Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
1918-1919
SESSÃO N.º 24
EM 14 DE FEVEREIRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco
Secretários os Exmos. Srs.
Guilherme Martins Alves
Constantino dos Santos
Sumário.— Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. — Dá-se conta do expediente.
O Sr. Presidente congratula-se com o país e com o Senado pelo êxito republicano que pôs termo à guerra civil.
O Sr. Castro Lopes, em nome da maioria, associa-se, pondo em relevo a deslialdade e traição em que assentara a revolta monárquica e notando que a República não podia deixar de triunfar.
O Sr. Nogueira de Brito associa-se, notando que a vitória da República é o triunfo dos princípios modernos sôbre os do passado, e nota que o crime da revolta foi maior por ser produzido no período em que se está tratando da conferência da paz.
O Sr. Artur Jorge Guimarães associa-se, propondo uma saudação à cidade do Pôrto, ao povo daquela cidade e às tropas republicanas, que souberam nobremente vencer os seus inimigos, contrários ao espírito liberal e republicano do Pôrto, que cem sempre manifestado os seus sentimentos.
O Sr. Queiroz Veloso nota que já fizera, durante a insurreição, a afirmativa de que o povo do Pôrto, apesar da opressão que estava sofrendo, não deixara de ser republicano e o que o provaria logo que lhe fôsse possível sacudir o jugo.
Expõe vários factos históricos no sentido de demonstrar que o espírito do Pôrto tem sido sempre profundamente liberal.
Verbera a traição monárquica e termina enviando uma saudação ao Pôrto
O Sr. Machado Santos regista que os campos políticos, monárquico e republicano, ficaram agora extremados, raiando para a República uma nova aurora.
Saúda a alma heróica do povo português; saúda o Govêrno, que conseguiu a harmonia entre os elementos republicanos, e saúda as fôrças de terra e mar.
Termina enviando para a Mesa uma proposta de saudação neste sentido pedindo que em sinal de regozijo seja encerrada a sessão.
O Sr. Júlio Dantas congratula-se com a vitória republicana, acentuando que o culto da Arte não pode exercer-se sem a ordem e a ordem não pode existir já em Portugal sem a República. Diz que se 5 de Outubro foi a data da fundação da República, 13 de Fevereiro fica sendo a data da fundação da República imortal.
Saúda o Pôrto e a imprensa, propondo um voto de louvor aos jornais e aos jornalistas, que fizeram a honrosa propaganda que ajudou a vitória.
O Sr. Carneiro de Moura associa-se à proposta do Sr. Machado Santos, saudando a alma heróica do povo português. Faz largais considerações históricas no sentido de demonstrar que foi sempre o povo que dominou nos factos capitais da vida nacional.
O Sr. Arnaud Furtado expõe que foram a traição e a hipocrisia que ficaram vencidas. Termina, Levantando um viva à Pátria Portuguesa, porque a República considera-a indestrutivelmente ligada aos destinos nacionais.
O Sr. Afonso de Melo, como representante da agricultura, diz que esta classe só deseja a paz e a ordem, sendo a que mais se regozija com o termo desta luta ferida entre nacionais.
Expõe o que se passou em Viseu, onde o povo, por si mesmo, fez naquela cidade a restauração da República. Termina fazendo votos por que de hoje para o futuro se possa viver numa pátria feliz e próspera
O Sr. Castro Lopes associa-se à proposta de saudação às fôrças de terra e mar e termina propondo que a proposta do Sr. Machado Santos seja votada por aclamação.
O Sr. Adães Bermudes associa-se, fazendo votos por que, depois desta última tentativa monárquica.
Página 2
2 Diário das Sessões do Senado
todos pensam em trabalhar para a prosperidade da Pátria.
A proposta do Sr. Machado Santos é aprovada por aclamação.
O Sr. Presidente marca a próxima sessão para segunda-feira.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
António Maria de Oliveira Belo.
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
Artur Jorge Guimarães.
Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.
Cláudio Pais Rebêlo.
Constantino José dos Santos.
Francisco Nogueira de Brito.
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João José da Silva.
João Lopes Carneiro de Moura.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Júlio César.
José Maria Queiroz Veloso.
José Tavares de Araújo e Castro.
Júlio Dantas.
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Adriano Xavier Cordeiro.
Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
Alberto Correia Pinto de Almeida.
