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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

109.ª SESSÃO ORDINÁRIA DO 3.º PERÍODO DA 1.ª LEGISLATURA

1912-1913

EM 26 DE MAIO DE 1913

Presidência do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretários os Exmos. Srs.

Carlos Calisto
Bernardo Pais de Almeida

Sumário. - Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Expediente.

Antes da ordem do dia.- O Sr. Bernardino Roque ocupa-se da mão de obra indígena em Mossâmedes, respondendo o Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro).

É consultado o Senado sôbre alguns documentos presentes a Mesa.

O Sr. Pedro Martins ocupa se da liberdade da Imprensa, respondendo o mesmo Sr. Ministro.

Ordem do dia. - É aprovada sem discussão a proposta de lei n° 126-A, sôbre correios e telégrafos, depois de breve explicarão do Sr. Tomás Cabreira.

Continua em discussão o parecer n.° 121 (quadro dos funcionários do ultramar). É rejeitado o artigo 3.° e aprovada a substituição do Sr. Ministro das Colónias.

Sôbre o artigo 4.º os Srs. Bernardino Roque e Arantes Pedroso mandam propostas para a mesa, usando da palavra os Srs. Ministro das Colónias e Srs. Senadores Nunes da Mata e João de Freitas, alêm dos apresentantes, sendo aprovado o artigo, salva a emenda do Sr. Bernardino Roque.

Sôbre um artigo adicional dêste último Sr. Senador, falam o Sr. Ministro das Colónias e Srs. Senadores Nunes da Mata, Pedro Martins e Bernardino Roque, que retira o artigo, aprovando-se, depois o 5.° e último artigos.

Parecer n.° 131 (orçamento do Ministério da Justiça).

Discutem-no na generalidade os Srs. Pedro Martins. Ladislau Piçarra e Artur Costa, que fica com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão.- Sôbre a liberdade da imprensa falam os Srs. Estêvão de Vasconcelos. Pedro Martins e Ministro da Justiça (Álvaro de Castro).

O Sr. Presidente anuncia a ordem de trabalhos para as duas sessões diurna e nocturna seguintes e encerra a sessão.

Estiveram na sala os Srs. Ministros da Justiça e das Colónias

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio Baeta das Neves Barreto.
Alfredo Botelho de Sousa.
Anselmo Augusto da Costa Xavier.
Anselmo Braamcamp Freire.
António Augusto Cerqueira Coimbra.
António Bernardino Roque.
António Brandão de Vasconcelos.
António Joaquim de Sousa Júnior.
António Ladislau Piçarra.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Rovisco Garcia.
Augusto Vera Cruz.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos António Calisto.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Faustino da Fonseca.
Francisco Correia de Lemos.
Inácio Magalhães Basto.
João José de Freitas.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
José de Cupertino Ribeiro Júnior.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Maria Pereira.
José Nunes da Mata.

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2 Diário das Sessões do Senado

Luís Fortunato da Fonseca.
Manuel Martins Cardoso.
Manuel Rodrigues da Silva.
Manuel de Sousa da Câmara.
Ramiro Guedes.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Adriano Augusto Pimenta.
António Pires de Carvalho.
Artur Augusto da Costa.
Cristóvão Moniz.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Joaquim Pedro Martins.
José Afonso Pala.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José de Castro.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Maria de Pádua.
José Miranda do Vale.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Ricardo Pais Gomes.
Tomás António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Albano Coutinho.
Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Alfredo José Durão.
Amaro de Azevedo Gomes.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Caetano Macieira Júnior.
António Ladislau Parreira.
António Ribeiro Seixas.
Carlos Richter.
José Machado de Serpa.
Leão Magno Azêdo.
Luís Maria Rosette.
Manuel Goulart de Medeiros.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José de Oliveira.
Sebastião de Magalhães Lima.

Pelas 14 horas e 30 minutos o Sr. Presidente mandou proceder à chagada.

Tendo-se verificado a presença de 32 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Da Câmara dos Deputados, remetendo as seguintes propostas de lei para serem presentes a esta Câmara:

Que tem por fim autorizar a Câmara Municipal de Pombal a desviar do fundo de viação a quantia de 416$650 réis para obras da saneamento.

Para a comissão de administração.

Que tem por fim autorizar o Govêrno a ceder um terreno em Valado à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.

Para as comissões de administração e finanças.

Que autoriza a Câmara Municipal de Braga a contrair um empréstimo para municipalizar vários serviços.

Para a comissão de finanças.

Que autoriza as câmaras municipais a vender os terrenos baldios, construindo escolas.

Para a comissão de administração.

Que autoriza para efeitos de aposentação aos professores o contar-se o tempo que serviram em escolas não oficiais.

Para a comissão de instrução.

Do Ministério das Colónias, remetendo cópia do ofício do governador de Cabo Verde e de vários documentos em satisfação do requerimento do Sr. Manuel de Sousa ca Câmara.

Para enviar ao seu destino.

Do Ministério do Interior, remetendo cópia da correspondência trocada entre o governador civil e a Comissão Administrativa de Bragança, era satisfação do requerimento do Sr. João de Freitas.

Para enviar ao seu destino.

Do secretário geral do Ministério do Fomento, enviando os esclarecimentos requeridos pelo Sr. Ladislau Piçarra.

Para enviar ao seu destino.

Da comissão de inquérito à Repartição de Fiscalização das Sociedades Anónimas,

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pedindo autorização para o Sr. José Maria Pereira ir depor naquela comissão.

Foi autorizado.

Telegramas

Angra - Exmo. Presidente Senado. - Lisboa.- Protesto perante V. Exa. contra novo atentado acabo ser vitima por parte associação malfeitores denominada "Justiça Noite", que ante-ontem pleno dia derrubaram a machado, acabando por incendiar uma inata minha cêrca quatro hectares. = Conde Rego Botelho.

Presidente Senado - Lisboa. - O povo S. Vicente em número cinco mil habitantes, reunido comício, pede V. Exa. mais uma vez se faça concessão Blandy para curto espaço de tempo, povo província lutaria gravíssimas dificuldades, fome já começou produzindo efeitos perniciosos, só concessão pode melhorar radicalmente situação económica província, ou se faz concessão, ou povo Cabo Verde condenado dizimado pela grande falta trabalho; pede resolução imediata. = Presidente, Alfredo António Miranda.

Para a Secretaria.

Representações

Da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, pedindo providências que protejam as crianças e que tendam a reprimir actos imorais.

Para a Secretaria.

Dos empregados da Câmara Municipal da Guarda, pedindo para ser aprovada a parte do Código Administrativo que trata da melhoria dos empregados das câmaras municipais.

Arquive-se.

Exmos. Srs. Senadores da República Portuguesa. - Os operários das obras do Estado, reconhecendo quam dolorosa é a situação de inúmeros operários, que foram despedidos em consequência da enorme crise que as classes da construção civil atravessam em todo o país, o que contêm em si factos comprovados, como seja a carestia da vida, etc., vem inesperadamente afectar os mesmos operários a ordem terminante de os operários que actualmente trabalham terem que trabalhar três dias na semana, o que, desenvolvendo a situação duns e outros, os vem afectar na sua tam precária situação; quer dizer, tanto morrerão do fome os que trabalham, como os que o não puderem adquirir.

Exmos. Srs. Há um meio prático a evitar tal consequência, emquanto se não podem pôr em prática outras medidas: o Parlamento votar um crédito especial para edifícios públicos, a fim de que todos os operários ganhem seis dias, e os despedidos serem readmitidos; caso contrário a virtude sai pela janela e a fome faz do faminto caminheiro.

Depende de vós e do Govêrno a solução dêste momentoso assunto.

Saúde e Fraternidade.

Lisboa, 26 de Maio de 1913.= Os operários das obras do Estado.

Para a Secretaria.

Requerimentos

Requeiro que, com a possível brevidade, me seja enviado o livro intitulado Notas sôbre Portugal, publicação esta que existe, segundo creio, no Ministério do Fomento. = Sousa Júnior.

Para a Secretaria.

Requeiro que pelo Ministério do Fomento me seja permitido examinar, na repartição respectiva, o processo relativo à mudança da estação a construir na linha do caminho de ferro do Vale do Vouga, no sítio das Vendas de Travanca, para Bodiosa, do concelho de Viseu. = Pais Gomes.

Para a Secretaria.

Requeiro que, pela 9.ª Repartição de Contabilidade Pública, me seja fornecida com urgência uma nota por artigos das importâncias liquidadas desde 1 de Julho de 1912 até a data em conta das autorizações descritas nos capítulos 3.° e 8.° do Orçamento de 1912 a 1913 e das quantias prováveis e a ordenar ainda em conta do mesmo ano económico dos referidos capítulos. = Manuel de Sousa da Câmara.

Para a Secretaria.

Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja enviada com a maior urgência nota do número dos processos para mudança de nome e para dispensa de parentesco, com indicação do número dos relativos a indigentes. = Joaquim Pedro Martins.

Para a Secretaria.

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4 Diário das Sessões do Senado

Requeiro que, pelo Ministério do Interior, me seja fornecida com urgência uma cópia ao relatório da sindicância efectuada acêrca dos acontecimentos ocorridos no Liceu de Rodrigues de Freitas, do Pôrto, em Abril de 1912, caso o respectivo processo já tenha dado entrada no referido Ministério. = João de Freitas.

Para a Secretaria.

Requerimentos urgentes

Desejo interrogar, com urgência, o Sr. Ministro do Interior sôbre se já deu entrada no seu Ministério, com o competente relatório, o processo da sindicância efectuada ao Liceu de Rodrigues de Freitas, do Pôrto. = João de Freitas.

Fará a Secretaria.

Desejo interrogar, com urgência, o Sr. Ministro da Guerra, sôbre se, alêm dos documentos por mim lidos na sessão do Senado, de 2 do corrente, e que determinaram a transferência do capitão-médico, Francisco Martins Morgado, de Bragança para Vila Viçosa, existem, porventura, alguns outros de que não tivesse conhecimento e, no caso afirmativo, quais foram êsses documentos ou escritos atribuídos ao mesmo oficial. = João de Freitas.

Para a Secretaria.

Requeiro que, com urgência, me sejam fornecidos pelo Ministério da Justiça:

1.° Uma nota especificada por distritos e concelhos do continente e ilhas adjacentes e passados pela Comissão Jurisdicional dos Bens das extintas congregações religiosas ou pela entidade que for competente, do produto já realizado, quer por efeito de vendas, quer por arrendamentos e vendas já cobrados dos bons que foram das mesmas congregações e arrolados em execução dos decretos com fôrça de lei de 8 e 31 de Dezembro de 1911;

2.° Uma nota igualmente especificada, por distritos e concelhos e passada pela Comissão Central de Execução da Lei de Separação, do valor ou produto realizado desde 1 de Julho de 1911 até o presente quer por efeito de vendas com ou sem hasta pública, quer por arrendamentos e rendas cobradas dos edifícios e bens eclesiásticos, a que se referem os artigos 90.° e seguintes e 104.° e seguintes do decreto com torça de lei de 20 de Abril de 1911, ou estejam ou não encorporados nos próprios da Fazenda Nacional. = João de Freitas.

Para a Secretaria.

Nota de interpelação

Desejo ouvir urgentemente o Sr. Ministro do Fomento, acêrca do pedido de concessão feito pelo Dr. Amâncio de Alpoim Torresano Moreira, para construção duma barragem criadora de queda de água para exploração de energia hidro-eléctrica no Rio Douro, como consta do Diário do Govêrno de 17 de Abril próximo passado. = Brandão de Vasconcelos.

Mandou-1e expedir.

Exmo. Sr. Presidente do Senado.-Em nome da comissão de finanças desta Câmara, rogo a V. Exa. se sirva mandar oficiar à direcção do Montepio Oficial, para que, o mais breve que lhe seja possível, venha ter uma conferência com esta comissão, acêrca da proposta de lei n.° 111-A, a qual pudera ter lugar em qualquer dia, de sessão, depois das dezasseis horas.

Sala ca Senado, em 26 de Maio de 1913.= O Secretário da Comissão, José Maria Pereira.

Mandou-se oficiar.

Proposta

Considerando que é de toda a necessidade a urgente discussão do Código Administrativo, para o que muito pode concorrer o seu estudo prévio por uma comissão suficientemente numerosa, onde estejam representadas todas as correntes de opinião do Senado, proponho que à respectiva comissão sejam agregados mais seis Senadores. = Brandão de Vasconcelos.

Foi aprovada.

Pare seres a imprimir e distribuir

Da comissão de Administração Pública, sôbre a proposta de lei que autoriza a Câmara Municipal de Santa Comba Dão a despender uma verba, que foi autorizada a desviar do fundo de viação na demolição dum. prédio e abertura duma rua.

Da comissão de finanças, sôbre a proposta de lei n.° 155-A, que autoriza o Govêrno a ceder o bronze necessário para o busto do médico Câmara Pestana,

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Da mesma comissão, sôbre a proposta de lei n.° 174-A, que autoriza o Governo" a comprar carros automóveis para transporte de presos.

Da mesma comissão, sôbre a proposta de lei n.° 135-A, que cria a Junta Autónoma das Obras do Pôrto do Funchal.

Da comissão de engenharia, sôbre a proposta de lei n.° 163-A, que trata da forma de realizar as promoções do quadro telégrafo postal.

Da comissão de finanças, sôbre a proposta de lei n.° 142-A, que autoriza, p Govêrno a adjudicar em hasta pública, precedendo concurso, a construção de obras no pôrto da Figueira da Foz.

A imprimir com urgência.

Antes da ordem do dia

O Sr. Nunes da Mata: - Por parte da comissão de finanças, mando para a mesa um parecer.

O Sr. Bernardino Roque: - Tenho aqui insistido, por mais duma vez, pela presença do Sr. Ministro, das Colónias, a fim de tratar dum assunto que reputo importante.

Como S. Exa. se acha presente neste momento, vou pois, para tranquilidade da minha consciência, cumprir o meu dever, como representante da nação.

