheiros.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigràficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: o facto da constituição de um novo agrupamento político republicano que foi anunciado a esta. Câmara pelo Sr. Cunha Leal nada nos interessa a nós, adversários do regime. Não é pois, para falar da influência que êle possa ter na marcha política da República que eu tomo neste momento a palavra.

Sr. Presidente: o Sr. Cunha Leal, dando prova mais uma vez do quanto é gentil, apresentou os seus cumprimentos a todos os lados da Câmara. Nestas condições, a minoria monárquica não quere deixar de cumprir o seu dever, agradecendo a S. Exa. êsses cumprimentos e apresentando igualmente os seus ao Sr. Cunha Leal e aos ilustres Deputados que compõem o seu grupo.

Não havendo tenção da parte da minoria monárquica de fazer largas considerações sôbre o motivo da apresentação do novo grupo, fui eu o encarregado de falar em nome da minoria monárquica. Se não fora isso seria decerto o ilustre leader, Sr. conselheiro António Cabral, quem usaria da palavra. Tendo eu já sido o escolhido para falar, S. Exa., gentil como é sempre, não consentiu em ser êJe a usar da palavra.

Sr. Presidente: não vou recordar o que se passou no congresso do Partido Nacionalista. Todavia direi que se verificou que cada um se serviu das armas de que podia dispor; mas não cumpre a nós apreciarmos êsse procedimento.

O que não podemos deixar de considerar e apreciar são as declarações do Sr. Cunha Leal e bem assim as produzidas por parte dos diversos lados desta Câmara, pelo que à vida da Nação podem interessar os processos e os princípios dos partidos políticos da República.

Ouço dizer há 15 anos que é necessário arrumar as fôrças políticas da República. Estamos agora em mais um dia de arrumação. Essa arrumação é o que todos nós estamos vendo!

Pelas declarações do Sr. Cunha Leal ficamos sabendo que S. Exa. e os seus amigos políticos mantêm no novo agrupamento que formaram a mesma atitude e a mesma posição que tinham no Partido Nacionalista. Esperava êste lado da Câmara que em consequência de semelhante declaração da parte do Partido Nacionalista alguém se levantasse para dizer à Câmara que, de facto, ia mudar a orientação dêsse partido. Mas não sucedeu assim.

Levantou-se o Sr. Pedro Pita e declarou : continuamos hoje a ser o que éramos então.

Não se compreende.

Se continuam todos a ser o mesmo que eram antes da scisão, por que motivo se separaram?

O Sr. Cunha Leal do seu lado diz que o seu grupo é conservador.

O Sr. Pedro Pita diz que o seu partido é uma fôrça conservadora.

O Sr. Ramada Curto diz que os verdadeiros conservadores são os do Partido Nacionalista, visto que o Sr. Pedro Pita é conservador do registo predial. Talvez que S. Exa. tenha razão.

Seja como for, não há duvida que pelos desejos do Sr. Cunha Leal de ser eleito presidente do directório do Partido Nacionalista e pelas atitudes tomadas, só poderemos ver S. Exa. e o seu grupo a caminharem manifestamente para uma República Presidencialista.

Então a nós próprios dizemos: que cousas extraordinárias se passam nesta terra!

O Sr. Cunha Leal, que combateu Sidónio Pais, essa grande figura de republicano, aparece-nos agora presidencialista,

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ao passo que o político de maior evidência no presidencialismo, o Sr. Tamagnini Barbosa, nos aparece agora no campo oposto. Muitas voltas dá o mundo, Sr. Presidente!

Mas, que vemos nós?

Vemos parte dos elementos presidencialistas que acompanharam o Sr. Sidónio Pais, a cuja memória eu presto, como sempre prestei, as minhas homenagens, as mais sinceras, ao lado do Sr. Cunha Leal, e outros ao lado do ilustre homem público que é o Sr. Tamagnini Barbosa.

Compreendemos assim, o quê?

Que todos reconhecem que aquela tentativa que fizeram de República conservadora foi a última e faliu. E êles que nunca transigiriam com a República velha, que nunca transigiriam com o Partido Democrático, e tanto que não hesitaram em acoitar o apoio sincero e leal dos monárquicos para combater o Partido Democrático, defendem hoje o ingresso nesse Partido.

Pregunto a V. Exa. e pregunto à Câmara: há prova mais completa de que a República só pode ser o Partido Democrático?

É êste o ponto único que me interessa, repetindo que, para a solução do problema nacional, só uma solução conservadora, mas conservadora no sentido progressivo desta palavra, pode servir ao País.

Êste facto veio mais uma vez demonstrar a todos aqueles que quiseram alguma vez tentar uma República conservadora, que a República não pode ser senão o que é, e que a única solução capaz de salvar êste País é a restauração da Monarquia.

