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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO N.º 22

EM 12 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Guilherme Martins Alves

Sumário.— Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta.

Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente declara que o Sr. João José da Silva acedei a a continuar a colaborar nos trabalhos da Câmara.

O Sr João José da Silva explica as razões por que desistiu da sua renúncia ao lagar de Senador.

O Sr. Tiago Sales explica a sua intervenção no assunto, congratulando-se com a continuação do Sr. João José da Silva no exercido do seu lugar.

O Sr. Castro Lopes, em nome do Senado, congratula-se pelo mesmo facto.

O Sr. Baptista Ramires faz considerações sôbre a administração pública de Angra do Heroísmo, notando que, se não houver uma providencia argente, a Junta Geral lei a, de suspender todos os serviços. Termina apresentando um projecto de lei para um empréstimo à Junta.

O Sr. José Júlio César faz considerações sôbre meios de transporte, especialmente sôbre os caminhos de ferro ao norte do Mondego, o de Santa Comba Dão a Bragança e o da Régua a Vila Franca das Naves por Lamego.

Termina apresentando dois projectos de lei para construção de linhas férreas.

O Sr. Artur Jorge Guimarães protesta contra o assassínio do preso político Jorge Camacho.

O Sr. Afonso de Melo faz considerações e envia para a Mesa dois projectos de lei: um relativo aos funcionários contratados que fazem serviço na administração dos bens dos inimigos, outro relativo à questão vinícola.

O Sr. Visconde de Coruche protesta contra o assassinato de Jorge Camacho e protesta tambêm contra os desacatos feitos à Assistência 5 de Dezembro e a toda a obra de Sidónio Pais. Protesta contra os maus tratos praticados nas prisões contra os presos monárquicos.

O Sr. Nogueira de Brito faz considerações acêrca do convento de Santa Clara, em Santarém, e da sua importância histórica, política e arqueológica.

O Sr. Severiano José da Silva faz considerações sôbre subsistências pedindo ao Govêrno que dê as providências necessárias para que os principais artigos de alimentação diminuam de preço. Fala tambêm sôbre o mau serviço dos caminhos de ferro, especialmente os comboios de passageiros, empregando argumentos no sentido de demonstrar que o serviço pode ser melhorado. Termina pedindo que as despesas feitas com a guerra sejam apresentadas ao Parlamento e por êle sancionadas.

Responde o Sr. Ministro das Subsistências, mostrando o que tem sido a sua acção no sentido de envio de artigos alimentarem para as tropas em luta. Expõe tambêm as dificuldades que tem havido para normalizar o serviço dos caminhos de ferro. Fala tambêm sôbre as despesas da guerra.

Ordem do dia.— O Sr. Castro Lopes requere dispensa do Regimento para entrar em discussão na ordem do dia a proposta de lei para a liberdade de trânsito e comércio, e melhoria de preço das subsistências.

É aprovada a urgência, entrando a proposta de lei em discussão.

Usam da palavra os Srs. Machado Santos, Alfredo da Silva, Afonso de Melo que apresento, um contraprojecto, Carneiro de Moura, Luís Gama e Castro Lopes, que requere a prorrogação da sessão até se votar a proposta.

Não havendo número para a votação, o Sr. Presidente encerra a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

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Alfredo da Silva.

Artur Jorge Guimarães.

Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Francisco Nogueira de Brito.

Francisco Vicente Ramos.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Couraça.

João da Costa Mealha.

João José da Silva.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Júlio César.

Luís Caetano Pereira.

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Luís Xavier da Gama.

Severiano José da Silva.

Tiago César de Moreira Sales.

Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Alberto Correia Pinto de Almeida.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Domingos Pinto Coelho.

João José da Costa.

João Lopes Carneiro de Moura.

João Viegas de Paula Nogueira.

José Maria Queiroz Veloso.

José Tavares de Araújo e Castro.

Júlio Dantas.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Xavier Cordeiro.

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.

Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.

Alberto Osório de Castro.

Alfredo Monteiro de Carvalho.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

António Augusto Cerqueira.

António de Bettencourt Rodrigues.

António Maria de Oliveira Belo.

António da Silva Pais.

Cristiano de Magalhães.

Duarte Leite Pereira da Silva.

Eduardo Ernesto de Faria.

Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco Martins de Oliveira Santos.

João Rodrigues Ribeiro.

João de Sousa Tavares.

José António de Oliveira Soares.

João Freire de Serpa Leitão Pimentel.

José Joaquim Ferreira.

José Marques Pereira Barata.

José Novais da Cunha.

José Ribeiro Cardoso.

José dos Santos Pereira Jardim.

Júlio de Campos Melo e Matos.

Júlio Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).

Luís Firmino de Oliveira.

Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).

Manuel Jorge Forbes de Bessa.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Pedro Ferreira dos Santos.

Sebastião Maria da Sampaio.

O Sr. Presidente: - Fez-se a chamada.

Vai proceder-se à chamada.

O Sr. Presidente (às 14 horas e 15 minutos): — Respondem à chamada 19 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão. Vai lêr-se a acta.

Leu-se a acta, entrando em discussão.

Como ninguêm pede a palavra sôbre a acta, considera-se aprovada.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Requeiro que, com urgência, pelo Ministério dos Abastecimentos e Caminhos de Ferro do Estado, me sejam enviadas as seguintes notas: em que data reclamou a Direcção dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste do agente do Ministério Público em Tavira para promover os processos judiciais contra os proprietários da Arrancada. Quando foram todas essas questões julgadas no Supremo Tribunal de

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Justiça. Quando cumpriu a Direcção do Sul e Sueste as sentenças do Poder Judicial. Quando, sendo a mesma Direcção mandada licitar numa hasta pública de arrematação, de facto, cumpriu essa arrematação.— Jorge Guimarães.

Mandou-se expedir.

Projectos de lei

Do Sr. Nogueira de Brito, equiparando os vencimentos de todos os funcionários das Secretarias de Estado, Câmaras Legislativas e repartições autónomas, aos que actualmente percebem os funcionários, do Ministério da Justiça.

Par eu segundas leituras.

Do Sr. José Júlio César, autorizando o Govêrno a proceder à construção do caminho de ferro de via reduzida, ligando, a estação, de Viseu à estação de Tua.

Para segundas leituras.

Do Sr. Baptista Ramires, adiantando à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo a quantia de 40.000$, destinada a fazer face às despesas com os serviços a seu cargo.

Para segundas leituras.

Do Sr. José Júlio César, autorizando o Govêrno a reforçar a verba destinada a linhas férreas do Estado e para construção da linha da Régua a Vila Franca das Naves.

Para segundas leituras.

Do Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso, considerando como adidos ao quadro do Ministério das Finanças os funcionários contratados que prestam eventualmente serviço na Secretaria da Intendência dos Bens dos Inimigos.

Para segundas leituras.

Do Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso, revogando a faculdade concedida pela lei de 18 de Setembro de 1908 para a emissão de obrigações da União dos Vinicultores de Portugal até o limite de 2:000.000$, continuando em vigor as garantias pela mesma lei aplicadas à primeira emissão.

Para segundas leituras.

O Sr Presidente: — Tenho a comunicar à Câmara que tendo procurado o Sr. João

José da Silva a fim de lhe pedir para desistir do seu pedido de renúncia, tive a felicidade de convencer S. Exa. a aceder ao meu pedido e a continuar com a sua larga prática: e muita inteligência, a colaborar-nos trabalhos desta Câmara.

O' Sr. João José da Silva: — Eu devo dar uma explicação-: quando fui eleito para vir a esta Câmara foi para produzir trabalho útil para o país e não desbaratar tempo com cousas inúteis.

O que se passou nas sessões de 5 e 6 do corrente, em que vieram à discussão questões pessoais, e irritantes, impróprias desta casa, desgostaram-me e resolvi resignar o meu mandato.

Foram, porêm, de tal peso as razões apresentadas por V. Exa., que me convenceram de que na actual situação da política interna e externa seria conveniente desistir do meu pedido e continuar no meu lugar, dando ao Senado todo o meu modesto concurso.

O Sr. Presidente: — Apenas quero lembrar a V. Exa. que quando na sessão do dia 6 se iniciou o incidente que desgostou S. Exa., eu quis evitar que êle prosseguisse e, por isso, consultei a Câmara e só depois da sua votação é que êsse incidente prosseguiu.

O Sr. Tiago Sales: - Pedi a palavra para me congratular com toda a Câmara por ter o prazer de ver novamente no Senado o Sr. João José da Silva e devo lembrar que, quando por acaso encontrei S. Exa. na Baixa, eu disse que um homem que tem as qualidades do Sr. João José da Silva não pertence só a si próprio, pertence ao país e que o Senado julgava imprescindível a sua presença às suas sessões, não só pela sua largA experiência, como pela grandeza do seu carácter e do seu talento.

Por isso, muito estimo a vinda de S. Exa. ao Senado, não só por ser útil ao pais, como tambêm para benefício do próprio Senado. (Apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Castro Lopes: — Não era necessário fazer qualquer consideração a êste respeito, porque desde há muito me hon-

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ro com a amizade do Sr. João José da Silva. Era para mim de grande sentimento o ver S. Exa. afastado dos trabalhos desta Câmara.

Portanto, só tenho a congratular-me, em nome da maioria desta casa, com a presença de S. Exa.; e como muito bem acaba de dizer o Sr. Tiago Sales, homens da envergadura do Sr. João José da Silva não pertencem só a si, pertencem ao país e o Senado, pelo seu saber e pele seu talento, muito tem a lucrar com a colaboração de S. Exa.

O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao s Srs. Senadores que a desejem usar para assuntos que não dependam de deliberação da Câmara, visto que não temos número para deliberações.

O Sr. Baptista Ramires: — As minhas saudações a toda a Câmara, especializando V. Exa., Sr. Presidente, a quem há muitos anos conheço e outros tantos admiro.

Sr. Presidente: não quero perder tempo com palavras inúteis uem que o perca a Câmara, que assas grave é o momento que estamos atravessando.

Perante as questões importantes que aditam o país e os problemas sociais que há a resolver, a questão que hoje trago aqui é de bem menor importância; mas para um Senado composto de homens como V. Exas., não há questões de pequena importância quando elas dizem respeito à administração pública. E por tais condições, eu trago aqui — pedindo para ela solução à Câmara — a situação especial, assas difícil, em que se encontram os serviços dependentes de. Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo; e tomo eu a palavra sôbre êste assunto, porque, como Senador eleito pelas ilhas, a mim cumpre êste dever.