Alberto Osório de Castro.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
Alfredo da Silva.
Amílcar de Castro Abreu e Mota.
António Augusto Cerqueira.
António de Bettencourt Rodrigues.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
António da Silva Pais.
Cristiano de Magalhães.
Domingos Pinto Coelho.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Eduardo Ernesto de Faria.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Francisco Martins de Oliveira Santos.
Francisco Vicente Ramos.
João da Costa Mealha.
João José da Costa.
João Rodrigues Ribeiro.
João de Sousa Tavares.
João Viegas de Paula Nogueira.
José António de Oliveira Soares.
José Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
José dos Santos Pereira Jardim.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).
Luís Caetano Pereira.
Luís Firmino de Oliveira.
Luís Xavier da Gama.
Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).
Manuel Jorge Forbes de Bessa.
Manuel Ribeiro do Amaral.
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
Severiano José da Silva.
Tiago César de Moreira Sales.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente (As 14 horas e 20 minutos ): — Responderam à chamada 20 Srs. Senadores.
O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta. Leu-se a acta.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Foi aprovada a acta.
Procede-se em seguida à leitura do seguinte
Expediente
Telegrama
Dos empregados de finanças e dos impostos de Leiria protestando contra o
Página 3
Sessão de 14 de Fevereiro de 1919 3
projecto apresentado pelo Sr. Nogueira de Brito, relativo ao aumento de vencimentos dos funcionários das Secretarias de Estado.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Congratulo-me com as notícias chegadas sôbre os acontecimentos do Pôrto, por onde se conclui que terminou uma guerra civil que tantos prejuízos tem acarretado.
Estão vários Srs. Senadores inscritos; portanto vou dar a palavra ao Sr. Castro Lopes.
O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: viva a República! terminou assim ontem, cheia de entusiasmo, numa comoção extraordinária, vibrante e única, a sessão da Câmara dos Deputados.
E assim é, Sr. Presidente, que eu hoje, ao iniciar esta sessão, começo da mesma forma.
Viva a República!
Vozes: — Viva!...
O Orador: — Sr. Presidente: desde o momento em que na Câmara dos Deputados se soube que tinha sido implantada outra vez a República no Pôrto, foi extraordinária a alegria, a comoção enorme, o entusiasmo indescritível que se sentiu naquela casa da Parlamento e por toda a cidade onde foi conhecida essa notícia.
Não havia para mim a mais pequena dúvida de que a República devia triunfar, porque não havia maneira de poder vencer uma causa que tinha sido preparada pela traição. Todo aquele entusiasmo que alguns jornais pretendiam dizer que havia no norte era fictício, era mentira.
E compreende V. Exa., compreende toda a Câmara que não há causa que vingue, movimento que triunfe, quando não traga a inspirá-la uma idea nobre e alevantada, e muito menos quando tenha sido preparada nas alfurjas, por uma traição, por uma deslialdade.
Não, Sr. Presidente, não podia ser, e assim não foi.
Sr. Presidente: estão vários oradores inscritos, todos êles para neste momento, com a sua palavra mais vibrante, mas não com maior entusiasmo do que eu, se congratularem pelo triunfo da República.
Não com maior entusiasmo do que eu, porque tenho junto dêsses bravos que combatem no Vouga, prontos a caminhar sôbre o Pôrto, um filho, como voluntário, que podia estar comodamente junto de mim, sem canceiras e sem perigos, e que pôs de parte um curso que estava tirando, para vir para a vida pública, apenas com um único fim: defender a Pátria.
Termino, pois, como principiei, Sr. Presidente:
Viva a República!
O orador não reviu.
Vozes: — Viva a República!
O Sr. Nogueira de Brito: — Sr. Presidente: depois das palavras calorosas e brilhantes pronunciadas pelo ilustre leader da maioria que neste momento representam afinal o sincero júbilo de toda a Câmara, o eloquente sentir de todos nós, pouco mais acrescentarei que possa avigorar a minha congratulação entusiástica e bem enternecida pela vitória das fôrças republicanas sôbre os realistas do Pôrto, a quem saúdo abrangendo na minha saudação as fôrças civis e militares.
