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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO N.º 25

EM 17 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. João José da Silva

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Guilherme Martins Alves

Sumário.— Abre a sessão estando presentes 19 Srs. Senadores. Procede-se à leitura da acta, que é aprovada, depois de haver o Sr. Senador João José da Costa aprovado em nome do comércio as manifestações, feitas na anterior sessão, ao heroísmo da população do Pôrto, requerendo que se exare na acta esta sua declararão, o que foi aprovado.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Machado Santos apresenta um projecto de lei da autoria do Sr. Armando Furtado e refere-se a três projectos de lei que em tempo enviou para a Mesa.

O Sr. Castro Lopes justifica largamente um projecto de lei sôbre o julgamento por abuso de liberdade de imprensa.

O Sr. João José da Costa chama a atenção do Govêrno para a falsificação de vários géneros alimentícios nomeadamente manteiga e leite, acusando êste, por virtude de análises feitas, mistura de micção Apresenta as análises.

O Sr. Baptista Ramires alude ao projecto de lei que enviou para a Mesa, cuja urgência é manifesta. Refere-se ao pedido dum adiantamento (40.000$) para a Junta de Angra de Heroísmo.

O Sr. José Júlio César solicita a atenção do Govêrno para a falta de géneros em Viseu e roubos nos caminhos de ferro. Condena os açambarçadores e falsificadores, citando o que se faz em França, onde são castigados severamente Lembra tambêm a necessidade inadiável dum código administrativo.

O Sr. João José da Silva alude ao Orçamento Geral do Estado e pede providências para a forma intolerável como em Lisboa se fazem os serviços telefónicos.

Ordem do dia (continuação da discussão da proposta de lei do Sr. Ministro dos Abastecimentos sôbre Uberdade de comércio e tipos de pão). — Falam os Srs. Ministro dos Abastecimentos, Adães Bermudes e Paula Nogueira Esgotada a inscrição e posta à votação a proposta de lei foi aprovada na generalidade e na especialidade, depois de o Sr. Castro Lopes ter enviado para a Mesa uma moção exprimindo que a Câmara concorda com as explicações do Sr. Ministro, e que foi aprovado.

Seguidamente o Sr. Presidente encerra a sessão.

Senhores Senadores presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alfredo da Silva.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Artur Jorge Guimarães.

Carlos Frederico do Castro Pereira Lopes.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Francisco Nogueira de Brito.

Francisco Vicente Ramos.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Couraça.

João da Costa Mealha.

João José da Costa.

João José da Silva.

João Lopes Carneiro de Moura.

João Viegas do Paula Nogueira.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Júlio César.

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José Maria Queiroz Veloso.

José Tavares de Araújo e Castro.

Luís Caetano Pereira.

Luís Xavier da Gama.

Tiago César de Moreira Sales.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Xavier Cordeiro.

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.

Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.

Alberto Correia Pinto de Almeida.

Alberto Osório de Castro.

Alfredo Monteiro de Carvalho.

António Augusto Cerqueira.

António de Bettencourt Rodrigues.

António Maria de Oliveira Belo.

António da Silva Pais.

Cristiano Magalhães.

Domingos Pinto Coelho.

Duarte Leite Pereira da Silva.

Eduardo Ernesto de Faria.

Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco Martins de Oliveira Santos.

João Rodrigues Ribeiro.

João de Sousa Tavares.

José António de Oliveira Soares.

José Freire de Serpa Leitão Pimentel.

José Joaquim Ferreira.

José Marques Pereira Barata.

José Novais da Cunha.

José Ribeiro Cardoso.

José dos Santos Pereira Jardim.

Júlio de Campos Melo e Matos.

Júlio Dantas.

Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Luís Firmino de Oliveira.

Manuel Homem de Mele da Câmara (Conde de Águeda).

Manuel Jorge Forbes de Bossa.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Pedro Ferreira dos Santos.

Sebastião Maria de Sampaio.

Severiano José da Silva.

Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 19 Srs. Senadores. Vai ler-se a acta. Leu-se.

O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra considera-se aprovada.

O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e à Câmara que lamento profundamente o não ter estado presente à última sessão, mas se o fiz foi tam somente devido a julgar que tendo sido anunciado feriado nacional, não haveria sessão.

Se tivesse estado presente, Sr. Presidente, não deixaria de me ter associado às manifestações aqui feitas; e da melhor vontade votaria a moção aqui apresentada pelo ilustre Senador o Sr. Machado Santos.

Assim, peço a V. Exa., Sr. Presidente, o obséquio de fazer exarar na acta da sessão de hoje estas rainhas declarações.

Razão tive eu, Sr. Presidente, quando aqui disse que o povo estava ao lado das instituições. Não me enganei.

O que eu vejo, Sr. Presidente, é que a cidade do Pôrto quis inverter os algarismos 1 por 3, e assim, tendo feito a revolução de 31 de Janeiro, fez agora a revolução de 13 de Fevereiro, mostrando por esta forma mais uma vez o seu amor pela República e fazendo desaparecer da nossa história a página fatídica de 13 de Fevereiro de 1896 pela gloriosa data de 13 do Fevereiro de 1919.

Sr. Presidente: lastimo, repito, não ter estado presente à última sessão, pois, como já disse, se a ela tivesse assistido, não teria deixado de me associar às manifestações que aqui se fizeram.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Vai dar-se conta Expediente

Expediente

Pedidos de licença

Do Sr. Senador Severiano José da Silva, pedindo licença para se ausentar de Lisboa.

Concedida.

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Projecto de lei

Do Sr. Senador Baptista Ramires, adiantando à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo a quantia de 40.UOO&, destinada a fazer face às despegas com os serviços a seu cargo.

Para a comissão de administração pública.

Parecer

Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 31, relativo à dispensa do pagamento da contribuição do registo, quer por título oneroso, quer por titulo gratuito, a favor de estabelecimentos de beneficência.

Para a comissão de finanças.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à inscrição para

Antes da ordem do dia

O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: pedi a palavra, por parte da comissão de administração pública, a fim de mandar para a Mesa um projecto da autoria do nosso colega o Sr. Germano Arnaud Furtado.