Pela demora que tem li ávido na cobrança das contribuições gerais directas do Estado, a Junta Geral do Distrito de Angra não está, neste momento, habilitada a fazer face às despego com os serviços a seu cargo.

Se não houver providência que remedeie prontamente esta difícil situação, aquela Junta Geral terá, sem mais delongas, de suspender todos os serviços a seu cargo, e V. Exas. compreendem bem o prejuízo que isso por certo trará aos serviços dependentes dêste corpo administrativo; o não só para esta parto do serviço público, como também e eu devo frisar êste ponto — para a situação do pessoal que desempenha êsses serviços, ao qual a Juntar Geral não pôde já pagar o mês que findou.

Todos sentimos, Sr. Presidente, quanto é indecoroso o devedor não pagar o que deve pelos serviços que recebeu, e bem mais indecoroso é quando o devedor é o Estado. Mas aqui ainda isto se agrava pelo que isso traz do doloroso para uma grande parte do pessoal que desempenha êsses serviços, em luta aberta com as condições tam difíceis da vida actual.

Ao apresentar esta questão, eu disse a V. Exa. que não queria tomar tempo à Câmara com palavras inúteis; por isso termino, tendo a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei em que se autoriza à Junta Geral de Angra do Heroísmo um adiantamento de 40.000$, a descontar, no corrente ano na importância das receitas gerais directas daquele distrito.

Peço a urgência e dispensa do Regimento dadas as condições especiais que sumariamente acabo de expor.

O Sr. Presidente: - Não há número para deliberar.

O Orador: — Nesse caso, com a liberdade de lhe manter o carácter de urgência e o meu pedido de dispensa do Regimento, envio o projecto para a Mesa para se votar quando houver número.

Tenho dito.

O Sr. José Júlio César: — Sr. Presidente: é bem sabido que os meios de transporte são como que a mola rial de toda a economia dum país.

Temos milhares do quilómetros de estradas que, pelo seu péssimo estado de conservação, se encontram verdadeiramente intransitáveis e muitos milhares do quilómetros é preciso construir ainda.

Mas eu quero tratar muito especialmente hoje dos caminhos de ferro e muito particularmente de dois situados ao norte do Mondego.

Por decreto de 15 de Fevereiro de 1900 estabeleceu-se e aprovou-se o plano

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dos caminhos de ferro do Estado a traçar no país o, de entre êsses, há dois na província da Beira Alta, que, quanto a mim, se devem considerar de capital importância. Refiro-me aos caminhos de ferro de Santa Comba Dão a Bragança, por Viseu, Foz Tua e Mirandela, e ao da Régua a Vila Franca das Naves, por Lamego.

O caminho de ferro de Santa Comba Dão a Bragança foi começado a construir em 1884, sendo autorizado o troço de Foz Tua a Mirandela por carta de lei de 26 de Maio de 1884, o troço de Santa Comba Dão a Viseu por carta de lei de 30 de Junho de 1885 e o de Mirandela a Bragança por carta de lei de 24 de Maio do 1902.

Se pegarmos num mapa de Portugal onde estejam traçados os caminhos de ferro construídos até hoje, depara-se-nos uma enorme clareira na província da Beira Alta.

O distrito de Viseu tem vinte e quatro concelhos. Dêstes, pouco mais ou menos, um têrço é servido por caminhos de ferro. Os dois terços restantes não têm comunicações por vias férreas, dando-se o caso de quem queira vir de qualquer dos concelhos do norte, como, por exemplo, Pesqueira, Penedono, Taboaço, Arma-mar, para só falar dêstes, à sede do distrito, ter de tomar o comboio em qualquer estação da linha do Douro para, vindo pelo Pôrto e Pampilhosa, entrar pelo sul do distrito, concelhos de Mortágua e Santa Comba Dão, para chegar a Viseu. Não falando no Valo do Vouga, há pouco construído, que pouco aproveita para êste fim.

De modo que não indo a pé ou a cavalo, ou de carro em alguns pontos, é-se forçado a dar uma volta enorme e a gastar muito dinheiro e tempo com tara incómoda como demorada viagem.

Portanto, a construção do troço que vai de Viseu a Foz Tua impõe-se por maneira extraordinária, como uma necessidade urgente.

Podo dizer-se que a ocasião não é azada para tratar de construções de caminhos de ferro, visto que o material está caríssimo, assim como os salários. Mas é preciso que os Govêrnos estejam preparados para, na ocasião própria, que não deve demorar, só tratar de tam importante assunto.

A luta económica que vai travar-se será formidável. E ai daqueles que se deixarem adormecer e não procurarem activa e energicamente preparar-se para ela.

Tenho a honra de mandar para a Mesa dois projectos de lei: o primeiro que respeita à construção do troço de Viseu a Foz Tua, a que me venho referindo, e que tem uma grande importância estratégica, alêm das vantagens de ordem económica, que são muito e muito grandes.

Agora mesmo, com essa desgraçada e criminosa revolta do norte, se estão vendo as enormissimas vantagens que adviriam se essa linha estivesse construída. Com facilidade e rapidamente se levariam tropas e material de guerra ao norte da Beira Alta e a Trás-os-Montes, por ventura o campo mais importante de operações.

E se a sua necessidade é grande o a sua falta verdadeiramente sensível numa simples e bem desastrada guerra interna, o que não seria se se tratasse do dar combate e opor um dique a uma invasão estranha?!

A conclusão da linha de Santa Comba Dão a Bragança, na parte por construir ainda, importe-se por todos os motivos.

Neste meu projecto dou o direito de opção à Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro Portugueses para construir o troço que falta, porque, como tambêm o sustenta o Sr. Conde de Paço Vieira, no seu excelente livro Caminhos de ferro portugueses, a essa companhia, mais do que a ninguêm, pertence fazê-lo. E até dêsse facto só pode vir proveito para o Estado, porquanto a exploração e administração de toda a linha será muito mais barata, e, portanto, o encargo para o Govêrno que paga subvenção de juro diminuirá considerávelmente.

Há uma outra linha importante, muitíssimo importante mesmo, que é a que vai de Régua a Vila Franca das Naves por Lamego.

Impõe-se desde já, ou o mais rapidamente possível, pelo menos, a sua construção na parte que vai da Régua até a intersecção com a linha de Viseu a Foz Tua, a que me venho referindo o que deve ser entre Moimenta da Beira e Sernancelhe.

Lamego é uma das cidades que querem

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trabalhar e progredir. Tem incontestável direito que uma linha férrea atravesse aquela fértil e laboriosa região.

Nesta cidade e em alguns concelhos do norte da Beira Alta uma corrente de opinião existe e que por vezes se tem acentuado para a formação dum novo distrito com a sede ali. O argumento mais forte, se não o único de peso que apresentam, para que seja satisfeita a sua pretensão, é o da falta de comunicações aceleradas, especialmente para fácil e rápida ligação com Viseu, sede do distrito.

As duas linhas de que me estou ocupando não vêm satisfazer apenas justas reclamações duma região e dum só distrito. São da máxima vantagem, tambêm, para a província de Trás-os-Montes e para todo o país, porque assim teremos aquela província, a da Beira Alta e ama parte da Beira Baixa ligada com Lisboa e com o sul, por uma linha que seguindo quási como uma recta, encurta as distâncias imenso e poupa despesas o tempo. Impõem-se, pois, tanto pelo lado económico como pelo estratégica e político.

Bem merecem os dois projectos que mando para a Mesa a atenção do Senado e do Congresso, para que os estude e suprindo as suas deficiências os aprove sem perda de tempo.

O Sr. Artur Jorge Guimarães: — Sinto que só agora pudesse falar, mas nem por isso desisto da palavra para protestar contra e assassinato do preso político Jorge Camacho, facto êsse de que o Govêrno não pode ter responsabilidades, e que apenas se pode atribuir à falta de perícia dos agentes de autoridade.

É, pois, indispensável manifestarmos a nossa reprovação por êsse crime.

O Sr. Afonso de Melo: — Vou enviar para a Mesa dois projectos que sucintamente vou justificar.

O primeiro diz, respeito aos funcionários contratados para o serviço de intendência dos bens inimigos, que trabalham desde 1916 com zelo e competência e aos quais o Estado deve, portanto, assegurar uma situação definitiva, a exemplo do que se tem feito com outros funcionários do Estado em idênticas circunstâncias.

O outro projecto tem um alcance mais largo.

Em Portugal, após a invasão filoxérica, a lavoura, num esforço enorme, que ficou como exemplo do seu amor ao torrão e ao progresso e da sua tenacidade desenvolveu as plantações dos vinhedos por forma a que sobrevem uma crise de super abundância ou melhor, um desiquílibrio entre as colocações de vinhos comuns e a sua produção.

Por múltiplos motivos, esta crise foi-se agravando até que os Govêrnos viram-se obrigados a prestar-lhe certa atenção. Assim vieram os decretos de 1905 e a lei de 18 de Setembro de 1908. Foi em virtude desta lei que se organizou depois a. União dos Viticultores de Portugal, à qual se traçou uma larga vida, dando-se-lhe o direito de fazer uma comissão de 2.000 contos de obrigações, com o juro de 5 por cento ao ano, garantido pelo Estado.

Não constituiu isto, aliás, um mero presente dos Poderes Públicos à viticultura, por isso que a esta se exigiam encargos, largamente compensadores da responsabilidade tomada pelo Tesouro Público.

Não obstante, por defeitos inerentes à própria lei e aos estatutos da União dos Vinicultores, por falta de experiência, por outras causas ainda, esta instituição levou sempre vida agitada e precária, e, de queda em queda, veiu a chegar quási ao estado de completa falência. Passado, porêm, algum tempo, houve maneira de travar a roda de descalabro, de modo a evitar a suprema liquidação desastrosa.

O que se pretende, agora, Sr. Presidente, é no intuito de se dar nova vida a esta entidade e de lhe permitir mais ampla acção, libertando-a de todas as peias que o Estado lhe pôs, ao mesmo tempo que se liberta o Estado de todas as responsabilidades, o eis porque eu vou mandar para a Mesa êste projecto de lei, em cujo relatório explicitamente declaro as vantagens que dai para todos advirão.

Tenho dito.

O Sr. Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche): — Sr. Presidente: eu ficaria mal com a minha consciência se nesta casa do Parlamento não usasse da palavra para manifestar o meu veemente protesto contra êsse assassínio de que foi vítima um preso político.

