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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1913-1914.

SESSÃO N.º 45

EM 2 DE MARÇO DE 1914

Presidência do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretários os Exmos. Srs.

António Bernardino Roque
José António Arantes Pedroso Júnior

Sumário. — Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Senador João de Freitas insiste pela remessa de diversos documentos e pede, com urgência, novos esclarecimentos relativos à cadeia penitenciária de Lisboa; e o Sr. Senador Miranda do Vale requer e cópia de parte das actas referentes ao último concurso da Junta do Crédito Publico.

O Sr. Senador Cupertino Ribeiro requere documentos sôbre o contencioso fiscal.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima) manda para a mesa e justifica uma proposta relativa a nomeação do governador de Moçambique.

Entra em discussão a proposta de lei n.º 27-E, referente ao parecer n° 39. (Associações Protectoras das árvores e dos animais), sendo, a requerimento do Sr. Senador Miranda do Vale, dispensada a leitura. É aprovada a generalidade, depois de haver falado o Sr. Senador Nunes da Mata. Na especialidade foi a proposta aprovada sem discussão, requerendo o Sr. Senador Nunes da Mata dispensa da última redacção, o que foi aprovado.

O Sr. Senador Bernardino Roque, referindo-se a uma representação da Câmara de Mossâmedes, insiste sôbre a urgente necessidade da imediata conclusão da linha férrea de Mossâmedes. Sôbre o assunto fala tambêm o Sr. Senador Afonso Cordeiro, respondendo a ambos o Sr. Ministro das Colónias.

Ordem do dia. — Entra em discussão o parecer n.° 38, referente à proposta de lei n.° 13-A (lei eleitoral}, usando da palavra os Srs. Senadores João de Freitas, Pais Gomes e Brandão de Vasconcelos, que apresentam e justificam diversas propostas, ultimando-se a discussão da proposta e respectivo parecer.

Seguidamente entra em discussão o parecer n.° 13 (Angola), relativo ao decreto n.º 224, sendo dispensada a leitura, a requerimento do Sr. Senador Rodrigues da Silva. Usam da palavra os Srs. Senadores Bernardino Roque, Arantes Pedroso e Cupertino Ribeiro, que fica com a palavra, reservada.

Antes de encerrar a sessão. — O Sr. Miranda do Vale manda para a mesa uma representação da Câmara de Santarém contra a anexação da freguesia de Malho ao novo concelho de Alcanena.

O Sr. João de Freitas pregunta se houve propostas para o arrendamento dos sanatórios da Madeira. Responde o Sr. Ministro das Finanças (Tomás Cabreira.

Encerra-se a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura sessão:

Abílio Baeta das Neves Barreto.
Albano Coutinho.
Alfredo Botelho de Sousa.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Alfredo José Durão.
Amaro de Azevedo Gomes.
Anselmo Augusto da Costa Xavier.
Anselmo Braamcamp Freire.
António Bernardino Roque.
António Ladislau Parreira.
António Ladislau Piçarra.
António Maria da Silva Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Augusto Vera Cruz. Cristóvão Moniz.
Daniel José Rodrigues.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Domingos José Afonso Cordeiro.
Eduardo Pinto de Queiroz

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Diário das Sessões do Senado

Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Faustino da Fonseca.
Inácio Magalhães Basto.
João da Câmara Pestana.
João José de Freitas.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José de Cupertino Ribeiro Júnior.
José Estevão de Vasconcelos.
José Machado de Serpa.
José Alaria, de Moura Barata Feio Terenas.
José Miranda do Vale.
José Nunes da Mata.
José Relvas.
Leão Magno Azêdo.
Luís Fortunato da Fonseca.
Luís Inocêncio de Ramos Pereira.
Manuel Goulart de Medeiros.
Manuel Martins Cardoso.
Manuel Rodrigues da Silva.
Manuel de Sousa da Câmara.
Ricardo Pais Gomes.

Senadores que entraram durante a sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemes.
Alberto Carlos da Silveira.
Aníbal de Sousa Dias.
António Augusto Cerqueira Coimbra.
António Brandão de Vasconcelos.
António Caetano Macieira Júnior.
António Joaquim de Sousa Júnior.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Richter.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Joaquim Leão Nogueira de Meireles.
Joaquim Pedro Martins.
José Afonso Pala.
José de Castro.
José Maria de Pádua.
José Maria Pereira.
Ramiro Guedes.
Tomás António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Augusto Pimenta.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Pires de Carvalho.
António Ribeiro Seixas.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Rovisco Garcia.
Bernardino Luís Machado Guimarães.
Francisco Correia de Lemos.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
Luís Maria Rosette.
Manuel José Fernandes Costa.
Sebastião de Magalhães Lima.

Pelas 14 horas e 30 minutos o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 40 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Foi lida e aprovada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte:

EXPEDIENTE

Ofícios

Da Câmara dos Deputados remetendo a proposta de lei que inclui nas excepções consignadas na lei de 5 de Julho de 1913 as gratificações por regência de escolas.

Para as comissões de Finanças e de instrucção.

Do Ministério das Finanças remetendo um volume do Censo da População de Portugal em satisfação do requerimento do Sr. Domingos Tasso de Figueiredo.

Para expedir.

Telegramas

Príncipe, em 28. — Presidente Senado. — Lisboa. — Pedimos imediata aprovação do° projecto de lei referente ao chefe da missão do sono que foi aprovado pelo Conselho Colonial para conclusão dos trabalhos da missão e interesse da ilha. = Agricultores.

Para o Sr. Ministro das Colónias.

Montalegre, em 27. — Exmo. Presidente Senado, Lisboa. — O povo de Montalegre protesta contra as prepotências do juiz da comarca, que nos recursos eleitorais proteje a forma facciosa e revoltante dos reaccionários, inimigos declarados da República. Pede a intervenção de V. Exa. junto do Govêrno, para pôr termo a tais abusos e sindicar o juiz para serenar a excitação povo, que pode provocar sérios conflitos. Hoje o povo protestou perante o juiz quando êste, de forma ilegal, estava ditando requerimentos eleitorais a eleitores reclamados, apesar do protesto ser ordeiro. Os reaccionários provocam tumultos,

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tendo o juiz requisitado o auxilio da guarda fiscal para o guardar. Devido à grande prudência do povo não houve conflitos graves. = José Bento Barroso Júnior, Presidente da Câmara Municipal.

Para o Sr. Ministro da Justiça.

Antes da ordem do dia

O Sr. João José de Freitas: — Sr. Presidente: pedi a palavra para saber, se na mesa já estão alguns documentos, que pedi pelo Ministério das Finanças, em uma das sessões da semana passada.

Pedi tambêm, que me fossem enviadas cópias dos ofícios enviados pela 2.ª Direcção das Obras Públicas à Penitenciária, sóbre várias obras realizadas naquele estabelecimento penal.

Outrossim requeri, que me fôsse enviada cópia do processo da sindicância ou inquérito ao actual director interino da Penitenciária, processo de que resultou a demissão de dois guardas, tendo um dêles 29 anos de serviço, demitidos sem terem sido ouvidos.

Se êstes documentos ainda não vieram, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que se digne instar pela sua pronta remessa.

Desejo, emfim, que todas as informações pedidas por essa ocasião me sejam enviadas com a máxima rapidez.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra para declarar, que vou mandar para a mesa mais alguns requerimentos pedindo documentos relativos à Penitenciária de Lisboa.

Devo dizer, Sr. Presidente, que, tendo ido visitar, no sábado passado, a Penitenciária, ali formulei, a um clínico que me acompanhou, algumas preguntas por escrito, a que êle entendeu não poder responder.

Dirigi-me ao gabinete do Sr. director e entreguei-lhe essas preguntas, pedindo que me respondesse.

S. Exa. disse-me, que não podia satisfazer os meus desejos por essa forma, e que só responderia, se lhe fôsse ordenado superiormente.

Desta forma resolvi mandar essas preguntas para a mesa, pedindo que a resposta me seja dada por quem disponha da precisa competência.

Ainda outros documentos tenho a requisitar.

Envio um requerimento, pedindo alguns documentos pela Direcção dos Serviços Sanitários.

Peço a V. Exa. que se digne instar, não só pela remessa dos documentos, que pedi anteriormente, como pelo pronto envio dêste que requisito agora.

O Sr. Cupertino Ribeiro: — Sr. Presidente: tendo chegado ao meu conhecimento que os serviços do Contencioso Fscal caminham com uma certa morosidade, não tendo sido despachados vários processos, enviarei para a mesa um requerimento pedindo documentos.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Sr. Presidente: a província de Moçambique está sem governador efectivo há um ano e catorze dias.

Esta província está sem governador desde Novembro, embora êsse governo esteja entregue, nos termos da lei, ao secretário geral.

Quer dizer: há um ano que negócios importantes da província de Moçambique tem estado demorados.

Ao Govêrno parece urgentíssimo propor para governador desta província pessoa que, não só a conheça, mas que tenha tambêm conhecimento das várias questões da África do Sul, que interessam à vida da província de Moçambique.

V. Exas. sabem, que existe um convénio entre a província de Moçambique e o Transvaal, à roda do qual se desdobra grande parte da vida económica desta nossa provincia ultramarina.

É necessário, pois, que a província consiga manter a posição e as vantagens, que dêsse convénio possam advir, e mister se faz tambêm, que nos poucos anos, que faltam para que termine êsse convénio a província se prepare convenientemente para se encontrar nas condições em que se achava, quando foi negociado. A não ser assim, a não se efectuar êste trabalho no curto prazo que falta, permaneceria uma perturbação, completa na vida económica, pior, certamente, do que há cinco anos.

Por todas estas razões entendo, que o Govêrno deve propor ao Senado pessoa, na qual concorram qualidades excepcionais para ir governar esta província.

É absolutamente necessário nomear quem

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vá daqui sabendo o que tem a fazer, e por onde tem que caminhar.

Nessa ordem de ideas acho urgentíssima a nomeação do governador efectivo, cuja proposta mando para a mesa, nos termos da Constituição.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Segue-se a

Proposta

Nos termos do artigo 25.° da Constituição Política da República Portuguesa, tenho a honra de propor o general Joaquim José Machado para o cargo de governador geral da província de Moçambique.

Ministério das Colónias, em 2 de Março de 1914. = O Ministro das Colónias, Alfredo Augusto Lisboa de Lima.

O Sr. Presidente: — A proposta será votada na sessão de amanhã.

Vai ler-se, para discussão, o parecer n.° 39, referente à proposta de lei n.° 27-F (Associações Protectoras: da Arvora e dos Animais).

É o seguinte:

Parecer n.° 39

Senhores Senadores. — O projecto de lei n.° 27-E é daqueles que certamente merecem todo o apoio, pois que, sendo extremamente educativo, é ao mesmo tempo duma grande vantagem para o país, sendo por isso a sua aprovação de toda a utilidade.

Sala das Sessões, 27 de Fevereiro de 1914. =Estêvão de Vasconcelos = Cristóvão Moniz = Manuel de Sousa da Câmara = J. Câmara Pestana.

Proposta de lei n.° 27-E

Artigo 1.° São reconhecidas como instituições de utilidade pública: a Associação Protectora da Arvore e as Sociedades Protectoras dos Animais.

Art. 2.º Os sócios da Associação Protectora da Árvore, do sexo masculino, maiores de vinte e um anos, podem ser nomeados, quando o requererem, agentes policiais da Associação, para os efeitos indicados nas leis respeitantes à polícia florestal e aqui cola, ás quais ficarão sujeitas, como se fossem funcionários florestais, em tudo o que lhes possa ser aplicável.

Art. 3.° A Associação Protectora da Arvore, por intermédio dos seus corpos gerentes, pode corresponder-se com as entidades e colectividades oficiais no caso do artigo seguinte.

Art. 4.° A actual direcção da Associação Protectora da Árvore e as que se lhe seguirem constituem um conselho de vigilância em favor das árvores seculares. O referido conselho, quando funcionar nesta qualidade, terá as seguintes atribuições:

1.ª Organizar um catálogo descritivo e ilustrado de todas as árvores seculares mais dignas de menção e que sejam notáveis pela sua idade, dimensões e história, existentes em todo o território da República, as quais ficarão sob a guarda do Estado.

2.ª Vigiar e defender a existência das árvores que forem catalogadas, participando ás autoridades competentes quaisquer factos ou procedimentos que tenham por fim ou evitar que sejam danificadas ou, no caso de ter havido dano, que sejam castigados os autores do malefício.

3.ª Elaborar o regulamento, que será submetido à aprovação do Estado.

§ único. As funções do Conselho de vigilância são sempre gratuitas e o Estado não se responsabiliza por qualquer despesa, seja a que título for.

Art. 5.° Ficam isentas do pagamento de portes do correio a Associação Protectora da Árvore e as Sociedades Protectoras dos Animais, quando se tratar de correspondência em sobrescritos abertos ou em cintas, sempre que nestes vá o carimbo destas associações.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, em 18 de Fevereiro de 1914. = Vítor Hugo de Azevedo Coutinho} Presidente = Baltasar de Almeida Teixeira, 1.° Secretário = Rodrigo Fernandes Fontinha, 2.° Secretário.

Parecer n.° 332

Senhores Deputados. — Basta uma simples leitura do projecto n.° 301-B, para que, sem a mais pequena relutância, antes com prazer, a vossa comissão de agricultura lhe dê o seu apoio.

Se proteger a árvore, cuja existência recorda um passado que é mester a todo o momento relembrar, é obra patriótica e

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merecedora do aplauso de todos aqueles que vêem no seu culto uma manifestação nobre de educação cívica, que dizer duma corporação, duma colectividade que se propõe satisfazer, não só àquele fim, mas dispensar, ao mesmo tempo, por igual, a sua acção na defesa daqueles exemplares botânicos, cujo porte, beleza, raridade ou dimensões as tornaram objecto da admiração dos povos, devendo, por essa razão, ser defendidas da ganância, negligência ou malvadez do homem?

Eis, porque, Srs. Deputados, a vossa comissão de agricultura, julgando-se dispensada de largamente justificar o seu parecer, encerra estas breves considerações, dando, com íntima satisfação, o seu apoio ao projecto n.° 301-B.

Sala das Sessões, em 24 de Junho de 1913. = Paiva Gomes = Guilherme Nunes Godinho = Ezequiel de Campos = Jorge Nunes, relator.

Projecto de lei n.° 301-B

Artigo 1.° É reconhecida como instituição de utilidade pública a Associação do Culto da Árvore, com estatutos aprovados em assemblea geral de 31 de Março de 1913.

Art. 2.° Os sócios da Associação do Culto da Arvore, do sexo masculino, maiores de vinte e um anos, podem ser nomeados, quando o requererem, agentes policiais da Associação, para os efeitos indicados nas leis respeitantes à polícia florestal e aqúícola, ás quais ficarão sujeitos como se fossem funcionários florestais em tudo o que lhes possa ser aplicável.

