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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 71

EM 15 DE ABRIL DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Adolfo de Sousa Brasão

Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Manuel José da Silva trata, do modo como decorrem os trabalhos parlamentares e das relações entre o Govêrno e o Parlamento

O Sr. Rafael Ribeiro queixa-se da falta de remessa de documentos que solicitou e ocupa-se dos serviços da investigação criminal e do problema dos passaportes.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) responde ao orador antecedente e trata da carteira de identidade para jornalistas

O Sr. Rosado da Fonseca pregunta se o Sr. Ministro do Comércio vem ao Parlamento

O Sr. Presidente declara não ter informação alguma a tal respeito.

O Sr. Rafael Ribeiro volta a ocupar-se dos passaportes.

O Sr. José Domingues dos Santos alude ao facto de o chefe do Chefe do Govêrno ter usado da palavra durante, mais de dez minutos.

O Sr. Presidente explica êsse facto.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) usa da palavra para explicações.

É posta em discussão a acta da sessão anterior.

O Sr. Vitorino Guimarães protesta contra determinadas palavras proferidas na sessão anterior por um membro da minoria monárquica a respeito do Sr. Ministro da Justiça.

Os Srs. Carvalho da Silva, José Domingues dos Santos, Henrique Cabral, Marques Loureiro e Jorge Nunes manifestam-se a propósito do incidente.

É aprovada a acta.

Ordem do dia. - Continua em discussão o parecer n.º 133, que regula o regime do fabrico e comércio do tabaco.

O Sr. Dagoberto Guedes faz a defesa da "régie".

O Sr. Cunha Leal fala sôbre a ordem, mandando para a Mesa a sua moção e ficando com a palavra reservada.

O Sr Presidente suspende a sessão para prosseguir à noite.

Reaberta a sessão, entra em discussão o parecer n.º 46-H, relativo ao orçamento do Ministério do Comércio e Comunicações.

O Sr. Manuel José da Silva usa da palavra sôbre o capitulo 1°, que é aprovado.

O Sr. Amorim Ferreira, que manda para a Mesa uma moção, ocupa-se do capítulo 2.°

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos) declara aceitar a proposta do Sr. Amorim Ferreira

O Sr. Manuel José da Silva manifesta opinião contrária.

Os Srs. Aboim Inglês, Soares Branco e Manuel José da Silva usam da palavra a propósito do capítulo 2.°

O Sr. João Luís Ricardo fala como relator.

Os Srs. Marques Loureiro e Paiva Gomes expõem o seu critério acerca da admissão da moção do Sr. Amorim Ferreira.

O Sr. Manuel José da Silva declara acompanhar a Mesa na atitude que tomou sôbre o assunto.

Os Srs Marques Loureiro e Manuel José da Silva voltam a usar da palavra relativamente ao modo de se discutir a moção.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 15 horas e 16 minutos.

Presentes à chamada, 41 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 76 Srs. Deputados.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António de Paiva Gomes.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos de Moura Carvalho.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos António de Lara.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Felizardo António Saraiva.
Henrique Pereira de Oliveira.
Herculano Amorim Ferreira.
João da Cruz Filipe.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Maria Alvarez.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José Rosado da Fonseca.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vitoríno Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Pedro Guisado.
Amâncio de Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António Leite de Magalhães.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel Rodrigues Salgado.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Augusto Reis Costa.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais da Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime António de Palma Mira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Agua.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Raimundo Alves.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.

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Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Nunes Mexia.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José do Vale de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Lourenço Correia Gomes.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Mariano de Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Paulo Limpo de Lacerda.
Raul Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Severino Sant'Ana Marques.
Vasco Borges.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Álvaro Xavier de Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
Artur Brandão.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Fuseta.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Cruz.
Guilhermino Alves Nunes.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Baptista da Silva.
João Lopes Soares.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Raul Marques Caldeira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 41 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Ofícios

Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, enviando a proposta orçamental da Inspecção Geral dos Caminhos de Ferro para o ano económico de 1926-1927.

Para a Secretaria.

Das câmaras municipais da Marinha Grande e Castro Marim, secundando o pedido na representação da câmara do Cartaxo, sôbre estradas.

Para a comissão de obras públicas e minas.

Do Sindicato Agrícola de Portalegre, pedindo a promulgação duma lei que proíba, na alimentação, o uso de gorduras vegetais que não seja o azeite de oliveira.

Para a Secretaria.

Da Junta de Freguesia de Covelo de Paivô e da Irmandade de Nossa Senhora

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4 Diário da Câmara dos Deputados

do Ó, freguesia de S. João da Lourosa, concelho de Viseu, pedindo a aprovação do projecto de lei que reconhece a personalidade jurídica, às igrejas.

Para a Secretaria.

Telegramas

Do Grupo de Acção Nacional, de Lourenço Marques, pedindo para se obrigar o Banco Ultramarino a cumprir os contratos com o Estado.

Para a Secretaria.

Da Comissão Paroquial do Partido Republicano Português, de Cácia, Aveiro, protestando contra a régie dos tabacos, ou outra solução que não seja a indústria livre.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal do Funchal, protestando contra a proposta de lei relativa a construções escolares.

Para a Secretaria.

Da Juventude Católica de Espinho; da Irmandade do Rosário, do Campo (Viseu); da Junta do Freguesia do Campo (Viseu); da Juventude Católica,, de Santa Catarina (Lisboa); da Associação do Coração de Jesus, de Vila Maior (S. Pedro do Sul); do Senado Municipal, de S. Pedro do Sul; do Centro Católico de Paços Ferreira; da Associação Nun'Alvares Pereira e Juventude Católica da Guarda; da Irmandade de Vila Maior (S. Pedro do Sul); da Comissão Executiva da Câmara de Vagos; do Centro Católico da Guarda; da Junta de Paróquia de Tondela, pedindo a aprovação do projecto que reconhece personalidade jurídica à Igreja.

Para a Secretaria.

Representação

De vários funcionários do serviço interno da Inspecção Geral de Caminhos de Ferro, repudiando por completo uma representação entregue há dias, na qual se altera duma forma geral a reorganização dos serviços, publicada pelo decreto n.° 11:383, de 27 de Novembro de 1925.

Para a comissão de caminhos de ferro.

Requerimentos

De Manuel de Oliveira Cunha, enfermeiro dos Hospitais Civis de Lisboa pedindo para ser junto ao seu processo de reconhecimento como revolucionário civil um atestado que envia. Junte-se ao processo.

De Lucas dos Santos, contínuo do Ministério das Colónias, pedindo a contagem de designado tempo para a reforma.

Para a comissão de colónias.

Pareceres

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 952-E, que dá preferência no provimento das vagas no quadro dos mestres nas escolas industriais do País, às jornaleiras em designadas condições.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 14-D, que concede a D. Amélia Ferreira da Silva Pôrto a pensão anual de 3.000$.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 134-F, que fixa a pensão da reforma extraordinária ao agente de autoridade que, em resultado de ferimentos ou acidentes, em serviço, se impossibilite para o desempenho das suas funções.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 24-H, que cedo à Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, designado edifício para instalações da Escola de Sericicultura.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 20-G, que autoriza o Govêrno a criar um armazém central para fornecimento de mobiliário, materiais e artigos de expediente, às secretarias do Estado.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 12-LL, que cria o lugar de sub-chefe do pessoal menor no Ministério da Instrução Pública e extingue um lugar de contínuo.

Imprima-se.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: os assuntos que me levaram a

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fazer inscrever-me para usar da palavra no período de antes da ordem do dia, para serem tratados sem inutilidade, demandavam a presença de qualquer membro do Govêrno.

Infelizmente, o Govêrno só se faz representar t nesta Câmara quando não é preciso. É uma tàtica, talvez boa, que não quero apreciar neste momento, mas que é bom registar.

Ontem mandei para a Mesa um projecto de lei, subscrito por vários Srs. Deputados de todos os lados da Câmara. Êsse projecto visa a estabelecer um modus vivendi, quanto a tratamento dos Deputados, sob o ponto de vista de vencimentos e faltas, um pouco mais moral do que aquele em que se vive.

A Câmara não ignora que há parlamentares que, dentro da legislação em vigor, e portanto legitimamente, optam pelos seus vencimentos como funcionários, e outros há que, por não serem funcionários, têm de aceitar a posição que a lei lhes marca, qual seja a de receber integralmente o subsídio de parlamentar.

Destas duas situações resultam também, quanto a faltas, duas situações absolutamente desiguais. Uns podem faltar à sua Câmara, sem que a legislação tenha acautelado essas faltas, tributando-as devidamente; outros, os que recebem, o subsídio integralmente pelo Congresso, sempre que faltam à sua Câmara, tem de suportar um desconto, que é de um, trinta avos do valor do vencimento.

Veja V. Exa., como consequência lógica desta diversidade de situações, que aqueles que recebem os seus vencimentos pelo Congresso são forçados, malgré tout, a tomar parte nos trabalhos da Câmara, desde que se iniciam até que se encerram, ao passo que os outros estão dispensados.

Como consequência última, os que estão na primeira categoria acabam por fatigar-se ao cabo de certo tempo, e não dão o rendimento de trabalho que poderiam e deveriam dar. Os outros nunca aqui aparecem, do que pode resultar, e poucas têm sido as vezes, felizmente, faltas de número.

Sr. Presidente: temo que as faltas de número, visto o Parlamento ter entrado numa fase intensiva de trabalho, sejam frequentes e contribuam ainda mais para o descrédito parlamentar. Ora é isso que se torna preciso evitar.

Estou convencido de que a Câmara, una você, dará o seu apoio à aprovação do projecto mandado para a Mesa por mim e assinado por outros Srs. Deputados.

Não peço a dispensa do Regimento, mas apenas a urgência, fazendo acompanhar êste requerimento do desejo de que a comissão que sôbre êle tem de pronunciar-se o faça ràpidamente, a fim de evitar que um dia, e bem próximo será, qualquer Deputado, pelo menos daqueles que o subscreveram, tenha de requerer a dispensa do Regimento para a discussão.

Apesar de ter declarado que os assuntos que me levaram a pedir a palavra nesta altura exigem a presença de qualquer membro do Govêrno, não quero deixar de aproveitar o ensejo para mais uma vez solicitar a intervenção de V. Exa. no sentido de pôr um pouco de ordem na vida de relações entre o Govêrno e o Parlamento.

Já há tempo alvitrei aqui que para boa ordem dos trabalhos, e para economia de esfôrço por parte do Govêrno, se fizesse uma distribuição de trabalhos nestas condições: às segundas-feiras e têrças-feiras os Srs. Ministros das Colónias e Comércio apareciam na Câmara para responder aos Deputados que quisessem tratar de assuntos que correm pelos departamentos que S. Exas. chefiam; às quartas-feiras e quintas-feiras apareciam os Srs. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, e às sextas-feiras os Srs. Ministros da Guerra e Marinha.

Isto estabelecido, traduzir-se-ia numa economia de esfôrço para o Govêrno e de irritação para a Câmara.

Muitos Deputados levam semanas inteiras a inscrever-se no período de antes da ordem do dia, na intenção de tratarem de assuntos de flagrante oportunidade, e ficam inibidos de o fazer, porque os Ministros raramente aparecem.

Ser membro do Poder Executivo é, em toda a parte, e principalmente em Portugal, uma missão difícil. Governar apenas para ir à terra cumprimentar os amigos da junta de freguesia, receber os cumprimentos das pessoas de família e as mesuras do pessoal menor dos Minis-

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6 Diário da Câmara dos Debutados

térios, é fácil, mas governar vindo à Câmara trazer obra útil, sujeitando-se à crítica, é bem mais difícil.

Preciso é que o Govêrno se convença de que o regime em que vivemos não pode continuar.

Sr. Presidente: tratei já algumas vezes nesta Câmara dos aspectos de um problema de flagrante oportunidade, que é o tratado entre Portugal e a Alemanha. Sei que o Sr. Ministro dos Estrangeiros está no firme propósito de vir à Câmara, quando possa, fazer declarações a êsse respeito. Se o não fez até agora, foi certamente porque a complexidade dos assuntos de que S. Exa. teve a tratar até o presente momento o impediu de comparecer. Entretanto, e a despeito de eu saber isto da própria boca do ilustre Ministro, não quero deixar de manifestar a V. Exa. o desejo que tenho de ver tratado êste assunto no Parlamento, para que a sua discussão possa, de facto, ter alguma vantagem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior para o facto de os parlamentares terem pedido pelo seu Ministério diversos documentos, sem resultado.

Já fizeram 17 requerimentos e até hoje o Sr. Ministro do Interior tem tido tanto que fazer, há tido tanto trabalho para solucionar uma crise ministerial que ainda não teve tempo para dizer aos seus subordinados que apressem as cópias dos documentos pedidos, porquanto até agora só satisfez dois.

Certamente que o Sr. Ministro do Interior que deseja e quere respeitar o Poder Legislativo, vai dizer as causas, os motivos por que ainda não satisfez os pedidos dos parlamentares, que certamente os realizam para tratar de assuntos nesta Câmara.

Chamo também a atenção do Sr. Ministro do Interior para a maneira como estão correndo os serviços da polícia de investigação criminal. Talvez por falta de meios, talvez por falta de pessoal competente e não decerto por culpa dos seus directores, os serviços de investigação criminal estão correndo de maneira a merecerem censuras.

Sabe o Sr. Ministro do Interior que há crimes graves cometidos em Lisboa e de que ainda hoje não foram descobertos os seus autores. Ainda hoje não se sabe quem matou o capitão Vaquinhas; ainda hoje não se sabe quem assassinou o chinês; ainda hoje não se sabe quem matou o italiano no Clube dos Patos.

Para prender o criminoso que matou uma actriz, foram precisos 8 dias, quando é certo que todas as suspeitas recaiam sôbre êle. Não se compreende como sucedem factos dêstes, certamente devidos à falta de competência do pessoal ou duma cultura especializada.

Para outro caso chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior. É para os serviços de emigração que são um verdadeiro caos.

Apoiados.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros legisla sôbre passaportes sem dar a saber ao Ministério do Interior e sem ouvir o comissariado geral de emigração. O próprio Ministro do Interior publica decretos, sem querer saber do comissariado de emigração, que lhe está hierarquicamente subordinado.

O Sr. Raimundo Alves: - Se aparecesse o comissariado da polícia de emigração, seria pior dez vezes.

O Orador: - Não é assim.

O Sr. Raimundo Alves: - Eu provarei.

O Orador: - O comissário geral de emigração é um dos funcionários que melhor desempenham o seu serviço. O Sr. Dr. Filipe Mendes fez bom serviço como comissário da polícia de emigração. O que êle não tem é culpa de saltarem por cima dele e não lhe darem a consideração a que tem jus.

Está na ordem do dia uma proposta de lei remodelando os serviços de emigração e que até agora não foi discutida.

Bem sei que o Sr. Ministro do Interior não tem a responsabilidade dêsse facto. Mas apelo para S. Exa. para que junto da Mesa inste para que essa proposta de lei seja discutida, sem prejuízo, claro está, da questão dos tabacos e dos orçamentos.

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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: o ilustre Deputado, Sr. Rafael Ribeiro, referiu-se a dois assuntos: primeiro, à maneira como têm decorrido os trabalhos da Polícia de Investigação Criminal; segundo, aos serviços de emigração, e, especialmente, ao caso dos passaportes.

No que diz respeito aos trabalhos da Polícia de Investigação Criminal, já ontem tive ensejo de me referir ao assunto no Senado, dizendo que, realmente, êles não me satisfaziam.

E, digo-o com desprazer, porque, tendo-me a Câmara autorizado, na sessão legislativa de 1922, a reformar os serviços da Guarda Republicana e da Polícia, satisfaz-me a maneira como correm os serviços da Guarda Republicana, mas, contrariamente, não me satisfazem os da Polícia de Investigação Criminal.

Muita gente se queixa, e, a meu ver, com razão de sobra.

Criou-se o Tribunal dos Pequenos Delitos, que me parece excelente; resta, porém, aperfeiçoá-lo, para maior proveito do público.

V. Exas. certamente se recordam de que êste Govêrno teve de sair do âmbito da polícia, a quando das investigações sôbre a burla do Angola e Metrópole. E, se agora foram coroadas de êxito as investigações sôbre o assassínio da actriz Maria Alves, isso deve-se às investigações particulares.

Será defeito da organização? Será das pessoas?

Não o sei. Mas o certo é que muitas pessoas se queixam, e com sobrado motivo, repito.

Eu já tinha o propósito de tratar dêste assunto, e de, na devida oportunidade, trazer à Câmara qualquer providência no sentido de aperfeiçoar aquele organismo; e tinha-o pensado antes mesmo de se ter dado o assassínio da actriz Maria Alves; aguardava apenas que se ultimassem os serviços preparatórios do processo sôbre o caso do Angola e Metrópole, para submeter o assunto à consideração do Parlamento.

Vamos agora ao caso dos serviços de emigração.

A renovação de iniciativa da minha proposta estava na ordem do dia; se de

lá saiu, a culpa não é minha, nem de V. Exa., mas sim devido ao assunto dos tabacos, que preferiu, e muito bem, todos os outros, e às emendas sôbre a proposta de arrolamento dos bens do Banco Angola e Metrópole. Êste último caso, porém, já ficou arrumado na sessão nocturna de ontem, e por isso estou convencido de que o Sr. Presidente fará com que êste caso da emigração será tratado em breve, visto que não há razão nenhuma para que assim se não proceda.

Pelo que diz respeito ao Sr. comissário dos serviços de emigração, reconheço os serviços por êle prestados à República; é uma pessoa dó bem e um funcionário ilustre, não o podendo por isso culpar de tudo quanto de mau se passa nos serviços de emigração.

Estou convencido de que o recrutamento do pessoal não foi bem feito, como mal feito foi também o da polícia de investigação criminal; e, em alguns casos, êsse recrutamento parece até que foi péssimo.

Andam por aí, na boca de toda a gente, as extorsões feitas pelos agentes de emigração, e afinal poucos são os que têm sido enviados ao tribunal, e ainda menos os que têm sido condenados; e mesmo êsses têm apanhado umas penas insignificantíssimas.

Essa exploração, absolutamente condenável, não pode continuar. Os serviços de emigração, assim como estão, constituem um Eldorado para os agentes, et reliqua...

Não culpo o Sr. comissário de emigração, porque o conheço muito bem.

Logo que a Câmara aprove a proposta que reorganiza aqueles serviços, imediatamente será publicado o respectivo regulamento.

Relativamente à criação de um passaporte para os funcionários públicos, devo dizer que muita gente pedia junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros passaportes diplomáticos e êsses passaportes eram dados a quem quer que fôsse. Urgia modificar semelhante situação, concedendo determinados passaportes apenas a quem deva ter direito a êles, como sejam os membros do Poder Legislativo, os parlamentares.

Cumprimos o nosso dever, fazendo respeitar êsse documento.

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O Sr. Presidente: - Já decorreram os 10 minutos.

O Orador: - Se V. Exa. quere, não falo mais.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Não fazia sentido também andar-se a colhêr vistos de toda a gente e foi por isso que assim se resolveu a questão.

Ontem, quando eu estava no Senado, dois oradores referiram-se a actos da minha responsabilidade.

Como V. Exa. sabe, publicou-se o decreto n.° 10:401, que diz respeito à Carteira do jornalista.

Quando tomei conta da minha pasta encontrei pendente um processo, que já vinha do tempo do Sr. Vitorino Guimarães, processo que se referia a um redactor do jornal A Montanha, do Pôrto.

Ouvido o Sindicato dos Trabalhadores de Imprensa, o Ministro autorizou a passagem da Carteira, mas, passado tempo, verificou-se que o despacho do Ministro não tinha sido cumprido, o que levou outro Ministro, o Sr. Germano Martins, a mandar oficiar ao governador civil do Pôrto para que respeitasse a determinação anterior, e lancei o seguinte despacho, quê vou ler e que V. Exas. apreciarão:

Leu.

Sou sempre cuidadoso nas expressões. Disse ao chefe da segurança pública que envidasse todos os esfôrços para se chegar ao fim.

O que eu, na verdade, não compreendo, Sr. Presidente, é como foi feita a distribuição dêsse manifesto do Sindicato dos Profissionais da Imprensa contra o Govêrno e como apareceu êle nas carteiras dos Srs. Deputados, sem provocar a revolta dêstes contra semelhante facto. Apenas no Senado um Sr. Senador se referiu ao assunto, estranhando o procedimento havido.

Devo, no emtanto, dizer a V. Exa. e à Câmara que ontem fui procurado por uma comissão de jornalistas que me vieram declarar que não tinham responsabilidade alguma no caso do manifesto aqui distribuído.

Poderá muito bem ser, Sr. Presidente, que assim seja, que não tenham responsabilidade alguma no que se passou; do que não restam dúvidas é de que a distribuição se fez, não tendo havido, conforme já disse, por parte dos Srs. Deputados qualquer manifestação de protesto.