Sr. Presidente: o Sr. Moura Pinto, pessoa muito inteligente, disse e disse bem que nenhum problema pode ser resolvido sem se resolver o problema político.

Eu pregunto a S. Exa., pregunto a todos V. Exas. se, porventura, o acto político que acaba de ser anunciado à Câmara não é um agravamento do problema político.

Sr. Presidente: não quero alongar-me em mais considerações; desejo apenas acentuar mais uma vez que a República só pode agravar e agravar cada vez mais os problemas nacionais, estando nós cada vez mais convencidos da necessidade da solução monárquica como solução nacional.

Mais uma vez, em nome dêste lado da Câmara, agradeço ao Sr. Cunha Leal e aos seus amigos políticos os cumprimentos que nos dirigiram, endereçando igualmente a S. Exas. os nossos cumprimentos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: a minoria católica abstém-se de apreciar os actos que determinaram a scisão de que saiu o novo agrupamento político que acaba de ser anunciado à Câmara pelo Sr. Cunha Leal.

Eu sou, Sr. Presidente, dos que pensam que a política precisa de Partidos, desde que êles correspondam a ideas e correntes nacionais, porque os Partidos, quando assim são constituídos, contêm e subordinam as paixões individuais à defesa dos interêsses gerais da colectividade.

Ora o ilustre Deputado, Sr. Cunha Leal, como chefe brilhantíssimo do novo agrupamento, por si e pelos seus ilustres companheiros, veio dizer à Câmara que o novo agrupamento político vem para bem servir o País, entrando na realização das grandes reformas nacionais e de administração de que o País carece.

Tanto basta esta declaração para que eu dê ao novo agrupamento político as minhas boas vindas, agradecendo as saudações que dirigiu a êste lado da Câmara, e, ao mesmo tempo, prestando-lhe as minhas homenagens.

Por êste lado da Câmara asseguro-lhe a mesma lealdade que sempre temos usado para com todos os partidos políticos com representação nesta Câmara, e, ao mesmo tempo, faço os mais sinceros votos para que os esfôrços do novo agrupamento político, conjugando-se com os dos outros partidos, consigam a entrada numa nova fase que importe à boa administração pública, à boa política, de que está necessitado o País.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Fernandes de Oliveira: - Sr. Presidente: em nome do grupo agrário, dirijo ao novo agrupamento político, hoje

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anunciado nesta Câmara pelo Sr. Cunha Leal, as nossas sinceras homenagens, que, por serem fracas, não são menos sinceras nem menos afectuosas.

Êste lado da Câmara agradece os cumprimentos que o novo agrupamento político, chefiado pelo grande parlamentar e ilustre homem público Sr. Cunha Leal acaba de formular.

Agradecemos êsses cumprimentos e retribuímo-los, fazendo votos para que êsse novo agrupamento realize, pelo menos, uma parte do seu programa que pelo ilustre parlamentar foi exposto, isto é, de fazer uma oposição construtiva. Como essa é a principal função do grupo que aqui está representado, estamos de acordo nesse ponto, fazendo votos para que por várias vezes e sempre se fôr possível nos encontremos no mesmo campo da oposição construtiva.

Feitos êstes cumprimentos, agradeço em nome do grupo agrário as homenagens que nos foram dirigidas, homenagens que retribuímos com a maior afectuosidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: o ilustre parlamentar, Sr. Cunha Leal, notificou a esta casa do Congresso a constituição de um novo agrupamento político, afirmando, quer fora desta Câmara quer nela, os intuitos dêsse agrupamento e baseou ainda a posição que êsse grupo de parlamentares tomará para com o Govêrno da minha Presidência.

Agradeço imenso as palavras por S. Exas. proferidas, quer em seu nome pessoal quer no dos seus amigos.

Declarou que não faria nunca nma oposição do bota abaixo, que desejava o bem do País e o prestígio do regime, e isso me basta para ter a certeza de que S. Exa. vai praticar uma obra útil para a Nae5o. Tenho estado muitas vezes na oposição e nunca precisei de enxovalhar ninguém nem de cultivar ódios; pelo contrário tenho lamentado estas lutas fratricidas com que a Nação e o prestígio do regime nada ganham.

Mas, a propósito da apresentação dêste grupo de parlamentares, afirmou-se que o Govêrno da minha Presidência não seria o único que fôsse capaz de apurar as responsabilidades de um crime nefando praticado contra a Pátria. Bem o sei.

Mal iria para nós e mal iria para o País, se a moralidade da Nação estivesse dependente de um grupo do dez homens, a que tenho a honra de presidir.

Todavia, não me acusa a consciência de não ter porfiado, para que se chegas se até ao fim, procedimento que me tem dado grandes dissabores, que me há-de dar mais ainda, como já deu ao ilustre parlamentar.