Já tive ocasião de chamar a atenção do Senado e do Sr. Ministro das Colónias para o grave problema da mão de obra na África, e em especial no distrito de Mossâmedes, dizendo eu, nessa ocasião, que as medidas tomadas pelo governador deveriam no futuro provocar a morte da agricultura e da indústria naquele distrito, acabando assim com uma colónia, que teve início em 1849 e se tem desenvolvido e conservado pelo. grande esforço dos que para lá foram e por lá tem mourejado, quási sem auxílio algum dos Governos.

Sr. Presidente: parece efectivamente, que há o propósito de acabar com esta colónia.

Triste glória pára o governador que quere assumir, perante a História, uma tal responsabilidade!

E o que é mais extraordinário é que o Sr. Ministro das Colónias tambêm parece querer compartilhar dessa glória, porque sanciona as medidas ordenadas pelo governador.

Eu fui infelizmente profeta nesta questão, e digo infelizmente, porque nunca se deve ter satisfação em profetizar infortúnios dêstes, que representam a desgraça de centenares de famílias.

Os telegramas que recebi confirmam absolutamente aquilo que eu previ.

O governador geral de Angola, tem razão que justificasse tal medida, e com uma orientação que não se percebe, ordenou ao governador do distrito de Mossâmedes que fôsse participar aos serviçais das diferentes fazendas que, se não queriam trabalhar ali, podiam ir para onde mais lhes agradasse, isto sem haver queixas dos serviçais.

V. Exa. compreende, Sr. Presidente, que um tal dislate só se pode explicar pelo facto da República continuar a enviar para as colónias quem não tem competência para as governar.

É claro que o preto, com a simplicidade que o caracteriza e o seu valor intelectual que é mínimo, vendo nesse aviso um convite à satisfação da sua indolência, largou o trabalho imediatamente, não havendo hoje ali nas diferentes fazendas agrícolas, quem trabalhe e estando por isso perdidos muitos capitais nelas empregados, pelo forçado abandono em que se acham.

Mas poderá alguém preguntar porque se puzeram em execução medidas tão disparatadas?

Ouça o Senado a seguinte explicação:

Os agricultores de Mossâmedes receberam ordens para contratar os seus serviçais até 31 de Dezembro de ano passado,

Esta ordem, ou melhor êste convite, só por si representa um disparate ; porque, desejando a República o regime de liberdade de trabalho, devia o governador deixar o preto trabalhar onde muito bem quisesse e com quem quisesse; mas não sucedeu assim.

Como houvesse pedidos para prorrogar êsse prazo, e êsses pedidos partissem do pessoas de elevada cotação daqui de Lisboa, foi o prazo alargado até 28 de Fevereiro do corrente ano.

A verdade, porêm, é que passou o dia 28 de Fevereiro, e os patrões não contrataram os serviçais. Como consequência, o governador fez saber aos patrões que, visto não terem contratado os serviçais ser-lhes

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6 Diário das Sessões do Senado

hiam êstes retirados. E aqui temos nós que desejando a República, um regime de trabalho livre, foi o seu delegado em Angola que impôs o contrato, quando a lei diz que o serviçal poderá fazer o contrato livremente na presença ou nu ausência da autoridade, donde se conclui que poderá ou não contratar-se.

Porque é que o Governe Português, tendo a República a orientação de que os trabalhos devem ser livres, queria obrigar o serviçal a contratar-se?

Eu só encontro uma explicação no deseje de aumentar as receitas da província de Angola, à custa dos agricultores, com o elevadíssimo custo dos contratos.

No contrato, antes do actual regulamento, estipulava se que, por cada 5 anos, o patrão pagaria 1$500 réis e por cada serviçal; quer dizer, sendo o contrato por 5 anos, quando o patrão tivesse de contratar 100 serviçais pagaria 100$000 réis H quando tivesse 1:000 pagaria 1:500$000 réis.

Êste novo regulamento exige por cada serviçal e por um ano 3$600 ou sejam 18$000 per 5 anos. De forma que, quem quiser contratar por 5 anos os 100 serviçais, terá de pagar e em ver, de 150$000 réis como antes, 1:500$000 réis e peles contratos dos 1:000 serviçais nada menos de 18 contos! V. Exas. estão e, ver como é que o desgraçado dum agricultor, cuja agricultura é pobre, porque só colhe feijão, batata, milho, poderá com semelhante encargo; não pode certamente.

Ninguêm pode pagar pelo contrato dos serviçais taxas tam elevadas e o resultado foi os patrões não contratarem os serviçais, deixando-os em regime de trabalho livre.

Fizeram êles muito bem, tanto mais que isso está. de acôrdo com as ideas da República; o trabalho deve ser livre.

Agora outro aspecto da questão.

A lei do contrato dos serviçais diz o seguinte ao seu artigo 31.°: "Os indígenas sujeitos à obrigação de trabalhar que a não cumprirem voluntariamente por nenhum dos modos especificados no antigo 2.° deverão ser intimados pela autoridade administrativa para trabalhar em serviço do Estado, dos municípios ou dos particulares sempre que essa autoridade possa proporcionar-lhe trabalho. Se não obedecerem á intimação serão compelidos". Isto aclaro, Sr. Presidente, visto que alei muito terminantemente diz que, quando o serviçal não quiser trabalhar, será obrigado a isso pela autoridade administrativa. Neste artigo há pois uma resposta à afirmação feita pelo Sr. Ministro das Colónias, quando, respondendo à minha interpelação, afirmou não ser a autoridade obrigada a fornecer serviçais aos patrões, em substituição dos que lhe tirava pela medida arbitrária que tomou.

Quando o outro dia eu preguntei a S. Exa., dando essa ordem o Governador Geral para os serviçais abandonarem os trabalhos quando quiserem: tem êle outros preparados para os substituir? V. Exa. respondeu que o Govêrno não é obrigado a dar serviçais; portanto de duas uma: ou ignorava a lei ou, conhecendo-a, quis calcá-la para assim salvar o seu subordinado da incorrecção eu que caiu. Mas há mais, Sr. Presidente, o próprio regulamento diz que os particulares podem requerer à autoridade serviçais para as suas fazendas. Isto está em oposição com as declarações feitas pelo Sr. Ministro das Colónias, quando me deu a honra de responder à minha interpelação.

A lei é clara nesse ponto; mas continuemos.

Sr. Presidente: a agricultura de Mossâmedes é pobríssima; os terrenos agricultáveis reduzem-se às margens de três rios, visto que aquela região, região arenosa, é uma, continuação do deserto de Calahari.

Toda a região se reduz a um areal de areia solta: apenas nas margens dos rios, que são temporários, se formam aluviões onde se cultiva a batata doce, o milho e o feijão.

Cultura pobre, Sr. Presidente, pois uma arroba de batata doce vende-se por 450 réis e o milho e o feijão tambêm se vendem por ínfimo preço.

São por consequência produtos muito pobres que não compensam o agricultar das enormes despesas que tem a fazer, e que não lhe permitem pagar a mão de obra por em preço elevado.

Depois de, por ordem do Governador Geral, lhes ser dito que, se quisessem não trabalhassem onde estavam, pois não eram obrigados a isso, o resultado, como V. Exa. pode ver, foi o seguinte que vem nestes 5 telegramas e que outro não podia ser.

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"Fazenda Giraul ficaram 150, havia 280; verdadeira derrocada.

Boa Vista, ficaram 3 homens, havia 240.

Quipola ficaram 2, havia 40.

Esperança ficaram 6, havia 80.

Amélia ficaram 25, havia 80.

Santana ficaram 21, havia 40.

Macala ficaram 06, havia 90.

Bemfica ficaram 12, havia, 86.

Evitar abandono fazendas compeliram por um, dois, três meses 64, 11 e 18".

Veja V. Exa., Sr. Presidente, o disparatado de tais medidas que trouxe o abandono de fazendas em completa laboração. Só na fazenda Boavista 240 serviçais abandonaram o trabalho, ficando apenas três homens. Isto é um crime, Sr. Presidente. É por isso que eu protesto em nome da agricultura de Angola.

O resultado de tais medidas não se deve fazer esperar e o Senado não estranhará que eu, na ocasião oportuna, peça a responsabilidade de tais dispautérios a quem os perfilha, visto que não pode ser pedida ao governador geral de Angola. Mas o mais extraordinário de tudo isto é que o governador, ao passo que manda dizer cousas ao preto de forma tal que êle entendeu que podia abandonar as fazendas, compele outros serviçais a trabalharem em determinadas fazendas.

Com que direito procede êle assim?

Isto é justiça? Isto é igualdade? Não, Sr. Presidente; isto representa um desiquilíbrio. E o preto, com as suas ideas de justiça, por que as tem, preguntará se aqueles brancos estarão em seu juízo perfeito, visto que a una manda trabalhar e a outros diz que podem abandonar o trabalho.

Eu tenho aqui uma carta aberta, dirigida ao Sr. Ministro das Colónias, escrita por forma que não estamos habituados a ver, tam levantado é o seu dizer, tam nobre, independente e verdadeiro é o modo como expõe os factos e os comenta. Leia-a o Sr. Ministro com atenção, leiam na os Srs. Senadores, porque da sua leitura algum proveito tirarão.

É uma carta escrita com toda a delicadeza e com todo o respeito. Dela ressalta uma enorme amargura, bem legítima, Sr. Presidente, por ver que tam mal apreciados, em tam pouca consideração são tidos

indivíduos que se sacrificaram e toda a sua vida trabalharam nas colónias.

O autor desta carta vê-se obrigado, e não será só êste, a vender as suas fazendas em número de 19.

Se S. Exa. o Sr. Ministro e o seu delegado tiveram por fim o chamamento de capitais estrangeiros, parece que o conseguem, visto que as fazendas vão ser vendidas. E a casa Viúva Bastos & Filhos que já anunciou essa venda.

Esta casa, pode dizer-se, que tem concentrados os terrenos do distrito de Mossâmedes, visto que só ela possui mais que todos os outros colonos.

Pois eu afirmo a V. Exa. que os ingleses já fizeram propostas para a compra dessas fazendas e que a casa Bastos está disposta a vender tudo e, para isso, não é muito exigente.

Que os ingleses comprem as fazendas, vá, mas os alemães, Sr. Presidente! E quem nos diz que os alemães as não comprarão? Essa casa, é claro, está no seu direito de vender aquém quiser. Emfim, não será isto o princípio do que mais tarde terá de acontecer?

Interrupção do Sr. Vera Cruz que se não ouviu.

O Orador: - Aqui não há questões internacionais, há modos de ver, e eu vejo assim as cousas; oxalá eu me engane.

Que tem a Alemanha com os interesses dêste ou daquele, diz V. Exa.?

Não tem nada; tem com os seus, que é pior.

Quem pode impedir um agricultor que venda em Mossâmedes aos alêmães as suas propriedades, quando conheça que os lucros dos capitais nelas empregados lhe não rendem o suficiente para viver?

Vou terminar, Sr. Presidente, mas antes quero ler ao Senado alguns períodos duma carta que recebi de Mossâmedes, e que mostra o estado lamentável a que a mão de obra chegou naquela colónia.

Esta carta é dum dos principais agricultores e negociantes daquela cidade.

Eu posso afirmar ao Senado que êste homem é duma rara energia e larga ini-

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8 Diário das Sessões do Senado

ciativa, e que todos o conhecem em Angola; é o Sr. Serafim Figueiredo.

Como V. Exas. verão, é o grito de alma dum desanimado e, quando êste desanima, já todos perderam a esperança de melhores dias.

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Exa. que já não pode continuar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O distrito de Mossâmedes, se lhe não acodem, dentro era pouco está em completa ruina.

Porque não se segue lá o mesmo que nas colónias estrangeiras?

Chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias para isto:

Leu.

Aqui tem V. Exa. como a mão de obra é exercida nas colónias inglesas, nas colónias alemãs e nas colónias holandesas.

O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. que dê por terminadas as suas considerações.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

O meu intuito foi varrer a minha testada come conhecedor das colónias.

As responsabilidades do que acontecer não serão minhas, mas de quem, numa teimosia e capricho inexplicáveis, não quis ver, que é pior do que não poder ver por ser cego.

Tenho cito.

O Sr. Pais Gomes: - Mando para a mesa um requerimento em que peço documentos:

O Sr. Nunes da Mata: - Por parte da comissão de finanças, mando cara a mesa um parecer.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Sr. Presidente: vou responder ao Sr. Bernardino Roque com a mesma convicção com que lhe respondi na primeira vez em que S. Exa. se ocupou dêste assunto, e per isso começo por dizer que perfilho, da maneira a mais completa e mais formal, o procedimento adoptado paio Governador Geral de Angola e pelo seu delegado no distrito de Mossâmedes, prevenindo os serviçais de que tinham o direito de trabalhar onde quisessem, mas de que lhe não era permitido entregarem-se á vadiagem..

Em Mossâmedes, como em muitos pontos da África, o preto tem ainda bastante viva a noção da sujeição antiga e o patrão aproveita essa circunstancia para o obrigar a trabalhar a troco dum salário irrisório, convencendo assim de que não pode abandonar o trabalho.

Quando as autoridades esclarecem o preto acêrca da sua situação, os patrões insurgem-se, porque isso lhes não convêm.

O Sr. Bernardino Rogue: - Os patrões não se insurgem por se dizer ao preto que pode trabalhar se quiser, pois que a própria lei diz que o contrato dos serviçais poderá ser feito na presença da autoridade, o que quer dizer que o serviçal poderá contratar-se com o patrão sem a presença da autoridade, isto é, que o contrato pode ser feito entre os dois; o patrão queixa-se, portanto, do facto da autoridade, sem que tivesse havido qualquer queixa por parte dos serviçais, ir a uma propriedade e dizer: "Vocês podem ir-se embora, se quiserem".

Ainda se tivesse havido alguma queixa por parte dos serviçais...

Mal êles não se queixarem!

O Sr. Sousa Júnior: - O governador deu uma lição de civismo.

O Sr. Bernardino Roque: - O que êle deu, foi urna prova de incompetência. Se quisesse dar ao preto lições de civismo tratava, de dar-lhe escolas e ensiná-lo.

O Orador: - Há uma boa massa de trabalhadores indígenas que, ou foram antigos escravos, ou descendem de antigos escravos; esta massa de trabalhadores tem ainda bastante viva a noção da escravatura e o patrão, abusando desta circunstância, queria conservar o preto ao seu serviço mediante uma paga irrisória e mantendo o na persuasão de que não podia abandonar o trabalho.