O Sr. Castro Lopes: — Liquidada a aventura criminosa do norte, que infelizmente ainda durou alguns dias, e serenados os espíritos daqueles que, apesar da sua fé republicana, se viram, na eminência duma guerra civil, pois que êles, com essa criminosa aventura, repito, deixaram de ser portugueses, necessário é que todos nós trabalhemos, com verdadeiro amor, a bem da nossa Pátria, e assim possamos dar a impressão lá fora que o país quer progredir.

Depois de uma luta extraordinária, essa peleja assombrosa, que acabou com o armistício em que as modificações em todas as nacionalidades vão ser enormes, é preciso que todos nós, em harmonia com aquele compromisso que tomámos, nos. conservemos fora das questões políticas e trabalhemos com vontade de acertar.

Sr. Presidente: parece que o princípio da dissolução vai ser introduzido na Constituição, dizendo-se que vai ser muito brevemente presente à Câmara dos Deputados. Sendo assim, como eu creio, emquanto o projecto não vem a esta Câmara, nós devemos trabalhar com ponderação em outros problemas da administração pública.

Sr. Presidente: eu que há vinte e seis anos me dediquei abertamente h causa da justiça, que tenho envelhecido no exercício do meu magistério, tenho observado as dificuldades com que se tem lutado, refiro-me à instituição legítima — o júri — e que é principalmente a mais bela concepção da justiça social, o júri, repito, pela forma como tem sido organizado, como tem sido feito o seu recenseamento não tem dado os resultados que era de esperar.

No exercício do magistério tenho visto que todos os meses em que há audiências de júri é forçoso o adiamento precisamente por não poder funcionar à falta dos indivíduos marcados nas pautas.

Passam os dias 5, 6, 17 e 20. Pois apesar de duas pautas suplementares não se realiza a audiência por falta de júri.

Adia-se o julgamento e, às vezes, sucede que aquele que vem responder já tem sofrido maior pena do que aquela que lhe competia pelo tempo que esteve de prisão preventiva.

Isto pode ser? Isto admite-se?

Ás vezes as resoluções dos júris são de tal ordem que a iniquidade e tremenda.

Eu tenho uma admiração extraordinária pela imprensa do meu país.

Fui eu o primeiro a fazer considerações no Senado, num discurso que proferi nesta Câmara — discurso, não, porque conheço a deficiência dos meus recursos que me condenam à obscuridade — numas observações singelas ditadas por uma grande sinceridade pedindo num requerimento, que considerava importantíssimo, para que fossem verberadas as violências de que foram vítimas alguns jornais do Pôrto.

Entendo, Sr. Presidente, que a liberdade de imprensa se deve exercer com todo o desassombro; mas, quando os seus artigos tenham de ser submetidos a uma apreciação, que haja um júri que saiba devidamente apreciá-los; no emtanto, nota-se que alguns indivíduos, membros do júri, encarregado de fazer essa apreciação, nem sequer sabiam fazer a assinatura!

Como poderiam êsses indivíduos apreciar uma doutrina elevada que por ventura se defendesse nesses jornais?

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E necessário que o júri seja ilustrado de forma a poder compreender essas doutrinas e produzir um veredictum que corresponda à nobreza da instituição.

Tenho observado que, quando se faz uma lei, a maior parte das vezes se trata logo do ver qual é a forma de a sofismar, introduziu-se na lei a instituição do júri mixto, mas há perto de vi ate anos nunca vi requerer êsse júri com o fundamento determinado na lei, mas sim para fazer adiar os julgamentos.

Ora isto não pode ser.

E, nesta ordem de ideas e para não tomar mais tempo à Câmara, eu tenho a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei que tem por fim remediar êstes inconvenientes, que só prejudicam e desprestigiam a Justiça.

Pela minha parte cumpro assim o mandato de Senador que me confiaram.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. João da José Costa: — Sr. Presidente: quando há dias aqui me referi à questão da alimentação pública, julguei que a nossa imprensa tornasse conhecido êsse assunto. Nossa ocasião eu entreguei ao Sr. Ministro dos Abastecimentos as análises que mandei fazer ao leite, que continha urina, e à. manteiga, que continha 35 por cento de água; análises essas em que o Instituto Central de Higiene terminava por,considerar êsses géneros falsificados.

Agora aparece no mercado açúcar, que mais parece areia.

Isto, Sr. Presidente, não é açúcar que se venda num mercado como é Lisboa.

O orador apresenta à Câmara uma amostra do açúcar.

Dá-se tambêm o caso de que os merceeiros, quando requisitam às fábricas certa quantidade de açúcar, lhe respondem que só vendem dez sacas de açúcar comum a quem comprar cinco do branco, cujo preço, para o vender, é de $90. Aqui temos nós um monopólio.

Por conseguinte, por muito boa vontade que o Sr. Ministro dos Abastecimentos tenha em conceder a liberdade do comércio, ainda há muitos comerciantes que precisam da tutela do Estado.

Ora vejam V. Exas. se isto é açúcar que se venda ao público.

De novo o orador apresenta a amostra de açúcar, que é vista por muitos dos Srs. Senadores.

Porque será então que o Sr. Ministro não providencia, como é indispensável?

Referindo-me a outro assunto, devo dizer que muitos Senadores dizem, e com razão, que se pedem documentos pelos diversos Ministérios que quási nunca se recebem.

Isto, como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, é uma verdade.

O Sr. Machado Santos (interrompendo): — V. Exa. pelo que vejo, pediu uns informes por um Ministério e queixa-se de que ainda até hoje lhos não deram.

V. Exa. esquece-se de que os membros do Govêrno de então eram todos adversários irredutíveis do Parlamento.

O Orador: — É o que se vê...

V. Exa., Sr. Presidente, sabe-me dizer se já se deu despacho a uns esclarecimentos que eu pedi pelo Ministério dos Abastecimentos?

O Sr. Presidente: - Nada me consta a tal respeito.

O Orador: - Vejam V. Exas...