Art. 3.° A Associação, por intermédio dos seus corpos gerentes, pode corresponder-se com as entidades e colectividades oficiais no caso do artigo seguinte.

Art. 4.° A presente direcção e as que se lhe seguirem constituem um conselho de vigilância em favor das árvores seculares. Serão atribuições dêste conselho quando funcionar nesta qualidade:

1.° Organizar um catálogo descritivo e ilustrado de todas as árvores seculares mais dignas de menção e que sejam notáveis pela sua idade, dimensões e história, existentes em todo o território da República, as quais ficarão sob a guarda do Estado;

2.° Vigiar e defender a existência das árvores que forem catalogadas, participando às autoridades competentes quaisquer factos que tenham por fim ou evitar que sejam danificadas ou que, tendo-o sido, sejam castigados os autores do malefício;

3.° Elaborar o regulamento, que será submetido à aprovação do Estado.

§ único. As funções do conselho de vigilância são sempre gratuitas e o Estado não se responsabiliza por qualquer despesa, seja a que título for.

Art. 5.° Fica isenta do pagamento dos portes do correio a Associação do Culto da Arvore, quando se tratar de correspondência em sobrescritos abertos ou em cintas, sempre que nestes vá o carimbo da Associação do Culto da Árvore.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, em 16 de Junho de 1913. = Ezequiel de Campos.

O Sr. Miranda do Vale: — Requeiro a dispensa da leitura. Foi aprovada.

O Sr. Nunes da Mata: — Parece-me de toda a conveniência a aprovação da proposta de lei em discussão, porque, infelizmente, no nosso país, o» amor pelas árvores está muito longe de ser o que conviria que fôsse, e que é um facto em muitas outras nações civilizadas.

Eu já aqui, no Senado, referi por mais duma vez o caso lamentável que se deu no distrito de Viseu, quando, no tempo da monarquia, foi director de obras públicas o ilustre e inteligente republicano, há muito falecido, Alexandre da Conceição. Êste distinto engenheiro e escritor era um amigo dedicado da árvore, e por isso mandou plantar, nas estradas do distrito, muitos milhares de diversas espécies de árvores. Pois, Sr. Presidente e meus senhores, de tantas árvores plantadas, poucas, bem poucas, escaparam às sevícias dos carroceiros e dos donos dos terrenos agricultados, que demoram junto às estradas. É triste e lamentável que tais casos se dêem no nosso pais, e tenho tristeza ao referi-los; mas faço-o para estigmatizar tam anti-patriórico e selvagem procedimento.

Quando, há perto de dois anos já, apresentei um projecto de lei relativo à apicultura, o meu fim não era apenas o estimular o desenvolvimento duma indústria que pode e deve vir a ser muito flores-

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cente no nosso país. Com êsse fim ou intuito principal, obedecia o projecto de lei tambêm ao fim ou intuito indirecto de promover o amor pela árvore. Desde que os agricultores se entregassem com interêsse à apicultura, e desde que, de preferência fossem plantadas, nas estradas, árvores ricas em flores e néctar, já então os donos dos terrenos junto às mesmas estradas não só não destruiriam as árvores ali plantadas mas defendel-as-iam.

Por isso, com todo o meu entusiasmo, dou o meu voto á proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Como não há mais ninguêm inscrito vai votar-se a generalidade.

Foi aprovada, bem como a especialidade, sem discussão.

O Sr. Nunes da Mata: - Sr. Presidente: requeiro a dispensa da última redacção.

Foi aprovada.

O Sr. Bernardino Roque: - Sr. Presidente: tá bastante tempo que estou inscrito para falar na presença do Sr. Ministro das Colónias. Agora, porêm, vou muito especialmente tratar dum assunto de que fui encarregado pela Câmara Municipal de Mossâmedes.

Esta câmara enviou-me uma representação para entregar ao Sr. Ministro das Colónias, advogando a continuação aos trabalhos de caminho de ferro, que estão parados.

Envio-a para a mesa, e peço a V. Exa. a mande inserir no Sumário das nessas sessões.

Creio, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Colónias já poderá responder a algumas das preguntas que formulei aqui há dias. Uma dessas preguntas relaciona-se com a representação da Câmara a que aludi, por isso que diz respeito ao traçado 3 construção do caminho de ferro de Mossâmedes ao Lubango e tambêm ao seu prolongamento.

Sr. Presidente: creio que até há pouco pelo menos até o momento de o actual Sr. Ministro das Colónias tomar conta da sua paste, não havia no seu Ministério uma orientação definida, sôbre o traçado definitivo dêste caminho de ferro.

Votou-se uma lei autorizando a verba necessária para levar êsse caminho de ferro § até o planalto, em 1905 creio eu.

O fim principal dêsse caminho de ferro i era levar ao planalto as forças necessárias para vingar o desastre, que tivemos no Cuamato em 1904. Êsse caminho de ferro, porêm, deve ter iim objectivo mais extenso e mais vasto, que é a penetração da província de Angola.

Mas, pregunta-se: deve dirigir-se para o sul ao encontro da colónia alemã, ou deve atravessar o distrito de Huíla na direcção: de oeste-leste?

É esta a pregunta fundamental Trata-se de saber, qual deva ser a directriz do caminho de ferro de Mossâmedes.

Segundo o meu modo de pensar e ver, êsse caminho de ferro, pelas suas condições locais, e pelas necessidades da colónia vizinha alemã, deve ir entroncar com o caminho de ferro de Otavi, seguindo das cclónias do planalto, pelos Gambos e Humbe até ir atravessar o Cuamato e o Cuanhama.

Será esta a única maneira de ocupar o Cuanhama, porque ainda não o está. E para o poder ocupar pelas armas tería-i mós que enviar para êsse ponto uma fôrça superior a 2:000 homens, o que acarretaria uma grande despesa, não contando com a perda de vidas.

A maneira mais simples de o ocupar é fazer atravessar a região pelo caminho de ferro, de forma que o dinheiro que se há-de gastar numa ocupação militar seja empregado no caminho de ferro.

Como V. Exa. e o Senado sabem, no sul da província de Angola existem dois rios importantes; um dêles é o Cunene e o outro o Cubango.

Apesar de não terem saída para o mar, ambos são navegáveis em parte do seu percurso, feito dentro do distrito da Huíla.

A parte que é navegável deve pôr em comunicação o ramal que se dirige para a fronteira alemã, com a linha principal que deve seguir do Lubango para leste.

O ponto em que o Cunene começa a ser navegável, é o Capelongo, no Quipungo, e extende-se até o Humbe.

Essa parte do rio pode ser percorrida por embarcações de pouco calado, ou melhor, de fundo chato.

Por outro lado, o Cubango tambêm é navegável entre Massaca e o Cuangar. Daí a conveniência de a linha principal

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seguir para leste por Capelongo e Massaca, pontos onde êsses rios começam, como disse, a ser navegáveis.

Qual a bitola que devem ter êstes dois caminhos de ferro?

Duas evidentemente; uma de 1m,067, no de leste, que irá ligar no futuro à linha principal Cabo Cairo; e outra que continuará com a actual bitola de Om,60, a entroncar com a linha alemã de Otavi, que tambêm tem 0,m60. E aqui está como o distrito de Mossâmedes teria duas vias de comunicarão rápida, ligadas por duas vias fluviais, respectivamente paralelas entre si, as duas primeiras seguindo as direcções oeste e oeste-sueste, e as duas últimas a direcção norte-sul.

Resta saber donde há-de vir o dinheiro para a construção dêstes caminhos de ferro, visto a verba própria estar esgotada.

Impõem-se, por isso, a necessidade de criar um fundo próprio para êsses trabalhos.

Sr. Presidente: vou terminar; antes, porêm, desejo formular umas preguntas ao Sr. Ministro das Colónias:

1.° É esta ou outra a sua orientação relativamente à construção do caminho de ferro de Mossâmedes?

2.° Está S. Exa. disposto a continuar imediatamente com essa construção, satisfazendo assim o pedido da Câmara Municipal de Mossâmedes?

Desejo saber ainda, o que há de verdade sôbre uma notícia que me dizem ter chegado, por telegrama, do Bispo de Angola.

Êsse telegrama diz que uma brigada de engenheiros alemães havia transposto a fronteira sul de Angola, com o intuito de estudar o traçado dum caminho de ferro dentro do nosso território.

O que há a êste respeito?

Aguardo a resposta do Sr. Ministro das Colónias.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Sr. Presidente: preguntou o Sr. Bernardino Roque se a construção do caminho de ferro de Mossâmedes estava realmente parada e o que tencionava o Govêrno fazer a êsse respeito.

Devo dizer a S. Exa., que a construção dêste caminho de ferro está efectivamente parada em consequência das hesitações, que tem havido, acêrca da forma como o traçado deve vencer a Chela. Houve necessidade de se abandonar alguns quilómetros de traçado já concluído, e é possível que mais alguns se tenham de abandonar. Não há dúvida, que é indispensável resolver, este assunto com brevidade; mas, tambêm, certo é que a solução dada em Mossâmedes já provou, que não era essa a forma prática de o resolver.

Tenho, pois, de chamar ao meu Ministério os cinco projectos existentes a fim duma comissão competente os examinar, e dar a esta questão uma solução imediata.

Creia S. Exa., que não descurarei o assunto, por isso que o considero grave e urgente, comprometendo me desde já a acompanhar a dita comissão nos estudos a que se vai dedicar.

O Sr. Bernardino Roque: — Como S. Exa. sabe, o assunto já foi submetido à apreciação do Conselho Superior Técnico.

O Orador: — Sim, mas isso é apenas para a Chela.

Nós precisamos fixar definitivamente os pontos principais do traçado acabando de vez com estas hesitações. Para se conseguir êsse resultado, convêm estudar cuidadosamente o assunto no seu conjunto, visto não depender apenas da nossa vontade ou das condições do terreno, mas tambêm, como S. Exa. disse, e muito bem, de acordos internacionais.

Relativamente aos telegramas a que S. Exa. se referiu, devo dizer que, de facto, nada há que faça supor que seja verdadeira a notícia de terem entrado quaisquer estrangeiros, com carácter oficial no território português. O que sucedeu, provavelmente, foi andar uma missão estrangeira junto da nossa colónia com o fim de estudar o prolongamento do caminho de ferro de Otavi.

Mas, voltando ao nosso ponto, não há dúvida, repito, que a construção dêste, caminho de ferro é de toda a conveniência para a província de Angola; e, para isso, envidarei todos os esforços, a fim de que os trabalhos caminhem e avancem com a possível rapidez. Creia S. Exa., que não faltarei à minha promessa.

Telegrafei já para Angola a fim de me serem enviados os necessários elementos de informação. Desejo que êste trabalho possa ser cuidadosamente estudado no seu conjunto, porque a verdade é que não de-

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pende apenas da nossa vontade ou das condições do terreno, mas tambêm de acordos internacionais.

Afigura-se-me, que vale mais esperar dois ou três meses do que estarmos a adoptar uma solução, que pode vir a ser considerada defeituosa.

Em princípio estou de acôrdo com as ideas do Sr. Bernardino Roque.

É tudo quanto posso neste momento dizer sôbre o assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Bernardino Roque: — Sr. Presidente: pedi novamente a palavra para agradecer ao Sr. Ministro das Colónias a sua resposta, assim como elogiar a sua boa vontade. Creio, porêm, que S. Exa. podia fazer alguma coisa já. Tem no seu Ministério dois traçados.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Tenho até cinco traçados!

O Orador: — Falo dos modernos.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Pois é aos modernos, que me refiro.

Não se pode avançar na construção do caminho de ferro de Mossâmedes sem se resolver qual dos cinco traçados convêm mais adoptar.

O Orador: — Peço a V. Exa. que não descure assunto de tam grande importância.

O sossego da própria província depende dessa construção. Assim é que nós podemos fazer a verdadeira ocupação do Cuanhama e não com expedições militares, que nos custariam muito dinheiro e muitas vidas.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Estou perfeitamente de acôrdo com S. Exa.

O Orador: — Mais uma razão para se andar depressa.

O Sr. Afonso Cordeiro: — Sr. Presidente e Srs. Senadores: V. Exas. ficarão de certo admirados por eu, que nunca vi a África, me intrometer em questões coloniais!

Mas, quando assisti à interpelação feita pelo meu velho amigo, o Sr. Senador Bernardino Roque, ao Sr. Ministro das Colónias, ouvi com mágoa, que a construção do caminho de ferro do sul de Angola estava suspensa, por haver hesitações na escolha do traçado definitivo.

E, dada a urgência do seu avanço, para que as colónias vizinhas não nos cerceiem a nossa influência nas fronteiras daquele lado de Angola, nos devemos considerar numa situação pouco tranquilizadora, senão de sobressalto.

Vejo que esta é uma questão importantíssima, que merece ser tratada com toda a urgência e solicitude. (Apoiados).

Sr. Presidente: do que ouvi, concluo que o caminho de ferro de Mossâmedes, com uma bitola de Om,60, e lançado através dum penhasco com cêrca de 1:800 metros de altura, com rampas, cremalheiras e curvas de raio mínimo, para vencer alturas íngremes, ou, com largas reversões para as iludir, não será nunca a estrada de penetração, de perfil doce e de tracção fácil, de que tanto carecemos daquele lado da nossa vasta colónia.

Ponderemos ainda que, para manter ali o nosso domínio efectivo e útil, indispensável e urgente se torna levar a todos os limites daquelas regiões, tam extensas e algumas tam abandonadas, a civilização no limpa trilhos.

Tudo o que ouvi trouxe-me à memória os sonhos e desilusões em volta dum célebre mapa cor de rosa que já se esqueceu há tanto tempo!

Sr. Presidente: talvez Mossâmedes não seja a testa do melhor caminho de que mais carecemos por ali.

E, para que os nossos vizinhos não ambicionem os famosíssimos fundeadouros, do Pôrto Alexandre ou da Baía dos Tigres, conviria, ir pensando rios desgostos que dali podem advir ainda.

Eu bem sei e todos falam da desnudada steppe, onde um mar de areias se agita à mercê das ríspidas ventanias, que varrem todo o litoral do sul até o Cunene, desde a orla marítima às vertentes ocidentais da grande cordilheira, que dificulta o acesso aos salubres e férteis planaltos, que se ocultam detrás do alto barranco.

Não é lícito, porêm, falar hoje de embaraços e perigos das dunas e mormente em Portugal, onde o rei Dinis experimentou,

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primeiro que ninguêm os meios de fixá-las e torná-las fecundas, muitos séculos antes da Europa haver executado neste sentido quaisquer tentativas.

