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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DO CONGRESSO
SE S S A.O 3ST.°
EM 23 DE AGOSTO DE 1916
Presidência do Ex.mo Sr, António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex,mog Srs,
Baltasar de Almeida Teixeira José. Pais de Vasconcelos Ãbranches
Sumário.—E aberta a sessão com a presença de 106 Srs. Congressistas. Procede-se à leitura da acta, que é aprovada sem discussão. Lê-se o expediente, que tem o devido destino. O G-ovèrno está representado pelo* Srs. Presidente do Ministério e Ministro das Colónias (António José de Almeida), Ministro do Interior ( Mousinho de Albuquerque), Ministro da Justiça (Mesquita Carvalho), Ministro das Finanças (Afonso Costa), Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho), Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Soares) e Ministro do Trabalho (António Maria da Silva).
- Ordem do dia. — Continuam em discussão a questão prévia e as moções apresentadas na sessão anterior. O Sr. Celorico Gil sustenta que a Constituição tem sofrido profundos golpes, entendendo também que a revisão devia incidir apenas sobre uma proposta que fixasse o principio da dissolução parlamentar. O Sr. Costa Júnior entende que a revisão deve ser feita separadamente pelas duas Câmaras. O Sr. Silva Gonçalves, falando sobre a ordem, pede que aos católicos seja concedida a liberdade do ensino. A sua moção não é admitida, O Sr. Ministro da Justiça refere-se às determinações constitucionais sobre o funcionamento do Congresso em separado e em sessões conjuntas. O Sr. José Barbosa afirma que a moção do Sr. Alexandre Braga está fora dos preceitos constitucionais. O Sr. Costa Júnior trata das atribuições fixadas no n.° 26.° da Constituição. E lida na Mesa a questão prévia do Sr. António da Fonseca. O Sr. José Barbosa invoca o § 2." do artiyo 116° do Regimento. A questão prévia é aprovada por 6 Srs. Congressistas e rejeitada por 99. Como o «quorum» seja de 112 o Sr. Presidente manda proceder à chamada, encerrando depois a sessão e marcando a seguinte para a próxima sexta-feira, com a mesma ordem do dia.
Abertura da sessão minutos.
-As 15 horas e 30
Presentes à chamada-—38 Srs. Senadores.
São os seguintes:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Agostinho José Fortes.
Alberto Carlos da Silveira.
Amaro de Azevedo Gomes.
António Alves de Oliveira Júnior.
António Augusto Almeida Arez.
António José Gonçalves Pereira.
António José Lourinho.
António Maria da Silva Barreto.
António da Silva Gouveia.
António Xavier Correia Barreto.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto de Vera Cruz.
Carlos Eichter.
Celestino Germano Pais de Almeida.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Faustino da Fonseca.
Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Herculano Jorge Galhardo.
Jerónimo de Matos Ribeiro dos Santos.
João Duarte de Meneses. - João Ortigão Peres.
José Afonso Baeta das Neves.
José António Arantes Pedroso.
José Eduardo de Calça e Pina de Câmara Manuel.
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Diário das Sessões do Congresso
José Maria Pereira. José Pais de Vasconcelos Abranches. Júlio Ernesto de Lima Duque. Luís António de Vasconcelos .Dias. Luís da Câmara Leme. Luís Filipe da Mata. Lufe Fortunato da Fonseca. . Luís Inocencio Ramos Pereira. • Manuel Soares de Melo e Simas. Ricardo Pais Gomes. Rodrigo Guerra Alvares Cabral.
Sr s. Senadores que entraram durante a sessão :
Joaquim Pedro Martins. José Tomás da Fonseca. Manuel Gaspar de .Lemos.
Srs. Senadores que não compareceram, à sessão:
Alfredo José Durão.
Alfredo Rodrigues Gaspar. . António de Campos.
António Joaquim de Sousa Júnior.
António José da Silva .Gonçalves.
António Maria Baptista.
Augusto César de Vasconcelos Correia.
Augusto Cymbron Borges de Sousa.
Bernardo Pais de Almeida.