Eram estas as explicações que desejava dar ao País, por intermédio desta casa do Parlamento, para, na verdade, colocar as cousas no seu verdadeiro pé.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rosado da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi ontem ao Sr. Ministro do Comércio para vir hoje a esta Câmara, a fim de tratar de um assunto que considero da máxima importância; como, porém, não vejo S. Exa. na sala, peço a V. Exa. o obséquio de me dizer se tem conhecimento de que S. Exa. se encontra no Palácio do Congresso.

O Sr. Presidente:-Ignoro se o Sr. Ministro do Comércio está ou não no edifício do Congresso.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações com o fim de responder às considerações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério relativamente à publicação do decreto n.° 11:552, de 1 de Abril último, sem que se tivesse a atenção de, sôbre a sua matéria, ouvir o Sr. Comissário Geral dos Serviços de Emigração, o que, na verdade, representa uma falta de consideração para com êsse ilustre funcionário.

Ora, se o Sr. Ministro do Interior tivesse lido as resoluções tomadas na Conferência Internacional de Passaportes, promovida pela Sociedade das Nações e realizada em Paris, de 15 a 21 de Outubro de 1920, teria visto que uma das medidas mais importantes que os Governos foram convidados a adoptar foi o estabelecimento de um modelo uniforme de passaportes para todos os países. Se o Sr. Presidente do Ministério tivesse lido as resoluções dessa Conferência, teria visto que nela foram tomadas resoluções sôbre a validade de passaportes, a taxa a perceber, os vistos de saída, de entrada, de trânsito, etc.

Sr. Presidente: a Conferência dos Embaixadores pediu ao Conselho da Sociedade das Nações para estudar as dificul-

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dades relativas ao transporte internacional de viajantes.

Para satisfação a êste pedido o comité provisório das comunicações e do trânsito fez distribuir convites para uma conferência, que teve lugar em Paris de 15 a 21 de Outubro de 1920,_estando nela representados 22 Estados.

AS diferentes medidas recomendadas por essa conferência foram objecto duma resolução adoptada em 21 de Outubro.

A 18 de Novembro, o Secretário Geral da Sociedade das Nações enviou essa resolução a todos os Estados seus membros, assim como aos Governos de outros países, pedindo que êsses Estados e êsses paízes fizessem saber, dentro dum prazo de três meses, quais as medidas que seriam tomadas pelos respectivos Governos, a fim de pôr em vigor, a datar de l de Junho de 1921, todas ou parte das recomendações constantes da resolução.

A 7 de Maio de 1921, o Secretário Geral da Sociedade das Nações escreveu aos Estados que ainda não tinham respondido, pedindo-lhes que fizessem conhecer as suas resoluções.

No decurso da sua primeira sessão, realizada em Genebra no mês de Junho de 1921, a comissão consultiva e técnica das comunicações e do trânsito ocupou-se da questão e elaborou um projecto de resolução que submeteu à Assemblea da Sociedade das Nações.

A Assemblea da Sociedade das Nações, tratando de novo da questão respeitante às resoluções da Conferência de Passaportes, formalidades aduaneiras e bilhetes directos, adoptou a seguinte resolução:

"A Assemblea tendo tomado conhecimento do relatório da comissão consultiva e técnica das comunicações e do trânsito sôbre a conclusão dada pelos diversos Governos às resoluções adoptadas pela Conferência dos Passaportes, formalidades aduaneiras e bilhetes directos reunida em Paris em Outubro de 1920, constata, com a mais viva satisfação, que um certo número de Estados pôs já em vigor uma parte das medidas mais importantes para as reclamações entre os povos, preconizadas, por unanimidade, por esta Conferência, relativamente à simplificação das formalidades de obtenção e de visto de passaportes, da redução dos preços e da unificação do regime dos passaportes. A Assemblea chama á atenção de todos os Estados que ainda não puderam acolher as resoluções da Conferência sôbre a urgência que há em prosseguir o estudo da questão e de informar o Secretário Geral da Sociedade das Nações das soluções ulteriormente adoptadas".

Tendo-se, num novo exame de conjunto, considerado a situação, o Secretário Geral da Sociedade das Nações, por carta de 17 de Outubro de 1921, chamou a atenção de cada Govêrno para a resolução da Assemblea, pedindo especialmente para que fizessem saber:

"a) No que respeita às resoluções da Conferência, sôbre as quais o Govêrno interessado se declarou, de acordo, quais destas resoluções foram efectivamente postas em prática e quais as que foram encaradas para se pôr em vigor em uma data determinada; e

b) No que respeita às resoluções da Conferência que o Govêrno interessado tem julgado não poder ainda acolher, se para continuação de novo exame lhe parece possível dar a sua adesão a todas ou parte das ditas resoluções e eventualmente para que data podem ser consideradas a s na entrada em vigor".

As medidas mais importantes que os Governos foram convidados a adoptar foram as seguintes:

"a) O estabelecimento de um modelo uniforme de passaporte para todos os países;

b) Uma validade normal de dois anos para os passaportes, e, em casos excepcionais, uma validade limitada a uma só viagem;

c) A taxa a perceber não deve ter carácter fiscal;

d) Os passaportes diplomáticos só serão concedidos a pessoas pertencentes a certas categorias;

e) Os vistos preliminares, isto é, os vistos apostos pelo país que concede o passaporte, serão suprimidos dentro da medida do possível;

f) Os vistos de saída serão suprimidos para os viajantes que não sejam nacionais;

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g) O visto para o passaporte válido para uma só viagem será válido pelo tempo da duração do passaporte e no caso de o passaporte ser válido por dois anos os vistos serão concedidos por um ano, salvo circunstâncias excepcionais;

h) A taxa máxima percebida por um visto será de 10 francos-ouro;

i) Os vistos de trânsito serão concedidos imediatamente sôbre o visto do visto de entrada do país a que se destina;

j) Os vistos de trânsito serão válidos por um período equivalente ao do visto de entrada do país a que se destina; e

k) A taxa máxima percebida por um visto de trânsito será de 1 franco-ouro".

Fizeram saber a sua opinião os seguintes países:, África do Sal. Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária. Canadá, China, Dinamarca, Império Britânico, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Hungria, índias, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polónia, Roménia, Estado Sérvio-Croata-Sloveno, Sião, Suécia, Suíça, Tcheco-Slováquia e Venezuela.

Ainda outros países comunicaram que a questão estava sendo estudada. Em conformidade com as respostas que deram, os países podem englobar-se nas seguintes categorias:

a) Os que adoptaram as resoluções na sua totalidade;

b) Os que estão de acordo em adoptá-las em reciprocidade;

c) Os que estão dispostos a acolhê-las numa grande parte; e

d) Os que no momento actual se encontram na impossibilidade de causar grandes alterações no regime em vigor.

Perante tudo isto, o que fez Portugal? Ignoro se foi consultado sôbre o assunto; mas se foi não respondeu, pois a sua resposta não consta do folheto "Respostas dos Governos ao inquérito sôbre a aplicação das resoluções relativas aos passaportes, formalidades aduaneiras e bilhetes directos", que foi publicado pela comissão consultiva e técnica das comunicações e do trânsito da Sociedade das Nações.

E o que tem feito o Govêrno Português sôbre passaportes? Primeiro, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicou o decreto n.° 11:108, de 29 de Setembro de 1920, no qual se regula a expedição dos passaportes diplomáticos; depois, pelo Ministério do Interior, publicou o decreto n.° 11:552, de 1 de corrente, dando ao Ministro o poder de conceder um passaporte especial aos funcionários civis ou militares encarregados de no estrangeiro desempenhar missões que, não se revestindo de carácter diplomático, interessam, pela sua natureza ou importância, directamente ao serviço do Estado.

Sôbre a concessão de passaportes diplomáticos a Conferência tinha assentado, como já vimos, em concedê-los só a pessoas pertencentes a certas categorias.

Vejamos o que a êste respeito responderam os trinta países que já indicámos:

Responderam que estavam, de acordo a Alemanha, Bélgica, Bulgária, China, Finlândia, França, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Sião, Suíça, Tcheco-Slováquia e Venezuela.

A Austrália, o Império Britânico e a No vá Zelândia disseram que não concediam passaportes diplomáticos, e que a qualidade dos agentes diplomáticos era atestada por um visto especial.

A África do Sul disse que o passaporte diplomático não era concedido na União nem nunca teve ocasião de o conceder.

A Áustria fez saber que as resoluções tomadas pela Conferência tinham sido, sem excepção, postas em execução a partir de 1 de Janeiro de 1922.

A Grécia comunicou que aceitava, em princípio, a aplicação de todas as medidas recomendadas pela Conferência.

A Hungria aceita todas as resoluções da Conferência, com a condição de que os outros Estados, e em especial os Estados seus vizinhos, as aceitem também e as apliquem rigorosamente.

A Itália mostrou desejos de que outras categorias de pessoas tivessem também direito ao passaporte diplomático, das quais forneceu uma lista.

A Noruega disse que os passaportes diplomáticos só eram concedidos aos altos funcionários da casa do Chefe do Estado, com exclusão do pessoal subalterno. Contudo, diz ainda o Govêrno norueguês, esta disposição é muito restrita, e entende que, quando qualquer dos membros da casa Real vá ao estrangeiro, todas as pessoas que o acompanham devem ser muni-

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das de passaportes idênticos, pois que já é do uso concederem a estas pessoas passaportes diplomáticos.

A Polónia comunicou que num futuro próximo tomaria as medidas aconselhadas pela resolução da Conferência.

A Roménia disse que aprovava as disposições referentes à forma, concessão e visto do passaporte.

A Suécia fez saber que um certo número de medidas propostas pela Conferência são já aplicadas pelas suas autoridades.

Nada disseram sôbre a concessão de passaportes diplomáticos Canadá, a Dinamarca, a Espanha, as Índias e o Estado Sérvio-Croata-Sloveno.

De todas estas comunicações resultou que a Conferência Internacional de Passaportes, formalidades aduaneiras e bilhetes directos, tomou a seguinte resolução:

"Os passaportes diplomáticos ou os vistos diplomáticos não serão concedidos senão às categorias de pessoas designadas na lista junta (anexo III); a forma dos passaportes diplomáticos fica à absoluta conveniência dos Estados".

As pessoas que figuram no anexo III são as seguintes:

"a) Os altos dignitários da casa do Chefe do Estado;

b) Os agentes diplomáticos e sua família, os agentes consulares de carreira e sua família;

c) Os membros do Govêrno, os Ministros de Estado, os presidentes e vice-presidentes dos corpos legislativos nacionais e sua família;

d) Os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros e sua família; e

e) Os correios de gabinete e as pessoas encarregadas pelo Govêrno de uma missão oficial junto dos Governos estrangeiros ou junto de organismos internacionais oficiais".

Foi desta resolução, tomada em 21 de Outubro de 1920, que, após cinco anos, surgiu o decreto n.° 11:108, sem que Portugal tivesse respondido à consulta.

E o que se fez nesse decreto? Adoptou-se integralmente a resolução da Conferencia? Não.

Com o pretexto de que era conveniente ter em atenção, tanto quanto possível, os preceitos adoptados pela Conferência dos Passaportes, promovida pela Sociedade das Nações, eliminaram-se os altos dignitários da casa do chefe do Estado, para se porem os funcionários superiores da Presidência da República, acrescentaram-se os antigos Presidentes da República, e em lugar dos Ministros de Estado, que, em Portugal, são só os antigos Ministros da monarquia, puseram-se os antigos Ministros, o que engloba, logicamente, os antigos Ministros honorários da monarquia, caso para felicitar o ilustre Deputado da minoria monárquica, Sr. António Cabral, que por êsse decreto da República ficou com mais direitos do que nós, os parlamentares republicanos.

Assim, nós, os parlamentares, representantes da Nação, o Poder Legislativo, que temos uma função, não temos direito a viajar com passaporte diplomático; os antigos Ministros e os antigos Presidentes da República, que são excelentes e prestantes cidadãos, mas que não têm qualquer função a desempenhar, viajam com êsse passaporte.

Tenho dito.

O, Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente...

Interrupções, protestos da Esquerda Democrática.

O Sr. Alfredo Nordeste: - V. Exa. não pode falar agora. Não tem o direito ... Continuam os protestos.

O Sr. Presidente: - Suponho que os Ministros têm preferência sôbre os Srs. Deputados, no uso da palavra.

O Sr. Alfredo Nordeste: - Para explicações, não -

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Quando estava ali naquelas cadeiras nunca reclamei...

Interrupções várias.

O Sr. José Bomrngues dos Santos: - Não pode ser! Não pode ser! V. Exa. pediu a palavra para explicações, e isso não pode ser!

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O Orador: - Sr. Presidente: V. Exa. garante-me, ou não, o uso da palavra?

O Sr. José Domingues dos Santos: - Não pode garantir, depois ter dado a palavra ao Sr. Alfredo Nordeste. Não tem o direito de saltar por cima do Regimento.

O Sr. Presidente: - Estou a proceder conforme o Regimento.

Vozes: - Não está.

O Sr. José Domingues dos Santos: - S. Exa. pediu a palavra para explicações.

O Sr. Presidente: - Mas também o Sr. Presidente do Ministério pediu a palavra, e depois de S. Exa. falar.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Não pode ser. É a hora de passar-se à ordem do dia.

O Sr. Pestana Júnior: - Ordem do dia! Ordem do dia! V. Exa. não tem o direito do protelar a sessão até quando queira.

O Orador: - Pouco me importa do barulho que fizerem os ilustres Deputados. Hei-de falar.

Protestos ruidosos com as carteiras.

O Orador: - É a primeira vez que são incorretos para comigo, não querendo que fale.

Os Ministros...

Continuam os protestos.

O Orador: - Tenho direito, e não receio a incorrecção dos Srs. Deputados. Usarei da palavra.

O que tenho a dizer hei-de dizê-lo seja como fôr.

Emquanto tiver vida, hei-de fazer valer os meus direitos; de maneira que hei-de falar aqui nesta Câmara, porque estou usando de um direito.

V. Exas. estão procedendo grosseiramente.

Protestos e gritos de fora, fora!

O Orador: - Grosseiramente, grosseiramente!

Prosseguem as manifestações de protesto. Na esquerda soltam-se gritos de fora, fora! e faz-se ruído com os tampos das carteiras.

O Sr. Presidente: - A Mesa procedeu conforme manda o Regimento!

Apoiados e não apoiados.

Lembro o que determina o artigo 62.° do Regimento.

Continuam os protestos da Esquerda Democrática.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Está em discussão a acta.

O Sr. Vitorino Guimarães (sobre a acta): - Sr. Presidente: devido ao mau hábito que há nesta Câmara, de os Srs. Deputados irem para o lado dos oradores, e devido às más condições acústicas da sala, sucede, muitas vezes, que os Deputados que ocupam, como devem, os seus lugares, não ouvem absolutamente nada do que se diz e passa.

Assim, só hoje chegou ao meu conhecimento que na sessão nocturna última houve um Sr. Deputado da minoria monárquica que proferiu umas palavras, que por nós não foram ouvidas, porque, se as ouvíssemos teriam tido, desde logo, o devido protesto, contra o Sr. Ministro da Justiça.

Parece, porém, que essas palavras não teriam sido ofensivas, porque, se o fossem, a Mesa teria decerto chamado êsse Sr. Deputado à ordem.

Trata-se de palavras menos delicadas, em que não houve aquela correcção que todos temos obrigação de usar nesta Câmara.

Creio que não só da parte da maioria, como da parte de toda a Câmara, ou pelo menos da parte de todos os republicanos, há o maior respeito por essa grande figura moral, por êsse homem que é um. dedicado republicano, o Sr. Catanho de Meneses.

Apoiados.

S. Exa. merece toda a nossa consideração pela sua vida de constante trabalho, cheia de dedicação e de honestidade.

Apoiados.

Quero, portanto, Sr. Presideste, em nome do partido que represento - a maioria desta Câmara - testemunhar ao Sr. Ministro da Justiça, por êste modo, o alto apreço em que temos as suas qualidades intelectuais e morais e a sua dedicação patriótica.

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Se ontem não levantámos, desde logo, o nosso protesto contra as palavras do Sr. Deputado monárquico, protesto que era justo e indispensável, foi unicamente porque não as ouvimos.

Era isto que eu tinha a declarar a V. Exa. em nome dêste lado da Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre a acta): - Começo por notar a V. Exa., Sr. Presidente, que foi do lado da maioria parlamentar que primeiro se infringiu a disposição regimental, pedindo-se a palavra sôbre a acta e fazendo-se declarações que com a acta nada têm.

Desejo lamentar a infelicidade com que o Sr. Vitorino Guimarães veio referir-se a um assunto, quando é certo que não tinha o mais leve motivo para o fazer.

Apoiados, não apoiados.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo): - Como é que V. Exa., que não estava na Câmara ontem, pode afirmar isso?

Trocam se apartes.

O Orador: - V. Exa. está enganado. Estive na Câmara. Ouvi as considerações do meu querido amigo Sr. Mário de Aguiar. Nas suas palavras não houve qualquer frase em que, ao de leve sequer, se pudesse ferir a honestidade do Sr. Ministro da Justiça. O Sr. Catanho de Meneses, como Ministro, está sujeito à livre crítica dos Deputados. Mas o Sr. Vitorino Guimarães parece que assim o não entende.

Onde está o respeito que se diz ter pela opinião pública, quando é certo que não se hesita em vir defender opiniões que representam uma afronta para o País?

Apoiados e não apoiados.

O Sr. Mário de Aguiar, com veemência, é certo, mas com toda a correcção, apreciou o que se passava na sessão de ontem, sessão em que o Sr. Ministro da Justiça fez - diga-se com toda a verdade - um papel que não é de molde nem a prestigiar o Poder Executivo nem a própria instituição parlamentar. Há dois meses que andamos a discutir uma proposta relativa à liquidação dos bens de Banco Angola e Metrópole. O Sr. Ministro da Justiça veio aqui, há dois meses, requerer a urgência e dispensa do Regimento para que entrasse imediatamente em discussão uma proposta sua. Verificou-se, logo de entrada, pela discussão que se fez da proposta, que ela não poderia ser aprovada, e baixou então às comissões. Unia discussão triste e lamentável se fez na Câmara dos Deputados quando de novo surgiu essa proposta e ela lá foi por fim para o Senado, que lhe introduziu várias emendas. Ao voltar a proposta à Câmara dos Deputados, reconheceu-se que, mais uma vez, o Sr. Ministro da Justiça não tinha estado à altura do seu lugar, não sabendo defender nem orientar a discussão da proposta de forma a satisfazer as necessidades que ela procurava atender. Necessário foi vir com uma nova proposta de lei e o Sr. Ministro da Justiça enviou para a Mesa um artigo novo, artigo que estava em contradição com outro que a Câmara acabava de aprovar. Reconheceu a Câmara isto e assistimos ao triste espectáculo de ver o Sr. Ministro da Justiça andar de bancada em bancada como que a pedir por subscrição que alguém tivesse uma idea que lhe valesse, porque a sua incompetência de legislador e a sua incompetência ministerial estavam sobejamente comprovadas.

No uso de um direito, mais do que isso, no cumprimento de um dever, o meu querido amigo Sr. Mário de Aguiar pôs em relevo essa circunstância e contra ela protestou. E um dever de todo o Deputado protestar contra o facto de ver nas cadeiras ministeriais alguém que não revela competência para aí estar.

Não tem, pois, o Sr. Vitorino Guimarães a mais leve sombra de razão, para vir com as suas infelizes declarações, referir-se ao facto que ontem se dera.

Dêste lado da Câmara - declaro-o porque estou autorizado pelo meu ilustre leader Sr. Pinheiro Tôrres a dizê-lo - não temos de nos arrepender de uma palavra qualquer aqui proferida, de uma atitude por nós assumida e enganado está o Sr. Vitorino Guimarães se julga que as oposições parlamentares hão-de andar ao sabor dos caprichos da maioria, não exercendo como entenderem a sua missão fiscalizadora. Havemos de exercê-la.

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sempre, e o que ontem aqui disse o Sr. Mário de Aguiar representou apenas o cumprimento de um dever. S. Exa. a - direi mesmo - talvez não tivesse sido tam violento e cruel na sua apreciação como merecia a situação desgraçada era que se encontrava o Sr. Catanho de Meneses.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos (sobre a acta): - Sr. Presidente: creio que nenhum dos Deputados da Esquerda Democrática pôde comparecer à sessão de ontem. Não ouvimos, portanto, as palavras pronunciadas pelo Sr. Mário dê Aguiar e não sabemos se elas poderão considerar-se desprimorosas para o Sr. Ministro da Justiça. Se algumas palavras desprimorosas foram, com efeito, proferidas, a Esquerda Democrática não as perfilha. Repudia-as em absoluto. Temos pelo Sr. Catanho de Meneses a consideração que lhe é devida pela sua extrema correcção, e a Esquerda Democrática, que sabe responder sempre no mesmo tem às pessoas que connosco tratam, tendo sido sempre tratada com a maior correcção por S. Exa. jamais terá para S. Exa. outra atitude que não seja de absoluta correcção também.