E pensando que, entre tantas espécies vegetais, tam favoráveis à fixação das areias movediças das dunas, as quais nascem e crescem nos climas dos trópicos de flora tam rica e pujante, se desenvolvem tambêm por ali a arundo arenacea e a tamarix, ambas de reconhecida eficácia aqui.

Desta maneira dissipam-se receios e não será temeridade pensar, que os processos usados na metrópole, com tanto êxito, não darão os mesmos resultados benéficos, em areias por ventura melhor favorecidas ainda sob o ponto de vista botânico e talvez mesmo debaixo do aspecto agrícola. Se os exemplos colhidos pela observação cotidiana nos ariais portugueses encerram ensinamentos de tam maravilhosa significação, prefiguremos as herdades e granjas, florestas e matas, que poderão criar-se na vasta superfície desértica, abandonada na aridez mais desoladora!

Lembrando ainda que o vasto deserto não é isento de água no seu sub-solo, será fácil admitir a existência de quintas, como tantas florescentes e produtivas, que se encontram muito para o sul de Mossâmedes a acreditar nas descrições dos viajantes, que por ali tem transitado.

Depreende-se, pois, que se aqueles magníficos portos, hoje quási abandonados e desertos, fossem agitados por caminhos de ferro bem aptos para neles se fazerem os escambos internacionais dos centros africanos com os grandes mercados da Europa e da América, o deserto de hoje transformar-se-ia em centros de grande actividade e população.

A civilização e a paz irradiariam das cidades envolventes dos portos, a dilatar--se para toda a África central pelas estradas de ferro.

Irradiantes dos portos, tais linhas de penetração estenderiam para longe a nossa influência económica e sustentariam o nosso predomínio, efectivo e útil, com mais firmeza do que a melhor linha de fortes que guarnecesse as nossas fronteiras.

Sr. Presidente: Eu não posso admitir, por muito que mo afirmem os mais autorizados, que seja de boa política conservar ao abondono os dois últimos portos do sul de Angola, colorados nas vizinhanças da colónia duma nação poderosa, ávida de expandir-se em todas as direcções e em todos os lugares da terra, por onde lho permitam.

A colónia alemã do sudoeste corre a» longo duma costa hostil, ao acesso da navegação moderna; e o abandono das nossas duas admiráveis baías, é natural, que faça nascer à pederosa potência a cubiça de se apossar delas.

O pôrto de Mossâmedes, cêrca de dois graus ao norte do Cunene, não pode considerar-se o único pôrto capaz de nos garantir a posse do que possuímos tanto ainda para o sul.

Alêm disso o caminho de ferro de Mossâmedes, atirado imprevidentemente de encontro ao formidável barranco, nunca poderá vir a ser, como já disse, uma linha de penetração com as características que lhe são próprias.

Façam-no avançar com urgência; aparelhem-no bem, para servir uma região rica, que tanto carece de abrir um caminho fácil para o mar; concluam-no com urgência e bem necessário êle é aos povos, que há-de servir.

Admito que uma linha com Om,60 de bitola, sem grandes curvas e sem perfil regular, pode satisfazer a mui grande tráfego.

Neste caso, quando o tráfego cresce acima da sua capacidade, fácilmente evolve, se aperfeiçoa e se transforma em linha perfeita.

Mas através duma barreira quási impossível de ser transposta, senão por cremalheira, uma estrada de ferro fica sempre tolhida, quando é assim concebida. Porque a cremalheira é sempre impeditiva do grande tráfego; fica curta, mas dá pouca expansão; em curvas de raio mínimo nunca pode evolver da bitolinha; fica extensa e sempre morosa; força a trasbordos nocivos ao grande tráfego: linha sem futuro.

Sr. Presidente: A linha de penetração do sul de Angola, de que carecemos, tem de ser estudada a partir da Baía dos Tigres de preferência, com bitola igual aos grandes caminhos de ferro do centro de África; que nos faculte o trânsito fácil até à contra costa, perfeita, rápida; linha de penetração e defesa, que seja ao mesmo tempo uma via própria à nossa expansão económica e uma barreira invenci-

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vel às ambições insofridas que, dum momento para a outro, podem surgir-nos de Alêm Cunene. Tenho dito.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Sr. Presidente, ouvi com toda a atenção as considerações do Sr. Afonso Cordeiro. Afinal vejo, que S. Exa. está de acôrdo comigo; no entanto há um a diferença. Conheço muito bem êste assunto porque, como engenheiro tenho dedicado parte da minha vida pública a assuntos de caminhos de ferro. Tenho-os construído, sou director de caminho de ferro. Devo, portanto, a êste respeito, conhecer alguma cousa.

Espero, em dois ou três meses, resolver o assunto definitivamente, de forma a ganhar o tempo perdido com medidas de outro alcance, e qualquer cousa que se faça não deve redundar em prejuízo da colónia, ou ena prejuízo do seu desenvolvimento.

Esta questão do caminho de ferro de Mossâmedes é uma das mais importantes, e faltaria a um cumprimento de dever para comigo mesmo, se não procurasse resolve Ia, o mais rapidamente possível.

Quanto à questão da bitola, devo dizer a S. Exa., que êsse factor aliás, da maior importância, não é apenas o que caracteriza um caminho de ferro, pelo que respeita à capacidade do tráfego» Tudo isso depende e muito, do peso dos carros e doutros factores de que seria, neste momento, desnecessário, senão ocioso, falar.

A linha de Mossâmedes, embora esteja destinada a ser ligada na África do Sul não tem, por agora, a certeza dessa ligação. O nosso principal objectivo, se nós o conseguirmos com a linha de 0,m60 é ir até à fronteira leste, para um dia, mais tarde, aumentar a sua capacidade se isso constituir um êrro.

Há um exemplo, com outro caminho de ferro, que conheço, o qual sendo de 0,m60, satisfaz plenamente ao fim que tem em vista. Mas poder-se-há até construir uma linha de três carris, para obviar qualquer embaraço do trafego.

Não se trata agora de saber qual a via de caminho de ferro que deve ser preferida, se via larga, sã reduzida. O que se trata é de dar seguimento ao caminho de ferro de Mossâmedes, o qual custando dois mil contos ao Estado, nós não o podemos abandonar. Evidentemente, pois, um assunto de tal importância não se pode resolver de ânimo leve. (Apoiados).

Devo acrescentar que tenho trabalhado, andado muito na vida prática, e muito pouco nas secretarias.

Prefiro, por isso, resolver uma questão com rapidez, ainda que menos perfeitamente, do que estar à espera para a resolver com perfeição. E em um assunto desta natureza é preciso caminhar depressa. Hei-de, por isso, procurar por todos os meios resolvê-lo com urgência, sem que a demora que possa haver prejudique a colónia, a sua ocupação definitiva, ou o seu desenvolvimento. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. João de Freitas: — Sr. Presidente: desejava saber se foram apresentadas quaisquer propostas para arrendamento dos sanatórios da Madeira.

Peço, por isso, a V. Exa. que seja feita, por ofício, esta pregunta ao Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: — Satisfarei os desejos de S. Exa. Vai passar -se à ordem do dia. Os Srs. Senadores que tiverem papéis a enviar para a mesa podem fazê-lo.

Papéis enviados para a mesa durante a sessão

Requerimentos

1.°

Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja facultado, com urgência, o exame do processo de sindicância feito, durante o ano findo, 1913, por uma comissão de oficiais do exército, a factos passados na Penitenciária Central de Lisboa.

2.º

Requeiro mais que me seja facultado o exame do processo de inquérito aos actos do capitão Valério Ferrão, e relativos a serviço prestado na mesma Penitenciária.

3.°

Requeiro, finalmente, que me seja fornecida, com urgência, uma nota oficial dos motivos que foram invocados, e que determinaram o indulto do gatuno reincidente,
Fortunato da Silva, «o Legustim», n.°283, que estava preso na Penitenciária, e foi

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indultado em Outubro de 1913; nota que deve mencionar, tambêm, o parecer da mesma Penitenciária sôbre a justiça do indulto do referido preso, e declarar se é verdade ter êle ido, depois de indultado, comer diariamente o rancho no mesmo estabelecimento penal, bem como, sendo verdadeiro êste facto, quem autorizou a respectiva despesa; e requeiro igual nota a respeito do preso por furto, Albano Augusto, n.° 20, tambêm indultado na mesma data. = O Senador, João de Freitas.

Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo Ministério do Interior e Direcção Geral de Saúde Pública (ou dos Serviços Sanitários), me seja fornecida com urgência uma cópia do relatório sôbre o estado de averiguações feitas pela comissão de sindicância requerida pelo director dos serviços de doenças infecciosas do Pôrto aos seus actos oficiais e a todos os serviços da sua dependência e designadamente os do hospital do Bomfim e do laboratório bacteriológico anexo ao mesmo hospital; comissão nomeada pelo ex-Ministro do Interior, Dr. Silvestre Falcão, reconduzida pelo seu sucessor, Dr. Duarte Leite, e demitida pelo sucessor dêste, Dr. Rodrigo Rodrigues.

Requeiro, outrossim, que com igual urgência me seja fornecida cópia do relatório ou relatórios posteriores, caso existam, dos sindicantes Drs. Mário Calisto e João Elói; e, no caso de não existirem ainda tais relatórios, que me seja enviada informação oficial do estado em que se encontra a aludida sindicância e dos motivos por que ainda se não encontra findo. = João de Freitas.

Para seguir o seu destino.

Requeiro tambêm que, pelo Ministério da Justiça e pela Direcção da Penitenciária Central de Lisboa, me seja facultado, com urgência, o exame do livro n.° 28 do registo clínico da mesma Penitenciária, na parte respeitante ao preso político n.° 420, José Augusto da Silva, recentemente amnistiado, e a outros presos, tanto políticos como por crimes comuns.

Requeiro mais que, pelo mesmo Ministério e Direcção da Penitenciária, e ainda por intermédio dos respectivos clínicos, me sejam enviadas, com urgência, as devidas respostas às seguintes preguntas, sôbre serviços de enfermaria do referido estabelecimento penal:

1.ª Quais os guardas que assistiram no segredo ou cela escura e na enfermaria, ao preso político n.° 425, José Augusto da Silva, de maneira a auxiliá-lo nas suas necessidades?

2.ª Quais os dias em que o mesmo preso foi visitado pelo médico, durante o tempo em que esteve no segredo ou cela escura, e durante o tempo da sua doença?

3.ª Quantos presos atacados de alienação mental, ou de loucura, se encontram actualmente na Penitenciária?

4.ª Quais os seus números de ordem, com relação a cada um dêsses presos, e em que celas se encontravam, antes de entrarem na enfermaria?

5.ª Alguns dos referidos presos estiveram no segredo ou cela escura, e tiveram tratamento que signifique desmazelo por parte dos guardas, ou abandono mais ou menos completo? Quais foram?

6.ª Como está distribuído o serviço clínico na Penitenciária, pelo que diz respeito à sua divisão e especialização pelos médicos?

7.ª As visitas médicas à enfermaria são diárias ou não?

8.ª Que tempo gastam habitualmente os médicos na sua visita à enfermaria; qual a média do número de doentes observados durante a visita?

9.ª Quais as horas de entrada e saída dos enfermeiros e serventes?

10.ª Constam dalguns livros de registo as notas que permitam responder a estas três anteriores preguntas?

Estas preguntas já foram por mim pessoalmente apresentadas, por escrito, no dia 25 de Fevereiro último, ao director interino da Penitenciária, Dr. Avelino de Brito, que então me declarou não poder recebê-las, nem fazer responder-me a elas senão em virtude da ordem ou autorização da Direcção Geral de Justiça. Eis o motivo por que requeiro que essa ordem ou autorização lhe seja dada com a maior urgência. = O Senador, João de Freitas.

Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, Direcção Geral das Alfândegas, me seja dada nota de quantos processos tem sido julgados pelo Tribunal do Contencioso Fiscal, desde 1 de Janeiro de

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1911 até a presente data, e bem assim de quantos processos se acham prontos esperando julgamento. = José de Cupertino Ribeiro.

Requeiro pela segunda vez que, pelo Ministério do Fomento, me seja enviado com urgência o seguinte documento que, segundo a alínea e) pedi em sessão de 4 de Dezembro último:

e) Cópia das conclusões do relatório do comissário da República sôbre a sindicância efectuada ao Banco da Covilhã, bem como uma cópia do acórdão da Procuradoria Geral da República, se o houver, sôbre as conclusões do sindicante com cópia dos despachos ministeriais que houverem recaído sôbre todo o processo até hoje. = José Maria Pereira.

Para lhe dar o devido destino.

Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida com urgência cópia da parte das actas das sessões da Junta do Crédito Público que tratam do último concurso e da nomeação do primeiro oficial da respectiva Secretaria. = José Miranda do Vale.

Para lhe dar o devido destino com urgência.

O Sr. Presidente: — A mesa acaba de receber um oficio da Comissão Delegada das Comissões Comerciais e Industriais do Pôrto acompanhando uma representação contra o decreto de 17 de Novembro de 1913, referente ao transito de mercadorias estrangeiras na província de Angola.

Vai ler-se.

Lê-se na mesa. É a seguinte:

Representação

Ex.mo Srs. Deputados e Senador3s da Nação Portuguesa. — Pela portaria do Ministério das Colónias, de 8 de Dezembro último, publicada no Diário do Govêrno do dia seguinte, se vê que as associações comerciais e industriais do norte e do sal, representando a maior parto das fôrças económicas do país, pediram ao Govêrno a suspensão do decreto, com fôrça de lei, n.° 224, de 17 de Novembro de 1913, alegando que as disposições dêsse diploma hão-de ter por consequência inevitável a desnacionalização da província de Angola num futuro próximo, e põem em risco, desde já, os interêsses industriais e comerciais da metrópole, nas suas relações com aquela colónia.

Respondendo a êste pedido, mandou o Govêrno declarar às associações signatárias que, tendo no devido apreço os seus desinteressados e patrióticos intuitos, não podia deferir o pedido da suspensão do decreto porque, devendo iniciar-se em breve o seu completo estudo, compete ao Congresso introduzir-lhe as alterações e melhoramentos que foram reclamados pelos mais altos e legítimos interêsses nacionais.

Perante estas expressões, quási textualmente trasladadas da citada portaria, é de sentir que o Govêrno usasse da faculdade que a Constituição confere ao Ministro das Colónias para, a quinze dias apenas da abertura das Câmaras., promulgar uma lei de tanta gravidade, sabendo que elas tinham de pronunciar-se sôbre tal matéria, completando o imperfeito estudo que dela fizera o referido Ministro. Ainda mais de sentir é, porêm, que o Govêrno, reconhecendo as deficiências de estudo que o decreto revela e a necessidade de lhe serem introduzidas alterações e melhoramentos, não deferisse ao pedido de suspensão que lhe fora solicitado, e se obstinasse em mantê-lo, fechando os olhos às deploráveis consequências que da sua vigência devem estar resultando. O próprio Sr. Ministro das Colónias, interrogado na Câmara dos Deputados sôbre êste assunto, asseverou que o decreto não havia sido suspenso, e para todos os efeitos, se considerava lei do país.