Caetano José de Sousa Madiireira e Castro..
Duarte Leite Pereira da Silva.
Francisco Vicente Ramos.
Frederico António Ferreira de Simas.
João Lopes da Silva Martins Júnior.
João Maria da Costa.
Joaquim José Sousa Fernandes.
Joaquim Leão Nogueira Meireles.
José de Castro.
José Guilherme Pessoa Barreiros.
José Lino Lourenço Serro.
José Machado de Serpa.
Leão Magno Azedo.
Pedro do Amaral Boto Machado.
Porfirio Teixeira Rebelo.
Remígio António Gil Spinola Barreto.
Siinão José.
Vasco Gonçalves Marques.
Presentes à chamada--74 Srs. Deputados.
. São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marcai. Adelino de Oliveira Pinto Furtado., .
Afonso Augusto da Costa.
Alberto de Moura Pinto. -
Albino Vieira da Rocha.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Soares.
Amândio Oscar da Cruz e SousaJ
Américo Olavo Correia de Azevqdo.
Angelo Vaz.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Carvalho Mourão.
António de Almeida Garrett.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Caetano Celorico Gil.
António Correia Portocarrero Teixeira de Vasconcelos.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
.António Firmo de Azeredo Antas.
António José de Almeida.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Miguel de Sousa Fernandes.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Augusto da Costa.
Artur Duarte de Almeida Leitão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Luís Vieira Soares.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo de Almeida Lucas.
Constâncio de Oliveira.
Domingos da Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Ernesto Júlio Navarro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco da Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco de Sousa Dias.
Francisco Xavier Pires Trancoso.
Gaudêncio Pires de Campos.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Jaime Daniel Leote dó Rego.
Jaime Zuzarte Cortesão.
João Barreira.
João Carlos de Melo Barreto.
João Crisóstomo Antunes.
João de Deus Ramos.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas; •
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João Tamagnini de Sousa Barbosa. •
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Barbosa.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Martins Cardoso.
Mariano Martins.
Pedro Alfredo de Morais Kosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Kaimundo Enes Meira.
Tomás de Sousa Rosa.
Urbano Rodrigues.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os /Srs.:
-. Abraão Maurício de Carvalho.
Alberto Xavier.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Braga.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Poppe
António Aresta Branco.
António Augusto Fernandes Rego.
Armando da Gama Ochoa.
Augusto José Vieira. - Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Francisco José Fernandes Costa.
Gasíão Correia Mendes.
Germano Lopes Martins.
Guilherme Nunes Godinho.
João Gonçalves.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António Simões Raposo Júnior.
José Bessa de Carvalho.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Luís Carlos Guedes Derouet. '
Manuel da Costa Dias.
Manuel Joaquim Rodrigues Monteiro.
Sérgio da Cunha Tarouca.
Não compareceram à sessão os S?*s.:
Adriano Gomes Ferreira Pimenta. Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá. .
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Monjardino.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António Alberto Chafula Pessanha.
António Augusto de Castro Meireles.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Caetano Macieira Júnior.
António Cândido Pires de Vasconcelos.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria Malva do Vale.
António Maria Pereira Júnior.
António Medeiros Franco.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
António Vicente Marcai Martins Portugal.
Armando Marques Guedes.
Augusto Pereira Nobre.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Custódio Martins de Paiva.
Diogo João Mascarenhas de Marreiros Neto.
Eduardo Alberto Lima Basto.
Eduardo Augusto de Almeida.
Ernesto Jardim de Vilhena.
Francisco Alberto da Costa Cabral. -
Francisco Coelho do Amaral Reis (Pe-dralva).
Francisco Correia de Herédia (Ribeira Brava).
Francisco José Pereira.
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Gastão Rafael Rodrigues. .
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Hermano José de Medeiros. :
João Baptista da Silva.
João de Barros.
João Cabral de Castro.
João Canavarro Crispiniano da Fonseca.
João Catanho de Meneses.
João Elísio Ferreira Sucena.
João Luís Ricardo. :
João Pedro de Sousa.