Entretanto não quero deixar passar a ocasião sem frisar a necessidade que todos têm de ser correctos e que essa necessidade, se incumbe a todos os parlamentares, mais incumbe ainda aos homens que estão nas cadeiras do poder.

Tenho em meu poder um jornal de Coimbra em que se diz o seguinte:

Leu.

Isto foi proferido por um Ministro da República e não teve nenhum correctivo da parte do Sr. Presidente do Ministério.

Quando um membro do Parlamento assim fala, e sôbre êle não caiu nenhuma sanção, não há autoridade moral para se insurgir contra o que disse ontem o Sr. Mário do Aguiar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Henrique Cabral: - Sr. Presidente: assisti à sessão de ontem, à noite. como tenho assistido a esta lamentável sessão.

Devo dizer que na minha vicia parlamentar foi êste um dos momentos em que a minha alma se sentiu mais abalada, pois não compreendo que se perca aquela serenidade que se impõe aos homens que querem trabalhar com honestidade.

Vejo que nesta Câmara uma onda de paixão subverteu a serenidade de espírito e as palavras que ouvi proferir das bancadas monárquicas dão-me a entender que não é um fim patriótico que une os homens nesta Casa do Parlamento.

Devo confessar que o trabalho que se encontra na Mesa é todo do ilustre Ministro da Justiça. Se tivesse ouvido as palavras do Sr. Mário de Aguiar - caso êle as tivesse proferido - teria protestado e dado a S. Exa. o devido correctivo.

O Sr. Ministro da Justiça, é um homem de bem e de carácter e uma pessoa absolutamente honesta. Protesto, por isso, contra a violência que se praticou.

Tenho dito.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente : assisti ontem à noite, sem necessidade de me afastar do meu lugar, ao discurso do Sr. Mário de Aguiar, e surpreendeu-me que se levantasse agora um incidente muito mais lamentável do que o primeiro.

Talvez o ilustre parlamentar fôsse menos amável, mas não foi incorrecto para com o Sr. Ministro da Justiça, e acho estranho que, tendo sido S. Exa. interrompido por vários Srs. Deputados da maioria, não lhe tivessem feito sentir essa mágoa que hoje, neste incidente, se fez notar.

Não falo por S. Exa., mas por mim, porque amanhã, quando eu atacar qualquer membro do Govêrno, não sei como hei-de fazê-lo, a não ser que êle seja um semi-Deus e tenha calcanhar de Aquiles.

O Sr. Ministro da Justiça, que tem atrás de si um nome tam grande que o cobre de quaisquer picuinhas, não quere decerto dêstes deíensores que, à fôrça de o quererem abraçar, o asfixiam. A maioria, na verdade, colocou hoje o Sr. Ministro da Justiça numa situação falsa.

Os Deputados que vêm aqui dirigir-se aos Ministros não vêm pedir-lhes esmo-

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Ias, mas apenas animados pelo desejo do colaborarem com o Poder Executivo na administração pública. Mesmo o facto de alguns Deputados irem aos gabinetes ministeriais solicitar quaisquer lavores, que não sejam ilegalidades, mas actos de justiça, não os coloca mal.

Não uso dêsse sistema; tenho, portanto, toda a autoridade para assim falar, mas não censuro aqueles que o usam.

Também o facto de os Ministros quererem trabalhar de acordo com iodos os lados da Câmara não os desautoriza nem coloca mal.

Afigura-se-me, portanto, que essa atitude, que tanto se procura condenar talvez por especulação política - e nós não estamos aqui senão para fazer essa especulação de pequeninas cousas, e a culpa é do meio - não merece reparos, bem como os não merece a atitude do Ministro.

Feitas estas declarações, não em nome do meu partido, mas em meu nome individual, devo dizer que, não estando em jôgo a autoridade nem a honorabilidade do Sr. Ministro, não temos de nos pronunciar.

Quanto à outra especulação política que me parece que há na Câmara, de se querer dar uma prova de consideração ao Sr. Ministro da Justiça, estranho que ontem se não lha quisesse dar. Há, pois, efectivamente uma especulação política, contra a qual lavro o meu protesto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: surpreenderam-me as palavras pronunciadas sôbre a acta pelo Sr. Vitorino Guimarães.

Assisti ao discurso, e ouvi-o, proferido pelo Sr. Mário de Aguiar. E certo que S. Exa. anão foi suficientemente gentil para captivar as boas graças do Govêrno sôbre o caso Angola e Metrópole, mas devo confessar que não ouvi da parte de S. Exa. uma só frase que fôsse ofensiva da dignidade pessoal ou política do Sr. Ministro da Justiça.

Apoiados.

S. Exa. falou com aspereza, com violência, mas não foi incorrecto. Cousa curiosa, porém. Daquele lado da Câmara levantam-se protestando contra as palavras proferidas ontem por S. Exa. Deputados que bem perto dele estavam, que ouviram todo o discurso, como eu, e que nada disseram, ou, por outra, a sua indignação não passou duma troca de palavras que deram toda a satisfação ao Sr. Ministro, pois que o Sr. Mário de Aguiar declarou que não havia incompatibilidade moral da sua parte com aquele Ministro, mas que, como Deputado da oposição, reivindicava para si o direito de apreciar os actos de qualquer Ministro. Estou, por consequência, a ver que o caso é outro: houve necessidade de dar uma explicação política do Govêrno ao seu colega da Justiça.

Contudo, S. Exa. poderia ter saído aborrecido, mas nunca saiu magoado, e, desde que assim foi, eu só compreendo a atitude do leader da maioria no sentido de se fazer alguma cousa pública de respeito e consideração pelo Sr. Ministro da Justiça. Essa voto-a, embora a julgue desnecessária.

Quanto, porém, ao fazer levantar as palavras que não foram reputadas ofensivas pelo próprio Deputado que as proferiu, não estou de acordo com isso.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais ninguém inscrito, considero aprovada a acta.

Em seguida dá-se conta do expediente que dependia de resolução da Câmara.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do regime dos tabacos

O Sr. Dagoberto Guedes: - Sr. Presidente: tenho ouvido com a maior atenção os discursos dos ilustres Deputados que até esta altura têm tomado parte neste debate, discursos que honram e dignificam a tribuna parlamentar, não só pelo estudo feito e pelos conhecimentos revelados do magno problema dos tabacos, mas também pela sinceridade o brilhantismo, pela elevação e eloquência com que os oradores que me precederam têm defendido os pontos de vista económicos e financeiros que preconizam.

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Discursou o Sr. Pestana Júnior, pela Esquerda Democrática, tendo apresentado e defendido um contra-projecto, em que se preconiza a liberdade de fabrico e a liberdade de importação de tabaco já manipulado, mas não acondicionado ou evolucrado para a venda a retalho. Êste contra-projecto foi apresentado com o intuito de se substituir a proposta de lei n.° 842-A, que S. Exa. trouxe a esta Câmara em 16 de Dezembro de 1924, quando sobraçava a pasta das Finanças, e que vem junto ao parecer n.° 133, em discussão.

Nesta proposta de lei já o ilustre Deputado defendia a liberdade de fabrico; mas, feito um estudo comparativo, verifica-se que o contra-projecto agora apresentado por S. Exa. - julgo poder empregar com propriedade o termo já tam usado a propósito do problema em discussão - é uma nova modalidade.

Falou largamente o Sr. Aboim Inglês, que defendeu com calor e com muitos detalhes o seu contra-projecto apresentado na comissão de comércio e indústria, também pela liberdade, mas diferindo muito do contra-projecto do Sr. Pestana Júnior ; é ainda outra modalidade sôbre que se encara a exploração industrial dos tabacos em regime de liberdade.

Defendendo também o ponto de vista da liberdade de fabrico, discursou o Sr. Lelo Portela, tendo dito que será apresentado pelo ilustre leader da União Liberal um contra-projecto. Mas defendeu S. Exa. um critério tam diferente dos outros ilustres oradores a que me referi, que o contra-projecto que o Sr. Cunha Leal vai apresentar à Câmara é, sem dúvida, uma nova modalidade da indústria dos tabacos em regime livre.

Temos, portanto, Sr. Presidente, três modalidades, pelo menos, do chamado regime de liberdade!

Compreendo-se perfeitamente que assim seja, pois que o Sr. Aboim Inglês, militando no Partido Nacionalista, que aceitou o seu projecto, natural é que no campo económico e financeiro, como no campo político e social, se encontre em desacordo com o Sr. Pestana Júnior, cujo espírito se determina por princípios de filosofia política, económica, financeira e social diferente e até antinómicos do ilustre Deputado Sr. Aboim Inglês.

O mesmo podemos dizer do Partido Nacionalista e da União Liberal, que, embora militando no campo conservador, são agrupamentos bem diferenciados pelos processos políticos e pelos princípios administrativos que preconisam e defendem.

Não é, pois, possível conciliar pontos de vista tam distintos dos ilustres parlamentares das oposições sôbre êste problema da mais alta magnitude, no que respeita ao regime de liberdade a adoptar, quando é certo que as directrizes políticas, económicas, financeiras o sociais, sem dúvida divergentes, é que caracterizam o diferenciam os partidos políticos em que militam.

O Sr. Pinheiro Tôrres defendeu o monopólio privado. Fê-lo dentro da lógica dos princípios políticos que defende, como foram também logicamente deduzidos os argumentos que apresentou contra o regime de liberdade de fabrico do tabaco, qualquer que seja a sua modalidade. Mas o que de bom encontrou no monopólio privado encontra-se no exclusivo do Estado, com a vantagem de não reverter a maior cota de rendimento da indústria para um número restrito de particulares, alguns dos quais de nacionalidade estrangeira, em manifesto prejuízo do Tesouro Público e, consequentemente, da economia da nação.

Se estivéssemos em regime monárquico e se fôsse possível nesse regime chegar-se ao termo do contrato estando o Estado livre de compromissos financeiros com a Companhia concessionária, talvez S. Exa. defendesse, no momento actual e nas circunstâncias excepcionalmente vantajosas para o Estado em que se apresenta o problema, o sistema da régie. Levado pelo seu faciosismo político, o que aliás perfeitamente se compreende, S. Exa. atacou êste regime, considerando o execrável e contra todos os princípios económicos e sociais. E tanto assim é que, tendo S. Exa. atacado larga e vivamente, com numerosos argumentos, o sistema de liberdade, muito mais do que o fez para o regime do monopólio do Estado, afirmou por fim que a minoria monárquica estava pronta a entrar num bloco para votar o regime de liberdade contra a régie.

Neste ponto, permita-me S. Exa. que

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lho diga, não chegou a uma conclusão lógica. Foi o facciosismo político que, traindo lhe a clareza do raciocínio, o levou a tomar esta singular atitude.

Apoiados.

Por parte da maioria da Câmara, Sr. Presidente, discursaram os ilustres relatores do parecer n.° 133, Srs. Costa Dias e Soares Branco, e o presidente da comissão do comércio e indústria, Sr. Pires Monteiro, e fizeram-no em primeiro lugar, como estava naturalmente indicado, pelo estudo muito completo que tinham feito do assunto, sob o ponto de vista do sistema de exploração industrial mais conveniente a adoptar pelo Estado a partir de 1 de Maio próximo, o do cálculo financeiro do sistema de régie que a proposta n.° 38-A, do Sr. Ministro das Finanças, preconisa, com as modificações introduzidas pela comissão de comércio e indústria.

Pelo estudo que fizeram do problema e pelos elementos estatísticos que S. Exas. trouxeram para a discussão, ficamos em condições de podermos orientar o nosso espírito o determinar sinceramente o nosso critério.

Não estranhe V. Exa., Sr. Presidente, que dêste lado da Câmara seja eu, que não pertenço às comissões de comércio e indústria ou do finanças, não sou um técnico e sou um novo parlamentar, o primeiro a usar da palavra depois dos ilustres relatores e do presidente da comissão do comércio e indústria, a cujos discursos e a cujos trabalhos valiosos e eloquentes não me inibe de prestar a minha homenagem sincera o facto de serem meus correligionários e amigos que muito admiro.

Sou militar e estive na Grande Guerra, e sei, por experiência, que aos subalternos cumpre ocupar as primeiras fileiras nas linhas de combate. Neste combate político e neste combate de ídeas êsses princípios estratégicos são também de aconselhar e seguir. Eis porque não me sinto deslocado ocupando esta posição, sem vaidade, mas com o desejo de cumprir o meu dever com sinceridade e de cooperar dedicadamente no engrandecimento do País e na dignificação da República.

Os Srs. Pestana Júnior e Aboim Inglês frisaram que o Partido Republicano Português, no tempo da propaganda, condenou sempre todos os monopólios e que defendera o regime de liberdade para as indústrias. Não compreendo por isso que o Govêrno saído do Partido que mantém as tradições do velho partido histórico venha hoje defender a régie dos tabacos, e que o Grupo Parlamentar Democrático tenha afirmado o seu ponto de vista em face dêste momentoso problema, seguindo o mesmo critério económico e financeiro.

Também eu venho do tempo da propaganda dos ideais democráticos, também eu colaborai dedicadamente nessa epopeia gloriosa de proselitismo dos princípios republicanos, e também, Sr. Presidente, acompanhei a larga discussão suscitada pelo problema dos tabacos em 1906 e 1907.

É certo que o Partido Republicano Português combateu todos os monopólios privados, particularmente os dos fósforos e dos tabacos. Mas não combateu o sistema de régie; pelo contrário, pela boca dos Deputados republicanos, como acentuou o Sr. Pinheiro Tôrres, aqui nesta casa do Parlamento, se defendeu a régie em 1907. E se nessa época o Partido Republicano Português defendia por princípios êsse sistema, quando os Governos não lhe mereciam confiança e quando o Estado não se encontrava livre de compromissos financeiros com o concessionário dos tabacos, hoje, com mais forte razão, em regime republicano e o Estado absolutamente liberto de compromissos financeiros com a Companhia dos Tabacos, em melhor posição política se encontram os republicanos na defesa dessa solução.

Apoiados.

O Partido Republicano Português nunca condenou o sistema de régie para a exploração da indústria dos tabacos. Mas mesmo que na sua história política tivesse defendido, em determinado período da sua evolução social e em harmonia com as circunstâncias de momento, como o mais conveniente sistema de liberdade a adoptar para esta indústria, não havia incoerência em, no momento actual, preconisar a régie, com o carácter duma administração autónoma e com uma organização scientífica da indústria o do trabalho.

Os programas dos partidos políticos não podem e não devem ser dogmas imutáveis, que esterilizam e não acompanham

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a evolução das ideas e que não atendem às circunstâncias sociais da nação, mormente no que respeita aos problemas económicos e financeiros.

Não podem, com justiça, as oposições condenar os parlamentares da, maioria por se afirmarem pelo regime da régie, convictos de que no actual momento histórico é êsse o regime que mais convém aos interêsses do Estado, embora essa solução não agrade aos interêsses de certos paríicularos, daqueles particulares que ambicionam fazer grossa fortuna com a maior receita fiscal que o Estado possui, pois que as oposições defendem o regime da liberdade de indústria, apresentando modalidades diversas, e até o Sr. Pestana Júnior já apresentou dois projectos distintos, e nem por isso as acusamos de incoerentes e do menos patriotas.

Apoiados.

O Sr. Pestana Júnior, quando discursou ao iniciar-se o debate, afirmou que aguardaria outra ocasião para fazer um discurso propriamente político, pois que nesse momento apenas encarava a questão sob o ponto de vista financeiro e económico.

Não obstante, nós ouvimos desde logo S. Exa. manifestar a sua obsessão partidária ao proclamar que a maioria tinha apenas um objectivo político em face dês-te problema financeiro do maior interêsse nacional, ao defender o sistema de régie, o engrandecimento do seu partido.

É lamentável que um homem da alta categoria mental e política do Sr. Pestana Júnior leve iam longe o seu facciosísmo político, sendo injusto para os parlamentares democráticos que aqui estão desejosos de cumprir dignamente o sen dever, tam honesta e patriòticamente como S. Exa., considerando que nós nos determinamos neste momentoso problema, que tanto afecta a vida da nação, por um mesquinho e inferior interêsse de engrandecer o nosso partido.

Estas palavras ferem-nos, porque sendo nós velhos republicanos, aspirando apenas a trabalhar pela dignificação da República, e que ela só liberte da asfixia financeira de indivíduos e potentados da finança e dos negócios, cujos interêsses. são contrários aos interêsses da democracia, que êste ataque injustíssimo puta dum velho republicano.

Oxalá que as consequências dêstes ataques violentos e facciosos contra a maioria não tragam um cruel arrependimento ao ilustre Deputado e a todos os republicanos que, pela ânsia de se sentarem nas cadeiras ministeriais, envolvem na política partidária o problema dos tabacos, que apenas como problema financeiro devia ser tratado.

Se eu quisesse seguir pelo mesmo caminho podia dizer também que é um estreito critério partidário e para seu engrandecimento político que as oposições assumem esta atitude de defenderem o regime de liberdade e de afirmarem que o regime de régie não será votado, porque não o consentirão.

Com o argumento de que estão desacreditadas as administrações do Estado, fácil é alcançar adeptos para a liberdade, sem se atender a outras circunstâncias que colocam a indústria dos tabacos numa situação sui generis, não podendo estabelecer-se um paralelo possível com outras administrações do Estado que falharam. É, portanto, uma posição política em que se tiram efeitos de fácil aplauso, e o combate à régie pode também ser considerado um pretexto para engrandecimento partidário.

Apoiados.

O problema dos tabacos foi encarado financeiramente, com proficiência e com a precisão e a clareza que os elementos estatísticos incompletos lhe puderam fornecer, pelo ilustre Deputado Sr. Soares Branco, competência especializada, doublé de um orador eloquente e persuasivo. Seria pretencioso da minha parte entrar neste debate, tendo como objectivo esclarecer ou criticar os cálculos leitos pelo ilustre relator, quando eu, embora seja um professor que trabalhe com números e que não tenho horror ao cálculo matemático, não sou um financeiro e não sou um técnico.

Eu, Sr. Presidente, tenho também estudado o problema com e maior desejo de conscientemente votar a solução que mais convenha aos altos interêsses do Estado. Uma lei que o Parlamento vota é sempre uma experiência histórica. É difícil prever com segurança e certeza matemática quais sejam os resultados futuros de uma disposição legislativa, principalmente quando se trata do problemas económicos ou financeiros.

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Contudo para orientar o meu espírito, em face dêste problema, com a maior sinceridade republicana, não precisei mesmo de entrar em detalhes numéricos, embora êles sejam muito elucidativos e corroborem o meu ponto de vista. Para nos inclinarmos para o sistema que mais convém aos interêsses do Estado, é suficiente não desconhecer e ter acompanhado o que se tem passado com a evolução das indústrias em Portugal, a orientação seguida pelos nossos industriais e que os grandes detentores das fortunas e das mais lucrativas indústrias estão desintegrados da vida colectiva da Nação, não desempenhando a alta e nobre função social que noutros países os potentados da indústria e da finança desempenham com a consciência das suas responsabilidades perante a Pátria e a humanidade. Em Portugal os industriais e os grandes capitalistas são profundamente egoístas; exploram o trabalho, o Estado, o povo consumidor e guardam avaramente o dinheiro ou depositam-no em Bancos estrangeiros, desfalcando a economia nacional. Se há excepções, elas apenas confirmam a regra. A actual Companhia dos Tabacos é um potentado financeiro: capital acumulado durante êstes anos de exploração do negócio dos tabacos. Em que se tem feito sentir a sua acção em obras de interêsse colectivo e patriótico? Quem poderá demonstrar que êsse potentado que se tem locupletado com a maior parte de um dos maiores rendimentos do Estado, tem tido iniciativas benéficas para a economia da Nação?

O mesmo podemos dizer de outros potentados financeiros e industriais do País.

E é nas mãos da finança e dos industriais divorciados da nossa vida colectiva que devemos entregar a mais lucrativa indústria, de maior rendimento fiscal?

Permita-me V. Exa. Sr. Presidente, e a Câmara que ou conduza o meu raciocínio de uma maneira simplista, abstraindo mesmo de quaisquer teorias ou princípios económicos, porque, o problema apesar de complexo pode ser apresentado de uma forma simples. Também não é difícil, seguindo teorias económicas, concluir que nas actuais circunstâncias não há outro caminho indicado ao Govêrno senão adoptar o regime de régie.

Em princípio, podemos formular a pregunta: É defensável o direito ao Estado de explorar, privativamente, uma indústria como a dos tabacos?

O Sr. Pinheiro Tôrres defendeu a doutrina do que o Estado não tem a função de criar riqueza. Para S. Exa. o Estado devo apenas dirigir, neutral e superiormente a vida económica da Nação, policiar e administrar justiça. E possível que noutras discussões encontremos S. Exa. a defender outros pontos de vista. S. Exa. é um espírito brilhante, é um artista, e os artistas comprazem-se muitas vezes no paradoxo.

