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REPÚBLICA PORTUGUESA

SESSÃO LEGISLATIVA DE 1911-1912

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.° 6

EM 11 DE DEZEMBRO DE 1911

SUMÁRIO. - Chamada e abertura da sessão. - Leitura e aprovação da acta. -Expediente. - O Sr. Presidente participa que o Chefe do Estado lhe fizera convite para, como representante do Senado, assistir no camarote de S. Exa. aos espectáculos nos teatros nacionais, honra que se apressou a agradecer. Lembra ao Govêrno a conveniência de trazer ao Parlamento um projecto de protocolo para os actos solenes da República, e propõe que seja enviado em nome do Senado um telegrama de condolência à Câmara Municipal do Pôrto pela catástrofe ontem ocorrida naquela cidade. Sôbre êste ultimo assunto usam da palavra os Srs. Senadores Goulart de Medeiros, Machado de Serpa e Miranda do Vale. O Senado aprova unanimemente a expedição do telegrama no sentido indicado.- O Sr. Presidente diz que estão sôbre a mesa as provas tipográficas da redacção definitiva do Regimento e convida os Srs. Senadores a examiná-las. - É lido um ofício em que o Sr. Senador António Bernardino Roque pede escusa do cargo de primeiro secretário do Senado, principalmente por falta de saúde. - O Sr. Senador Miranda do Vale lembra que o Sr. Presidente inste com o Sr. Senador António Bernardino Roque para que retire aquele pedido. O Sr. Presidente declara que já instara nesse sentido, mas que S. Exa. insistira na recusa. - A Câmara resolve por unanimidade não aceder ao pedido. - O Sr. Senador Nunes da Mata apresenta três projectos de lei: autorizando a verba necessária para uma larga tiragem do elucidário relativo à hora internacional; regulando a pesca da baleia na costa de Angola; modificando o seu projecto sôbre apicultura nacional. - O Sr. Senador Miranda do Vale estranha a pouca assiduidade dos Ministros nesta Câmara e o Sr. Ministro do Fomento dá explicações sôbre o assunto. - O Sr. Senador Silva Barreto trata dos acontecimentos de Peniche. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - O Sr. Senador Miranda do Vale reclama providências acerca da canalização dos exgotos e do abastecimento de água na capital. Responde-lhe o Sr. Ministro do Fomento. - O Sr. Presidente, vendo entrar na sala o Sr. Senador António Bernardino Roque, comunica a S. Exa. a resolução do Senado relativamente à escusa do cargo de primeiro secretário e aquele Sr. Senador pondera que a principal razão do seu pedido era a falta de saúde, mas declara acatar o voto dos seus colegas, que muito o lisonjeia. - O Sr. Senador José de Castro refere-se a violências praticadas no concelho do Fundão centra um proprietário. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça.

Ordem do dia: (Votação sôbre as moções de ordem apresentadas na sessão anterior). A pedido do Sr. Presidente do Conselho são retiradas as moções, não se efectuando por êste motivo a votação. - O Sr. Machado de Serpa pede ao Govêrno que declare o que souber a respeito de boatos de alteração da ordem pública nos Açores. O Sr. Presidente do Conselho responde que tais boatos são absolutamente falsos. Sôbre êste assunto falam tambêm os Srs. Senadores Goulart de Medeiros e Faustino da Fonseca. - O Sr. Senador Sousa Júnior ocupa-se da lancinante desgraça ontem acontecida no Pôrto. O Sr. Presidente do Conselho e os Srs. Senadores Silva e Cunha, Bernardino Machado, e novamente o Sr. Sousa Júnior fazem considerações sôbre os interesses da mesma cidade, a propósito daquele acontecimento. - E comunicada a constituição das comissões de fomento, finanças e marinha. - O Sr. Senador Nunes da Mata insiste por uma resolução do Govêrno sôbre a publicação do elucidário da hora internacional. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - O Sr. Senador Fortunato da Fonseca manda para a mesa um requerimento pedindo documentos. - O Sr. Presidente dando para ordem do dia os projectos n.ºs 2 e 12-A, levanta a sessão.

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Presidência do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretários os Exmos. Srs.

Artur Rovisco Garcia
Bernardo Paes de Almeida

Srs. Senadores que compareceram à sessão:

Abel Acácio de Almeida Botelho, Abílio Baeta das Neves Barreto, Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Alberto Carlos da Silveira, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo José Durão, Amaro de Azevedo Gomes, Aníbal de Sousa Dias, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Anselmo Braamcamp Freire, Antão demandes de Caralho, António Augusto Cerqueira Coimbra, António Bernardino Roque, António Caetano Macieira Júnior, António Joaquim de Sousa Júnior, António Ladislau Parreira, António Ladislau Piçarra, António Maria da Silva Barreto, António Pires de Carvalho, António Ribeiro Seixas, António da Silva Cunha, António Xavier Correia Barreto, Artur Augusto da Costa, Artar Rovisco Garcia, Bernardino Luís Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Richter, Christóvão Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elísio Pinto de Almeida e Castro, Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho, Faustino da Fonseca, Francisco António Ochoa, Francisco Correia de Lemos, Francisco Eusébio Lourenço Leão, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, José António Arantes Pedroso Júnior, José de Castro, José de Cupertino Ribeiro Júnior, José Estêvão de Vasconcelos, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Pádua, José Maria Pereira, José Miranda do Vale, José Nunes da Mata, Luís Fortunato da Fonseca, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel José de Oliveira, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Câmara, Narciso Alves da Cunha, Pedro Amaral Bôto Machado, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes. Sebastião Peres Rodrigues, Tomáe António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que não compareceram:

Adriano Augusto Pixenta, Albano Coutinho, Augusto Almeida Monjardino, Celestino Germano Paes de Almeida, Eduardo Abreu, Inácio Magalhães Basto, João José de Freitas, José Relvas, Lelo Magno Azêdo, Manuel José Fernandes Costa, Sebastião de Magalhães Lima.

As 2 horas e 25 minutos da tarde, o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 41 Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Foi lida e aprovada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Da Comissão Administrativa do Município de Moura, demonstrando a necessidade da importação do azeite espanhol.

Para a comissão respesctiva.

Do Comité Nobel do Parlamento Norueguês, enviando cópias da circular do Prix Nobel de la Paix em 1912.

Para a Secretaria.

Do secretário geral do Ministério do Fomento, satisfazendo um requerimento do Sr. Senador Adriano Augusto Pimenta.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Tenho a comunicar à Camará que venho agora de casa do Chefe do Estado, a quem fui agradecer o honroso convite que me fez, como representante do Senado, para assistir com S. Exa. às festas nos teatros nacionais.

Por êste acto, mais uma vez o Sr. Dr. Manuel de Arriaga demonstrou quanto se acha inspirado nos verdadeiros sentimentos democráticos, próprios duma República parlamentar como a nossa. E um acto de cortezia prestado publicamente pelo Chefe do Estado, e por sua iniciativa própria, aos dois corpos do Congresso como representantes da soberania nacional.

Não se acha nenhum membro do Govêrno presente, mas êle terá conhecimento das palavras que vou proferir.

Julgo indispensável que o Govêrno apresente ao Parlamento um projecto do protocolo a estabelecer para a nossa República.

Sei que vários Ministros estrangeiros tem notado a singeleza das recepções no Palácio de Belém. O Chefe do Estado tem-se encontrado ali quasi sósinho, apenas acompanhado por alguns membros do Govêrno.

Para uma Nação importante como a nossa, colonialmente falando, é simplicidade demasiada. Creio que há uma espécie de projecto de protocolo esboçado durante o Govêrno do Sr. João Chagas; é indispensável, porém, que seja apresentado ao Parlamento para êste o discutir e aprovar, porque só depois de adoptadas por êle é que se hão-de estabelecer as fórmulas a observar nos actos oficiais da República. (Apoiados).

Tenho agora de me referir a outro assunto: à catástrofe sucedida ontem no Pôrto.

A Câmara decerto quererá tomar parte na dor que aflige aquela cidade e, por isso, proponho que o Senado envie um telegrama ao Presidente da Câmara Municipal do Pôrto, manifestando-lhe o seu profundo pesar por tão horrível desastre.

Apoiados gerais.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente: associo-me às manifestações de sentimento pela grande dês graça que acaba de ferir o coração dos portuenses.

Mas, Sr. Presidente, é justo que os momentos tristes lembrem o cumprimento dos nossos deveres esquecidos.

E preciso que haja a coragem fria, mas precisa, para resistir a certas imposições ou pedidos inconvenientes.

Assim como entendo que o Govêrno procedeu bem corrigindo os desmandos dos grevistas portuenses que tinham provocado um movimento menos económico do que político, porque visava principalmente segundo ouvi à expulsão

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de alguns empregados da companhia carris de ferro, assina acho que mal andou em consentir que a mesma companhia tomasse ao seu serviço empregados incompetentes.

É necessário que o Govêrno cumpra sempre o seu dever, fazendo entrar na ordem os grandes e os pequenos.

Tenho dito.

O Sr. Machado de Serpa: - Com respeito à catástrofe do Pôrto, cuja dor se repercute por todo o país e em especial no Senado, folgo que partisse de V. Exa., Sr. Presidente, a ideia de manifestar o sentimento de todos nós.

Junto, portanto, a minha- voz à de V. Exa., desejando que a cidade do Pôrto perceba a sinceridade dos votos que manifestamos.

Não entrando em considerações de qualquer ordem por se me afigurarem inoportunas, direi que a ocasião é de Into e dor e que o resto ficará para depois.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Miranda do Vale: - Pedi a palavra simples mente para me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

A proposta do Sr. Presidente foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tenho ainda outra participação a fazer à Câmara.

Está sôbre a mesa a redacção definitiva do projecto do Regimento interno do Senado para ser impresso.

Parecia me conveniente que êle ficasse mais algum tempo sôbre a mesa, para ser examinado pelos Srs. Senadores, a fim de ver se encontrariam qualquer motivo de reparo.

Portanto, se algum dos Srs. Senadores quiser examinar a última redacção do Regimento, êle rica sôbre a mesa.

Chamo a atenção da Câmara para o ofício que se vai ler.

Nele o Sr. Secretário Bernardino Roque, alegando falta de saúde e muitos afazeres, pede à Câmara lhe conceda escusa do lugar de Secretário.

Foi lido na mesa o ofício, que é do teor seguinte:

"Exmo. Sr. Presidente do Senado: Razões poderosas, entre as quais avultam a rainha pouca saúde e os meus muitos afazeres, obrigam-me a pedir a V. Exa. se digne apresentar ao Senado, do qual V. Exa. é ilustre Presidente, a minha escusa ao desempenho do lugar de 1.° Secretário. Pedindo a V. Exa. seja perante os Srs. Senadores o intérprete dos meus agradecimentos pela distinção com quiseram honrar me, permita V. Exa. me subscreva com toda a consideração e lhe deseje - Saúde e Fraternidade. - Lisboa, 9 de Dezembro de 1911. = Bernardino Roque".

O Sr. Miranda do Vale: - Parecia-me conveniente que V. Exa. pedisse ao Sr. 1.° Secretário a fineza de retirar o seu pedido.

A forma como S. Exa. tem secretariado satisfaz completamente o Senado: por isso V. Exa., interpretando o nosso sentir, poderia pedir ao Sr. Bernardino Roque que retirasse êsse oficio.

Emquanto S. Exa. se achar doente estará competentemente substituído pelo Sr. Rovisco Garcia; e logo que S. Exa. esteja inteiramente restabelecido virá retomar o seu lugar com satisfação de todos nós.

O Sr. Presidente: - Eu já me tinha antecipado aos desejos manifestados. No sábado, logo que recebi êste ofício, imediatamente escrevi ao Sr. Bernardino Roque, pedindo lhe que desistisse do seu propósito. S. Exa., porem, respondeu me que mantinha o pedido de escusa.

Agora está nas atribuições da Câmara não aceitar essa escusa.

Vou pôr á votação da Câmara o pedido de S. Exa. Os Srs. Senadores, que concedem a escusa pedida pelo Sr. Bernardino Roque, tenham a bondade de se levantar.

Pausa.

Está rejeitada por unanimidade..

Vai entrar-se nos trabalhos antes da ordem do dia.

O Sr. Miranda do Vale: - Sr. Presidente: eu desejava falar quando estivesse presente algum dos Srs. Ministros; o que tenho a dizer respeita à pasta do Fomento, mas não teria dúvida em fazer as minhas considerações se estivesse presente qualquer dos Srs. Ministros.

O que, porem, não calculava era que antes da ordem do dia estivessem desertas todas as cadeiras do Govêrno. Por isso, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para quando algum dos Sr. Ministros esteja presente.

O Sr. Nunes da Mata: - Pedi a palavra para chamar a atenção da Câmara sôbre um assunto urgente. Sem querer imitar Catão, eu devo dizer que o assunto a que agora me refiro é o mesmo a que quási todos os dias me tenho referido: o da nova hora internacional.

O meu desejo é evitar confusões, e visto estarmos chegados ao dia í de Janeiro, o evitar que o povo, em razão de não estar informado a êste respeito, possa dirigir criticas amargas contra a República. O meu empenho é evitar essas criticas:

Eu na quinta feira andei atrás de quási todos os Ministros, instando com S. Exas. no mesmo sentido, mas o olhar vago e indiferente com que me atendiam, mostrava-me claramente que o seu espírito andava muito longe daquilo para que eu chamava a sua atenção. Impaciente, porque vejo aproximar-se o dia 1 de Janeiro, tomei na sexta feira uma resolução de que depressa me arrependi, a qual foi de, na qualidade de presidente da comissão que por ordem do Govêrno Provisório tratou do assunto, requisitar para a Imprensa Nacional 10:000 exemplares do opúsculo explicativo.

Apesar dêste caso não ter grande importância, ainda que os opúsculos ficassem à minha responsabilidade, entretanto, em razão da atmosfera de suspeição que, mesmo na República e sem a menor razão, flutua por vezes no espaço, resolvi pedir a palavra no Senado para me referir ao assunto. Como não obtivesse a palavra, e não ficasse tranquilo, suspendi por completo a requisição dos opúsculos.