Sr. Presidente: o facto de ver terminada a guerra civil, desgraçadamente fomentada no norte, e que foi mais um motivo de inquietação para o nosso país agitado constantemente por lutas intestinas, bastaria para acender o meu júbilo; mas êsse acontecimento, sob todos os pontos notável, contende agradavelmente com a minha inteligência e com a minha maneira de ser social, porque êle em toda a sua grandeza e expressão política não se limita à vitória da República sôbre a monarquia, embora seja êsse o seu aspecto, é no meu entender e no meu conceito mais alguma cousa do que o predomínio insofismável da corrente da idea republicana sôbre a reacção monárquica e clerical, tam contrária, tam antagónica aos princípios modernos; representa principalmente a vitória dos princípios liberais, esboçados na República sôbre as teorias políticas dum passado de erros e de anacronismos, de intolerâncias e perseguições, defendidos só por criaturas que traindo os seus compromissos de honra, outro papel não souberam desempenhar, que não fôsse o de patentearem a sua vil traição no momento decisivo, sob o ponto de
Página 4
4 Diário das Sessões do Senado
vista político em que os nossos destinos de nação europeia, se decidem nesse complicado tablado da Conferência da Paz.
Por isso, Sr. Presidente, acima do triunfo republicano, eu coloco com o mais entrado sentimento de prazer a vitória dos princípios radicais e igualitários, tam eloquentemente proclamados pela Revolução Francesa e por essas extraordinárias conferências dos trabalhadores de todo o mundo na Suíça e Inglaterra, em que os dois métodos de socialismo internacional, nitidamente se exteriozaram, agrupando a um lado as doutrinas anarquistas e sindicalistas revolucionárias, orientadas por Kropotkine, Bakounine e outros, e a outro o socialismo de Guesde, de que foi perfeito exemplar essa democracia-social da Alemanha, de que o estado germânico se serviu, fazendo-a votar créditos de guerra que ateariam a última conflagração.
Por isso, Sr. Presidente, eu que comungo nesses ideais avançados, que são a incontida aspiração do meu espírito, saúdo enternecidamente a vitória do ideal republicano, que é mais um ponto de aproximação para a realização do socialismo moderno, que impulsionado pelos factores históricos que enumerei, vem descendo vertiginosamente do norte da Europa, sacudindo a Alemanha militarista o que, como nina onda de extermínio dos princípios basilares do Estado, há-de subverter as organizações retrógadas, até inundar o mundo, duma nova aurora de paz e fraternidade.
O Sr. Artur Jorge Guimarães: — Como único representante da cidade do Pôrto, que se acha presente nesta sessão, envio uma saudação entusiástica, àquela nobre cidade, sempre lial, em que predominam as ideas mais liberais em todos os tempos, e que soube duma maneira, alevantada vencer os traidores seus inimigos e inimigos da República que desde muito, vinham procurando os meios de a dominar, porque essa cidade é essencialmente liberal e republicana, e contra os manejos dos quais reagi sempre.
Por isso, o meu entusiasmo neste momento vai envolto numa saudação, não só às tropas, mas tambêm ao povo que tenho a certeza contribuiu muitíssimo para o brilhante resultado, antes mesmo que chegassem ao Pôrto aí colunas que o Govêrno tinha mandado era sua defesa.
Julgo, Sr. Presidente, que a República só pode considerar hoje senhora do país, e que ninguêm mais poderá duvidar de que ela é adorada por todos e de que esta é a forma de governo que o povo escolheu para si, e desejo que a República possa entrar no período de prosperidade que considero como a paz nesta ocasião necessária e que ela iluminada pela Verdade, guinda pelo Direito e apoiada na Justiça, saia desta terrível crise purificada dos senis erros e assim possa ainda escrever páginas brilhantes da nossa história.
O Sr. Queiroz Veloso: — Quando, há dias, usei da palavra, na sessão em que o Govêrno se apresentou ao Parlamento, tive ocasião de dizer que, na qualidade de Senador pelas três Universidades da República, eu continuava a considerar a Universidade do Pôrto, assim como a cidade que scientíficamente ela representa, tam republicanas, sob a opressão monárquica, como o eram na ocasião em que fui eleito. Razão tinha eu ao fazer essa afirmativa, pois o povo do Pôrto acaba eloquentemente de mostrar que era tam republicano em 19 de Janeiro, quando por um movimento puramente militarista ali restaurou a monarquia, como republicano foi ontem, ao liquidar de vez essa desgraçada aventura.