Sr. Presidente: mandou-se proceder a unir sindicância no Ministério dos Abastecimentos, cujo resultado ainda até hoje não apareceu. E a sou um dos atingidos nessa sindicância; peço documentos, não mós enviam.

Ora isto, não pode ser! Se há culpados, que se castiguem; se os não há, que se diga claramente.

Para elucidar a Câmara, eu desejava ler um documento que possuo, assinado pelo Sr. Sousa Monteiro. Refere-se a uma proposta que se fez ao Ministro de então.

Ora quando o Sr. Sidónio Pais foi à Alfândega, nessa ocasião fez se saber pelos jornais que na Alfândega existia uma grande quantidade de açúcar, o que não era verdadeiro.

O Sr. Machado Santos, quando era Ministro dos Abastecimentos, tinha requisitado à sua ordem todo o açúcar.

Quis fazer-se ver, pois, ao país, uma coisa que não era verdadeira.

O açúcar em questão existia na Alfândega desde 1918 e estava consignado ao Pôrto.

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Houve um tempo, Sr. Presidente, em que se procurava escurecer tudo. E, assim, quando me foram dados quinze dias de licença, sem que os tivesse pedido, dizia-se-me, esfregando as mãos, que «já se me tinham arranjado mais quinze dias de licença».

Eu ainda não pode conseguir, Sr. Presidente, que, desde Junho até esta data, se fizesse a sindicância.

No tempo do Sr. Cruz de Azevedo não se andou mais.

Até agora continua tudo na mesma. O Sr. Manuel Bravo, um dos sindicantes, e a quem encontrei, chegou-me mesmo a dizer que «se andava a apoquentar o Ministro por causa da sindicância, era escusado, porque ela ainda levava mais uns dias».

V. Exas. estão a ver que, no tempo em que estava nas mãos de certas entidades o Ministério, dos Abastecimentos, todas adversas à República, só se fazia o jôgo dos monárquico no tempo do Sr. Machado Santos, para render o meu maior elogio, nada disso era assim, e por isso foi a causa principal, nos obstáculos constantes, que obrigou S. Exa. a sair do Ministério, bem como o director geral. Sr. José Francisco da Silva, que declarou ser o meu assunto tambêm uma das razões que o obrigou a pedir a sua demissão por considerar ilegal.

Era assunto que devia ter sido tratado a seguir ao Sr. Machado Santos, quando da interpelação ao Sr. Ministro dos Abastecimentos.

Não tinha então documentos e gosto de argumentar apenas com provas para que ninguêm possa contrariar o que digo.

Mas fala-se na dissolução do Parlamento. Fechará ou não, mas não quero ser acusado de não ter levantado a minha voz sôbre êste assunto.

Portanto, peço a V. Exa. para transmitir ao Sr. Ministro dos Abastecimentos o meu desagravo.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Presidente: — Acho absolutamente justas as reclamações de V. Exa. sôbre o Ministério dos Abastecimentos. (Apoiados).

Quanto aos documentos pedidos por V. Exa., entendo que, efectivamente, de
nada valêm acusações abstractas que não têm solução do continuidade.

Nestas condições, vou pela respectiva Secretaria insistir junto do Sr. Ministro dos Abastecimentos sôbre o assunto.

O Sr. Baptista Ramires: —Mandei para a Mesa numa das sessões passadas um projecto de lei para o qual pedi urgência e dispensa do Regimento, que não se votou por não haver número.

Urgente ora o projecto, e peço a V. Exa. para lho dar andamento na ordem em que estiver.

Refere-se a assunto importante de administração pública, e até mesmo, como mostrei nessa sessão, a um assunto de moralidade, que é a aspiração mais forte e clara do espírito republicano.

Abstenho-me. pois de neste momento fazer considerações sobre o assunto, pedindo a V. Exa. ponha a votação a urgência e dispensa do Regimento, por que tem toda a oportunidade.

O Sr. Machado Santos: — Em várias sessões desta legislatura mandei para a Mesa variados projectos, e até hoje não me consta que as comissões tenham dado sôbre de os respectivos pareceres.

Comecei por mandar para a Mesa um projecto de regulamentação do jôgo, já lá vão três meses ou mais.

Enviei para a Mesa um projecto sôbre oficiais milicianos.

As condições políticas mudaram muito, e êsse projecto precisava de ser alterado.

Outro sôbre a modificação dalguns serviços públicos. Por fim mandei um acêrca da defesa da República, que dizia respeito à perda de mandato dos Deputados e Senadores que pertenciam ao partido em armas contra a República.

Muitos oficiais há que se haviam conservado neutros sem se terem mostrado hostis à República.

A urgência foi concedida, e vão passados muitos dias sem ter aparecido em assunto para discussão.

Peço a V. Exa. para instar junto das comissões, para apresentarem os seus pareceres no mais breve tempo possível, e assim estando no ânimo de todos fazer-se uma obra verdadeiramente republicana, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, que

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faça cem que essas comissões dêem os; seus pareceres a fim de serem devidamente apreciados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Pede V. Exa. s estar certo de que não deixarei de transmitir às comissões as considerações que V. Exa. acaba de fazer.

O Sr. José Júlio César: — Sr. Presidente: sinto bastante que não esteja presente o Sr. Ministro dos Abastecimentos, pois desejava fazer algumas considerações na presença de S. Exa.

Como não se encontra presente, nem qualquer outro membro do Ministério, que vem primando pela sua ausência nesta casa, peço para, por intermédio de V. Exa. transmitir, a quem de direito, as considerações que vou fazer.

Em primeiro lugar desejo referir-me ao mau serviço de transportes por parte dos caminhos de ferro, hoje agravado, em grande parte, devido aos desgraçados acontecimentos do norte pois terras há onde existe verdadeira fome, devido à falta enorme de transportes, como por exemplo na Beira Alta e Viseu, tornando-se, portanto, absolutamente necessário pôr cobro a êste grave estado de cousas.

For Viseu têm passado nos últimos dias milhares de soldados, e se a situação com respeito a géneros de primeira necessidade já não era boa antes disso, muito se agravou agora com as requisições de milho e outros géneros feitas pelo quartel general.