O encargo não era grande; mas quem é pobre, ou mesmo remediado, como eu, não pode arcar com estas despesas por um mero altruísmo que ninguém agradeceria, o que era o menos, mas que ainda por cima poderia dar pretexto a suspeições.

Por isso, e muitas outras razoes, a primeira cousa que fiz, ao chegar à Escola Naval, foi pelo telefone, falar para a Imprensa Nacional mandando suspender a impressão dos 10:000 exemplares do folheto.

O que faço agora é levantar bem alto a minha voz, dizendo ser necessário que se faça qualquer sacrifício para que, no 1.° de Janeiro, o público saiba a razão por que se adoptou a hora internacional, visto que num país democrático todos os actos se devem praticar conscienciosamente.

Eu estive, ainda, para tomar uma outra solução, que era convidar dois Srs. Senadores ou mais para comigo tomarmos a responsabilidade do caso e fazermos publicar à nossa custa o folheto; mas suspendi esta minha ideia, porque não era legal e poderia vir a dizer-se que queria-mos fazer negócio com os opúsculos.

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O que me parece, portanto, legal e lógico é que o Parlamento mande fazer a tiragem dos 10:000 exemplares

Muita gente me tem pedido folhetos, indo até muitas pessoas solicitar-mos á Escola Naval. Todos ficam desesperados perante a minha resposta, lavrando os descontentes o seu protesto contra a República.

Estou, pois, convencido de que a comissão não terá dúvida alguma em dar parecer favorável, e por isso mando para a mesa, com algumas alterações, o projecto que já tive a honra de apresentar na Assembleia Nacional Constituinte e cuja iniciativa renovo agora.

O projecto é do teor seguinte:

Leu.

V. Exas. compreenderam já, decerto, que êste projecto apresentado na Constituinte, tem algumas modificações mas V. Exas. compreendem tambêm que é necessário que a comissão dê com urgência o seu parecer, porque o opusculo não tem razão de ser desde que não seja publicado imediatamente, atento o motivo de todos deverem estar inteirados do assunto no dia 1.° de Janeiro.

Mando, portanto, para a mesa o projecto, e rogo que comissão dê, com urgência, o seu parecer.

Agora, e visto que estou com a palavra, permitam-me que envie igualmente para a mesa um outro projecto, apresentado tambêm na Assembleia Nacional Constituinte projecto que se refere à pesca da baleia na costa de Angola.

Peço licença para ler o artigo que tem por fim proibir a pesca de baleotes.

Leu.

Êste artigo constitui novidade, pois, mesmo em legislação estrangeira, creio não haver nada a êste respeito, e é de grande utilidade, pois que uma das causas que mais tem concorrido para a diminuição da antiga abundância de cetáceos é sem dúvida a da pesca de baleotes (pequenas baleias).

Leu.

Finalmente, Sr. Presidente, peço licença ainda para mandar para a mesa um outro projecto de lei, antes que seja discutido pela comissão respectiva e que já apresentei relativamente à lei apícola, e que teve entusiástico acolhimento por todo o país, o que é indício quási seguro de que, quando a lei seja promulgada, deve dar óptimos resultados.

Entra na sala o Sr. Ministro do Fomento.

Mas o meu primeiro projecto não estava tão completo quanto o assunto pedia, e por isso é que tomei a liberdade de apresentar agora um novo projecto mais ampliado e que deve satisfazer, sendo introduzidos alguns artigos novos.

Chamo tambêm a atenção da mesa para dois projectos que já foram presentes há tempo: um que se refere à telegrafia sem fios e outro ao terreno do Paço do Bispo, era Castelo Branco, para ser entregue à Câmara Municipal da mesma cidade.

Peço a V. Exa. que faça seguir o seu destino.

Os três projectos apresentados nesta sessão pelo Senador Sr. Nunes da Mata, autorizando a despesa com a publicação do folheto sôbre a hora internacional regulando a pesca da baleia na costa de Angola, e ampliando o primeiro projecto sôbre a apicultura nacional, foram lidos na mesa e ficaram para segunda leitura.

O Sr. Ministro do Fomento (Estêvão de Vasconcelos): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar uma explicação.

Disseram-me que no Senado se fizeram reparos relativamente ao facto do Govêrno não estar aqui representado.

Eu devo explicar que o facto é lamentável, mas devo tambêm dizer que não houve o menor intento de desconsideração para com o Senado.

Os Srs. Ministros das Colónias e da Marinha tem interpelações anunciadas na Câmara dos Srs. Deputados. O Sr. Ministro das Finanças tambêm tem motivo que o retenha lá. Eu mesmo tenho de acompanhar ali a discussão do projecto de lei sôbre acidentes no trabalho, e devo declarar, com franqueza e sinceridade, que talvez, até certo ponto, me seja mais agradável comparecer no Senado, porque, após a minha entrada no Ministério, fui aqui melhor recebido do que na outra Câmara.

Todavia, prefiro ir para a Câmara dos Srs. Deputados, e isto para que os meus adversários não possam dizer que fujo de lá por ter receio de qualquer ataque.

Creio, pois, ter justificado a ausência do Govêrno, e posso assegurar ao Senado estarem as cousas devidamente combinadas para que compareçam, sempre, aqui alguns membros do Ministério.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - O Sr. Senador Silva Barreto pediu a palavra para um negócio urgente - alteração da ordem pública em Peniche.

Os Srs. Senadores que considerem urgente o assunto que S. Exa. deseja ventilar, queiram ter a bondade de levantar-se.

A Câmara resolveu afirmativamente:

O Sr. Silva Barreto: - Pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Interior, ao qual cumpre providenciar no que respeita à ordem pública; mas como o assunto é de sua natureza grave, eu vou falar, embora na ausência de S. Exa., rogando ao Sr. Ministro do Fomento que informe o ilustre Ministro do Interior sôbre o que vou relatar e que representa um péssimo sintoma ocorrido no concelho de Peniche, distrito de Leiria.

Na noite de sábado, dum grupo, composto de sete ou oito pessoas e no qual se encontrava um dos maiores influentes políticos do concelho e do antigo regime, o Sr. Marcelino Monteiro, perguntaram, não sei se desabridamente, para quatro ou cinco pessoas que perto estacionavam, o que faziam ali, ao que foi respondido que passavam e se retiravam pura suas casas.

Um dos homens do grupo que havia respondido que se retirava foi intimado, brutalmente, pelo regedor a que se retirasse imediatamente; e o mesmo regedor, sem esperar resposta da pessoa que assim era advertida, disparou-lhe uma pistola, indo a bala atravessar-lhe a clavícula e alojar-se não sei onde.

O pai do indivíduo alvejado pela bala increpou o regedor pela forma ou processo que êle tinha de fazer justiça, - justiça à bala - obtendo como resposta o receber outra bala.

Esta política, êstes atentados, são atribuídos a política da pior espécie, claro, é herança da monarquia, reflectindo-se em plena República.

Sucede que Peniche tem uma freguesia que fui e é de ia muitos anos a maus republicana de todo o concelho; tinha sempre grande votação, maioria republicana, e é uma das mais populosas do concelho.

Devo dizer a V. Exa. que foi um dos nossos velhos correligionários que impediu que a população de Atouguia da Baleia viesse sôbre Peniche armada para levar à demissão o administrador do concelho ou, em caso de recusa, usar de meios violentos.

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Foi um trabalho extraordinário o dos nossos correligionários de Atouguia da Baleia para impedir actos violentos.

A Câmara Municipal, a junta de paróquia e os nossos correligionários mandaram um próprio - vereador da Câmara Municipal de Peniche - a narrar-me os factos, que eu reproduzo tal qual êsse representante mós apresentou.

Isto é grave, e devo dizer a V. Exa. e à Câmara que esta manifestação é a primeira, violenta, que se seguiu às manifestações ordeiras que o distrito de Leiria, em peso, em feito contra a direcção superior do distrito.

Devo declarar que o actual governador civil de Leiria tem sido considerado de incompetente e inábil pelos Governos que precederam o Govêrno actual; isto não é uma afirmação gratuita, é uma afirmação feita perante quatro Deputados daquele distrito.

Tanto o Sr. Ministro do Interior do Govêrno Provisório como o Sr. João Chagas afirmaram-nos, quando tivemos uma conferência com S. Exas. o que venho de dizer, a comprovada e reconhecida incompetência do actual governador civil.

Peço a V. Exa. que registe estas frases, que são de ambos os Ministros do Interior que precederam o actual. Três Deputados e dois Senadores procurámos mais duma vez os Srs. Ministros, a que me refiro, e ambos nos asseguraram que era realmente necessário tratar da melhor maneira de encontrar pessoa que superiormente, e com critério, pudesse dirigir o distrito de Leiria.

Dantes eram os protestos ordeiros, agora são desordenados, violentos.

Eu devo declarar a V. Exa., pelo conhecimento que tenho do distrito de Leiria, e não menos o Sr. Senador Cupertino Ribeiro, visto que é daquele distrito, que há urgência em solucionar a política desta região.

Entrou na sala o Sr. Presidente do Conselho e pouco depois o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Cupertino Ribeiro sabe muito bem que, se se não resolve de pronto e com critério a política do distrito em questão, podem ocorrer acontecimentos de alta gravidade, e já agora direi que a Câmara Municipal da Pederneira acaba de pedir a demissão, por virtude de conflito com Inácio Veríssimo de Azevedo que tem cultivado o sport de conflitos políticos.

Eu compreendo, Sr. Presidente, a adesão sincera dos monárquicos á República, adesão motivada por um bocado de consciência e amor pátrio; eu compreendo tambêm que os monárquicos administrem ainda nas localidades onde não haja republicanos com capacidade, mas não posso compreender, Sr. Presidente, que os monárquicos administrem em localidades onde há elementos republicanos com capacidade bastante, e elementos que, durante a oposição ao antigo regime, deram provas de tacto e de critério.

E para lamentar, Sr. Presidente, que a Câmara Municipal da Pederneira houvesse de pedir a sua demissão, tanto mais que, a sua gerência foi tão correcta e escrupulosa, que fechou a respectiva gerência com um saldo de 700$000 réis ou 800$000 réis e sem um único crédito por pagar.

Eu podia demorar ainda, por alguns minutos, as minhas considerações sôbre êste assunto, mas como não quero cansar mais a atenção da Câmara, dou-as por terminadas, pedindo aos Srs. Ministros agora presentes que comuniquem as minhas considerações ao Sr. Ministro do Interior, a fim dele dar remédio ao mal que acabo de apontar.

Desejo, Sr. Presidente, que se atenda à política do distrito de Leiria. Desejo que se atenda a essa política, não por forma facciosa, porque nós não queremos facciosismo em política, mas por maneira a resolver todos os assuntos de harmonia com os interesses do país e da República.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Augusto de Vasconcelos): - O Sr. Ministro do Interior está na Câmara dos Deputados, não podendo, por isso, comparecer no Senado. Mas eu tomo nota das considerações de V. Exa. e comunica Ias hei àquele meu colega.

Ninguém mais do que eu lamenta que se dêem conflitos, principalmente quando êste Govêrno tem como programa fazer a paz entre todos, e lamento ainda mais que se dêem conflitos com autoridades que pretendem estabelecer a paz a tiro.

Se o que aqui contou o Sr. Senador Silva Barreto fôr averiguado e o caso se apurar tal como consta, creia S.Ex.a que a autoridade em questão será severamente punida, porque o Govêrno não admite que ninguém exorbite das suas funções.

O Sr. Silva Barreto: - Eu peço então a V. Exa. que mande sindicar dos factos.

O Orador: - Mandarei sindicar dos factos e os culpados serão rigorosamente punidos. Nós estamos aqui para fazer justiça.

O Sr. Miranda do Vale: - Sr. Presidente e meus Senhores: eu devo em primeiro lugar agradecer as palavras do Sr. Ministro do Fomento. Quando no princípio da sessão b Sr. Presidente me deu a palavra, eu disse ao Senado que desejava que estivesse presente algum dos Ministros. Era principalmente ao Sr. Ministro do Fomento que eu dirigia as minhas palavras, mas bastar-me hia qualquer outro Ministro que decerto transmitiria ao seu colega as minhas palavras.

As explicações do Sr. Ministro do Fomento satisfizeram me; eu sabia bem que eram êsses os sentimentos que animavam o Ministério para com esta casa do Parlamento; e para assim pensar basta verificar que no Govêrno está o Senado representado por quatro dos seus membros.

O assunto, a que desejo referir-me, diz respeito a dois pontos de capital importância: a canalização de esgotos e o abastecimento de águas da cidade de Lisboa.

Ainda no tempo da monarquia tive ocasião de, por meio de representações votadas em sessão da Câmara Municipal, pedir a atenção do Govêrno para êstes assuntos.

Também não quero repetir tudo o que disse sôbre esgotos na Assembleia Nacional Constituinte.

Todos sabem o perigo que existe para a higiene e conforto da cidade de Lisboa em manter a rede da canalização, de esgotos no estado em que actualmente se encontra.

E da, máxima urgência modificar êste estado de cousas.

O Senado está absolutamente elucidado, por isso não acrescento mais nada; falta-me mesmo a competência para tratar do assunto. (Não apoiados).

Sendo urgente modificar êste estado de cousas, porque a gravidade do caso se impõe, propus ainda na Assembleia Constituinte que se nomeasse uma comissão para estudar o assunto, e indicar a forma de dar execução à lei de 12 de Abril de 1876, pela qual o Govêrno se obriga a facultar à Câmara Municipal os meios necessários para levar a efeito esta importante obra.

Não insistirei neste ponto.

Agora tratarei do abastecimento de água.

O nosso colega da Assembleia Constituinte Sr. Ramos da Costa, numa interpelação ao então Ministro do Fomento do Govêrno Provisório, Sr.- Brito Camacho, tratou do assunto e mostrou as dificuldades com que a cidade de Lisboa lutava contra a deficiente quantidade de água que a abastece, e apontou o perigo dela escassear dum, momento para o outro, principalmente no verão, e apresentou mesmo o cálculo da quantidade que a abastece e

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que creio ser realmente insuficiente para as necessidades da capital.