Diz o Sr. Soares Branco no seu relatório que "não é próprio de qualquer Parlamento discutir teórica e doutrinàriamente um problema". Acrescenta depois o ilustre relator: "Mas é seu dever indeclinável escolher entre as doutrinas consagradas aquela que melhor permita uma aplicação prática no meio económico e social a que só dirige. E não pode o estudo do regime de exploração do uma indústria alhear-se da situação de facto criada e existente à data em que o novo sistema comece a vigorar".

O Sr. Pinheiro Tôrres pretendeu servir-se destas palavras para defender o monopólio privado. As interpretações que se dão às palavras são, muitas vezes, conforme as ilacções que se pretendem tirar.

S. Exa. esforçou-se por ver nas palavras do Sr. Soares Branco a defesa do monopólio privado.

Não é êsse o significado das palavras do ilustre relator. A situação de facto criada e existente é uma indústria e um comércio funcionando normalmente, perfeitamente experimentados, de grande e seguro rendimento; quatro fábricas pertencentes ao Estado com o material necessário para poderem fabricar todo o tabaco que só consome no País, um pessoal técnico muito adestrado e o Estado sem encargos financeiros com a Companhia concessionária. São estas as condições excepcionalmente vantajosas em que se encontra o Govêrno em face de tam importante problema financeiro, no termo do monopólio privado.

No dia 1 de Maio próximo, é obrigada a Companhia dos Tabacos a entregar ao Estado as quatro fábricas em plena laboração, com todo o material existente e com 800:000 quilogramas de tabaco manipulado, que o Estado lhe pagará nos termos

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do contrato. Grande parte do pessoal vem ainda do tempo da régie, cujos direitos estão garantidos pelos diplomas legais. Existem ainda alguns técnicos do tempo da régie, dos mais competentes, que conhecem o tabaco desde que é plantado até sofrer todas as transformações necessárias para ser entregue ao mercado para consumo, e que a Companhia colocou noutros serviços para que não fossem elementos de informação do Estado. São êstes preciosos elementos a aproveitar na exploração futura no sistema de régie. Não há necessidade de fazer colocação de pessoal novo, nem do criar novos lugares.

De maneira que a situação em que se encontra o Estado actualmente perante o problema dos tabacos é bem diferente da situação de 1906-1907.

Pode o Estado ter hesitações em que, nesta conjuntura, lhe convém tomar conta das fábricas e explorar a indústria, dando-lhe uma administração autónoma, bem acautelada para evitar que elementos interessados na sua desorganização possam infiltrar-se no funcionamento dessa administração, que deve ser responsável?

Porque não deve o Estado tomar conta do que lhe pertence, um organismo que já está montado e que representa o sacrifício de sucessivas gerações, e evitar assim que os representantes de uma finança sem patriotismo, insaciável, se locupletem com o maior imposto voluntário do povo?

Então devemos ser nós, os representantes do Estado, a confessar a sua incompetência para dirigir superiormente uma indústria que é uma das maiores receitas do próprio Estado, indústria experimentada e funcionando com os seus órgãos perfeitamente estabilizados?

Porque se não hão-de entender todos os partidos constitucionais da República para se resolver êste magno problema financeiro, abstraindo de facciosismo políticos, cooperando para que o sistema de régie seja instituído, rodeado de todas as cautelas para que não fracassasse? Isso será fácil desde que todos os partidos e todos os políticos com responsabilidades na administração pública pela alta situação que ocupam, se empenhem nesse desideratum, apenas inspirados pelos elevados interêsses nacionais e colocando fora das lutas políticas êste problema.

Apoiados.

Os receios dos homens de Estado e dos partidos constitucionais da República não os compreendo. Seria a confissão plena da sua incompetência governativa, tanto mais de admirar quanto é certa essa incompetência se confessar em face de um problema económico positivo, de uma exploração industrial absolutamente garantida, de rendimento certo, sem riscos, de fácil funcionamento e já montada normalmente.

Se cotejarmos os argumentos que têm sido aduzidos contra a régie e os que se têm apresentado contra a liberdade, nós vemos que são de maior gravidade os que condenam o regime de liberdade.

Se se instituísse uma liberdade ampla, e ao verificar-se que o rendimento do Estado não era o que devia ser, só se poderia sair dêsse sistema expropriando-se as fábricas que se tivessem montado, por muitas centenas de milhares de escudos, como sucedeu em 1888. Se essa liberdade não fôsse ampla, cairíamos num monopólio de facto e nós sabemos o que se passa no nosso País com algumas indústrias que se encontram nessa situação privilegiada explorando a economia nacional.

Os argumentos contra a liberdade evidenciam bem que êsse sistema não é de aconselhar no nosso País, pois que a finança e os industriais apenas teriam em mim obter os maiores lucros dessa indústria, empregando ao mesmo tempo todos os estratagemas para ludibriarem o Estado.

A maior parte dêsse rendimento ficaria na mão de um número restrito de particulares que em cousa alguma concorreriam para a solução dos problemas de fomento, estradas, instrução, assistência e outros, que continuariam absolutamente a cargo do Estado a quem tudo se exige em Portugal, e os estadistas, os políticos, o Parlamento continuariam ainda a ser insultados por essas entidades, considerando-nos incompetentes a nós que entregávamos nas suas mãos o maior rendimento do Estado! Adoptando o regime de liberdade, qualquer que seja a modalidade, nós deixamos fugir para as algibeiras de certos particulares um dos maiores rendimentos do Estado e que o Estado pode aplicar em obras de fomento e de interêsse colectivo. Se todos os partidos e se todos os homens de Govêrno cooperarem since-

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ramente, não pode haver dúvidas nem pode haver receios de que o regime de régie para esta indústria, que tem um carácter tam diferente de todas as outras indústrias, não dê o máximo rendimento possível.

Apoiados.

Nesta Câmara ainda teremos ocasião de ouvir discursos interessantes sôbre liberdade de indústria e sôbre estatismo; mas não há dúvida de que, no actual momento histórico da vida social dos povos, ninguém sinceramente pode defender o critério de que o Estado, de uma, maneira absoluta, não tem o direito de explorar qualquer indústria, principalmente de uma indústria com o carácter da dos tabacos, que tem apenas um interêsse financeiro e fiscal.

É certo que mesmo nos países onde, mercê de circunstâncias particulares e do carácter do povo e ainda da organização industrial, funciona o regime de liberdade, há tratadistas, há técnicos, estadistas, competências que defendem o regime da régie como sendo o melhor, como sendo aquele que pode dar o maior rendimento ao Estado. É sabida a razão por que na Alemanha não se passou já para o regime de régie; é porque monta a alguns milhões de marcos a importância necessária para se expropriarem as fábricas existentes.

Não é apenas no interesso fiscal que ao País convém o sistema de régie. E também no interêsse do trabalho nacional, que êste regime pode cabalmente defender. A laboração da indústria em regime de concentração é altamente vantajosa para o aumento da produção e para a defesa dos interêsses dos operários. Como bem acentuou o ilustre relator da comissão de finanças, a fabricação nacional, em regime de concentração pelo trabalho das quatro fábricas existentes, satisfaz as exigências do consumo. "O trabalho das fábricas nacionais desenvolve-se muito mais pela justa posição do que pela sobreposição das produções de cada fábrica. Estas quatro fábricas resultaram da prévia eliminação de outros vinte e dois estabelecimentos de secundária importância incapazes de concorrerem com vantagem, mas adquiridos todos em 1888 por 7:200 contos, apesar do seu muito deficiente rendimento fabril, em vista de a indústria ter passado para o monopólio do Estado".

O ilustre Deputado Sr. Lelo Portela tem uma fé supersticiosa nos benefícios da concorrência industrial, significando as suas palavras que se encontra, ainda nas escolas clássicas de Smith e de Bastiat.

Isto mostra que S. Exa., que é um cultor distinto das leis e que já honrou as cadeiras do Poder, naturalmente por se encontrar neste momento em mau terreno, não quere acompanhar a evolução histórica dos princípios económicos. Mas nós, que não estamos fora do mundo culto, não podemos ter a pretensão de seguirmos uma directriz diferente da dos outros povos, em face dos fenómenos económicos e sociais.

Também o Sr. Lelo Portela no seu discurso fez uma lamentável confusão a respeito do dumping. Afirmou que seria um dos perigos a considerar no regime de régie.

Ao contrário do que disse S. Exa. com a liberdade de indústria, e de comércio é que há a atender a êsse perigo, pois que mais fàcilmente se abrem as portas ao tabaco estrangeiro. E assim seríamos nós que facultaríamos um terreno favorável ao dumping, e os países que fazem uso dêste sistema económico podiam vender no nosso País tabaco em competência com a indústria nacional, facto que muito concorreria para a desorganização do trabalho nacional. No regime de régie o Estado poderá muito mais eficazmente proteger o trabalho e a economia nacional. S. Exa. reconsiderando, concordará decerto que eu tenho razão e que os argumentos que se têm apresentado e que se hão-de apresentar por parte dêste lado da Câmara, em defesa do sistema do régie, são os que devem pesar mais no espírito daqueles que querem cooperar sinceramente na obra de ressurgimento da República.

A maneira de ver do grande parte dos portugueses, sob o ponto de vista da assistência social o de cooperação no desenvolvimento económico da Nação, é errada.

Todos apelam para o Estado, e é êle que patrocina, em regra, os maiores empreendimentos e que auxilia nas suas crises a finança, a indústria, o comércio e a agricultura - mas muitos dêsses elementos esforçam-se por tirar ao Estado os melhores meios que o Estado pode ter

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para aumentar ou garantir os sons recursos financeiros. A alta finança, por exemplo, que ao Estado sempre recorre nas suas graves crises, determinadas a maior parte das vezes pelos seus erros de administração ou de visão, sempre que se julga em situação desafogada, não só importa de provocar a asfixia financeira do mesmo Estado, como por mais de uma vez tem sucedido, colocando em dificuldades os Governos e criando uma atmosfera de descrédito à República.

Conhecendo nós todos êstes fenómenos e o carácter dos nossos financeiros e dos nossos homens que se põem sempre à frente dos grandes negócios, que vantagens podemos nós esperar para o Estado entregando a indústria dos tabacos nas mãos dêsses particulares ambiciosos e insaciáveis?

Pelos cálculos apresentados pelo Sr. Ministro das Finanças, poios Srs. relatores e pelos Srs. Pestana Júnior e Aboim Inglês, que mais de perto estudaram o assunto, o rendimento dos tabacos é computado para uns em 100:000 contos anuais, para outros em 150:000 contos ou 200:000 contos; mas eu creio que, em boa verdade, por falta de elementos estatísticos, sonegados propositadamente pela Companhia dos Tabacos, nenhum parlamentar pode afirmar com segurança qual seja em média o seu rendimento máximo.

Mas, se não podemos afirmar qual é o maior rendimento dos tabacos possível, num ou noutro regime, podemos, todavia, ter a certeza de que êsse rendimento será máximo no regime de régie. E é mais um argumento a favor da régie, adoptando mesmo provisória ou temporariamente êsse sistema, pois que por meio da sua administração é que poderemos saber qual é o seu maior rendimento.

Nestas circunstâncias, todos os Partidos que desejam cooperar numa obra de engrandecimento da República e de regeneração económica e financeira do Pais devem procurar que um tal sistema, aceito pela Câmara e pelo País. isto é, pela grande parto do País que não íein por objectivo tratar apenas de interêsses particulares, muitas vezes inconfessáveis, em detrimento dos interessas gerais da Nação, seja cercado de todos os cuidados para que resulte uma organização industrial perfeita, podendo até servir de padrão para as nossas indústrias, para que o operariado veja justa e equitativamente remunerado o seu trabalho e que os consumidores possam ser servidos com as melhores qualidades de tabaco. Pelas informações que tenho colhido de pessoas que conhecem muito bem os detalhes do fabrico, estou sinceramente convencido de que no sistema de régie se podem atingir êstes objectivos. Mas, dizer-se que o Partido Republicano Português defende a régie apenas para engrandecimento partidário, é uma injustiça inadmissível.

E já costume velho atacar-se o Partido Republicano Português, porque êle encara os problemas nacionais de determinada maneira, acusando-o de apenas cuidar dos seus interêsses partidários. São processos políticos de ataque e nada mais. A verdade histórica tem insofismavelmente demonstrado que êsse Partido, sempre tam combatido em várias conjunturas, tem estudado os diversos problemas nacionais de maior responsabilidade, como julga de maior conveniência para a Nação, abstraindo do seu interêsse político. Basta recordar o que sucedeu com o problema da intervenção de Portugal na guerra mundial.

O Partido Republicano Português teve a visão nítida da posição internacional que continha ao País ocupar e pretendeu que Portugal não tomasse atitudes dúbias, consciente de que defendia os sagrados interêsses da nacionalidade. Contudo, êsse Partido foi impiedosamente atacado, e todos aqueles que conheciam as lições que nos dá a nossa história diplomática e ambicionavam que a Nação não fizesse a figura deprimente que fez noutros conturbados períodos da história da civilização, foram designados ignominiosamente como empresários da guerra.

Ao lado do Partido Evolucionista, na mesma comunhão de ideas, cumpriu o seu dever perante a Pátria, embora caísse perante uma revolta.

Mais tarde fez-se justiça às suas intenções, e - singular capricho do destino - foram os que combateram êsse Partido rude e violentamente que colheram os louros políticos, na hora da paz, da sua atitude de alia visão patriótica, em face de um problema internacional de grande magnitude e que ficou vinculado na nossa

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história como nação livre, em páginas imorredouras.

Foi sempre assim através da nossa História.

Os nossos maiores que empreenderam os descobrimentos e as conquistas foram também atacados e o seu pensamento criticado. O Infante D. Henrique não teve os aplausos unânimes do seu tempo. O velho do Restelo é um símbolo nacional.

Actualmente estou convencido de que o Partido Republicano Português se encontra no melhor campo, defendendo o sistema de régie e confio que todos os portugueses sinceros ainda hão-de fazer justiça à sua atitude em face dêste problema, quer seja vencido ou triunfe o seu ponto de vista.

Eu não vejo, de resto, que das oposições tenha partido outra acusação para ponderar, senão que as administrações do Estado não têm sido escrupulosas. Tenho ouvido fazer nesta Câmara o paralelo com o que sã passou com os Transportes Marítimos o com os Bairros Sociais, prevendo-se que o mesmo se poderá passar com a régie.

Eu creio que não há comparação possível com fenómenos, tendo características tam dissemelhantes. Não é lógico comparar-se a indústria dos tabacos, que tem um carácter fiscal, com os Transportes Marítimos, que não estavam organizados, indústria deficitária, e cuja exploração se iniciou no período calamitoso da guerra, atacada por todos os processos, cavilosa e sub-repticiamente, pelos interessados em que essa organização falhasse, indústria que fracassou em quási todos os países e mesmo cuja exploração particular tem. quási sempre que contar com a subvenção dos Estados. Contudo, é bom acentuar, em Portugal um período houve em que a administração dos Transportes Marítimos foi exemplar e deu rendimento : - quando esteve à sua frente, antes da, revolta sidonista, o Sr. Portugal Durão. E bem sabido que a responsabilidade do seu fracasso não pertence ao Partido Republicano Português.

Eu sei que há perigos a evitar no regime da régie, mas êles evitar-se hão desde que todos os partidos do Govêrno colaborem devotadamente nesse sentido, não consentindo que se infiltre nesse organismo autónomo,- mas superiormente

fiscalizado pelo Estado, os elementos perniciosos capazes de o desorganizar, possivelmente interessados no seu fracasso, porque representem interêsses ocultos daqueles que desejariam que essa indústria rendosíssima lhe fôsse entregue. É, a meu ver, êsse o maior perigo que será necessário conjurar.

Sempre em Portugal foi abordado o problema dos tabacos com rudeza e violência. Os financeiros assestaram em todas as épocas as suas batarias contra o Estado e contra os políticos. Lembro-me bem das campanhas de 1906 e 1907; mas figuras como o general Dantas Baracho e como Augusto Fuschini, assim como os Deputados republicanos, estiveram sempre no melhor campo na defesa dos interêsses do Estado e contra a finança insaciável.

Na imprensa, ao contrário do que vemos hoje, também se defendiam os superiores interêsses do Estado, e se os interêsses dessa finança rapace triunfavam era porque os Governos monárquicos estavam comprometidos com êsses potentados por empréstimos feitos antecipadamente.

A monarquia estava enfeudada, em virtude de erros administrativos e das exigências da realeza, a êsses gananciosos potentados financeiros.

Estão na memória de todos as campanhas difamatórias feitas no estrangeiro contra Portugal.

E absolutamente necessário que a República, para sua honra, deles se liberte. A questão dos tabacos será a pedra do toque

Conseguimos chegar dignamente ao termo do monopólio, liberto de compromissos financeiros com a Companhia dos Tabacos.

Se estabelecermos o regime de régie, libertar-nos hemos completamente dessas nefastas influências para se conseguir definitivamente o saneamento das finanças públicas, já probamente iniciado pelos Governos da República.

Não cansarei mais a Câmara para provar que o meu intuito é justamente colaborar patriòticamente na melhor solução. Tenho ouvido com a máxima atenção todos os oradores que têm defendido o regime da liberdade, e, embora com muito calor os Srs. Pestana Júnior, Aboim In

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glês e Lelo Portela tenham defendido os seus pontos de vista, não me convenceram os seus argumentos.

Eu afirmo à Câmara, muito sinceramente, que não pediria a palavra para defender o sistema da régie, se não o julgasse mais útil à Nação. Concordo que é mais conveniente para o Estado o sistema de régie pura, organizada a indústria com autonomia técnica e administrativa, mas responsável, fiscalizada pelo Estado, e aperfeiçoando-se em harmonia com os modernos princípios da sciência do trabalho e da organização scientífica das indústrias.

É esta a solução que se impõe ao Estado, pois que o Govêrno vai receber uma organização industrial e comercial perfeitamente montada. Nada mais tem a fazer do que continuar com essa organização e aperfeiçoá-la de futuro...

O Sr. Rafael Ribeiro (interrompendo): - Nos Transportes Marítimos também o Estado recebeu muitos barcos.

O Orador: - Mas não era uma indústria montada. Teve que se organizar tudo de novo.

Além disso, em todos os países europeus, como já acentuei, e na própria América, essa exploração também fracassou. A sua fiscalização é mais difícil.

Sr. Presidente: é necessário que a opinião pública seja esclarecida com verdade.

No tempo da monarquia, apesar de os Governos não merecerem a confiança do povo republicano, sempre as personalidades de maior destaque, os Deputados e a imprensa republicana defenderam a exploração pelo Estado, e podiam defender o regime da liberdade, fundamentando-se na falta de confiança nos governantes mo- anárquicos e nos partidos. l

Não o fizeram. Hoje não se procede assim. Dir-se-ia que as preocupações partidárias tudo dominam. l

A imprensa, em lugar de esclarecer a; opinião, adultera os factos, deturpa-os ou exagera-os propositadamente.

Em 1906 escrevia João Chagas, ao fazer-se o contrato do monopólio dos tabacos:

"Existe no País uma indústria excessivamente lucrativa, que consiste em fornecer aos homens o meio de êles absorverem fumo pela boca e o expelirem pelo nariz. Essa indústria, explorada pelo Estado, levaria aos seus cofres alguns milhares de contos anuais, que iriam modificar consideràvelmente as suas condições.

Alega-se, porém, que o Estado não tem competência para explorar a indústria dos tabacos. A sua gerência seria má. Os resultados seriam deploráveis. O monopólio dá 6:000 contos. O Estado monopolista não realizaria essa soma. Seria um desastre.

Mas se isto é assim - pregunto eu - se o Estado é realmente incompetente para tomar a seu cargo o negócio dos tabacos, como se entende que esteja à frente dos negócios públicos?

E se lhe falta capacidade para simplesmente dirigir uma fábrica de charutos, como se entende que dirija o País?

Estas mesmas considerações podemos hoje fazer.

Na verdade, não faz sentido que sejam os órgãos do Poder que proclamem a incapacidade do Estado, o que equivale a afirmarem a sua falência.

Sr. Presidente: vou terminar, afirmando mais uma vez à Câmara que o meu ponto de vista, a que darei conscientemente o meu voto, e que julgo sinceramente o mais conveniente para a exploração da indústria dos tabacos, é o da régie, sem comparticipação de capital particular, porque não há necessidade dele.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: cumprindo as disposições regimentais, mando para a Mesa a minha moção de ordem.

Esta discussão, que parecia dever interessar grandemente a Câmara e o País, tem-se feito no meio da desatenção geral do Parlamento e da Nação. E ouso chamar criminosa a essa desatenção, porque ela define simultaneamente a mentalidade do Poder Legislativo e do Pais.

Toda a gente sabe que as nossas finanças estão combalidas, e todos esperam que o remédio para elas venha de uma boa resolução a dar à questão dos taba-

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cos e contudo eu registo que a desatenção é grande.