Alêm disto, é absolutamente necessário pôr cobro aos constantes furtos que se dão nas remessas que se despacham pelo caminho de ferro, sendo constantes as reclamações por faltas havidas.

Eu cevo dizer à Câmara que desce Setembro a Dezembro já me vi obrigado a fazer, como director do celeiro de Viseu, cinco reclamações aos caminhos de ferro por faldas havidas.

Ora veja V. Exa.:

Numa remessa de um vagão com açúcar, faltaram nada menos de quinze sacos; numa outra dum vagão com arroz, e numa outra de açúcar faltaram duas sacas; numa remessa de grão de bico, duas sacas. E tudo isto não contando com as muitas sacas que chegam arrombadas, e com faltas que vão de cinco a dez, quinze, trinta quilogramas, e mais.

Isto é absolutamente impossível. É necessário pôr cobro a tam lastimável situação.

O Sr. Machado Santos (interrompendo): — Eu cevo dizer a V. Exa. que todos êsses inconvenientes se poderiam ter remediado se se tivesse adoptado o regulamento ferroviário que eu tive ocasião de fazer quando tive a honra de gerir a pasta das Subsistências e Transportes.

O Orador: — Foi realmente pena que tal se não tivesse feito para evitar êstes casos que são verdadeiramente criminosos e altamente prejudiciais.

As? faltas e as reclamações são constantes e não há forma de se resolverem breve. Andamos do repartição para repartição, de direcção para direcção, sobretudo em casos que correm por duas ou três linhas, e em que somos forçados a andar de companhia para companhia, desculpando-se umas com as outras, dizendo a primeira que a responsabilidade é da segunda, esta que é da terceira, etc., sem que se obtenha uma resposta.

Há meses que se caminha para a Direcção dos Caminhos de Ferro para ordenarem o pagamento de determinadas quantias ou restituírem as mercadorias que no caminho de ferro desapareceram, e até agora nem dinheiro nem as mercadorias.

Eu devo dizer que tenho o maior respeito pela classe ferroviária, que na sua maioria ou quási totalidade é composta de gente honrada, mas, se há algumas excepções, essa meia dúzia ou dúzias de indivíduos que sejam castigados; é preciso que se proceda a averiguações rigorosas, porque não pode uma classe inteira estar sujeita à responsabilidade e a arcar com acusações que só a uma mínima parte pertencem.

Portanto é indispensável que o Govêrno tem em consideração êste assunto.

O que se tem dado nos caminhos de ferre, dá-se tambêm no pôrto de Lisboa, onde se tem sucedido os roubos e importantes, conforme tenho visto nos jornais, sem que a polícia, a guarda fiscal ou qualquer outra autoridade lhe ponha cobro.

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Sr. Presidente: eu queria ainda referir-me a outros assuntos, e já agora, mesmo s^m a presença de qualquer membro do Govêrno, vou aproveitar a ocasião de estar com a palavra, para me referir aos preços por que se estão vendendo os géneros de primeira necessidade.

Eu julguei, quando se assinou o armistício com a Alemanha, e quando divisamos não muito longe a almejada paz, que os preços dos géneros teriam uma baixa, senão para o estado normal, pelo menos de 20 ou 30 por cento, mas o que temos visto é que, em vez de baixa, em muitos géneros tem havido aumento sem que haja razão alguma para isso, porquanto os comerciantes, os produtores e industriais que durante a guerra fizeram lucros fabulosos, chegando a reùnir-se semanal e quinzenalmente, (os comerciantes, pelo menos) para combinarem os aumentos às mercadorias, bem podiam contentar-se agora com um lucro honesto e dar ao consumidor os géneros e fazendas por um preço mais razoável.

Em França parece que estão a fazer mais ou menos a mesma cousa.

Os comerciantes açambarcadores e especuladores trataram de elevar o preço do pão e doutros géneros de primeira necessidade.

O Govêrno Francês em uma reunião do Conselho de Ministros efectuada na primeira semana dêste mês resolveu que os processos relativos a falsificadores, açambarcadores e a quem quer que por qualquer forma ilícita contribuísse para o aumento dos géneros fôssem julgados por um tribunal marcial porque de outra maneira não se podia pôr cobro a tanta e tam desenfreada roubalheira. Pois o Parlamento sancionou logo essa deliberação, modificando a proposta ministerial para que todos êsses crimes fossem julgados por juiz singular, em processo sumaríssimo.

Nós, Sr. Presidente, talvez ainda estejamos pior do que estava o povo francês.

Se o Govêrno se não considera habilitado com meios suficientes para reprimir os abusos, os roubos e os crimes que se estão dando, que venha ao Parlamento, que êste não lhe negará, por certo, os meios de acção necessários.

Sr. Presidente: neste ponto pouco se tem feito e torna-se necessário que o Govêrno encare o problema com a devida atenção.

Para outro ponto eu desejo tambêm chamar a atenção de V. Exa. Como todos sabem, estamos hoje com nada menos de quatro códigos administrativos em vigor, afora uma avalanche de legislação avulsa em vigor, de maneira que ninguêm se entende neste país em tudo quanto respeita a direito administrativo.

O Sr. Machado Santos (interrompendo): — Nesse ponto tenho a minha consciência tranquila, porque fiz todo o possível por regular essa questão.

O Orador: — O ilustre Senador Sr. Machado Santos quando Ministro encarregou os jurisconsultos de comprovado mérito para organizar um projecto de Código Administrativo e trazê-lo ao Parlamento.

Êsses jurisconsultos foram os Srs. Dr. Cardoso de Meneses, ilustre juiz do Supremo Tribunal Administrativo, uma verdadeira autoridade na matéria e o Sr. Dr. Sebastião Tavares Proença, secretário geral do governo civil de Viseu.

É pena que se não tenha publicado um Código Administrativo que nos livre dêsse caos em que andamos, porque assim continua-se numa situação bem desgraçada e degradante.

O Sr. Machado Santos (em aparte): — Existe há muito tempo a anarquia em todos os concelhos.