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Os atentados e as agressões praticadas contra os indivíduos presos são sempre condenáveis, qualquer e por mais repugnante que seja o crime imputado ao indivíduo preso; mas quando êsses atentados se praticam contra indivíduos acusados de delitos políticos não encontro palavras com que exprima a minha indignação e o protesto, porque o delito político, por mais grave que êle seja, é sempre de natureza bem diferente do crime dum ladrão, dum incendiário ou dum assassino.

É conveniente registar que os crimes políticos podem não atingir, e em geral não atingem, nem o carácter, nem o brio, nem a honra dos réus. Espero que o Govêrno tome as medidas enérgicas necessárias e urgentes contra semelhantes selvajarias.

Estando no uso da palavra, desejo juntar o meu protesto ao daqueles que já o fizeram contra os assaltos à obra da Assistência 5 de Dezembro, de que foi fundador o Sr. Dr. Sidónio Pais, assim como contra os desacatos praticados à memória do falecido Chefe do Estado.

Embora na Câmara esteja como representante da agricultura, sou monárquico e por isso, dado o melindre especial da situação que o país atravessa, abstenho-me de fazer mais largas considerações «obre os assuntos, não deixando, contudo, de protestar tambêm contra afirmações que vi algures descritas, de que com os actuais presos políticos de Monsanto tenha havido benevolência e atenções especiais de tratamento nas prisões e fortes em que se acham detidos, quando é certo que, alêm das imundas e anti-higiénicas casernas, mais próprias para feras do que para homens, no forte de Monsanto, outros presos se encontram na mais rigorosa incomunicabilidade, em celas onde nem sequer um talher ou uma colher se lhes fornece para comerem o rancho.

Tambêm acho inconveniente que se dêem notícias de violências praticadas contra republicanos no Pôrto, quando se mão provem e em que não acredito, notícias que podem dar em resultado os excessos que aqui se podem dar.

O Sr. Nogueira de Brito: — Apagada por momentos a minha individualidade de representante de classe nesta casa, vou ocupar-me dum assunto ,para cuja resolução conviria que estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra. Como sei, porêm, que S. Exa. tem neste momento o espírito preocupado com medidas de ordem pública e sei tambêm que é grande a generosidade de V. Exa., desisto de pedir a presença do Sr. Ministro, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, o obséquio de transmitir duma maneira rápida ao Sr. Ministro da Guerra as observações que vou fazer, visto que dependendo S. Exa. o bom êxito do assunto a que vou referir-me.

Há em Santarém um edifício a todos os títulos notável que por várias vezes tem servido de aquartelamento a várias unidades do nosso exército. Refiro-me ao Convento de Santa Clara.

Desde a extinção, das ordens religiosas tenho visto com desgôsto que se têm adaptado a quartéis monumentos religiosos interessantíssimos, recordação imperecível do passado, de cuja adaptação tem resultado a deterioração e porventura muitas vezes a destruição dêsses edifícios que, se não valêm extraordinariamente considerados no seu aspecto geral, impõem-se-nos, contudo, pelos seus detalhes arquitectónicos que, ou pela sua beleza ou pela sua originalidade, bem merecem o nosso desvelo, guardando-os das inclemências do tempo e das irreverências dos homens, cuja sensibilidade não pode ser atingida por êstes requintes de gosto estético.

O Convento de Santa Clara está nestas condições excepcionais, constituindo, pela sua nobre feição, na cidade de Santarém, um dos aspectos mais importantes da arquitectura da nossa terra portuguesa. É na verdade um monumento de transição do pesado, sóbrio e esmagador estilo românico para a delicadeza e esveltez do estilo ogival povoado de artezões e brincado de folhagens, mas nem por isso deixa de nos encantar, tam grande é a sugestão que de nós se apodera ao olhá-lo.

Isto bastava, isto sobejaria (não exagero) para que êsse monumento fôsse digno de que as gerações cultas evitassem a sua desaparição e que os poderes oficiais reparassem nele.

Pois agora, Sr. Presidente, antes que êle caia para sempre, apresenta-se-nos uma explêndida ocasião de o aproveitar, dando-lhe uma aplicação que condiga com a sua singular tradição.

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Olhemos um pouco para trás e recordemo-nos de que um benemérito amigo da sua terra, aí por 1876, quis fazer um museu que a engrandecesse, lembrando-se então de colocar os objectos antigos colhidos em Santarém e seu distrito na vetusta igreja de S. João de Alporão, acentuadamente românica e cuja idade aproximada transparece indubitável da sua fisionomia austera.

De princípio, essas reminiscências da arqueologia escalabitana lá se foram acomodando, melhor ou pior; mas, ou porque o seu número fôsse sendo avultado ou porque as dimensões do repositório não as pudesse já conter, ou ainda porque a heterogeneidade dos objectos encontrados os pusesse em desacordo com a sobriedade da construção, impedindo claramente que êles pudessem brilhar aos nossos olhos curiosos e sedentos de beleza, debaixo do peso daquelas arcarias dominadoras, houve quem imediatamente se lembrasse de adaptar a igreja do Convento da Santa Clara a museu onde êsses objectos ficariam bem à vista de cultos e de incultos, sem que se amontoassem tumultuáriamente, sem uma coordenação lógica, sem uma disposição consentânea com as suas várias proveniências e feições.

Nunca a razão se harmonizou tam bom com a conveniência do momento. Assim pensou a comissão de salvação dos monumentos de Santarém. Assim penso eu tambêm.

Essa belíssima igreja de três naves, com o seu restauro do século XVII e onde se vê ainda, no capitel dumas das suas colunas, o escudo de cadeado do Rei Afonso III, está naturalmente indicada para guardar todos os objectos arqueológicos espalhados pela cidade e seu termo.

Assim se deve fazer, Sr. Presidente. Santarém, pelas s«as tradições históricas, arqueológicas, literárias e Liberais tem direito a essa pequena regalia.

Arquitecturalmente, o ciclo que ela nos apresenta vai desde o pesado e sóbrio estilo românico, representado, como já disse, em S, João de Alporão, até a inconfundível mole arquitectónica que é a característica da construção jesuítica do século vil, patenteada no edifício de Santarém e na igreja do Hospital.

Intermediáriamente surge com Santa Clara o Convento de S. Francisco, que
fere a admiração do estudioso e o delicado edifício ogival, da Graça, com a sua rosácea flamejante, onde dorme o descobridor do Brasil, que ai quis sepultar-se, e a tocar neste período o português manuelino, de que é exemplar perfeito o portal de Marvila.

Nas minúcias da arte ornamental podem os artistas ver, enlevados, a talha, os azulejos e os mosaicos florentinos que tanto colorido dão à capela-mor do seminário. Dos azulejos de relevo, caracterizadamente árabes, quando êste povo assentou arraiais na península e que são os primeiros que aparecem em Portugal no século XVI, possui Sá atarem exemplares que são verdadeiramente interessantes, como simplicidade e fixidez de cor, contrastando com os azulejos históricos do século XVIII e aqueles que os ceramistas chamam de «motivo solto», representando, entre outros objectos, passaritos que nos parece que ensaiam a medo o voo e cravos que parecem rescender perfumes.

Sob o ponto de vista histórico e literário, tem as suas tradições na lenda de S. Fr. Gil e nas obras o nos feitos de Duarte Pacheco, Fr. Luís do Sousa, Almeida Garrett e tantos outros a que o nosso passado anda ligado.

Nas tradições liberais o princípio da liberdade encontrou sempre eco nos corações dos filhos de Santarém, como sucedeu no século XVII em que vemos Fernão Teles da Silveira, soltando lá o grito da independência de 1640, e mais tarde no século XIX, Sá da Bandeira, figura brilhante e excelsa do liberalismo constitucional.

Sr. Presidente: por todos êstes motivos, acho que Santarém merece toda a nossa atenção e espero que o Sr. Ministro da Guerra não hesitaria sôbre a cedência da igreja das Claristas para museu, já hoje tam rico de objectos que atestam o grande passado da antiga Scalabis. - Não quero terminar sem que ardentemente peça à Câmara que me per dói se eu por momentos me esqueci que estava falando no Parlamento o me julguei transportado ao antigo Convento de S. Bento da Saúde, que por tantos séculos aqui demorou a soa existência.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Entra o Sr. Ministro dos Abastecimentos.

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O Sr. Severiano José da Silva: — Tinha pedido a palavra para quando estivesse presente algum dós Srs. Ministros e por felicidade minha acaba de entrar o Sr. Ministro dos Abastecimentos, por cuja pasta corre o assunto para que vou-chamar a atenção de S. Exa. e do Senado.

Na sexta feira, sábado e domingo, foi visitar o nosso front, na região de Aveiro; fui até a Albergaria-a-Velha, e notei que as nossas tropas se encontram em bela disposição para o combate e ao mesmo tempo reconheci ser boa a, disposição das populações percorridas por todo o trajecto daquele front.

Mas, interrogando um pouca mais, prescrutando as populações, ouvi dizer que, se estão satisfeitas com a tropa, não estão todavia satisfeitas com relação à alimentação.

Diziam — e esta era, a frase que eu desejava que o Senado ouvisse — «Sim se-nhor, o regime republicano e os republicanos, são muito bons, tratam-nos admiravelmente, mas a vida está impossível».

«Está impossível — diziam — depois que veiu a República».

Como republicano que sou; desde que tenho a razão de mi m mesmo, procurei demonstrar-lhes que a carestia da vida era causada por efeitos da guerra europeia; mas êles retorquiam-me que mesmo já antes da guerra tudo havia encarecido.

Tinham até certo ponto alguma razão.

Como o Sr. Ministro sabe, para obterem um pouco de milho era preciso pagá-lo por 5$ cada 15 quilogramas; para obterem arroz, perto de 1$ cada quilograma e para obterem açúcar ora preciso pagá-lo a 1$80 e 2$ cada quilograma, êste açúcar que aqui se comprava a $60, pouco mais ou menos.

Eu tinha: pedido para na segunda feira usar da palavra, e tinha-a pedido porque sabendo que um dos membros do Gabinete tinha percorrido a mesma região, supus que se tivesse preocupado com o assunto; mas, vendo que nenhuma providência se tinha tomado, resolvi tratá-lo nesta Câmara, pedindo a presença de V. Exa.

Não tive a sorte de me ser dada a palavra na ocasião em que a tinha pedido, mas não descurei o assunto e fui procurar dois membros do Govêrno a quem relatei estas impressões e êstes factos.

Há pouco, já aqui dentro, depois de pedir a palavra, vi num jornal que algumas providências se tinham to ora d o nesse sentido com relação a açúcar e milho.