As galerias estão quási desertas e a Câmara não se importa muito com o caso.

Não há dúvida de que em questões mínimas, como a apresentação de um novo Ministério, o entusiasmo é grande; enchem-se as galerias, mas neste caso, que é importante, verifica-se um ambiente de eterna indiferença.

Quando um país chega a um estado dêstes, quando a um país são indiferentes os problemas fundamentais da sua vida, êsse país está atacado de uma doença grave.

Portugal, na hora que passa, é um doente.

Talvez os políticos julguem ter aproveitado esta circunstância ocasional, criando ambiente que desvie a atenção do público.

Talvez se enganem, porque a questão dos tabacos está de tal forma ligada aos interêsses do País, que não acredito que esta indiferença não se transforme em tumultos de paixões, quando o País estiver na presença de uma solução que seja inconveniente para os interêsses nacionais.

Então a cólera popular se levantará e varrerá a feira!

Há indiferenças que são terríveis!

Os políticos que não se fiem nelas.

A República tem o condão de pela primeira vez discutir a questão dos tabacos, independentemente da questão de um empréstimo.

Fez bem, porque não se entregou nas mãos armadas da judiaria internacional.

O Sr. Ministro das Finanças tem no seu relatório palavras significativas.

Leu.

Isto traduz um estado de espírito que não é só de S. Exa. mas o estado de espírito do País.

S. Exa. afirmou que o Estado é incompetente para administrar, desde que lhe entreguem dinheiro.

É o Sr. Ministro das Finanças quem o afirma, numa proposta em que se defende um regime especial que não é a régie, mas uma co-régié a que já se chama cócó-régie.

Eu pregunto se tudo isto não se traduzirá no mesmo regabofe.

Neste momento, seja-me lícito declarar que concordo com o Sr. Costa Dias, quando S. Exa. diz que se tem feito uma discussão mais própria da especialidade do que da generalidade.

De facto, temo-nos afastado um pouco da definição dos princípios gerais.

Tem havido nesta Câmara um respeito grande pela parte técnica do assunto.

Assim todos se querem afirmar como técnicos.

Da minha parte, e já de início, devo declarar que não sou técnico em assuntos referentes a tabacos.

Nada conheço do seu fabrico, nem ao menos fumar sei.

Não sou fumador.

Nestas condições, não venho falar aqui, como técnico, nem com a pretensão de alegar a circunstância de me ter aproximado dos verdadeiros técnicos para apresentar conhecimentos que deles tenha conseguido.

Sou uma pessoa que, posta em face do problema, vai procurar raciocinar o melhor que possa, e oxalá que as minhas conclusões sirvam para esclarecer a questão perante a Câmara.

Os regimes que se poderão estabelecer para o fabrico e venda de tabacos são os seguintes:

Monopólio particular, monopólio do Estado ou régie, co-régie e liberdade industrial com graus diversos de condicionamento.

Devo dizer à Câmara que não há separação absoluta entre todos êstes sistemas.

Assim, em minha opinião, a co-régie é um mixto do monopólio do Estado e monopólio particular.

Ao longo desta discussão, já V. Exas. viram que o sistema da co-régie aproveita certamente à companhia que hoje é concessionária do monopólio.

Com efeito, desde que se admite que o Estado emita acções no total de 1:200 contos-ouro que entregará à subscrição pública, e desde que se diz que as circunstâncias financeiras do momento são muito graves e dolorosas para que o público esteja confiante perante o papel oferecido, é elementar concluir imediatamente, que não haverá, se se fizer uma rápida emissão, nenhuma entidade preparada para tomar êsse capital emitido, que não seja a própria companhia que tem o negócio em suas mãos.

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Em tais circunstâncias, parece-me que tudo se conduziria por forma favorável para que a actual companhia tivesse a maioria da comissão na futura cócó-régie.

Diz-se que o valor exacto das acções dos tabacos anda por 800$.

Quere dizer: o valor da liquidação da companhia deve ser de 70:000 contos, pouco mais ou menos.

Retirando 30:000 contos para a co-régie, restariam 40:000 contos.

A companhia poderia ainda entregar qualquer cousa como doas vezes ou duas vezes e meia, a cada accionista, o valor nominal de uma acção, ficando-lhe ainda dinheiro para ir tentar, em condições lucrativas, o comércio do tabaco em rama, oferecendo ela própria a matéria prima à co-régie.

Quere dizer: a companhia pode dentro da tal co-régie que me parece maravilhosamente inventada para servir os seus interêsses, ter uma situação na importação, no fabrico e venda de tabaco, melhor do que a que actualmente tem no regime do monopólio.

Já dois projectos foram apresentados procurando estabelecer um regime que se chama de liberdade.

Um dêsses projectos foi apresentado pelo ilustre parlamentar Sr. Aboim Inglês. Outro foi apresentado pelo distinto parlamentar Sr. Pestana Júnior.

O primeiro estabelece o monopólio de fabrico, e a liberdade de venda.

No próprio relatório que antecede o projecto do Sr. Aboim Inglês diz-se que nos primeiros tempos se não deverá consentir o estabelecimento de novas fábricas.

As actuais deverão ser divididas em dois lotes, e êstes lotes irão à praça, e não poderão ser arrematados à mesma entidade.

É claro que esta disposição é uma defesa moral.

Mas, admitindo mesmo que se conseguisse, que essas duas entidades não fossem, de facto, a mesma entidade, no primeiro ano do regime proposto pelo Sr. Aboim Inglês, havendo apenas dois fabricantes de tabaco que seriam aqueles que arrematassem, respectivamente o grupo de Lisboa e o do Pôrto, era isto, porém, um autêntico monopólio do fabrico, embora houvesse na proposta do Sr. Aboim Inglês a liberdade de venda.

Mas a proposta do Sr. Pestana Júnior essa é exactamente o inverso: estabelece a liberdade do fabrico, e, ao mesmo tempo, o monopólio da venda do tabaco, fabricado no País.

Quere dizer, que estamos tratando de monopólio de fabrico e liberdade de venda, e de monopólio de venda e liberdade de fabrico.

Vou apresentar um projecto de lei que estabelece uma liberdade cujas restrições, como V. Exas. verão ao longo do meu discurso, são muito pequenas, e tam pequenas que êsse regime, a ser adoptado, seria um regime de liberdade de fabrico e de venda, e acrescentarei ainda outra cousa não menos importante: liberdade de importação.

Para nós, entre êstes diversos regimes que podem ser adoptados para a indústria dos tabacos, escolher-se há um. Precisamos de ter um critério.

Diversos critérios se têm apresentado no decurso desta discussão, no sentido de estabelecer-se a preferência por um dêstes regimes.

Liberdade para uns; monopólio para outros, na mão do Estado ou de particulares, como sendo o regime que garante um justo aperfeiçoamento, e melhores condições de trabalho.

O melhor regime parece-me aquele que garanta um maior rendimento para o Estado. Mas nem reparam que no sistema criado colocam o Estado à mercê da actual Companhia, sem estabelecer, sequer, para esta quaisquer responsabilidades.

O capital a emitir será de 1:500 contos, ouro, ou sejam aproximadamente, 32:000 contos papel. E a Companhia - repito - a entidade mais preparada para acudir a essa emissão, dividindo, ainda, depois disso, 40:000 contos pelos seus accionistas. E como será dela a maioria do conselho de administração, serão dela todos os lucros do mercado comprador, certamente escriturados àparte das receitas gerais do Estado. Êste contentar-se há com as benesses para os apaniguados do Partido Democrático.

O monopólio tem conduzido o sistema industrial do Estado a uma quási improdutividade lucrativa que está explicada em parte pela percentagem de 40 por cento

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da produção manual e, apenas 60 por cento da produção mecânica.

Há três sistemas possíveis para o regime do fabrico e venda dos tabacos:

a) Monopólio particular;

b) Monopólio do Estado ou régie;

c) Co-régie;

d) Liberdade com graus diversos de condicionamento.

E pregunto eu:

À produção portuguesa convém mais a associação ou a liberdade industrial?

A questão é apresentada pelos relatores com um carácter de quási generalidade.

Os homens que se proclamam herdeiros daqueles que durante a propaganda tanto gritaram contra os monopólios em geral e contra o dos tabacos em especial, aparecem-nos, agora, endeusando o monopólio.

A guerra originou, e por motivos que se compreendem, a necessidade de alargar a esfera de acção industrial do Estado. Esta concentração de serviços era uma espécie de preparação para o socialismo do Estado.

Após a guerra, as organizações arquitectadas ruiram e os Estados têm pensado em alienar, já não só certos serviços industriais criados durante o período da guerra, como outros que lhe eram anteriores. A associação industrial nas mãos do Estado fracassou.

E as associações industriais tentadas por particulares?

Experimentaram-na agrupamentos horizontais e verticais, os últimos chamados gratteciel, de que é um exemplo a tentativa Stinnes, estrondosamente falida. O "após guerra" preparou a formação dessas organizações, mas o desequilíbrio financeiro e económico matou-as.

A liberdade, pelo menos em período de crise, como é para a Europa o actual, tem mais souplesse e é o único regime industrial em que a crise não desorganiza totalmente a produção. A associação pode trazer vantagens em certos casos, mas dentro do regime de liberdade.

O monopólio, destruindo a concorrência, não pode ser defendido com os mesmos argumentos com que é defendida a associação. O fracasso do monopólio é mais prejudicial do que o da associação, porque arrasta consigo todo o sistema e todos os interêsses a êle ligados.

Produzir é o ideal de todos os povos, e cada um considera-se mais privilegiado quanto maior fôr a quantidade de produtos criados e não consumidos que obtiver durante o mesmo prazo de tempo, porque êsses produtos não consumidos transformam-se em novos elementos de produção.

Na Alemanha, depois das grandes associações industriais, começou a desagregação industrial, e esta é a característica dá hora que passa, porque, no regime das flutuações financeiras e económicas, só os pequenos agregados podem manter-se.

Se os colossos industriais estiverem fraccionados em mil pequenos agregados, podem morrer quinhentos, porque os outros ficam com a resistência bastante para que a produção não se veja paralisada num dado momento.

Em Portugal, porventura, não apareceu também a tarântula das concentrações?

Se bem me recordo, tentaram-se várias experiências em Portugal, algumas das quais tive ocasião de combater aqui no Parlamento.

Tentou-se, de acordo com o grande capitalista Sr. Manuel Vicente Ribeiro, uma concentração nas mãos da moagem, reunindo as indústrias mineiras, de fiação e de moagem, e adquirindo vastos campos em África para a produção do trigo.

Sabem V. Exas. que esta iniciativa terminou pela ruína.

Mas ainda recentemente vieram solicitar novo auxílio em favor de uma concentração industrial. Refiro-me ao caso José Augusto Dias, do Pôrto.

Tendo-se realizado uma pequena concentração horizontal de indústrias, lamentava-se que, num momento, o organismo que serviu de ligação entre todos êstes organismos parcelares tivesse caído em ruína, fazendo aparecer imediatamente o aspecto da fome perante os desempregados e aniquilando um grande número de indústrias que eram úteis à vida da Nação.

Quere dizer, se êsses organismos ligados à casa José Augusto Dias, que julgo está hoje em condições de poder marchar, não estivessem articulados, mas livres, era natural que não tivessem ruído.

Mas não nos confinemos no exame em geral dêste problema, e vamos ao exame em particular da indústria dos tabacos.

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a indústria dos tabacos convém mais o regime do monopólio, quer êle seja estatual ou privado, ou convém antes a liberdade?

Eis o problema que se põe à nossa consciência.

Vejamos como o Sr. relator procurou dar solução a êste problema:

O Sr. Soares Branco procurou demonstrar que o monopólio do Estado (ou mesmo o monopólio particular) é o regime industriai que, para a indústria dos tabacos, garante o seu constante aperfeiçoamento.

Temos então que, para obter o constante aperfeiçoamento da indústria, é necessária a concentração. Mas, desde que ela domina há tanto tempo, é natural que, antes de a deixarmos continuar, tenhamos o cuidado de examinar quais os resultados do exercício dessa indústria em regime de concentração, durante todo o período que decorreu nos últimos anos.

Em primeiro lugar, a indústria produz mal; a qualidade do produto é inferior, dizem-no todos os fumadores, e eu louvo-me nas suas palavras. Em segundo lugar, a indústria produz caro, e, para o provar, vou citar alguns números a V. Exas.:

Cota de fabrico:

Picados .... 5$50
Cigarros (finos e ordinários) .... 15$75
Cigarrrilhas .... 17$00

Média por quilograma 12$75

O custo do tabaco manipulado importado cif Tejo, depois de pagas todas as despesas: custo da matéria prima, cota de fabrico, fretes, transportes, comissões, emolumentos consulares e lucros de fabrico, foi para picados, cigarros e cigarrilhas, média:

Em 1923 .... 12$43

Menos $32 que a simples cota do fabrico nacional.

Em 1924 .... 18$04
Média dos dois anos .... 15$23
Mais do que a simples cota do fabrico nacional .... 2$48

Mas como não se importam cigarros ordinários, o cômputo tem de ser o seguinte (p. 42):

Picados .... 5$50
Cigarros finos .... 18$00
Cigarrilhas .... 17$00

Média 13$50, apenas inferior ao seu custo, cif Tejo (15$32), em 1073.

O preço cif Tejo, dos cigarros e cigarrilhas, foi:

Em 1923 .... 14$80
Em 1924 .... 19$00
Média, 16$90

A média da cota de fabrico de cigarros finos e cigarrilhas nacionais é de 17$50 (18$00 mais 17$00). (Câmbio de 1923-1924).

Quere dizer, a simples cota de fabrico de cigarros e cigarrilhas excede ainda o custo de cigarros e cigarrilhas estrangeiros, cif Tejo, em $60 por quilograma

Êstes cálculos estão mal feitos porque, ao passo que se diz que se consomem mais picados, êstes figuram na importação em menor quantidade. Se fizermos o cálculos entrando em linha de conta com os produtos diversos de importação, chegamos à conclusão de que a média é de 13$50, apenas inferior ao custo do fabrico em Portugal em 1$73. Isto quere dizer que a indústria nacional produz mal e caro,

Dir-me-hão: até agora as cousas foram de uma maneira e de aqui por diante serão de outra. Agora é que se vai produzir bom e barato.

Não acredito.

Põe o Partido Democrático de parte os princípios, naturalmente para olhar aos fins, como diz o Sr. Ministro das Finanças na declaração ministerial.

A indústria dos tabacos pode montar-se em grande ou em pequena escala; e ainda mesmo que nas mãos do Estado existisse um monopólio de facto, poderia haver sempre concorrentes, exactamente devido ao facto de essa indústria se poder exercer em grande ou em pequena escala.

Há dias, o Sr. Soares Branco referiu-se à circunstância da proposta do Sr. Pestana Júnior permitir a importação de tabaco picado, a granel, afirmando que dessa permissão poderia resultar a cria-

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ção de uma nova indústria, a do empacotamento, que originaria por tal forma a dispersão da indústria dos tabacos que isso tornar-se-ia prejudicial para os rendimentos fiscais do Estado.

Julgo, porém, que essa importação não seria possível.

Mas, mesmo que assim fôsse, poderíamos criar um monopólio na indústria do empacotamento.

As condições para o estabelecimento da indústria dos tabacos são tam fáceis que, mesmo que as circunstâncias não determinassem o aparecimento de novos organismos, o Estado podia tirar valiosos resultados da importação, especialmente do tabaco a granel.

Julgo que a concorrência em regime de liberdade é inevitável, e o único receio que poderia haver era o da morte dos actuais organismos. Mas isso só se dará se êles se não souberem aperfeiçoar, isto é, adaptar-se às circunstâncias. E é por isso que na proposta que vou apresentar sustento o princípio de que a esta indústria, ao estabelecer-se, o Estado deve impor-lhe a renovação de toda a maquinaria actualmente existente, a fim de que o fabrico possa ser melhorado.

O Sr. Pestana Júnior quere o arrendamento das fábricas, a curto prazo. Eu, no projecto que apresentei, estabeleço um arrendamento a prazos de dez anos, mas declaro que numa determinada circunstância não me importo nada com a latitude do prazo do arrendamento.

Para que as fábricas não percam em face da concorrência a sua posição actual e o seu valor actual de intervenção no mercado é necessário que transformem toda a sua . maquinaria. Portanto, sob o ponto de vista técnico, há que organizar um caderno de encargos para a transformação do material dessas fábricas.

Se o Estado quere fazer essa transformação, o projecto do Sr. Pestana Júnior é melhor do que o meu na parte relativa ao prazo de arrendamento, visto que será preferível o curto prazo. Mas se o Estado o não quere fazer, então tem de se dar um prazo longo para que a transformação se possa fazer.

Suponhamos que o Estado aproveitava a conta de reparações da Alemanha para essa transformação, e que por êsse meio encomendava o material necessário. Então

poderia arrendar por cinco anos. Fazia-se a concentração da indústria. Mas ao cabo dos cinco anos como procedia o Estado? O Estado procederia por forma a desfazer essa concentração.

Como? Não tornando a arrendar as fábricas à mesma entidade.

O Estado tem na sua mão os elementos de defesa para evitar que, sob o regime de liberdade, possa surgir o monopólio de facto.

Mas porque é que tanta gente tem medo da liberdade? Já ontem referiu aqui esta circunstância no seu brilhantíssimo discurso o Sr. Lelo Portela. Receiam a liberdade pelos exemplos do passado. O relatório demonstra que a liberdade só foi má em determinado período pela razão de que os estadistas não sabiam o que queriam.

Creio que a liberdade é o sistema que há-de triunfar, visto que a consciência dos membros da maioria não é insensível aos argumentos dos adversários da régie. A liberdade que preconizo não pode ter os inconvenientes de uma falsa liberdade.

No relatório do Sr. Ministro das Finanças diz-se que devemos respeitar a opinião do País e obedecer às injunções da consciência nacional; se assim é pregunto então a S. Exa. se não acredita que êste País tenha pela régie uma repugnância mil vezes maior do que a que nutre contra o monopólio. Não vê S. Exa. que, de norte a sul do País, toda a gente está já a ver o Partido Democrático com uma tenda aberta em cada terra para vender tabacos e em cada uma delas um tiranete local pronto a satisfazer clientelas ávidas? Não atende S. Exa. a isto?... Então os argumentos servem num caso e noutro não?

Desculpe-me o Sr. Ministro das Finanças que eu insista um pouco neste ponto. A maioria defende, no fundo, o regime do monopólio, embora diga que êste fica melhor nas mãos do Estado do que nas do particular. Se o Sr. Ministro das Finanças quere opor-se ao monopólio, em vista da repugnância que o País sente por êsse sistema, como é que não tem dúvidas em arvorar o pendão da régie contra a vontade do País?

Há aqui uma questão política e de resto nem há questões administrativas que não

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tenham o carácter de políticas. Não há regime, por melhor que seja, que possamos decretar, desde que êle não agrade à consciência do País.

Eu dizia há tempos, numa conferência, que o papel do estadista não é meter os povos dentro de um espartilho de ferro e moldá-los a fórmulas já estabelecidas, nunca se afastando delas. Todos os organismos têm de desenvolver-se, embora se procure condicionar êsse desenvolvimento, no sentido do que os que não são úteis possam desaparecer.

Mas julga o Sr. Ministro que nesta campanha contra um sentimento do País, que é fundamentada em razões de antecedente, o Partido Democrático é que fica ganhando?

Eu bem sei que poderia constituir um mal a queda violenta do Partido Democrático, porque lá fora não há quem o substitua neste momento, mas V. Exas., querendo ocultar o sentimento do País, estão tornando inviável a sua vida política.

Mas deixemos as questões políticas e vamos às questões técnicas.

O Sr. Soares Branco inventou a chamada "bondade dos tabacos". Eu sou contrário à opinião de S. Exa. porque só o público é que pode reagir contra o mau produto, porque a fiscalização é quási impossível.

Fez o Sr. Soares Branco esta afirmação fundamental: no regime de liberdade a ganância de cada um leva-o a alterar e a falsificar o produto, de modo que a Nação reagirá não o utilizando.

Resultará daqui uma deminuição de consumo do tabaco nacional e um aumento de importação de tabaco estrangeiro, se bem que êste de tal forma esteja tributado que nem todo o consumidor lhe chega.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - V. Exa. não é fumador e desconhece que os fumadores habituam-se a uma marca e dificilmente a abandonam.

O Orador: - Discuto apenas com números e argumentos. Ou há uma deminuição de consumo do nosso tabaco, ou um aumento de importação de tabaco estrangeiro.

Não vejo que a liberdade não traga o aperfeiçoamento da bondade do produto.

Trá-lo forçosamente, e trá-lo desde que o Estado tenha sempre presente a idea de que o único regulador que tem na sua mão, para o efeito de arcar com as vicissitudes da indústria nacional, é o imposto alfandegário sôbre os tabacos manufacturados, e que êle, jogando com êsses direitos, poderá fazer com que a indústria nacional seja protegida, mas também que não abuse da sua situação.