João Pereira Bastos. - - : • •
•João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim José de Oliveira.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto .Ferreira da Silva.
José Augusto Pereira. • •
José Augusto Simas Machado. '
José de Barros Mendes de Abreu.
José de Freitas Ribeiro.
José Maria Gomes.
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Diário das Sessões do Conyresso
José Mendes Cabeçadas Júnior. Júlio do Patrocínio Martins. Levi Marques da Costa. Luís de Brito Guimarães. Manuel Augusto Granjo. Manuel Firmino da Costa. . Manuel Gregório Pestana Júnior,. Pedro Virgolino Ferraz Cluives. Rodrigo José Eodrigues. Vitorino Henrique Godinho.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
- Responderam à chamada 106 Sr s. Congressistas.
Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.
Menciona-se o seguinte
Expediente
Comunicação
Ex.mo Sr. Presidente do Congresso..— Comunico a V. Ex.a que, ein obediência aos meus deveres militares, tenho de me ausentar para o Porto durante algims dias.— Angelo Vaz.
Para a Secretaria,
Telegramas
Lisboa. — Impossibilitado comparecer sessão, chegando meu conhecimento Congresso se propôs revogar n.'J 22.° artigo 3.° Constituição, protesto contra essa monstruosidade.—O Deputado, Hennano de Medeiros.
Para a Secretaria.
Sanfins.— Cumprimento V. Ex.a Peço se digne comunicar Senado não poder assistir sessões por motivo de saúde.— O Senador, Teixeira Rebelo.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão das moções apresentadas ua sessão anterior.
Tem a palavra o Sr. Celorico Gil.
O Sr. Celorico Gil: — É com profunda dor que vai usar da palavra no Congresso duma Eepública que foi proclamada com uni fim alto e nobre, qual o de regenerar esta infeliz Pátria portuguesa; e é com a mesma profunda dor que se vê obrigado a atacar e censurar actos de in-
divíduos que acompanhou, ato há pouco, de indivíduos que se sentam nas cadeiras do Poder e que enveredaram por um péssimo caminho, por um caminho que leva a um fim que já está próximo.
Aludindo às moções apresentadas na sessão de ontem, deseja preguntar se há necessidade de tratar-se da revisão, constitucional, da revisão duma cousa que só existe em farrapos, da revisão.dum documento já pisado, esfarrapado e apunhalado, da revisão duma cousa que já não existe!
A Constituição da Eepública, elaborada principalmente para garantir os direitos individuais, desapareceu, pois em verdade o diz — não existem em Portugal garantias individuais ou aquilo a que se chama direitos dos cidadãos.
Não existem garantias individuais, conio não existe liberdade de consciência e de crença. \ Os padres portugueses não podem sair à rua com os'seus hábitos talares, ao passo que os padres ingleses andam por toda a parte com esses hábitos!
Ninguém pode ser perseguido por motivos do.religião, e quem for religioso ou não for democrático é perseguido e alcunhado de jesuíta.
{Existo uma censura prévia, e, como se tal não bastasse, apreendem-se os jornais !
Não se pôde falar nem escrever; não se pode dizer cousa alguma.
Também não. existe direito de reunião, como não existe a inviolabilidade do domicílio.
Diz a Constituição que ninguém poderá ser preso sem culpa formada. {Atédá vontade de rir! j Que de desgraçados não apodrecem no Limoeiro sem culpa alguma formada!
±LI garantido pela Constituição o direito de propriedade e, no emtanto, o Sr. Afonso Costa, depois da publicação da Constituição, dizia: não havia proprietários, havia detentores da propriedade. Mais ainda: afirmou outro dia que os portugueses não sabiam administrar, e que era necessário confiscar-lhes os bens.
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0 sigilo da correspondência é inviolável, e tem-se respeitado de tal forma que ato ele-, orador, tem recebido cartas registadas que tem sido abertas pela censura.
1 Até as entrevistas do Sr. Ministro do Interior tem sido vítimas da censura!
A Constituição política da República Portuguesa caiu pela base.