Todos os que conhecem a população do Pôrto e sabem quais são os seus brios não ignoram como ela foi sempre profundamente liberal. Devia haver, portanto, a certeza de que, logo que o espanto da emboscada amortecesse, logo que o espírito republicano do povo se pudesse refazer um pouco, havia de dar-se a contra-revolução e a República seria imediatamente restaurada naquela cidade.
Na história de todos os países, até os mais liberais, se encontram factos como o que se deu agora no Pôrto. São surpresas de ocasião, passageiros incidentes, que podem evidentemente perturbar, mas nunca entravar a marcha regular das cousas. Por isso muito erraria quem julgasse das tendências monárquicas daquela cidade, pela efémera restauração ontem liquidada. Tambêm, em 1842, Costa Cabral ali proclamou a restauração da Car-
Página 5
Sessão de 14 de Fevereiro de 1919 5
ta, início do movimento que devia ficar célebre na história portuguesa sob o nome de cabralismo; e foi o mesmo Pôrto que depois deu impulso, direcção e fôrça à revolução da Maria da Fonte, que não só fez cair o Ministério, mas ia quàsi deitando a terra o trono de D. Maria II, se não fôsse a intervenção armada da Inglaterra e da Espanha.
Congratulando-me sinceramente pela terminação dêsse funesto episódio, dessa sangrenta jornada, em que os monárquicos se valeram dos postos que a República confiara à sua lialdade termino por uma calorosa saudação à cidade do Pôrto. Viva o Porto!
Êste viva é geralmente correspondido.
O Sr. Machado Santos: — Após uns dias de intranquilidade e luta, que trazia alanceada a alma portuguesa, eis que nos surge uma nova aurora; que, creio bem. será de paz e ventura, porque suponho que nunca mais cousa alguma poderá fazer escurecer o brilho da República, pois desta vez ficaram bem extremados os campos: dum lado os monárquicos, que, depois de lhe terem sido escancaradas de par em par as portas e os cargos de confiança do regime, fizeram contra êle uma obra de traição; e doutro lado os republicanos e patriotas, aqueles que acima de todos os interêsses pessoais põem o futuro da nossa terra, da nossa Pátria.
Estou certo de que uma nova era de paz e tranquilidade surge agora para a República Portuguesa.
Aludiu o ilustre leader da maioria a um ponto histórico, chamemos-lhe assim, a essa sessão que se realizou no Ministério do Interior quando se ventilou o caso das juntas militares do norte, e na qual não quiseram aceitar o meu modesto conselho, que era enfiar o Vasco da Gama para o Pôrto, a fim de, numa acção combinada com as fôrças de cavalaria 9 e da guarda republicana e as batarias da Serra do Pilar, contrariar o manejo das juntas. Êste meu conselho não foi escutado. Pois, Sr. Presidente, foi cavalaria 9 e a guarda republicana que restauraram a República no Pôrto.
Depois de restaurada a monarquia no Pôrto ainda preferiram chamar ao mesmo Ministério o representante de D. Manuel, em vez de aceitarem a colaboração do
fundador da República. Mas não façamos agora retaliações. Eu ponho isso de banda. Neste momento cumpre-me apenas saudar a alma heróica do povo português, essa aluía heróica que permitiu que algumas fôrças que estavam comprometidas na revolta se colocassem depois ao lado da República ou ficassem neutras, permitindo-nos assim organizar a defesa e ir até à vitória. Saúdo tambêm daqui êsse Govêrno que conseguiu estabelecer a harmonia entre a família republicana, sem a qual não seria fácil a vitória. Saúdo tambêm as fôrças de terra e mar que, com a sua dedicação pela República, conseguiram levar de vencida quási até as portas do Pôrto os rebeldes, e peço a V. Exa. que, haja ou não o número de Senadores presentes para deliberações, o Senado se manifeste mais eloquentemente do que por simples discursos: por uma manifestação de alegria e de solidariedade saia hoje desta sala. Por isso vou mandar para a Mesa a seguinte moção:
«O Senado saúda o povo português, o exército de terra e mar e o Govêrno da República, que, numa conjugação de esforços e de inegualável energia e civismo, salvaram e consolidaram o regime para todo o sempre, e com êle as liberdades pátrias e o futuro da nacionalidade. E, em sinal de regozijo, resolve encerrar a sessão, depois de terem usado da palavra todos os Srs. Senadores inscritos.— Machado Santos».