Em certa altura disse-se que estávamos conchavados, e suponho que não vinha a propósito dêste caso referir êsses factos.

Em todo o caso, deixe-me V. Exa. Sr. Presidente, estabelecer o contraste com aqueles que têm porfiado por acusar o regime de impunidade.

Sempre que da constituição de qualquer agrupamento político possa derivar um bem para a Nação, compreende V. Exa. que não seria digno hostilizar essas pessoas, devendo acrescentar que nada tenho com os actos que determinaram de uma maneira geral êsse acontecimento político. Seria uma impertinência da minha parte e não me perdoaria nunca se tal fizesse.

Sr. Presidente: nesse agrupamento, vejo companheiros da implantação do regime, de cuja solidariedade jamais me poderia esquecer.

As homenagens do Govêrno a que presido vão para os ilustres parlamentares e para as pessoas que os acompanham e faço votos para que S. Exas. não tenham de modificar, por actos do Govêrno, aquela oposição que dignifica e que a própria de republicanos.

Ao Sr. Cunha Leal reitero os meus agradecimentos e homenagens, não só em nome do Govêrno, mas em meu nome pessoal, orgulhando-me com a sua amizade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Agradeço ao Sr. Presidente do Ministério, e a todos os Srs. Deputados que quiseram interessar-nos nos seus cumprimentos, a gentileza com que o fizeram, e mesmo àqueles que, porventura, tenham pôsto nesses cumpri-

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mentos qualquer ironia, declaro que no dia de hoje, não a percebi.

Nestes termos, aceito-os como bons, e não tenho que discutir.

Em todo o caso, fizeram-se afirmações que é preciso, nesta hora, não deixar passar em julgado.

Estranhou-se que eu não tivesse trazido aqui um programa completo de um agrupamento partidário em formação.

Muito embora raciocinasse mal, segundo a opinião de um parlamentar dos mais brilhantes desta Câmara, cuido que às vezes uma inteligência medíocre me poderá compreender.

Eu não vim apresentar à Câmara um agrupamento partidário, porque isso é cousa estranha à Câmara.

Apenas vim participar que alguns elementos que estão empenhados na constituição de um partido político, juntando-se a outros elementos independentes, resolveram constituir um grupo parlamentar que altera a mecânica e o xadrez da Câmara.

Assim, as referencias que se fizeram, sobre a falta de uma caracterização suficiente do partido, que lá fora, eu e os meus amigos, andamos empenhados em formar, são descabidas.

O grupo parlamentar tem um pensamento definido, tem um modo de actuar definido, que de resto é conhecido da Câmara.

O meu querido amigo Sr. Vasconcelos e Sá alguma cousa fez pela República, mais do que alguns mediocres que nos atacam.

O comandante Cabeçadas creio que não precisa de pedir licença a ninguém para ser republicano, o mesmo acontecendo aos outros meus amigos.

Não julguem que a ironia nos deprime ou abato.

Não.

Sendo assim, eu sinto-me muito bem na posição em que me colocaram, e êles na posição em que estão, porque a abdicação, em certas ocasiões, é um acto de tal grandeza, que é mais nobre obedecer do que mandar.

Grande não sou eu; grandes são êles, pondo a sua personalidade superior ao serviço de uma causa em ruim, que sou muito inferior a êles.

Não apoiados.

O partido, que lá fora se começa a organizar, também tem as suas ideas, e há-de dizê-las ao País.

V. Exas. representam a Nação, é certo, mas indirectamente.

Não é portanto a V. Exas. que nós nos dirigimos, embora cada um de V. Exas. tenha posições marcadas na política portuguesa.

Existe lá fora uma massa - todo o País - que precisa de nos ouvir.

Estejam descansados os Srs. Deputados que estranharam que não tivéssemos apresentado ainda o nosso programa, porque êle aparecerá, dentro em breve, por meio de manifestos, por meio de um jornal, que fundarei em pouco tempo.

Mas eu não estranhei os vossos comentários; V. Exas. têm o pleno direito de discutir como quiserem; eu, porém, tenho o dever de esclarecer.

Se não me referi aos incidentes que levaram a mim e aos meus companheiros a sair de um partido, foi porque não era êste o local próprio.

Nem o sarcasmo, nem a injúria, nem a ameaça nos impedirá de ir pelo País fora dizer-lhe qual o nosso objectivo, qual o alto sentimento patriótico que domina a nossa acção.

Mas parece-me que ainda noutro ponto não falei claro.

Disse que iria fazer ao Govêrno a oposição construtiva.

Entre as numerosas pessoas que me dirigiram as suas saudações, se houve algumas que entenderam o que queria dizer cr oposição construtiva", e entre êles o Sr. Fernandes de Oliveira, que compreendeu tam bem o significado dessa expressão, houve outras que não perceberam.