Em qualquer hipótese o Estado, quanto ao rendimento fiscal, não perderá absolutamente nada.

Mas pregunto eu: em regime de monopólio haverá probabilidade de as falsificações serem menores? Em regime de monopólio não há fiscalização.

Reparem V. Exas.: dentro do regime da liberdade há duas espécies de falsificação: uma, aquela que cada, organismo faz a si próprio; outra, a fiscalização que lhe estabelece o organismo concorrente. No monopólio, não. Desde que o Estado diga que o monopólio é a única entidade existente, lhe marque o preço dos seus produtos, lhe dê por outro lado uma protecção pautal tam exagerada que o tabaco estrangeiro não possa concorrer com o tabaco nacional, evidentemente que dentro do regime de monopólio criaram-se todas as condições necessárias para se fazer a adulteração dos produtos. É por esta forma que explico certas anomalias que vejo nos números da Companhia.

Os números - diz-lhes uma pessoa que teve uma educação matemática, mas que a pouco e pouco na barafunda da política se tem, de certo modo, esquecido dela, não deixando, entretanto, ao contrário do Sr. Soares Branco, de se lembrar suficientemente dela- os números são uma cousa de que os bacharéis se devem acautelar. Os números pega-se a êles e joga-se com êles como um jongleur joga com bolas. Se não fôsse assim, V. Exas. deveriam ficar admirados com algumas anomalias dos números indicados pelo Sr. Soares Branco e indicados pela Companhia dos Tabacos.

Já ontem o meu colega Lelo Portela se referiu, mas para tirar conclusões diversas, a alguns números. Vou reeditá-los, e peço a V. Exas. que me digam se as grandes concentrações industriais, fora da acção do Estado, são realmente entidades que se prestem a aperfeiçoar a bondade do produto.

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Os primeiros números que vou citar são os que se extraem do quadro 1.° publicado no relatório.

São êstes:

Leu.

Êstes números são os da Companhia.

A primeira cousa, portanto, para nós, que não somos técnicos, nem o queremos ser, nos podermos pronunciar acerca da verdade com que a Companhia tem organizado os seus números, era saber isto que era essencial, e é impossível de admitir que se faça esta cousa estranha, de êsse número não figurar no parecer: um quilograma de tabaco em rama, em média, quanto dá de tabaco fabricado?

V. Exas. sabem que ao tabaco se junta água para o transformar e manufacturar. Não tenho dados oficiais, mas é preciso que o Sr. relator no-los dê, porque se não os raciocínios são absolutamente falseados.

O monopólio da actual Companhia produz caro e mau. E seria conveniente explicar a razão da diferença que existe nos mapas do relatório entre tabaco em rama, tabaco fabricado e tabaco vendido, em mais de 2 milhões do primeiro para o segundo e de 5 milhões do segundo para o terceiro, como conveniente séria que a comissão explicasse a diferença do mapa de página 20, combinado com os preços de página 24 e o mapa de página 15, distanciados em, aproximadamente, 21:000 contos.

Também desejava que a comissão me dêsse a explicação do motivo por que, tendo baixado a importação do tabaco manufacturado estrangeiro em 1925, na quantidade de 500:000 quilogramas, essa diferença não só se não fez sentir favorecendo a elevação de venda pela Companhia, e beneficiando as percentagens das suas vendas, mas antes, sem que nestas tivessem influência, se verifica a descida de venda em também 500:000 quilogramas. Isto é: pelas contas da Companhia e da Alfândega, deve ter-se fumado em Portugal, em 1925 menos 1 milhão de quilogramas de de tabaco.

Certamente a comissão explicará bem as incoerências que êstes números traduzem.

Do que não resta dúvida, Sr. Presidente, é que há uma diferença entre as estatísticas alfandegárias e as estatísticas da Companhia, e isto pela razão de que as estatísticas alfandegárias são feitas por anos económicos e as da Companhia por anos civis.

Variam os números da Alfândega. A importação desde 1919 inclusive, até 1924 inclusive, soma 21.768:794 quilogramas, números estabelecidos nas estatísticas alfandegárias e que garanto estarem certos. Ora, como o ano de 1919 está compreendido em parte no ano social de 1919-1920 e em parte no ano social de 1918-1919, vamos às estatísticas da Companhia e somemos o valor das importações de 1920 até o ano de 1924-1925. Por outro lado, examinando-se os números relativos à importação .de 1918-1919 até 1923-1924, reconhecemos que, evidentemente, a Companhia regista nas alfândegas importações superiores às que regista nos seus balanços. Mas há mais, e isto não é para entrar no detalhe técnico do problema, mas para dizer que não compreendo absolutamente nada na selva dos números que me foram fornecidos.

A páginas 15 é mencionado neste documento o tabaco vendido pela Companhia.

A páginas 17 vem o importado em monopólio pela Companhia. Examinando os números relativos ao ano de 1923-1924, no que respeita a tabaco vendido, não fabricado, e ao tabaco importado em monopólio pela Companhia, chegamos a estas conclusões:

Leu.

Mas no ano de 1924, como V. Exas. sabem, aumentaram-se os direitos do tabaco estrangeiro. Era natural que se aumentasse a quantidade de tabaco nacional vendido e que deminuísse a do tabaco estrangeiro importado. Deminuíu quanto?...

Nesta altura, o orador lê e compara em face do relatório, sucessivos números para concluir que êles não exprimem a verdade.

O Orador: - Alguém acredita nisto?...

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença?... E a hora de interromper a sessão...

O Orador: - Se V. Exa. me dêsse licença, eu acabaria o raciocínio que estou fazendo, o que levará, quando muito, uns

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sete minutos, para não deixar a matéria cortada neste ponto...

Vozes: - Fale, fale!

O Orador: - A páginas 20, vem outro mapa, no qual se lê o seguinte:

Leu.

Os preços dos tabacos, a páginas 24, do relatório, são:

Leu.

Aplicando êstes preços às qualidades indicadas no mapa da página 20, a que há pouco me referi, encontraremos:

Leu.

Mas, o mapa inserto a páginas 16? acusa:

Leu.

Como é que se obtiveram êstes preços? Por médias aritméticas?

A média dos tabacos picados era assim de 61$00, ao passo que aqui está 61050!

Mas, a páginas 24, do relatório, nós encontramos:

Leu.

Pois bem, a média assim obtida é de 86$00!

Ora, como nestes onze produtos há apenas um deles que tem preço inferior a esta média - as cigarrilhas Lisboa-eu não sei como é que acharam êstes 86$00, visto que todos os outros preços são superiores a 87$00.

Já vêem, pois, V. Exas. que êstes números não são médias aritméticas, mas sim cálculos feitos por artes que nos não dizem.

Como explicar, pois, êstes 21:000 contos?

Êstes números servem apenas para demonstrar que no regime do monopólio nada há que nos garanta que haja melhor fabrico e maior rendimento para o Estado, e que, antes pelo contrário, se vê bem que é impossível corrigir a qualidade dos produtos.

V. Exas. compreendem perfeitamente que a régie pode dar lugar a todos os desmandos do Estado, até à própria falsificação; e, se à régie acrescentarmos ainda a partícula "co", isso então ainda pode dar origem a maiores escândalos e roubalheiras do que no próprio monopólio particular.

Se V. Exa. me dá licença, Sr. Presidente, eu fico então com a palavra reservada para amanhã.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Sim senhor. Interrompo a sessão, para reabrir às 21 horas e 30 minutos.

Eram 19 horas e 40 minutos. Pelas 22 horas é reaberta a sessão.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o Orçamento do Ministério do Comércio.

Está em discussão o capítulo 1.°

O Sr. Amorim Ferreira (para interrogar a Mesa): - Se não estou em êrro, o capítulo 1.° do Orçamento do Ministério do Comércio não tem alteração alguma em relação ao orçamento anterior e, segundo está determinado, a discussão dos diferentes capítulos do orçamento só tem lugar quando haja alteração.

O Sr. Presidente: - De facto, o Orçamento do Ministério do Comércio, neste capítulo 1.°, não tem alteração, pelo que respeita a pessoal, em relação ao de 1925-1926, mas tem em relação a material, razão por que tem de entrar em discussão.

O Sr. Amorim Ferreira: - Muito obrigado a V. Exa. pela explicação.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: o pedir a palavra a propósito do Orçamento não significa que eu tenha um grande interêsse em afirmar a minha discordância sôbre êsse capítulo 1.°, nem mesmo a minha concordância; significa, apenas, isto: é que, dentro das disposições regimentais se condiciona a discussão do orçamento aos Deputados que não fizeram parte da comissão do Orçamento, que não são relatores de nenhuma das propostas orçamentais e têm evidentemente de aproveitar a discussão de qualquer capítulo para formularem as considerações que entendam oportunas a propósito dos serviços a que dizem respeito essas verbas orçamentais. Assim, Sr. Presidente, venho acompanhando a discussão dos orçamentos dos vários Ministérios dentro desta fórmula, aproveitando um único capítulo para que dentro dele possa formular os meus juízos a respeito dêsses

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serviços, não que eu ignore que do facto de qualquer Deputado fazer boas ou más considerações, a respeito da orgânica e eficiência dêstes serviços, momentaneamente se possa colhêr algum bom resultado. No emtanto, isso traduz o pensamento de cada um fazer descargo de consciência, chamando a atenção de quem de direito para erros de tática, de deficiência ou lacunas, ainda que seja portador da convicção de que êsse apelo será ouvido em perfeito silêncio.

Marcada, assim, bem claramente a razão por que pedi a palavra sôbre o capítulo 1.° e antes de fazer o confronto de considerações que tenho em vista, desejava formular ao Sr. Ministro do Comércio uma pregunta, esperando dever da sua amabilidade a fineza de me responder a ela porque, para um dos assuntos que desejo tratar em primeiro lugar, e ainda que afastado do capítulo 1.°, preciso, para fazer os meus juízos, da resposta de S. Exa.

Diz o parecer, não de uma maneira completa, mas não também tam velada que nós a não descortinemos, através dessa forma de pôr o problema, a intenção de um ponto de vista a suprir nesta discussão, que no Orçamento foi suprimida uma verba em relação ao Orçamento de 1925-1926 sob a rubrica de "Fiscalização dos caminhos de ferro" por virtude de ter sido publicado um decreto dando aos serviços de fiscalização dos caminhos de ferro uma nova directriz. Desejava saber como baliza para as minhas considerações qual o pensamento do Sr. Ministro do Comércio traduzido em três ou quatro palavras a propósito dêste assunto.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos):-Posso dar a resposta desde já. A verba a que V. Exa. se refere foi suprimida em consequência de ser considerado em vigor o decreto n.° 11:283 e o meu pensamento é de que essa situação se deve manter no Orçamento porque se deve manter o decreto, embora sujeito à resolução da Câmara.

O Orador:-Agradeço a resposta do Sr. Ministro do Comércio e na ocasião própria farei as considerações que entender oportunas.

O orçamento do Ministério do Comércio num país como o nosso, que precisa de uma reconstituição necessária e urgente da sua economia geral e até, de uma política de criação e renovação infelizmente até hoje não esboçada, deveria, Sr. Presidente, passados cinco ou seis anos do terminus da guerra, ser qualquer cousa diferente do que é hoje. Isto é uma verdade tam evidente, que não há dentro e fora desta Câmara uma única voz que seja capaz de discordar dela com razão.

Infelizmente, Sr. Presidente, a política que todo o País aguardava que fôsse esboçada pelo Ministério do Comércio ainda hoje continua vivendo, apenas, ou no cérebro daqueles que nela sonharam ou no programa espaventoso dos partidos políticos quando querem ir para as cadeiras do Poder.

Em matéria de inquéritos a dentro do Ministério do Comércio, como regra geral a dentro da maior parte dos departamentos da administração pública, não se faz outra política que não seja a de mero expediente.

Sei, Sr. Presidente, que a política exigível pelo Ministério do Comércio tem sido posta de parte, ou antes, tem sido prejudicada pela situação geral das nossas finanças públicas.

Sei bem que a política de fomento deve ter encontrado um grande factor de perturbação na política cambial efectivada até agora.

Sei também que nesse Ministério, apesar de ser avultado o número dos elementos que trabalham, a produtividade do funcionalismo é muito inferior à produtividade da maior parte dos funcionários públicos. E aceito a informação de que as circunstâncias em que o Estado se coloca em relação ao funcionalismo, mormente do técnico, são tais que êste mais não pode fazer. Se a reforma de Velhinho Correia, apesar de alguns defeitos, se tivesse executado integralmente, isso ter-se-ia modificado. Por virtude de a legislação constituir um travão, há categorias que não estão preenchidas com manifesta inconveniência. Se é isto uma razão de aceitar para justificar certas lacunas, não menos certo é que muitos funcionários não prestam os serviços que era lícito esperar.

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E que êles estão não onde convém que estejam mas onde querem estar.

Assim é que quem fôr estudar em detalhe a vida de cada uma das administrações autónomas - e à frente delas eu ponho a administração de serviços hidráulicos, até há bem pouco dirigida por uma pessoa que já hoje se não conta no número dos vivos e a cujo alto valor mental eu não me recuso nunca a prestar a minha homenagem, o Sr. José Ferreira da Silva - elas têm deixado absolutamente a desejar em relação àquilo que delas se esperava.

No emtanto, Sr. Presidente, quem fôr percorrer cada um dos gabinetes dessas administrações autónomas e o quadro geral de funcionários, verificará que dentro deles se dá uma verdadeira congestão de funcionalismo.

Pregunta-se: Realizando qualquer obra útil? Desempenhando quaisquer funções necessárias? Não. Estão onde querem estar, não onde deviam estar.

Contudo, pelo País, além há serviços de hidráulica - eu já não quero referir-me ao caso que constitui tradição nesta Câmara, o caso da Horta; todavia, com base nele, faço as minhas considerações de ordem genérica que são verdadeiras - aos quais o Estado tem concedido dotações. No emtanto. o Estado não se preocupou em pôr na direcção dêsses serviços os elementos técnicos mais convenientes, a fim de que à sombra deles as obras se realizassem o melhor possível, nem sequer curou da administração dos mesmos.

Um dia, quando se fizer a história detalhada do que tem sido a aplicação das verbas de protecção á marinha mercante, nós constataremos que elas têm sido desperdiçadas quási em pura perda.

Falo assim porque represento, de facto, aqui o distrito que tem maior número de obras de hidráulica, necessitando umas de ser feitas de novo, outras de serem prosseguidas, e outras de serem simplesmente conservadas. Contudo, dentro dêste distrito, e a respeito das minhas solicitações a variadíssimos Ministros, do Comércio, todos êles - com um alto pensamento de protecção aos nossos portos e com uma alta concepção de política de portos, nem ao menos uma secção de hidráulica existe.

No emtanto, era tam simples fazê-lo!

Bastava um simples decreto ao abrigo de uma das muitas autorizações que tem o Poder Executivo.

Todavia, para efeito de expediente de burocracia, elas existem de direito, embora não existam de facto. O pessoal que desempenha as funções em uma secção de hidráulica é precisamente o pessoal dos serviços de estrades. Mas pregunta-se: em relação aos serviços das estradas a argumentação não será a mesma? Pelo menos em relação àquele distrito é.

Está a dirigir a divisão de estradas da Horta um funcionário que não tem categoria legal (já não falo doutra espécie de categoria) para poder desempenhar essas funções. No emtanto, para as obras de hidráulica que existem no distrito é êle o único técnico que existe na sua sede : um engenheiro auxiliar de 2.ª classe.

Tudo quanto se pudesse agora dizer não serviria senão para incomodar os taquígrafos e atirar para as colunas do Diário das Sessões com mais um pouco de prosa, sem nenhum resultado útil, e a nossa preocupação deve ser a de produzir trabalho útil.

Sem querer ser desprimoroso para quem está na pasta do Comércio, entendo que esta deve ser gerida por alguém que conheça de facto as necessidades do País.

Todos pedem a atenção dos Poderes Públicos para o problema das estradas, para a rede dos caminhos de ferro. O argumento é sempre êste: não há verba.

O Sr. relator o demonstrou em relação a duas verbas, uma que diz respeito a edifícios públicos, outra a estradas.

Consignada às estradas, há uma verba saída das receitas dos impostos de viação.

Mas as verbas arrecadadas por êsse imposto são ridículas.

O que se passa com o imposto de viação e turismo é um exemplo frisante para que o próprio Sr. Ministro das Finanças tem de olhar como sintoma e procurar corrigir com qualquer remédio eficaz. No emtanto. eu discordo absolutamente dessa orientação do Sr. Ministro das Finanças.

Há serviços e há conceitos de política que impõem o sacrificar uma doutrina desta natureza. E assim, neste momento em que há muito a fazer em matéria de

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estradas, caminhos de ferro e de portos, temos que sacrificar um. pouco êsse critério, aceitando esta política: é que é necessário que uma despesa extraordinária desta ordem seja coberta, é certo, com uma parcela de receita extraordinária, mas feita pela receita ordinária.

Eu lembro uma afirmação feita várias vezes por mim nesta Câmara, de que, regra geral, na confecção dos orçamentos não há aquela seriedade mental que exige e impõe que num documento desta natureza se faça, na verdade, um balanço das necessidades e possibilidades do Estado.

Os desejos dos Srs. Ministros são os de que a proposta orçamental traga um déficit o menos volumoso possível.

Eu acharia preferível que na confecção do Orçamento se fôsse até ao limite necessário, para que depois o País não tivesse que sentir uma impressão diferente daquela que lhe deixou a proposta orçamental, fazendo um conceito nada conveniente ao prestígio da sua função.

O actual Orçamento chegou ao Parlamento com um déficit averiguado de 83:000 contos.

Lembro-me de que, pronunciando-me sôbre uma das propostas orçamentais que aqui apareceu e, dada a orientação seguida pela Câmara na discussão do Orçamento, eu fiz uma profecia, que era fácil, qual foi a de que nós não fecharíamos o ano de gerência de 1926-1927, mesmo com as premissas, sem um déficit superior a 200:000 contos. Hoje, cada vez me convenço mais da verdade contida nessas minhas palavras.

Prosseguindo e referindo-me à verba consignada para edifícios públicos, e aumentada em alvitre formulado no parecer e em proposta apresentada nesta Câmara, devo relembrar umas considerações que eu fiz aqui.

Em 1919-1920 apresentou-se uma proposta para edifícios públicos. Quis discutir o orçamento do Ministério do Comércio, fui estudar o assunto e verifiquei que o Ministro das Finanças, ao tempo Sr. António da Fonseca, pessoa de alto valor mental, tinha cortado nessa verba a importância de 600.000$, é claro, na louvável intenção de apresentar o Orçamento com tendência para o equilíbrio.

Fui estudar as razões que levaram o Sr. Ministro das Finanças a assim proceder e a conclusão que tirei dêsses estudos é que a verba inicial de 2:400 contos era insuficiente para pagar ao pessoal e para lhe dar o material necessário para que êle, de facto, pudesse fazer uma obra razoavelmente justificada.

Sabe V. Exa. quanto ficava tendo cada operário para efeitos de aplicação de material? $02(5) por dia! Isto é sério?!

Estas razões transportadas para o momento que passa têm flagrante oportunidade.

A dispersão de serviços só se traduz em prejuízos para o Estado.

Seria conveniente ir aos arquivos desta Câmara rebuscar uma moção votada por mim alvitrando a conveniência de localizar todos êstes serviços no Ministério do Comércio.

Isso não convinha ao pessoal que estava destacado pelos vários Ministérios.

O Sr. Presidente agita a campainha.

Tenho que respeitar as disposições regimentais, mas como estas minhas considerações obedecem a um pensamento de conjunto, reservo-me para, a propósito de cada capítulo, formular as observações que entender oportunas.

O orador não reviu.

Posto à votação o capitulo 1°, é aprovado.

Entra em discussão o capitulo 2.°

O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: quero, em primeiro lugar, manifestar a V. Exa. o meu desgosto pela maneira como está decorrendo a discussão dos orçamentos precedida pela distribuição dos pareceres.

O parecer relativo ao orçamento do Ministério do Comércio foi distribuído ontem à tarde.

Como tivemos sessão nocturna, foi-me impossível ontem ler êsse parecer, em vista dos meus fracos recursos e a minha falta. de aptidão para me isolar no meio desta Câmara, e em vista da necessidade que sinto de acompanhar os assuntos em discussão.

Esta manhã as obrigações da minha vida não me permitiram ler êsse parecer. Vim, portanto, para aqui com uma leitura rápida e atabalhoada do parecer e confesso que não me sinto devidamente habilitado à discussão.

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Peço, portanto, a V. Exa. que promova quanto possível que não se inicie qualquer discussão de um orçamento sem que decorram dois ou três dias depois da distribuição do parecer nesta casa do Parlamento.