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O Orador: — Sr. Presidente: depois do que acabei de ler eu escuso de acrescentar mais uma única palavra. Estou certo de que todos os peitos dos Senadores presentes — o único de quem nós poderíamos duvidar já saiu da sala - me acompanham nesta ordem de ideas. Viva a República!
Vozes: — Viva!
O orador na o reviu.
O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente: como Senador pelas Belas-Artes, eu acompanho, nas suas saudações ao Pôrto, o ilustre Senador Sr. Jorge Guimarães, e congratulo-me com o Senado e com o Go-
Página 6
6 Diário doa Sessões do Senado
vêrno pela vitória das instituições republicanas.
Sr. Presidente: o culto da arte è impossível sem a permanência da ordem, e a ordem é hoje, em Portugal, inseparável da República. Se a data de 5 de Outubro é a data da República proclamada, a data de 13 de Fevereiro é a da República, imortal.
Por isso eu desejo saudar aqui não só aqueles que se bateram brandindo as armas, mas tambêm aqueles que se bateram espalhando ideas. Refiro-me à imprensa de Lisboa que, nestes dias de angústia para a alma republicana, soube, levantando o espírito popular, prestar um alto serviço à República e ao país.
Proponho, Sr. Presidente, que na acta fique exarado um voto de saudação do Senado aos jornais e aos jornalistas republicanos.
Tenho dito.
O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: associo-me sinceramente à manifestação de Câmara com relação à proposta do ilustre Senador Sr. Machado Santos — para a qual tem S. Exa., autoridade de fundador da República — saudando a alma heróica do povo português.
Eu, Sr. Presidente, quando digo que devemos saudar a alma heróica do povo português, lembro tambêm aqueles que falam a essa alma: os que trabalham na imprensa. E, neste momento, é bem recordar que nunca em Portugal se poderiam realizar prepotências oligárquicas, ou individuais.
Todos sabem o que através dos; tempos se tem passado em Portugal, quanto h independência popular, porque a nossa história é uma história que a todos interessa paírióticainente.
O nosso povo é a dignificação de Estado português, desde sempre. Não foi qualquer grande feudal que nos faz viver, desde os tempos de Afonso Henriques. Em Portugal, a não ser no século XVII, em que se estabeleceu um poder central, quem governou sempre foi o povo.
A nossa existência é de carácter republicano.
Nós formamos a nacionalidade portuguesa pelo esforço popular, e honra ao povo que assim se constitui!
Não foram jamais 03 senhores feudais que em Portugal dominaram. O domínio feudal é entre nós quási nulo, e, através da nossa história, o domínio senhoril passou sempre como um factor mínimo.
Dias houve em Portugal em que, parecendo haver uma dinastia reinante, outra cousa não existiu senão um presidente da republica. Todos se recordam que o povo português, ainda antes da doutrina de soberania, popular de Febo Moniz, se reservou sempre o direito do escolher orei, ou Chefe de Estado que melhor lhe aprouvesse, e êsse povo fez sempre saber ao rei da sua delegação, que o rei satisfaria as indicações do povo: Se não, não!
E assim é, Sr. Presidente, que mais tarde, quando a Espanha nos quiz dominar quem é que libertou Portugal? E alguma classe do feudais? E alguma classe de aristocratas ou teocratas? Nem a aristocracia, nem a teocracia o fizeram. E alma do povo, simbolizada na espada de Nuno Álvares, que proclama D. João I rei de Portugal. E a soberania popular elegendo o chefe da República.
Não estamos, portanto, Sr. Presidente, a fazer a glorificação dum acto esporádico. A nossa história sai do ardor do peito lusitano. E assim é que a nossa estrutura étnica se vai afirmando sempre.
É o povo que em Évora, depois do domínio castelhano de sessenta anos, começa a levantar Portugal.
E continua a nossa história e continua o po\o português a ser bastante para si e só somos pequenos quando temos de nos próprio; sujeitar a oligarquias.
Mas as oligarquias e os prepotentes e tiranos são entre nós efémeros porque sempre o povo os elimina com energia e facilidade.