Onde digo oposição, falaram S. Exas. em "acordo".

Quando falei em "oposição", S. Exas. falaram em "conchavo".

Quem me obriga a fazer a política de um terceiro, em desfavor do Sr. António Maria da Silva, se porventura eu reputar êsse terceiro pior do que S. Exa.?

Imaginemos que amanha um grupo de esquerdistas, de socialistas, de amigos do Sr. Álvaro de Castro e uma parcela do Partido Republicano Português se conchavam secretamente para derrubar o Govêrno do Sr. António Maria da Silva e para lhe sucederem pela formação de um

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bloco parlamentar, que torne possível essa sucessão.

Qual era o meu dever, pôsto em face desta posição parlamentar?

É fazer-lhes o jôgo - desculpem-me o termo - de graça?

É servir os elementos que se conchavam?

Não!

E então dirão: lá está o Ganha Leal, que tem sido tam intransigente com os democráticos, anão querer bater-se agora.

Mas o Cunha. Leal não quere que continue a farça de se poder afirmar em relação ao seu partido aquilo que V. Exas. diziam quando pretendiam, há tempos, derrubar um Ministério: temos aqui na algibeira os votos dos "pobres nacionalistas" - como então nos chamavam- para derrubar o Govêrno quando quisermos e entendermos.

É bom recordar o que então sucedeu.

Nós, em certa altura, tínhamos uma divisão no partido, porque uns queriam derrubar o Govêrno do Sr. António Maria da Silva e outros entendiam que isso não se deveria fazer, porque seria derrubar um Govêrno, para o substituir por um outro incerto.

Eram dez que pensaram por uma forma e outros dez por outra e, em certa altura, encontrei-me armado em fiel de balança, mas não querendo causar prejuízos ao meu partido não fui nem por uns nem por outros, e então eu verifiquei que o meu partido tinha sido amputado de dois membros que eram os dois de mais alto valor que têm passado pelo Parlamento. Os Srs. Ferreira de Mira e Moura Pinto.

Vozes: - Apoiado!

Mas nisto apareceu um salvador, que aconselhava que o Partido Democrático, cansado do Poder, deveria dar lugar ao Partido Nacionalista, e que nesses termos deveria ser apresentada uma moção.

Se a Câmara aprovar essa moção, disse eu, os nacionalistas não serão chamados ao Poder e, então, estará em crise a Presidência da República.

Interrupção do Sr. Moura Pinto, que não se ouviu.

O Orador: - Apresentada a moção, vieram logo as declarações de voto.

A primeira foi a do Sr. Vergílio Saque e a outra foi a do Sr. Viriato da Fonseca.

Evidentemente que isto não terá outro intuito senão verem-se livres dos seus correligionários.

Quando foi no final do ataque ao Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos, eu tive a unanimidade de aplausos dos meus partidários e todos me cumprimentaram.

O Sr. Pedro Pita (em àparte): - Menos eu!

O Orador: - Não estou ao lado do Govêrno, mas também não estou ao lado de nenhum grupo parlamentar para lhe fazer a vontade de derrubar governos, como um touro que arremete contra as tábuas da barreira.

Fora dos momentos de interêsse nacional, que não são tantos como se pode calcular, não faremos, repito, uma oposição imbecil de "bota a baixo".

Apoiados.

E, não há más interpretações ou desvirtuamentos do meu pensamento ou do meu grupo que me façam alterar esta posição. Mas, faremos sempre uma fiscalização, e opor-nos hemos a todos os actos que representem desmandos ou prejuízos para a Nação. Porém, fora disto, não.

Destruam, acusem, que isso não nos importa, porque estamos unidos e firmes nestes princípios. E eu. tendo a acompanhar-me homens como Vasconcelos e Sá, Lelo Portela, Artur Brandão, Custódio de Castro, Soares dos Reis e tantos outros, sinto-me bem, porque no dia em que êles se convençam de que essa atitude se há-de modificar, eu aqui o anunciarei, mas não às ordens de ninguém.

Apoiados.

Também do lado dos meus amigos monárquicos que ali se encontram, e que são, creio eu, todos êles meus amigos pessoais, se me dirigiram várias acusações, tendo concluído, a propósito, que era necessário fazer a Monarquia.

Eu pregunto ao Sr. Carvalho da Silva, porque é que a não faz...

Risos.

Pois quê?! A República é infelizmente isto que nós estamos vendo, a República tem cometido toda esta série de desman-

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dos que a nós, republicanos, que o somos, pelo coração, nos enchem da mais infinda tristeza; a República tem sido uma realidade bem diferente dos nossos sonhos, e contudo os audazes campeões da Monarquia, servidos pelos nossos erros, e que todos os dias fazem a Monarquia com a boca, ainda a não conseguiram fazer com os canhões?! Que a façam, se são capazes disso, e que não nos massem.