Tem acontecido, por mais duma vez, a Companhia das Aguas impor à Câmara Municipal de Lisboa diminuição no gasto da água.

Isto é gravíssimo, não só para a saúde e higiene da cidade, o que sobretudo importa, mas até para a conservação dos jardins e arvoredos que existem na capital.

A água é pouca, e por vezes não é suficientemente pura, bacteriológicamente falando.

Mas o que tambêm não deixa de ser muito grave é o peso que a água exerce sôbre o orçamento municipal. Êste assunto é gravíssimo.

Imaginem V. Exas. - e o Sr. Presidente sabe-o muitíssimo bera, tam bem como eu - e imagine tambêm V. Exa., Sr. Ministro do Fomento, e V. Exa. sabe bem o que vai pelo seu Ministério, por onde tambêm se paga uma verba importante de água, imaginem V. Exas. que pelas últimas contas da Companhia - a Câmara Municipal de Lisboa tem de pagar à Companhia das Aguas a verba de réis 185:000$000, salvo êrro, que, se o houver, há-de ser insignificante.

Ora 180:000$000 réis é mais que 10 por cento dos rendimentos da Câmara Municipal de Lisboa.

Como é que pode haver boa administração dentro da câmara duma cidade, que tem de satisfazer aos inúmeros encargos da capital duma República, quando a sua despesa só com as águas lhe absorve 185:000$000 réis ou seja mais de 10 por cento das suas receitas?!

E note V. Exa. que não está incluída nesta quantia uma outra despesa importante que a câmara municipal faz em dar água ao povo. Eu explico o que isto é.

Há habitações da cidade, construídas em pontos onde a Companhia das Aguas entendeu que não valia a pena fazer canalizações.

Não há chafarizes, não há água encanada nas ruas, de forma que os proprietários requerem à câmara que lhes forneça água e esta é fornecida em pipas, à razão de 20 litros por dia e por fogo.

Ora isto representa uma despesa muito grande e por tanto nós temos que adicionar a êstes 185:000$000 réis essa despesa.

Esta situação é absolutamente intolerável.

Eu procurei, como vereador, desempenhar-me do meu mandato e estudar êste assunto; mas por falta de conhecimentos técnicos não consegui estudá-lo completamente. A Câmara Municipal de Lisboa paga esta verba de cento e tantos contos de réis. O Estado também contribui com uma verba avultada. Os particulares pagam a água a 200 réis o metro cúbico, e alêm disso o aluguer do contador. (Apoiados). Pois apesar disto a Companhia da Aguas não vive numa situação desafogada como poderia parecer por esta simples exposição. Ela dirá que é por que a câmara não lhe paga. Tenho a impressão pessoa de que ela recebe muito mais do que devia receber, se nós repararmos em que o abastecimento de água, nos principais municípios do mundo, representa uma receite, positiva.

Evidentemente há neste caso alguns pormenores que escapam a minha observação. Será a administração que é menos económica? Não sei.

(Interrupção do Sr. José Maria Pereira, que se não ouviu).

O Orador: - A municipalização não é tam fácil com V. Exa. imagina.

A Câmara tem que indemnizar a companhia pelas obra feitas, os contractos assim o preceituam.

Julguei do meu dever chamar a atenção do Sr. do Fomento pedindo lhe que, a exemplo do que creio que já se fez com os esgotos da cidade de Lisboa, se nomeie tambêm uma comissão para estudar êsse assunto, de forma que a cidade seja perfeitamente abastecida de água.

Entrou na sala o Sr. António Bernardino Rogue e foi ocupar a sua cadeira de Senador.

O Sr. Presidente: - Devo comunicar ao Sr. António Bernardino Roque que o Senado não aceitou a escusa que S. Exa. pediu do cargo de primeiro secretário.

O Sr. Bernardino Roque: - Como disse no meu ofício, foi a falta de saúde a razão mais importante que me levou a pedir á escusa do lugar de primeiro secretário do Senado, pois que essa mesma razão me convenceu de os trabalhos da mesa não poderão, por minha parte, correr bem.

Mas o Senado não acedeu ao meu pedido, e eu lamento êsse facto por aquele motivo, se bem que me haja dado alegria a prova de consideração que acabo de receber.

Só me resta agradecer ao Senado, e pedir-lhe desde já desculpa por qualquer irregularidade devida à minha falta de saúde.

O Sr. Ministro do Fomento (Estêvão de Vasconcelos): - Sr. Presidente: cabe-me o dever de responder ao ilustre Senador Sr. Miranda do Vale.

Entendo, como S. Exa., que é de absoluta necessidade melhorar o sistema de esgotos em Lisboa, por forma a beneficiar as condições higiénicas desta cidade.

Julgo até que era absolutamente indispensável tratar da higiene de tantas outras cidades e vilas de Portugal, onde não há o menor vestígio de canalizações. (Apoiados).

Mas nós não estamos; aqui para dizer cousas tam justas e fundamentais que quási se tornam, até certo ponto, banais.

O que nós temos é de resolver a maneira prática de as executar.

O alvitre que o Sr. Miranda do Vale apresentou é tudo quanto há de mais fácil e de mais simples.

Se S. Exa. se limita a pedir que sejam nomeadas comissões, eu considero me um homem muito feliz.

Entendo, porém, que as questões não ficam resolvidas pelo facto de se nomearem comissões.

E sôbre êste assunto desejo acentuar um facto que me parece ser bastante interessante: É o caso de se fazerem leis cujos efeitos são absolutamente platónicos.

Disse S. Exa. que havia uma lei, a de 1876, que obriga o Govêrno a fornecer à Câmara Municipal os meios financeiros necessários para realizar a canalização da cidade.

E claro que esta lei não passa de ser platónica, porque, emquanto o Govêrno não tiver dinheiro, é absolutamente impossível realizar essas obras.

A resolução dêste assunto, pertence, pois, principalmente à pasta das Finanças.

Relativamente ao abastecimento das águas, é claro que estou tambêm inteiramente de acordo com S. Exa., em que é necessário aliviar a Câmara dos encargos excessivos que sôbre ela pesam.

Não há dúvida nenhuma de que a solução que S. Exa. lembrou seria a melhor, mas o que é verdade é que há um contracto com a Companhia das Águas e que êsse contracto, segundo creio, tem uma longa duração. Eu sei isso, porque estando uma vez, ainda no tempo da monarquia. na Câmara dos Srs. Deputados a discutir uma das tais leis de carácter platónico, vim a saber que êsse contracto só terminava daqui a 50 ou 60 anos.

Já vê V. Exa. que as vantagens que se podem desejar são, por agora, puramente platónicas.

Não tenho, porém, a menor dúvida em nomear uma

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comissão para estudar a questão dos esgotos, e nomear tambêm uma comissão para estudar a questão do abastecimento das águas.

As duas comissões vão ser nomeadas, e se o Sr. Miranda do Vale tem satisfação nisso, pode ter a certeza de que brevemente me ocuparei do assunto.

Também hei-de informar-me sôbre se a Companhia das Aguas cumpre o contracto ou se ela pratica irregularidades.

Neste caso darei pelo Ministério do Fomento as ordens jnais enérgicas.

Mas no caso da Companhia cumprir o contracto, não ha entidade nenhuma que possa proceder contra ela.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Pedi a palavra para me associar, era nome do Govêrno, à manifestação de condolência que V. Exa. propôs se dirigisse à cidade do Pôrto.

Eu não estava presente quando o Senado votou a proposta de V. Exa., mas não queria deixar passar esta ocasião sem, por parte do Govêrno, me associar nesta casa do Parlamento a essa manifestação feita à cidade do Pôrto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Senador José de Castro deseja tratar dum negócio urgente, qual é a alteração da ordem pública no Fundão.

Devo lembrar à Câmara que só faltam três minutos para se passar á ordem do dia.

Os Srs. Senadores, que aprovam que se dê a palavra o Sr. Senador José de Castro, tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovado.

O Sr. José de Castro: - Tenho sempre repugnância em roubar tempo à Câmara.

Uma voz: - Peço a palavra.

O Orador: - Dizia eu que tinha sempre uma grande repugnância em tomar tempo à Câmara, mas neste mo-zaento é absolutamente indispensável vencer essa repugnância para fazer referência a uma carta que me foi enviada de Peroviseu, concelho do Fundão, e que diz o seguinte:

Leu:

"Logo que cheguei, fui ao Fundão e daí tive que telegrafar a meu sogro para mandar uma procuração, que era urgente para a questão do esbulho".

O Orador (interrompendo a leitura): - Explico. Um proprietário da Capinha o Sr. Dr. João António Franco Frazão, possui há mais de trinta e cinco anos uma propriedade que foi arrematada em praça e cujos títulos se achara registados desde êsse tempo na conservatória do Fundão.

É preciso dar esta explicação para se compreender o primeiro período da carta.

O signatário da carta é o Sr. José Pinto Tavares Osório, genro daquele cavalheiro.

Continuando a leitura:

"Meu sogro enviou essa procuração para a Capinha. O meu feitor, dali, enviou-me logo por um portador que saiu ás sete horas da noite de cinco, em direcção aqui.

Uns sete malfeitores sabedores do caso vieram postar-se escondidos a um e meio quilómetro da Capinha e, pelas costas, agrediram o portador, deram-lhe duas sacholadas na cabeça, muitas pancadas, a ponto do médico dizer que se admira dum homem poder aguentar tanto e por fim, segundo a opinião do médico, quando já estivesse caído deram-lhe outra sacholada na cara que lhe apanhou, profundamente o sobrolho esquerdo e cana do nariz donde, êle medico, tirou uma porção de esquírolas. Roubaram a carta e o revólver de que ia armado. O regedor e o meu feitor abandonaram a Capinha porque apesar de. aí estar cavalaria, foram ameaçados que até o Natal haviam de morrer. Qualquer deles para sair de casa era acompanhado com soldados e apesar disso ameaçaram-nos, mostrando-lhe o punho, etc., prometendo que logo que saisse a tropa, falariam.

"Era urgente tirar dali uns doze a desasseis malfeitores. Imagine V. Exa. que com a colheita da azeitona a andar, lagar para abrir, sementeira para acabar e... não tenho ninguém, na Capinha, para me tomar conta do serviço! Outro feitor que mande, sucede-lhe exactamente o mesmo que a êste. O de meu sogro tambêm quer abandonar a casa. E tudo isto acabaria se, até serem julgados, êsses malfeitores fossem tirados de Capinha".

Sr. Presidente, esta questão prende-se com factos que começaram a dar-se logo depois da proclamação da República.

Nas províncias antes da proclamação da República e especialmente nas terras pequenas não havia republicanos. Apareciam aqui e acolá uns indivíduos. que, por vezes, se avinhavam e, em razão de se acharem embriagados, ou por qualquer outra circunstância de rebeldia inconsciente davam furiosos vivas â República. Êstes mesmo eram pouquíssimos.

Pois foram êsses indivíduos que eram apontados como desordeiros, aqueles que combinados com elementos monárquicos ou que tais se diziam, que conseguiram por audazes processos constituir-se em comissões paroquiais e concelhias. É claro que há excepções honrosas; mas essas são pouquíssimas. A regra foi aquela.

Permita-me o Senado que eu lhe acentue essa circunstância, dada logo depois da proclamação da República, nos primeiros dias do Govêrno Provisório; mercê do seu espírito de liberdade e da sua muita sinceridade.

Na maior parte das terras da província sucedeu que essas comissões paroquiais foram compostas de indivíduos adversos ao regime actual. Daí o nenhum respeito pelas leis da República e pela ordem.

E triste dizê-lo; mas foi êsse espírito de liberdade,. foi essa sinceridade do Govêrno Provisório e principalmente do Ministro que geria a pasta do Interior, que deu êstes resultados deploráveis.

Essas comissões podiam não ser formadas só por elementos republicanos; mas nunca deviam entrar nelas indivíduos que, por qualquer maneira pudessem prevalecer-se da sua situação para exercer vinganças e saciar represados ódios.

Essa nomeação e não eleição, fez-se sem tem nem som, a troixe moixe.

Como tudo seria diferente se fôsse o poder central que nomeasse para as províncias essas comissões?! Quer a Câmara ver um exemplo?

Na Capinha, concelho do Fundão, foram escolhidos para a comissão paroquial e para a regedoria, homens que eram desde longos anos, inimigos do Dr. João António Francisco Frazão.

Que fizeram êsses homens e seus ocultos conselheiros, êstes principalmente, para dar largas ao seu velho ódio?

Insinuaram no animo do pobre e ignorante povo que a êste pertencia uma propriedade do Dr. Frazão e que êste possuía, em virtude de arrematação, há mais de 30 anos!

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E o povo, levado por essa insinuação, entrou na propriedade do Dr. Frazão, apossou-se dela, cortou arvores e destruiu tudo que por lá encontrou!

Como é que o Govêrno por meio dos seus delegados resolveu a questão?

Resolveu a questão, não a resolvendo!

O Sr. Ministro do Interior da época, Dr. António José de Almeida, a quem eu consagro muita veneração., com muita sinceridade, por certo, e com o intuito de bem fazer, sem dúvida, adoptou uma medida que, em vez de resolver o caso, o complicou mais.

Que fez S. Exa. para fazer terminar essa situação, e que, a meu ver, seria fácil atalhando o mal logo no começo?

Nada. Adiou a solução. E comtudo o assunto impunha-se.

Desde o momento em que havia um cidadão português, e estrangeiro que fôsse, que era senhor de uma propriedade, que havia adquirido por arrematação, como provava com a sua larga posse e com os respectivos títulos, a questão limitava-se a mante-lo na posse.

Isto era simples e justo.

Não foi isto o que fez o Sr. Ministro de então.