O Orador: — Não há dúvida. Desejaria que V. Exa., Sr. Presidente, fizesse chegar aos ouvidos do Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior a necessidade absoluta de se publicar breve um Código Administrativo, para o que não é necessário mais que aproveitar o trabalho dessa comissão, modificando-o no que porventura precise, ou outro qualquer em devidos termos, e trazê-lo ao Parlamento para que seja aprovado, e se remedeie esta bem desgraçada situação.

Se porventura se tivesse trazido ao Parlamento êsse ou outro projecto poderia a Câmara tê-lo já discutido e aprovado e produzido, assim, obra útil.

É necessário que esta falta seja remediada no mais curto prazo de tempo. Êste caos na legislação é a prova mais completa da dissolução duma sociedade.

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Peço £, V. Exa. que junto dos respectivos secretários só faça comunicar ao Sr. Ministro que pedi documentos, há já três semanas, e ainda não obtive resposta.

Há outros muito importantes, um dos quais diz respeito a caminhos de ferro, e desejava obter as respostas, por causa dum trabalho que tenho entre mãos.

Para não cansar a atenção da Câmara não apresentarei mais considerações, o que faria se o Govêrno estivesse presente, para, em duas palavras, mostrar qual a orientação que entendo deveria o Govêrno seguir na actual conjuntura.

Marchar para a frente, trabalhar com a maior boa vontade, empregar os seus esforços para se fazer obra produtiva.

Para a frente sem violências que deslustrem, nas tambêm sem transigências que rebaixem ou comprometam (Apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Sr. João José da Silva: — Ando muito desmemoriado, Sr. Presidente, talvez em razão da minha idade, e por isso sou algumas vezes remisso na efectivação dos meus direitos, embora nunca me esqueça o cumprimento de meus deveres.

Sr. Presidente: as considerações expendidas pele meu colega Sr. Severiano da Silva, na sessão anterior, acêrca de despesas públicas excesssivas, despertaram--me a curiosidade de saber só o Govêrno cumpriu e dever que lhe impõe a Constituição de apresentar na Câmara dos Deputado o projecto do Orçamento geral das receitas e despesas do Estado, na primeira quinzena do mês de Janeiro.

É provável que já tenho sido feita a remessa para aquela Câmara, mas não me consta que tenha sido ali submetido à discussão, e estamos já em meados de Fevereiro.

A chamada lei de meios, sem discussão nem aprovação do Orçamento era rodas as suas verbas de receita e despia, é, o meu ver, inconstitucional, sem sofismas, uma burla.

A lei fundamental do Estado determina que o projecto de Orçamento seja discutido e aprovado pelo Congresso e não permite que êle seja substituído por uma lei de meios com que os Govêrnos costumam assediar as Câmaras nos últimos dias da sessão a pretexto de necessidade urgente.

O Govêrno teve sempre maioria nas Câmaras e pode empenhar se com essa maioria para que discuta e aprove o Orçamento antes de encerrada a sessão do Congresso.

Não me agrada a fórmula da lei de meios e ainda menos a revivescência dum passado inglório e humilhante para o Poder Legislativo como todos nós sabemos.

Os orçamentos representam muitas vezes um jôgo malabar de cifras e são um alfombre de cordas para os contribuintes e uma seara de louros messes para quem come e não trabalha. E pôsto que eu não seja perito na decifração de enigmas pitorescos, nem versado no exame molitivo de cifras e de cifrantes, se o Orçamento cá vier hei-de recebê-lo com as honras que lhe são devidas e respigar nos capítulos df, receita e despesa todas as verbas que me parecerem desnecessárias, inúteis e pecaminosas; e considero como pecaminosas todas as verbas de despesa que se não justificarem pelos princípios e máximas de economia moralidade pública.

Não me ausentarei do Lisboa, não pretendo alistar-me na legião da conferência da paz, nem consentirei em reptos, ou ratoas parlamentares, como lhe chamou o antigo Deputado vitalício Sr. José de Morais, provando com notável presciência as maravilhas da ortografia moderna a que chamam sónica.

Desolo, pois, que S. Exa. o Sr. Presidente, se digne de transmitir ao Ministro competente a manifestação do meu empenho em que seja discutido e aprovado, com a possível brevidade, o Orçamento das receitas e despesas do Estado para o próximo ano económico.

Desejo agora referir-me ao péssimo e detestável serviço telefónico da cidade te Lisboa, dizendo q no algumas das meninas encarregadas dêsse serviço desatendem muitas vezes o respeitável público, que é quem lhe paga. Não respondem às chamadas.e, quando respondem, erram os números muitas vezes; quando vêem o protestante exasperado cortam a comunicação ou dizem-lhe está impedido ou está avariado. A companhia não tem uma fiscalização suficiente e eficaz, e como se

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trata dum serviço de interêsse público, parece-me que ao Govêrno compete a superintendência superior sôbre êsse serviço e que lhe incumbe providenciar no sentido de estabelecer uma fiscalização sua para que o respeitável público não continui a ser ludibriado por algumas das empregadas do serviço telefónico de Lisboa.

Vozes: — Muito bem.

ORDEM DO DIA

Proposta de lei sôbre liberdade de comércio

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.

Entra na sala o Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro).

Constituição de comissão

O Sr. Carneiro de Moura: — Participo a V. Exa. que está constituída a comissão colonial, sendo eleito presidente o Sr. Senador Machado Santos, e eu, participante, secretário.— Carneiro de Moura.

Para a Secretaria.

Agregados

Por proposta do Sr. Senador Carneiro de Moura foram agregados à comissão de colónias os Srs. Senadores Queiroz Veloso e Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente: - Vai lêr-se novamente a proposta.

Proposta de lei

Artigo 1.° E restabelecida, com a restrição do artigo 4.°, a liberdade de trânsito e de comércio.

Art. 2.° São substituídas as tabelas de preços por outras de preços máximos.

Art. 3.° São criados, a título de experiência, dois tipos de pão de trigo, não sendo o de 2.ª qualidade inferior à qualidade do actual, barateando êste último sem prejuízo das garantias concedidas à lavoura nacional.