Pelo seu passado e pela sua acção na actual conjuntura, tem o Sr. Ministro demonstrado querer dar h República aquilo que ela merece, promovendo tudo quanto em suas fôrças caiba para fazer provar com factos que o Estado pm que vivem as populações do país é melhor do que no tempo da monarquia.

Eu, como digo, procurei os dois membros do Govêrno, para que fossem dadas providências que creio já foram dadas, procurando com isso tirar essa nota que nos povos que vão sendo conquistados existe, de que a vida republicana é mais cara- que a vida no tempo da monarquia.

Desejo, tambêm, Sr. Ministro, repetir não a V. Exa., mas aqui no Senado, porque já o tinha dito ao Ministro antecessor de V. Exa., as impressões que tenho sôbre os serviços do caminho de ferro.

Já tive ocasião de falar aqui no Senado sôbre o péssimo serviços dos caminhos de ferro, principalmente no que respeita a comboios de passageiros.

Êste serviço pode ser mais bem feito do que realmente se está fazendo.

Como V. Exa. sabe, Sr. Ministro, os comboios têm as suas tabelas, as quais são feitas pelos engenheiros da companhia e aprovados depois pelo Govêrno.

As tabelas feitas pela companhia são elaboradas à face dos materiais que tem e das facilidades de que dispõem.

O Govêrno aprova-as, mas aprove para fazer cumprir os regulamentos.

Se porventura se tratasse duma falta hoje, outra passados dias, ainda vá, mas todos os dias a chegarem os comboios atrasados com grave prejuízo dos passageiros e da vida comercial e industrial, isso é que não pode ser.

Há no regulamento de 1868 penas que sendo devidamente aplicadas deveriam levar à regularização do serviço dos comboios.

E eu desejava saber de V. Exa. se os fiscais do Govêrno junto da Companhia tem participado essas faltas de cumprimento dos regulamentos e aplicado as multas que o mesmo estabelece.

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Peço tambêm agora a V. Exa. o favor de transmitir ao Sr. Ministro das Finanças um pedido que já aqui fiz.

Eu li hoje num dos jornais mais lidos desta cidade, que foram ontem apresentados na Câmara dos Deputados, as despesas da guerra.

E, sem querer reivindicar para ruim a primasia dum dêsses documentos, desejava contudo que fossem todos os Senadores contemplados com a nota dessas despesas, visto que fui o primeiro que as pedi.

Fiz então notar, Sr. Presidente, que tinham partido nessa ocasião os nossos delegados para a Conferência da Paz e levavam o rol das despesas, mas que essas despesas não tinham sido vistas por quem de direito, que é o Poder Legislativo.

Há necessidade, Sr. Presidente, de que essas despesas tenham o sêlo legal, o sêlo do Poder Legislativo, ao qual compete autorizá-las e verificá-las.

Alêm disso é preciso que o país saiba o que se tem gasto, pois é o país que tem de pagar.

Tem-se dito ou sonhado que a Inglaterra paga a nossa dívida. Se a Nova Zelândia, a Austrália e o Canadá pagam as suas dívidas, como pode a Inglaterra pagar a nossa?

E estranho que tal cousa se diga. Vejamos, bem o perigo que tédios diante de nós. É necessário que o país vá tendo a consciência da sua dívida, que vai talvez a 600:000 contos, a juntar à divida anterior. A dívida da guerra é superior à dívida antiga, e se nós já sentíamos fracas fôrças para a dívida antiga, que faremos agora?

Levantei aqui êste brado no primeiro dia de sessão, e isso fez que o Govêrno do Sr. Tamagnini Barbosa inserisse no seu elenco ministerial o compromisso de trazer aqui as despesas da guerra. Já fiquei satisfeito com isso. Mas, tomando êste Govêrno, parece, o compromisso do Govêrno anterior, levou as referidas contas primeiro à Câmara dos Deputados. Ora eu pedia a V. Exa. Sr. Ministro presente, o favor de transmitir ao seu colega das Finanças o meu desejo, já manifestado, de que se faça regularmente a publicação da dívida flutuante.

Êste assunto é importantíssimo. Eu não desconfio da probidade do Govêrno, mas desejo que se cumpra a lei.

Consta-me tambêm que a divida flutuante está excessivamente aumentada, sendo necessário que seja conhecida, tanto mais que o respectivo regulamento ordena que a nota da divida flutuante seja publicada todos os meses.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): — Ouvi com a maior atenção as palavras do ilustre Senador, e, talvez até com grande prazer, as suas declarações, na parte que se referem ao abastecimento de Aveiro, porque, tendo essas reclamações sido formuladas por várias vezos em diversos jornais, tenho agora ensejo de dizer, com toda a verdade, tudo o que se tem passado e é do meu conhecimento sôbre êsse assunto.

De Aveiro, há alguns dias, vieram ao meu Ministério vários delegados para levarem diversos géneros para o abastecimento da localidade e das tropas.

Eu pus imediatamente à disposição dêsses delegados o que êles quisessem, apenas lhes pedindo que levassem farinha de trigo em vez de trigo. Responderam-me que iam para Aveiro, conferenciar com o celeiro municipal, e, legando amostras de todos os géneros, ficaram de me dar a resposta sôbre qual a quantidade que precisavam dos mesmos géneros. Até êsse momento ainda não tive essa resposta; entretanto, do governador civil de Aveiro tive ontem um telegrama pedindo com insistência e urgência géneros de que se necessitava em Aveiro.

Em face dêsse telegrama mandei organizar um comboio especial com dez vagões de milho e dois vagões de açúcar.

E o que tenho a responder acêrca das reclamações do ilustre Senador.

Eu não podia mandar para Aveiro géneros que porventura não eram lá precisos; estive à espera da respectiva requisição.

Não tenho culpa de qualquer insuficiência que tivesse havido, e tenho sempre tido o maior cuidado em atender rapidamente as requisições feitas para os nossos militares, pondo de parte todas as formalidades burocráticas.

Acêrca dos caminhos de ferro, devo dizer a S. Exa. que os serviços não podem normalizar-se por diversos motivos.

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Não podemos aplicar as multas do regulamento, porque os comboios de passageiros não têm circulado como deviam por insuficiência de material e de carvão, cujo abastecimento não tem sido possível normalizar. Alêm disso, as necessidades militares dos últimos tempos tendem a agravar esta situação, impedindo que os comboios de passageiros se façam com regularidade.

Eu sei que tem havido reclamações. Mas todos sabem que não é honesto, nem razoável que se obrigue a Companhia dos Caminhos de Ferro a fazer com normalidade os serviços de comboios e a fazer passar os motivos que impedem que essa normalidade se restabeleça.

O Sr. Luís Gama (interrompendo): — Permita-me V. Exa. que lhe diga, que acho mais necessária a normalização dos comboios de mercadorias do que dos de passageiros. Êstes poderão muitas vezes esperar e as mercadorias escasseiam.

O Orador: — Tem V. Exa. razão.

Há muitas reclamações tanto no que diz respeito a comboios de mercadorias, como de passageiros. Mas a verdade, tambêm, é que eu não tenho elementos para poder normalizar êsses serviços.

O Sr. Severiano José da Silva (interrompendo): — V. Exa. é bastante bondoso para permitir mais uma pequena interrupção. Eu não peço a normalização... Eu peço o cumprimento da tabela.

Se um caso de fôrça maior há que isso impede, então está bem...

O Orador: — Ninguêm podia contar que um movimento surgisse dum instante para o outro.

As tabelas novas não se fazem do pé para a mão. Isso leva o seu tempo e dadas as circunstâncias anormais que atravessamos, ninguêm pode garantir que essas tabelas se hão-de manter.

Eu administrei já tambêm uma companhia de caminhos de ferro e não me lembro de se aprovar uma tabela com a certeza prévia de que ela se cumpriria.

O Sr. Severiano José da Silva (interrompendo): — Eu sei dum caso...

O Orador: — Eu não sei... E há uma certa razão para isso, porque não se podem presumir as necessidades militares.

Não se pode prever o dia de amanhã.

Com relação às reclamações que o ilustre Senador fez, para eu apresentar ao Sr. Ministro das Finanças, devo dizer que tomei os necessários apontamentos e logo que encontre S. Exa. comunicar-lhas hei. Todavia, posso afirmar que as despesas que foram levadas para a Conferência da Paz foram calculadas devidamente e não houve tempo para serem trazidas ao Parlamento. Os delegados respectivos levaram para a Conferência da Paz todos os dados.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.

O Sr. Castro Lopes: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite dispensa do Regimento para que entre desde já em discussão a proposta de lei vinda da outra Câmara, apresentado pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos.

O Sr. Presidente: — Os Srs. Senadores que aprovam o requerimento que acaba de fazer o Sr. Castro Lopes tenham a bondade de se levantar.

Está aprovado.

Entra em discussão a proposta.

O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: antes de entrar própriamente nas considerações que tenho a fazer sôbre esta proposta de lei, eu peço ao Sr. Ministro dos Abastecimentos que não veja nas minhas palavras o menor intuito de lhe dirigir um ataque político e apenas o desejo que tenho, como Senador da República, de lhe dar a minha colaboração.

Eu entendo que S. Exa. não tinha necessidade de trazer ao Parlamento a proposta que se discute. S. Exa., pelo decreto de organização do seu Ministério e por vários outros diplomas legais, tem maneira de pôr em prática o que deseja e que tem, pela sua simplicidade, todo o aspecto duma afirmação de princípios.

Neste momento poucos homens de Estado poderão dizer se são partidários da liberdade de comércio, da municipaliza-

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cão do fornecimento ao consumidor dos artigos que obrigatoriamente tem de adquirir eu da estadoalização dos principais artigos do comércio, como existe na Itália, cujo Govêrno se tornou o único importador de artigos manufacturados, matérias primas e géneros que êsse grande país não produz.

Entendendo que o Estado português não estava preparado para assumir encargo da importação em tam larga escala como fizera o Estado italiano; quando Ministre das Subsistências e Transportes, por portaria de 16 de Abril do passado ano. propunha-me a exercer uma lata fiscalização sôbre as importações, sem prejuízo do comércio honesto e com benefício para a indústria, para o consumidor e para os câmbios.

Assim, por essa portaria, os arsenais do Estado e as associações industriais deviam enviar à Repartição de Estatística e Propaganda dêsse Ministério, are 31 de Maio, uma nota das matérias primas de que careciam para a laboração das oficinas nacionais no segundo semestre dêsse ano, e até 31 de Julho, ume, outra nota das meterias primas que careciam para a laboração das mesmas oficinas ao ano corrente.