Desnecessário é estar a gastar tempo em discutir a questão prévia a respeito da qual vários Srs; .Congressistas tem falado, desde que da Constituição nada resta senão farrapos.
Diz a Constituição que só o Congresso pode autorizar empréstimos, e o Sr. Afonso Costa, tendo-lhe ele, .orador, pregun-tado se o Governo tinha contraído algum empréstimo na Inglaterra, indicava com a cabeça que não havia contraído empréstimo algum. Entretanto, havia-se contraído na Inglaterra um empréstimo de 2.000:000 libras, sem autorização parlamentar, que, só passado um mês ou. dois, foi concedida.
Nada resta, , repete, da . Constituição, porque foi esquecida, pisada e apunhalada por quem não tinha direito a fazê-lo.
Fez-se a «junção sagrada», mas surgindo, porventura, qualquer obstáculo que incompatibilize o Governo com a sociedade portuguesa, pregunta se o Sr. Presidente da República se não verá impossibilitado de chamar indivíduos que só coni a dissolução pudessem governar. ;
Era conveniente armar a Presidência da; República com esta arma política, ou então corre-se o risco de cair. na segunda fórmula apresentada pelo Sr..Ministro da Justiça, ou seja a revolução, num discurso pronunciado num dos centros evolucio-nistas da capital. . .""
O Sr. Simões Raposo:—Pensamos da mesma maneira. :;,
O Orador.: —Tem fatalmente.de cair-se nessa fórmula apresentada pelo Sr. Mi-
- nistrO da Justiça, desde que não ;se habilito, o Sr. Presidente da República com o poder da dissolução.
O .maior perigo é para os que neste momento tem o encargo difícil de governar.
- O orador, no estado actual das eo.u-. sãs, vê,a possibilidade do Sr. Presidente
da República escolher novamente,. dada.
uma crise, Ministério novamente democrático.
Pregunta se assim poderá viver uma República.
Para ele, orador, os homens que estão no Poder não são outra cousa senão democráticos : ali só está um partido, porque sendo a parte maior, do Partido Democrático, e a menor do Partido Evolucionista, necessariamente, pelo princípio que todos conhecem, ó, o Partido Democrático quê pode triunfar. .
O orador é dos que podem falar desembaraçadamente.
Não se filiará jamais em nenhum dos partidos existentes.
Trabalhará somente pelo bem da Pátria e da República; e não tem ambições das cadeiras do Poder.
Vai entrar propriamente na análise da moção do Sr.. Alexandre Braga, contra a qual falou o Sr. António da Fonseca que teve o prazer de apoiar, e que julga ser, desde então, um desvalido do Partido Democrático, por ter tido a felicidade de dizer tudo quanto se podia dizer para combater essa moção.
O Congresso reuniu, porque o Partido Unionista conseguiu número para a revisão da Constituição na parte respectiva à dissolução e só sob esse ponto pode deliberar. S-e o Governo quere tratar doutros assuntos siga os trâmites que a Constituição lhe indica, e não faça assistir a. uma sessão .que é uma .verdadeira vergonha, porque a moção do Sr. Alexandre Braga não pode ser aprovada. • . "
Se o fosse, teria de -concluir que a Constituição era rnais uma vez anavalhada.
Da Constituição resta apenas a não dissolução1 e o. princípio de que a pena de morte jamais será restabelecida em terra portuguesa; .tudo. mais tem sido calcado.
O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taqui-gráficas.
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- De resto procedeu ássiní porque o Sr. Ministro da Justiça, na sessão de 21 de Março último, a propósito da proposta de lei que estabeleceu a censura prévia, afirmou a doutrina de que as atribuições do Congresso, consignadas no artigo 26.°, pertenciam às duas Câmaras •em separado. Tendo S. Ex.a tido ontem opinião diversa, receia que daqui, a dias mude novamente de opinião, e deseja que lhe diga qual a .que mantêm.