Ora, a simples intuição nos ensina que uma lei mal estudada, aguardando apreciações competentes e trabalhos demorados que lhe garantam uma execução isenta de perigos, não deve vigorar sem que tais estudos, apreciações e elementos de defesa só concluam. Há, pois, na manutenção do decreto e nas circunstâncias perigosas que o revestem, uma contradição flagrante que, por honra do Govêrno o da legislação nacional, quando mais não seja, cumpre desfazer imediatamente pela exclusão dum dos termos contraditórios, o qual não pode ser senão o decreto.

E tanto mais urgentemente essa exclusão deve ser realizada quanto, em Angola, não obedecendo o trânsito internacional, como em Moçambique, a convenções estipuladas, mas sendo, como se afirma, uma

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deliberação voluntária do Govêrno Português, importa que se não criem já liberdades excessivas que, mais tarde, quando se acharem elaborados os regulamentos e estabelecidas as indispensáveis estações fiscais, seja impossível ou muito difícil restringir.

A afirmação inserida na citada portaria de que nenhuma alteração de efeitos práticos se introduz pelo decreto em vigor no regime aduaneiro de Angola, tem que considerar-se prejudicada pelas modificações de que o mesmo decreto carece, no sentido de, conforme na portaria se lê, dever ser o objecto de estrita fiscalização o trânsito de que se trata, para que, à sombra dele, não seja fraudado aquele regime aduaneiro. Não estando organizada esta imprescindível fiscalização, nem instaladas na fronteira terrestre as indispensáveis estações aduaneiras, é fácil de compreender que o decreto vai de "encontro à permanência do regime pautal angolense.

E se, como no § único do artigo 7."J dêsse decreto se preceitua, e no segundo considerando da portaria se confirma, nenhum trânsito poderá ser iniciado em harmonia com o novo regime, antes de instaladas as aludidas e indispensáveis estações aduaneiras, mais vivamente se demonstra a necessidade da suspensão temporária do decreto, visto êste não possuir validade executória imediata. É um diploma insólito e aberrante que, por um lado, vale como lei, e, por outro lado, se não deve executar senão mediante determinadas condições!

Nenhuma razão tem o Govêrno que justifique a manutenção do decreto: à sua permanência opõe-se a declaração de que não será aplicado, sem que uma fiscalização rigorosa se organize, sem que as Câmaras o estudem devidamente, sem que se lhe façam as alterações necessárias e sem que os respectivos regulamentos se achem elaborados. Como se entende, pois que um tal documento seja lei do país?

Manda o bom senso, em obediência à dignidade legislativa e aos interêsses económicos da metrópole ameaçados em Angola, que êsse decreto seja suspenso até que efectuadas as correcções que necessita, e salvaguardados os perigos de fraude que o Govêrno reconhece, êle possa ser convenientemente executado. De contrário, desde que se suscitam ameaças de fraude, é impossível que essa fraude não comece a praticar-se, uma vez que o Govêrno insista em considerar lei do país o decreto que a provoca.

Naquela nossa província, por virtude das circunstâncias especiais em que se encontra a viação acelerada e ordinária, e ainda em virtude da vasta extensão em que ali se exerce o nosso domínio, o trânsito das mercadorias estrangeiras não pode estabelecer-se sem que se tomem as precauções fiscais de maior rigor, sob pena de nos vermos despojados de direitos económicos valiosos e, por certo, dos direitos de posse e soberania que constituem a nossa razão de ser de país colonial.

Defender êstes direitos não é apenas um dever da indústria e do comércio que para Angola trabalham e lhe tem imprimido o carácter nacionalista que a província possui: é um dever patriótico, e, por conseguinte, de toda a nação, à frente da qual tem que dar provas do seu patriotismo todos os poderes constituídos, tanto mais quanto, segundo declarações ministeriais, nenhuma nação poderosa nos fôrça a legislar precipitadamente em tam importante assunto.

Inspiradas neste sentimento, vêem as associações abaixo subscritas impetrar dos Srs. Deputados e Senadores da Nação Portuguesa, que o seu primeiro acto, em referência ao decreto n.° 224, de 17 de Novembro, seja a votação duma proposta para que êste diploma se revogue até que depois de modificado e aperfeiçoado êsse decreto, por forma a garantir, no regime do trânsito internacional, todaa ordem de riscos que dêle estão resultando, e depois de elaborados os regulamentos indispensáveis, nos quais, por concessão verbal do Sr. Presidente do Ministério, devem colaborar as associações comerciais e industriais da metrópole, seja talvez possível iniciar--se êsse trânsito a salvo de perniciosas consequências.

Saúde e Fraternidade.

Pôrto, 8 de Janeiro de 1914. = Pela Associação Comercial do Pôrto, o Presidente, António da S. Cunha. = Pelo Centro Comercial do Pôrto, o Presidente, Jacinto Furtado. = Pela Associação Industrial Portuense, o Vice-presidente, em exercício, Félix F. de Torres. = O Presidente da Classe Algodoeira, Luís Firmino de Oliveira.

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O Sr. Presidente: — O estudo feito pela comissão será distribuído pelos Srs. Senadores.

Foram tambêm recebidas representações das câmaras municipais de Mossâmedes e de Santarém, referentes, respectivamente, ao descontentamento pela demora na construção do caminho de ferro de Mossâmedes a Chela, e pela pretendida desanexação de duas freguesias: Malhou e Louriceira.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 38, modificações à lei eleitoral

O Sr. João de Freitas: — Sr. Presidente: mando para a mesa a seguinte

Proposta

Emenda ao § 1.° do artigo 21.° da proposta da lei eleitoral:

Proponho, como emenda, que entre as palavras «eleitores do ano anterior» e «declarem» sejam intercaladas as seguintes: «e residentes na área do mesmo concelho». — João de Freitas.

Lida na mesa, foi admitida.

O Sr. Pais Gomes: — Sr. Presidente: por parte da comissão de legislação, declaro une aceito a proposta do Sr. João de Freitas. Melhor seria que fôsse freguesia. Nestas condições, mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a substituição da palavra «concelho» da proposta do Sr. João de Freitas por «freguesia». = Pais Gomes.

Lida na mesa, foi admitida.

O Sr. João de Freitas: — Sr. Presidente: a proposta que mandei para a mesa tem toda a razão de ser, pois podia dar-se o caso dum eleitor dum concelho do norte reclamar contra a inscrição Indevida, no recenseamento eleitoral do centro e do sul do país, o que seria absurdo.

Discordo da proposta do Sr. Pais Gomes, porque pode dar-se a circunstância de não haver, dentro da freguesia, indivíduos que tenham espírito de iniciativa e até idoneidade para saberem fazer uma reclamação.

E assim pode dar-se o caso de haver numa freguesia numerosos eleitores, que com toda a razão devem ser excluídos do recenseamento eleitoral, e não haver quem tenha, como já disse, as habilitações necessárias para formular a reclamação, continuando êsses indivíduos a figurar, ainda que indevidamente, no recenseamento eleitoral. Por isso, êsses direitos devem ser conferidos a indivíduos residentes na área do mesmo concelho, visto que, dentro do mesmo concelho, ou o reclamante conhece os eleitores, ou quando os não conheça poderá, com facilidade, obter os esclarecimentos necessários para protestar contra a indevida inscrição.

Sr. Presidente: há freguesias pequeníssimas no nosso país. Conheço algumas apenas com 20, 30 e 40 fogos.

No concelho de Serpa há uma freguesia que tem apenas 13 fogos, segundo uma estatística de 1900. Portanto, o pequeno número de eleitores mais reduzido fica ainda, por isso que a lei eleitoral não concede o direito de voto aos indivíduos, que não saibam ler e escrever. E, como é grande a percentagem de analfabetos nessas freguesias, pode dar-se a circunstância de não haver eleitores com a actividade indispensável para se interessarem pela organização do recenseamento eleitoral, o que prejudicará enormemente o trabalho das eleições.

Nestas condições, não vejo que haja conveniência em restringir êsse direito somente a eleitores, que residam na área da mesma freguesia; pelo contrário, há toda a vantagem em que êsse direito seja concedido aos eleitores residentes na área do mesmo concelho.

Mantenho, pois, a minha proposta tal como está.

Se o Sr. Pais Gomes prestar a êste assunto um pouco de atenção, não deixará de reconhecer, que tenho toda a razão nas considerações que acabo de fazer.

O orador não reviu.

O Sr. Pais Gomes: — Sr. Presidente: o Sr. João de Freitas labora, com certeza, num equívoco. Se não fora isso, S. Exa. aceitaria sem hesitação a minha proposta, visto ela estar no rigor lógico do espírito da de S. Exa., que decerto não leu o § 1.°

Êste § 1.° não trata de estabelecer condição alguma quanto ao direito de reclamação; determina, simplesmente, quem é que poda passar a declaração que há de servir de base para a reclamação. O di-

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reito de reclamação está da mesma forma reconhecido no artigo 2.°, e o artigo 21.° da lei eleitoral estende êsse direito, não só ao eleitor do concelho, mas tambêm ao do círculo. O artigo 2.° do projecto não vem, pois, estabelecer matéria nova.

O Sr. João de Freitas veio aclarar o espírito do § 1.° e, por isso, eu, por parte da comissão de legislação, não tenho dúvida em aceitar a emenda de S. Exa. A minha emenda está, como já disse, no rigor lógico do espírito da proposta de S. Exa. As razoes, que o ilustre Senador aqui apresentou para a combater são consequência dum equívoco em que S. Exa. está.

O § 1.° não diz respeito ao direito de reclamação, mas sim aos documentos, que a hão-de acompanhar.

Parece-me, pois, que a minha emenda deve ser aprovada.

O orador não reviu.

O Sr. Brandão de Vasconcelos: — Sr. Presidente: o § 1.° refere-se a uma declaração que tem de ser assinada por eleitores. O Sr. João de Freitas quere restringir essa declaração a eleitores do concelho. O Sr. Pais Gomes vai mais longe; pretende substituir a palavra concelho por freguesia.

Sr. Presidente: conheço uma freguesia onde há apenas um eleitor, que sabe ler. Está anexada a outra, mas não deixa de ser uma freguesia.

Digam-me V. Exas. como era possível arranjar aí um documento assinado por dois eleitores?

Os habitantes duma freguesia conhecem em geral os das freguesias próximas; entendo, por consequência, que se deve manter a emenda do Sr. João de Freitas e não do Sr. Pais Gomes.

O Sr. João de Freitas: — Sr. Presidente: o Sr. Pais Gomes teve razão, em parte, quando, ao referir-se à matéria do § 1.°, disse que eu laborava num equívoco.

Realmente o § l.° refere-se, não a reclamação mas a documento, isto é, a declaração dos eleitores. Neste ponto tem S. Exa. razão.

Apesar disso, ainda assim, não concordo com a reclamação, que S. Exa. quere estabelecer na sua proposta.

O que acaba de narrar o Sr. Brandão de Vasconcelos é categórico; demonstra o
perigo grave, que pode resultar de adoptar-se a reclamarão, que o Sr. Pais Gomes quere estabelecer. Êstes indivíduos podem ser incompetentes para fazer esta declaração.

Parece-me que essa disposição é inconveniente, não só pela razão que acaba de dar o Sr. Brandão de Vasconcelos, mas ainda porque alêm dêsse caso outro pode haver nas mesmas condições. Já disse que há uma freguesia no concelho de Serpa que tem apenas 13 fogos.

Outro facto acaba de apresentar o Sr. Rodrigues da Silva; e outros conheço nestas circunstâncias, onde não há o número indispensável para essa declaração. Há outras, embora maiores, mas onde não há pessoas, que se prestem a fazer essa declaração. Há-de efectivamente haver pessoas, que tenham a precisa idoneidade, mas que a não querem fazer, ou por entenderem contrária à política ou ao partido político de que fazem parte, ou ainda por falta de iniciativa, mais ou menos fundada.

Parece-me que, ainda que êsses indivíduos residentes fora da área da mesma declaração, se resolvam a fazer a declaração em que digam que tal indivíduo não sabe ler, nem escrever, tem, apezar disso que ter base.

É claro que o declarante, tendo feito falsas declarações, incorre no artigo da lei penal.

Importa alguma cousa, que êsse indivíduo não resida dentro da área da mesma freguesia, uma vez que o facto que declare seja verdadeiro? Se o não fôr incorre na responsabilidade criminal. Sendo verdadeira, não importa que resida fora da área da freguesia. Deixemos pedir-lhe ainda maior garantia, nesse caso, do que aqueta com que fica, se fôr aprovada a proposal do Sr. Pais Guines, ainda que se recusem a fazer qualquer declaração, ou por facciosismo partidário, ou porque receiem incorrer no desagrado de qualquer pessoa.

Nestas condições, insisto pela minha proposta, por isso que a do Sr. Pais Gomes pode trazer inconvenientes graves.

O orador não reviu.

O Sr. Pais Gomes: — Sr. Presidente: peço a V. Exa., que consulte o Senado sôbre se permite que eu retire a minha proposta.

O Senado autorizou.

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O Sr. João de Freitas: — Sr. Presidente: requeiro que a votação do artigo 2.° se faça, para o corpo do artigo e para cada um dos parágrafos, separadamente.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai pôr-se à votação, sucessivamente, o corpo do artigo e os seus parágrafos.

Foram aprovados, bem como a proposta de aditamento do Sr. João de Freitas.

O Sr. Presidente: Vai ler-se o artigo 3.° da comissão.

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: — Está em discussão.

O Sr. Pais Gomes: — Mando para a mesa a seguinte.

Proposta de aditamento

Proponho que ao artigo 3.° do parecer da comissão se adite o seguinte § 2.°, passando o seu § único a 1.°

§ 2.° O prazo a que se refere êste artigo começará a contar-se nas ilhas adjacentes, a partir da data em que ali chegar o vapor que conduza o Diário do Govêrno em que esta lei fôr publicada. = Pais Gomes.

Lida na mesa, foi admitida.

O Sr. Presidente: — Está em discussão. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguêm mais pede a palavra, vai votar-se o artigo 3.° da comissão.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se a proposta de aditamento do Sr. Pais Gomes. Lida na mesa é posta à votação. Foi aprovada.

O Sr. Presidente : — Vai ler-se o artigo 4.°

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: — Está em discussão. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguêm pede a palavra vai votar-se.

Foi aprovado, sem discussão, o artigo 4.°

O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o parecer n.° 13, relativo ao decreto n.° 224, publicado pelo Sr. Ministro das Colónias, ao abrigo do artigo 87.° da Constituirão.