Apartes.

Esta é que é a realidade.

O Sr. Sousa Júnior: - E de facto o governador prestou um excelente serviço.

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O Orador: - O governador, convicto desta noção, convidou os patrões a contratarem os serviçais, e os patrões não os quiseram contratar porque, diziam êles, estavam livres nas propriedades, trabalhavam se queriam.

Entendo que beneméritamente procedeu o Sr. Governador de Angola. Deu uma prova de honradez nos processos do seu governo (Apoiados],

De resto esta questão tem outros aspectos. Refirir-me hei a um: à situação dos serviçais em alguns pontos de África.

Recebem, não só em Mossâmedes, mas nos outros distritos, 20 a 30 réis por dia.

A alguns proprietários ouvi afirmar que não podiam elevar o salário dos serviçais.

Trata-se de plantações tam pobres que chegam a ter mil serviçais.

O Sr. Bernardino Roque: - Algumas centenas são incapazes do serviço.

O Orador: - Havia proprietários que não pagavam sequer os 30 réis aos desgraçados serviçais: tudo era para êles, quando recebiam pelas obras públicas 300 réis e mais.

O Sr. Bernardino Roque: - Assim não se argumenta. V. Exa. é injusto em computar em 30 réis a despesa com os serviçais.

O Orador: - Não desfiarei mais êste sudário tristíssimo.

Ainda bem que a República encontrou quem a representasse nos seus domínios de alêm mar por uma forma a fazer cessar êste estado de cousas absolutamente insuportável para sociedades cultas.

O futuro dirá se o Sr. Governador Geral de Angola cumpriu ou não o seu dever, e se é criminoso o governador do distrito cumprindo as ordens superiores.

O Sr. Bernardino Roque: - A lei é clara neste ponto.

O Orador: - A lei vai-se interpretando pouco a pouco, e com os esforços da República ela há de se cumprir plenamente em benefício de todos.

O Sr. Afonso Pala: -A grande guerra que promoveram a Carvalhal Henriques foi exactamente por isso, por êle querer que se cumprisse a lei.

Trocam-se explicações entre os Srs. Afonso Pala, Bernardino Roque e o orador.

O Orador: - De resto pelos motivos que já expus, o preto vive quási sempre isolado nas propriedades do patrão e dificilmente consegue quebrar a vedação que realmente os separa do mundo exterior, e por isso raras vezes chega uma queixa ao conhecimento da autoridade administrativa.

De forma que, quando as autoridades esclarecem o preto acêrca da sua situação, os patrões insurgem-se, pois que isso não lhes convêm.

É preciso fazer desaparecer estes defeitos. O Governador Geral de Angola tem feito alguma cousa neste sentido e oxalá que continue neste caminho.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Recebi por intermédio do Sr. Ladislau Piçarra uma representação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, que pedem providências contra a prostituição.

Consulto o Senado sôbre se permite que esta representação seja inserta no Sumário.

Foi permitido.

O Sr. Presidente: - Tambêm recebi do Sr. Brandão de Vasconcelos uma proposta para a eleição de mais seis membros para a comissão encarregada de dar parecer sôbre o Código Administrativo, pois o Sr. Brandão de Vasconcelos diz que, por falta de número, não pode esta comissão trabalhar como é necessário.

Consultado o Senado, aprovou esta proposta.

O Sr. Pedro Martins: - De há muito eu tinha pedido a palavra para tratar dum assunto, mas a falta da presença do Sr. Ministro do Interior ou do Sr. Presidente do Ministério tem-me impedido de o fazer.

O assunto é o seguinte: o Govêrno adoptou ultimamente um regime de opressão e absoluta ilegalidade, que certamente não conduz aos resultados que naturalmente se desejam, mas, muito pelo contrário, coloca mal o Govêrno ante o cumprimento do seu dever, tanto mais que não tem dúvida em vir dizer que se reserva para oportuna-

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mente dar conta dos seus actos ao Parlamento, como se êste tivesse obrigação de aguardar uma oportunidade de que o Govêrno se julga juiz.

Vou referir-me ao regime a que está sujeita a imprensa. (Apoiados).

Ainda ultimamente eu tive conhecimento de que foi apreendido um jorna!, do Pôrto.

O Govêrno não se digna dizer-nos quais os factos que determinaram essas apreensões, de maneira que nós estamos assistindo a êste espectáculo curioso.

Viola-se constantemente a lei, e quando, Sr. Presidente, nós pedimos explicações dêsses actos absolutamente condenáveis, os membros do Govêrno arvoram-se em juizes da oportunidade dessas explicações.

A lei continua a ser calcada, es abusos mantêm-se e as explicações de todos estas circunstâncias anormalíssimas virão quando o Parlamento estiver encerrado, isto é, o Govêrno reserva essas explÍ3ações para quando nós não as possamos ouvir, ficando assim sen se saber que fundamento houve para a apreensão dos jornais.

Eu sei que o Govêrno recorre a qualquer disposição fugitiva duma lei que nós aqui votámos, ou a palavras dessa lei para justificar e seu procedimento; mas os factos repelem inteiramente essa defesa dum tam insólito procedimento, que se não admite um regime democrático.

A nossa Constituição garante a liberdade do pensamento e, por consequência, e Govêrno, no procedimento tomado para com os jornais, está inteiramente fera da lei.

Em que artigos da lei se fundou o Govêrno para submeter os jornais á censura prévia, porque é censura prévia o ene o Govêrno está exercendo, nítida, clara e autênticamante definida?

O Sr. João de Freitas: - O Govêrno exerce a censura prévia, mas não tem a coragem de dizer que a exerce.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: - V. Exa. ignora que se não tem cumprido a lei de imprensa e é por isso que tem ficado impunes todas as falsidades e calúnias que se tem assacado à República.

O Orador: - Sr. Presidente: o argumento do Sr. Estêvão de Vasconcelos não depõe a favor do Govêrno: depõe contra. (Apoiados).

Se o Govêrno vê que se praticaram crimes contra a República, tem o dever de os punir.

Ou não existem crimes, e eu suponho que não existem, ou se existem, a não punição dêles implica por parte do Govêrno uma cumplicidade.

Isto por um lado.

Por outro lado, se não há nos artigos dêsses jornais apreendidos matéria incriminável, então o procedimento do Govêrno é absoluta e inteiramente condenável.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: - Então a República não tem sido caluniada desde 5 de Outubro? A tolerância do Govêrno tem chegado a permitir que tenham ficado impunes infamíssimas calúnias dirigidas à República.

O Orador: - As palavras do Sr. Estevão de Vasconcelos vão ferir em cheio o Govêrno.

Eu não contesto que a República tenha sido caluniada; mas a punição dessas calúnias não me compete a mim, compete ao Govêrno.

Se a República tem sido caluniada, qual a razão por que o Govêrno não tem procedido contra os calumniadores?

O dilema é êste:

Ou há crimes, e então a impunidade importa a cumplicidade per parte do Govêrno, ou não há crimes, e nesse caso o procedimento do mesmo Govêrno é censurável.

Sr. Presidente: a lei é bem clara, não admite censura ou autorização provia.

O Govêrno tem lançado mão de providências excepcionais.

Essa faculdade de apreender é uma faculdade estúpida.

A apreensão aguça mais ainda a vontade de ler o número do jornal apreendido. Eu tenho lido quási todos e não porque tenha pedido nas redacções que me seja reservado o jornal, mas tenho-o comprado na via pública; o que me tem custado é mais caro.

O que se está fazendo, é um ataque à Constituição.

O Sr. Munes da Mata: - Sr. Presidente, o orador já está a falar há 15 minutos.

Levantam-se alguns protestos.

O Sr. Presidente: - O orador pouco tinha passado do tempo permitido todavia

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consulto o Senado sôbre se permite que o Sr. Senador Pedro Martins continue no uso da palavra.

O Sr. Artur Costa: - Por mim não me oponho a que o Sr. Pedro Martins fale três dias e três noites; mas o facto é que não se estava cumprindo o Regimento.

O Sr. Presidente: - Eu costumo observar sempre o Regimento.

Consulto o Senado sôbre se permite que o Sr. Pedro Martins fale durante mais alguns minutos.

Os Srs. Senadores que consentem que S. Exa. fale durante mais algum tempo, queiram ter a bondade de se levantar.

Pausa.

Está aprovado.

O Sr. Pedro Martins (continuando): - Agradeço a ~V. Exa. a gentileza da sua consulta ao Senado, e ao Senado, por igual, a gentileza com que acedeu à proposta de V. Exa., permitindo-me usar da palavra, permissão de que não abusarei.

Eu estava apresentando considerações que não são inúteis, porque inúteis não são as considerações tendentes a fazer respeitar a lei e a pureza dos princípios consignados na Constituição, e ia dizendo que não havia na Constituição, nem na lei de imprensa votada em Julho, qualquer cousa que admitisse a autorização prévia para o efeito da circulação dos jornais, autorização que, de facto, se transforma em censura, e V. Exas. vão ver, pela exposição dos factos, que a minha afirmação é exacta.

Um jornal imprime-se e não se permite que êle circula sem que vá um número ao Sr. governador civil, indo-se já, dest'arte, contra a Constituição e contra a lei votada em Julho, que proibe, terminantemente, que se embarace, de qualquer forma, a circulação dos jornais; o governador civil lê o número e, depois do exame, que eu quero acreditar que seja sempre o mais ponderado, meticuloso e inspirado no critério que a S. Exa. se afigura legalista, mas que, no campo dos factos, é uma violência, uma negação completa da lei e da liberdade, passados 15, 20, 40 ou 50 minutos, o tempo que lhe é preciso para o exercício dessa formalidade que S. Exa. se arrogou, manda dizer que circule ou seja apreendido o jornal.

Eu pregunto se o Sr. governador civil, após o exame que faz do jornal, proferindo um verdadeiro ukase despótico, em que manda circular ou não circular o jornal, exerce ou não a censura prévia? (Apoiados).

Pela censura prévia manda-se eliminar um bocado dum artigo e substituí-lo, por outro, mas o Sr. governador civil °é que não está para dizer qual é o trecho que precisa ser suprimido e substituído; diz: - "o jornal assim não pode circular" - e eu pregunto se isto é ou não uma censura prévia, que não está nas atribuições do Sr. governador civil, censura prévia mais que ilegal, tirânicamente exercida, tanto mais que, já para a censura, já para a apreensão, o acto fica restrito â autoridade administrativa, não se mandando para a judicial, porque se receia que o Poder Judicial não confirme a apreensão.

Sr. Presidente: eu não quero roubar mais tempo a V. Exa. e ao Senado, tanto mais que é em virtude duma gentileza do Senado que estou falando; não sei se o Sr. Ministro das Colónias quererá assumir por si a responsabilidade dos actos cometidos pelo delegado do Govêrno, porque, embora o Sr. governador civil seja delegado do Ministro do Reino, em todo o caso é delegado do poder.

Vozes: - Ministro do Interior!

O Orador: - E é o que está a parecer, é um delegado do antigo Ministério do Reino, onde se dizia que a lei não era conhecida e só o arbitrio e a tirania ali imperavam, porque o que se está a fazer é o arbítrio, a violência e a tirania.

Mas, como êle é delegado do Ministério do Interior e tambêm delegado do Govêrno, e o Sr. Ministro das Colónias é membro do Govêrno, embora a Constituição lhe imponha a responsabilidade e, por consequência, o dever de responder pelo acto que individualmente praticou, não sei se S. Exa. quererá assumir a responsabilidade política dêsse acto, e, se assim não fizer, peço então a V. Exa. que transmita ao Sr. Presidente do Ministério estas considerações, ainda que não sei se esta responsabilidade é exclusiva de S. Exa., porque, desde que o procedimento diz respeito à polícia, tambêm cabe responsabilidade ao Sr. Ministro do Interior.

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Terminando devo dizer a V. Exa. e ao Senado que lavro o meu mais veemente protesto pelo procedimento verdadeiramente arbitrário, sem nenhuma justificação nem desculpa que o possa acobertar, havido por parte do Sr. governador civil.

O orador não reviu.

O Sr. João de Freitas: - Protesto a que me associo tambêm.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Agradeço ao Senado a permissão que acaba de conceder os para usar da palavra. Poucos minutos lhe roubarei.

Sr. Presidente: o ilustre Senador que acabou de falar referiu-se à acção do Govêrno sôbre delitos da imprensa.

Como não se trata de assuntos que corram pela minha pasta, dos quais tenham responsabilidade moral ou directa, pedia limitar-me a dizer ao Senado que comunicaria ao Sr. Presidente do Ministério as considerações feitas por S. Exa., mas direi mais alguma cousa.

Estou certo de que o Sr. Ministro do Interior e o Sr. governador civil, corço delegado ao Govêrno no distrito de Lisboa, tem cumprido a lei, não só com respeito â liberdade de imprensa, como a iodos es outros respeitos.

Se tem exercido a faculdade da apreensão dalguns jornais é porque ela está consignada na lei de 12, de Julho de ano passado, lei excepcional, votada para defesa da República por ocasião de se darem circunstâncias excepcionais.

O Senado sabe que ainda há pouco tempo se deram circunstâncias extraordinárias no nosso país que bem justificaram a votação dessa lei (Apoiados), escuso por consequência de insistir no assunto que é do conhecimento de todos nós.

A faculdade, que então se concedeu ao Govêrno, foi agora usada pelo Govêrno e não me parece que fôsse excedida, antes a tem exercido no círculo que lhe foi traçado, e acho que pode continuar a proceder assim, quando as circunstâncias lho exijam.

O orador não reviu.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos passar à ordem do dia e entra em discussão a proposta de lei n.° 12G-A.

É a seguinte:

Proposta de lei n.° 126-A

Artigo 1.° O artigo 3.° do regulamento da contabilidade e da tesouraria da Administração Geral dos Correios e Telégrafos, aprovado por decreto de 26 de Junho de 1911, fica substituído pelo seguinte:

O papei e estampagem dos selos, cartas e cartões postais constituem despesa ordinária da Administração Geral dos Correios e Telégrafos. O produto líquido que se apurar depois de satisfeitos todos os encargos e despesas com os serviços dos correios e telégrafos, determinados por lei, será dividido em quatro partes iguais, uma cias quais constitui receita do Estado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso, em 1 de Maio de 1913. = José Augusto Simas Machado, Presidente = Jorge Frederico Velez Caroço, 1.° Secretário = Alfredo Maria Ladeira 2.° Vice-Secretário.