Não condeno o procedimento de S. Exa., o Sr. Ministro, que teve a determiná-lo, certamente, a ideia da equidade; mas não posso eximir-me a apontar qual foi êsse procedimento para elucidação da Câmara.

Ao Sr. Ministro faltaram o espírito jurídico e até conhecimentos de direito para se orientar neste e outros assuntos.

S. Exa. nomeou uma comissão composta de dois advogados, a qual tinha por fim averiguar se o Dr. Frazão tinha ou não direito à propriedade!

Uma comissão a decidir questões de propriedade!

V. Exa., Sr. Presidente, e os meus ilustres colegas estilo vendo como isto foi perfeitamente injurídico; mas assim se fez infelizmente.

A comissão arrastou uma larga existência e, por fim, elaborou um relatório cujo conteúdo desconheço.

Mas o que eu conheço e sei é que houve a invasão da propriedade, é que houve crimes de assuada, de ferimentos e de danos e que as autoridades locais e nomeadamente o primeiro regedor do tempo do Govêrno Provisório foi e tem sido a causa de se haver produzido o estado anárquico em que se encontra a Capinha. Convêm aqui lembrar que o Sr. Dr. Barreto, primeiro governador civil da República era Castelo Branco, alguma cousa fez para que a ordem fôsse mantida; mas a questão da propriedade, origem das desordens, está no mesmo estado.

O actual governador civil, Sr. Dr. Trindade Coelho, tem procurado ver se é possível terminar êste estado de cousas. Mas sabe V. Exa., Sr. Presidente, onde está o embargo, e para isto chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça, sabe onde está?

E no próprio poder judicial! Está no próprio juiz que quási tem sido conivente com a desordem, deixando impunes os desordeiros e até dando-lhes razão em suas toucas pretenções.

Aos Srs. delegados ao que saiu e ao que está, cabem algumas responsabilidades tambêm.

Depois que se proclamou a República é que tem havido na Capinha ameaças de morte, invasões de propriedade particular, ferimentos graves, tumultos, assuadas!

Tudo isto tem dado em resultado fugirem de lá os proprietários mais importastes.

Ora V. Exa. compreende que isto é uma situação violenta e desonrosa para a República. (Apoiados).

A República não pode permitir, por forma alguma, que qualquer cidadão seja esbulhado da sua propriedade por forma violenta e extraordinária. (Apoiados).

Dir-me-hão: Mas o senhor disse há pouco que foi intentada acção de esbulho!

E certo que o proprietário esbulhado intentou essa acção para ser restituído à posse; mas o Govêrno da República tinha obrigação de não consentir que se tivesse dado o esbulho violento. Devia tê-lo evitado. Tinha essa obrigação.

E sabe, Sr. Presidente, como procede o sr. juiz em conjuntura tam grave?

Sendo intenta da a acção de restituição de posse, que deve ser rápida, o sr. juiz, fixou o dia para inquirição para um mês depois!

De sorte que esta acção de esbulho ou de restituição de posse virá a terminar já para o ano de 2790, ou cousa que o valha. Isto é inacreditável!

Chamo para êste facto a atenção do Sr. Ministro da Justiça, que me ouve certamente, com o desejo de fazer respeitar a lei, empregando todos os esforços para que a justiça da República seja, efectivamente, uma cousa honesta, séria e levantada como é a da própria ideia da República e do regime que nos rege.

Acredito que S. Exa. empregará todos os esforços para que factos desta ordem se não repitam e para que êles tenham sem demora um castigo em harmonia com as leis.

E preciso que os distúrbios, as ameaças, os ferimentos, a anarquia, emfim, terminem duma vez para sempre; a não ser que queiramos admitir que a Capinha, que faz parte do concelho do Fundão, se transformou numa parte da Calábria ou da Serra Morena ou ainda doutro ponto mais extraordinário.

Eu sei que o Sr. Ministro da Justiça não pode ter conhecimento de tudo o que se tem passado na Capinha desde a proclamação da República até hoje, mas por isso mesmo pedia a S. Exa. a fineza de se informar dêstes factos que acabo de narrar, verdadeiramente criminosos, e averiguar qual tem sido o procedimento do administrador, do regedor e do poder judicial, emfim.

Não falo do governador civil, o meu amigo Sr. Dr. Trindade Coelho, não porque me intimidasse acusar a primeira autoridade administrativa do distrito, mas porque das cartas que dele tenho recebido e das informações que de lá me chegam, concluo que esta autoridade tem empregado os meios ao seu alcance para que sejam castigados os díscolos e para que se não repitam factos que envergonham a República. Tenho confiança em que êle cumprirá o seu dever nobremente.

O Sr. Ministro, certamente, não está habilitado a responder-me de pronto, não só porque há pouco sobraça a pasta da justiça, como porque se trata de um caso particularíssimo que interessa principalmente a um ponto do país; em todo o caso S. Exa. faz-me a fineza de averiguar o que se tem passado e o que se dá actualmente, e quando V. Exa. puder, dar-me-há muita honra em responder às perguntas que faço sem o mais leve intuito de maguar seja quem for, mas só no intuito de obter que se faça justiça.

As perguntas são:

1.ª Já averiguou V. Exa. do procedimento do Sr. juiz da comarca do Fundão com respeito a factos que se prendem com a sindicância que lhe foi feita?

2.ª Já se informou de que o mesmo Sr. juiz, tratando-se dessa acção de esbulho violento de que falei, fixou para a justificação do esbulho o prazo quási dum mês?

3.ª Informou-se já V. Exa. das promoções que tem feito o Sr. delegado com respeito a todos os crimes que afectam a segurança individual, o direito à propriedade particular e a mesma ordem pública cometidos na Capinha desde que se proclamou a República?

O Sr. Ministro da Justiça (António Macieira): - Sr. Presidente: vou ver se em poucas palavras posso responder o que sei sôbre o assunto a que se referiu o Senador Sr. José de Castro.

Eu conheço duma maneira geral esta questão da Capi-

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nha, sei que o povo se arroga o direito sôbre determinada propriedade; que essa propriedade foi comprada por arrematação; que estava na posse de certo indivíduo há mais de 30 anos; e que êste indivíduo intentou uma acção de esbulho, que foi entregue aos tribunais.

O povo, é claro, na sua orientação intuitiva, na sua maneira simplista, muitas vezes olha mais aos direitos de imaginação que aos efectivos, nem sabe que, segundo a lei, adquirida uma propriedade, seja de boa ou má fé, a posse de 30 anos garante o direito ao proprietário.

Eu sei que ao Poder Executivo compete fazer respeitar os direitos de propriedade, como ao Poder Judicial fazer derimir qualquer litígio que porventura se levante.

Mas a acção de esbulho está em juizo, e eu tenho informações de que ela, de facto, não tem tido demasiada demora.

Atribui-se ao juiz o não dar andamento a uma determinada diligência.

Ora eu devo dizer a V. Exa. que o juiz veio a Lisboa, procurou-me e justificou-me, de processo na mão, que essa arguição não era verdadeira.

Em todo o caso quero lembrar o que disse ao juiz; eu não tenho que guardar segredo, porque êste não é dos chamados segredos do Estado.

O juiz veio a Lisboa por causa duma sindicância que contra de se fez, e justificou que não demorou de propósito o assunto.

Por essa ocasião, notando o modo febril como o juiz se apresentava, ligando êste facto a pequenos conflitos com o governador civil e ao que já se tinha passado na Covilhã por ocasião do arrolamento dos bens dos conventos entre a comissão respectiva e êsse juiz, eu compreendi muito bem o temperamento excessivamente nervoso dêsse magistrado, temperamento incompatível com as suas funções, e fiz-lhe notar que entre êle e o seu meio existia uma certa hostilidade.

V. Exa. compreende que o Ministro da Justiça está numa situação especial.

O juiz tem as suas garantias, a sua esfera de acção, que a Constituição lhe garante.

O juiz tem no funcionalismo uma situação especial que eu não quero tirar-lhe, mas visto que o encontrava fora do exercício das suas atribuições, entendi que êle devia justificar uns determinados actos seus, perante a minha pessoa, e tambêm por minha parte entendi que devia dizer-lhe o que me parecesse conveniente sôbre o assunto.

V, Exa. compreende bem das minhas palavras o que eu desejaria dizer ao juiz para que êle fizesse o possível para reduzir quaisquer defeitos, conciliando-os com o seu meio.

Relativamente à administração de justiça, não pude ainda apreciar a sua maneira de proceder.

Como encontrei no meu Ministério uma sindicância a êsse respeito, mandei-o ouvir.

Não sei se êle já respondeu.

V. Exas. sabem muito bem que de todas as pastas a minha não é a de menos trabalho; são muitas e variadas as questões a tratar.

Não me queixo de terem de comparecer os Ministros nas Câmaras, e eu mesmo sustentei a necessidade deles virem ao Parlamento, mas a verdade é esta, no período de organização em que estamos, em que há muitos problemas a resolver, V. Exas. compreendem que toda a atenção é pouca para tratar de todos os assuntos, quer sejam questões propriamente da minha pasta, quer sejam questões que corram pelas outras, mas que se liguem com a da Justiça.

Não há, porem, dúvida nenhuma de que logo que a sindicância venha às minhas mãos e sôbre ela possa incidir o meu parecer, incidirá.

Fique S. Exa. certo de que empregarei todos os esforços para resolver o assunto.

Devo ainda dizer ao Sr. Senador José de Castro, pelo que respeita aos factos a que S. Exa. se referiu, que muito me obsequiaria se me mandasse nota deles para eu a enviar ao Procurador da República no Pôrto, a fim de que o respectivo delegado proceda como de direito for.

Quanto às autoridades administrativas, o regedor e o administrador do concelho, nada sei, porque não é assunto que se prenda com a minha pasta; posso, porém, dizer que, pelas relações directas que tenho estabelecidas, V. Exas. tem lá um governador civil digno de toda a consideração da República, porque tem sempre exercido as suas funções cheio de fé republicana, conforme prova o seu verdadeiro amor ao lugar que desempenha, fazendo respeitar as leis.

Sei que o Sr. governador civil tem acompanhado êste assunto, porque me mandou uma nota narrando os factos e sei tambêm que o caso está muito bem entregue.

Se o facto se passou, como V. Exa. o afirma, é um facto grave e não há dúvida nenhuma de que é um caso de estrada por se ter dado na província, e que seria da rua se ocorresse em Lisboa, não há duvida, repito, de que só o Poder Judicial tem de o apreciar.

O Ministério Público receberá essa nota, promoverá, e o juiz aplicará a lei como entender que deve aplicar.

Perguntou V. Exa. se eu tinha conhecimento dêsse facto e dos anteriores.

Êsse facto que V. Exa. narrou é novidade para mim e dos outros tinha conhecimento duma maneira muita geral, como já disse.

Respondi a V. Exa. o que pude responder sôbre o assunto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. José de Castro: - Pedi de novo a palavra para agradecer ao Sr. Ministro as suas considerações, com as quais me dou por satisfeito.

Vejo que S. Exa. procura por todos os meios honrar a sua pasta. Em todo o caso espero que S. Exa. não deixe de ter em muita conta o que disse com referência ao mesmo juiz e delegado.

Agradeço à Câmara a benevolência que teve em conceder-me a palavra, roubando-lhe tempo para outros assuntos que serão mais importantes, mas não mais urgentes, visto tratar-se da ordem pública.

Tenho dito.

ORDEM DO DIA

Continuada da sessão anterior

O Sr. Presidente - Vai passar-se à ordem do dia e ler-se, por isso, a moção apresentada pelo Sr. Senador Eusébio Leão na sessão anterior.

O Sr. Presidente do Conselho (Augusto de Vasconcelos): - Parece-me que, na primeira ocasião em que se discute uma interpelação ao Govêrno, estabelecer-se a praxe de a terminar por uma moção de confiança, é prática que pode ter inconvenientes. Neste sentido pedia aos Srs. Senadores Eusébio Leão e Sousa Júnior, que apresentaram moções de confiança, o favor de retirarem as suas moções. (Apoiados). O Govêrno, no deferimento dêste pedido, reconhecerá a confiança de que precisa. (Apoiados).

O Sr. Eusébio Leão: - Eu declarei duma maneira peremptória, e ninguém tinha absolutamente o direito de dar interpretação diferente às minhas palavras, que a minha moção era única e exclusivamente de confiança ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Mais nenhuma ideia houve fora dessa.

Mas desde que S. Exa. diz que tomará como expressão

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de confiança o facto de ser retirada a moção, não tenho dúvida nenhuma em retirá-la.

O Sr. Sousa Júnior: - Peço a V. Exa. consulte a Câmara sôbre se consente que retire tambêm a minha moção.

O Sr. Presidente: - Os Srs Senadores, que permitem que sejam retiradas ambas as moções, tenham a bondade de levantar-se.

A Câmara resolveu afirmativamente.

O Sr. Machado de Serpa: - Há dias noticiaram os jornais a partida do cruzador S. Gabriel para os Açores. Noticiaram até que o Sr. Ministro da Marinha comparecera a bordo e proferira uma alocução, a que respondera o comandante Sr. Carlos da Maia.

É a cousa mais natural a saída dum vaso de guerra para as Ilhas, mas como poucas vezes sucede isso, foi essa a razão por que tal facto suscitou reparos a muita gente.

Êsses reparos foram aumentando a ponto de se converterem em comentários tendenciosos, não só entre a colónia insulana em Lisboa, mas entre muitas outras pessoas.

O ilustre colega (indicando o Sr. Sousa Júnior) que acaba de chegar do Pôrto diz-me que êsses comentários tambêm são correntes naquela cidade e até disse que eram espalhados por elementos acanastrados. (Risos).

Eu já ouvi entre várias atoardas principalmente estas: que nos Açores a bandeira vermelha e verde foi arriada e substituída pela azul e branca; que em três localidades dos Açores uns carbonários de geração espontânea - porque me parece que era cousa que lá não havia - prenderam elementos monárquicos importantes pela sua antiga posição e peto seu nome honrado e digno; que a América do Norte, que com os Açores mantém relações comerciais derivadas da emigração que para ai: se faz, tem os olhos postos nos Açores.