Sendo a de 21 de Março, não podia ter •sido admitida a proposta do Sr. Alexandre Braga, nem o Governo podo ter a coragem de apresentar a proposta sobro a pena de morte, a que os jornais se refe--rem, pelo que o felicita.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Colónias (António José de Almeida):— Entende que o Sr. Costa Júnior pode felicitar o Governo não por ter a coragem de apresentar essa- proposta, •mas por não ter, sequer, a intenção de a apresentar.
O Orador: — Agradece a interrupção do
- Sr. Presidente do Ministério, que só dignifica a República.
O discurso será publicado na integra quartido o orador restituir as notas taqui-
- gráficas.
O Sr. Silva Gonçalves: — Sr. .Presidente : pedi a palavra para "mandar para a Mesa a seguinte moção, que passo a ler:
Leu.
Sr. Presidente: à hora em que a Pátria reclama o esforço decidido de todos os seus filhos, é justo que se garanta aos católicos, que se tem afirmado verdadeiramente patriotas, o livre exercício dos seus direitos essenciais, os direitos que lhes foram cerceados.
A França heróica abriu as portas, sem excepção, a todos os seus filhos.
E um exemplo de verdadeira liberdade e tolerância, digno de imitar-se, e em que Portugal teria a maior conveniência, ciigni-ficando-se, honrando-se.
.Entre os direitos coarctados aos católicos há um de máxima e decisiva importância : o da liberdade de ensino.
As reclamações dos católicos são insÍT gnificantes, relativamente aos direitos que lhes foram cerceados. Impõem-se-lhes de-
Diàrio das Sessões do. Congresso
veres e sacrifícios. Que ao menos lhes sejam garantidos alguns dos seus direitos.
ELes reclamam a.liberdade de .culto, a liberdade de associação, e a liberdade de ensino, conforme íi breve moção que mandei para a Mesa. -
Muitos dos nossos irmãos expulsos dá Pátria viriam dar agora prestígio ao nome português, e ressuscitar as virtudes heróicas dos nossos antepassados.
Estabelecer obrigatoriamente a neutralidade do ensino, principalmente nas escolas . particulares, é uma tirania, é um atentado contra a família,, contra a liberdade de consciência.
A escola e a família não são estranhas uma .à outra. A família é a primeira escola da criança.
A escola, propriamente dita j é a continuação providencial da autoridade, das esperanças, das solicitudes e das tradições religiosas da família.
Por isso à proibição do ensino religioso eu chamei uni1 atentado. E acrescento: é uin atentado monstruoso porque é contra o próprio direito natural. •••
Por direito natural, os pais tem o dever imperioso e, -simultaneamente, o direito sagrado de educar os filhos.
Ao Estado'.simplesmente compete regular o livre exercício desse direito.. Quando o Estado pretende restringir essa liberdade, ele exorbita das suas funções. E, fazendo-o em nome.da liberdade, ludibria sareásticamente os direitos do foro íntimo.de cada uni.
Ainda se o.ensino laico e neutro produzisse resultados de ^vantagem, admitia-se essa interferência dos Poderes Públicos; mas a verdade, ó quê em toda a parte esse ensino tem produzido estrondosas falências. - . - • -• •' -
Desde que foi estabelecido na França o regime da escola -neutra, a criminalidade infantil aumentou rapidamente e assustadoramente.
Eu eito os nomes .de Vivianir Boujeau e Guillot. . . . ': • -'•'•' •-. ...
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Na BóJgica 90 por cento de cidadãos sabiam ler e escrever correntemente, ao passo que na França há 25 por cento de indivíduos quási completamênte analfabetos, ou que apenas sabem, quando muito, assinar o seu nome com grande dificuldade.
Foi Briand quem registou isto.
Todos conhecem a liberdade de ensino da Bélgica, onde predomina o ensino religioso, e a perseguição dos G-overnos franceses ao ensino religioso.
O Sr. João de Meneses (interrompendo}:— V. Ex.a dá-me licença?
Na Bélgica, na região de Valona, que é a mais católica, a percentagem dos analfabetos .em 1907, segundo um registo de Beuisse, era do 70 a 72 por cento.
O Orador: — A minha estatística é a de Briand, insuspeito para esta Câmara.