Proposta

1.° O papel e estampagem dos selos, cartas e cartões postais serão despesa ordinária do serviço dos correios e telégrafos do continente e ilhas adjacentes. O produto líquido que se apurar depois de satisfeitos os encargos e despesas com êste serviço e que as leis determinem, será dividido em quatro partes iguais, uma das quais ficará pertencendo ao Estado.

2.° Esta disposição substitui a do artigo 3.° de regulamento de 26 de Junho de 1911, que fica sem efeito. = Severiano José da Silva.

O Sr. Tomás Cabreira: - É simplesmente para dar uma explicação.

Esta proposta devia ser aprovada, quando foi discutido e aprovado o Orçamento das receitas, porque foi justamente em virtude dela que se consignou no Orçamento a verba a que ela se refere, como receita da Casa da Moeda, pelo fornecimento aos correios de cartões postais, estampilhas e outras fórmulas de franquia.

Devia nessa ocasião ser aprovada e como não foi, é o agora para a verba que foi inscrita nessa ocasião e já foi aprovada.

Posta à votarão, foi aprovada, tanto na generalidade como na especialidade, a referida proposta.

O Sr. Presidente: - Devia agora entrar em discussão o Orçamento do Ministério da

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Justiça, mas como o Sr. Ministro da Justiça não pode comparecer por enquanto no Senado, para não perdermos tempo, proponho ao Senado para entrar em discussão o primeiro projecto que estava marcado para antes da ordem do dia.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Continua por consequência em discussão a proposta n.° 225-A.

Na última sessão interrompeu-se a discussão, por falta de número.

Vai proceder-se a votação do artigo 3.°

Lido na mesa e pôsto à votação é rejeitado assim como a substituição proposta pela comissão e aprovada a apresentada pelo Sr. Ministro das Colónias, ficando prejudicada a do Sr. Bernardino Roque.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o artigo 4.°

Leu-se na mesa. É o seguinte:

Art. 4.° Os funcionários civis e militares, transferidos a seu pedido ou por permuta, perdem o direito a transporte por conta do Estado e a quaisquer ajudas de custo ou adiantamentos.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - E para declarar que aceito a proposta de emenda a êste artigo, apresentada pela comissão e que consta do respectivo parecer.

O Sr. Bernardino Roque: - E papa dizer que me parecia conveniente eliminar as palavras civil e militar, pois de contrário parece que os militares ficavam com o direito de não pagar as transferências, emquanto ,que, eliminando estas palavras, se compreende perfeitamente o intuito da disposição, visto que todos tem de pagará sua custa a transferência.

Mando para a mesa essa emenda.

Lida na mesa, foi admitida.

Proposta de emenda

Emenda ao artigo 4.° Proponho a eliminação das palavras "civis" e " militares".= Bernardino Roque.

O Sr. Arantes Pedroso: - Eu proponho a eliminação do artigo 4.°, visto que a sua disposição já está na lei.

Lida na mesa, foi admitida.

Proposta

Proponho a eliminação do artigo 4.° = Arantes Pedroso.

Lida na mesa, foi admitida.

O Sr. Bernardino Roque: - Não tenho dúvida em aceitar a proposta do Sr. Arantes Pedroso, desde o momento em que S. Exa. me diga qual a lei em que essa disposição existe.

Eu não sei qual a lei que contêm essa disposição, e ainda que ela exista, cousas destas, não faz mal que sejam repetidas.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Eu já declarei ao Senado que estou de acôrdo com a emenda proposta pela comissão, e como essa proposta tem excluído sistematicamente da esfera da sua acção os militares, parece-me que o Senado será coerente eliminando êste artigo 4.° Foi esta a razão porque, estando de acôrdo com a emenda da comissão, não posso conseguintemente aprovar a proposta do Sr. Bernardino Roque.

Nos regulamentos militares, eu posso afirmar com inteira segurança que se observa constantemente esta disposição.

O Sr. Bernardino Roque: - O Sr. Ministro das Colónias está a mostrar que combate sistematicamente as minhas propostas. Se é uma redundância, para que hão-de ficar aquelas palavras? Se todo o funcionário tem de fazer, a viagem à sua custa, quando a transferência for pedida, aquelas palavras tambêm devem ser eliminadas.

O Sr. Nunes da Mata: - Como relator, aceito a proposta do Sr. Bernardino Roque. Não há inconveniente.

O Sr. João de Freitas: - Tinha pedido a palavra para me associar à proposta do Sr. Bernardino Roque, mas, visto o Sr. Nunes da Mata aceitar a proposta em nome da comissão, escuso de usar da palavra.

O Sr. Arantes Pedroso: - Peço a V. Exa. que seja consultado o Senado sôbre se permite que seja retirada a proposta que enviei para a mesa.

Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

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É rejeitada a emenda da comissão, e aprovada a do Sr. Bernardino Rogue. É aprovado o artigo, salva a emenda.

O Sr. Bernardino Roque: - Sr. Presidente: tenho aqui um artigo adicional para enviar para a mesa, mas tenho dúvidas ainda sôbre se o deverei enviar ou não. Vou lê-lo e depois dir-me hão se tenho razão para a minha dúvida.

Leu.

Êste artigo parece à primeira vista um contrasenso, visto que só o Congresso poderá revogar uma lei feita pele próprio Congresso.

Eu. sempre estive convencido que um Ministro não podia revogar uma lei do Congresso. Mas não é assim, visto que jurisconsultos de toda a confiança pensaram de maneira diferente, mesmo porque vejo no Diário do Govêrno, de 22 de Abril, uma lei revogada por uma simples portaria ministerial.

O Sr. José de Castro: - Isso não pode ser.

O Orador: - Não deveria ser. Mas vem no Diário do Govêrno essa portaria, e V, Exa. pode facilmente verificá-lo, pedindo e Diário do Govêrno de 2k! de Abril último. De forma, que a respeito disso, terei de ouvir o Sr. Ministro 'das Colónias, porque foi S. Exa. que revogou essa lei do Parlamento por meio duma simples portaria.

Vou, pois, enviar esta emenda para a mesa, quando mais não seja, para estabelecer doutrina.

.Desde que o Senado se manifeste entendendo que o Ministro não pode revogar uma lei do Parlamento, retiro a minha proposta,

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Sr. Presidente: não tenho dúvida em afirmar perante o Senado que a proposta de S. Exa. é contrária à Constituição.

O artigo 87.° diz:

"Quando estiver encerrado o Congresso, poderá o Govêrno tomar as medidas que julgar necessárias e urgentes para as províncias ultramarinas".

Dentro desta faculdade, evidentemente, o Govêrno pode publicar quaisquer medidas que vão de encontro a leis anteriores.

E mesmo necessário que isto suceda. O que não seria natural era que o Govêrno tivesse conseguido encontrar assunto, que não tivesse sido objecto de legislações anteriores. Isso não é natural que suceda, antes é natural que suceda justamente o contrário.

Uma medida tomada á sombra do artigo 87.° da Constituição há-de sempre implicar com uma lei anterior, ou seja com uma medida votada pelo Congresso, ou seja cora uma lei doutro modo de formação.

O Senado votará como melhor entender e, é claro, a Constituição será respeitada sempre que for exercida a faculdade, que ela concede, por qualquer Ministro que esteja neste lugar, actual ou futuro.

Se o Senado me consente, direi mais duas palavras, apenas, sôbre uma afirma cão feita pelo Sr. Bernardino Roque, de que uma portaria tinha revogado uma lei.

S. Exa. teve a amabilidade de me mandar o Diário do Govêrno em que veio publicada essa portaria, para eu ver que ela estava assinada pôr mim.

Como V. Exa. sabe, as leis são tantas que é sempre possível uma disposição ir contra outra doutra lei, mas desta vez tal caso se não deu.

O caso a que diz respeito a portaria é o seguinte: Havia uma lei para o pessoal dos quadros do ultramar que atribuía, designadamente àqueles que tinham a patente de capitão, urnas certas gratificações por diuturnidade de serviço. Mais tarde outra lei fixou-lhes uma gratificação diversa daquela que estavam recebendo e êles entenderam que, apesar da segunda gratificação lhes ser abonada pelo mesmo motivo, haviam de acumular as duas.

O que a portaria estabeleceu, foi que a segunda gratificação anulava a primeira.

Foi êste o meu intuito ao fazer essa portaria.

Nada mais tenho a dizer.

O orador não reviu.

O Sr. Nunes da Mata: - E para declarar que não concordo com a proposta do Sr. Bernardino Roque; em primeiro lugar, porque poderia ser tomada como reveladora de meãos confiança no Govêrno e no Ministro das Colónias; em segundo lugar, porque o Senado, por si só, não pode interpretar os artigos da Constituição e o espírito dos mesmos artigos.

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O Sr. Brandão de Vasconcelos: - A proposta é para defender o Poder Executivo, portanto, não ficava mal vir no projecto mais esta disposição.

O Orador- Se o artigo viesse em auxilio do artigo 87.° da Constituição, era desnecessário e até doutrinalmente inaceitável, pois que o artigo 87.° talvez hoje não lograsse maioria de votos. Tendo o artigo adicional em vista restringir ou inutilizar o referido artigo 87.°, tambêm não merece ser aceito e votado pelo Senado, por isso que êste não tem poderes de revisão dá Constituição, e tudo o que a êste respeito fizesse, seria constitucionalmente nulo.

É certo que, partindo todos nós do princípio de que o Govêrno e bem assim o Ministro das Colónias, pelos seus altos sentimentos patrióticos, só tinham a lucrar com um artigo que restringisse os seus poderes, evitando-lhes assim quaisquer más vontades, por parte de quem quer que fôsse, que pretendesse resoluções contrárias aos interesses gerais da nação, o projecto do Sr. Bernardino Roque era de grande utilidade para o Govêrno. Mas, por melhores razões que haja a seu favor, há uma em contrário que sobreleva a todas as outras, e é a de que não está nas nossas atribuições fazer o que S. Exa. pretende.

O Sr. Pedro Martins: - Sr. Presidente: se bem ouvi, a proposta do Sr. Bernardino Roque encerra a doutrina de que as disposições dêste projecto de lei não poderão ser revogadas senão pelo Congresso.

Sendo assim, e julgo que a impressão que tive foi exacta, porquanto o autor da proposta acaba de ter a gentileza de a confirmar, eu devo dizer que voto contra essa proposta, e vou dizer a S. Exa. qual a razão que me leva a votar contra o projecto do Sr. Bernardino Roque.

Voto contra a proposta de S. Exa., porque a considero fundamentalmente inconstitucional (Apoiados).

O artigo 87.° da Constituição é muito expresso, e, por isso, não oferece dúvidas.

Êste artigo da Constituição concede ao Govêrno faculdades legislativas, mas restringe-as ou impõe-lhe condições.

Para que o Govêrno use desta faculdade, é mister que esteja encerrado o Parlamento e que as medidas a adoptar sejam necessárias e urgentes.

Os Governos podem usar dessa faculdade, e decretar medidas para o ultramar, quando as julguem necessárias e urgentes.

Estando o Parlamento encerrado, a decretação dessas medidas é uma faculdade concedida aos Governos pela Constituição e, evidentemente, não podem ter essa faculdade, quando as Câmaras funcionem.

Vem depois o § único do mesmo artigo, que é preceptivo e a que o Govêrno tem de submeter-se e diz que, das providências tomadas para o ultramar, no período em que as Cortes não funcionam, tem o Govêrno que dar contas ao Poder Legislativo.

Então o Parlamento averiguará se foram ou não urgentes e necessárias essas medidas.

Parece-me, portanto, que a proposta do Sr. Bernardino Roque não pode ser aprovada; mas quando porventura o fôsse, o Sr. Ministro das Colónias, ou outro qualquer, não era obrigado a respeitar aquilo que nós votássemos, ou tivéssemos votado, e isto por uma razão muito simples, e é porque nós não podemos sobrepor-nos â Constituição. (Apoiados],

E na Constituição que nós vamos encontrar a legitimidade da nossa existência, da nossa acção e, ao mesmo tempo, a área da legitimidade dessa acção.

O Parlamento, mais tarde, pelo exame atento das circunstâncias poderá reconhecer que as - medidas adoptadas no interregno parlamentar não eram urgentes, nem necessárias, e então cabe-lhe o direito de as modificar ou de as revogar.

Isto é que é constitucional e legítimo.

O orador não reviu.

O Sr. Bernardino Roque: - Eu, quando apresentei a minha proposta, declarei que era meu único intento provocar explicações e fixar doutrina.

Isto dito, vou responder às considerações de S. Exa., no caso do Senado mo permitir.

O Sr. Presidente: - Será melhor V. Exa. responder em outra ocasião ao Sr. Ministro das Colónias, para não se postergar a discussão do parecer.

Eu marco êste assunto para outro dia.

O Orador: - Eu podia usar do direito de responder a S. Exa., pois não foi cônsul-

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tado o Senado para o Sr. Ministro tratar dêste assunto.

Não e quis fazer.

Conheço muito bem as praxes regimentais, e é por isso que eu peço a V. Exa. que consulte o Senado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Colónias disse meia dúzia de palavras.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - E essas palavras foram em resposta a umas outras que o Sr. Senador pronunciou.

O Orador: - Eu disse apenas que tinha sido revogada uma lei por uma portaria. Não me referi a V. Exa.

O Sr. Presidente entende que eu não devo responder às considerações de V. Exa.; acato a opinião do Sr. Presidente, e peço ao Sr. Ministro me proporcione ocasião para lhe provar que S. Exa. realmente revogou, uma lei por uma portaria.

Tenho dito.

Consultado o Senado, autorizou que o Sr. Bernardino Roque pudesse retirar a sua proposta.