Mais ainda: que o chefe das hostes couceiristas ia mandar seguir para os Açores quatro couraçados.

Eu, como representante dos Açores, posso firmar que, pelo que toca ao meu distrito, tudo isto são meras fantasias.

É verdade que os açorianos estejam revolucionados?

É mentira.

É verdade que a bandeira vermelha e verde tenha ali sido arriada e substituída pela azul e branca?

É mentira.

É verdade que a ordem pública naquelas Ilhas esteja alterada ao ponto do Govêrno ter de mandar para lá um navio de guerra?

É falso.

Tem o Govêrno alguns elementos que o levem á convicção de que uma esquadra fantástica se aproxima dos Açores?

Não tem.

É verdade que a América do Norte esteja como que namorando aquelas ilhas, a que o Sr. Nunes da Mata chamou as pérolas do Atlântico?

É mentira, porque o& açorianos acima de tudo são portugueses e actualmente republicanos.

Eu julgo que tudo isto é falso, que tudo isto são fantasias.

Em todo o caso acho conveniente que o Sr. Presidente do Conselho diga alguma coisa a êste respeito, se alguma razão superior a isso se não opuser.

É possível que as palavras que os Srs. Ministros da Marinha e das Colónias aqui pronunciaram há dias, sôbre a impossibilidade de mandar um vaso de guerra a Macau, Influíssem para que fossem espalhados êstes terrores; mas a verdade é que um cruzador pode estar em condições de partir para os Açores e não poder partir para Macau.

Felicito o Govêrno por ter satisfeito aos açorianos um desejo que já por vezes tenho manifestado, qual é o de algum navio do Estado visitar as águas do arquipélago açoriano, mostrando assim que a metrópole não esquece-as Ilhas adjacentes.

Espero que S. Exa., o Sr. Presidente do Conselho, me possa dizer alguma cousa sôbre os boatos a que me referi.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Requeiro a generalização do debate sôbre êste assunto.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente do Conselho (Augusto de Vasconcelos): - As perguntas do ilustre Senador Sr. Machado de Serpa, respondeu S. Exa. mesmo, e muito bem,, porque todos os boatos a que S. Exa. se referiu são radicalmente falsos.

Não há neles cousa alguma de verdade.

Por que foi o S. Gabriel aos Açores?

Há muito tempo que os Governos antecessores dêste desejavam prestar aos Açores um testemunho de simpatia, e ao mesmo tempo satisfazer desejos que tambêm lhe foram manifestados, a, fim de que pudesse ser estudado certo número de problemas de defesa nacional e alguns, outros, por pessoa competente e que de visu pudesse fazer os devidos estudos.

Aproveitou-se a ocasião para êsse facto, sem gravame para o Tesouro.

O comandante e o imediato são da mais acrisolada fez republicana e a ida ás ilhas dêsse vaso de guerra deve demonstrar, por parte do Govêrno, a simpatia e atenção que tem pelos povos e interesses do arquipélago açoreano.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente, eu concluo das palavras do Senador Sr. Machado de Serpam que êle estava completamente informado de qual é o motivo por que saiu para os Açores o S. Gabriel, e admiro-me por isso das suas perguntas.

Eu acho indispensável não deixar avolumar boatos, com os quais nada se ganha senão criar dificuldades para a República.

Êsses boatos são habilmente explorados por conspiradores e inimigos das instituições, do que resulta esta excitação e desconfiança que tão mal faz ao comércio e a todos em geral.

O suposto caso de ir uma armada monárquica aos Açores seria realmente grave, se pudesse dar-se. Portugal não está completamente republicanizado e nos Açores há ainda alguns distritos nos quais a entrada duma armada seria talvez coroada de bom êxito.

O distrito que represento é favorável às actuais instituições. Digo isto sem querer ofender nenhum outro distrito.

Há porém ainda nalgumas Ilhas do arquipélago elementos poderosos reaccionários, e tanto que nas últimas eleições ficaram vitoriosos no distrito de Angra, pelo menos moralmente.

Foi o partido clerical que votou contra o ministério Teixeira de Sousa. Foi o clero que mostrou que dispunha, no distrito de Angra, de elementos poderosos.

Mas, Sr. Presidente, eu insisto neste ponto, entendo que os Governos antecessores do actual não tiveram ou não souberam obter as informações precisas a tal respeito porque, se as tivessem, teriam talvez energicamente rebatido boatos tão disparatados, como êste, que contri-

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buem (e êste mais do que qualquer outro) para lançar a perturbação nos ânimos, embaraçar o comércio e prejudicar o bom crédito do país.

Estou convencido de que se tivesse havido a energia precisa e o bom senso necessário não se teriam avolumado boatos absurdos e não se teriam dado factos tão deploráveis, como alguns que temos presenciado.

Tenho dito.

O Sr. Faustino da Fonseca: - Não quero que continuemos a viver de ilusões. A situação geral é grave. A das Ilhas não é, portanto, boa. Reuniram-se ali muitos militares e funcionários monárquicos, como se as Ilhas fossem lugares de desterro. Êsses militares castigaram gravemente dois republicanos, o seu procedimento não foi sindicado e ficou impune. O povo nas Ilhas, posto de lado por êstes funcionários e pelos servos dos jesuítas, não intervém na vida política.

Esta situação política pode ter consequências graves.

Acho que a República não se defende capazmente.

Faz-se contra o regime a campanha sentimental por causa dos julgamentos; é preciso opor-lhe a publicação das sindicâncias, a continuação do rol dos adiantamentos, as cartas que se disse provavam a traição do rei.

Não se defende capazmente a República, deixando sem Ministros as legações de Viena, Berlim, S. Petersburgo, Roma, Rio de Janeiro e outras.

Estão em Lisboa ministros e cônsules, ausentes dos lugares onde eram precisos para se oporem à campanha relativa às nossas colónias.

S. Exa. não reviu as notas taquigráficas,

O Sr. Presidente do Conselho (Augusto de Vasconcelos): - O Sr. Senador Goulart de Medeiros fez judiciosas reflexões a propósito de boatos que às vezes se avolumam como bolas de neve que podem desaparecer ao primeiro balde de água que se lhes deite, mas que comtudo produzem uma certa inquietação no espírito público.

Isto fazia-se em tempo, agora já o público não acredita nestas fantasias de boatos.

Comtudo é realmente útil, quando a ocasião se oferece, lançar o balde de água necessário para arrostar os boatos.

No que diz respeito particularmente às ilhas, o Govêrno esperava a primeira oportunidade de mandar ali um navio e por isso mandou o S. Gabriel.

Eis a razão por que lá foi, e com isso todos os boatos desapareceram.

Com respeito ao que o Sr. Faustino da Fonseca disse, a minha missão de responder ás suas considerações é mais difícil. S. Exa., a propósito dos Açores, desenrolou como que uma fita de cinematógrafo, onde versou rapidamente muitas questões.

Eu não tenho dúvida em acompanhar S. Exa. em algumas considerações, combatendo-as.

S. Exa. mostrou-se um pouco incomodado porque para as ilhas tinham sido mandados funcionários monárquicos.

O que admira e que nas ilhas haja tantos monárquicos, e que não se tenha já ali formado uma monarquia, tanto inais que no dizer de S. Exa. se tem feito para lá uma grande exportação de oficiais monárquicos. - Isso o que prova e que o terreno nos Açores não é muito propício ao antigo regime, e que o tal meio monárquico nas ilhas é muito de duvidar.

Poderá ter havido um ou outro abuso, mas desde que seja chamada a atenção do Govêrno sôbre qualquer facto, o Govêrno não deixará de providenciar.

Referiu-se tambêm S. Exa. a um assunto que nada tem com as ilhas, mas que interessa ao país: a colocação dos Ministros nas legações.

Ora em todas elas estão funcionários que desempenham e compreendem a sua alta missão a contento do Govêrno.

Não é justo que se diga que êsses funcionários, que tem todas as atribuições de Ministros de Portugal, não sejam distintos, dignos de todas as atenções e procedendo como bons republicanos, exercendo os seus lugares com plena satisfação do Govêrno.

Não posso ouvir dizer que as nossas legações estão abandonadas.

O Sr. Faustino da Fonseca : -Mas porque não tem mandado para lá Ministros?

O Orador: - V. Exa. fez-me uma pergunta a que é difícil responder, mas digo-lhe que as legações não estão abandonadas.

O facto de se encontrar em Lisboa um ou outro Ministro não quer dizer que as legações estejam abandonadas, porque estão entregues a homens competentes e de toda a confiança do Govêrno.

O que preciso acentuar a S. Exa. é que o facto de haver um certo número de legações por preencher é, ás vezes, um problema que depende da solução doutros e de se darem circunstâncias que não está na alçada do Govêrno resolver de pronto.

Ainda não há uma semana teve a Procuradoria da República de resolver um problema do qual depende em parte a solução desta questão, que tanto interessa o ilustre Senador.

O provimento diplomático está dependente de muitas circunstâncias, mas S. Exa. compreende decerto o interesse que o Govêrno tem de aceder aos seus desejos e aos desejos do país, preenchendo as restantes legações.

E posso afirmar a S. Exa. que dentro de muito pouco tempo será completamente satisfeita a sua aspiração.

O Sr. Presidente: - O Sr. Senador Sousa Júnior pediu a palavra para um negócio urgente, que é a catástrofe do Pôrto.

Os Srs. Senadores, que concordam em se considerar êste assunto urgente, tenham a bondade de se levantar.

Foi reconhecida a urgência.

O Sr. Sousa Júnior: - Sr. Presidente: em primeiro lugar cumpre me agradecer ao Senado a fineza de ter concedido que eu usasse da palavra e, como fui testemunha de algumas das ocorrências de ontem na cidade do Pôrto, não devo deixar de prestar algumas informações daquela catástrofe ao Senado da República Portuguesa.

Sr. Presidente: de há muito tempo a esta parte pode parecer, a quem tenha seguido a vida portuense, que uma má sina persegue o Pôrto numa pavorosa encadeação de desastres.

A verdade é que essa cidade tem sido castigada duma maneira singular.

Teve o terrível desastre do incêndio do Teatro Baquet; depois, não há muitos anos, p desastre ocorrido numa sala pertencente ao Jornal de Notícias, onde ficaram esmagadas muitas pessoas; depois consecutivamente os desastres ocorridos com esmagamentos de pessoas pelos carros americanos, factos que são de molde a afligir a população da. cidade e de todo o país.

A catástrofe que ontem se deu no Pôrto é de molde naturalmente a chamar a atenção de todos os poderes públicos, porque foi uma ocorrência lutuosa e mesmo, sob o ponto de vista económico, merece a atenção de todos nós.

É claro que a parte sentimental desta catástrofe não deixa de ter importância, sobretudo para chamar a atenção para uma terra que me parece que era digna de melhor sorte.

Vou ler ao Senado algumas linhas do suplemento ao Jornal de Noticias de hoje, onde vem a descrição da ca-

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tástrofe feita por um passageiro dos carros que não caiu ao rio:

Leu.

V. Exas. vêem que o espectáculo devia ter sido tenebroso.

Eu, encontrando-me fora do centro da cidade e tendo sido avisado tarde, não tive ocasião de observar nenhum pormenor dêsse desastre, mas assisti ainda à remaria que o povo fez à casa mortuária do Hospital de Santo António.

Devo dizer que houve scenas lancinantes eo frente dos cadáveres, alguns dos quais mostravam o horror que havia sido essa catástrofe. Por mim, declaro que, apesar de haver observado os cadáveres mais variados, não assisti ainda a scena que mais me compungisse.

Disse eu, no principio, que parece que uma má sina pesava sôbre o Pôrto.

Evidentemente nós, que somos homens de princípios, sabemos que não há más sinas (Apoiados). Êsses desastres tem o seu condicionalismo bem patente.

O Pôrto tem sido sistematicamente desprezado pelos poderes constituídos.

A monarquia entendeu que, tendo-se ali vertido o sangue dos primeiros mártires da República, precisava de ser espesinhado e despresado o Pôrto, para o diminuir aos olhos de todo o país.

Daí resultou que a monarquia começou a negar à massa popular portuense aquela atenção e até respeito que lhe ligara em épocas idas e do mesmo passo estou - é o termo - uma casta daninha de políticos, sem escrúpulos, muito cheios de uma grandeza fictícia e muitos falsos de amor por aquela terra foram os chamados donos do Pôrto.

Isto fez com que todas as classes da capital do norte vivessem afastadas do progresso resultante do interesse pela política geral do país, ou então na dependência dos tais donos do Pôrto, que dispunham, a seu talante, da cidade. Escuso de me perder a citar exemplos para comprovar esta asserção. Êles são aos montes.

Podemos dizer que quási estava por fazer no Pôrto tudo quanto respeita a defesa da vida humana nos grandes agregados citadinos. O poder central ludibriava os doutos do Pôrto e êstes transigiam com êle, só para manterem o seu prestígio junto da realeza e dos chefes partidários.

O mal do povo não Lhes importava. Assim, a assistência pode dizer-se que no Pôrto nenhum cuidado mereceu aos Governos monárquicos, e, pelo que se refere à defesa sanitária, é olhar para o que dizem as cifras da mortalidade no Pôrto.

Em Lisboa há uma mortalidade de 25 a 26 por mil; no Pôrto a mortalidade tem-se mantido sempre à beira de 30 por mil, havendo nas anos, em 1900 e 1910, em que ela atinge a cifra incrível de 35 por mil! São exemplos frisantes da incúria dos Govêrnos e da falta de interesse da população pelo progresso.

Portanto, o que é preciso é realmente conceder ao Pôrto o que êle necessita para se integrar nesse progresso. Com a nova organização administrativa e forçoso dar-lhe poderes para conseguir desenvolver a sua iniciativa, porque dentro da República poderá tê-la, estou crente nisso. Lisboa, alêm disso, tem-se desenvolvido extraordinariamente com sacrifício do resto do país e especialmente da capital tio norte. É um êrro económico. O desenvolvimento do Pôrto não pode senão contribuir para o desenvolvimento geral da nacionalidade. (Apoiadas).