Mas veja V. Ex.a a criminalidade da França, o compare-a com a Bélgica.
O Sr. João de Meneses:—Isso é um outro caso independente do analfabetismo.
Eu sou'daqueles que fugiram à influência que veio através "de séculos, e que domina ainda dentro da República Portuguesa, mercê da pressão inquisitorial e do ensino jesuítico.
Eu sou daqueles indivíduos que fugiram ao espírito da intolerância, embora reconheça que ainda existem muitas pessoas em Portugal que mantêm os princípios dos seus antepassados sobre esse assunto.
O Orador: — São de Briand, como disse, as minhas informações. • O Senador Sr.- Agostinho Fortes ainda há pouco publicou um artigo em um diário republicano desta capital, exaltando o ensino da Bélgica— a nação cada vez mais admirável na sua grandeza moral, quanto mais abatida pelo infortúnio.
O Sr. Agostinho Fortes implicitamente lavrou um autorizado documento em favor do ensino religioso, pois na Bélgica 11:000 membros das congregações religiosas exercem o magistério.
Sr. Presidente: não foi sem razão que. Viviani, Ministro da Repúblicíi Francesa, chamou à neutralidade de ensino uma
grande mentira diplomática e um tartufis-mo de ocasião.
£ E. querem V. Ex.as ouvir o depoimento de Guillot, juiz de instrução criminal em Paris?
Afirma ele que o número de criminosos menores, de 1873 a 1880 (predomínio do ensino religioso), foi de 6:979, mas hoje (predomínio do ensino neutro), é de 35:454.
São do mesmo Guillot estas memoráveis palavras:
«Nenhum homem sincero pode deixar de notar que o espantoso aumento de criminalidade nos menores coincidiu com as mudanças feitas na orientação do ensino público.
Criança que não é dirigida para Deus, que não sente o olhar de Deus, essa criança, tornando-se homem, seguirá o seu prazer e o seu interesse.
Nem espera pela idade de homem. Yai já desprezando o que lhe pesa: o sacrifício, o dever e a própria honra».
- Bonjeau estudou nas prisões de Nauter-re e Petito Roquette a influencia do meio escolar, e apurou estes números eloquentes: mais de 86 por cento dos rapazes presos tinham frequentado a escola laica, e somente 11 por cento as escolas religiosas.
Quanto a raparigas, mais de 83 por cento tinham frequentado a escola sem Deus, e só 16 por cento haviam saído das escolas onde era ministrado ensino religioso.
Antes de 1840 a soma de criminosos de dezasseis a vinte e um anos era apenas, em França, de 8:000.
•Em 1893 era'já de 32:000.
Henry Goly, presidente da sociedade geral' das prisões, como factor principal deste incremento alarmante, aponta a escola sem Deus.
Diz ele: ó força reconhecer que a pouca sciência do filho do povo, desde que aprende a ler, não serve, muitas vezes, senão para mais o expor. Essa sciência desenvolve-lhe as necessidades, os desejos e as paixões, mas não lhe fornece o meio de as satisfazer honestamente.
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A instrução não opera eficazmente contra o vício e contra o crime senão à medida da educação' moral, que àquela se junta, para formar a consciência da criança, ao mesmo tempo que lhe desenvolve a inteligência. <_ a='a' necessidade='necessidade' reconhecem='reconhecem' cuja='cuja' moral='moral' p='p' educação='educação' escola='escola' esta='esta' todos='todos' dá='dá' pública='pública' _='_'>
Somos forçados a confessar que não. De modo que os filhos do povo, que não receberam cultura moral na família, ficam totalmente desprovidos.
A verdade, abstraindo toda a preocupação confessional, é que a educação moral da infância iião pode facilmente dar resultados senão for fundada sobre a religião ; há-de ser assim emquanto senão souber encher o vazio que a supressão da idea religiosa deixou.
j E o espantoso aumento de despesa com K, instrução pública!
Ao passo que os resultados são assim evidentemente negativos, a despesa com a instrução aumentou, em -quarenta anos, 250 milhões de francos.