É aprovado o artigo 5.°

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Vai pôr-se em discussão o parecer n.° 131-A, relativo ao orçamento do Ministério da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Álvaro de Castro): - Peço desculpa a V. Exa. e ao Senado de não ter estado presente a altura da sessão, em que ia ser pôsto em discussão o orçamento do Ministério da Justiça, mas tinha apresentado uma proposta na outra Câmara e tive necessidade de usar da palavra; depois veio o Sr. Afonso Cesta, que se encarregou da defesa dela, podendo eu, só então, vir para esta Câmara.

O Sr. Presidente: - Em nome do Senado agradeço a atenção de V. Exa.

Vou pôr a discussão a generalidade do orçamente de Ministério da Justiça, declarando que o parecer da comissão respectiva concorda com êle.

Vai ler-se.

O Sr. Sousa Júnior: - Requeiro a dispensa da leitura do parecer relativo ao orçamento do Ministério da Justiça.

Foi aprovado.

É o seguinte:

Senhores Senadores. - Incumbido pelo Senado, a que me honro de pertencer, de relatar o orçamento do Ministério da Justiça, para o ano económico de 1913-1914, procurarei desempenhar-me da honrosa missão nas menos palavras que me seja possível.

Êste Ministério tem uma tam exígua dotação que melhor lhe cabe a qualificação, de mesquinha.

Comparada com o dos outros, esta exiguidade escandaliza; a justa proporção não é, visivelmente, observada. A que causas profundas isto seja devido seria bom determina-lo para que o escandaloso contraste desaparecesse ou quanto possível, se atenuasse. Todos estamos de acôrdo, penso eu, em reconhecer que os serviços da justiça são primaciais numa nação civilizada; porque mecanismo vicioso é então possível que êles não tenham uma dotação, já não digo conveniente, mas correspondente à dos outros Ministérios? As grandes nações, onde caso semelhante se dê, podem responder triunfantemente que as necessidades de defesa e ataque e outras como estas impreteríveis obrigam a hipertrofizar as verbas de certos orçamentos, especialmente da Guerra e Marinha.

Pelas podemos nós dizer o mesmo? Infelizmente não. Gastamos perto de dez mil contos com o Ministério da Guerra e quási não temos exército.

Gastamos mais de quatro mil contos com o Ministério da Marinha e em vão procuramos a ilusão de possuirmos uma marinha de guerra. Todavia, procure-se bem nos orçamentos europeus e verificar-se há que dotações muito aproximadas das daqueles dois Ministérios bastam a criar e manter exércitos numerosos e eficazes e marinhas de considerável poder.

Donde a diferença? Convêm estudar, convêm averiguar. Convém, sobretudo, manter a justa proporção entre as despesas dos diversos Ministérios.

Eu bem sei que não é êste o lugar próprio para estas questões. Não será a propósito duma lei orçamental que se irá fa-

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zer uma remodelação geral de serviços públicos, que, sem aumentar as despesas, antes procurando diminuí-las, torne possível uma melhoria nos serviços e uma distribuição mais justa de dotações. Mas não é indiferente que estas questões se agitem, sempre que haja ensejo, como que a desafiar os grandes homens da nossa terra a conquistarem pela resolução dos grandes problemas nacionais o reconhecimento dos concidadãos e a imortalidade.

A tarefa é árdua è quási desafia as fulgurações do génio. Conhecer a fundo e em conjunto todas as necessidades desta República, assim como toda a organização dos seus serviços, ter dos seus recursos uma idea perfeita e saber proporcioná-los às necessidades, ser um homem de ideais elevados sem deixar de ser ao mesmo tempo um oportunista conhecedor de todas as forças que no seio dela se agitam e de as circunstâncias no meio das quais opera, ser ao mesmo tempo Ministro de todas as pastas, mas dum ponto de vista muito elevado, eis uma obra digna de estadistas e de exercer sôbre os da nossa terra a sedução dos superiores ideais. Mãos a esta grande obra; as gerações vos abençoarão emquanto houver portugueses. Tréguas à política mesquinha, que só demonstra não se ter da justa proporção das cousas a noção e sentimento adequados.

Não há documento que melhor sintetize o estado duma nação do que o seu orçamento.

A sua riqueza como a sua penúria, as suas qualidades como os seus defeitos, os seus ideais ou o seu marasmo, os Governos dum futuro prometedor como os prenúncios duma catástrofe, todos os pactos sociais em suína ali terão a sua tradução em números. A questão é de saber tê-las.

O orçamento da justiça é tambêm uma grande síntese, pelo que contêm e pelo que lá não está e devia estar.

Não irei passar em revista os seus diversos artigos, bastando que diga que, tendo os mesmos assentos em leis que não podem agora modificar-se, forçoso é aceita-los, salvo pequenas modificações que proporei.

A Câmara dos Deputados já fez modificações à proposta do Ministro, algumas por propostas de lei (três) de que o Senado tem agora que ocupar-se. Aceito essas modificações.

Seja-me lícito, a propósito do que eu entendo que devia estar e não está no orçamento da Justiça, chamar a atenção dos estadistas e legisladores para uma questão que eu julgo ser a que mais urgentemente reclama resolução; refiro-me ao saneamento moral da sociedade portuguesa.

É claro que, neste ponto, o Estado não pode tudo e está até muito longe disso; mas que êle não perca de vista jamais os deveres imperiosos que no assunto lhe incumbem. E uma questão de vida ou de morte para a nossa sociedade, onde a anarquia dos espíritos, os maus costumes, a tendência à generalização do crime e do grande crime e, por parte de muitos, o pouco amor ao trabalho se fazem demasiado sentir.

Ninguêm me contestará que o primeiro património duma nação seja o valor qualitativo da sua população. Procurar seleccioná-la é pois um problema primacial. Muito pode o Estado nesta parte, já pela educação, já pela repressão. A criminalidade aumenta por toda a parte, estendendo-se aos menores êsse crescendo assustador. Dir-me hão que o mesmo sucede por toda a parte. Não, não é bem assim. Em Inglaterra a criminalidade dos menores tem sensivelmente diminuído, o que constitui uma lisongeira promessa de futuro, Para obviar a tantos males os recursos são mais que insuficientes: cadeias que são verdadeiras escolas de crimes e, por condição insuperável, antros de ociosidade de vício e do crime; estabelecimentos de correcção e educação de menores delinquentes em número e capacidade insuficientes ; um código penal atrasado; e, muito difundido, um sentimentalismo mórbido em favor do criminoso, em vez da reprovação, como se nesses sentimentalistas as raias entre o crime e a virtude não fossem bem nítidas.

Urge reformar o Código Penal e o nosso sistema prisional, e multiplicar os institutos de regeneração de menores. Para já, era preciso fazer das prisões casas de trabalho, pela razão de que a pena deve ser moralizadora e moralidade e ociosidade são incompatíveis; e, demais, impõe se que os criminosos pesem o menos possível sôbre o Orçamento do Estado, e isso só pode conseguir-se obrigando-os a trabalhar. Orientemos todo o sistema repressivo no sentido de, dentro das atribuições

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e direitos do Estado e das previsões que já é permitido fazer sôbre a capacidade maléfica de cada delinquente, reduziremos com o menor dispêndio os maus à impotência, sem descurar a sua regeneração, quasi sempre impossível.

E não descansemos emquanto a criminalidade, especialmente a dos menores, não retrogradar até as proporções das estatísticas içais favoráveis; e nem sequer então o discurso será permitido.

Aceito, como já disse, o Orçamento tal como veio da Câmara dos Deputados, mas só genericamente, pois me parece que algumas modificações há a introduzir-lhe.

A verba para pessoal e material da Penitenciária de Coimbra é a mesma que a orçada para 1909-1910. Todavia, é certo que, se então a população orçava por cinquenta presos, hoje raia por trezentos e não se vê que esta população possa baixar. Em Dezembro do ano findo foi preciso reforçar a verba orçada com 13.900 escudos (lei de 28 de Dezembro de 1912): de sorte que é de elementar previsão reforçar a actualmente orçada com quantia que desta se aproxime.

No capítulo 6.° artigo 20.° a verba para despesas concernentes a internados nas cadeias do continente é escudos 13.000, menor do cus a do Orçamento anterior. É porem certo que do Orçamento em vigor só há 6.000 escudos de sobras; de sorte que é razoável elevar a escudos 147.000 a verba indicada.

No capítulo 5.°, artigo 11.°, Procurado ria da República de Lisboa, pessoal do quadro, deve suprimir-se a verba de 100 escudos "diferença de vencimento ao actual ajudante, por ser juiz de 2.ª classe".

Há ainda outras modificações que ou S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça ou eu proporemos na ocasião da discussão.

Proponho pois em suma:

1.° Que a verba para pessoal e material da Penitenciária de Coimbra seja reforçada com 10.000 escudos, de que, na ocasião de se discutir o orçamento se fará a distribuição pelas diversas verbas;

2.° Que a verba para despesas concernentes a internados nas cadeias do continente, artigo 20.° do capitulo 6.°, seja elevada a 147.000 escudos;

3.° Que no capítulo 5.° artigo 11.°, Procuradoria da República de Lisboa, pessoal do quadro, se suprima a verba de 100 escudos "diferença de vencimento ao actua5 ajudante por ser juiz de 2.ª classe".

Lisboa, 13 de Maio de 1913. = Francisco Correia de Lemos.

A comissão de orçamento do Senado concorda com a generalidade dêste parecer. = Manuel Goulart de Medeiros (com restrições) = Rodrigues da Silva = José Maria Pereira = João de Freitas (com restrições) = José Miranda do Vale = Tomás Cabreira = Luís Fortunato da Fonseca = Francisco Correia de Lemos.

Modificações feitas pela Câmara dos Deputados ao orçamento da despesa do Ministério da Justiça para o ano económico de 1913-1914

Resumo

[Ver valores da tabela na imagem]

Capítulo 5.° Serviços de justiça
Capitulo 6.° Serviços prisionais
Capítulo 8.º Serviços médico-legais
Capítulo 9.° Colónias agrícolas correccionais e penais
Total da despesa orçada

Desenvolvimento da despesa proposta

CAPÍTULO V

Serviços de justiça

Tribunais do 2.ª instância

Relação de Lisboa

Artigo 12. 4 juizes agregados a 2,133 escudos e 33,3 centavos
2 juizes agregados a 1.600 escudos
Despesa com o pessoal alêm do

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[Ver valores da tabela na imagem]

Relação do Pôrto

Artigo 12.° Pessoal alêm do quadro:

Aumentar: 1 juiz agregado
Despesa com o pessoal alêm do quadro

Artigo 12.° Pessoal alêm dos quadros:

Eliminar: 1 juiz de 2.ª instância em comissão
Despesa com o pessoal alêm dos quadros

Juízos de 1.ª instância

Artigo 12.° Pessoal alêm do quadro:

44 juizes de 1.ª instância, no quadro sem exercício
2 a 888 escudos e 88,8 centavos
8 a 6ti6 escudos e 66,6 centavos
Despesa com pessoal alêm do quadro

Ministério Público

Procuradoria Geral da República

Artigo 11.° Pessoal do quadro:

2 amanuenses a 400 escudos
Despesa com o pessoal do quadro
Total do capítulo 5.°

CAPÍTULO VI

Artigo 15.° Cadeia Penitenciária de Lisboa:

Substituir: "gastos gerais com os presos" pôr: "diversas despesas".

Cadeias nas ilhas adjacentes

Artigo 15.° Eliminar todo o artigo: Pessoal dos quadros
Total da capítulo 6.°

CAPÍTULO VIII

Posto Antropométrico de Lisboa

Artigo 28.° Diversas despesas
Despesa com o Posto Antropométrico de Lisboa
Posto Antropométrico do Pôrto
Artigo 28.° Diversas despesas
Despesa com o Posto Antropométrico do Pôrto
Total do capítulo 8.°

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[Ver valores da tabela na imagem]

CAPITULO IX

Colónia Agrícola Correccional de Vila Fernando

Artigo 29.° Pessoal do quadro:

1 professor de instrução primária
1 professor de desenho e trabalhos manuais.
1 secretário
1 amanuense
3 guardas de 1.ª classe a 180 escudos
5 guardas de 2.ª classe a 162 escudos

Aumentar:

1 enfermeiro e auxiliar do ecónomo
1 instrutor e auxiliar do professor
Eliminar: 1 capelão
3 membros da comissão administrativa.
Despesa com o pessoal do quadro
Total do capítulo 9.°

Proposta de lei n.° 127-E

Artigo 1.° É extinta a comissão administrativa da colónia agrícola correccional Vila Fernando e fica tambêm suprimido o cargo de capelão do mesmo estabelecimento.

Art. 2.° O quadro do pessoal e respectivos vencimentos, que fazia parte do regulamento de 17 de Agosto de 1901, é substituído pelo seguinte:

[Ver tabela na imagem]

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso, em 2 de Maio de 1913. = José Augusto Simas Machado, Presidente. = Rodrigo Fernandes Pontinha, 1.° Vice-Secretário. = Pedro Januário do Vale Sá Pereira, 2.° Vice Secretário.

Proposta de lei n.° 127-F

Artigo 1.° Todos os juizes de qualquer classe ou instância, que em 30 de Julho de 1913, se encontrarem no quadro sem exercício e com vencimento, serão na primeira quinzena do mós imediato, pelo Ministério da Justiça, submetidos a inspecção médica.

§ 1.° Os juizes havidos por aptos serão colocados na efectividade do serviço na proporção dum por cada duas vagas que ocorrerem. Dos declarados incapazes serão aposentados, a requerimento seu ou do Ministério Público, com o tempo e a pensão a que pela lei vigente tiverem direito e com prévio parecer do Conselho Superior de Magistratura Judicial, os que nos últimos cinco anos tiverem estado mais dum ano no quadro, sem exercício e com vencimento, passando desde logo e definitivamente a êsse quadro, com prejuízo de ordenado o antiguidade, os que se verificar não terem direito â aposentação.

§ 2.° A nenhum juiz, que regressar ao serviço, por ser pela inspecção médica havido como apto para êle, será permitido

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reverter ao quadro sem exercício, de modo a conservar-se neste com vencimento, por mais tempo de que um ano, contado da sua primitiva colocação no dito quadro, ficando nesta última hipótese, sujeito, desde logo ao procedimento indicado no parágrafo anterior.