O que se prova é que a causa monárquica está tam desacreditada, que nem os nossos erros a conseguem já acreditar.

Apoiados das bancadas republicanas e não apoiados das bancadas monárquicas.

As minhas palavras de maneira nenhuma querem significar menos consideração e menos respeito por aqueles combatentes da causa monárquica, que julgam sinceramente que a Monarquia é a única salvação do País.

Apoiados.

O Sr. Vasconcelos e Sá (em àparte): - Muita consideração, mas muita República.

Risos.

O Sr. (Carvalho da Silva (interrompendo): - Eu devo dizer a V. Exas. que uma das razões por que nós entendemos que devemos restaurar a Monarquia, é porque não queremos acompanhar uma cousa que está desacreditada, e que é a República.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a interrupção que me fez; mas peco-lhe para não mais me interromper.

Sr. Presidente: sou o primeiro, na verdade, a reconhecer os erros da República; porém, devo dizer que, se fôsse possível mudar de regime em Portugal, consideraria isso um verdadeiro crime nacional.

Muitos apoiados.

Se na verdade a República, Sr. Presidente, não tem correspondido àquilo que seria necessário, por culpa de não imporem aos seus governantes a obrigação de bem governarem, eu estou absolutamente convencido de que êsses erros seriam ainda muito maiores se se dêsse uma restauração monárquica, pois a verdade é que a Monarquia, que hoje não tem homens, amanhã faria muito pior do que o fez nos últimos tempos, e assim a anarquia enx Portugal seria absoluta e completa.

Sr. Presidente: ainda se foi buscar para o debate, o a meu ver muito mal, o princípio presidencialista na vida política, quando na verdade eu não vejo, nem reconheço, a necessidade ou a vantagem que possa haver para a Nação em o Presidente ser eleito directamente pelo País.

Vejam V. Exas. por exemplo o que seda sôbre o assunto nos Estados Unidos da América do Norte, e bem assim na República do Brasil.

Na verdade eu não vejo na realidade a vantagem que possa haver nisso para a Nação.

Sr. Presidente: o Sr. Carvalho da Silva fez uma referência, que eu muito lamento, quanto à memória do Dr. Sidónio Pais.

Eu combati muita vez a sua política, mas não posso deixar de fazer justiça às suas intenções, que alguns deturparam; de fazer justiça também aos rapazes nobres e valentes (Apoiados) como Botelho Moniz e Teófilo Duarte, que estiveram ao seu lado, e que na sua amizade o dedicação foram inexcedíveis.

Apoiados.

Se há outra vida, como creio, nessa outra vida o Dr. Sidónio Pais não terá que enjeitar a amizade que o ligou a êsses bravos e heróicos rapazes.

Apoiados.

Sr. Presidente: agradeço as palavras de cortesia que me dirigiram de todos os lados, bem como o Sr. Presidente do Ministério, que tam gentil foi para comigo.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara a fim de a comissão do Orçamento reunir amanhã pelas 15 horas.

Foi aprovado.

O Sr. Guilhermino Nunes: - Faço igual pedido do Sr. Paiva Gomes para a comissão de legislação criminal.

Foi aprovado.

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ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro sôbre as pautas aduaneiras.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca: - Tenho de apreciar êste assunto sob os pontos do vista económico, financeiro e fiscal.

Claro é que, sob o ponto de vista fiscal, os direitos pautais são uma. fonte de receita para o Estado. E pareceria à primeira vista que, quanto maiores êles fossem, melhor seria para o Estado. Todavia, isso seria, em certos casos, tornar os direitos proibitivos, o que, afinal, representaria um prejuízo.

Sob o ponto de vista económico, todos estamos de acordo em que é necessário proteger as nossas indústrias, em geral, e, sobretudo, algumas certas e determinadas, que, de forma alguma, poderão viver sem essa protecção.

Quero citar, entre outras, a indústria agrícola, que, sendo absolutamente necessária para o País, é também das mais inteligentes1; e entre as produções agrícolas devo especializar a do arroz, que só poderá progredir com uma grande protecção pautal.

De entre as indústrias propriamente ditas, outras há que precisam também dessa protecção, como por exemplo a do carbureto de cálcio, que, se não fôr devidamente protegida, terá de desaparecer por completo.

Mas é necessário que essa protecção aduaneira não seja dada gratuitamente. É preciso impor às indústrias a obrigação de se modernizarem, por forma a que não abusem da protecção que se lhes dá, não se lhes devendo também consentir que aumentem exageradamente o preço dos seus produtos, a fim de se evitar que suba o custo da vida.