É o seguinte:

Parecer n.° 13

Senhores Senadores. — A vossa comissão de colónias, cumprindo o mandato urgente que lhe impusestes, vem dizer vos o que pensa sôbre o decreto n.° 224, inserto no Diário do Govêrno de 17 de Novembro último. Fá-lo há pondo de parte preocupações partidárias, só tendo em mim os interêsses da pátria e o engrandecimento da provincia de Angola, ainda uma das mais portuguesas das nossas colónias.

Senhores Senadores: haverá trinta anos que começaram esboçar-se a ambições, visando a nossa província de Angola. Essas ambições efectivaram-se, passado pouco tempo, na conferência de Berlim dum modo bem triste para nós peia absorpção do território da margem direita do rio Zaire, onde a muito custo salvámos o pequeno enclave de Cabinda. Imposições, perfídias e subtilezas, aliadas a uma boa dose de incompetência dos nossos negociadores, tudo contribuiu para a espoliação, de nada servindo a fôrça do direito, representada pelos nossos direitos históricos, nem os interêsses criados pelos nossos nacionais em todo o terreno usurpado. É esta lição da nossa passada, mas recente, história colonial que nos deve precaver contra as ambições que já há tempos se vem enunciando e que, como então, visam a nossa rica e salubre colónia africana.

Êste decreto tem por fim criar receitas para a província de Angola, estabelecendo como que livre trânsito das mercadorias estrangeiras através da província, visto que os direitos de 3 e 1,5 por cento ad valorem que êle estatui, não chegarão para cobrir, nem parte das despesas que a sua execução acarretará. Sabem V. Exas., e nós somos os primeiros a reconhecê-lo, que não só as necessidades intrínsecas da provincia de Angola, mas os interêsses económicos das colónias estrangeiras que a cercam exigem que ela não continue a isolar-se delas, devendo por isso alterar as suas pautas, exageradamente protectoras, que de há muito a vem prejudicando, por constituírem como que um mercado fechado e obri-

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gatório da metrópole. Êste regime, que criou a lenda da Angola intangível, teve o seu início na pauta de 1867 com a protecção à bandeira que lhe reservou a grande cabotagem nacional, e foi continuando e ampliando pelas pautas amaralinas de 1892, cujo fim foi a protecção às indústrias têxteis nacionais, então na sua infância. Os seus intentos foram bons e uma cousa conseguiram — fazer com que Angola, apesar da terrível concorrência dos produtos belgas, ingleses e alemães, tenha conservado até hoje intacto, sem mescla, o carácter português. Mas êste exclusivismo não pode conservar-se; hoje não podemos, nem devemos, fazer ali uma política particularista.

Em 1892 poderia talvez ela justificar se pelo fraco desenvolvimento económico das colónias vizinhas, pelas dificuldades nas suas comunicações e pela sua incompleta ocupação; hoje não. Hoje êsse regime, que já principiou a ser modificado, tem de cessar por terem deixado de existir as razões que, em parte, o justificavam e por estar sendo um entrave ao desenvolvimento económico da província.

É preciso, pois, fazer essa modificação, mas com cautela.

É preciso lembrar-nos, quando o fizermos, que à sua sombra se criaram interêsses metropolitanos importantes, representados por milhões de escudos, sobretudo na indústria têxtil, que por sua vez dá trabalho a milhares de operários. Que isto é verdade, mostra-o a última estatística indicando num período de quinze anos uma exportação, só para Angola, de 37:234.000$, ou sejam 52,3 por cento da exportação total da metrópole para as colónias.

Posta esta doutrina, que mais ou menos se relaciona com a defendida pelo autor do decreto no relatório que o antecede, vejamos se haverá ou não conveniência na sua execução próxima: afirmamos que, dadas as circunstâncias actuais da província, só haverá inconvenientes, os quais se podem concretizar nos seguintes enunciados: — «afectará profundamente as indústrias metropolitanas e os interêsses que lhes estão ligados; — diminuirá as receitas de Angola»; e «produzirá a desnacionalização dos produtos indígenas e a diminuição nas reservas do ouro» de que a nossa praça carece para fazer face aos encargos no estrangeiro, pelo desvio para lá dêsses produtos— «podendo ainda ser, e com certeza será, a causa de constantes e dispendiosas reclamações internacionais».

Provaremos êste nosso modo de ver. Mas antes a vossa comissão quere fazer justiça, às intenções do autor do decreto, visto que o trânsito, como êle se efectua hoje nas linhas da Beira e Lourenço Marques, por exemplo, tem de ser um facto na província de Angola, mas quando êle puder ser fiscalizado, podendo ser iniciado logo que as suas linhas férreas se aproximem das suas respectivas fronteiras.

A essência do decreto, para cuja publicação se abusou do artigo 87.° da Constituição, não tendo sido ouvido préviamente o Conselho Colonial, decreto que vimos relatar, a sua essência, dizemos, pode dizer-se circunscrita aos -seus dois primeiros artigos.

É sôbre êles que incidirá êste parecer, visto que os restantes artigos são uma consequência dos primeiros.

Tratemos do artigo 1.° Poderá dar-se o trânsito das mercadorias estrangeiras, das nossas zonas marítimas para as fronteiriças? Não deve dar-se, e por isto: porque as colónias estrangeiras que lindam com a nossa província de Angola tem portos, que não os nossos, por onde a sua importação se pode fazer mais barata, com maior facilidade, rapidez e segurança de trânsito; provemos:

A província de Angola tem actualmente em construção e exploração três linhas férreas de penetração: a de Loanda a Malange, que dista ainda da fronteira leste 500 quilómetros aproximadamente; a do Lobito a Katanga, actualmente no Huambo, ainda distante da mesma fronteira perto de 800 quilómetros, e a de Mossâmedes, sem destino prefixado, que ainda não galgou a Cheia, muito longe, portanto, perto de 800 quilómetros, quer da fronteira L., se para aí se dirigir, quer da de SE., terminus seu mais racional, a entestar com o caminho de ferro alemão.

O espaço compreendido entre o terminus actual dessas linhas e as fronteiras respectivas não possui estradas nem caminhos que tal nome mereçam, e pode afirmar-se, sem medo de errar, que nos primeiros 400 quilómetros, a partir das fronteiras, a nossa ocupação deixa muito a desejar, não existindo ela em muitos e muitos pontos.

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Os transportes são feitos, não como no Congo Belga, colónia bem mais recente do que a nossa, em carreteiras, muares, camelos, elefantes, etc., mas à cabeça de pretos, que ao mínimo pretexto, e muitas vezes sem pretexto algum, abandonam ou roubam as cargas.

As despesas, pois, as demoras e os perigos quando a importação e os faça pelos nossos portos são grandes e sem compensação para o importador, o que já não se dará se ela se fizer por outros pontos.

Assim o Congo de nada precisa dos nossas portos para a sua importação porque tem a sua grande via fluvial, o Zaire, que combinada com a linha férrea, Mata di Leopoldvila e outras vias fluviais navegáveis. subsidiarias daquele rio, como o Cassai, lhe tornam essa importação mais fácil, rápida e muito mais barata, pois as mercadorias apenas pagam em Matadi o direito de entrada 10 por cento ad valorem, importância que por sua vez teriam de pagar ao passar a fronteira, se a importação se fizesse por Loanda.

Ora sendo a despesa, que teria de fazer a mercadoria em trânsito de Loanda à fronteira leste, quási o triplo da que ela tem a pagar em Matadi e através do Congo, vê-se bem que tal importação não se fará por emquanto. Estas mesmas considerações se podem aplicar ao caminho de ferro do Lobito supondo a importação por êste pôrto, visto que tanto a região de Katanaga como a Rodésia do NW. São as colónias estrangeiras que poderiam fazer essa importação, a qual lhes será mais fácil, rápida e económica servindo-se do pôrto da Beira, isto apesar do enorme rodeio que o caminho de ferro faz descendo da Beira a Bulawaio, e subindo daí para a capinai da S W. África, Katomo, ou Braken Aill.

Poderá então fazer se pela Baía dos Tigres, Pôrto Alexandre ou Mossâmedes? Só quem desconheça aquela árida região com as suas dificuldades de comunicações é que pode admiti Ia pelos dois primeiros portos; pelo caminho de ferro de Mossâmedes então muito menos. Vejamos.

Hoje a Alemanha tem em exploração na sua colónia do S W. o caminho de ferro Swabopmund-Otawi com os ramais Tsumed e Grootfentam, que põem as mercadorias a 200 quilómetros da nossa fronteira, na; região do Cuangar por um preço mais barato do que hoje elas tem nas nossas colónias do planalto, distantes ainda dessa fronteira mais de 500 quilómetros. Acrescente-se agora que o caminho de ferro de Mossâmedes ainda está longe dessas colónias pus, como dissemos, ainda não subiu a Cheia, e fácilmente se concluirá que não será pelo pôrto de Mossâmedes que a colónia alemã há-de fazer as suas importações.

Não pode, não deve, pois, fazer se a importação pela nossa zona marítima para as colónias estrangeiras, sendo portanto de nenhum afeito económico para Angola a doutrina do artigo 1.°

Entretanto a vossa comissão vê nesse artigo um perigo — é a concorrência deslial que em virtude dêle as mercadorias importadas irão fazer aos nossos negociantes e aos nossos produtos no interior da província, visto que, se essa importação se fizer, seca para esta a garantia do livre trânsito e do provável contrabando, os negociantes estrangeiros estabelecerem depósitos nos topos da linha férrea à proporção que ela fôr avançando, fazendo dêles um centro de irradiação dêsses produtos.

O artigo 2.° estabelece o imposto de 10 por cento ad valorem aos artigos em trânsito das fronteiras, umas para as outras, e destas para a zona marítima.

Neste artigo podem, aplicar-se as mesmas considerações feitas a propósito do artigo 1.°; mas tem mais perigos e alguns bem graves, pois pode dar origem a reclamações internacionais.

As fronteiras de Angola são extensíssimas, de milhares de quilómetros e, em regra, em regiões inocupadas, onde a fiscalização portanto é impossível.

Pôsto isto provemos as afirmações que atrás fizemos à laia de teorema.

Dada a impossibilidade fiscal, todos os artigos de permuta estrangeiros, inclusive os similares da nossa indústria, serão introduzidos no interior da província para as transacções com o gentio. Os produtos indígenas permutados serão por sua vez apresentados no primeiro pôsto fiscal, o qual lhes aporá o respectivo sêlo para os efeitos do trânsito, seguindo daí para os nossos portos, a valer a pena fazer tal percurso, ou para outro ponto da fronteira imitando neste caso o sêlo, — o que será facílimo, visto a verificação fazer-se só

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quanto ao número dos volumes, onde pagarão apenas 1,5 por cento.

E aí tem, Srs. Senadores, por um simples exemplo, «prejudicadas as nossas indústrias e os interêsses que lhes estão ligados», visto que não serão os nossos algodões que entrarão pelas fronteiras, — «o comércio interior açambarcado pelo alienígena, melhor armado do que o funante nacional; — a diminuição das receitas provinciais, visto que os artigos exportados em vez de pagarem o direito pautal pagarão o de trânsito, e desaparecerá uma das fontes, nele o nosso comerciante ia buscar o ouro para fazer face aos encargos tomados nas praças estrangeiras, onde o nosso papel moeda não tem cotação.

E notem Srs. Senadores que não falamos em muitas outras fraudes, que são facílimas, nem na corrupção fiscal, sempre possível, não sendo tambêm lícito pôr em dúvida que as reclamações dos estrangeiros, — que podem transformar-se numa rendosa indústria de fácil exploração, — se não farão esperar pelo desvio e desaparecimento das mercadorias em trânsito, reclamações que pesarão sôbre as avariadas finanças de Angola.

Êste decreto, portanto, não tem razão de ser na ocasião actual; deve ser suspenso até as linhas férreas se aproximarem das fronteiras, pois só então a fiscalização do trânsito poderá ser eficaz, devendo tambêm então exigir-se a reciprocidade nas linhas das colónias vizinhas.

E a vossa comissão de colónias, para terminar, faz votos, para que muito brevemente o Congresso vote uma lei que facilite a colonização das zonas planálticas, já servidas pela viação acelerada, e se ultimem os caminhos de ferro já iniciados, pois só assim se poderá resolver o problema económico, político e social de Angola, e se levantará a raça negra, tam abastardada pelo esgotante trabalho dos carregos que actualmente ocupam mais de 100:000 indígenas, com grave prejuízo da agricultura pela qual — não duvidem — Angola se levantará do mara mo em que a deixaram cair.

Nesta orientação a vossa comissão de colónias propõe a suspensão do decreto com fôrça de lei n.° 224, publicado pelo Ministro das Colónias ao abrigo do artigo 87.° da Constituição.

Sala do Congresso da República, em 24 de Dezembro de 1913. = Domingos Tasso de Figueiredo = Manuel Goulart de Medeiros = José António Arantes Pedroso (vencido) = Augusto Vera Cruz = Anselmo Xavier = Nunes da Mata (vencido em parte) = António Bernardino Roque, relator.

O Sr. Presidente : — Está em discussão.

O Sr. Bernardino Roque: — Sr. Presidente e Srs. Senadores: o parecer que acaba de entrar em discussão é bastante desenvolvido.

Êle contêm razões e argumentos suficientes, que justificam a sua conclusão, isto é, a suspensão do decreto.

É, porêm, tam grave o assunto e tam graves são as circunstâncias em que se encontra a província de Angola, que é sempre pouco tudo quanto se diga a seu respeito.

Sr. Presidente: a situação desta nossa colónia é, a todos os respeitos, muito grave, sobretudo neste momento, não só por ser aflitíssima a sua situação financeira e económica, como tambêm porque em torno dela enxameiam as ambições dos países que pretendem abafá-la, estrangulá-la, com fins, evidentemente, interesseiros e egoistas.

Não estranhe, pois, o Senado que eu desenvolva alguns pontos do parecer e que apresente outros, que neste diploma não estão incluídos.

A província de Angola tem sido, de todas as colónias, a pior administrada.

As colónias portuguesas tem sido, em geral, condenadas ao desprezo e ao abandono, quási que servindo, no tempo da monarquia, exclusivamente para endireitar as finanças dos funcionários, que as governavam.

Quando, no antigo regime, se queria que um funcionário pagasse as suas dívidas, nomeava se governador para o ultramar.

Vou dar conta ao Senado dum pequeno apanhado que fiz, relativamente à forma como tem sido administradas as nossas províncias ultramarinas há sessenta anos.

Dêsse apanhado se conclui, abatendo de 23:322 contos de réis de saldos negativos, a importância de 10:018 contos de réis de saldos positivos, um saldo negativo geral de 13:304 contos de réis!