No século XVII Portugal tambêm adoptou a centralização, política e administrativa, nessa época em que o absolutismo predominou em toda a Europa; tambêm tivemos o poder absoluto o cesarismo, mas bem depressa se viu que o povo português se revoltou contra o regime cesárico, e em 1820, os homens que se revoltam contra o absolutismo são filhos do povo.
E vêem do Pôrto para Lisboa. Aqui escreveu uma das páginas* mais belas da nossa história, embora os inovadores não tivessem sequência eficaz.
Página 7
Sessão de 14 de Fevereiro de 1919 7
E ainda no século XIX, pela revolta da Maria da Fonte e outras agitações revolucionárias, é ainda neste momento o povo português, que tam mal dirigido tem sido, é ainda agora êsse povo quem soube dar o exemplo do seu alto valor, do seu patriotismo. É sempre a alma popular a manifestar-se digna da sua grandeza histórica, é realmente o povo da nossa época que continua a não se desdizer do passado.
Neste momento o celebrar a glória da República o mesmo é que celebrar a glória do povo português.
Por isso, quando defendemos as instituições nós sentimos a vitória, o predomínio do povo. E sempre o povo que trabalha nos campos e nas oficinas quem defende os nossos interêsses. Nem há interêsses legítimos que não se baseiem nos interêsses do povo trabalhador.
Se depois da vitória alguém chegar a invocar a sua supremacia, homem, classe, ou facção, eu direi que ninguêm tem o direito de se arvorar preponderância; se alguém pretender dizer que foi um herói eu direi que foi um português como todos. Heróico é o povo português, e mal irão aqueles que pretendam aproveitar-se do valor popular para engrandecimento, vantagem ou poder próprio.
Criar uma classe para dominar, uma classe à qual o povo pague para depois o tiranizar, isso não! Contra tal tentativa protestarei eu sempre; e bem fez o Sr. Machado Santos, o fundador da República, confessando que foi o povo quem fez a República. Foi S. Exa. que o afirmou; e a República deixaria realmente de existir no dia em que não fôsse da pátria, que de nós todos é. Nesse dia a República seria estrangulada. Não seria uma República, para ser uma intolerável tirania.
Eu sou, Sr. Presidente, pela República, pela república democrática, honesta, saída da alma popular desinteressada.
Desde que a República deixasse de ser assim — democrática e honesta, — nós estrangularíamos a República. E é necessário que a pátria viva! (Apoiados gerais).
O Sr. Arnaud Furtado: - A retirada inesperada dum dos membros desta Câmara forçou-me a pedir a palavra, embora eu tencionasse dizer alguma cousa sôbre a consagração dêste momento.
Sr. Presidente: perante as consciências bem formadas não há vitórias nas lutas entre irmãos. Mas deixou de haver, neste momento, uma vitória no Pôrto? Não deixou. Eu quero aplaudir e vitoriar o triunfo da lialdade sôbre a hipocrisia e a traição. Detesto ambas; quer venham envoltas numa roupeta, ou numa bandeira.
O que acaba de suceder é mais uma dura lição dos factos e como tal devemos tomá-la.
Os regimes implantam-se por meio de revoluções, mas só se consolidam e se tornam estimáveis em virtude duma honesta administração. E honestas administrações são aquelas que realmente o são.
Quero, como republicano—porque realmente o sou, e duma só fé — vitoriar a República. Mas fá-lo hei levantando primeiro um viva à Pátria! Porque neste viva envolvo as instituições vigentes, que eu considero indestrutivelmente ligadas à independência da nação.
Viva a Pátria Portuguesa!
Toda a Câmara: — Viva! Viva!
O Sr. Afonso de Melo: — Sr. Presidente: como Ministro especialmente visado pela má -vontade daqueles que acabam de ser vencidos no Pôrto, podia deixar-me sugestionar por um sentimento de desforço, que seria natural, mas em todo o caso não seria próprio de mim mesmo.
Neste momento não quero falar da minha pessoa,c não quero evocar a minha passada situação de Ministro da Justiça, nem o que possa representar na política da República. Neste momento desapareça tudo isso do meu espírito.
Falo como representante, único presente, da agricultura, da classe que mais numerosos representantes tem nesta casa do Parlamento.