É conveniente que não deixemos morrer à míngua as nossas indústrias; mas, repito, devemos rodear essa protecção pautal de todos os cuidados. E entendo também que êsse proteccionismo se não deve estender àquelas indústrias que não têm condições de viabilidade no País.

Sob o ponto de vista internacional, Portugal, sendo um país grandemente importador, tem direito a jogar com as suas pautas.

Nós importamos trigo, carvão, bacalhau e outros géneros, sobretudo alimentícios; e é necessário que façamos com as nossas indústrias, e com os objectos do luxo, um jôgo, para que os países de onde nós importamos nos possam conceder outros benefícios em relação a essas importações.

E, visto que estou falando acerca de alfândegas e de pautas aduaneiras, eu devo ainda dizer que é necessário que se acabe com as alfândegas que existem no interior do País; refiro-me ao imposto ad valorem, que é preciso que seja extinto.

Depois da guerra criaram-se essas alfândegas, que são absolutamente prejudiciais para a economia do País. Eu sei que acabar com êsse imposto é, para muitas câmaras municipais, um encargo pesado. Desde que se lhes concedeu êsse imposto, é necessário arranjar uma fórmula de transição, de maneira a que se possa acabar em todo o País com essas alfândegas, que são, repito, absolutamente prejudiciais para a economia nacional.

Há dias o Sr. Ramada Curto referiu-se às alfândegas da fé, que antigamente existiam, o eu devo afirmar que não seria talvez mau que fossem criadas as alfândegas da moral, para evitarem a circulação de um certo número de publicações, etc.

Falo nisto porque está intimamente ligado com o problema das pautas.

Encarando a questão das pautas com êste critério, a minoria católica tem, sob esto ponto do vista, ideas perfeitamente definidas. Devemos proteger a indústria, mas impondo-lhe a obrigação de se aperfeiçoar por forma a que não venha lesar os interêsses dos consumidores, antes, pelo contrário, veja nessa protecção um estímulo para se modernizar, tornando-se cada vez mais perfeita.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Rosado da Fonseca: - Sr. Presidente: está em debato um assunto sumamente grave, a que nós não podemos deixar de prestar o melhor da nossa

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atenção, lamentando eu desde já que não se possa dar a tanto problema, intimamente ligado com o das pautas, aquela solução que êles exigem.

Estamos vivendo uma época do perfeita anormalidade, que torna impossível o estabelecimento de pautas para prazos determinados e longos, porque impossível é prover qual seja a situação económica do País dentro dum prazo certo. Não só pode, com efeito, garantir que a taxa fixada hoje seja admissível daqui a um, dois ou cinco anos.

Por todos tem sido aqui afirmado que se torna indispensável tratar com urgência de solucionar tantas reclamações que estão pendentes da comissão de serviços técnicos aduaneiros. E necessário que o Sr. Ministro das Finanças apresente uma proposta de lei que, sendo votada, autorize o Govêrno a atender tais reclamações num curto prazo, que será fixado nessa mesma proposta de lei.

Atravessa a indústria uma crise enormíssima, de que poucos terão talvez aqui uma verdadeira noção.

A crise é maior, muito superior - sem intuitos do exagero - ao que se julga. Para resolvê-la há muito que fazer; mas parece-me que, com boa vontade da parte do Govêrno, por agora bastaria que fôsse apresentada imediatamente uma proposta de lei atendendo as reclamações que incidem sôbre as taxas pautais. Mas o resto, o resto, que é mais, o rosto que, não sendo atendido, deixa quási improfícuo êste trabalho da modificação das pautas?

De que serve ir dar uma protecção pautal, que de certo modo protege contra os produtos similares estrangeiros determinada indústria, se essa indústria vive sem sangue, sem meios, vive - perdoem-me a frase - sem vida, vive a morrer?

Não tem o Govêrno ao seu alcance maneira de poder encarar o problema por todos os seus aspectos, de maneira a que numa resolução de conjunto, e não por meio de pequenos remendos, resolva completamente o problema?

Creio que tem.

E indispensável que as atenções do Govêrno se firmem neste facto, com a vontade decidida de resolver o problema, e em poucos dias.

E um assunto tam grave o aspecto que hoje a crise industriai nos apresenta que ou ela se resolve dentro de curto prazo ou nós teremos fatalmente de assistir a um espectáculo tristíssimo, que já está iniciado.

O problema precisa ser atacado com firmeza. É como um incêndio que começasse a lavrar num prédio precioso, que tem de ser atacado ràpidamente, senão o mal alastra, o fogo não deminui, e em poucos instantes não restará nada do precioso prédio.

Com pequenos remédios, apenas, chegamos ao fim o dizemos: "Foi um trabalho inútil, porque chegamos tarde".