Art. 2.°-Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso, em 2 de Maio de 1913. = José Augusto Simas Machado, Presidente. = Jorge Frederico Valez Caroço, 1.° Secretário. = Pedro Januário do Vale Sá Pereira, 2.° Vice-secretário.

Artigo 1.° Todos os juizes de qualquer classe ou instância, que, em 30 de Junho de 1913, se encontrarem no quadro sem exercício e com vencimento, serão na primeira quinzena do mês imediato, pelo Ministério da Justiça, submetidos a nina inspecção médica.

§ 1.° Os que nessa situação se encontrarem há mais de um ano serão, ou colocados no dito quadro com prejuízo de antiguidade e vencimento, ou aposentados, a requerimento seu ou do Ministério Público, com o tempo de serviço que for liquidado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, e a, pendão a que tiverem direito, nos termos da legislação em vigor.

§ 2.° A nenhum juiz, que regressar ao serviço, por ser por inspecção médica havido como apto para êle, será permitido reverter ao quadro sem exercício, de modo a conservar-se neste com vencimento, por mais tempo do que um ano, contado da sua primeira colocação do dito quadro, ficando, nesta última hipótese, sujeito, desde logo, ao procedimento indicado no parágrafo anterior.

Art. 2.° Os juizes adidos ou no quadro sem exercício, por motivo de enfermidade, serão abonados de dois terços do seu vencimento nos primeiros dois trimestres, de metade no terceiro e dum têrço no último trimestre.

§ único. Exceptuam-se do aqui disposto os juizes que na situação de adidos se acharem em funções legislativas ou quaisquer comissões do Govêrno.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário. = Caetano Gonçalves,

Proposta de lei n.° 127-G

Artigo 1.° As Câmaras Municipais nos distritos de Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada inscreverão nos seus orçamentos as verbas necessárias para pagamento das despesas com o pessoal e material das cadeias comarcas e concelhias daqueles distritos, a contar do mês de Julho do corrente ano.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso, em 2 de Maio de 1913. = José Augusto Simas Machado, Presidente. = Jorge Frederico Velez Caroço, 1.° Secretario. = Pedro Januário do Vale Sá Pereira, 2.° ViceSecretário.

Proposta

Capítulo 6.°:

Artigo 1.° As câmaras municipais nos distritos de Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada inscreverão nos seus orçamentos, a começar no próximo ano económico de 1913-1914, as verbas necessárias para pagamento das despesas com e pessoal e material das cadeias comarcas e concelhias daqueles distritos.

Art. 2.° Do orçamento do Ministério da Justiça eliminar-se há, a partir do mesmo ano económico, a verba de 426.800 escudos, que, sob a rubrica de "Cadeias nas ilhas adjacentes", figura no capítulo 6.° do dito orçamento.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário. = Caetano Gonçalves.

Parecer n.° 83-B

Senhores Deputados. - O orçamento da Justiça está muito reduzido è é relativamente pequeno, não só comparado com várias outras colunas orçamentais, como se atendermos à complexidade e importância dos serviços públicos que são organizados e dirigidos por êste Ministério.

Não é exclusiva de Portugal uma situação que, por certo modo evidente, demonstra que os Estados tam ufanos de alta civilização pouco se prendem infelizmente ainda com o desenvolvimento da função enérgica da Justiça, cujos princípios são factores de paz e trabalho, embora nos apareçam duramente sobrecarregados pelas duas mais absorventes questões postas em ordem do dia e que a cada hora mais embaraçam os Governos - os armamentos e as despesas sociais.

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22 Diário das Sessões do Senado

Dizia Goethe - "não são as cifres que governam o mundo, mas são úteis porque nos ensinam como o mundo é governado".- A comparação, em números globais, das despesas de vários Ministérios, aqui e alêm, teria, pois, como- que um valor barométrico na apreciação do ambiente político em que vão decorrendo nossos dias. Um exemplo.

Orçamentos de 1910 (em milhões de francos):

[Ver valores da tabela na imagem]

Alemanha:

Interior
Exército
Marinha
Estrangeiros
Justiça

Rússia:

Interior
Guerra
Marinha
Estrangeiros
Justiça
Instrução

França:

Interior e cultos
Guerra
Marinha
Estrangeiros
Justiça
Instrução e Belas-Artes

Em Portugal - proposta do orçamento para 1913-1914 (em escudos):

Justiça
Interior
Guerra
Marinha
Estrangeiros
Fomento
Colónias

O desigual movimento de milhões acusados nos primeiros quadros (que o segundo modestamente acompanha e confirma) é visto somente dum ponto médio, pois que não se levaram em conta os créditos extraordinários, que aumentam grandemente as somas, chegando por vezes a ultrapassar as previsões orçamentais, já feitas com largueza, e não havia em 1910 o ímpeto

receoso de guerra atingido o momento crítico que hoje parece ter soado na Europa, levando, ao menos por agora, a todos os orçamentos uns milhares de francos (o orçamento francês calculava 4.795 milhões de despesa, que vão ser excedidos em elásticas e graves proporções), exigindo pesadíssimos e talvez irreparáveis sacrifícios aos contribuintes e cidadãos activos, e lançando na intranquilidade os mercados financeiros.

A obrigação fundamental de estabelecermos uma defesa rápida e segura do nosso vasto património, outras causas não nenos importantes se acrescentam, complicando entre nós o problema orçamental, como a necessidade de se atender sem demora à propaganda da instrução profissional e técnica e a de realizar um plano scientífico de progresso económico, a que pertencem as medidas de fomento que possam valorizar grande parte da terra portuguesa inculta, encravada ou fracamente reprodutiva.

Os serviços integrados ou dependentes do Ministério da Justiça não desequilibram o orçamento.

[Ver valores da tabela na imagem]

Total da dotação
Serviços de justiça
Serviços de protecção a menores
Serviços médico-legais
Colónias agrícolas, correccionais e penais

Muitos dêstes serviços vão, porem, ser profundamente reformados; de tais reformas, que não deixarão de introduzir em alguns largas inovações, resultará certa mente um novo aspecto na distribuição e conjunto das despesas.

Fez-se um inquérito ás secretarias que compõem o Ministério da Justiça e, baseado nele, se devem reorganizar em harmonia com as actuais necessidades a que correspondem e tendo em boa conta os interesses financeiros do Estado. Há comissões encarregadas duma nova reforma judiciária, das modificações a introduzir no regime p3nitenciário e no sistema penal e prisional.

A nossa tarefa no exame do Orçamento, menos difícil por essa circunstância, mas, porventura, por isso tambêm mais ingrata, encontra-se estreitamente delimitada, por-

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que seria estéril e pareceria pretensioso que apontássemos sérias alterações, mesmo porquanto as mais importantes dependem de leis, a cujo estudo, que bem carece de reflectido saber, esta Câmara será chamada. Não alteramos assim o Orçamento, convindo acentuar que a despesa foi muito reduzida.

Depois da Lei de Separação, a Direcção Geral dos Negócios Eclesiásticos não deve subsistir como funciona actualmente, se bem que não possa de repente eliminar se um órgão executivo das deliberações sôbre bens que pertenceram à Igreja e são actualmente administrados pelo Estado e onde se concentrem as relações de natureza jurídica que não admira encontremos ainda entre o Poder Executivo e institutos que durante largo tempo se combinaram com a vida nacional.

Conviria tambêm que no futuro Orçamento do Ministério da Justiça, emquanto a êle estiver agregada, se mencionassem descriminadamente as contas da Comissão Central de Execução da Lei de Separação, abrangendo não só as receitas (artigo 139.°, capítulo 9.° do orçamento das receitas), como as diversas despesas feitas, forma de organização da nova secretaria e o mapa das contas apresentadas pelas comissões concelhias, o que seria um elemento valioso na análise orçamental.

Na reforma dos serviços do Ministério, cumpriria atender igualmente, regularizando-a, à situação dos empregados menores aíêm do quadro, mantendo os que são necessários e procurando evitar que, a pretexto dum serviço temporário, os indivíduos chamados se demorem como empregados sem situação legal definida.

O número dos juizes no quadro, sem exercício mas com vencimento, vem sendo lentamente reduzido, com oscilações e incertezas.

Número dos juizes no quadro, em 30 de Junho:

[Ver valores da tabela na imagem]

1894-1895, 45
1900-1901, 58
1904-1905, 70

De 1895 a 1905 regressaram á efectividade apenas oito juizes, situação anómala que vinha exigindo pronto remédio, chegando o Sr. Dr. Montenegro, quando Ministro da Justiça, a lembrar nas suas propostas de organização judiciária algumas medidas atenuantes do mal.

Neste orçamento ainda nos aparecem 54 juizes: 3 do Supremo Tribunal de Justiça, 7 da Relação e 44 de 1.ª instância, vencendo 41.133,282.

A nova organização judiciária não deixará de prover de remédio êste deplorável quadro, a que nem sempre razoes de indiscutível moralidade dão lugar, porque de tudo se abusa e aqui o abuso é grosseiro e nocivo tanto dos interesses do Estado como da própria justiça. Evidentemente se impõe a assistência aos magistrados doentes na proporção da sua idade e serviços, mas prescinde-se dum cómodo asilo para magníficos inválidos.

Lembramos a conveniência de colocar em serviço ou regular a situação do pessoal alêm dos quadros da Relação e Procuradoria da República nos Açôres, extintas por decreto de 24 de Outubro de 1910.

Há tambêm pessoal nos quadros, cujo pagamento devia pertencer às câmaras municipais e não ao Estado: são os 11 carcereiros das cadeias nos distritos de Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta, que custam 426,800 escudos, pois ignoramos com que fundamento legítimo se possa estabelecer tal diferença entre o regime das cadeias.

As câmaras não ficariam oneradas e terminava a desigualdade que, por ser pequena a soma, não escapa a reparos justificados.

É lamentável que se não tivesse ainda conseguido uma estatística completa, quanto possível, do movimento judiciário com a enumeração de todos os processos e acções, indicação de sua natureza jurídica e objecto especial, quando e onde foram propostos, trâmites que seguiram e sobretudo marcando as quantias despendidas em custas, selos, papel selado, preparos, segundo a conta, quadros êstes que nos habilitariam não só ao estudo da evolução prática do direito, mas serviriam como documento elucidativo na resolução de várias questões importantes, como a da necessidade de reduzir o número de comarcas, as da competência e limites de julgamento, vantagens ou inconvenientes da substituição do pagamento por emolumentos pelo sistema de ordenados fixos a todos os funcionários de qualquer categoria.

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Poderíamos tambêm assim avaliar com segurança das quantias cobradas pelo Estado nos serviços de justiça; e, comparando-as com verbas que vem dispersas na receita (capítulo 1.°, artigos 7.° e 21.°; capítulo 6.°, artigos 68.°, 69.°, 70.°, 81.º e 92.°; capítulo 9.º, artigos 128.°, 129.° e 130.°) e com a despesa prevista no Orçamento, porventura facilmente encontraríamos a média do custo anual da administração da justiça, que importava conhecer.

Uma das reformas que há-de aliviar e Orçamento de pesadas quantias que dada hoje o oneram é a do Código Penal, dos serviços correccionais e prisionais, denominadamente do sistema penitenciário.

Neste ponto nós adormecemos levados na onda de sentimentalismo que, explicável come justamente revolucionária na época em que surgiu, se tornou seriamente incompatível com a evolução da sciência criminal positiva. Ao Estado incumbe ainda, contra as mais rudimentares noções sociológicas, sustentar todos os criminosos, tanto os que necessitam antes de hospitalização como os que se habituaram ao crime, dele fazem vicia e premeditadamente vão aos tribunais buscar o contrato da arrendamento e sustento nas cadeias. E espantoso o que se gasta em prisões, em miseráveis prisões imundas, onde se fabricam tantos criminosos, e em penitenciárias que se encontram há muito condenadas como excelentes laboratórios de degenerescência física e moral. Ao contrário do que parece deveria ser, o criminoso (evidentemente não nos referimos a classes especiais para que se prescreve um regime adequado) não é obrigado a um trabalho intenso, activo, sistematicamente ordem do, que o force a indemnizar a vítima, a família que á sua reclusão pode levar à miséria e o Estado que tem de o abrigar a guardar. Sem levarmos tam longe, como Monis ou Prins, a idea da reparação do prejuízo, julgamos que a obrigatoriedade do trabalho é talvez uma das formas mais úteis da individualização da pena (Saleilles, Riviere, etc.) porque, como diz Maxwell - "a pretendida igualdade de todos os culpados diante da pena é uma idea falsa que, sob uma aparente justiça, dissimula uma terrível desigualdade"; e entendemos que é nos trabalhes forcados. agrupando-os conforme as categorias criminais a que pertencem, ou em oficinas-cadeias, ou em oficinas comuns, ou em trabalhos públicos, sem os estigmas que faziam da pena um castigo infamante, ou era colónias agrícolas fechadas ou na colonização com certas liberdades que se devem empregar muitos criminosos, reservando o isolamento forcado apenas para ligeiras penas, quando não aconselhado pela psiquiatria.

Actualmente os criminosos são burocratas, com lugar marcado, e não pequeno no orçamento.

O mesmo regime de trabalho obrigatório nos parece aplicável a certos reincidentes, aos quais, como medida preventiva, se reservam penas de maior duração que a estabelecida (Código Penal Norueguês, lei inglesa de 21 de Dezembro de 1908, projecto do Código Penal Austríaco), e foi defendido, muito recentemente, como útil instrumento para lutar contra a vagabundagem e atenuar a miséria, na obra de Anatole Weber - Essai sur le problème de la misère.

Várias reclamações foram, presentes a esta comissão:

1) Do ilustre Dr. Francisco António da Veiga Beirão, mostrando ter direito ao ordenado do lugar de conservador do registo predial de Lisboa, que vem incluído no Orçamento, e a que deu lugar uma votação do Senado na sessão passada;

2) De Francisco Januário Vaiadas, subchefe arquivista da Procuradoria Geral da República, e com parecer favorável da mesma, alegando que, sendo aquele seu lugar imediatamente superior ao de amanuense, apenas ganha mais 20$000 réis anuais, ficando a vencer menos ainda que os próprios amanuenses se se aposentar, não obstante a maior responsabilidade e trabalhos do seu cargo (decretos de 15 de Janeiro de 1891 e 29 de Maio de 1907).