Feitas estas considerações preliminares, eu quero manifestar a V. Exa. quanto me foi agradável reconhecer, pela leitura rápida e incompleta que fiz do parecer, a honestidade, a probidade, que o Sr. relator da comissão do orçamento pôs no documento que estamos apreciando.

S. Exa., declarando fugir a uma exibição de erudição fácil, produziu um documento honesto, sincero, que me apraz elogiar tanto quanto merece.

Não deixou, contudo, o Sr. relator de apontar a função que compete ao Ministério do Comércio e Comunicações, como sendo o Ministério da economia nacional. Encontram-se nesse Ministério não só os elementos fundamentais da produção nacional, como os mais importantes da circulação de riqueza.

Sob êsse ponto de vista, o orçamento do Ministério do Comércio merecia uma discussão larga, se os moldes dentro dos quais se fazem as discussões do orçamento o permitissem.

Não é' o caso; por isso, procederei como o Sr. relator; não virei para aqui, com frases rotundas e pimponas, fazer, como S. Exa. disse, uma exibição fácil de erudição.

Em todo o caso, sinto-me com a obrigação de, pela parte que me diz respeito, varrer a testada.

Refere-se o parecer do Sr. relator ao facto de ainda não ter sido apresentado à apreciação da Câmara o parecer da comissão de caminhos de ferro sôbre o decreto n.° 11:283 que reorganizou os serviços de caminhos de ferro.

Êsse decreto, enviado à comissão por virtude da moção do Sr. Paiva Gomes, por indicação muito amável e imerecida dos meus colegas na mesma comissão, foi-me entregue para que eu o relatasse. E, como poderia alguém supor que me cabem mais responsabilidades do que a qualquer outro membro da comissão pelo facto de êsse parecer não ter sido até agora apresentado, eu quero declarar a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara que já há muito tempo, e logo que me foi possível,

elaborei um projecto de parecer, comunicando aos meus colegas na comissão que estava pronto a submetê-lo ao exame da mesma comissão.

Não consegui, porém, que até agora ela reunisse para tal efeito.

E claro que nos primeiros tempos, quási todos os dias, insisti para que a comissão reunisse, mas acabei por desistir.

O facto é que os meus colegas sabem que o meu projecto de parecer está elaborado.

Se a comissão não reuniu para o apreciar, foi porque não quis.

Nessas condições, eu, tendo, como disse, varrido a minha testada e afirmado a responsabilidade nula que me cabe na circunstância de não ter sido apresentado o parecer sôbre o aludido decreto, quero afirmar ainda a necessidade que há de fixar doutrina sôbre o assunto.

O decreto n.° 11:283 não está suspenso.

Em todo o caso, da moção do Sr. Paiva Gomes, aprovada por esta Câmara, consta que o Governo...

Leu.

Está portanto a organização da fiscalização dos caminhos de ferro, se me permitem o termo, coxa.

Há, portanto, uma necessidade absoluta e urgente de, pelo Parlamento, ser tomada uma resolução sôbre o referido decreto.

Dentro dos princípios consignados nesse decreto há um que me agrada, lá vem expresso, e, certamente, não deixará de ser aceito como bom por esta Câmara.

Êsse princípio foi aceito também pelas companhias concessionárias da nossa rede ferroviária e consta do pagamento das despesas com fiscalização por meio de receitas provenientes dum imposto lançado sôbre as receitas dessas companhias.

Êsse princípio, como disse a V. Exas., parece-me absolutamente justo, havendo necessidade de, por esta Câmara, independentemente de qualquer resolução ulterior sôbre a letra e espírito das restantes disposições dêsse decreto, sôbre êle se definir doutrina.

Elaborei por isso uma moção que oportunamente justificarei e mandarei para a Mesa.

Há, contudo, Sr. Presidente, uma disposição no referido decreto que não pode de maneira nenhuma ser aceita por esta

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Câmara, tenho a certeza que o não será, não só pelas declarações já aqui feitas, por mais de uma vez, pelo Sr. Ministro das Finanças, como ainda pelas afirmações feitas por colegas nossos, muito ilustres, de todos os lados da Câmara.

Trata-se do princípio consignado no artigo 2.° dêsse decreto, em que é criado um fundo especial para fazer face às despezas de fiscalização. Êsse fundo é absolutamente injustificado e injustificável.

Tratando-se, ainda, dum organismo com carácter de exploração industrial, eu compreendia um fundo especial.

Compreendo, por exemplo, que os Caminhos de Ferro do Estado arrecadem receitas, que os serviços florestais arrecadem receitas e as apliquem como entenderem, é claro, dentro do orçamento e dos princípios previstos pelo Parlamento.

Há, pois, organismos com carácter de exploração industrial que têm, evidentemente, de viver dentro dêste regime, arrecadando receitas e aplicando-as nas suas despesas.

É claro que o Estado não pode abstrair dessas receitas, mas pode delegar nesses organismos encarregados de determinados serviços a administração dêsses fundos.

Que se crie um fundo especial para um organismo que não tem receitas próprias, para um organismo que tem funções absolutamente burocráticas, isso é que eu não compreendo de maneira nenhuma. E inadmissível.

Tenho a certeza de que êsse princípio não será aceito porque já mais de uma vez o ouvi ao Sr. Ministro das Finanças; e não só a S. Exa. como a muitos Srs. Deputados de todos os lados da Câmara.

Feitas estas restrições sôbre a administração das receitas que pelo decreto n.° 11:238 são destinadas à administração geral dos caminhos de ferro, mas que em meu entender devem figurar no Orçamento Geral do Estado, nunca saindo dele a pretexto algum, eu passo a ler a minha moção, que é a seguinte:

Moção

A Câmara, reconhecendo a vantagem de manter o princípio de pagamento da fiscalização dos caminhos de ferro com receita proveniente do imposto único a estabelecer, lançado sôbre as receitas

das companhias concessionárias, e a necessidade de lhe ser ràpidamente apresentado o parecer das comissões sôbre o decreto n.° 11:283, passa à ordem do dia. - Amorim Ferreira.

Tenho dito.

O orador não reviu.

E lida na Mesa e admitida a moção do Sr. Amorim Ferreira.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que aceito a moção do Sr. engenheiro Amorim Ferreira.

Com efeito a aplicação do imposto único é desejada pelas companhias como me foi declarado já por representantes da C. P. que me procuraram.

Êsse imposto, além de resolver o problema que nos preocupa neste momento, tem ainda a vantagem da simplificação dos impostos.

Declaro que aceito o princípio estabelecido por S. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: há uma expressão muito usada de há velhos tempos dentro do Parlamento, mas que tem uma grande oportunidade neste momento, e que diz: "precisamos de pôr um pouco de ordem na discussão".

A minha opinião, escudada na doutrina regimental que posso indicar se V. Exa. assim mo impuser, que essa moção nem na Mesa podia ser admitida.

Se não bastar a indicação da doutrina regimental- espero que basta - eu desde já, fazendo o trabalho necessário para desbravar terreno, devo dizer a V. Exa. que, querendo, como Deputado que discutiu o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, apresentar uma moção de definição de política geral, V. Exa. na Mesa e nos termos do Regimento recusou-se a aceitá-la.

Não é êste, porém, o momento de firmarmos doutrina a respeito de serviços públicos.

Foi publicado um decreto remodelando a orgânica dos serviços de fiscalização por meio do qual o Estado se libertava da despesa de 585 contos que tinha a seu cargo com êsses serviços.

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Á Câmara dos Deputados fê-lo baixar à comissão de caminhos de ferro para se pronunciar sôbre o assunto.

Algumas moções foram apresentadas e aprovadas, mas nenhuma delas encarou o problema como o Sr. Amorim Ferreira.

O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo):-Nessa matéria está incluído um projecto de lei que diz: "são considerados inconstitucionais os decretos tais e tais".

O Orador: - Sr. Presidente: sou das pessoas que costumam acompanhar os trabalhos parlamentares com a possível consciência; e tanto é assim, que tomei parte na discussão, podendo hoje, dentro dos meus fracos recursos, afirmar a absoluta constítucionalidade do decreto. Mas, qualquer que seja o ponto de vista que se adopte, o que é certo é que o decreto em questão voltou à comissão para ela avaliar da sua constítucionalidade. Ora não me parece que a comissão dos caminhos de ferro tenha essa competência...

O Sr. Amorim Ferreira (interrompendo): - Qual é então a comissão que tem competência para dar parecer sôbre a constítucionalidade ou inconstitucionalidade dum decreto?

O Orador: - Não há nenhuma que especialmente tenha essa função; mas entre todas, a que deve ter um pouco de mais competência para o caso 6 a comissão de egislação civil e criminal.

O Sr. Amorim Ferreira: - No caso de se tratar de matéria de legislação civil e criminal. Mas o que é certo é que eu, pelo facto de fazer parte da comissão de caminhos de ferro, não deixo, todavia, de ter a minha opinião sôbre se um decreto é ou não inconstitucional e nada impede a comissão, quando qualquer diploma lhe está afecto, que ela se possa pronunciar sôbre a sua constítucionalidade ou inconstitucionalidade.

O Orador: - Como se poderá pronunciar sôbre qualquer acontocimento chinês... Mas deixemos isso.

O que é certo é que o decreto está em vigor; apenas o não está numa parte, que é a segunda, concedendo às companhias de caminho de ferro o, voluntariamente ou por intermédio de quem quer que seja, se recusarem momentaneamente a pagar as quantias que lhes foram enviadas para efeito de pagamento de cotas. Se eu quisesse fazer qualquer especulação política sôbre êste ponto, poderia até fazê-la de maneira a amarrar qualquer Ministro a uma alta responsabilidade. Junto de qualquer membro do Poder Executivo, fizeram-se démarches no sentido de se conceder uma moratória. A que título? Arrecadaram-se já as receitas precisas?

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos) (interrompendo): -Esse ponto de vista não foi aceito.

O Orador: - Eu também sabia que as receitas não haviam sido cobradas. Mas deixemos agora isso.

O que importa saber de momento é se a moção de que se trata podia ser aceita. A minha opinião é de que ela não podia ser admitida.

Quando qualquer Sr. Deputado assim o entender, êle que ponha a questão isoladamente; nestas condições, não.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, V. Exa. suscita-me a aplicação da boa doutrina; todavia, a Câmara pronunciou-se, admitindo essa moção.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. as suas palavras, as quais, aliás, eram de esperar de V. Exa., pessoa que timbra por ser justo, seja para quem fôr. Tenho muito prazer em prestar a minha homenagem à pessoa de V. Exa. e à alta função que desempenha.

A segunda questão é esta: é ou não conveniente que dentro do orçamento se inclua a verba de 1925-1926 para a fiscalização? Acho que não, porque isso equivaleria a dar um argumento às companhias.

Em matéria de sobretaxas vai pelo País fora um clamor que ninguém desconhece, no sentido de se conseguir que, por virtude da melhoria cambial, se produza uma correspondente redução nas tarifas.

Um àparte.

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O Orador: - As companhias, tendo visto os seus encargos deminuídos no montante de alguns milhares de contos, consideram sacrifício incomportável cederem 2:000 contos para os serviços de fiscalização e vieram ao Parlamento, com uma representação que nem sei como classificar, dizer que estavam dispostas a colaborar com o Govêrno no sentido de melhorar e aperfeiçoar êsses serviços. Estariam talvez dispostas a colaborar, mas num ponto de vista oposto ao dos interêsses do Estado.

Vou terminar como comecei. E preciso, Sr. Presidente, que se ponha um pouco de ordem em tudo isto, recusando, em primeiro lugar, a admissão da moção e, em segundo, mantendo a eliminação da verba.

A comissão de caminhos de ferro que estude o decreto n.° 11:283, que o não - deixe ficar dormindo o sono dos justos e que traga à Câmara o respectivo parecer para que a Câmara o aprecie.

Vários àpartes.

O Orador: - Não é êste o momento próprio, mas, para terminar, direi a V. Exa. que não sou dos que afirmam que o decreto n.° 11:283 constitui um diploma absolutamente perfeito. Terá uma ou outra disposição digna de ser emendada, de ser substituída, mas o que é certo é que êle veio fazer com que os serviços de fiscalização de caminhos de ferro deixassem de ser a blague que antes da sua publicação representavam.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Aboim Inglês: - Sr. Presidente: quero aproveitar êste momento para mais uma vez defender os princípios que sempre tenho defendido.

É o Ministério do Comércio p Ministério dos serviços autónomos. É êsse Ministério o que deveria despender a maior parte dos dinheiros públicos e em que, infelizmente, as obras são tam restritas que bem mostram a nossa miséria.

Não quero deixar passar êste momento sem mais uma vez protestar perante a Câmara contra a dispersão de receitas que os serviços autónomos acarretam. Antigamente, havia serviços que davam receitas ao Estado; actualmente essas receitas são completamente absorvidas e ainda se vem pedir que sejam cobertos os deficits com habilidades mais ou menos ardilosas, como sucede, por exemplo, com êstes 5:000 e tal contos para os Caminhos de Ferro do Estado, nos quais, não havendo maneira de as suas receitas fazerem face aos seus encargos, foi preciso inventar um quadro de adidos em que homens com mais de trinta anos de serviço foram colocados apenas para serem pagos por um capítulo diferente, sem figurarem como pagos pelos Caminhos de Ferro do Estado.

É preciso que tenhamos cuidado com a forma de aprovar certas leis, a fim de se evitar que haja dispersão de receitas e que os serviços se tornem cada vez mais confusos e emmaranhados.

Ainda há pouco tempo aqui foi votada a lei n.° 1:700, que retirou do Ministério do Comércio pessoal técnico para o Ministério da Instrução, justamente para ir passar a fazer neste o que naquele Ministério fazia. Não compreendo que haja diversas repartições de obras dispersas pelos diferentes Ministérios, quando tudo indicava a sua centralização no Ministério do Comércio, à excepção do que se refere ao Ministério da Guerra.

Oxalá que uma completa e criteriosa remodelação dos serviços públicos faça cessar todas estas anomalias. Na verdade, é deveras lamentável que serviços que sempre deram saldos estejam apresentando deficits de muitos milhares de contos, como sucede com os Caminhos de Ferro do Estado.

Uma voz: - Actualmente, já dão saldo.

O Orador: - Oxalá essas palavras se confirmem e oxalá, também, que se não mantenham as tarifas ruinosas que impossibilitam, justamente, que o saldo seja verdadeiro.

Uma voz: - Estão a descer as tarifas.

O Orador: - Ora, graças a Deus! Graças a Deus que vamos ter tarifas compatíveis com o desenvolvimento do trabalho nacional! Sendo, porém, assim, não compreendo as informações do, próprio Sr. administrador geral, que ainda não há muito tempo se negou a descer as tarifas de

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artigos tam baratos que estão- impossibilitados de transitar pelos caminhos de ferro.

Outro serviço autónomo que devia dar saldo era o Pôrto de Lisboa, se a sua administração fôsse outra e se o Govêrno fizesse entrar na devida ordem tal administração.

Isto prova que a régie não pode dar bom resultado em Portugal.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Não apoiado.

O Orador: - Os navios fogem do nosso porto porque se demoram cá horas e até dias mais do que noutro porto.

Quanto à exportação é uma verdadeira desgraça.

Uma arroba de castanha cá paga mais que uma tonelada em Vigo.

O artigo 16.° trata do subsídio à Companhia das Águas.

Eu aproveito êste momento para pedir ao Sr. Ministro do Comércio que tome providências com respeito à questão das águas.

Quando se fizer a renovação do contrato, é necessário evitar que se repita o que há pouco se passou em Lisboa, quando foi da última epidemia em Lisboa, em que não tínhamos água para beber e nem para nos lavarmos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Soares Branco: - Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre êste parecer porque as palavras do Sr. Manuel José da Silva a isso me levaram.

Eu fazia parte da comissão dos caminhos de ferro, de que faz parte também o Sr. Barros Queiroz, e por motivo do estado de saúde de S. Exa. não foi possível reunir.

Se há culpas, eu sou um dos culpados.

Em todo o caso, sempre dediquei algum tempo a êsse estudo, do qual resultou a convicção de que as emprêsas paguem o resto da sobretaxa de fiscalização.

Devo dizer a V. Exa. que, ao pronunciar-me sôbre um imposto especial, o faço contrafeito.

Sôbre êste assunto de fiscalização há duas questões: o que se pretende e como se pretende.

Eu entendo que o Estado deve fiscalizar a gerência dêsses fundos, pelas entidades que nesses fundos tenham direito.

Interrupção do Sr. Manuel José da Silva, que não se ouviu.

O Orador: - O àparte de V. Exa. vem provar que bem mal andou a comissão de caminhos de ferro em não ter reunido.

Se o Sr. Ministro do Comércio dá a sua anuência à moção do Sr. Amorim Ferreira é porque S. Exa. sabe que as companhias são capazes de se encarregar das despesas.

Sr. Presidente: como infelizmente o Sr. Barros Queiroz, por motivo de doença, não poderá, por êstes tempos mais próximos, dar-nos a sua valiosa cooperação, eu entendo que a comissão deve retinir e dar o seu parecer sôbre a proposta de lei relativa à fiscalização.

Pela minha parte, estou disposto a dar toda a cooperação de que seja capaz.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva (para interrogar a Mesa):-Desejo saber se V. Exa. está disposto a cumprir a doutrina do Regimento, que manda abrir uma inscrição especial para os casos como o de que se trata neste momento.

Trocam-se àpartes.

Vários Deputados que estão perto do orador falam simultaneamente, estabelecendo assim uma grande confusão.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

A moção foi recebida na Mesa inadvertidamente, e creio que foi admitida pela Câmara também inadvertidamente, e por isso tenciono consultar a Câmara no sentido de ela ser retirada.

O Orador: - Eu desejo que V. Exa. ponha primeiro à apreciação da Câmara a questão que acabo de anunciar.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Proponho à Câmara que se retire da discussão a moção apresentada pelo Sr. Amorim Ferreira, e que, se tiver de haver uma questão prévia, ela seja levantada nos termos devidos e sôbre ela incida uma inscrição especial.

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O Sr. Amorim Ferreira (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: tendo eu apresentado uma moção, parece-me que nos termos das disposições regimentais, ela só pode ser retirada a meu requerimento, visto que a Câmara já a admitiu.

Apoiados.

A moção foi apresentada sôbre uma questão prévia que consta do parecer do orçamento em discussão; parece-me, pois, que a Câmara andou bem admitindo essa moção.

O Sr. Presidente: - V. Exa. não pediu a palavra para uma questão prévia.

O Orador: - Mas a questão prévia consta do capítulo 2.° do orçamento.

O Sr. João Luís Ricardo (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: como relator da comissão do Orçamento verifiquei que no capítulo 2.°, em relação ao Orçamento anterior, havia uma alteração que consistia na eliminação da rubrica de fiscalização de caminhos de ferro e respectiva verba de 583 contos.

Esta eliminação de rubrica e verba fez-se em virtude das disposições de um decreto que foi trazido a esta Câmara e largamente discutido quanto à sua constitucionalidade juntamente com outros decretos.

Eu podia fazer largas considerações agora sôbre um pouco da satisfação maquiavélica que sentia pelas dificuldades da Câmara em afastar o tropeço da apreciação dos decretos que, a meu ver, ela muito mal enviou para as comissões, tropeço que não tinha surgido agora se a Câmara se tivesse orientado como devia, que era dar ou não sanção aos referidos decretos, por isso que sôbre êles incidiu uma larga discussão.

Contudo, não quero demorar a solução do caso.

No emtanto, afirmo que as habilidades políticas não servem para resolver os problemas, mas só para os atropelar.

Quere a Câmara votar agora sem mais discussão a eliminação da rubrica e da verba?

Implicitamente a Câmara reconhecerá a constitucionalidade do decreto respectivo.

O Sr. Manuel José da Silva: - É deveras interessante. No emtanto, é pena que êle não tivesse sido admitido quando se discutia o orçamento do Ministério do Interior.

O Orador: - Tenho seguido os trabalhos da Câmara, e tenho estado para, intervir, porque reputo atrabiliário tudo que diz respeito a essa deliberação, e aí está o resultado nesta trapalhada.

As complicações vão sendo cada vez maiores e cada vez mais de molde a ferirem a sensibilidade do funcionário, e agora há o propósito de alterar o decreto.

As dificuldades vão surgindo.

Uma entidade, que para mim não é senão um membro da comissão de fiscalização de contas, vem dizer que o Sr. Ministro publicou um decreto que é irrito e nulo nas suas conclusões, que foi publicado sem o dever ser.

Isto resulta de as comissões se não terem pronunciado sôbre o decreto.

Mas dirige-se uma ameaça.

Não me importo absolutamente nada com isso, mas direi que a moção do Sr. Amorim Ferreira consiste em dizer à Câmara que vote o que está consignado nesse decreto.

Aguardo que o Sr. Ministro diga se êle tem constitucionalidade ou não.

E claro que já lhe foi reconhecida a constitucionalidade, mas diz-se agora que é inconstitucional. Porquê?

Não foi só pelo facto de querer que as Companhias pagassem: o dinheiro é do Estado.