Mais se dizia nessa portaria que o objectivo era conseguir do Laivitaillement internacional um permis em conjunto, obtido o qual eu pediria às associações comerciais que me indicassem quais os negociantes que se comprometiam a realizar as operações comerciais com o lucro máximo de 20 por cento sôbre todas as despesas e a obrigação de entregaram as matérias primas, directamente, sem mais encargos, às indústrias. Desaparecia assim a nuvem de intermediários que formou os QOVOS ricos à custa do sangue que se estava vertendo na Europa.

Mas eu saí do Ministério em 8 de Junho e a primeira cousa que fez o meu sucessor na gerência da pasta foi acabar com a Repartirão de Estatística e Propaganda que, por minha ordem, estava suprindo as deficiências de informação das associações industriais e estabelecimentos fabris do Estado.

Deu-se assim uma mudança de orientação que, em vez de fazer baixar o preço das cousas ainda mais o elevou, sem que as facilidades de transporte que já existem hoje tenham feito baratear o custo da vida.

Fala-se neste projecto em liberdade de comércio, mas os seus artigos 1.° e 2.° estão em contradição entre si e em contradição com o artigo 4.°

No primeiro f ala-se em liberdade de comércio, no segundo substituem-se preços fixes por preços máximos e no quarto fala-se em restrições!

Em resumo: no primeiro artigo é branco; no segundo é preto; e no quarto nem é preto nem branco: é cor de burro quando foge.

Por consequência a proposta podia-se reduzir a dois artigos, um quanto a restrições e outro aos dois tipos de pão, parte esta última que eu considero muito importante.

Para criar êsses tipos de pão o Sr. Ministro esqueceu-se de fornecer ao Parlamento todos os dados; de que êste precisava para sancionar ou não uma tal medida.

S. Exa. esqueceu-se de dizer qual o preço por que fornecia à moagem o cereal, os lucros da moenda concedidas à indústria, os lucros da panificação, o valor das sêmeas, as percentagens de extracção e de distribuição de farinhas para o fabrico dos dois tipos.

Se com um tipo de pão a fiscalização era deficiente, muito mais o será com dois tipos. O resultado será que o primeiro, o mais caro, será o único tragável, e que o segundo ou desaparecerá ou virá a ser de tam má qualidade que ninguêm o comprará. E como o custo do pão é a base em que assenta o custo da vida, as classes proletárias, forçadas a adquirir de novo o pão de luxo, como sucedeu da outra vez em que se fez a experiência, virão com novas reclamações de maiores salários, que farão encarecer ainda mais todos os demais artigos de consumo.

Talvez que o Sr. Ministro, vendo as propostas que deve ter recebido sôbre trigos, pudesse manter um tipo único de pão por preço ainda mais barato do que aquele que é actualmente e melhorando a sua qualidade.

Informaram-me que tem tido ofertas de trigo exótico à razão de $32 por quilograma. Portanto, o preço do pão não iria alêm de $20 a uma extracção de 75 por cento, o que o tornaria melhor e sem es-

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tabelecer a distinção de pão para ricos e pão para pobres.

Como Ministro que fui das Subsistências, sôbre liberdade de comércio tenho a declarar que a necessidade de momento me obrigou a usar de restrições sem conto, sem contudo lesar o comércio nem ordenar assaltos aos estabelecimentos, como depois se fez, para apreender géneros que não tinham preço fixo estabelecido e cujo mercantilismo deixara absolutamente livre.

Foi dito na outra Câmara que se haviam encontrado contratos no Ministério dos Abastecimentos na importância de milhares de contos, o que dificultava Agora a missão governativa.

Quando Ministro só celebrei contratos de compra para cereais e farinhas e para os outros géneros limitei-me a jogar com os transportes, só fornecendo êstes a quem se comprometia a pôr os artigos no mercado aos preços das tabelas e a distribuí-los pelas localidades que o Ministério ordenasse.

Tudo, pois, sem encargo algum para o Estado.

Sôbre preços máximos e preços fixos, parece-me, Sr. Presidente, que o Sr. Ministros dos Abastecimentos virá a ter as desilusões que eu tive e que outros Ministros que geriram a pasta das Subsistências tiveram tambêm. Os preços que fixei sempre foram máximos, porêm os comerciantes som escrúpulos consideravam-nos como mínimos.

Eram estas as considerações que amigavelmente eu tinha a apresentar ao Sr. Ministro dos Abastecimentos, pedindo a S. Exa., de novo, que não veja nelas nenhum intuito político nem desejo de lhe ser desagradável.

Tenho dito.

O Sr. Alfredo da Silva: — Sr. Presidente: o projecto de lei do Sr. Ministro das Subsistências pode considerar-se dividido em duas partes. Uma delas é a que diz respeito as medidas preparatórias para o regresso à normalidade: é o que está disposto nos artigos 1.° e 4.°, outra parte que se refere aos tipos de pão, é o artigo 3.°

Acho de toda a importância e de todo o cabimento o que se propõe, nos artigos 1.° e 4.°, porque começa por estabelecer o princípio das tabelas máximas substituindo o das -tabelas fixas, o que representa, evidentemente, um meio de transição, para a normalidade comercial.

Se eu fôsse, por infelicidade minha e do país, o Ministro dos Abastecimentos, teria leito a proposta ou o projecto de lei, duma forma um pouco mais completa.

O princípio do projecto em discussão é óptimo, representa uma indispensabilidade e uma oportunidade absolutas. Mas o problema é tão complexo, tem de atender-se a tantos factores, que me pareço que se deveria - à semelhança do que se faz no estrangeiro — fazer acompanhar, para a sua efectivação nos diferentes artigos, de comissões especiais de preparação, de regresso à normalidade comercial.

Se o projecto não tivesse já o voto da outra Câmara, eu proporia um aditamento.

Mas julgo que êle é duma grande urgência e que se torna necessário não demorar a sua efectividade.

O que apresento é simplesmente um alvitre. Lembro-o ao Sr. Ministro dos Abastecimentos, porque S Exa. * tem na organização do seu Ministério faculdades para arranjar as comissões a que acabo de me referir, a fim de que os especialistas de cada artigo dêem o parecer competente nas condições em que deve fazer-se o regresso à normalidade.

Eu direi a V. Exa. que me agradaria mais que o projecto que agora se discute, e que foi apresentado na Câmara dos Deputados, nau contivesse uma parte de carácter especial referente ao pão.

Apesar de eu me ter inscrito a favor do projecto, não deverá merecer reparos à Câmara, que eu diga que não concordo com o artigo 3.° que respeita aos tipos de pão, apesar disso, repito, dou o meu voto ao projecto para não provocar uma reunião do Congresso, isto que o Sr. Ministro dá um carácter de experimental à criação de dois tipos de pão, tipos êstes, de resto, que já entraram em efectiva venda antes dêsse projecto ter a sanção parlamentar.

Mas, sem negar o meu voto a êste artigo, eu recomendo ao Sr. Ministro, para ficar ad libitum a S. Exa. suspender a experiência, que já se encontra cheia de inconvenientes nestes dias de efectividade que já teve.

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O pão de segunda que apareceu é bom, mas foi insuficientíssimo para o consumo.

Êste problema do pão é dos mais delicados; em Portugal come-se mais pão do que em qualquer outra parte do mundo; é a base da alimentação pública, e foi naturalmente devido a estas circunstâncias que S. Exa. autorizou pelas Repartições do seu Ministério que antes deste projecto ser transformado em lei se pudessem fabricar os dois tipos de pão, a título de experiência.

Já houve em tempo pão de primeira e pão de segunda, sendo êste de tam má qualidade que não se podia comer, obrigando-se assim toda a gente a compra: o de primeira; agora que êle começou por ser de boi qualidade, principiou por faltar.

Acresce, ainda, que a questão da fiscalização é dificílima, porque eu é inofensiva e não é eficaz ou quer ser eficaz e torna-se perseguidora,, e arranjar o justo termo médio é quási impossível.

Quando em tempos se fez o decreto que até agora vigorou, eu tive ocasião de colaborar nele, tendo sido sempre contra os dois tipos de pão. Continuo a ter a mesma opinião, e o Sr. Ministro dos Abastecimentos verá que tenho razão.

Repito: conheço a urgência da votação dêste projecto, dou-lhe a minha aprovação; mas peço a S. Exa. o Sr. Ministro que atente bem no que expus quanto às comissões técnicas especiais para preparar em cada artigo o regresso à normalidade comercial.

Desejo tambêm chamar a atenção de S. Exa. para um outro ponto, que é o seguinte:

Refiro-me ao facto de em Lisboa, e nos seus arredores, visto haver uma uniformidade de preço do pão, pois que nas cercanias da cidade o pão custa mais $10 em quilograma do que em Lisboa,

É certo que a farinha sai de Lisboa, o seu transporte acarreta despesas, aias em todo o caso não vejo motivo para tam grande diferença.

Espero, pois, que S. Exa. o Sr. Ministro dos Abastecimentos tora e na devida atenção as minhas considerações, bem como o de tomar o máximo cuidado na apreciação do n.° 3.° dêste projecto, em virtude dos inconvenientes já, apontados.

O Sr. Afonso de Melo: — Eu devo começar por declarar a V. Exa. e à Câmara que me inscrevi para falar contra o projecto únicamente por uma razão: vi que os Srs. Machado Santos e Alfredo da Silva só tinham inscrito para falar a favor do projecto, mas pelo decorrer da discussão verifiquei que falaram tanto a favor como contra. A minha inscrição 3bedeceu, pois, simplesmente a uma questão de método. E tendo rejeitado ontem a urgência, e crendo que o Govêrno considera êsse assunto uma questão aberta, v ISTO que é uma questão económica das mais importantes, julgo do meu dever não a deixar passar sem que sôbre ela diga o que penso.

Quando se constituiu êste Govêrno fiz a declaração de que o apoiaria dentro e fora do Parlamento, que contribuiria tanto quanto possível para lhe facilitar a sua missão.

Disse-o e repito-o.

Mas, Sr. Presidente, apoiar um Govêrno é colaborar com êle, não é abdicar da sua própria opinião, e eu estou convencido de que o Sr. Ministro dos Abastecimentos, que com tanta coragem tomou conta da sua pasta, nesta hora tam difícil, é o primeiro a desejar que contribuamos para o aperfeiçoamento das medidas que êle traga ao Parlamento.