Esta reclamação merece ser ponderada, mas só o Congresso pode alterar a lei com outra lei;

3) Dos oficiais chefes de secção da Procuradoria Geral da República, dizendo: pois que fora (pelo artigo 1.° do decreto de 15 de Janeiro de 1891, autorizado pelo decreto n.° 1 de 29 de Marco de 1890) equiparada a secretaria da Procuradoria Geral - para todos os efeitos legais - ás secretarias do Estado de qualquer Ministério, e desde que o artigo 2.° do decreto de 29 de Maio de 1907 estabelecera "que os ordenados dos diversos amanuenses dos

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quadros das direcções gerais dos diversos Ministérios e os que tem classificação de oficiais e amanuenses nas Relações e Procuradorias de Lisboa e Pôrto, sejam fixados em 600$000 réis anuais...", os seus ordenados (actualmente de 500$000 réis de categoria e 100$000 réis de exercício), para que sejam igualados como é da lei, devem ser de 600 escudos de categoria sem remuneração diferente pelo exercício.

Esta reclamação parece-nos justa e legal e pode ser desde já atendida porque não agrava o orçamento.

Em conclusão: Á vossa comissão é de parecer que o orçamento do Ministério da Justiça, atendendo â sua estrutura e às reformas pendentes, depois de ouvidos o respectivo Ministro e o das Finanças, deve ser aprovado com as ligeiras modificações que apontamos:

a) Capítulo 5.°, artigo 11.°, 2 oficiais chefes de secção elevar o vencimento de categoria a 600 escudos e eliminar a verba de 100 escudos pelos exercícios;

b) No mesmo capítulo 5.°, p. 17, onde se lê: "46 juizes de 1.ª instância no quadro sem exercício", deve ser 44 juizes...

c) Capítulo 6.°, artigo Í0.° - eliminar diversas despesas - rubrica indevidamente colocada:

Substituir "gastos gerais com os presos" por "diversas despesas";

d) Postos antropométricos:

Capítulo 8.°, artigo 28.° (posto de Lisboa) e 28.° (posto do Porto):

Reduzir 25 centavos em cada uma das verbas para diversas despesas de 700 e 350 escudos, o que soma 1.100 escudos, por isso que a receita é prevista em 1.000 escudos no respectivo orçamento (capitulo 9.°, artigo 128.°, veja-se observação);

e) No capítulo 9.° - Colónia Agrícola Correccional de Vila Fernando - avaliam-se os rendimentos, pelos quais tem de ser pagas diversas despesas, em 13.150 escudos, mas no orçamento das receitas são os mesmos rendimentos calculados em 16.150 escudos, importando por isso conferir as duas verbas;

f) Sôbre a mesma Colónia Agrícola tem esta comissão a honra de apresentar à Câmara um projecto de lei, de que resulta urna diminuição de despesa de 806 escudos, e que julga deve merecer a vossa aprovação;

g) Parece-nos de justiça que o excedente da verba da receita prevista no artigo 128.°, capítulo 9.°, do orçamento respectivo, seja aplicado por êste Ministério na obra social de protecção a menores;

h) Que são dignas da vossa aprovação as alterações constantes dos mapas juntos apresentados a esta comissão pelo ilustre Ministro da Justiça e de que resulta uma diminuição de despesa de 2.622,220 escudos;

i) Que a Câmara se pronuncie sôbre a inclusão no orçamento - na verba de exercícios findos - da quantia de 3.064,70 escudos destinada ao pagamento de despesas feitas na Penitenciária de Lisboa, no ano económico de 1911-1912.

Sala das sessões da comissão, em 2 de Abril de 1913. = Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães = Jorge de Vasconcelos Nunes = Aquiles Gonçalves = José Botelho de Carvalho Araújo = Manuel Bravo = Severiano da Silva = Eduardo de Almeida.

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26 Diário das Sessões do Senado

Nota comparativa das somas propostas para o orçamento de 1913-1914 e as que resultam depois de efectuadas as alterações constantes do desenvolvimento geral

[Ver tabela na imagem]

Ministério da Justiça, 1 de Abril de 1913. = Álvaro de Castro.

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Alterações ao orçamento proposto para 1913-1914 pelo Ministério da Justiça

[Ver tabela na imagem]

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28 Diário das Sessões do Senado

Projecto de lei n. 119-B

Artigo 1.° É extinta a comissão administrativa da colónia Agrícola Correccional de Vila Fernando e fica tambêm suprimido o cargo de capelão do mesmo estabelecimento.

Art. 2.° O quadro do pessoal e respectivos .vencimentos, que fazia parte do Regulamento de 17 de Agosto de 1901, é substituição pelo seguinte:

Quadro do pessoal de harmonia com as modificações propostas

[Ver tabela na imagem]

Art. 3.º Fica revogada em contrário. = Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães = Aquiles Gonçalves = Jorge de Vasconcelos Nunes = José Botelho de Carvalho de Araújo = Manuel Bravo = Severiano da Silva = Eduardo de Almeida.

Colónia Agrícola Correcional de Vila Fernando

Quadro do pessoal segando o regulamento de 17 de Agosto de 1901

[Ver valores da tabela na imagem]

3 Membros da comissão administrativa
1 Director
1 Médico
1 Capitão
1 Agrónomo
Professor de instrução primária
Professor de desenho
Primeiro escriturário
Segundo escriturário
Escriturário agrícola
Ecónomo
Feitor
Chefe de guardas
Guardas de 1.ª classe a 180 escudos
Guardas de 2.ª classe a 146 escudos
Encarregado do Observatório e telégrafo

Quadro com as modificações propostas

Director
Médico
Agrónomo
Professor de instrução primária
Professor de desenho e trabalhos manuais
Secretário
Amanuense
Ecónomo
Feitor
Fiscal
Enfermeiro e auxiliar do ecónomo
1 Instrutor e auxiliar do professor
Guardas de 1.ª classe a 180 escudos
Guardas de 2.ª classe a 162 escudos
1 Encarregado do Observatório e telégrafo
Quadro de 17 de Agosto de 1901
Idem com as modificações propostas
Diferença para menos

O Sr. Pedro Martins: - Nota que os pareceres, quer o desta Câmara, quer o da outra, a propósito do Orçamento do Ministério da Justiça, são resumidos, o que bem demonstra que os negócios da justiça, em

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Portugal, nos diversos órgãos de administração, sofrem das maiores deficiências, da maior pobreza, das maiores lacunas e são bem diferentes do que era desejável que fossem.

Declara que, sendo já uma hora tardia aquela em que se analisa o Orçamento, não se podem fazer as considerações a que de se prestaria, se porventura fôsse apresentado à discussão há mais tempo, logo em Janeiro, porque assim iríamos conhecendo os recursos do país e o mecanismo dos diversos serviços, e, á medida que fôssemos examinando o aspecto financeiro, iríamos conjuntamente examinando o aspecto administrativo dos diversos serviços e dest'arte, levantaríamos ao desejável os diversos serviços da justiça.

Neste Orçamento, tal como era feito, a tarefa do Ministro da Justiça se encontrava muito facilitada - era dizer ao chefe da contabilidade que fôsse ás diversas organizações dos serviços, visse nos orçamentos anteriores quais as verbas votadas para cada serviço em especial e, neste mesmo Orçamento, fizesse, quanto possível, economias, tirando aqui e ali, onde fôsse possí vel, no sentido de conseguir um total que não escandalizasse ou impressionasse.

Não censura o Sr. Ministro da Justiça por isso, tanto mais que, alêm da simpatia pessoal que S. Exa. lhe inspira, apraz-lhe reconhecer que S. Exa. alguns esforços tem feito no sentido de melhorar a organização dos serviços, esforços que, por ora, apenas estão em boas intenções e consistem na nomeação de comissões para organizar diversos serviços de justiça; mas como S. Exa. não pode ir para a realização efectiva do desideratum, sem que préviamente tenha mandado estudar êsses serviços, claro é que cie, orador, num impulso de justiça, que sempre tem por todos e, de maneira particular, por S. Exa., não pode .senão, nos poucos meses da gerência de S. Exa. na sua pasta, registar benevolamente os seus esforços.

O esforço do Sr. Ministro da Justiça é a prova clara de que os serviços se não encontram bem organizados, de que, se quisermos fazer um Orçamento do Ministério da Justiça, temos de organizá-lo muito diversamente do que aquele que aparece aqui.

Mas a proposta orçamental mantém-se conforme a lei manda, e segundo as diversas leis trata-se de calcular as despesas para mais ou para menos.

O tempo dirá se foram calculadas com aquela aproximação ou precisão correspondente à realidade, e se porventura o Sr. Ministro da Justiça não terá que pedir créditos especiais, que vão transformar a gerência numa cousa muito diversa da previsão orçamental.

Será então ocasião de ver se a previsão foi justa ou não.

Então, se porventura tivéssemos tempo de fazer uma discussão larga do Orçamento, seria ocasião de, juntamente com a disposição orçamental, procurar a modificação do Ministério da Justiça, isto é, uma reorganização que viza às necessidades sociais de maneira a que a sua obra não seja nula, no sentido de criar um meio de defesa da sociedade.

É partidário do equilíbrio orçamental, mas não há de ser um equilíbrio por assim dizer forcado, de tal sorte que vá perturbar o exercício dos diferentes órgãos sociais.

Referindo-se à organização dos serviços eclesiásticos, levanta-se no seu espírito a dúvida quanto à necessidade duma dotação tam larga como é a da Direcção Geral dos Negócios Eclesiásticos, dada a situação sob o ponto de vista religioso em que o país se encontra e perante as nossas relações com o Vaticano.

Para outra verba chama a atenção especial do Sr. Ministro da Justiça, é a que Consta do capítulo 4.°, artigo 10.°, serviço de registo civil.

Crê que o Sr. Ministro da Justiça há-de empregar os seus esforços no sentido de amputar todos os defeitos que, porventura, possa haver, a fim de que êste serviço seja o mais perfeito possível e em harmonia com as leis em vigor, por isso julga que as previsões de S. Exa. hão de ser excedidas e as contas de gerência hão-de dar uma impressão muito diversa da proposta orçamental.

O artigo 3.° da tabela que acompanha o decreto de 11 de Fevereiro de 1911 estabelece que nos processos para mudança de nome e nos de dispensa de parentesco o interessado pagará a quantia fixa de, 9$000 na 1.ª espécie e de 24$000 na 2.ª a qual será distribuída pelo conservador ou oficial que preparar o processo e pela i Conservatória Geral nas seguintes propor-

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ções: 1/3 para o consumidor ou oficial; 2/3 para a Conservatória Geral.

Que destino tem pois esta receita?

E para a conservatória geral, tem una destino especial, próprio.

E por isso que quando se fala em despesas da conservatória geral e das câmaras municipais do país, se diz:

Leu.

Porque se não alude no Orçamento a esta verba especial, que é própria da conservatória do registo civil?

Naturalmente essa verba deverá ir para as despesas, logo, deverá tambêm ser consignada no Orçamento para as despesas da conservatória, tanto toais que por êsse decreto preciso e claro se infere que o destino dessa verba é para as conservatórias.

Isto, note-se, pode vir a ser uma verba importantíssima, com o desenvolvimento da população e dos negócios, por que necessáriamente os processos de mudanças de nome hão-de aumentar, assim como os processos de dispensa, de impedimento, podem ser em grande número, e, como 2 terços dessa verba pertencem à conservatória, pode essa verba alcançar uma importância verdadeiramente apreciável, e, desde que na lei está que essa verba é para as conservatórias do registo civil e amanha pode ser criada a direcção do registo civil, evidentemente essa verba não pode ter outro destino e no Orçamento se deve fazer referência a ela, pois que só assim ficará sendo exacto e inteiramente verdadeiro o seu destino.

Decerto que o Sr. Ministre ca Justiça vai esclarecer relativamente a êste ponto e dizer-nos o que S. Exa. entender a êste respeito.

Encontrando-se o Orçamento elaborado de harmonia com as disposições legais, todas as considerações que fez com referência à nossa lei de receitas e despesas, são tendentes a lamentar a organização dos nossos serviços, que nós não podemos remediar de pranto; o que podemos, apenas, é chamar para ela a atenção dos Governos, e, reste caso, faz votos porque o Sr. Ministro da. Justiça esclareça o Senado com referencia aos assuntos a que se referiu.

Espera que, quando se fizer a reforma do novo Código Penal, ela não assentará em princípios abstractos, mas em princípios derivados da experiência adquirida nos meios onde se encontra urna cultura florescente da sciência criminalista, de maneira que o indivíduo, que saia dos estabelecimentos penais, venha regenerado, em vez de sair pior, como sucede.

O Sr Ministro da Justiça, decerto com o melhor intuito, pensou em nomear uma comissão que estude a reforma da nossa lei penal, que reorganize os nossos serviços prisionais, que procure organizar melhor os diversos ramos dêste serviço.

Por isso S. Exa. é credor de todo o nosso apoio.

Resta saber se porventura o Sr. Ministro da Justiça, em vez de melhorar a situação, combater o mal, procurar cortar os defeitos da actual organização de justiça, melhorar aquilo que seja susceptível de melhorar, não enveredará por campo oposto ; se porventura S. Exa. olhará com serenidade para a questão, restringindo-se a fazer, não uma obra espectaculosa, mas uma obra útil, modesta e proveitosa.

A medida da discussão da especialidade apresentará mais algumas considerações.

Com respeito a uma verba sôbre que recaiu o parecer da comissão do Senado, a verba para o pessoal actual da Penitenciária de Coimbra, se porventura se mantiver o regime prisional actual, pela necessidade e conveniência das prisões se manterem nas condições actuais e o custeio com a manutenção dos presos continuar a ser o que tem sido ultimamente, é evidente que averba há-de ser reforçada como foi no ano anterior, mas o Sr. Ministro da Justiça tem o meio fácil dos créditos especiais, para reforçar essa verba.

Mesmo na lei de contabilidade há disposição que o permite.