De entre as colónias, que mais se tem

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salientado pelos seus saldos negativos temos a Guiné em 30 anos côa: 55 contos de réis de saldos positivos e 2:215 contos de réis de saldos negativos; Timor com 1:420 contos de réis de saldos negativos, e nem um ano de saldo positivo, e Angola com 10 contos de réis de saldo positivo num ano (será engano?) e 13.000 contos de réis de saldos negativos.

S. Tomé, hoje, uma colónia florescente, tem melhorado sucessivamente as suas finanças nos últimos 20 anos, porque antes estavam avariadas.

A Guiné tambêm nos ultimes 3 anos as tem melhorado.

A província que bate o record da má governação é Angola, que tem 13:000 contos de réis de saldos negativos nos 60 anos! Isto apesar de sucessivamente terem aumentado as suas receitas.

Quem bate o record da boa administração é S. Tomé. Como fica dito o contrário de S. Tome tem sido Angola, sempre pessimamente administrada. (Apoiados).

Consultando esta estatística, vê-se ainda que as receitas em 1852 eram de 801 contos de réis, e as despesas de 727 contos de réis; e que em 1912 foram respectivamente de 13:234 contos de réis, e 14",840 contos de réis.

Quer dizer, que à proporção que as receitas iam aumentando, iam aumentando tambêm as despesas, nunca se lembrando os governadores desta cousa comesinha: de que era preciso equilibrar os orçamentos, não gastando mais do que as colónias produziam.

O Sr. Ladislau Piçarra: — Essas despesas eram reprodutivas?

O Orador: — Havia sempre deficit, de forma que a conclusão é esta: é que essas despesas não foram reprodutivas, eram simplesmente para o funcionalismo militar e civil, que tem constituído o grande cancro da província de Angola.

O Sr. Ladislau Piçarra: — Mas essas despesas no tempo da República tem aumentado?

O Orador: — Já lá vamos, entretanto posso responder já a S. Exa. afirmativamente.

Leu.

Quer dizer, à proporção que iam aumentando as receitas, iam aumentando as despesas.

Quer S. Exa. ver como tem sido administrada a província de Angola desde 1880?

Veja V. Exa. esta estatística por períodos de 5 anos.

No 1.° período o desiquilíbrio orçamental foi de 320.000$, visto que as receitas foram de 1:580.000$ e as despesas de 1900. No segundo período o desiquilíbrio foi de 780.000$, no terceiro de 600.000$, no quarto 1:5000.00$, no quinto de 1:400.000$ e no sexto, de 1900 a 1910, êsse desiquilíbrio foi de 600.000$ para uma receita de 9:000.000$ e uma despesa de 9:600.000$. O orçamento actual dá um desiquilíbrio de 1:600.000$. As receitas estão calculadas em 3:428.000$ e as despesas em 5:092.000$. Como se vê as receitas aumentaram sempre e as despesas excederam-nas sempre tambêm. Basta êste simples enunciado, Sr. Presidente, para ver como tem sido administrada esta bela província. Chega a ser um pavor! E está respondida a pregunta do ilustre Senador Sr. Ladislau Piçarra.

Para um tal aumento tem contribuído, e que eu chamei o grande cancro da província, que é o extraordinário número de militares e civis, que vão para a província de Angola, a maior parte das vezes para satisfazer a padrinhagem política.

Eu fui para Angola em Janeiro de 1890: lá me conservei 15 ou 16 anos e notei, que as ocupações só se faziam por meio de guerras e estas eram muitas vezes provocadas, não pela necessidade da ocupação, mas para satisfazer interêsses nem sempre, ou melhor, quási sempre, pessoais.

Quem seja conhecedor das nossas colónias mas sabe porque e como se faziam muita vezes essas guerras.

Era preciso dinheiro, ou melhor, escasseava o dinheiro num dado distrito, provocava-se uma guerra a que se seguia uma expedição, que custava muito dinheiro ao Estado, com esbanjamentos e desperdícios, que nem sempre aqui foram conhecidos.

Por isso, Sr. Presidente, tenho a opinião de que se façam essas ocupações a pouco e pouco, por meio dos caminhos de ferro. Se tivéssemos empregado em caminhos de ferro as verbas gastas com as expedições militares, não digo que esti-

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vesse completa a rêde ferro viária, mas J estavam concluídos os caminhos de ferro principiados.

Vou agora tratar do actual orçamento, que, apesar ds organizado dum modo bem optimista, dá um saldo negativo superior a 1:600.000$. Êste orçamento apresenta cousas extravagantes como estas: consigna verbas importantes para subvenção às missões estrangeiras, quando nós não temos obrigação de as subsidiar. Consigna 20.000$ para o combate da doença do sono, quando o Congresso votou uma verba de 60.000$; 4.000$ para abastecimento de águas para a Baía dos Tigres, quando pôs encargos do distrito de Mossâmedes já figura a verba precisa; 40.000$ para despesa de ocupação dos distritos de Loanda e Lunda, olvidando que tal verba nunca pode ser fixada, e esquecendo se doutros distritos onde a ocupação é ainda mais urgente que a do distrito de Loanda, onde ela já está quási concluída.

Fixou uma verba de 10.000$ para assistência médica aos indígenas, como se tal assistência não existisse. Em todos os distritos figuram verbas variáveis para despesas eventuais, pois nas despesas provinciais figura tambêm uma verba de encargos eventuais de 20.000$. Consigna uma verba de 40.000$ para subsídio à Empresa, de Navegação, quando essa empresa já há muito que não tem contrato com o Estado. Apresenta uma despesa de 30:000$ para telegramas e porte de correspondência, mais 7.000$ que no orçamento anterior, quando V. Exas. sabem o abuso que alguns governadores tem ultimamente feito de tal meio de comunicação. Em compensação esqueceu-se de consignar essa verba nas despesas do distrito de Lunda. Reduziu despesas e aumentou outras nos caminhos de ferro e obras públicas, sem préviamente revogar as leis que as criaram e que encimam o capítulo em que elas vem consignadas.

Emfim, Sr. Presidente, uma barafunda, que só se explica pelo nenhum cuidado com que o orçamento foi elaborado, e que exige a sua pronta revisão para aliviar as finanças da província de Angola, aliviando assim as outras províncias com superavit, às quais de ordinário se recorre para diminuírem os deficits das que os tem, como Angola.

Ora, Sr. Presidente, se o Sr. Ministro trouxesse ao Parlamento o orçamento, êle não enfermaria de tantos erros.

Como é, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das colónias, sabendo que o Parlamento abria a 2 de Dezembro foi aprovar êste orçamento tem 29 de Novembro, dois dias antes, abusando assim do artigo 87.° da Constituição, visto que não havia urgência pois só há quatro dias êle saiu dos prelos da Imprensa Nacional ? E estaria êle já elaborado nessa ocasião?

Ainda que houvesse urgência, porque é que S. Exa. não esperou mais quatro ou seis dias para o apresentar ao Parlamento?

Pois, Sr. Presidente, vamos ver o seguinte: que as receitas inscritas no orçamento não hão-de corresponder à verdade, porque são orçadas sob uma base falsa, demasiadamente optimista, como a correspondente, por exemplo, ao imposto da borracha e ao imposto de cubata, que há-de ficar muito aquém da aqui consignada.

Mas, Sr. Presidente, pode-se acudir à província de Angola?

Pode; e peço ao Sr. Ministro das Colónias toda a atenção para êste ponto porque, com a boa vontade de S. Exa., podem-se atenuar os disparates que os outros tem feito, e acudir àquela província, porque se assim se não fizer, depois talvez seja tarde. É precisa a revisão dêste orçamento, porque aqui pode se cortar muita despesa supérflua; muitas destas verbas podem ser anuladas e há aqui verbas que chego a não perceber.

Leu.

Lamento não ver incluída neste orçamento a verba de 60.000$, que, como disse, foi votada pelo Parlamento para acudir à doença do sono; e não compreendo como no mesmo orçamento figuram outras despesas desnecessárias, como dos 10.000$ para assistência médica aos indígenas, visto tal assistência já estar consignada em capítulo especial.

Fui médico do quadro de saúde de Angola durante 15 anos; dirigi hospitais, enfermarias, ambulâncias e não sei o que quer dizer esta verba extraordinária.

Leu.

Para onde vão êstes 10.000$?

É preciso tambêm, Sr. Presidente, acabar com o inqualificável abuso, que os governadores fazem do telégrafo só para sa-

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tisfação das suas vaidades. 30 contos para telegramas!

30 contos para pagar telegramas como muitos que eu vi, onde apenas se fazia um discurso participando a ida do governador a qualquer ponto da província.

Isto não se pode admitir numa província que é pobre.

Para que é esta despesa com êste luxo desnecessário?

Quem quere vaidades paga-as à sua custa. Telegramas sôbre infantilidades não se devem expedir.

Ainda mais. Quere V. Exa. ver?

Leu.

Imposto de cubata. O imposto de cubata deve ser proporcional ao número de habitantes.

Êsse imposto é vergonhosamente cobrado; mais ainda, é vergonhosamente roubado.

Tenho aqui à mão o relatório oficial duma sindicância ás repartições de finanças dos distritos de Benguela e Mossâmedes. Nesse relatório dizem-se cousas como esta:

Leu.

Os comerciantes que não são empregados do Estado é que fazem os arrolamentos! Extraordinário!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, êste exemplo do modo como é feita a cobrança do imposto. O gentio tinha de pagar 1$20 de imposto; pois bem; era obrigado a pagar ao cobrador um boi! e o boi não era para o Estado com certeza. Foi isto que levou o gentia a apresentar-se ao Governador de Benguela, dizendo-lhe que preferia pagar ali mesmo o imposto para não ser espoliado.

Pregunto: êste homem foi castigado? Não foi; sei-o muito bem.

Aqui tem V. Exa. como são feitos os arrolamentos e pagamentos do imposto de cubata no distrito de Benguela. Não quero cançar mais o Senado lendo-lhe trechos relativos ao modo como êsse serviço está montado em Mossâmedes, que é o mesmo que em Benguela.

O imposto de cubata, que devia render em Angola 600.000$ a 800.000-S, produz apenas 135.000$, ao passo que Moçambique muito menos povoado, rende perto de dez vezes mais.

Vou agora entrar própriamente no assunto a que se refere o parecer em discussão, e deixe-me dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que tenho muito que dizer.

Nós, Sr. Presidente, temos abandonado completamente todas as fontes de riqueza das nossas províncias ultramarinas, e temos esquecido completamente os caminhos de ferro, que, como V. Exa. sabe, constituem a base da exploração económica nas colónias,, pois, caso gravíssimo, para o qual chamo a atenção do Senado, a província de Angola está sendo rodeada de linhas férreas pelas colónias que, diz-se, querem exercer sôbre ela uma acção preponderante, bastante prejudicial para nós.

E se nós, Sr. Presidente, não seguirmos o mesmo caminho, se não dermos desenvolvimento às linhas férreas iniciadas, levando-as até a fronteira, a preponderância económica dessas nações será certa, seguida do predomínio politico.

Veja V. Exa., Sr. Presidente:

Em 1908 a Alemanha explorava em Africa 1:988 quilómetros de via férrea; pois em 1913 essa cifra elevava-se a 4:177 quilómetros, mais 2:189 quilómetros, isto em cinco anos. Que pressa, Sr. Presidente! O orçamento colonial alemão actual consigna só para despesas de caminhos de ferro na África nada menos de 14:400 contos.

E nós, Sr. Presidente? E ler as tabelas coloniais para nos envergonharmos.

A África Central, pertencente à Franca, Bélgica. Alemanha e Portugal, terá em exploração um total de 7:201 quilómetros de via férrea. Pois bem. A Alemanha, nação colonial recente, que se fez à nossa custa, pertencem 53,5 por cento da rede, e a Portugal isto apenas: 14,4 por cento.

É bom olhar para êstes números, que são instrutivos.

Há a acrescentar que a Alemanha vai ligar com Katanga, isto é, com o Lobito, a sua linha de Dar-es-Salam, por intermédio de carreiras de vapor no Tanganika e uma linha daqui a Katanga. Ao mesmo tempo a Alemanha vai interessar-se no caminho de ferro do Lobito com alguns milhões de marcos.

Sr. Presidente: diz-se e eu estou convencido de que é verdade, que existe um entendimento entre a Alemanha e a Inglaterra relativamente à nossa província de Angola.

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E claro que esta entente é económica, visto que ninguêm pensa expoliar-nos pela fôrça.

Ó assunto é muito delicado bem sei, mas os pourparlers na imprensa mundial são tantos e tam claros, que eu penso que toda a reserva é descabida, direi até prejudicial, e que o Govêrno não pode ficar calado, porquanto a verdade é que o assunto tem sido tratado na imprensa estrangeira, nos jornais nacionais, e até nos soalheiros cá da terra.

Todos cheios de anciedade preguntam: então no Parlamento não se diz nada sôbre um assunto tam grave?

Com o Parlamento aberto não se formula uma simples pregunta em assunto de tanta magnitude?

Pois é o que eu faço.

Dir-se-há que se trata só duma entente económica; mas todos sabem, Sr. Presidente, que o primeiro passo para a conquista política duma região é a sua conquista económica. Ninguêm desconhece que, os interêsses criados são a base de todas as conquistas e a razão invocada para invocar direitos.

Em 1885 assim sucedeu com o Congo, e o mesmo pode suceder amanhã com Angola, desde que não haja nos diferentes pontos desta província um forte núcleo de colonos, de arreigado amor a Portugal, que defenda o território, dizendo-se portugueses. E como na dinâmica social, nesse ponto igual à dinâmica física, uma forca é destruída por outra igual e contrária, fácil é saber o caminho a seguir: colonizar.

Sr. Presidente: vejo o futuro de Portugal ligado à existência do domínio colonial.

Bem sei eu, que o Sr. Augusto de Vasconcelos, quando Ministro dos Estrangeiros, negou a existência dêsse acordo. Ainda sei, que o Sr. António Macieira, último Ministro dos Estrangeiros, tambêm afirmou, e bem calorosamente na Sociedade de Geografia, que as notícias, que se referiam a entendimentos entre a Inglaterra e a Alemanha, acêrca das nossas colónias não eram verdadeiras. A verdade, porêm, Sr. Presidente, é que o país não acreditou nesse desmentido.

Não digo, que S. Exas. não tivessem o melhor desejo de acertar; mas a verdade é que, a diplomacia obriga muitas vezes a pôr um não onde se deve colocar um sim, e escrever um sim onde deve estar um não (Apoiados).

Por minha banda afigura-se-me, que essas negociações continuam e que se destinam à conquista da província de Angola, conquista económica, é claro.