Sr. Presidente: sei bem a urgência que o Govêrno, pelo Ministério dos Abastecimentos, mostra ter por êste projecto. Não me esqueço de que quem tem pressa traz sempre à baila o argumento de que, se de introduz qualquer modificação no projecto, êste terá de voltar à Câmara dos Deputados, e possivelmente ao Congresso, e que assim se demorará muito a sua aprovação. Mas, Sr. Presidente, nós não podemos sequer admitir a exame semelhante doutrina; se não a repudiamos, eu pregunto: para que serve o Senado?

O Sr. Machado Santos: — Na Câmara dos Deputados não há a mesma contemplação para com o Senado. Ainda há bem pouco tempo foi aqui aprovado um projecto com urgência e dispensa de Regimento e na Câmara dos Deputados foi apresentado um contra-projecto.

O Orador: — Sei perfeitamente isso, e no emtanto essa era uma questão poli-

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tica o urgentíssima, e esta é uma questão económica, que exige meticuloso exame.

Sr. Presidente: eu entendo que esta Câmara está no uso do seu direito: e não só do seu direito, mas da sua obrigação, discutindo livre e amplamente a proposta de lei. Estou certo de que até com aplauso do Sr. Ministro dos Abastecimentos serão bem cabidas todas as reflexões dos Srs. Senadores, tendentes a introduzir no projecto quaisquer modificações que tenham por iim melhorá-lo, de maneira a que saia daqui o mais perfeito que Impossível.

Assente isto, para evitar qualquer especulação de baixa política, entrarei no exame da proposta em discussão.

Sr. Presidente: devo declarar a V. Exa. que sou um conservador na política económica, mas um conservador progressista, um conservador que vê o que se vai passando em matéria económica através da Europa, e que tem graves apreensões sôbre o dia de amanhã.

Todos sabem que fora das nossas fronteiras, e até mesmo cá dentro, se está passando por uma transformação social a que é preciso atender, com acurado estudo.

Um capitão de estado maior francos, que tinha saído para a Rússia no tempo em que a França mantinha as boas relações com esta potência, foi ali surpreendido pela revolução e teve de se conservar dezoito meses no meio do referver daquele vulcão revolucionário.

Êste oficial, ao chegar a França, foi entrevistado por um redactor dum jornal, e declarou que se abstinha de fazer certas revelações, porque tinha de apresentar ao seu Govêrno o seu relatório oficial. Mas declarou que nós, em geral, no ocidente da Europa, fazíamos uma idea falsa do que se estava passando na Rússia, e que era sua opinião que todas as antigas organizações sociais da Europa, e até da América e da Ásia, se haviam de ressentir do influxo do que naquele vasto país se estava realizando.

E V. Exa. e a Câmara, bem sabem que, apesar de tudo quanto vem sendo relatado na imprensa dos países aliados, as cousas não podem ir tam mal lá pela Rússia como poderá parecer a espíritos superficiais. Notem V. Exas. que os bolchevistas se conservam no poder há cêrca de ano e meio.

Quere dizer, é uma anarquia organizada, com uma organização melhor do que a da nossa vida política, onde os Govêrnos duram a vida das rosas.

O Presidente Wilson ainda agora na Conferência da Paz, exactamente pelos rumores que já se estão fazendo ouvir na Europa Ocidental, sôbre o que se passa no Oriente, foi o primeiro a propor uma reunião na Ilha dos Príncipes, a fim dos delegados dos Govêrnos russos exporêm os seus princípios e declararem os seus propósitos, a fim de que os aliados vencedores acordem nas medida a apresentar a referida Conferência.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, como é grave o que se está pagando! Como alguma cousa se vai mudando na face do mundo!

Não é demais, portanto, que em face duma proposta de lei desta natureza, que, na sua aparência simples envolve do facto uma séria afirmação de princípio»; o Senado deseje ver bem até onde vai a orientação do Govêrno.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos, no artigo 1.°, estabeleceu o princípio doutrinário; é o princípio da liberdade do comércio; mas logo a seguir, e na mesmo artigo, êle dá ao Poder o direito de usar de todas as restrições que sejam precisas para que êsse artigo não tenha efectivação.

Quere dizer, o próprio Govêrno reconhece que no momento presente não pode representar mais do que uma afirmação de princípios, uma vaga aspiração, como disse o Sr. Machado Santos, que é a de voltarmos àquilo a que chamamos a normalidade de antes da guerra.

Mas, Sr. Presidente, o projecto, tal como está, e aceitando-se a orientação do Govêrno, para que a transição do estado de guerra para o estado de paz se não faca bruscamente, não é completo.

Julgo que devíamos votar um projecto que correspondesse melhor à missão do Govêrno, nesta conjuntura.

Devo dizer, salvo o devido respeito que me merece o, Sr. Alfredo da Silva, quanto, à competência de quem é pessoa entendida neste assunto, que S. Exa. está enganado quando afirma que a orientação nos outros países é a de se voltar ao estado de antes da guerra.

Não é essa a orientação, Sr. Presidente. Na França, quem ler os discursos pró-

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mmciades no Parlamento e os artigos publicados nos jornais, verá que os dois estadistas que têm marcado ultimamente a orientação das questões económicas naquele país, que são os Srs. Clementel e Tardien, não defendem êsses princípios. O que comina no espírito dêles, como no de todos os economistas afectos às esquerdas radicais e socialistas, é que ao estado de antes da guerra não se voltará tam cedo; vão mais longe, é que nunca mais se voltará ao statu quo ante.

Eu passo citar a V. Exa., Sr. Presidente, os termos precisos, em que o Sr. Clementel se exprimiu no Senado.

Êle disse: «Nós marchamos para um regime económico inteiramente novo».

E tendo alguns Deputados feito observações, o Sr. André Tardieu, que é um homem de alta competência, reconhecida em todo o mundo; o Sr. Tardieu, que foi o alto comissário da Franga nos Estados Unidos, respondeu: «As organizações económicas da guerra hão-de ficar como poderosos instrumentos às acção económica nos tempos de paz».

O Senador Thourou manifestou as mesmas ideas, no meio de gerais aplausos.

E em França, hoje, àparte a escola livre cambista a que muito brilhantemente preside Ives Guyot, é esta a orientação dominante.

Na Alemanha e na Inglaterra as restrições foram estabelecidas, e mantêm-se para depois da paz.

Na Inglaterra, o país da liberal tradição e do comércio e da navegação livres, do restabelecimento da liberdade de navegação, adoptaram-se as seguintes restrições, que são obrigatórias pela ordem da Sua precedência:

Para os transportes de mercadorias a prioridade será concedida:

1.° Aos géneros de alimentação.

2.° Às matérias primas destinadas à fabricação de material de guerra.

3.° As matérias primas destinadas às manufacturas de exportação.

E quere V. Exa. saber o que fez a Alemanha, que apesar da guerra não descurou o seu futuro económico?

A 3 de Maio de 1918 foi votado no Reichstag a criação dum conselho com largas atribuições para regular o funcionamento da marinha mercante, logo que os mares de novo lhe fossem abertos.

Êste organismo tinha por fim fazer que o povo alemão não fôsse afectado pelos desequilíbrios que traria uma completa liberdade dos armadores de navios, no que diz respeito à importação e exportação, estabelecendo-se três categorias, que abrangem das diversas classes de navios, as diversas espécies de mercadorias, os períodos sucessivos para a maior ou menor amplitude das restrições impostas e até a directriz das próprias carreiras de navegação.

O mesmo, com outras modalidades, fizeram os Estados Unidos da América do Norte, que muito cautelosamente vão alargando a apertada rêde em que encerraram a produção e permuta das suas géneses agrícolas, das matérias primas e dos produtos manufacturados.

Veja pois, V. Exa., e veja a Câmara, como, para a hipótese de findar a guerra, a França, a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos, estabeleceram medidas tendentes a deixar na mão dos governos os meios de acção tendentes a continuarem a, exercer a direcção efectiva de tam melindroso assunto.

E creia o Sr. Ministro dos Abastecimentos que o perigo é grande em Portugal, desde que haja a liberdade do comércio.

As restrições são precisas, para evitar que a ganância duns, a inconsciência doutros e os inconfessáveis propósitos de alguns agravem a situação já pesadíssima dos consumidores, 011 provoquem irritações que conduzam à desordem e à anarquia.

Elas são precisas ainda para que uma volta excessivamente rápida ao regime de livre concorrência não provoque o descalabro de instituições industriais e comerciais, cujos interêsses legítimos o Estado não pode descurar, porque êles representam nina boa parte da riqueza e da prosperidade da nação.

Se o Estado, até agora, não tem sido suficientemente previdente ou bastantemente enérgico para evitar desmandos do comércio e da indústria, a verdade é que o soa dever é evitar os craques, a derrocada dos interêsses económicos - já criados pelo que ela traria de perturbação à vida económica dum país de tam fracos recursos como é o nosso.

Sr. Presidente: passados assim em ré-

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vista êstes princípios de ordem geral, permita-me V. Exa. a que eu faça um pequeno apanhado das disposições dêste projecto para fazer saber ao Sr. Ministro dos Abastecimentos os pontos em que desejaria introduzir-lhe melhoramentos, pois, repito, julgo servir assim os intuitos que S. Exa. teve ao ir buscar a colaboração parlamentar.

O artigo 1.° do projecto diz:

Leu.

Veja V. Exa., como o Sr. Ministro, que é um jurisconsulto de provados méritos, por cuja ilustração e inteligência eu tenho a maior consideração, redigiu êste artigo.

Não está perfeito e é contraditório!

Se o projecto estabelece um princípio num artigo e restrições nos artigos seguintes, escusado é que o artigo 1.° ressalve já essas restrições.

Nas leis tudo quanto são pleonasmos são defeitos, mas aqui não há só um pleonasmo, há uma incorrecção.

O artigo 1.° ressalva a restrição dó artigo 4.°

Mas o artigo 2.° é uma restrição ao artigo 1.°, porque estabelece tabelas fixas.

O artigo 3.° é outra restrição ao artigo 1.°, e só o artigo 5.° não é uma restrição, porque revoga a legislação em contrário.

A que vem pois a exclusiva referência ao artigo 4.°?

Creio que o projecto melhorou, eliminando a expressão do artigo referente ao artigo 4.°, pois é evidente que desde que êste artigo fôr aprovado êle ficará sendo classicamente a excepção a confirmar a regra...

No artigo 1.° fala-se em liberdade de trânsito e comércio; eu sei que devemos argumentar de boa fé, mas quem quiser apegar-se à letra do artigo pode supor que se trata tambêm de trânsito de passageiros, quando apenas se trata de trânsito de mercadorias.