Tenho o dever de dizer à Câmara que essa classe deseja a paz, que só quere viver era paz dentro duma pátria feliz, trabalhadora e próspera; que essa classe é, portanto, das que mais se regozijam com que tenha definitivamente acabado esta terrível e tremenda luta que se travou entre irmãos da mesma pátria.
Vozes: — Muito bem.
Página 8
8 Diário doa Sessões do Senado
Foi, sobretudo, com os votos dos sindicatos agrícolas das terras do norte que vim trazido ao Senado; foi ali, naquelas terras, que a Natureza fez risonhas e fecundas, que se travaram os combates de que temos ainda imperfeito conheci mento.
Mas, Sr. Presidente, é preciso frisar que tais lutas não significam que as terras do norte prezem menos o regime do que as do sul.
Conheço bem o norte: é dividido em duas camadas sobrepostas: os fidalgos — neo-fidalgos e pseudo-fidalgos - e o povo. Ali ainda se não fez o amálgama democrático que se realizou noutros pontos do país, vivendo alguns ainda ligados à idea do passado, que são velharias respeitáveis, mas dum anacronismo lamentável. A grande massa, o povo. já não se preocupava com essa questão do regime monárquico que, desgraçadamente, nos trouxe à situação que acabamos de ver liquidada pela forca das armas.
Ah! Sr. Presidente, deixem que o povo do norte, mesmo o das regiões que passam por mais reaccionárias, amanhe em sossego a sua terra, vá fazer o seu negócio às suas feiras e festejo, tam pagãmente quanto lhe está na índole, os santos da sua devoção, e êle será um povo feliz, pouco lhe importando as cores azul e branca duma bandeira que a seus olhos, criminosamente, vem de agitar-se como um símbolo de rebeldia!
Em Viseu, a capital do meu distrito, bastou um número do jornal O Século para dar conhecimento ao povo da que lhe tinham, mentido, dizendo-lhe que a monarquia estava proclamada não só no Pôrto, como em Coimbra e Lisboa. Pois bastou essa leitura do Século parti, que, sem combate, sem aguardar mesmo a chegada das tropas republicanas, a bandeira verde-rubra voltasse a hastear-se na frontaria dos edifícios públicos. Bem vê V. Exa. e a Câmara que fraco lugar a monarquia tinha conquistado no coração daquela boa gente!
Falando, pois, em nome da classe agrícola, falando em nome do povo essencialmente agrícola, posse afirmar com plena convicção que nos povoados do norte e na heróica cidade do Pôrto há-de haver regozijo e entusiasmo, nesta hora, que é de triunfo, e é tambêm, de paz.
Faço votos para que, duma vez para sempre, sob a égide da República, possamos viver numa Pátria verdadeiramente feliz!
O Sr. Castro Lopes: — Quando usei da palavra há pouco supus que não haveria hoje número para tomar deliberações, o que fácilmente se justificava pelas notícias dos jornais de que seria hoje feriado. Se assim não fôsse, eu teria mandado para a Mesa uma proposta de saudação às nossas fôrças de terra e mar que souberam de novo implantar a República no Pôrto.
Em nome da maioria desta Câmara proponho que seja por aclamação que se vote a proposta do Sr. Machado Santos.
E aprovada por aclamação.
O Sr. Adães Bermudes: — Associo-me, de todo o coração, às congratulações de S. Exa. e do Senado, assim como à exultação de todo o país pelo fracasso da última tentativa de restauração monárquica, que encerra definitivamente o ciclo dessas criminosas aventuras.
Faço os mais ardentes votos para que, de ora em diante, todos os portugueses, unidos em volta da gloriosa bandeira da República, ponham de parte as suas dissenções, que têm sido habilmente fomentadas e traiçoeiramente exploradas pelos inimigos do regime e que só têm servido para enfraquecer e arruinar o país, paralisando o seu normal desenvolvimento, e para que na paz, no trabalho e no estudo nos consagremos, todos, a prover ao bem geral, ao ideal comum e ao engrandecimento da Pátria unida, livre e solidária dentro da República.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Em vista da aprovação da proposta, vou levantar a sessão. Grandes aplausos e vivas à República, por todos correspondidos.
O Sr. Presidente: — Amanhã é dia destinado a trabalhos de comissões.
A próxima sessão será na segunda feira, com a mesma ordem do dia. Está levantada a sessão. Eram 15 horas e 50 minutos.
O REDACTOR — Alberto Bramão.