Êste caso corro especialmente pela pasta das Finanças, e o Sr. Ministro tem conhecimento dele. S. Exa. sabe que as dificuldades de crédito são extraordinárias. A crise financeira é aquela que todos nós sabemos.

E, pois, urgente, emquanto outras modalidades de crédito se não adoptarem, que a crise bancária seja resolvida; ao Banco de Portugal sejam dadas facilidades, pondo-o em condições de poder facilitar a vida económica do País, o que hoje não pode fazer. Arrasta atrás de si a vida dos que não têm um pecúlio particular, e que o estão hoje sacrificando até o último centavo.

Mas eu não vejo nas medidas governativas qualquer remédio para êste mal, que poderia ser, a meu ver, e sem dificuldades para o Tesouro, sem agravar as dificuldades do Banco de Portugal, atacado, mas por forma de não ser aquela que foi apresentada pelo Sr. Aboim Inglês, que foi usado na Alemanha.

Nós somos um país muito pequeno, e no nosso meio seria absortamente impossível a sua prática com utilidade.

Nos meios pepuenos como o nosso isso é, a meu ver, absolutamente impossível.

Refiro-me ao assunto pelo facto de o mesmo ter aqui sido ventilado e por, na verdade, êle me parecer interessante para o crédito industrial; o que se me afigura mais razoável e prático do que o crédito agrícola, que, na verdade, é insignificantíssimo ou quási nulo.

Essa operação em conjunto, a meu ver, sem dispêndio para as finanças públicas, seria muito favorável à indústria e a agricultura, deixando para o comércio, isto

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é, para aqueles que necessitam de recorrer ao crédito, as disponibilidades dos bancos, visto que a indústria e a agricultura ficariam cobertas por meio duma operação financeira.

É possível que, não sendo eu um técnico nem um financeiro, tenha talvez o arrojo de vir para aqui preconizar medidas financeiras, que aliás, e nesta minha maneira de ver, não teria dúvida em pôr em prática se tivesse nas mãos os meios necessários para o fazer, e que os técnicos não fazem, atendendo às leis que existem.

Creio, Sr. Presidente, que seria esta a única forma, de fazer-se alguma cousa, tanto mais quanto é certo que o Estado ficaria com a garantia dos valores das instalações industriais.

Eu pregunto se seria possível fazer-se qualquer especulação à sombra desta operação.

Não era.

Ao Estado nada se pediria, e aos bancos deixavam-se livres as suas reservas para acudirem a todas as necessidades fora da lavoura e da indústria. Teríamos assim conseguido, a um juro módico, facilitar a vida das indústrias e da agricultura.

A pouco e pouco ir-se-ia substituindo a emissão pelos juros e teríamos, em pouco tempo, constituído o fundo do crédito agrícola e do crédito industrial, com a nota do Banco de Portugal, sem de maneira alguma se afectar a circulação fiduciária normal. Tracei por norma da minha conduta apresentar com todo o desassombro a minha maneira de pensar, quando esteja certo de que ela corresponde ao que se considera ser o interêsse do País. Tenho a coragem de arcar com os comentários da sciência traduzidos pelas apreciações dos técnicos, e igual coragem tenho para afirmar que, se é certo que à sciência se deve respeito, e aos técnicos se deve a consideração que merecem pelos seus conhecimentos, também não é menos verdade que não podemos deixar de nos curvar ante os conselhos práticos da vida que temos de respeitar igualmente.

Julgo que o Sr. Ministro das Finanças não deverá deixar de pensar no caso, quanto mais não seja para o considerar uma base de estado, afirmando eu desde já, e mais uma vez, que, se não houver o cuidado de acudir de pronto a êste problema, correr-se há o risco de chegar tarde com qualquer remédio.

Os casos que se apontam já não podem ser hoje classificados de casos isolados. São sintomas de se haver já começado no levantar de pano, e estamos a ver que o espectáculo vai ser bem triste. Chamo, pois, a atenção do Sr. Ministro das Finanças para esta situação, e peco-lhe que lhe acuda de pronto. Assim terá S. Exa. prestado ao seu País um serviço verdadeiramente inestimável.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar ao período de "antes de se encerrar a sessão"; se V. Exa. quere, pode ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Fico com a palavra reservada.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, guando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Alfredo Nordeste: - Há algumas sessões que tenho pedido a palavra para quando esteja presente o Sr. Presidente do Ministério, mas S. Exa. não se digna aqui comparecer.

Peço a V. Exa. que informe o Sr. Presidente do Ministério de que amanhã, antes da ordem do dia, desejo a presença de S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã à hora regimental com a seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia: Parecer n.° 82, que alteia o § 4.° do artigo 13.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922.