Isto é axiomático. Não exige demonstração.

Faço estas observações a propósito do desastre produzido por uma falta da Companhia dos eléctricos e porque é preciso que se saiba que esta Companhia é ainda hoje, dentro da República, um como que potentado cem a mesma orientação, sensivelmente, que tiveram outros potentados portuenses. Nela predomina, estou disso convencido, o mesmo espírito dos donos do Pôrto, o mesmo desprêso pelo povo, pelos seus interesses, pelo seu bem-estar, pela sua vida emfim.

Eu ouvi dizer ainda ontem a um industrial, aliás pessoa de muita consideração no Pôrto, que achava muito bem feito que a Companhia tivesse despedido parte do seu pessoal; porque êste havia sido dumas tais exigências que seria vexatório transigir com elas. E a velha história. Ora não há vexame em transigir com uma classe mal paga. Pude ser que a Companhia tivesse alguma razão em despedir êsse pessoal; e note se que eu não falo assim pelo que ouvi a êsse industrial a que acabo de me referir, mas porque entre êsses empregados alguns havia que tinham sido comprados para restaurar a monarquia no complot de 28 de Setembro. Mas a Companhia devia ter sido cautelosa na substituição dêsse pessoal, ou pelo menos devia ter feito o que fez por ocasião da greve, admitindo, com autorização do Ministério da Guerra, soldados de engenharia que facilmente se industriaram.

A verdade é, pois, que os desastres ocorridos ultimamente no Pôrto, alêm de dependerem, em parte, do facto de estar muito estragado o material, dependem, principalmente, da falta de competência do pessoal. Há dias, num desastre que ali houve, o guarda freio fugiu, em vez de evitar de alguma maneira que o desastre fôsse maior. Ontem sucedeu a mesma cousa: O guarda-freio, em vez de travar o carro devidamente, andou com o manipulador em sentido contrário, fazendo-o adquirir uma velocidade extraordinária.

Estou informado de que o Govêrno já hoje aqui prometer, providenciar sôbre o assunto, mandando abrir um inquérito a propósito desta questão.

Ora, eu devo dizer que o Sr. governador civil do Pôrto, apesar de só hoje dever tomar posse do seu cargo, tem sido duma solicitude invulgar e digna de todos os encómios, segundo o que vejo nos jornais.

S. Exa. compareceu imediatamente no local do desastre, passando a noite no governo civil a estudar as leis que se prendem com o assunto.

É necessário, pois, que o Govêrno dê toda a fôrça e apoio a êste funcionário, de maneira que êle possa resolver as dificuldades que se levantarem, e que as leis, sôbre êste caso, sejam estritamente cumpridas.

Eu creio, Sr. Presidente, que a Companhia alguma cousa será obrigada a fazer com respeito a indemnizações; isso, porém, é da competência dos tribunais. Trata-se comtudo duma catástrofe que enlutou uma cidade inteira, e, por isso, o Govêrno alguma cousa deverá fazer para que os diversos funcionários de justiça, sob a sua dependência, saibam cumprir os seus deveres.

Um outro ponto ainda.

E o que diz respeito a louvores. Não só o povo desconhecido, os heróis que aparecem sempre nestas ocasiões, se manifestaram mais uma vez, mas apareceram mesmo pessoas de graduação a trabalhar no salvamento das vítimas. Uma delas, o Sr. Wall, um súbdito inglês, proprietário da fábrica de louca de Monchique, logo que viu despenharem-se os carros no rio, lançou-se à água e, juntamente com um empregado, salvou nada menos de 15 pessoas.

É preciso, pois, que o Govêrno seja justo, quer com êstes heróicos cidadãos, quer com todos os outros, e que o inquérito, feito rapidamente, dê tambêm lugar a que rapidamente se recompensem todos aqueles que foram heróis neste tremendo lance.

Digam-me V. Exas., Srs. Senadores, se, sendo verdade o que se diz a respeito do Sr. Wall, êle não merecia que no seu peito assentasse a Torre e Espada...

Vozes: - Não há. Já não há.

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O Orador: - Bem sei, mas dê-se-lhe uma outra recompensa, a melhor que nós possamos dar-lhe, já que não podemos pagar-lhe o seu altruísmo.

Uma outra nota triste.

Emquanto o Sr. Wall praticava tam alto serviço, como êste de salvar 15 pessoas, roubavam-lhe o relógio e o casaco. Um português, o que é triste dizer-se, pagava assim ao herói estrangeiro que salvava portugueses...

Uma voz: - Podia ter sido um estrangeiro.

O Orador: - Podia, certamente. Mas há muitos larápios portuenses ou lá residentes; ainda outro dia â saída do tribunal militar, quando dali saía com Afonso Costa, me roubaram o relógio...

Eu chamo a atenção do Govêrno para êste facto, embora eu saiba que não se pode obviar a êle de pronto, e por completo, porque só com a difusão da instrução se conseguirá incutir nas massas populares a noção de que só o trabalho dignifica o homem; mas a verdade é que o Pôrto está inçado dêstes miseráveis gatunos, e é preciso adoptar medidas rápidas de modo que as pessoas que vão àquela cidade não se possam queixar de que ela é uma terra invisitável.

Postas estas considerações, eu confio em que o Govêrno há-de empregar as suas diligências para fazer o mais que em suas fôrças caiba neste assunto.

Para terminar, devo dizer que, embora não seja Deputado pelo Pôrto e embora mesmo não seja natural daquela heróica terra, nela vivo há quási 20 anos, e nela me fiz homem, podendo por isso agradecer, em seu nome, em nome da laboriosa e honrada população da cidade do Pôrto, que agora sofreu mais um rude golpe, o voto que V. Exa., Sr Presidente, propôs ao Senado, que fôsse enviado à Câmara do Pôrto, em telegrama.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Augusto de Vasconcelos): - Eu devo afirmar ao Sr. Senador Sousa Júnior, meu particular amigo, que o Govêrno tem a menor solicitude para com os interesses da cidade do Pôrto.

Já o Govêrno passado se ocupou dos interesses daquela cidade, e, já neste Governa se tratou dos mesmos interesses em Conselho de Ministros.

O então governador civil do Pôrto apresentou uma exposição dos trabalhos que era necessário fazer-se, e das ré formas a adoptar.

Nessa ocasião foi encarregado de ir ao Pôrto um dos Ministros para estudar de visu os principais melhoramentos, e assim se fez, como a Câmara se há-de lembrar, sendo ali muito bem recebido êsse Ministro, que é hoje e das Finanças.

O actual Govêrno tem a máxima confiança em que o governador civil recentemente nomeado há de continuai obra do seu antecessor e informar com a maior solicitude o Govêrno, que por sua parte muito deseja atender os interesses da cidade do Pôrto, como já o Ministério anterior tinha em vista.

O Govêrno está decidido a não abusar de grandes ré formas, de grandes melhoramentos para ficarem no papel.

Nós queremos que se faça alguma cousa útil e prática (Apoiados).

Pode V. Exa. ter a certeza de que o Govêrno há-de estudar os assuntos relativos ao Pôrto e procurar dar-lhes lima forma prática e duradoura, muito especialmente no que se refere ao porto de Leixões.

Quanto ao desastre ocorrido ontem, V. Exa. compreende que alguns dos alvitres apresentados pertencem unicamente ás autoridades judiciais.

Todavia o Govêrno, naquilo que lhe respeita, não deixará de proceder de maneira a ser agradável à cidade do Pôrto.

O Sr. Sousa Júnior: - Quero apenas dizer duas palavras.

Eu desejo significar ao Sr. Presidente do Ministério que não houve nas minhas palavras qualquer cousa de menos agradável para o Govêrno actual ou para o Govêrno Provisório.

O Sr. Presidente do. Conselho (Augusto de Vasconcelos): - Bem sei.

O Orador: - Eu sei bem que nem êste Govêrno nem os que o antecederam tem a menor responsabilidade no espírito de submissão a que está ainda sujeita uma parte da população do Pôrto, e creio bem que essa submissão se ha-de perder inteiramente.

O Sr. Presidente do Conselho (Augusto de Vasconcelos): - Há-de perder-se, com certeza.

O Orador: - Estou perfeitamente convencido. Nada mais tenho a dizer.

O Sr. Silva Cunha: - Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, consulte a Câmara sôbre se permite a generalização do debate.

A Câmara resolveu afirmativamente.

O Sr. Silva Cunha: - Sr. Presidente: não me encontrava nesta sala quando V. Exa. se referiu à catástrofe que enlutou a cidade do Pôrto.

Agradeço agora como representante daquela cidade a V. Exa. e ao Sr. Presidente do Conselho, assim como aos Dignissimos Senadores, as palavras de sentimento a propósito do desastre ocorrido ontem no Pôrto, e mal poderia supor ao referir-me há poucos dias nesta Casa às infelicidades que tem atingido o Pôrto, que tam rapidamente se lhe juntasse mais uma. Folgo porem de ver que o Sr. Sousa Júnior, por quem tenho a máxima consideração, fizesse inteira justiça àquela cidade, que há longo tempo vinha sendo calcada aos pés.

Durante a vigência da monarquia e na República, pelo menos até agora, nem uma só medida se tomou que satisfizesse as reclamações do Pôrto, e já que o digníssimo Senador Sr. Sousa Júnior se referiu ao caso do furto a um dos salvadores daqueles que iam sendo vítimas da catástrofe, eu chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior para o seguinte facto: a polícia do Pôrto de há muito carece de profunda remodelação. É diminuta em número, pois só possue 600 agentes, ao passo que a de Lisboa, com 2:000 agentes, polícia área bem pouco maior; e aqueles 600 agentes não tem apenas o serviço de ruas, mas o das esquadras, governador civil, etc.;

500 polícias, Sr. Presidente, de modo algum podem corresponder ás necessidades de um bom policiamento, e por isso se torna urgente a reforma dos serviços policiais para que não vejamos repetirem se factos como o apontado pelo Sr. Sousa Júnior.

Permita V. Exa. que eu lhe fale com esta rudeza, própria de um portuense que alia a ela a mais perfeita lialdade e sinceridade: nós não precisamos que os Ministros visitem o Pôrto como satisfação às suas reclamações; se os Ministros lá forem serão amavelmente recebidos, mas essa visita não é absolutamente precisa para que as reclamações da cidade sejam satisfeitas, e a cidade mais carece de factos que de boas palavras e amáveis visitas.

Há mais de cincoenta anos que as câmaras municipais e associações comerciais se dirigem às repartições do Terreiro do Paço, apresentando as suas reclamações: pois não puderam ainda obter cousa alguma, embora o Pôrto não; queira sacrificar o Tesouro público. O que o Pôrto hoje quer é que o considerem como fa-

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zendo parte integral da República Portuguesa, libertando-o da opressiva tutela.

Quer que se lhe concedam uma lei de expropriação por zonas e os rendimentos que lhe tem sido sonegados, quer que o deixem trabalhar livremente porque nós, os portuenses, havemos de conseguir fazer uma cidade moderna somente com os próprios recursos, sem recorrermos ao sacrifício do país.

Tenho, Sr. Presidente, uma lista de decretos que foram publicados pelo Govêrno Provisório da República, pois de todos êles um só foi redigido com propósitos de servir o Pôrto - é o decreto que organiza ajunta autónoma da cidade.

Êsse mesmo, Sr. Presidente, deve-se a reiteradas instâncias do então governador civil do distrito, Sr. Dr. Paulo Falcão, pelo qual tenho a mais elevada consideração, embora nem sempre concordasse com os seus actos, como em princípio igualmente não concordei como mesmo decreto.

Êle devia ser ao menos completado por outro que concedesse o direito a realizar expropriações, porque a junta autónoma pode unicamente cuidar dos melhoramentos da barra e da margem ribeirinha que não pertence ao concelho de Gaia, embora de momento pouco mais possa fazer que tomar providências de ocasião. Podendo dispor de alguns recursos, não pode aplicá-los na realização de melhoramentos, não pode dispor deles proveitosamente, porque lhe falta a lei, a lei de expropriações que a habilite a arrazar bairros, como o do Barredo e a construir outros. Não pretendo, Sr. Presidente, cansar mais a atenção da Câmara fazendo outras reflexões sôbre o assunto, mas termino dizendo que se alguma consideração merece a cidade do Pôrto, se lhe dê o que do Pôrto é, e exclusivamente lhe pertence.

O Sr. Presidente do Conselho (Augusto de Vasconcelos): - O ilustre Senador da cidade do Pôrto Sr. Silva Cunha, em frase um tanto rude, disse que o Pôrto não precisava de visitas dos Ministros.

O Sr. Silva Cunha: - O Pôrto estima muito as visitas dos Srs. Ministros, mas não quer que se repita o facto de não cumprirem as suas promessas, como no tempo da monarquia.

O Orador: - Mas não se pode comparar o que se fazia no tempo da monarquia com o que se faz agora.

O Ministro que fui ao Pôrto foi a convite daquela cidade, foi para ver todas as obras que eram necessárias e aquelas que imediatamente se deviam realizar.

Por conseguinte a sua visita não foi como as do tempo da monarquia.

Foi uma visita para apreciar trabalhos que o Ministro submeteu â apreciação do Conselho, e se não chegou a apresentá-los à Câmara, foi porque êsse Ministro saiu, mas o novo Govêrno, continuando os intuitos do seu antecessor, não esquece, nem podia esquecer, as reclamações da cidade do Pôrto.

Referiu-se S. Exa. à policia daquela cidade.

Êste assunto vai ser tratado pelo novo Governador Civil, que há-de introduzir nessa corporação de segurança pública as necessárias reformas no sentido de lhe dar a eficácia bastante para proteger essa laboriosa população.

Ainda diz S. Exa. que nem um decreto durante o Govêrno Provisório foi publicado em beneficio da cidade do Pôrto, e eu preciso dizer a S. Exa. que o Govêrno Provisório procurou, principalmente, beneficiar todo o país, fazendo uma legislação de restauração nacional.