Acharia mais perfeito o artigo, se assim nele se dissesse.

Quanto ao artigo 2.°, devo dizer que estou absolutamente de acordo.

Eu nunca percebi bem a vantagem das tabelas fixas que, em geral, não têm evitado que os géneros sejam mais caros.

Pelo contrário, Sr. Presidente, e por muito espantoso que pareça, há exemplos
frequentes das autoridades intervirem proibindo que se esteja vendendo mais barato do que a tabela!

Quanto ao artigo 3.°, devo dizer a V. Exa. que me parece que êle não deve ser mantido.

Em primeiro lugar, neste artigo 3.°, trata-se duma questão que está nas faculdades ordinárias do Ministro.

Antes do estado de guerra, esta questão do peso e qualidade do pão resolvia-se com simples editais do governador civil ou com uma postura municipal.

Não vejo motivos para que questões de sua natureza regulamentares venham incluídas nesta proposta de lei.

E, demais, esta primeira disposição do artigo 3.° era inútil dentro do próprio projecto do Sr. Ministro dos Abastecimentos.

O Sr. Ministro, que pelo artigo 4.° fica com a faculdade amplíssima de estabelecer quaisquer restrições à liberdade de comércio, podia dispensar êste artigo, que fixando, embora a título de experiência— e as experiências não me parecem ser a função do Congresso da República — os tipos de pão constituem um preceito e um precedente perigosos.

Vejamos:

Autoriza agora a Câmara a experiência dos dois tipos de pão. Mas pode daqui a um mês a experiência não ter sido boa. Tem de voltar a pedir nova autorização à Câmara para novas experiências? Andaremos sempre nisto?

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): — Não é precisa nova autorização, pois que lá está a palavra «experiência».

O Orador: — Outros defeitos têm êste artigo e graves. £ A experiência é só em Lisboa? É em todo o país? Não o diz o artigo. E chamo ainda a atenção da Câmara para a segunda parte do artigo, que encerra uma disposição, que parecendo favorável à agricultura é contudo inconvenientíssima.

Eu sei que essa disposição se quere referir à tabela actual para os trigos. Mas o artigo está redigido duma forma excessivamente genérica.

Como lavrador, pôsto que ache justo tais regalias para os produtores de trigo,

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18 Diário das Sessões do Senado

entendo que não devemos ter essas garantias para outros produtos de primeira necessidade, cujos preços são incomportáveis.

Acho que tais preços devem baixar.

Essa expressão está ampla demais.

Sou a Lembrar que o projecto não fique; redigido de maneira a suscitar dúvidas.

Êste artigo como está redigido é uma restrição à própria liberdade que o Govêrno se reserva no artigo 4.°, pois êste artigo 3.° está do tal modo redigido que parece implicar uma restrição ao artigo 4.°

Sr. Presidente: feitas estas considerações de ordem geral e únicamente com o fim de melhorar o projecto, vou enviar para a Mesa o seguinte projecto de substituição daquele que está em discussão e que me parece que servirá melhor os intuitos e ideas do Sr. Ministro dos Abastecimentos e que peço que entre em discussão juntamente com o projecto de lei.

Tenho dito.

Foi lido na Mesa e admitido pelo Senado.

É o seguinte:

Artigo 1.° É restabelecida a liberdade de comércio e trânsito de mercadorias, ficando assim abolidas -as tabelas de preços fixos e as demais providências restritivas decretadas em virtude das autorizações concedidas ao Govêrno por motivo do estado de guerra.

§ 1.° A disposição dêste artigo não abrange a legislação actualmente em vigor sôbre a produção e comércio do trigo, a qual continua a vigorar emquanto por lei especial não fôr alterada.

§ 2.° Ao Govêrno, pelo Ministério das Subsistências, competirá a regulamentação do fabrico e comércio do pão, ficando autorizado a decretar as providência; que a experiência e as circunstâncias anormais derivadas do estado de guerra aconselharem.

Art. 2.° Como regime do transição, é o Govêrno autorizado até o fim do corrente ano a estabelecer e regulamentar as restrições à liberdade de comércio e de trânsito se ainda forem necessárias.

Art. 3.,° Fica revogada a legislação em contrário.— Afonso de Melo.

Admitida para ficar em discussão Juntamente com a proposta.

Diário das Sessões fio Senado

O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: o ilustre Senador que me precedeu no uso da palavra, e meu especial amigo Sr. Afonso de Melo, chamou a atenção da Câmara para o estado social da Europa e com efeito nós sabemos que foi precisamente motivada pela questão do pão que se deu a revolução francesa de 1789, e pela mesma razão se deu depois a revolução de 1848.

Está provado que as grandes revoluções do mundo não são ocasionadas fundamentalmente pela agitação dos idialistas que arrastam as massas populares.

As grandes revoluções do mundo são feitas pelos famintos e sempre tiveram por origem a falta de pão. A grande revolução francesa que os historiadores julgam derivar imediatamente dos enciclopedistas está provado que coincidiu com aquele temeroso período em que o preço do pão atingiu proporções máximas.

Foi a fome que levou o povo francês à revolução. E assim, quanto a êste projecto do Sr. Ministro dos Abastecimentos para resolver a questão da venda do pão em Lisboa, eu peço a S. Exa. licença para lhe dizer — e a nossa amizade permite que o diga tanto mais que me inscrevi defendendo o projecto — que a experiência já tem demonstrado que o projecto tal como está não nos tira das dificuldades em que nos encontramos.

O Sr. Machado Santos, disse e muito bem, que os dois tipos de pão dariam lugar a que os industriais fabricassem pequena porção do de segunda para obrigar o consumidor a, na falta dêste, recorrer ao pão do primeiro tipo, não havendo possibilidade de se exercer uma eficaz fiscalização neste assunto, já tantas vezes experimentado.

A triste experiência está feita! Já a ninguêm dá ilusões! A triste experiência fez-se! Sempre que o Estado tem querido intervir nas subsistências, fá-lo desastradamente. E porquê? Porque o Estado ainda não viu bem o problema que lhe compete resolver, isso um aspecto interessante para a sua própria vida.

Eu sei, Sr. Presidente, que os Estados no mundo moderno estão em crise. Não quere isto, porêm, dizer que o bolchevismo a que se referiu o Sr. Afonso de Melo venha a ser desde já, uma conquista definitiva no mundo. Quem quiser dizer a

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verdade, quem compulsar a história de Portugal dos tempos da monarquia e da República, verá que o mal provêm de o Estado não corresponder às necessidades das sociedades modernas.

Mas nós o que temos de hoje dizer ao Sr. Ministro dos Abastecimentos e que o povo o que quere, é pão barato. O Estado só pode viver e perdurar se arrogar a si a fundamental função de desenvolver a produção da riqueza, facilitar o crédito e a circulação para poder normalizar o consumo.

Dar o pão às populações pode muito bem ser uma função do Estado, como o é dar o vencimento aos funcionários e o pré aos soldados. E uma necessidade da política e da administração pública transformar os velhos Estados gendarmes em estados de cooperação integral.

Vem ao Senado o Sr. Ministro dos Abastecimentos com o seu projecto,— que eu aliás não quero contrariar in limine — e êste projecto começa por afirmar um princípio económico já velho. Assevera-se que o que se quere é resolver o problema do pão barato e fala-se na liberdade de comércio; mas, em todo o caso, diz-se que o Govêrno aplicará o princípio da liberdade de comércio se isso fôr possível. Nos termos indecisos do projecto se vê que o problema não foi atacado de frente.

As referências feitas no projecto, quanto a possibilidades mercantis, de máximo o de mínimo preço, fez-me lembrar o que se passou em França em 1891, por ocasião das pautas aduaneiras, máxima e mínima.

Sr. Presidente: a tabela de taxa móvel, tem uma certa razão de ser é orgânica. Mas, essa mesmo, nada poderia resolver nesta ocasião. A tabela móvel, acompanhando as oscilações dos preços, poderia ainda, teoricamente, ser a sua reguladora. A tabela máxima não vem resolver cousa alguma. Mas a questão é outra. Se o Estado quere realizar a sério a sua função de regulador dos preços tem de se libertar da sua maneira burocrática, individualista e de gendarme para criar organismos económicos. A custa dos privilégios e facilidades que o Estado tem entregue a indivíduos e a classes, a sindicatos e a monopolistas, certos particulares têm enriquecido à custa do público que o Estado diz proteger, e atinai outra cousa não tem feito mais do que entregar, por leis artificiosas, a certos particulares felizes. Emquanto o Estado assim proceder o pão terá o preço que os felizes industriais quiserem.

Arroteiem-se os campos, em vez de se protegerem os que melhor resolvam a vida acorrentados ao Estado desorganizador.

Sempre que em Lisboa se teju tentado realizar êste problema da economia pública e do pão de cada dia, por um forma útil ao povo, tem falhado sempre a tentativa e há-de falhar mais uma vez.

E porquê?

Porque nós não temos cereais para alimentar o povo e a culpa é nossa, porque não sabemos aproveitar os braços disponíveis para trabalharem na agricultura.

Não temos suficiente produção ceralífera, temos de importar trigo exótico, e vivemos para aqui com paliativos, com taxas mínimas e máximas!

Mas isto é insuficiente.

Iremos ter agora novamente dois tipos de pão, um para o pobre outro para o rico. O do pobre desaparecerá breve, porque ao industrial não lhe convêm vendê-lo.

Isto neste momento é um perigo, a meu ver, porque representa mais uma forma de susceptibilizar os desgraçados.

Desde que existe o panificador por conta própria, ainda mesmo que seja muito honrado, primeiro estão os seus interêsses, trata de procurar a maneira de ganhar mais dinheiro; isto é o que acontece em toda a parte com as indústrias entregues ao patronato protegido pelo Estado.

Ao Sr. Ministro dos Abastecimentos peço que veja a desgraçada situação em que nos vemos; o povo português agita-se, convulsiona-se, porque não tem o pão de cada dia, e porque não sabemos ensinar a população a trabalhar.

É preciso que falêmos claro. Andamos aqui a iludir-nos uns aos outros. Não queremos ver o fundo da questão, que, aliás, se não poderá resolver com políticos.

Mas, o Sr. Ministro dos Abastecimentos carece da aprovação do decreto?

Aprovemos-lho, porque o Poder Legislativo não pode estar sistematicamente a contrariar as propostas do Poder Executivo.