Em segundo lugar, porque o Poder Executivo não tinha faculdade para criar quadros nem fazer alterações.

Houve apenas dois Deputados, o Sr. Manuel José da Silva e o Sr. Cunha Leal, que defenderam a constitucionalidade; mais ninguém.

Outros Srs. Deputados afirmaram que o decreto havia criado lugares novos.

Entendo, portanto, Sr. Presidente, que a moção do Sr. Amorim Ferreira tem toda a razão de ser.

Poderá ser que esta minha opinião não agrade a V. Exas.; digo, porém, o que sinto, parecendo-me, repito, que o assunto não poderá ser resolvido senão da forma que acabo de expor à Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: - A moção foi aceita na Mesa irreflectidamente, supondo que a Câmara a admitiu também irreflectidamente.

Assim, reconhecendo que ela está perturbando a ordem dos trabalhos, vou consultar a Câmara sôbre se está de acordo em que ela seja retirada.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Amorim Ferreira: - Não pode ser, Sr. Presidente; o que se pretende fazer é contra o Regimento, que diz muito claramente o seguinte:

Leu.

A moção que apresentei foi aceita na Mesa, e, assim, só poderá ser retirada desde o momento em que eu faça um requerimento nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa a V. Exa.; mas a Câmara pode reconsiderar e retirá-la da discussão.

O Sr. Marques Loureiro: - Não pode ser.

A moção foi admitida, e só o Sr. Deputado que a apresentou pode requerer autorização para a retirar.

O Sr. Presidente: - A moção foi irreflectidamente recebida na Mesa, e a admissão talvez fôsse também feita irreflectidamente pela Câmara.

O Sr. Marques Loureiro (em aparte)-.- Peço desculpa a V. Exa., mas foi reflectidamente que a Câmara a admitiu. Caia o "irreflectidamente" sôbre a cabeça de quem quiser, mas sôbre a minha mão.

O Sr. Presidente: - Eu não afirmei que a Câmara procedeu irreflectidamente. O que disse foi que a Mesa irreflectidamente recebeu-a, e que a Câmara, "talvez irreflectidamente", a tinha admitido.

Parece-me que a Câmara está no seu pleno direito de reconsiderar, e era isso que eu ia propor, para depois continuar a discussão do capítulo 2.°

O Sr. Marques Loureiro: - Entendo, Sr. Presidente, que, tendo nós um Regimento, bom ou mau, êle tem de ser respeitado. As disposições regimentais dizem expressamente que nenhuma moção, depois de admitida, pode ser retirada sem que o respectivo requerimento seja formulado pelo apresentante da moção e aprovado pela Câmara.

Não pode, portanto, V. Exa., embora no bom deseje de prestigiar os trabalhos parlamentares, sugerir à Câmara que reconsidere, porque a solução da questão tem de ser outra. A moção, de resto, foi quâsi, por assim dizer, perfilhada pelo Sr. Ministro das Finanças e pelo Sr. relator.

Sendo assim, há evidentemente uma inversão de disposições regimentais, propondo V. Exa. que a Câmara reconsidere.

E agora permitam V. Exas. que me dirija ao meu amigo e colega Sr. Manuel José da Silva.

Desde que no parecer da comissão se declara que, no caso de ser aprovada a supressão, há maneira de remediar o caso, trata-se duma questão prévia. Precisa, portanto, a Câmara, de harmonia com o parecer, manifestar-se sôbre se deve aprovar ou não a supressão.

Sr. Presidente: afigura-se-me que V. Exa. não pode, nem espontaneamente, nem por sugestão, pôr à Câmara a questão para se retirar a moção admitida. - A Câmara tem a sua plena liberdade, de que não abdica, para rejeitar essa moção, se assim o entender. Eu, por mim, quando me fôr dada a palavra sôbre êste capítulo do Orçamento direi que dou o meu voto à moção.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: é má norma que assuntos desta natureza sejam enxertados no Orçamento, tanto no que respeita a moções como a propostas.

V. Exa. compreende quanto isso altera as tabelas orçamentais e prejudica o andamento da discussão.

Mas o facto é que essa moção foi admitida, e na verdade a Câmara encontra-se em presença de um facto consumado.

Se a Câmara neste momento se mostrasse um tanto tolerante, eu ousaria propor que a moção fôsse destacada e que V. Exa., Sr. Presidente, marcasse a matéria nela contida para ordem do dia numa próxima sessão. Era uma norma que corrigia bastante o que se fez.

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Se V. Exa. marcasse o assunto para a ordem do dia de amanhã, a Câmara teria ocasião de se pronunciar sôbre êle e recairia qualquer alteração na tabela orçamental.

Tem-se feito isto várias vezes de forma a não prejudicar a discussão do Orçamento, intercalando-se o projecto ou proposta de lei de maneira a que seja votado antes de vir à discussão averba que no Orçamento lhe diz respeito. Tudo se remediava assim.

Nós não estamos aqui para agradar, particularmente, a quem quer que seja e portanto - desculpe-me o Sr. João Luís Ricardo que o diga-no caso presente eu não pretendo agradar ou desagradar a S. Exa. Apenas me norteia aquilo que julgo ser mais conveniente. A moção foi admitida e a Câmara, no pleno uso do seu direito, pode fazer o que eu disse.

O Sr. João Luís Ricardo: - Mas V. Exa. como presidente da comissão...

O Orador: - Não falo como presidente da comissão. É de sentir que a Câmara, pela comissão respectiva, se não tenha pronunciado sôbre a matéria em debate. Mas isso não é motivo para nos regozijarmos...

O Sr. João Luís Ricardo: - Para mim é uma questão pessoal. Trata-se dum acto que eu condenei.

Sinto um regozijo diabólico com o que se está passando...

O Orador: - V. Exa. não fem tam maus instintos como quere simular...

Àparte do Sr. João Luís Ricardo que não se ouviu.

O Orador: - De certo V. Exa. não pronunciou essas palavras para intimidar ninguém.

Estimarei que V. Exa. abra um debate sôbre o assunto ligado à extinção do Ministério do Trabalho. Publicavam-se vários trabalhos para remediar deficiências e lacunas do decreto primitivo. Como houvesse dificuldades no que respeita a vencimentos de certo pessoal, um decreto houve que procurou orientar a contabilidade para se fazerem as folhas de vencimento do pessoal existente à data.

O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo): - Se é assim, V. Exa. como presidente do Conselho Superior de Finanças tem legalizado decretos assinados pelo Ministro das Finanças, quando o não deviam ser.

O Orador: - V. Exa. quere dizer amor mas não lhe chega a língua.

Repito, pelo Ministério das Finanças foi publicado um decreto em que o respectivo Ministro ficava autorizado a publicar e a praticar todos os actos tendentes a remediar a situação dos funcionários existentes à data. É o que lá está.

Relativamente à observação feita pelo Sr. João Luís Ricardo quanto ao Conselho Superior de Finanças ter visado diplomas emanados, uma vez do Interior, outra vez das Finanças, devo dizer que, se assim fez alguma vez...

O Sr. João Luís Ricardo: - Todas.

O Orador: - ... foi um lapso, não do Conselho Superior de Finanças mas do vogal do serviço, o que é diverso. E quando o assunto foi a Conselho é que se estabeleceu a doutrina que ou acabo de expressar.

O Sr. João Luís Ricardo: - Ao fim de muitos meses de visar decretos...

O Orador: - É um defeito do Conselho Superior de Finanças e do Conselho Colonial, e por isso nós entendemos há muito que o visto deve ser pôsto não apenas por um vogal mas por dois.

A seu tempo essa modificação será feita.

Desta maneira sinto muito não dar razão ao Sr. João Luís Ricardo, mas o facto é que S. Exa. está fora da interpretação das disposições da lei.

Em virtude da atitude da Câmara, acho uma forma de nos conduzirmos: é discutir a moção conjuntamente com o Orçamento, embora mal.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Acompanho a Mesa na orientação que marcou a propósito dêste assunto que nos vem tomando quási uma hora.

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Não foi posta, a despeito das considerações mentalmente elegantes do Sr. Marques Loureiro, nenhuma questão prévia.

A proposta orçamental elaborada pelo Sr. Ministro das Finanças não inseria no respectivo orçamento verba destinada à fiscalização dos caminhos de ferro.

Argumenta-se: é um decreto que está pendente da apreciação da Câmara e do estudo das suas comissões.

Outros há, Sr. Presidente, que igualmente estão pendentes do estudo da Câmara e que, entretanto, vieram nos respectivos serviços, desde que acarretavam aumento de despesas as verbas respectivas.

Êste, porque se trata de reduzir certas verbas, tem levantado tanto barulho.

Mas vojamos se, mesmo sem existir questão prévia formulada nos termos do Regimento, o Sr. Amorim Ferreira podia mandar a sua moção para a Mesa.

Invoco as disposições regimentais que V. Exa. d invocou quando eu,, na discussão da proposta orçamental do Ministério dos Estrangeiros, mandei para a Mesa uma moção referente ao capítulo em discussão. V. Exa. procedeu bem.

No emtanto, a Câmara, nesta precipitação de bem trabalhar, admitiu a moção.

Vamos a ver os inconvenientes duma deliberação de tal natureza.

Simplesmente êstes: uma moção admitida é uma moção que para ser votada ou rejeitada tem de ser discutida na sua doutrina. E, a propósito dessa doutrina, podem apresentar-se mil moções, versando, a propósito da matéria em debate, as doutrinas mais antagónicas.

E como consequência dêste facto, nós saímos da discussão dum capítulo do Orçamento, para uma outra questão.

Devo dizer a V. Exa. que, no melhor intuito de conciliar elementos desavindos, e eu não estou em nenhum grupo, estou preparado para discutir a doutrina dessa moção, se porventura a despeito dela se mantiver a doutrina regimental que permite aos Deputados discutir as moções.

Admitido o alvitre do Sr. Paiva Gomes de se proceder conjuntamente à discussão da doutrina do capítulo 2.° e da moção do Sr. Amorim Ferreira, peço licença a V. Exas. para lembrar que fica. êste caso como um precedente tremendo

para todos quantos queiram fazer oposição a propósito do Orçamento.

Devo dizer a V. Exa. que, a propósito de qualquer capítulo, podem ser postas todas as questões prévias, porque, até mesmo a propósito do pessoal, se nós formos buscar cada um dos decretos citados na proposta orçamental, podemos arranjar um processo de nunca mais se discutir o Orçamento.

Apoiados.

Lembro isto, por intermédio de V. Exa., à Câmara.

Não faço obstrucionismo, nem parto carteiras, se porventura a moção entrar em discussão.

Mas, talvez, Sr. Presidente, que os trabalhos parlamentares nada lucrem com isso.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - V ai prosseguir a discussão do capítulo 2.° e conjuntamente a moção do Sr. Amorim Ferreira.

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente: se não fôsse o adiantado da hora eu fazia um pouco de história sôbre êste assunto.

Mas, no emtanto, não quero deixar de frisar alguns pontos de vista.

Eu poderei invocar o que se passou na sessão do dia em que uma alta figura desta casa do Parlamento salientou que depois de um grande debate todos ficaram de acordo.

Parece que neste caso todos estamos de acordo.

O Sr. Manuel José da Silva reconhece o princípio estabelecido, quere que se aceite êsse princípio que como S. Exa. disse é a espinha dorsal dêsses caminhos de ferro; o resto não tem importância.

Nós aceitamos esta moção, e quando digo nós quero dizer a Câmara toda, porque até o próprio Sr. Ministro do Comércio a aceitou, assim como se pronunciaram a seu favor o Sr. relator e o Sr. Paiva Gomes.

Sr. Presidente: não vejo razão alguma para que a discussão dêste assunto seja subtraída à sanção parlamentar, e que o Parlamento não possa apreciá-lo devidamente.

É lamentável o que nós estamos ven-

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do; é o Diário do Govêrno cheio de autorizações, tornando-se isso um desprestígio para o Parlamento, o que já várias vezes aqui tenho frisado.

Sr. Presidente: têm-se dado cousas extraordinárias, e muitas teria para citar, mas apenas quero citar o seguinte: é que os decretos de 10 de Abril e o decreto n.° 11:300, de 30 de Novembro de 1925, baixaram às comissões respectivas, e as comissões deram-nos como inconstitucionais.

Pois apesar disso, em 10 de Março de 1926, foi publicado um decreto a pretexto de rectificação, sem a menor cortesia pela Câmara.

E, Sr. Presidente, é tam flagrante o desrespeito e o propósito de deprêzo pelo Parlamento que, pelo decreto de 10 de Março de 1926, se aventou o pretexto de que a lei estava errada e que a primeira publicação havia sido feita com erros, e a pretexto de rectificação publicaram essas instruções, alterando o que tinha sido publicado em 10 de Março de 1926.

Isto é: é um regulamento de outro regulamento.

No emtanto, a Câmara cala-se. Cala-se a Câmara, mas não me calarei eu.

Sr. Presidente: relativamente às declarações do Sr. Soares Branco, lamento que um dos nossos correligionários mais ilustres, aíguém que sempre tem honrado o Parlamento, esteja afastado desta Câmara por motivo de doença. Refiro-me ao Sr. Barros Queiroz. No emtanto, nós temos de suprir a sua falta, e a comissão, trabalhando, podia em breve habilitar-nos a formarmos a nossa opinião para podermos decidir acerca dessa reforma, a propósito da qual se tem feito tanto barulho.

São muito de ponderar as considerações do Sr. Soares Branco sôbre os novos impostos na reforma de caminhos de ferro, pela razão de que não é de facto o serviço de caminhos de ferro que paga a fiscalização, mas sim o Estado.

Pensar o contrário é um engano com que nos procuramos iludir.

Quer seja antes do dinheiro entrar nos seus cofres, quer depois de lá dar entrada, o que é certo é que o Estado é quem paga essa despesa.

Num serviço de contabilidade bem organizado não haveria todos êsses cofres que realmente existem, correspondentes aos diferentes serviços autónomos. Foi essa uma errada concepção em que todos nós, devemos confessá-lo, temos culpas.

Todos nós enchemos a nossa cabeça com a idea de serviços autónomos, e hoje queremos acudir-lhe e já não sabemos como um escalracho tam forte que rebenta sempre, seja qual fôr o remédio que queiramos aplicar.

Não quero salientar sôbre êsse ponto factos que são desprimorosos para nós todos. Podia citar muitos.

Uma vez um Ministro chamou ao seu gabinete o director de um serviço autónomo, e êsse director respondeu que não ia lá.

E, infelizmente, é até ainda o Ministro que há-de responder por êsses serviços autónomos, quando êstes procedem muitas vezes ao contrário das suas instruções.

Eu posso citar também o facto de que uma vez acompanhei até junto de um Ministro do Comércio uma pretensão que dizia respeito a um dêsses serviços autónomos. O Ministro respondeu-nos que só o que podia fazer era acompanhar o assunto junto do director respectivo, pois que lhe era vedado interferir directamente, e, se neste país houvesse sinceridade bastante, nunca mais ninguém havia de pensar em o fazer Deputado.

O que se me afigura é que nós não podemos continuar aprovando as moções e prosseguir na discussão do resto do Orçamento sem estarmos a topar com tropeços.

Nós aceitamos tudo quando se acabar de discutir êste capítulo. Em nome dêste lado da Câmara estou autorizado a fazer esta declaração.

Oportunamente a Câmara se pronunciará sôbre essa reforma, melhorando-a ou rejeitando a na parte que ela precisar de ser rejeitada.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu tenho pelas deliberações da Mesa e mormente pelas deliberações do Sr. Daniel Rodrigues que, na função de Presidente desta Câmara, prima em ser escrupuloso e rigidamente respeitador do Regimento,

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o maior respeito. No emtanto, da opinião que S. Exa. acabou de emitir, deve S. Exa. permitir-me que eu discorde.

Foi admitida na Mesa uma moção em relação a uma questão prévia. O que é a questão prévia? Ninguém o sabe. A questão prévia é sempre a uma questão -principal. A questão principal, pode dizer-se, é o capítulo 2.°, mas eu quero que me digam em que é que a fiscalização dos caminhos de ferro se correlaciona com o capítulo 2.°

Desde que na Mesa é admitida uma moção, cumprindo-se o Regimento a respeito doía, tem de abrir-se uma inscrição especial.

Desde que a Câmara tomou uma deliberação - não quero classificá-la agora, boa ou má, reflectida ou irreflectida, conveniente ou inconveniente - todas as consequências dessa deliberação têm de ser respeitadas.

Quero reservar para mim o direito de discutir a doutrina da moção.

O Sr. Presidente: - A moção discute-se juntamente com o capítulo e não podem estabelecer-se dois regimes de discussão. Devemos sujeitar a discussão da moção aos preceitos pelos quais se discute o Orçamento, pelo que cada Sr. Deputado não tem mais que meia hora para falar.

O Orador:-A Câmara não deliberou que a moção fôsse discutida conjuntamente com a matéria do Orçamento e, sendo assim, o Regimento tem de cumprir-se, tanto mais que preciso esclarecer à Câmara.

Tem esta questão de ficar pendente para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será hoje com a seguinte ordem do dia:

Parecer n.° 133, que regula o novo regime do fabrico e comércio do tabaco no continente da República.

Está levantada a sessão.

Eram 30 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e Instrução, aumentando com um observador chefe de serviço e fixando-lhe o respectivo vencimento, o pessoal do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra.

Para o "Diário do Governo".

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 136-D, que autoriza as câmaras municipais de Santa Comba Dão, Mortágua, Tábua e Carregai do Sal, a constituírem-se em federação regional para aproveitamento da energia das águas do rio Dão e para construção de uma linha eléctrica.

Para a comissão de obras públicas.

Da comissão de comércio e indústria, sôbre o n.° 56-B, que faculta da verba do fundo de protecção à marinha mercante, 6:000 contos para empréstimos mercantis às emprêsas de pesca de bacalhau,

Para a comissão de marinha.

Da mesma, sôbre o n.° 6-J, que autoriza o Govêrno a mandar construir nos estaleiros nacionais dois cruzadores-torpedeiros de cêrca de 2:000 toneladas e quatro contra-torpedeiros de cêrca de 1:200 toneladas.

Para a comissão de finanças.

Da mesma, sôbre o n..° 103-A. que aprova o contrato celebrado com a Companhia Italiana Italcable, relativo à concessão de amarração e exploração de um cabo entre Açôres-S. Vicente de Cabo Verde, de outro entre Itália-Açôres e outro Lisboa-Malaga.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de agricultura, sôbre o n.° 971-B, que determina a forma de fazerem as queimas de matos, nos montes e campos do distrito de Faro.

Para a comissão de legislação criminal.

Da mesma, sôbre o decreto n.° 11:352, autorizando o Govêrno a promover a instalação e desenvolvimento da indústria dos adubos sintéticos em Portugal.

Para a comissão do comércio e indústria.

Da mesma, sôbre o n.° 12-V, não permitindo a exploração de aluviões minera-

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lizados por dragagem, em terrenos cultivados, arborizados e regadio, de pastagem e de hortas.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da mesma, sôbre o n.° 4-B, que manda incluir no Orçamento para 1926-1927 a verba de 6:000 000$ para desenvolvimento de serviços de arborização de serras e dunas e hidráulica florestal.

Para a comissão do Orçamento.

Da mesma, sôbre o n.° 126-C, que dispensa da apresentação de compromissos dos agricultores os requerentes de concessões de aproveitamentos hidráulicos para regas e outros melhoramentos agrícolas.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Admissão

Do projecto de lei dos Srs. Sebastião de Herédia e Manuel de Sousa da Câmara, cedendo à Câmara Municipal de Vila Viçosa o edifício do extinto convento de Santa Cruz, para completar as escolas oficiais da mesma vila.

Para a comissão de administração pública.

Da proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças, abolindo o imposto de praça do comércio e revogando a extensão do mesmo imposto para a construção do Posto de Desinfecção de Leixões.

Para a comissão de comércio e indústria.

Da proposta de lei do Sr. Ministro do Comércio, autorizando o Govêrno a vender as casas construídas ou em construção no bairro de casas económicas da Ajuda, em Lisboa.

Para a comissão de administração pública.

Última redacção

Do projecto de lei n.° 148, que declara irrito e nulo o decreto n.° 1:116, de 30 de Novembro de 1914, sôbre penalidades por falsificação e passagem de moeda.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 968-C, publicada no Diário do Govêrno n.° 165, de 16 de Julho de 1920, a p. 2106.

Lisboa, 15 de Abril de 1926. - Alfredo Pedro Guisado.

Para a comissão de administração pública.

Pedido de licença

Do Sr. Alexandre Ferreira, 10 dias para sair do País. Concedido. Comunique-se. Para a comissão de infracções e faltas.

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me seja fornecido um exemplar do Boletim da Sanidade Escolar. - Tavares Ferreira.

Expeça-se.

Carta

Do Sr. Pires Monteiro, agradecendo as condolências da Câmara pelo falecimento de seu pai.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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