O orador não reviu.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente: começarei por cumprimentar o ilustre relator do parecer da comissão do Senado Sr. Correia de Lemos, pelo relatório, e tambêm o Sr. Ministro da Justiça que tenho muito prazer em ver nesta sala, porque não tive igual sorte, quando se discutiu o orçamento das receitas. Presto homenagem ao Sr. Ministro da Justiça, que tamanho zêlo e inteligência tem mostrado em melhorar os serviços de justiça. Sr. Presidente: tenho por costume ler o

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parecer das comissões do Senado para ver como hei-de votar o projecto de lei, e assim, obedecendo a êsse preceito, li com a maior atenção o parecer da comissão do Senado e notei algumas passagens que são de maior importância.

Logo os primeiros períodos o Sr. Correia de Lemos nota muito justamente a grandíssima desproporção entre o Orçamento do Ministério da Justiça e os outros orçamentos.

É realmente lamentável que estejamos a fazer pesar sôbre o orçamento quantias tam avultadas como a destinada ao Ministério da Guerra e à Marinha, e depois o Ministro venha confessar que afinal temos feito sacrifícios que não correspondem aos resultados efectivos.

Peço licença para observar a S. Exa. que a propósito da discussão se devem ventilar aqui as questões que se prendem com a economia nacional.

Entende S. Exa. que êste não é o lugar próprio.

E nesta discussão que o Poder Legislativo pode apontar ao Poder Executivo quais os serviços públicos que necessitam de remodelação, e dar-lhe fôrça para pedir os recursos necessários para remodelação dêsses serviços.

A função principal do Ministério da Justiça é acudir à tendência para o crime, evitando que êle se generalize. Antes se deve prevenir do que castigar o criminoso, esta é a corrente das ideas modernas.

É de todo o ponto louvável o empenho do Sr. Ministro da Justiça em estabelecer as Colónias agrícolas para que os criminosos se possam regenerar e organizar os serviços por maneira a prevenir os crimes.

Para êsts ponto chamo a atenção do Senado.

Nestas condições, felicito o Senado pela insistência com que foi votado o projecto, para poder pôr em funcionamento a colónia agrícola.

Ora, Sr. Presidente, eu queria fazer coro com a comissão do Senado e com o seu ilustre relator, o Sr. Correia de Lemos, em pedir que se multipliquem, tanto quanto possível, as escolas correcionais para delinquentes menores, e se organizem da melhor forma possível, para que os delinquentes saiam delas perfeitamente regenerados, e assim é que eu, de passagem, peco licença para ponderar ao Sr. Ministro da Justiça que na- reforma que projecta fazer dos serviços de justiça e penais, desejaria que nessas escolas, como na de Vila Fernando, houvesse uma pessoa incumbida de dirigir a educação física dos internados.

Não quero alongar-me em considerações sôbre a relação que há entre a regeneração dos menores e a acção benéfica que a chamada gimnástica fisiológica exerce sôbre o espírito dos delinquentes; mas está reconhecido em toda a- parte que um dos elementos mais importantes de educação moral é a educação física.

Existe uma relação tam estreita entre a parte física da personalidade humana e o espírito, as relações do corpo com o espírito são de tal maneira estreitas, que está provado que para um bom regime de educação não só é necessária a disciplina mental, mas o exercício físico que dá a robustez do corpo, e favorece a mentalidade da criança.

Portanto peço a especial atenção do Sr. Ministro da Justiça para que ao lado do pessoal dessa escola consiga que se introduza tambêm pessoal incumbido da educação física.

Quando se tratar aqui da colónia penal de Vila Fernando, pronunciarei algumas palavras ainda sôbre o quadro do seu pessoal e necessidade da educação física nessa escola.

Por agora não farei mais considerações, e termino fazendo votos para que o Sr. Ministro da Justiça muito em breve veja funcionar a sua colónia penal agrícola e possa tambêm influir o mais possível para a modificação do regime prisional.

O orador não reviu.

O Sr. José Maria Pereira: - Mando para a mesa por parte da comissão de finanças os pareceres sôbre o projecto de lei n.° 174 e 155-A e peço a V. Exa. que, logo que seja possível, entre em discussão o projecto n,° 73-D.

O Sr. Artur Costa: - Felicita tambêm o Sr. Correia de Lemos pelo relatório que elaborou acêrca do orçamento do Ministério da Justiça.

A obra da regeneração de menores é daquelas a que a República tem de prestar a sua maior atenção. Essa obra pode realizar-se num período curto, porque, desde o Govêrno Provisório, em vários diplomas, que são leis do país, se trata de

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obter receita para isso, sem abalo para as finanças do Estado.

O tini principal para que pediu a palavra foi para tratar dum assunto a que há dois anos se vera referindo: o que diz respeito ás conservatórias do registo predial.

O orador, em seguida, refere-se á forma como foram criadas as conservatórias, assim como ás modificações que tem sofrido, desde a lê: de 1 de Julho de 1863 e o regulamento de 14 de Maio de 1868, até o de 28 de Abril de 1870, com referência às conservatórias de Lisboa e Pôrto.

Sendo quási a hora de se encerrar a sessão, concorda com o Sr. Presidente em ficar cem a palavra reservada.

Êste discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, por isso mesmo que desejava ter o ensejo de explicar ao Senado as razões por que interrompi o Sr. Pedro Martins, quando S. Exa. se referia á apreensão dos jornais.

Magoam-me sempre muito quaisquer confrontos que se estabeleçam entre o que se passava no tempo da monarquia e o que se tem passado depois da proclamação da República, muito especialmente porque êsses confrontos são, em geral, injustificados.

E o que sucede com o que diz respeito á situação da imprensa antes e depois de 5 de Outubro de 1910.

Em primeiro lugar, devo acentuar que desejo toda a liberdade de imprensa para que se faca a propaganda de todas as doutrinas políticas, sociais e económicas e para que se exerça a devida fiscalização sôbre todos os actos da administração pública.

Isto sustentava no tempo da monarquia e isto mesmo continuo a sustentar no regime da República.

Simplesmente, nunca defendi a impunidade e a irresponsabilidade dos caluniadores.

Durante a vigência da monarquia inatos jornalistas republicanos estiveram encarcerados no Limoeiro, simplesmente porque se tornaram eco de acusações absolutamente fundamentadas, que ficaram ainda muito aquém cios escândalos do regime. Eu mesmo fui duas vezes querelado; a primeira por ter escrito na Vanguarda que a monarquia era um regime sem base scientífica nem razão histórica; e a segunda, simplesmente porque acentuei que um determinado ministro da coroa não possuía a menor autoridade moral para censurar os funcionários republicanos, pela simples razão de que. sendo êle próprio funcionário do Estado, nunca tinha pôsto os pés na respectiva repartição.

É certo que não cheguei a ser julgado, porque inesperadamente fui amnistiado; mas nem por isso deixei de estar na espectativa de ir parar ao Limoeiro, simplesmente por ter escrito algumas verdades incontestáveis e incontroversas.

Relativamente ao que se tem passado depois da República, alguma cousa posso depor.

Quando fui Ministro do Fomento, estabeleceram-se negociações para o empréstimo do caminho de ferro de Vale do Sado, operação inteiramente legítima, autorizada pelo Parlamento e que se destinava a um melhoramento de inadiável interesse público e que deve valorizar consideravelmente a riqueza duma importante região.

Pois um jornal teve o arrojo de lançar à publicidade esta calúnia torpe: estava-se procurando realizar um negócio escuro que consistia num empréstimo para valer ao concessionário de Vale do Vouga.

Propus em Conselho de Ministros que êsse jornal fôsse querelado: foi aprovada por unanimidade a minha proposta, mas o jornal não chegou a ser querelado.

Mas não me incomodou muito êsse facto.

Com o critério de moralidade, de que o Poder Judicial já tem dado sobejas provas e que tara eloquentemente revelou na classificação que deu aos roubos do Crédito Predial, de crimes políticos, eu devo declarar a V. Exa. que pouco confio na acção justiceira e moralizadora dos nossos tribunais.

O Sr. Pedro Martins: - Sr. Presidente: eu não teria pedido a palavra se não fossem as considerações, que acaba de expor ao Senado o Sr. Estêvão de Vasconcelos.

Em primeiro lugar, S. Exa. foi infeliz; eu não fiz confrontos, nem carecia de os fazer, entre a atitude do actual Govêrno pa-

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ra com a imprensa e a atitude que tiveram noutros tempos os Governos monárquicos.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: - V. Exa. não fez confronto, mas foi dizendo que estavam fazendo o mesmo.

O Orador: - Isto é uma expressão vaga; mas suponha V. Exa. que eu tinha feito o confronto; estava no meu direito de o fazer; os factos são sempre os mesmos, estão acima das personalidades e, uma vez que se dêem factos desta natureza, é dever de todo o homem, que defende a liberdade, reprová-los, seja qual for o regime em que êles se dêem.

Sr. Presidente: os factos tem sido duma alta gravidade e tem de ser avaliados à face da lei, à face dos princípios da justiça.

Longe de dizer uma palavra de atenuante para os crimes do regime deposto e para a violência que êles exerciam sôbre a imprensa, eu sou um dos que podem hoje levantar bem alto a sua voz para verberar o procedimento do actual Govêrno com relação à imprensa, porque sempre lutei, durante o regime monárquico, pelos princípios liberais, e tenho o meu nome ligado a todos os comícios que se realizaram no tempo de João Franco para protestar contra êsses abusos do poder.

Posso, portanto, levantar a minha voz para verberar êsse acto injusto e ilegal, e defender a liberdade de imprensa.

Decerto que o antigo regime, por causa dos seus erros, violências e crimes é que caiu.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos, creio, sabe muito bem que um regime não cai simplesmente pela violência das ideas, mas pelo procedimento dos seus dirigentes.

A monarquia caiu mais pelos seus erros que pela qualidade dos seus adversários (Apoiados).

Eu observo factos contra a lei, factos que ao meu espírito não parecem justificar-se, factos que são incoerentes, e eu, já para desagravo da lei ofendida, já como cidadão e membro do Congresso, vejo necessidade de erguer a minha voz paira no cumprimento da minha obrigação, protestar contra êles.

Disse S. Exa. que eu levantei a minha voz para pôr em confronto o regime actual com o regime deposto,

Não o fiz.

S. Exa. compreende que, se os factos forem os mesmos, as consequências hão-de resultar as mesmas precisamente.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: - E diz V. Exa. que não estabeleceu confronto!

O Orador: - Perdõe-me, Sr. Estêvão de Vasconcelos, com a lição dos factos passados não há confrontos.

V. Exa. ouviu, Sr. Presidente, as palavras que proferi ainda agora, com todo o cuidado, porque sei fiscalizar a minha palavra, e ainda as palavras que acabo de proferir, tam somente como pensamento da defesa da lei, porque, creio, ninguêm me contesta o direito, como membro do Congresso, de pugnar pela defesa da lei e do direito; é preciso que na República, como em qualquer outro regime civilizado, se estabeleçam estas ideas fundamentais.

Aqueles que, sem razão, saem fora da lei, invadindo violentamente êsse caminho, não fazem obra patriótica; pelo contrário, calcam a lei e, calcando-a, não promovem o bem da Pátria portuguesa.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Peço licença ao Senado para prorrogar a sessão até se liquidar êste assunto (Apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça (Álvaro de Castro): - O incidente não é comigo, mas por umas palavras pronunciadas pelo Sr. Pedro Martins tive ocasião de perceber que S. Exa. se referia a um acto do Ministro da Justiça.

Não sei bem qual foi a doutrina expendida por S. Exa., mas é claro que o Ministro da Justiça tem o direito de intervir, sempre que entender necessário, em qualquer assunto, por meio duma circular ou qualquer outro meio que julgue conveniente, para ordenar ao Ministério Público que proceda acêrca dêste ou daquele assunto.

É facto que no Ministério da Justiça não se determinou que se querelassem os jornais que se encontrassem em certos casos, o que se fez foi recomendar aos magistrados do Ministério Público que procedessem de forma que fossem cumpridas as determinações da lei de imprensa.

Foi isso que me pareceu mais justo fa-

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zer, para deixar aos próprios delegados do Ministério Público maior liberdade de acção. Com respeito às palavras do Sr. Pedro Martins, posso dizer que o Govêrno está absolutamente ao lado de V. Exa., porque não tem feito mais que cumprir rigorosamente a lei (Apoiados).

O Sr. Pedro Martins: - V. Exa. conhece na lei autorização para o Sr. Governador Civil exigir que se lhe leve um exemplar e, depois de o ler, permitir ou proibir a sua circulação?

O Orador: - Eu não conheço facto nenhum tal como V. Exa. cita.

Conheço o facto do Sr. Governador Civil mandar comprar o jornal e depois mandá-lo circular ou apreendê-lo.

O Sr. Pedro Martins: - A proibição é sempre inútil. Em vez de 10 réis tem-se dado 30 e 40 réis e mais por um jornal.

O Orador: - O Govêrno pode ouvir muitas opiniões; pode estar de acôrdo com as de S. Exa.; pode tê-las divergentes da lei; o facto, porêm, é que se trata de cumprir a lei, e deixar ao Parlamento o modificá-la, se entende conveniente.

Actualmente trata-se de aplicá-la.

O Sr. Pedro Martins: - Com respeito a êste facto, não vejo na lei nada. que autorize a proceder-se assim.

O Orador: - Quanto a umas referências que fez o Sr. Estêvão de Vasconcelos não posso deixá-las passar, por não estar de acôrdo com S. Exa.

O Poder Judicial em Portugal felizmente cumpre dignamente o seu dever. Temos de nos honrar por termos magistrados que, estando aã situação em que estão, contudo são a garantia do nosso direito. Não pode portanto passar essa afirmativa.

Posso ainda dizer que, antes de tomar assento nestas cadeiras, fui advogado num dos processos do Crédito Predial, e posso asseverar que houve sempre a preocupação de fazer justiça, e, em face da lei, aplicá-la ao caso.

Tive de facto de defender um dos implicados e declaro que a magistratura cumpriu o seu dever.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Amanhã há duas sessões, a primeira à hora regimental, a segunda às 21 horas.

Ordem do dia: pareceres n.ºs 131-A e 92.

Antes da ordena: pareceres n.ºs 11, 162, 141 e 140.

Nocturna: pareceres n.ºs 133, 134, 136, 142, 143;, 144, 448 e 149.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O REDACTOR = F. Alves Pereira.

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