Assim, é preciso que o Sr. Ministro das Colónias, pondo de parte melindres hoje inadmissíveis, nos apresente declarações terminantes e positivas a tal respeito.

Sr. Presidente: tudo quanto eu disse, há tempo, em relação aos desejos dos alemães, era profundamente verdadeiro, visto que tudo se realizou já.

Disse que em Janeiro chegaria a Udjiji, nas margens do Tanganika, a linha férrea Dar-es-Salam; pois bem, já lá está.

Disse que se ia estabelecer uma carreira de vapores alemães para a nossa África Ocidental, Lobito e Mossâmedes; pois já existe, leva malas e passageiros; é quinzenal.

Agora vai construir-se uma nova linha que porá em comunicação Tanganika com Katanga, e um outro ramal se vai construir de Otavi pelo Ovampo, de 155 quilómetros, a W. do pântano Etocha a enfrentar com o Cuanhama.

Some V. Exa. tudo e diga-me, Sr. Presidente, se não é indispensável resolver quanto antes a questão do sul de Angola, e se não é preciso que o Sr. Ministro das Colónias nos diga o que sabe a respeito das negociações entre a Inglaterra e a Alemanha.

Sr. Presidente: hoje não se fazem conquistas coloniais pelas armas.

Essa forma de conquista passou, o meio é mais pacífico e proveitoso.

As conquistas hoje fazem-se por processos económicos.

Se a província de Angola sofrer a influência económica da Alemanha, poderemos nós ficar com o domínio político, que só traz despesas; mas a Alemanha ficará com o domínio económico que traz o proveito sem os encargos da posse política. (Apoiados).

Ora, Sr. Presidente, já hoje é muito difícil, apesar de não haver meios de transporte até a fronteira sul da nossa colónia de Angola, fazer concorrência aos produtos alemães. Na Huíla os artigos de comércio europeu, que os nossos comerciantes lá põem, são hoje muito mais caros que os

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que do Cuanhama nos vem pelos padres alemães. Eu conto.

Um missionário alemão foi ao Humbe e pediu a um negociante que lhe vendesse um cachimbo.

O negociante deu-lhe o cachimbo. Preguntou-lhe o missionário quanto custava, a resposta foi — 400 réis. Torna o missionário:

«Eu não quero quatro, quero só um».

E ficou muito admirado por lhe pedirem por um cachimbo no Humbe a importância por que êle vendia quatro na missão do Cuanhama. Hoje já os alemães vendem no Cuanhama, colónia nossa, artigos por preços mais baixos do que na Huíla. Quer dizer que é preciso muita cautela com a questão económica, porque já hoje na província de Angola muitos artigos nossos não podem fazer concorrência aos produtos alemães, isto apesar da ausência de meios de transporte.

Estou fatigado, Sr. Presidente. Muito mais tinha que dizer, mas ficará para outra ocasião.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — O que desejo acentuar é que a província de Angola está numas condições especiais e delicadíssimas. E preciso desfazer no espírito público os sobressaltos e dúvidas sôbre o futuro da província, visto que tanto os Govêrnos como a imprensa, que lhe é afecta nada tem dito a respeito de prováveis negociações entre a Inglaterra e a Alemanha.

Dentro do Parlamento nada se tem dito. Pois peço ao Sr. Ministro das Colónias que fale.

Tenho muito amor às nossas colónias, sobretudo às da África ocidental, que são aquelas que, aconteça o que acontecer, devem ficar sempre portuguesas. As outras pode ser que por circunstâncias várias deixem de pertencer a Portugal.

De Angola é que não há razão absolutamente nenhuma, a não ser a nossa inépcia, para não se fazer dela um segundo Brasil.

A província de Angola tem condições intrínsecas bastantes para ser uma colónia rica.

Tenho dito.

O Sr. Arantes Pedroso: — Segundo as praxes, como é a primeira vez que falo perante o Sr. Ministro das Colónias, começarei por saudar S. Exa., prestando homenagem aos seus talentos, carácter e conhecimentos coloniais.

Cumprido êste dever, vou entrar no assunto.

Em volta dêste decreto, publicado ao abrigo do artigo 87.° da Constituição, têm-se bordado as considerações mais fantásticas, e dito as mais extraordinárias cousas. E tal a má vontade contra êste: decreto, que ela se manifesta até na maneira como foi inscrito ali, naquele quadro, para a ordem do dia.

Chamaram-lhe o decreto da «porta aberta», e, para chamar bem a atenção, sublinharam as palavras. Não faço a injúria ao Senado de supor que não saiba o que é «porta aberta»; e, por isso não perderei tempo a demonstrar, que o presente decreto não merece tal nome.

Sr. Presidente: vou entrar própriamente no assunto; mas para isso tenho que historiar todas as fases por que passou a questão do trânsito em Angola, desde o seu início até à sua publicação pelo Sr. Ministro das Colónias do Govêrno transacto, ao abrigo do artigo 87.° da Constituição.

Esta história é um tanto ou quanto enfadonha, mas a verdade é que não posso deixar de a narrar, para bem demonstrar que o anterior Sr. Ministro das Colónias não procedeu levianamente, e que tinha os elementos de estudo necessários para pôr o projecto em execução, o qual apareceu precisamente na ocasião própria. Vejamos, pois:

Em Março de 1911 mm representante da Companhia do Kasai, na parte Dilolo, Congo Belga, escrevia uma carta, datada do Moxico, ao gerente da casa Felisberto, em que lhe dizia, pouco mais ou menos, o seguinte:

«Como sequência duma conversa que tivemos, em que vos disse que a Companhia do Kasai desejava tentar fazer os seus transportes por carros, do sul do Congo para Benguela, por via Angola, ficar-vos-ia grato de saber, se a nossa companhia pode executar êste serviço de transportes e em que condições».

Citava depois os pontos principais sôbre que queria ser elucidado, e, entre êstes, a tarifa dos direitos de entrada das mercadorias e valor do cauchu, declarando, tambêm, que seriam hermeticamente fechados

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e marcados, garantindo ao mesmo tempo a volta dos carros carregados, etc. Dizia mais, que a referida companhia se encarrega ria de mandar anualmente dez a vinte carros, ou talvez mais, acrescentando, que as mercadorias que chegassem a Benguela seriam embarcadas em navios ingleses, ou quaisquer outros vapores, que se dirigissem para Anvers.

Vê-se, pois, que já havia quem pedisse o trânsito de mercadorias atravez da nossa colónia de Angola, e, portanto, a necessidade, para nós, de se pensar em o regularizar.

Em 29 de Agosto de 1911 o general Joaquim Machado, de cuja inteligência, carácter e conhecimentos coloniais ninguêm pode duvidar, (Apoiados) enviou uma carta ao Ministério das Colónias, remetendo o relatório de E. H. Heroe, pedindo para êle a atenção do mesmo Ministério. Citava o caso de se venderem talhões em Elizabethville por 20 a 40 francos, dizendo que era triste que, tendo começado, há cêrca de oito anos, a construção do caminho de ferro de Benguela, ainda agora não havia meio de se poder adquirir um palmo de terra no Lobito; onde, já hoje, poderia haver uma segunda Beira, e, no entanto, pouco mais havia do que a estação do caminho de ferro com os seus empregados.

Nesta mesma carta, S. Exa., chamava tambêm a atenção para a urgentíssima e importantíssima necessidade de se permitir o comércio de trânsito para o Congo Belga, através do distrito de Benguela, pois que êsse trânsito, devidamente regulamentado, seria vantajoso, não só para o caminho de ferro, como tambêm para Angola.

Em 31 do mesmo mês, isto é, dois dias depois, o mesmo general, numa outra carta em que remete um boletim, onde se mostra que as receitas do caminho de ferro de Mormugão vão aumentando, pede a atenção para a sua carta anterior, dizendo que a promulgação dum regulamento de trânsito para o distrito de Benguela podia dar já bons resultados práticos.

Estavam as cousas neste ponto, quando o Sr. Freire de Andrade, director geral das colónias, como êste assunto fôsse da alçada da Direcção Geral de Fazenda, enviou para esta, parte do ofício do Sr. general Machado, chamando para êle a atenção da mesma Direção, no que dizia respeito a permitir-se o comércio para o Cogno Belga através de Benguela.

Nos primeiros dias de Setembro a Direcção Geral de Fazenda telegrafava ao governador geral de Angola, contando o sucedido e pedindo a sua opinião.

Pouco depois respondia o mesmo governador, telegráficamente, o seguinte:

«Informo não haver desvantagem conceder trânsito mercadorias para o Congo Belga por ponto indicado ou outros convenientemente regulamentados».

Estava o processo nesta altura, quando foi enviado para o chefe da segunda repartição da Direcção Geral das Colónias, que é um funcionário distintíssimo, o Sr. Chagas Roquete que, informava: «que o assunto de que se tratava era importantíssimo e de carácter internacional e que, pela sua natureza, não era daqueles, cujas resoluções dependem de simples expediente de secretaria; que a fiscalização de trânsito devia ser difícil a que, feita por meios indirectos, não era prática, e feita directamente por meio de guardas seria dispendiosa, opinando, por todos êstes motivos, que o pró cesso fôsse enviado ao Ministério dos Estrangeiros por cópia, sendo esta a primeira démarche, dizendo ainda que os interêsses do Estado podiam ser altamente prejudicados se um grande critério prático não obedecesse à montagem dêstes serviços.

Conformou-se o Ministro das Colónias com esta informação, sendo em Outubro enviada ao Ministério dos Estrangeiros uma cópia dêste processo, precedido dum ofício onde se faz notar a vantagem do trânsito comercial entre Benguela e o Congo belga pela via Cumba e Dilolo.

Era então Ministro dos Estrangeiros o Sr. João Chagas, e S. Exa. respondeu ao Ministério das Colónias, dizendo que nessa data dirigia à Legação da Bélgica um ofício referente ao assunto, e acrescentava que, dependendo a regulamentação do comércio de trânsito pelo nosso território únicamente do Govêrno Português, não lhe parecia indispensável o acôrdo com o governo belga, embora pudesse haver conveniência dum tal acôrdo para maior facilidade do comércio; que, para evitar delongas para a realização dum benefício tam importante para a província de Angola, não via inconveniente que, pelo Ministério das Colónias, se promulgassem as provi-

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dências que se julgassem convenientes, pelo que se refere ao nosso território, sem prejuízo de, pela secretaria do seu Ministério, se empregarem todos os esforços para a conclusão do acôrdo luso-belga nos termos indicados pelo Ministre das Colónias.

Nesta mesma data oficiava o Ministério dos Estrangeiros ao encarregado dos negócios da Bélgica, aproveitando a ocasião de responder a um projecto de convenção proposto pelo governo da Belgica sôbre o estabelecimento duma linha telegráfica de Matadi a Noqui, dizendo nesse ofício que o exame destas propostas lhe sugerira a conveniência de completar êsse benefício pela facilidade do comércio entre Benguela e o Congo belga, via Cumbo e Dilolo, e mostrando o interesse de estabelecer um acôrdo nesse sentido.

Novamente volta o processo à repartição aduaneira das colónias, e esta, historiando as fases porque passou o assunto do trânsito, diz que a secção, cuja única dúvida estava na internacionalidade da questão, agora esclarecida, propõe a S. Exa., que se oficie ao governador geral de Angola para, de acôrdo com o director do círculo aduaneiro, tomar as providências necessárias para que tal comercio seja um facto, garantindo a liberdade de trânsito e assegurando os interêsses do Estado, devendo, porêm, a base das medidas a tomar ser o depósito das quantias a cobrar por cada despacho iniciado nas casas fiscais terminus, depósito que só será levantado quando a casa fiscal, que der saída ás mercadorias, tiver feito a declaração respectiva a essa saída, etc.

Em seguida é o processo presente ao Ministro, Sr. Celestino de Almeida, que concordou por despacho de 14 de Outubro de 1911.

Sr. Presidente: veja V. Exa. 8, veja o Senado que, por um simples despacho, o Ministro, Sr. Celestino de Almeida, consentia o transito! Não era um decreto ao abrigo da Constituição, como êste é, e com as precauções que êste prescreve. Então sim, então é qu3 tínhamos as porias abertas, pois não se pagava imposto algum de trânsito! A inscrição que ali se pôs, naquele quadro, quando êste decreto se deu para ordem do dia, teria então cabida e seria correcta.

Felizmente a Providência, encarnada na pessoa do Sr. Chagas Roquete, onde o despache com o processo voltou novamente, em vez de lhe dar seguimento, lembrou ainda que seria de toda a conveniência que tal comércio fôsse taxado, porquanto o seu estabelecimento imporá ao Estado, de momento, despesas de fiscalização que irão aumentar o déficit da província, e por isso propõe que o trânsito seja taxado com 3 por cento ad valorem.

Reconsidera o Sr. Celestino de Almeida sôbre o seu despacho e manda ouvir o conselho colonial, e aqui está a razão por que o Sr. Almeida Ribeiro não tinha necessidade de o consultar, pois que êle já o havia sido, quando S. Exa. se resolveu a publicar o decreto de que se trata.

Em Novembro de 1911 emite o conselho colonial o seu parecer. Nele se diz não discutir a criação do comércio de trânsito, visto ser já um facto consumado; aceita § o 3 por cento ad valorem e acrescenta que a mercadoria deve ser acompanhada em trânsito com todas as cautelas a fim do Estado não ser lesado, etc.

Assina, êste parecer, com declaração, o insigne colonial Freire de Andrade, manifestando que se devem tomar as medidas, que de nós dependem, mas não estabelecer entendimento algum com o Congo belga.

Vota contra, fazendo parecer à parte, o falecido Sr. Augusto Ribeiro, que mais uma vez mostrou a sua grande erudição em questões coloniais.

Fica êste assunto parado por algum tempo até que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, já então o Sr. Augusto de Vasconcelos, em Dezembro de 1911, oficia ao Ministério das Colónias dizendo, que a Legação da Bélgica o informara que o Ministro das Colónias daquele país estava pronto a examinar a proposta que o Govêrno português queira submeter à sua apreciação, e pedia resposta para ser enviada ao encarregado dos negócios daquele país.

Como consequência dêste ofício é o processo mais uma vez levado ao Ministro, então o Sr. Freitas Ribeiro, que mandou responder ao Ministério dos Negócios Estrangeiros «estar estudando o assunto».

Em Maio de 1912 insta novamente o Govêrno belga pela negociação dum convénio de trânsito entre Angola e o Congo belga, e o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos, Ministro dos Estrangeiros, pregunta

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se já estão concluídos os estudos e em que sentido poderá responder.

Sôbre êste ofício, o Sr. Cerveira de Albuquerque, ao tempo Ministro das Colónias, lança o seguinte despacho:

«Ao governador geral de Angola, para informar».

Ao mesmo tempo enviou se para o Ministério dos Negócios Estrangeiros um ofício, comunicando êste despacho.