E é o que vai suceder entre nós., porque as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos.
Os pais católicos franceses, alarEoados com o pernicioso resultado da escola sem Deus, uniram-se animosamente e fundaram por toda a parte, na extensão da grande República, numerosas escolas, onde, solicitamente, é ministrada educação religiosa aos seus filhos.
Fundaram mesmo escolas normais, destinadas à preparação do professorado primário católico, sendo a escola normal de Lyon frequentada por 1:200 candidatos ao professorado primário.
Em Paris há 800 escolas primárias católicas, exclusivamente sustentadas pelos católicos da capital francesa, com a verba aaual.de 400.000$.
Sr. Presidente: eu reclamo idêntica liberdade para os pais católicos de Portugal— a única nação da Europa onde esta liberdade não existe: a liberdade de poderem educar seus.filhos como quiserem e à custa do seu dinheiro, sem reclamarem do Estado um único centavo.
Nem todos os pais católicos do meu país, nem todos os pais católicos do meu distrito me deram o voto para eu vir aqui representá-los e falar hoje por eles nesta casa do Congresso.
Nem todos. Mas se todos os pais católicos, se todos os pais cristãos de Portugal inteiro pudessem assistir a esta sessão parlamentar, pudessem ouvir-me nesta hora. nenhum deixaria de aplaudir-me com todo o calor ardente do seu coração, com todo o entusiasmo da sua alma crente e patriótica.
O Sr. Ministro da Justiça (Mesquita de Carvalho): — E bem contra a minha vontade que eu tenho de usar da palavra sobre o assunto em debate, inas, como alguns Srs. Deputados julgaram ver na minha argumentação incoerência com o que em outra sessão e noutro lugar afirmei, por isso eu vou tentar pôr as cousas nc seu devido lugar.
Etí podia dizer que não era integralmente responsável pelo que veio no Diário das Sessões visto que o redactor teve o cuidado de d'zer que não-foram revistos por mim os discursos em que S. Ex.a encontra incoerências, mas não o faço e declaro que perfilho inteiramente o que lá está escrito como sendo o nspírito do que eu disse ou queria dizer.
O Sr. Costa Júnior:—Não é bem assim relativamente ao artigo 26.°
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lidade, devia repugnar semelhante digestão. E que se essa minha afirmação, então feita, tivesse, o carácter de generalidade que S. Ex.a lhe quer atribuir, resultaria que algumas das atribuições que nos números do artigo 26.° são taxativamente conferidas ao Congresso, em sessão conjunta, teriam de ser letra morta na Constituição. Mas, Sr. Presidente, restringindo a hipótese especialíssima do n.° 21 do artigo 26.° da Constituição, que S. Ex.a trouxe ao debate, as duas afirmações não colidem e, pelo contrário, são absolutamente verdadeiras, são constitucionais em, face da própria letra da Constituição. E assim que é atribuição do Congresso, em Câmaras separadas, deliberar sobre todos os números do artigo 26.° em que não haja disposição constitucional que contrarie as deliberações tomadas em separado.
E pelo que respeita ao n.° 21 do artigo 26.°, essa disposição expressa existe no próprio número, porque se S. Ex.a a quiser ler até o fim, encontrará que nele se diz o seguinte : ' Leu.
Portanto, esta disposição tem dê ser considerada, aplicada e interpretada com todos os seus termos, que são bem claros, porque se diz, deliberar sobre a revisão da Constituição, antes de o ser, nos termos do § 1.° do artigo 82.°, onde se determina que essa antecipação tem de ser feita em Câmaras conjuntas.
Já S. Ex.a vê que, pela própria redacção desse número, ele constitui unia excepção à regra, de que realmente as atribuições consignadas no artigo 26.° ao Poder Legislativo devem, em geral, ser tomadas em Câmaras separadas.
Sr. Presidente: não quero alargar-me em mais considerações, porque o assunto está, devida e suficientemente, esclarecido, e mesmo porque a contradição que o Sr. Costa Júnior pretendeu encontrar, entre as minhas declarações feitas noutra ocasião e as de ontem, já não existirá no seu espírito, aliás lúcido, mas por vezes irreflectido'.