Art. 4.° Fica autorizado o Poder Executivo a fixar e regulamentar para cada artigo comercial, por intermédio do Ministério dos Abastecimentos, as restrições provisoriamente necessárias à liberdade do comércio e trânsito.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio Mo Congresso, em 11 de Fevereiro de 1919.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): — Felicito-me por ter provocado êste debate com a minha proposta.

Êle foi de tal maneira interessante que saí daqui plenamente satisfeito.

A minha proposta representa um pensamento que se concretiza em toda ela.

O seu propósito é entregar o comércio aos comerciantes. Ora, para isso se conseguir, preciso é que tenhamos todos os elementos necessários para que essa transição se faça sem sobressaltos.

Com êste intuito redigi essa proposta.

O Sr. Afonso de Melo mandou para a Mesa um projecto de lei que é uma emenda à minha proposta.

Tecnicamente é perfeitíssima. Entretanto sou pela minha proposta, porque ela traduz mais correctamente as minhas intenções.

O Sr. Afonso de Melo: — Desde que o Sr. Ministro diz que a sua proposta possui melhor redacção, para não criar embaraços, declaro que retiro a minha proposta.

O Orador: — Muito obrigado.

Podiam ter suscitado dúvidas a respeito de ter vindo à Câmara esta proposta, mas o Govêrno, mantendo a sua palavra de querer a colaboração do Parlamento, não podia fazer outra cousa.

Sôbre mim recaía uma responsabilidade especial, porque eu, tendo sido francamente parlamentarista, não podia tambêm fazer outra cousa senão trazer ao Parlamento esta proposta, e não me arrependi disso, em face da discussão alevantada que tem havido.

Eu vou dar uma idea ligeira da minha proposta.

Nós, portugueses, somos todos advogados, e não há ninguêm que não interprete um artigo da lei e o altere a seu modo.

Se eu fôsse a estabelecer no artigo 1.° que ficava existindo a liberdade do comércio sem as referências do artigo 4.° todos julgariam que tinham direito a co-

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merciar livremente, sem quaisquer restrições.

Tive, pois, de ligar êstes dois artigos para se saber que existiam certas, restrições na liberdade do comércio.

Quanto aos artigos 2.° e 3.° porventura caberia a sua doutrina nos artigos 3.° e 4.º? É possível.

Mas eu quis estabelecer aqui esta doutrina, que é a de que estas restrições se tem de fazer, quanto a tabelas de preços, perante uma tabela de preços máximos, condição esta essencial para libertar o comércio.

Sôbre o artigo 3.° eu não necessitava de dizer a V. Exa. porque o consignei. Foi ouvida por V. Exa. a discussão que houve. Sôbre êle se levantaram mais dúvidas e outras tantas dificuldades.

Calculando isso, consignei-o para que ficassem todos percebendo o meu propósito e me aconselhassem.

Não há, portanto, contradição alguma nos artigos.

Em resposta ao Sr. Machado Santos, devo declarar que ninguêm me ofereceu trigo a ò!6. Por êsse preço comprava-o todo.

O Sr. Machado Santos: - (interrompendo): — A informação foi-me dada por pessoa muito chegada a V. Exa.

Até me disse que a oferta era só uma.

O Orador: - Eu compro todo o trigo que me fôr oferecido a êsse, preço.

E aqui estão as declarações que tenho a fazer à Camara.

Ainda em, resposta ao Sr. Machado Santos, cumpre-me dizer que os contratos que encontrei firmados no Ministério dos Abastecimentos não são maus. Sobem a milhares de contos, mas na ocasião em que os meus antecessores os firmaram eram vantajosos para o Estado. As circunstâncias, porêm, mudavam, muito a favor da economia nacional, e foi por isso que não permiti que êsses contratos fôssem agora cumpridos. Era isto que eu desejava manifestar e frisar ao Sr. Macchado Santos.

Sr. Presidente: a liberdade de comércio, e de trânsito está inteiramente ligada à prosperidade do nosso país, e nós não podemos, desde já decretar a liberdade do comércio, por isso que não dispamos dos necessários elementos para que essa liberdade de comércio se possa fazer a contento do todos.

E, a propósito, devo declarar que os dois vapores mais importantes que temos se encontram há tempo em reparações. São: o Ibo, que se encontra, em Inglaterra, e o Goa, que está em New-York, calculando eu que essas reparações estejam prontas no fim do corrente mês, consoante as informações que tenho.

Disse que pelos Caminhos de Ferro do Estado se tinha mandado activar a aquisição de material circulante e tenho o prazer de comunicar que o conselho de administração trabalha activamente nessa aquisição, tendo eu até uma proposta de uma casa inglesa no sentido de fornecer êsse material, espero apenas que essa proposta siga os termos regulamentares para em seguida empregar todos os esforços a fim do que ela, se realize no mais curto espaço possível.

O Sr. Machado Santos (interrompendo): — Mas, não seria possível que das 5:000 locomotivas que o Govêrno alemão teve de entregar aos aliados algumas dezenas delas viessem para Portugal?

O Orador: — Parece-me que o Govêrno Alemão ainda, não entregou, todas as locomotivas e vapores aos aliados. Apresentarei êsse alvitre ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Alfredo da Silva (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença? Parece-me que de nada servirá, porque as locomotivas não podem trabalhar nas Linhas
portuguesas, visto, estas serem doutro sistema.

O Orador: - Sr. Presidente: para que a experiência me orientasse na realização, de dois tipos de pão ordenei que se fizessem, em Lisboa, depois de se haver feito uma extração de 75 por cento para que o pão de 2.ª qualidade fosse melhorado, pois que para um único tipo, de pão a extracção era de 80 por cento.

No primeiro dia, em que só fez a experiência devo, declarar que o pão de 2.ª sobrou em Lisboa, mas no dia seguinte, faltou, não, porque fosse em quantidade insuficiente, mas, porque houve padarias.

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onde se fabricou o pão antigo, de forma que êste era vendido ao preço de $24, emquanto o outro era ao de $20. Foi esta a razão.