Em Setembro de 1912 responde o governador de Angola, depois de fazer várias considerações, que as mercadorias devem ser seladas para evitar que parte do seu conteúdo fique no interior; que era necessário o estabelecimento duma alfândega importante no terminus da linha de comunicação entre o Huambo e a fronteira, e o estabelecimento de postos subsidiários desta alfândega, etc.; que o trânsito deve estender-se tambêm às colónias inglesas e alemãs do sul. Contudo, é de parecer, apesar de reconhecer as vantagens que para o caminho de ferro de Benguela adviriam de tal medida, que seria prudente esperar mais uns dois anos, antes de permitido o trânsito, porquanto avançariam mais as linhas em construção, teríamos feito uma ocupação mais intensiva, etc.

Em Junho de 1913 o governador geral tornou a enviar uma nota para o Ministro das Colónias, nota que passo a ler, a fim de não alterar, sequer, uma única palavra:

«Sou o primeiro a reconhecer as grandes vantagens que adviriam para a província do estabelecimento de fortes correntes comerciais que demandassem os portos de Angola, nos dois sentidos da importação e exportação das colónias que com a província limitam, e não pode haver a menor dúvida que os estrangeiros, e sobretudo os belgas, estão afincadamente trabalhando para desviarem dos nossos portos o comércio das suas respectivas colónias. Se fôsse possível fazer avançar os caminhos de ferro de Malange, do Lobito e de Mossâmedes com a rapidez que seria para desejar, pouco nos devia preocupar o futuro, mas com a lentidão com que êsses caminhos de ferro avançam, precisamos lançar mão doutros meios, tendentes a desviar desde já o trânsito comercial para a costa de Angola, e nessa ordem de ideas propõe os caminhos de trânsito, a fiscalização aduaneira, etc., e que a regulamentação detalhada de todas estas bases seja feita pelo governador geral em conselho». Fala depois no cálculo das despesas a fazer, do tempo para a instalação, das receitas dos direitos de trânsito, etc. etc.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, e aqui tem o Senado, a história das diferentes fases por que passou êste decreto até que o então Ministro das Colónias, Sr. Almeida Ribeiro, o publicou, ao abrigo do artigo 87.° da Constituição.

Sr. Presidente: eu apresento as várias fases que esta questão tem experimentado, por entender que assim respondo, se bem que indirectamente, a muitas das considerações apresentadas pelo meu ilustre amigo o Sr. Bernardino Roque, não só na sessão de hoje, como nas que constam do seu bem elaborado parecer.

Mas, Sr. Presidente, alguma cousa posso ainda acrescentar, para se ver que o Sr. ex-Ministro das Colónias tratou, quanto possível, de proteger os interêsses da indústria nacional.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe muito bem que, só em Novembro é que, as Associações Industriais de Lisboa e Pôrto reclamaram contra o projecto.

O Sr. Ministro fez publicar essa representação, e acrescentou que, desde que o Senado tinha resolvido rever o decreto, possível seria que lhe introduzisse emendas, e, portanto, que não o podia suspender.

É inexacto, portanto, que o Sr. Almeida Ribeiro tenha descurado os interêsses da indústria nacional, como por aí se tem propalado, e tambêm como se insinua no parecer a que me tenho referido. A prova é que o Sr. Ministro, em 13 de Dezembro, enviou para Loanda um ofício, dizendo que, apesar do decreto dar ao governador atribuições de pôr em vigor, a título provisório, o regulamento para a sua execução, tal se não fizesse, e o mandasse para o Ministério, a fim de por êle ser visto, assim como para serem ouvidas as associações que reclamaram, tudo isto no louvável intuito e justo propósito de se estabelecer a melhor forma de resolver o assunto.

Não há, pois, motivo para se dizer que o Sr. Almeida Ribeiro se desinteressou do que à indústria nacional convinha.

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Agora, Sr. Presidente, e sem querer, por forma alguma, melindrar o meu amigo o Sr. Bernardino Roque, parece-me oportuno dizer o seguinte.

Supunha eu, que S. Exa., com os seus altos conhecimentos coloniais, com a sua muita inteligência, em vez de vir pedir a anulação, pura e simples do decreto...

O Sr. Bernardino Roque: — Perdão. Eu, em princípio, aprovo o projecto.

O Orador: — Supunha que S. Exa., em vez de propor a anulação do decreto, e convencido de que a situação de Angola se não pode manter como tem estado até aqui, amarrada às pautas anárquicas, viesse apresentar um projecto, que substituísse êsse decreto, atendendo a muitas cousas, e por igual aos interêsses da indústria nacional.

O Sr. Bernardino Roque: — Não tenho para isso autoridade.

O Orador: — Então se S. Exa. se declara sem autoridade para formular um projecto, peço licença para lhe preguntar se o papel do Poder Legislativo se resume em rufar nas costas dos Ministros, como se se tratasse de pele de tambor, quando êles apresentam qualquer projecto e os legisladores não apresentarem de sua iniciativa cousa alguma.

O Ministro não tem culpa de que as comissões não trabalhem.

O Sr. Bernardino Roque: — Não é o trabalho dum homem, é de muitos.

O Orador: — V. Exa. apresentava um projecto, e já o Ministro se não veria, como agora, um pouco embaraçado para responder ao que nós estamos a dizer. Mas há mais: tem-se dito que é difícil, senão impossível, deixar de se fazer contrabando em Angola, desde que haja o livre trânsito.

Ora, eu, Sr. Presidente, não gosto de argumentar com o que dizem os jornais.

Abro, porêm, uma excepção neste caso, porque estou perfeitamente de acôrdo com o que disse o Sr. Arez, homem que conhece bem os serviços das alfândegas das colónias. Vou ler o que êle diz na entrevista publicada no Século. Vão V. Exas. ver como é fácil evitar o contrabando.

Como V. Exa. sabe, o Sr. Arez era o encarregado de pôr em execução o regulamento na parte respeitante à alfândega. Diz S. Exa. que, «por cada despacho de trânsito far-se há uma verificação para a todo o tampo constar a importância dos impostos de importação das mercadorias cujo trânsito se pedir. O despacho de trânsito ficará em depósito até decorrer o prazo, não excedendo a um ano designado no § único do artigo 4.° As mercadorias levarão duas guias. Uma seguirá directamente pelo correio, para o pôsto da fronteira por onde as mercadorias saírem. Tanto nesta, como na que as acompanha se fará descrição minuciosa dos volumes, seus pesos e conteúdo. Os volumes serão depois devidamente cintados e selados e os invólucros em que forem expedidos terão a legenda «trânsito» a tinta a óleo, devendo ser assim apresentados no último pôsto da fronteira, e nos postos intermédios que se hão-de montar. Se, em qualquer dêsses postos os volumes não estiverem em condições de se fazer o confronto com a guia, quer por se notarem divergências, quer por alguma circunstância imprevista, a guia se extraviar, ou se a saída dentro dos limites do prazo que se houver determinado não fôr convenientemente legalizada pelo pôsto da fronteira não se processará na alfândega expedidora o despacho de trânsito, e nem se liquidará o respectivo imposto de 3 por cento ad valorem porque, com os elementos existentes da verificação a que aludo, se processará um despacho de importação, convertendo-se em receita definitiva o despacho».

O Sr. Bernardino Roque: — O Sr. Arez nunca foi senão à fronteira.

O Orador: — V. Exa. engana-se; o Sr. Arez tem andado até muito pelo interior.

Como V. Exa. e o Seriado vê, com todas estas precauções propostas pelo Sr. Arez não há maneira de se fazer contrabando.

Segue-se a parte final em que o correspondente do Século diz «que se tem feito muita política». Tem razão, tem-se infelizmente feito politica sôbre êste decreto, o que é um mal para a colónia de Angola, assim como para todas as outras.

Estas questões coloniais devem afastar--se da política.

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Antes de terminar desejo formular duas preguntas concretas ao Sr. Ministro das Colónias para S. Exa. fazer a fineza de responder. São as seguintes:

Entende V. Exa. - e isto não é fazer sabatina, nem cousa que com isso se pareça— entende, repito, que da maneira como está redigido o relatório que precede o decreto, da própria expressão do decreto, e depois do ex-Ministro das Colónias Sr. Almeida Ribeiro ter oficiado para Loanda dizendo que nem a título de provisório o regulamento fôsse pôsto em vigor, sem êle Ministro o ter examinado e ouvido a Associação Comercial; entende V. Exa. que êste regulamento pode trazer qualquer dano à nossa indústria?

Segunda pregunta:

Sabe V. Exa. que êste decreto foi publicado na Inglaterra, na Alemanha, na Bélgica e creio que na Suíça, e eu pregunto se acha no actual momento, que tanto se fala em nós, se seria bom suspender êste decreto, se isto não iria mostrar ao estrangeiro a nossa pouca capacidade colonial?

A estas duas preguntas desejava que S. Exa. me respondesse, a fim de ficar devidamente elucidado.

Para terminar vou ainda referir-me a um facto que tanto maguou os portugueses, — o ultimatum.

Sabe V. Exa. e sabe o Senado quais foram as causas aparentes dêsse ultimatum, a ocupação por nós dum terreno em litígio, mas a causa verdadeira foi abrir o Zambeze à navegação internacional.

Sr. Presidente: faço ardentes votos para que, continuando Angola aferrolhada como até agora, apertada numa cinta de ferro, pior do que a histórica muralha da China, as portas não sejam arrombadas e Portugal não sofra ainda mais do que sofreu quando foi do referido ultimatum.

Tenho dito.

O Sr. Cupertino Ribeiro: — Poucas palavras, Sr. Presidente. A história dêste decreto, feita pelo orador que me antecedeu, foi destinada mais para defesa do Sr. Ministro das Colónias, Sr. Almeida Ribeiro, do que própriamente para defender as disposições do referido decreto (Apoiados).

Eu não ouvi produzir quaisquer argumentos, que justificassem a necessidade, ou
urgência de se publicar tal diploma à sombra do artigo 87.° da Constituição.

Sr. Presidente, êste decreto, da forma como está elaborado, não pode trazer vantagens algumas para o Estado. Bem pelo contrário. Só traz desvantagens e perigos, porque, por emquanto, não podemos fazer o trânsito das mercadorias em consequência dos nossos caminhos de ferro ainda lhes faltar consideráveis distâncias para chegarem às fronteiras estrangeiras, tendo-se de dispender ainda muito dinheiro e muito tempo, tanto ou mais do que se tem gasto até hoje.

Portanto, só depois de termos as nossas linhas férreas concluídas é que podemos estabelecer o livre trânsito, se quisermos fazer uma fiscalização eficaz. Hoje, pela forma como estão essas linhas é absolutamente impossível.

O Sr. Arantes Pedroso: - V. Exa. está elaborando num êrro. O trânsito se não se se podia fazer pela linha férrea do Congo, podia fazer-se pelo Cais de Benguela, seguindo depois em carros.

O Orador: — V. Exa. não pode conseguir que se façam, com segurança, os transporte por essa forma. Êsse é o meio de introduzir o contrabando. Temos o exemplo aqui na metrópole. O que será no sertão da África!

Onde a fiscalização se não poder fazer reprovo, porque o Govêrno não dispõe de meios eficazes para a fazer, e as consequências necessárias, fatais, serão o entrarem em regime de comércio ilícito, arruinando todo o trabalho honesto produzido pelo nosso comércio e a nossa indústria.

A aprovação, portanto, dêste decreto traz inconvenientes de grande importância. E, se, infelizmente, chegar a ser pôsto em prática, as suas consequências desastrosas não se farão esperar.

O Sr. Presidente: — Se V. Exa. deseja, como é quási a hora, fica com a palavra reservada.

O Orador: — Como V. Exa. entender. Ficarei então com a palavra reservada. O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Miranda do Vale: — Mando para a mesa uma representação da Câmara Muni-

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cipal de Santarém, a respeito da criação do concelho de Alcanena.

O Sr. João de Freitas: — Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de encerrar a sessão, a fim de formular umas preguntas ao Sr. Ministro das Finanças sôbre os Sanatórios da Madeira.

Já tive ocasião de, na ausência do Sr. Ministro das Finanças, apresentar uma moção, mas a Câmara resolveu mandá-la à comissão, de forma que não deu teimo a ser tomada em consideração.

Desejo preguntar ao Sr. Ministro das Finanças, se algumas propostas foram apresentadas, e qual a atitude do Sr. Ministro em relação à minha insistência.

A minha questão resulta de não terem sido nítidas as declarações do Sr. Ministro, quando da primeira vez me referi ao assinto, que é de grande importância.

O que desejo é que S. Exa. me apresente declarações claras e terminantes.

Pregunto a S. Exa. se algumas propostas foram apresentadas, e qual a atitude de S. Exa. em relação a essas propostas.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Tomás Cabreira): — Sr. Presidente: em resposta ao Sr. Senador João de Freitas tenho a dizer o seguinte:

Em virtude de anúncio publicado para o concurso referente ao arrendamento dos Sanatórios da Madeira, apareceu uma única proposta assinada por um cavalheiro, que é desconhecido no mundo das finanças.

Pelo menos, para mim, essa pessoa é completamente desconhecida, e eu conheço, mais ou menos, todas as pessoas que andam envolvidas em finanças.

Essa proposta, após vários considerandos, onde se pretende demonstrar, que 03 Sanatórios não tem o valor que lhes é atribuído, propunha o arrendamento por cinco anos, sob a base de 4 500$ em cada ano.

No fim de cinco anos êsse arrendamento podia ser prorrogado; e, 110 caso de ser regulamentado o jôgo, o proponente declarava que aceitaria a rescisão do contrato havendo novo concurso para o arrendamento dos Sanatórios, competindo-lhe a opção.

Foi esta a única proposta, que foi apresentada. A comissão encarregada de estudar o assunto, rejeitou-a.

Reconheci para logo, que essa proposta era inaceitável, porque, na minha qualidade de Ministro das Finanças, hei-de sempre defender os interêsses do Estado o mais que me seja possível.

Podem V. Exas. ter a certeza de que emquanto eu estiver na pasta dás finanças, os interêsses do Estado hão-de ser rigorosamente defendidos.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: — Como tam sido defendidos até aqui.

O Orador: — Nestas condições, considerei o concurso nulo.

Eu, apenas fiz o que qualquer outro Ministro praticaria para defender os interêsses do Estado.

O Sr. João de Freitas: — Estimei muito ouvir as declarações do Sr. Ministro das Finanças.

Agora o que se torna preciso é regulamentar o jôgo.

O Sr. Presidente: — Deu a hora.

A seguinte sessão será amanhã, e a ordem do dia será eleição do governador de Moçambique e os pareceres n.ºs 13, 21, 28, 29, 160 e 244.

Está levantada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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