O Sr. Silva Cunha: - A cidade de Lisboa teve a diminuição do imposto de consumo que a beneficiou, e a cidade do Pôrto teve o bom senso de não exigir o mesmo, por conhecer que nesse momento a diminuição do imposto de consumo nada aproveitava ao povo consumidor e só prejudicava o rendimento da Câmara Municipal.

O Orador: - Eu não estou encarregado de responder em nome do Govêrno Provisório, mas o que posso afirmar é que se êle não decretou a isenção do imposto do consumo para a cidade do Pôrto foi porque as circunstâncias não permitiram tornar essa isenção extensiva àquela cidade.

Começou-se por alguma cousa, talvez por onde as exigências eram mais instantes, o que não quer dizer que, na primeira ocasião, essa medida se não estendesse tambêm ao Pôrto.

Não entro na apreciação da junta autónoma dos melhoramentos do Pôrto, porque isso foi feito por indicações que vieram de lá.

Se essas indicações não satisfizeram, tem V. Exa. um pouco a culpa, e então o Pôrto virá dizer, na ocasião oportuna, quais as modificações a introduzir nessa comissão e as modificações que o Pôrto reclama serão introduzidas depois que a prática mostrar que há necessidade delas.

Mas parece-me que, desde que aquela Junta tenha condições para poder funcionar desafogadamente, os serviços que da sua actividade provirão muito hão-de beneficiar a cidade do Pôrto.

O Sr. Sousa da Câmara (por parte da comissão de fomento): - Participo a V. Exa. e ao Senado que se acha constituída a comissão de fomento, tendo escolhido para seu Presidente o Sr. Cristóvão Moniz e a mim para Secretário.

Leu-se na mesa:

"Participo que se acha constituída a comissão de fomento, tendo escolhido para presidente o Sr. Cristóvão Moniz e para secretário Sousa, da Câmara.

Lisboa, 11 de Dezembro de 1911. = Manuel Sousa da Câmara.

O Sr. Peres Rodrigues: - Participo achar-se constituída a comissão de finanças, que escolheu para Presidente o Sr. José Maria Pereira e me nomeou secretário.

Leu-se na mesa:

"Constituição da comissão de finanças: presidente, José Maria Pereira; secretário, Sebastião Peres Rodrigues".

O Sr. Bernardino Machado: - Pedi a palavra porque o Senador Sr. Silva Cunha, no interesse louvável de pugnar pelo Pôrto, se referiu a actos do Govêrno Provisório relativamente àquela cidade.

O Sr. Presidente do Conselho já deu a resposta principal, e eu devo apenas acrescentar algumas palavras.

As providências do Govêrno Provisório eram providências para todo o país; em todo o caso, especialmente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, tomaram-se providências da maior importância para a segunda cidade.

Nos modus vivendi, rias convenções comerciais, que o Govêrno Provisório realizou com as nações estrangeiras, a Franca, a Itália, e a Áustria, foram sobretudo considerados os nossos vinhos, o que quer dizer que se ligou a maior importância á exportação dêste artigo, que é, incontestavelmente, uma grande riqueza de todo o país, mas especialmente do norte e da cidade do Pôrto.

Devo ainda acrescentar que entabolei negociações para um tratado com a Inglaterra, negociações que estavam adiantadas e hão decerto ser encaminhadas pelo actual Ministro até se alcançar um completo êxito.

Êsse tratado, quando se realizar, trará a maior vantagem à exportação de vinhos do Pôrto, assegurando essa

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exportação, do que estão convencidos os negociantes do Pôrto, que nesse sentido fizeram a sua representação.

Aqui está como o Govêrno Provisório pensou muito especialmente nos interesses do Pôrto, e devo acrescentar que, desde a primeira hora, ao Governador Civil que nos acompanhou, que foi nosso dedicado colaborador, o Sr. Paulo Falcão, que com o maior desvelo se ocupou dos melhoramentos da cidade do Pôrto, pode ainda prestar serviços muito importantes, especialmente para se prepararem os estudos necessários à transformação do simples porto de abrigo de Leixões em porto comercial.

Aqui tem V. Exa. o que se fez.

O Govêrno Provisório não pode fazer tudo, mas fez tudo quanto pôde, dentro das suas fôrças e no limite do tempo em que a sua acção coube.

De resto, Sr. Presidente, acho que esta questão, como todas as que dizem respeito a melhoramentos de outra localidades do país, é uma questão da maior monta, sem dúvida, mas que se prende com a questão da reforma administrativa que é urgente fazer-se.

Para que havemos de estar a falar em melhoramentos do Pôrto ou de quaisquer outras localidades, quando estamos convencidos de que o que o Pôrto precisa, como outras povoações, é da sua autonomia, para assim encontrar em si os recursos necessários para realizar êsses melhoramentos?

O que é necessário, é convencermo-nos de que até êste momento não fizemos a República senão na Capital, não a fizemos na província, e, desde que a tenhamos feita em todas as localidades do país, elas hão-de prosperar, aproveitando os seus próprios recursos e engrandecendo economicamente toda a nação.

E é preciso que isso se faça, porque nós, republicanos, muitas vezes censurámos a monarquia por não atender às justas revindicações locais.

Não é só o Sr. Presidente do Concelho, com a autoridade do seu cargo, somos nós todos que estamos dicididos a prestar à cidade do Pôrto o apoio de que ela carece.

Aqui tem V. Exa. a resposta que se deve dar a todos os representantes das províncias, que estão reclamando melhoramentos.

É preciso, primeiro que tudo, fazer-se a reforma administrativa.

E aqui está a resposta que eu por parte do Govêrno Provisório dou ao Senador Sr. Silva Cunha.

Êsse Govêrno nunca esqueceu interesses nenhuns. Teve sempre os seus ouvidos atentos para todas as reclamações.

O Sr. Sousa Júnior: - Sr. Presidente: eu poucos minutos tomarei ao Senado.

Uso da palavra nesta altura com o fim principal de mostrar a minha discordância da opinião do Sr. Silva Cunha.

Eu assisti à elaboração do decreto que criou ajunta autónoma do Pôrto.

Já o ilustre Senador Bernardino Machado se referiu à personalidade eminente que o trouxe à sanção do Govêrno Provisório.

S. Exa. prestou homenagem ao Sr. Paulo Falcão e foi justo, assim como é muito bom que fique consignado nos anais desta casa do Congresso da República o nosso respeito pela obra do primeiro governador civil republicano da cidade do Pôrto.

Fui testemunha da solicitude e dedicação com que Paulo Falcão procedeu, desde os primeiros dias da proclamação da República Portuguesa.

Quanto ajunta autónoma o Sr. Silva Cunha há-de permitir que lhe diga que S. Exa., sendo um bairrista, como disse, não me parece que esteja de qualquer modo autorizado a condenar essa junta ou a amesquinhar o seu papel.

Interrupção do Sr. Silva Cunha que não se ouviu.

O facto é êste.

O Sr. Silva Cunha entende que as juntas autónomas cerceiam as atribuições das câmaras municipais.

Eu sustento que as juntas autónomas, nomeadamente nos portos marítimos ou fluviais, devem existir porque aliviam as câmaras municipais de um pezado encargo e, com a sua especialização de serviços, podem produzir trabalho assas útil e rápido.

Há outros elementos pelos quais se prova que a junta autónoma do Pôrto pode fazer muito.

Ela já delineou um programa de serviços prometedor, a ela se deve tambêm a ideia de adquirir uma draga formidável e um perfurador de rochas.

Aproveito o ensejo para dizer que, segundo me consta, os Deputados pelo Pôrto terão ocasião de apresentar um projecto de lei para que o Govêrno possa conceder a isenção de direitos pela entrada dêsses poderosos elementos de progresso para a barra e rio Douro.

S. Exa. disse que as juntas eram um elemento perturbador e invasor das atribuições do município.

O Sr. Silva Cunha (interrompendo): - Eu não disse isso.

O Orador: - O que nós precisamos é melhorar ajunta quanto possível para que contribua para o desenvolvimento do Pôrto, e para trazer o desenvolvimento de toda a nação.

S. Exa. referindo-se ao imposto de consumo, disse que realmente o Pôrto tinha sido esquecido.

Se na verdade me tivesse recordado há pouco na minha resposta ao Sr. Presidente do Ministério, dêsse facto, tê-lo-hia salientado tambêm.

Quis-me parecer que o Sr. Presidente do Ministério julga que a abolição dos impostos de consumo era mais urgente em Lisboa que no Pôrto.

Quanto a mim isso é um êrro.

Devemos dizer que, realmente, a vida em Lisboa é mais cara.

Os géneros de primeira necessidade em Lisooa são um pouco mais caros: mas a verdade tambêm é que os ordenados em Lisboa são maiores.

Um exemplo, que é o que melhor conheço: os funcionários de saúde são muito mais bem pagos; assim o director do Instituto Câmara Pestana, de Lisboa, ganha réis 1:200$000; o funcionário correspondente no Pôrto ganha 780$000 réis.

Os sub-delegados de saúde ganham em Lisboa 900$000 réis; no Pôrto só percebem 600$000 réis. E assim por diante.

Isso dá-se mesmo nas classes trabalhadoras. Há operários que em Lisboa ganham seis, oito ou dez tostões.

Isto no Pôrto é raro.

Talvez portanto tivesse sido mais justo que o imposto de consumo tivesse sido abolido parte em Lisboa e parte no Pôrto.

Assim com esta solução ter-se hiam attendido as reclamações do Pôrto e de Lisboa.

Mas ninguém veja nestas palavras uma censura ao Govêrno Provisório, cuja obra de resto não está em discussão.

Eu quis somente significar que êste problema poderia ter sido solucionado com algumas vantagens para o Pôrto.

O Sr. Silva Cunha: - Eu não voltaria ao assunto se não tivesse necessidade de o fazer em virtude de dois pontos capitais: o de poder ficar de pé a suspeita de eu ter sido desagradável para alguém, e muito particularmente para o Sr. Dr. Paulo Falcão, ex-governador civil do Pôrto, em quem reconheço não só um grande talento mas, ainda mais, um grande carácter; e a questão dá Junta autónoma do Pôrto.

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O Sr. Dr. Paulo Falcão é filho dum homem que eu muito estimei pelo sem finíssimo carácter e com o qual aprendi a trabalhar nos inícios da minha vida republicaria, e se a seu pai pode ser comparado na honradez, no carácter, deve merecer todos os elogios da cidade do Pôrto, pois que os benefícios feitos pelo Govêrno Provisório àquela cidade devem se à acção e reclamações persistentes realizadas por tão ilustre cidadão.

Não quero, pois, que no espírito dos Srs. Senadores possa ficar qualquer palavra que signifique desagrado meu pelo Sr. Dr. Paulo Feição, ou mesmo por qualquer dos membros do Govêrno Provisório, com muitos dos quais mantive e mantenho ainda as melhores relações.

Quanto â Junta autónoma, Sr. Presidente, desejo tambêm que as minhas palavras sejam esclarecidas.

Estrénuo defensor das regalias municipais, eu entendo que a Junta autónoma não devia ter competência para tratar dos melhoramentos da cidade, melhoramentos de que só a Câmara devia cuidar; ela devia limitar-se a cuidar das obras da barra.

Esta Junta nem mesmo pode, segundo me parece, ter agora a competência que pretendem atribuir-lhe em virtude do decreto de 7 de Fevereiro de 1911; votada a Constituição que fixa as liberdades municipais, a junta não pode lesar a autonomia do município nem ter definidas as suas atribuições sem que seja votado o Código Administrativo.

Acresce que tambêm não pode realizar os melhoramentos de que a cidade carece, pois que, como já disse, não tem recursos para isso.

Neste ponto, S. Exa. não pode deixar de concordar comigo.

Eu não quero agora fazer referências aos actos do Govêrno Provisório; refiro-me apenas a êste decrete para chamar a atenção do Sr. Ministro no propósito de obter que S. Exa., pela sua pasta, concorra para modificar a triste situação da cidade do Pôrto.

E, para terminar, vou simplesmente ler, sem lhe fazer comentários, num jornal de feição retintamente democrática, quantos decretes publicou o Govêrno Provisório sem que o Pôrto alguma cousa aproveitasse com êles:

Redução da contribuição de renda de casas (decreto com fôrça de lei de 4 de Maio de 1911).

Reforma do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que foi desdobrado em Instituto Superior de Comércio e Instituto Superior Técnico (decreto com fôrça de lei de 23 de Maio de 1911).

Escola Prática de Pomicultura, Horticultura e Jardinagem em Queluz (decreto com torça de lei de 3 de Abril e regulamento de 16 de Maio de 1911).

Abolição do imposto do consumo sôbre vários artigos da pauta (decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910).

Escola de Educação Física junto à Universidade de Lisboa (neste ponto tambêm é servida Coimbra) decreto com fôrça de lei de 26 de Maio de 1911).

Escola da Arte de Representar (decreto coai forca de lei de 22 de Maio de 1911).

Reforma da Polícia Cívica de Lisboa, com melhoria de vencimentos (decreto com fôrça de lei de 29 de Maio de 1911).

Reforma das Escolas de Selas Artes.-A de Lisboa ficou em condições muito melhores que a do Pôrto, quer em cursos e sua organização, quer em vencimentos. (Decreto com fôrça de lei de 26 de Março de 1911).

Reforma da Assistência Pública.-Entre outras disposições, são a Lisboa descindias, 50 por cento do fundo da Assistência são atribuídos à capital, mão obstante mandar repatriar às terras da sua naturalidade os que não forem naturais de Lisboa ou aqui não residam há mais de dois anos. (Decreto com força de lei de 25 de Maio de 1911).

A reforma do ensino superior (decreto de Maio de 1911) em que para o Pôrto não há Faculdade de Letras, Faculdade de Direito, Faculdade de Agronomia, Faculdade de Sciências Económicas e Políticas, Escola Normal Superior e Escola de Medicina e Veterinária.

Lei do inquilinato para Lisboa.