A experiência dêste dia deixou-me na dúvida sôbre se o abastecimento tinha sido suficiente. Mandei fazer nova experiência com o pão de 2.ª, e fazendo público a todos os padeiros e moageiros que deveriam fabricar o pão conforme as determinações que préviamente tinha dado.

Nesse dia faltou muito pão de 2.ª em Lisboa. Mas, Sr. Presidente, tive logo u explicação no facto das terras limítrofes virem a Lisboa comprar pão, por êste ser mais barato, e por não haver transportes, que nessa ocasião tinham sido requisitados pelo Ministério da Guerra.

Limitei a experiência a Lisboa, faltando pão de 2.ª para o consumo. Isto, com relação ao primeiro dia. No segundo dia, o meu Ministério apreendeu 20:000 quilogramas de pão que iam para fora de Lisboa.

Agora fez-se esta experiência: cinco parte de 2.ª, por uma parte de pão de 1.ª

Pelo primeiro regime eu contava equilibrar o déficit que havia no meu Ministério. Hoje começou a nova experiência.

O Sr. Tiago Sales (interrompendo): — Devo informar V. Exa., para lhe provar a dificuldade que há em fiscalizar o tipo de pão, — que ainda hoje, o pão que eu vi, em número de cinco ou seis, era feito só quási com sêmeas.

O Orador: — Devo declarar a S. Exa. n o seguinte: ainda não tenho a faculdade do intervir para que se fiscalize o pão. Tê-la hei amanhã, se V. Exas. aprovarem a minha proposta.

Acredito na declaração do Sr. Senador Tiago Sales; mas, como disse, não tenho ainda responsabilidade no assunto. Não posso ainda intervir na fiscalização do pão.

Dizendo a lei em vigor que a extracção seja de 80 por cento em tipo único, e empregando o Ministro dos Abastecimentos todos os seus esforços para que essa extracção fôsse rigorosamente feita, parece-me que nada há a dizer.

Alguns Srs. Senadores afirmam, porêm, que essa extracção tem sido mais elevada. Registo as suas declarações.

Sr. Presidente: não é isso motivo para se deixar de fazer o ensaio duma fiscalização eficaz. Não me parece difícil estabelecer uma fiscalização nas padarias. O pão tem de sair das padarias conforme a percentagem da farinha que a elas fôr entregue.

Por cada saco de farinha de 1.ª qualidade cinco de 2.ª. Os pães de 2.ª tem evidentemente de ser em quantidade superior.

Há ainda outro motivo porque eu estabeleci ou desejo estabelecer os dois tipos de pão.

Lisboa é a única cidade do país onde se come um único tipo de pão. Porque tem havido dificuldades de fiscalização e mil e um obstáculos, Lisboa tem comido um único tipo de pão. Alêm disso, os argumentos contra o estabelecimento dos dois tipos tem prevalecido sempre, de forma que, amanhã, quando todo o mundo estabelecer a liberdade de fabrico, nós havemos de continuar com um só tipo de pão, o que não recomenda nada a nossa fiscalização e a nossa administração.

Para que Lisboa não seja uma excepção no país e no mundo, eu quis estabelecer êste ensaio e quero regulamentá-lo. Devo declarar que agora se tem gasto; mais pão de 2.ª em Lisboa do que antes de eu estabelecer os dois tipos.

Temos de encarar o problema como êle é, e não através de aparências.

O meu propósito é melhorar o pão do pobre e barateá-lo à custa do pão do rico. Ora êste é que é o meu intuito. E a verdade é que hoje o pobre come mais pão do que comia e mais barato.

Sei que o problema da liberdade de comércio está intimamente ligado à facilidade dos transportes; todavia não tenho repugnância em estabelecer esta tabela máxima com um preço suficientemente remunerador, porque estou convencido de que quanto mais remunerador fôr o preço mais depressa se barateia o género.

Ora desde que eu consiga, Sr. Presidente, com estas medidas, o fim desejado quer-me parecer absolutamente desnecessário trazer uma nova proposta de lei, porquanto estas garantias são as que constam da lei de 99.

Mas ainda mesmo, Sr. Presidente, que eu quisesse estender essas garantias a

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todos os produtos da lavoura nacional, devo manifestar bem altamente a V. Exa. e à Câmara que não veja o menor inconveniente.

Não desejo, Sr. Presidenta, prender a atenção da Câmara lendo-lhes os artigos que constam do decreto que aqui tenho. No emtanto ponha-os à disposição da Câmara para os poder examinar.

N ao resta, pois, dúvida alguma, Sr. Presidente, de que não há inconveniente em que estas garantias sejam concedidos a outros géneros que não seja o trigo.

Sr. Presidente: eu não posso desde já dizer a V. Exa. quais as restrições que se poderão adoptar para cada género, porquanto essas dependem de muitas e variadas circunstâncias. Mas o que desde já posso dizer à Câmara é que tomei na consideração devida os considerações aqui apresentadas pelo ilustra Senador e Sr. Alfredo da Silva, assim como estou pronto a ouvir todas as pessoas que no queiram auxiliar e aceitar todos os alvitres desde que sejam bem infeccionados.

Sr. Presidente: nestes termos parece-me que respondo embora resumidamente aos argumento dos ilustres Senadores que discutirem o projecto. Mas estou pronto a dar mais explicações se porventura mo forem pedidas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Adães Bermudes: — Sr. Presidente: declaro que dou o meu voto à proposta de lei do Govêrno, já votada na outra casa do Parlamento, não porque esteja presuadido de que as suas disposições resolvem o magno problema das subsistência, ruas porque são aquelas que o Govêrno considera como mais adequadas às dificuldades do momento presente.

Ouvi com toda a atenção as várias críticas cus ilustres Senadores, mais competentes no, especialidade, formularam contra a proposta em discussão, mas declaro, com o devido respeito, que fiquei convencido de que as soluções apresentadas tambêm não resolviam o assunto e que eram, como a proposta do Govêrno, simples paliativos de ocasião.