Ordem do dia:

Parecer n.° 45-A, Orçamento do Ministério do Interior.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

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Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Última redacção

Do projecto de lei n.° 21, que manda rever os processos relativos a mutilados e inválidos de guerra que por falta de averbamentos nos registos clínicos não obtiveram despacho favorável.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta se ao Senado.

Propostas de lei

Do Sr. Ministro da Guerra, para que não sejam concedidas graduações, nos diversos postos, a oficiais em serviço em Ministérios diferentes do da Guerra.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, alterando a redacção do § 7.° do artigo 1.° e a do corpo do artigo 10.° do decreto n.° 7:823.

Para o "Diário do Governo".

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 36-O, que determina que a assemblea eleitoral de Albergaria-a-Velha fique constituída por esta freguesia e pela de Valmaior.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da mesma, sôbre o n.° 36-P, que cria uma assemblea eleitoral na freguesia de Fermelã, concelho de Estarreja.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 20-F, que reorganiza os serviços de emigração.

Imprima-se.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 12-II, que concede a pensão anual de 3.000$ a D. Maria Eosa Valadares Alves e D. Albertina Valadares Alves, viúva e filha do coronel António Alfredo Alves.

Imprima-se.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 12-P, que autoriza a colónia de Moçambique a contrair um empréstimo até 18 milhões de escudos para liquidação de saques respeitantes a artigos de produção nacional.

Imprima-se.

Declaração de voto

Declaro que, se estivesse presente quando foi votada a proposta do Sr. Teixeira Pinto tendente a extinguir a Embaixada junto do Vaticano, a teria rejeitado.

Sala das Sessões 10 de Março de 1926. - O Deputado, A. de Sant'Ana Marques.

Para a acta.

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações sôbre os actos de Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado, nomeadamente no que diz respeito ao fornecimento de carvão, carris e travessas, desvio ilegal de verbas, compra de material, pessoal adido, etc.

Em 10 de Março de 1926. - O Deputado, Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.

Expeça-se.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado, me sejam fornecidas cópias dos seguintes documentos:

1.° Do caderno de encargos do concurso para fornecimento de carvão de 10 de Janeiro de 1925.

2.° Da relação dos concorrentes ao concurso referido no número anterior, com indicação do texto das propostas que apresentaram;

3.° De todas as comunicações da Direcção dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro à Administração Geral que se relacionem com o concurso referido no número 1.°, especialmente as designadas sob os n.ºs 17 A. G. de 19 de Janeiro e 61 A. G. de 8 de Fevereiro de 1925;

4.° Idem, da Administração Geral à direcção dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro, especialmente as designadas sob os n.ºs 5:103, de 28 de Janeiro, e 350, de 22 de Fevereiro de 1925;

5.° Da comunicação n.° 5:175, de 10 de Maio de 1925, à direcção dos Caminhos

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de Ferro do Minho e Douro e da resposta à comunicação n.° 324 A. G. da mesma direcção;

6.° Do caderno de encargos do fornecimento de 7:780 carris, adjudicado à Société Anonyme des Aciéries de Micheville;

7.° Das comunicações que alteraram as cláusulas do caderno de encargos referido no número anterior, com indicação das datas em que foram feitas essas alterações; e

8.° Da relação dos concorrentes ao concurso referido no n.° 6.°, com indicação do texto das propostas que apresentaram e data da adjudicação.

Lisboa, 10 de Março de 1926. - O Deputado, Rafael Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja facultada para consulta, com urgência, toda a correspondência telegráfica enviada ao Govêrno da Metrópole, sôbre a greve ferroviária de Moçambique, consequentes expulsões de cidadãos portugueses, qualquer relatório enviado sôbre o mesmo assunto, qualquer reclamação apresentada por Govêrno estrangeiro por agressão a súbditos seus, bem como a correspondência trocada sôbre as razões que deram motivo à interrupção dos trabalhos sôbre a convenção Moçambique-União.

Lisboa, 10 de Março de 1926. - O Deputado, Delfim Costa.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio e Comunicações, me seja fornecida nota detalhada dos telefones do Estado que foram distribuídos por todos os Ministérios, por funcionários públicos e assim:

a) Nome dêstes funcionários;

b) Sua categoria oficial;

c) Local da instalação telefónica, bem assim a dos funcionários que pagam 50 por cento, com as indicações constantes das alíneas a) b) e c).

Em 10 de Março de 1926. - O Deputado, Mariano de Melo Vieira.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, mo sejam enviadas urgentemente cópias dos processos referentes às alunas expulsas do Instituto de Educação e Trabalho, de Odivelas, no ano findo e corrente.

Lisboa e sala das sessões, 10 de Março de 1926. - O Deputado, João Raimundo Alves.

Expeça-se.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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