S. Ex* não reviu.
O Sr. José Barbosa:—Acentua que votou contra a moção do Sr. Silva Gonçalves porque a considera tam incons-
titucional como a do Sr. Alexandre Braga.
Em sua opinião nenhuma delas devia ter sido admitida na Mesa e, sem querer a esta fazer censura, lembrará o que sucedeu na sessão de 26 de Janeiro de 1914, em que o Sr. Braamcamp Freire, então presidente do Senado, não aceitando, por inconstitucional, uma proposta, se retirou da presidência.
Segundo o artigo 7.° da Constituição o Congresso é formado pelas duas Câmaras e pode funcionar em-sessão conjunta, mas unicamente para exercer as atribuições definidas taxativamente na Constituição. Fora desses casos, que se encontram inscritos nos artigos 26.°, 33.°, 34.°, 38.°, 46.°, 64.° e 82.°, nenhum outro pode ser admitido sem grave infracção da lei constitucional.. :
E, realmente, como disse o Sr. Deputado Celorico Gil, esfarrapar mais uma vez a Constituição; e, se alguém acusa a União Republicana de ter pactuado com a ditadura, rasgando-se a lei constitucional, dirá ele, orador, que a União vinha aproveitando as lições que, muito antes, tinham dado os Governos do Partido Democrático.-
A União Republicana apoiou a ditadura, mas não sabe se entre a ditadura que dava por incapaz de funcionar um dos ramos do Congresso —o Senado— e a ditadura que evitou a reunião do Parlamento, havia que hesitar.
Não é dos que pretendem a eliminação dum partido; mas o que é preciso é evitar que um partido faça monopólio de governar.
Entrando na, análise de vários artigos da Constituição, o orador diz, seguidamente, que sabe muito bem como é feita a política em Portugal, onde tudo se malsina. A União Republicana pensa, neste momento, como pensava em 26 de Janeiro de 1914. Não será com a sua presença que tal votação constitucional SB há-de fazer; e cousa alguma demove a União do seu propósito.
A votação que se pretende fazer é considerada pelos unionistas como absolutamente contrária ao espírito e às expressas determinações da Constituição da República.
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Diário das Sessões do Congresso
Como disse, a União Republicana sairá da sala quando se tratar da votação, reservando-se, porventura, o direito de fazer fiscalizar os trabalhos parlamentares.
A União Republicana não se associa a uma franca e manifesta violação constitucional.
Os processos deste Governo não podem torná-lo forte.
A União Republicana não permitirá, com a sua cumplicidade,'que aqueles- que andam, apregoando a intangibilidade da Constituição a violem mais uma vez.
Antes de concluir, pregunta ao Sr. Presidente qual é o número de Congressistas que estão no exercício de funções neste momento.
O Sr. Presidente: 222.
•Informa que são
O Orador: — Frisa que toda a deliberação tomada sobre a matéria contida no § 1.° do artigo 82.° da Constituição exige dois terços de votos ou sejam 148.
Qualquer deliberação tomada sem este número é inconstitucional, mesmo à face da deliberação tomada em 19 de Maio de
191o, que ele, orador, reputa absolutamente inconstitucional..
O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taqui-gráficas.
O Sr. Costa Júnior: — Em resposta ao Sr. Ministro da Justiça, direi que arranjou com que a Constituição sirva para todas as interpretações, porque vem agora dizer que no artigo 26.° lia números que sã referem a matérias que devem ser discutidas pelo Congresso em sessão conjunta. Já vê, portanto, que eu tinha razão no meu reparo.
Leu-se a questão prévia do Sr. António da Fonseca.
O Sr. José Barbosa: — Invoco o § 2.° do artigo n.° 116.°
Fez-se a chamada para -votação nominal, a que responderam 107 Srs. Congressistas.
O Sr. Presidente: — Não há número para se votar.
A próxima sessão é na sexta-feira, 25, às 14 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.