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Os Srs. Ministros é que têm a principal responsabilidade da administração pública. O Poder Legislativo não pode conhecer, como o Executiva, as exigências de momento, e se o Govêrno nos vem dizer que carece da aprovação do projecto, aprovemos-lho. Mas, em verdade, eu não vejo que bem possa advir daí, a nua ser a possibilidade de o projecto não vir a fazer nem bem nem mal. É um projecto de teoria que habilita o Govêrno a proceder como quiser. E esta é talvez a sua única qualidade aceitável.

Não se devem fazer leis abstraías, mas concretas, leis com a mobilidade necessária para acompanhar a agitada vida moderna.

O Govêrno que escute a voz do povo e que elabore leis práticas, que o Poder Legislativo lhe dará os meios necessários para agir.

Liberdade de comércio?

Eu bem sei que as sociedades humanas não vivem em casernas; mas deixar o comércio à cupidez de todos, deixar a liberdade do comércio expandir-se como quiser, isso não o consente hoje nenhuma nação de mundo.

O projecto está em discussão na generalidade. O Sr. Afonso de Melo apresentou um contra-projecto que, tendo mais lógica, não terá mais alcance prático do que o do Govêrno, mas só na discussão da especialidade poderemos esclarecer bem o assunto.

O que vamos votar, aprovando o projecto apresentado pelo Govêrno?

Nenhum de nós o saberá dizer. Sabe-se que o Govêrno quis vir ao Parlamento apresentar esta sua proposta como homenagem ao Poder Legislativo, nesta hora em que é conveniente que lá fora se saiba que o Estado Português funciona regularmente, nas a verdade é que o Govêrno ficaria na mesma situação se o seu projecto não fôsse aprovada.

A medida ou projecto de Govêrno não quere cousa nenhuma. O Estado vai refundir, substituindo as velhas, inúteis e perigosas engrenagens, a sua v:da económica e jurídica? Não. E no emtanto é bem necessário que o façamos.

Já aqui se disse que os bolchevistas foram considerados beligerantes na Conferência da Paz. E porque não há-de essa escola, facção ou grupo ser ouvida?

Porque não hão-de ser ouvidos todos os que se propõem resolver as dificuldades para a aquisição do pão de cada dia?

Faça-se a fiscalização pelo Estado; e, como dizia Bismark, transforme-se o Estado que assiste indiferente a tudo e que até as vezes protege os desliais na luta da vida, um Estado que defenda os fracos, incite ao trabalho, elimine os perigos intermundiais, que só pensam no seu enriquecimento à custa da miséria geral.

Eu não quero contrariar o Sr. Ministro dos Abastecimentos, mas peco-lhe que, no seu Ministério, ouça os técnicos, para estar habilitado a socorrer os famintos, e procure evitar que as subsistências cheguem no alcance do povo, por via da ambição de lucros excessivos, que é necessário reprimir.

O Estado não pode ser protector dos que não hesitam em auferir grandes lucros à custa da miséria geral.

Deixe-se, perante as actuais circunstâncias, de criar pão para o rico e pão para o pobre, porque os industriais iludirão o seu pensamento; crie-se um único tipo de pão que todos possam comer.

O riso que tenha paciência e coma tambêm, nesta hora trágica que passa, o pão amargo destinado ao pobre.

Tenho dito.

O Sr. Luís Gama: — Eu vou analisar o decreta e apontar-lhe bastantes defeitos.

Na situação que ocupo nesta Câmara, como representante da agricultura, sinto-me na obrigação de tomar a palavra sôbre êste assunto que se relaciona com a agricultura e o comércio.

Não desejo levantar dificuldades ao Sr. Ministro dos Abastecimentos, pois vejo que S. Exa. s tem a melhor, vontade de acertar.

O voto que dou ao projecto só prejudica o Sr. Ministro e o tempo dirá se eu tenho ou não razão.

Quanto ao artigo 1.° respondo que, quando se refere à liberdade de trânsito, alude só ao distrito de Lisboa, porque a liberdade de trânsito nos outros distritos não é êste decreto que a regula; e se a regula eu não posso dar o meu voto ao projecto.

Desejava que o Sr. Ministro me interrompesse e dissesse qual é o intuito do projecto sôbre êste ponto.

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O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): — Por cada género tem de se estabelecer disposição diversa, conforme a abundância que dêle houver no país.

O Orador: — Eu concordo com o que S. Exa. diz. Mas talvez não me explicasse bem quando me queria referir à liberdade do comércio dos produtos da terra.

Suponhamos que há falta de batatas em Lisboa e que os celeiros municipais têm estipulado o preço em certos concelhos.

Vinham de Lisboa os importadores e queriam tirar a batata dum dêsses concelhos. Havia evidentemente certas dificuldades, porquanto...

O Sr. Ministro dos Abastecimentos,(João Pinheiro): — Uma proposta de lei é um todo que tem de ser regulamentado. Ninguêm pode dizer qual a medida a aplicar.

O Orador: — Por êsse prisma, estou perfeitamente de acôrdo com V. Exa.

As minhas objecções têm por fim apenas esclarecer.

É certo que a liberdade de comércio existe desde que haja uma lei da oferta e da procura; que haja a abundância; doutro modo não é possível. Mas V. Exa. restringe-a num dos artigos, o 3.°

Sôbre preços fixos e máximos, é curiosa a revelação de haver autoridades que intervinham desde que havia quem vendesse mais barato do que a tabela.

É isto um caso curioso, e por isso é razoável o artigo 2.°

A parte mais importante, dêste projecto é a questão dos dois tipos de pão.

Respondendo ao Sr. Carneiro de Moura, direi que ninguêm pretende dar, com êsses dois tipos, que eu ataco por ser medida impraticável, uma côdea de pão aos pobres.

O pão de segunda qualidade que se vai dar é absolutamente bom para a alimentação; o pão fino é muito mais caro; e só havendo quem o pague é que se consegue a compensação que permite fornecer aos pobres um pão mais barato, que nem por isso deixa de ser inteiramente bom.

É nisso que está a única parte moral que tem êste projecto. E que, havendo os dois tipos do pão, o de segunda é mais barato e, portanto, mais acessível à
bôlsa do pobre, ficando o outro para os ricos, que o podem pagar mais caro.

O Sr. Carneiro de Moura: — Como V. Exa. por exemplo.

O Orador: — Não há dúvida. Tive a felicidade de ser filho de meu pai, assim como meu tio era... irmão de meu pai (Risos).

Já vê V. Exa. que, tendo eu a felicidade de ser filho de meu pai e sobrinho de meu tio, acho legítimo que aqueles que possuem fortuna contribuam para aqueles que a não tem.

Ora o Sr. Machado Santos disse, quando se referiu aos dois tipos de pão que receava que o de segunda qualidade passasse a ser intragável. S. Exa. sabe muito bem que o pão só seria intragável se a composição ou diagrama não fôsse cumprido tal qual a lei o estabeleceu.

O Sr. Machado Santos: — Seria intragável pela dificuldade da fiscalização.

Acho que é inviável, exactamente por isso.

A experiência já se fez e o resultado via-se.

O Orador: — Mas V. Exa. está ou não de acôrdo em que desde que o de segunda qualidade seja fabricado com a farinha que deve ser, será um pão inteiramente bom?

O Sr. Machado Santos: — Os médicos tambêm o dizem. Até o melhor é o pão integral...

O Orador: — Compreende V. Exa. que se vamos entrar pelo caminho da fiscalização tambêm o acho impossível.

V. Exa. foi Ministro das Subsistências e algumas vezes tivemos conversações pelas quais verificaria que eu era apologista de um único tipo do pão para todo o país.

O Sr. Machado Santos (interrompendo): — Os celeiros municipais, como eu os decretei e como de princípio começaram a usar-se, não tinham a faculdade de poderem arbitrariamente estabelecer preços. Depois é que modificaram essa instituição, não sei com que vantagem.

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deixando do corresponder ao objectivo que tinham em vista.

O Orador: — A verdade é que todas as leis são boas quando os indivíduos procedem de boa fé e todas são más quando êles procedem de má fé.

Oxalá que eu inc engane; mas êste artigo do projecto, que resolve a questão com os dois tipos de pão, poderá vir a causar alguns dissabores ao Sr. Ministro dos Abastecimentos.

Diz-se que isso se tem de fazer por causa do stock de farinha de primeira qualidade.

Mas então para que mandarem vir essa farinha? Sabiam perfeitamente, quando a, mandaram vir, que ela era para fabricar pão.

Parece-me, Sr. Presidente, que esta do pão de primeira qualidade tem por fim proteger a venda da farinha de Espanha. Há até certo ponto uma razão nisto, por que é uma forma de abastecer o mercado dessa farinha.

Referiu-se o Sr. Afonso do Lemos ao artigo 3.° Há uma parte em que S. Exa. está em êrro.

A lei de 1899 está em vigor. Se os preços é que se modificam de ano para ano.

Eu estou convencido de que para o ano o pão não será mais barato. Os preços, porêm, modificam-se. Há nisto uma certa razão. Mas isto não quere dizer que o pão para o ano não possa ser vendido muitíssimo mais barato.

As fábricas matriculadas são obrigadas a comprar o trigo pelo preço da tabela mas têm a compensação pela entrada do trigo exótico, de forma que isto pode dar lugar a poder-se vender o pão mais barato.

Por consequência, desde que S. Exa. diz que neste ponto serão salvaguardados os direitos da lavoura nacional, não tenho senão que dar o meu voto a êste projecto.

Eu quando falo aqui é apenas para pugnar pelos legítimos interêsses da lavoura nacional e bem assim pelos interêsses das outras classes trabalhadoras.

O artigo 4.° diz:

Leu.

Fez V. Exa. muitíssimo bem em pôr isto, porque, desculpe-me V. Exa. em lhe dizer, se o não fizesse dentro de quarenta e oito horas, era um homem ao mar.

Porque todos têm muitos desejos de coopera? com o Govêrno, mas tambêm têm o desejo de ganhar o mais que puderem, vendendo por isso os géneros bastante caros: e V. Exa., nessa ocasião, não tinha outro remédio senão ir para o fundo.

O orador não reviu.

O Sr. Castro Lopes: — Pedi a palavra para requerer a V. Exa. a prorrogação da sessão até ser votado êste projecto.

O Sr. Visconde de Coruche: — Requeiro a contagem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Procedeu-se à contagem e verificou-se não haver número, pelo que a sessão está encerrada, sendo a próxima amanhã, à hora regimental.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O REDACTOR— Alberto Bramão.

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