Não faço considerações, como já disse, porque não quero que me julguem no propósito de fazer bairrismo, quando só desejo que os benefícios da República sejam equitativamente distribuídos por todo o país.

Agradeço ao Sr. Presidente o haver-me concedido a palavra mais uma vez, e, tanto ao Senado como a V. Exa. e ao Sr. Ministro do" Estrangeiros, a homenagem que prestaram ao Pôrto e o desejo de contribuírem para o bem da mesma cidade, esperando que êsses desejos se tornem em factos para nessa ocasião renovar os meus agradecimentos.

O Sr. Nunes da Mata: - Pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, por cuja pasta corre a publicação dum folheto com a explicação da nova hera oficial.

E preciso que quando chegar o mês de Janeiro o público esteja bem inteirado e conhecedor do que é e porque é esta mudança de horas.

Tenho recebido muitos pedidos de folhetos, que não posso satisfazer porque os não tenho.

Eu mandava-os fazer por minha conta, mas não seria, curial, em primeiro lugar porque sou pobre ou mal remediado, e mesmo ainda porque não faltaria quem aproveitasse êste incidente para atirar insinuações sôbre o meu modesto mas honrado nome.

Como está presente o Sr. Ministro, eu pedia-lhe que mandasse publicar êsse folheto, pois de contrário é mais uma razão para os mal intencionados se exercitarem a atirar pedras contra a República, dizendo despropósitos centra a mudança para a nova hora internacional e clamando impropérios contra a confusão resultante, etc.

Na Imprensa Nacional disseram me que uns 10:000 exemplares poderiam custar uns 300$000 réis; não é muito, e os folhetos que sobejassem poderiam vender-se a 50 réis.

O Sr. Presidente do Conselho (Augusto de Vasconcelos): - Eu já tinha dito ao Sr. Senador Nunes da Mata que podia contar com a minha boa vontade, relativamente ao assunto a que S. Exa. se referiu, porque é preciso que êle tenha a devida propaganda.

Nesta, porém, ver se nós podemos arranjar a verba necessária. Suponho que sim; em todo o caso ou estudarei a questão afim de que sejam satisfeitas o mais breve possível as justas reclamações do Sr. Nunes da Mata.

O Sr. Bernardino Machado: - Sr. Presidente: o Govêrno Provisório nunca teve o intuito de olhar menos aos interssses da cidade do Pôrto do que olhou aos de Lisboa.

O conflito entre a capital e a província, o conflito entre o Pôrto e Lisboa, era alimentado pela monarquia.

Fui sempre da opinião que nos devíamos unir todos para tratar dos interesses do país.

Lembro me de que uma vez, tendo a Câmara Municipal do Pôrto formulado uma relação dos melhoramentos que necessitavam, eu resumi essa fórmula, levei-a a Conselho de Ministros, e tanto eu como os meus colegas nos interessámos a valer por que êsses pedidos fossem atendidos.

É preciso que se restabeleça a ordem e harmonia social.

A monarquia pensou sempre em fazer a centralização em Lisboa, enfraquecendo a vida na província, porque esperava aqui abafar qualquer insurreição.

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SESSÃO N.° 6 DE 11 DE DEZEMBRO DE 1961 17

Felizmente enganou se, e nós, que temos hoje o Estado Republicano, havemos dentro em pouco fazer o inverso do que fazia a monarquia: havemos de repartir a vida nacional por todo o país.

O Sr. Nunes da Mata:-agradeço as explicações dadas pelo Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente: - A hora vai muito adiantada e, por isso, eu vou dar a palavra aos Senhores Senadores que a pediram para antes de se encerrar a sessão.

Tem a palavra o Sr. Miranda do Vale.

O Sr. Miranda do Vale : - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para agradecer ao Sr. Ministro do Fomento a amabilidade da sua resposta.

Disse S. Exa., e com muitíssima razão, que o Govêrno em Lisboa, no Pôrto e na província não fazia todas as obras que teria necessidade de fazer, porque lhe faltavam recursos materiais.

Infelizmente assim é.

Disse tambêm S. Exa. que se eu me contentasse com a nomeação da comissão, o meu desejo seria imediatamente satisfeito.

Sr. Presidente: é bom que não se imagine que eu, pelo facto de pedir a nomeação da comissão, manifesto um desejo puramente platónico.

É que antes de mais nada é preciso estudar competentemente êste assunto, porque há vários sistemas de esgotos.

O sistema adoptado em Lisboa está condenado por alguns técnicos. Dizem que o sistema, adoptado nas cidades à beira mar, tem o perigo de contribuir para o desenvolvimento das doenças infeciosas, principalmente a peste e a cólera.

Parece que se julga conveniente uma canalização de menor diâmetro, destinada aos esgotos, e uma outra para as águas pluviais.

Os - canos, nas ruas principais, são visitáveis, isto é, tem altura bastante para neles entrar um homem, fazer a limpeza, e o morticínio dos ratos.

Nas ruas de menor importância, o diâmetro dos canos é mais reduzido, isto é, participa dos inconvenientes dos dois processos. Não são visitáveis, e neles podem desafogadamente os ratos fazer os seus ninhos.

Parece-me, pois, que é conveniente a nomeação duma comissão, que estude o assunto, e que diga o que mais convêm á cidade, em matéria de canalização para os esgotos.

A Câmara Municipal não dispõe de condições que lhe permitam êsse estudo e, portanto, eu contento-me com a comissão, e ela que estude o assunto e elucide os administradores da cidade.

Com respeito ás águas, necessário é tambêm que se estude a questão de forma a impedir que a Câmara Municipal se veja desfalcada todos os anos em quantias importantes.

Se for preciso, e possível, rescinda-se o contracto com a Companhia das Aguas.

Nesse contracto existe uma clausula que permite o resgate da concessão, em determinadas condições-

A própria companhia já declarou que, se lhe oferecessem vantagens, iguais às que lhe resultam do contracto, nenhuma dúvida tem em aceitar o resgate.

É tambêm êste um assunto que uma comissão pode estudar, e como o Sr. Ministro do Fomento se prontificou a nomeá-la, eu dou-me por satisfeito.

Tenho dito.

O Sr. Sousa Júnior: - O Sr. Faustino da Fonseca referiu-se aos Açores, por forma a deixar ao Senado a impressão, segundo me parece, de que, naquelas terras, a República não pode contar com uma defesa profícua, por parte dos seus habitantes.

Ora eu posso afirmar ao Senado que as impressões de S. Exa. não são verdadeiras.

Pelo que respeita ao distrito de Angra, onde estive em 1908 e 1909, devo dizer ao Senado que existe ali um núcleo de liberais que travaram, ainda no tempo da monarquia, uma campanha intensa contra o clericalismo, campanha que produziu grandes vantagens.

Publicava-se um jornal, intitulado O Tempo, que se defrontou briosamente com os elementos reacionários.

Essa campanha foi tão profícua, que as próprias autoridades, monárquicas foram obrigadas a expulsar as irmãs da caridade.

Há um documento que fica para a história, e que diz respeito a essa expulsa. Todos nós sabemos que o Govêrno do Sr. Teixeira de Sousa se apresentou com o rótulo ou máscara de governo liberal.

Pois muito bem. A autoridade superior do distrito de Angra expulsou as irmãs da caridade, contra a determinação expressa do Sr. Teixeira de Sousa. Êste ministro, cujos adeptos em Angra se haviam comprometido a expulsar as irmãs da caridade do Hospital do Santo Espírito, não queria secundá-los no momento de ser poder... Pretendia iludi-los? Por quê?

Porque o Govêrno de Teixeira de Sousa tinha sido influenciado para êsse fim pela rainha D. Amélia. Isto é autêntico, asseguro-o. Essa reação negra, capitaneada pela rainha, efectivamente, tinha imposto ao Govêrno Teixeira de Sousa que as irmãs da caridade que se achavam na Ilha Terceira não fossem expulsas e, nesse sentido, Teixeira de Sousa telegrafou à autoridade monárquica. Sucedeu, porêm, que a autoridade que era, de facto, pessoa liberal e reconhecia que, se as irmãs não fossem expulsas, seriam um motivo dê distúrbios importantes para aquela Ilha, telegrafou a Teixeira de Sousa, dizendo: "As irmãs da caridade já partiram". Ora a verdade é que elas não tinham partido; partiram no dia seguinte ao da chegada do telegrama.

Eu trago êstes factos à tela da discussão para demonstrar que, de facto, na Ilha Terceira, existe um núcleo importante que, pode dizer se, é constituído pelas pessoas de inteligência mais esclarecida e vontade mais forte, e que se acham com a República; mas o que é preciso é que as autoridades que representam o Govêrno, nesta terra, estejam de acordo com êsse núcleo, cousa que, infelizmente, não tem sucedido.

Na Terceira tinha-se organizado uma fôrça reaccionária importante, que constituiu um baluarte dêsse famigerada bloco nacionalista, que se tinha organizado para combater Teixeira de Sousa, e a verdade é que os elementos liberais, quando a República foi proclamada, foram aqueles que as autoridades mais afastaram de si.

Naquela ilha não havia, propriamente, republicanos.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Havia poucos, mas os que havia eram bons.

O Orador: - Eu conheço V. Exa. e as pessoas que o rodeavam na Terceira desde há vinte e oito anos, sei bem que já era republicano bem como os seus mais íntimos amigos ali. Quando disse que não havia republicanos, quis significar que havia poucos, e que não chegaram para o desempenho de todos os cargos de confiança.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Concordo plenamente.

O Orador: - Mas há pessoas liberais que estimaram a proclamação da República e estão dispostas a defendê-la como verdadeiros republicanos históricos. E preciso governar com a opinião dessa gente, não afastar êsses indi-

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18 DIÁRIO DO SENADO

víduos para ir entregar a política a reacionários ferozes que estiveram sempre do outro lado e que ainda não aprenderam a ser liberais...

Apartes dos Srs. Goulart de Medeiros e Nunes da Mata.

O Orador: - O que eu quero dizer ao Sr. Presidente do Ministério é que a República pode contar com a defesa profícua por parte dêsse grupo de liberais da Terceira; o caso é que a República não os afaste, não os repudie.

Agora outro ponto (e prometo não tomar muito tempo ao Senado). É a propósito do incidente Batalha Reis. Eu não venho reavivar a questão, mas reconstituir factos, porque entendo que é preciso que as cousas fiquem no seu verdadeiro lugar. A história tem de julgar-nos a todos; é bom que lhe forneçamos os elementos.

O outro dia, quando me referi ao Sr. Batalha Reis, estribei-me na opinião dos Srs. Augusto de Vasconcelos e Bernardino Machado e disse que se tratava de pessoa de toda a competência e que militar sempre no partido republicano. Trago mais um testemunho: é o de Guerra Junqueiro.

Numa correspondência de Lisboa para o jornal do Pôrto a Montanha, feita pelo Sr. Pádua Correia, ilustre membro da Câmara dos Deputados, diz se o que peço licença para ler ao Senado.

"Num dos longos e intermináveis passeios com Guerra Junqueiro, aí nesse peço da Praça Nova, há dois anos, por uma tarde de verão, discutíamos ambos, dada a eventualidade da República, as capacidades governativas do estado maior do partido republicano. Dificuldades encontrávamos, de repente, em designar pessoal diplomático republicano para certos altos cargos.

E Guerra Junqueiro disse-me:

- Só temos lá fora em Londres um homem, de rara cultura, alta inteligência, perfeito conhecedor das chancelarias e diplomacias europeias.

- Quem?

- Batalha Reis.

- E é republicano?

- De sempre. Já quando eu trabalhava na conspiração, ao tempo da coligação liberal, a Londres o mandei chamar para com êle comunicarmos. E êle veio, a tudo pronto, e sempre de bem aviso e óptimo conselho".

Encontra-se êste depoimento em a Montanha de 10 do corrente.

E isto que eu pretendia comunicar ao Senado, pois desejo que fique consignado nos anais parlamentares.

O Sr. Botelho de Sousa: - Participo a V. Exa. achar-se constituída a comissão de marinha, tendo nomeado presidente o Sr. Ladislau Parreira e a mim para Secretário.

Leu-se na mesa:

Comunica-se à mesa do Senado que se instalou a comissão de marinha, tendo escolhido para Presidente o Senador Sr. Ladislau Parreira e para Secretário o signatário.

Lisboa, 8 de Dezembro de 1911. = Alfredo Botelho de Sousa.

O Sr. Martins Cardoso: - Pedia a V. Exa. ao favor de me dizer se amanha entra em ordem do dia o projecto sôbre a importação de azeite, que é um assunto da máxima oportunidade e de toda a urgência.

O Sr. Presidente: - Sim, deve entrar amanhã em ordem do dia.

O Sr. Bernardino Machado: - Sr. Presidente: é só para acrescentar duas palavras ao que acaba de dizer o Sr. Sousa Júnior, com respeito ao Sr. Batalha Reis e à pasta dos Negócios Estrangeiros. Creio que em 1891 a 1892 o partido republicano pensara em confiar esta pasta; da maior importância, ao Sr. Batalha Reis. Tal era a confiança e a consideração que ao partido republicano merecia S. Exa.

O Sr. Faustino da Fonseca: - Eu tenho a honra de ser filho de Angra do Heroísmo, sempre fui republicano, sei, portanto, melhor do que ninguém, quantos verdadeiros republicanos ali há.

Ora a verdade é que os autênticos republicanos continuam hoje, como outrora, sob o domínio dos caciques monárquicos.

O Sr. Luís Fortunato da Fonseca: - Mando para a mesa e seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério do Fomento, me seja fornecida nota das quantidades de azeite adquirido para o Caminho de Ferro do Sul e Sueste desde 1905 até 1910, sua qualidade, preço, e forma de adquirição: hasta pública ou outra.

Lisboa, 11 de Dezembro de 1911. = O Senador, Luís Fortunato da Fonseca.

Leu-se na mesa e mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Deu a hora. A ordem do dia para amanhã é a discussão dos projectos n.° 2 e 12-A.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

O REDACTOR = Alberto Bramão.

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