O grave problema das subsistências no nosso país, Sr. Presidente, não é cousa que posse, resolver-se com regulamentos nem com tabelas de preços ou outros dispositivos semelhantes.

V. Exas. sabem todos, melhor do que eu, que essa questão tem de ser resolvida pele aumento da produção dessas subsistências, pelo crescente arroteamento dos terrenos incultos, pelo aperfeiçoamento dos processos agrícolas, pelo sistema das irrigações, pelo fabrico dos modernos adubos azotados, pela facilidade e barateamento dos transportes, pelas leis reguladoras da emigração e do urbanismo, r elo equilíbrio da circulação fiduciária, por todo êsse mundo de cousas, em suma, que se contêm numa cóclea de pão, mesmo sem contar com aquelas que lhe adicionam os padeiros.

Se o Govêrno nos tivesse trazido um vasto plano de conjunto de tam vasto alcance, compreende-se que nós o estudássemos, e discutíssemos com todo o ardor e minúcia.

Mas ninguêm se lembraria de pedir ao Govêrno, constituído apenas há dois dias, que trouxesse a esta Câmara a solução de tam graves problemas nem que os resolva de hoje para amanhã, nem ousaríamos aconselhar às populações famintas que se resignem a esperar que tudo isso se realize.

Trata-se, apenas, de medidas transitórias 3, nestas condições, entendo que as autorizações a dar ao Govêrno são aqueles que êle julgar mais adequadas à sua orientação e às circunstâncias do momento, porquanto é êle que tem de ser o árbitro duma situação instável e anormal que se não resolve com critérios absolutos e apriorísticos, visto que sôbre êle pesam as responsabilidades imediatas. As responsabilidades mais largas do futuro, essas pesam sôbre nós. Vários projectos de lei tem sido apresentados, tendentes a resolver alguns dêstes assuntos, mas muito resta ainda a fazer.

E porque é, tambêm, minha intenção apresentar um projecto de lei, que fundamentalmente interessa, entre outros assuntos, os problemas das irrigações agrícolas e do fabrico dos adubos modernos pelos processos eléctricos, aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para requerer, de novo, a V. Exa., que pelo Ministério do Comércio me seja enviada a nota que solicitei, em 5 de Agosto do ano findo, sôbre pecados e concessões de

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aproveitamento das águas para a produção de energia eléctrica. Devo advertir, Sr. Presidente, e peço para que isto fique registado na acta para os devidos efeitos, que estou convencido de que a demora na remessa dêsses documentos não é intencional, e não se destina a dar tempo a que se realizem certos factos que podem trazer os mais graves prejuízos ao Estado e aos municípios, porque, se tal se viesse a verificar, teria de reclamar para êsses factos as sanções necessárias.

Admito que essa demora provenha apenas do excesso de serviço das repartições competentes, mas peço, em todo o caso, a V. Exa. que ao insistir pela remessa dêsses documentos se digne de fazer sentir àquelas estações que os trabalhos do Senado são tambêm serviços de interêsse nacional, que não podem ser protelados.

Tenho dito.

O Sr. Paula Nogueira: — Sr.Presidente: É a primeira vez que tenho a honra de falar nesta casa e, por isso, gratamente cumpro o dever de saudar V. Exa. e o Senado, pedindo a todos a benevolência da sua atenção.

Sr. Presidente: Pedi a palavra, porque na vária discussão aqui travada a respeito da proposta de lei trazida ao Senado pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos ainda não vi tratar a questão sob a sua feição higiénica, e esta me parece indispensável não perder de vista.

Presto inteira justiça às intenções do Sr. Ministro dos Abastecimentos. S. Exa. declarou que as suas aspirações eram favorecer as classes menos abastadas, principalmente no que diz respeito ao pão, assunto de que em especial me desejo ocupar.

Reconheço nas palavras por S. Exa. proferidas a nobreza das suas intenções e, por isso, não regatearei o meu voto à proposta que se discute.

A questão da higiene, no assunto de que se trata, tem de ser minuciosamente atendida, não só pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos, mas tambêm por aqueles de quem S. Exa. confia a execução da futura lei.

Eis porque pedi a palavra e por que vou chamar a atenção do Sr. Ministro para os seguintes pontos.

S. Exa. pretende estabelecer na sua proposta dois tipos de pão.

Ora nós já temos essa experiência feita há tempos, e foi aqui dita a razão porque ela redundou em desproveito do público.

Mandou o Sr. Ministro instituir nova experiência; mas os resultados prevêem--se desde já desfavoráveis, perante o que nos últimos dias se tem observado com o começo da execução dessa medida.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro), (interrompendo): — Pelo contrário ... É já mais favorável a alimentação do pão, porque se tem fabricado em muito maior quantidade.

O Orador: — Tem V. Exa. razão, mas só sob o ponto de vista da quantidade e não da qualidade, que é o que mais me interessa, tendo em atenção a saúde do consumidor.

Dizia eu pois, Sr. Presidente, que a experiência já de há muito feita resultara desfavorável para o fim que S. Exa. tem em vista e a experiência há dias renovada veio provar que o pensamento do Sr. Ministro foi alterado pelos que lhe deram execução, porquanto o pão do segundo tipo agora instituído tem vindo a apresentar-se cada vez pior.

Tenho acompanhado essa experiência, tenho indagado e verificado nalgumas padarias e no consumo da minha casa, que dia a dia se vai adulterando êsse tipo de pão, aliás recomendável de começo.

Hoje, por exemplo, êsse pão tem a cor escura, com aspecto furfuráceo, devido à quantidade de sêmea que abusivamente encerra, e mostra-se mal fermentado, de consistência compacta, sem aréolas, húmido e pegajoso, numa palavra: de muito pior qualidade do que no princípio.

Ora, dando esta curta experiência tam tristes resultados, que poderemos esperar, quando a proposta fôr transformada em lei?

É necessário que o Sr. Ministro olhe atentamente para esta questão, pois ela tem uma influência enorme sôbre a saúde do consumidor e sôbre a psicologia da população, como há dias muito bem disse o Sr. Carneiro de Moura, ao afirmar que as revoluções se filiam sempre na falta ou na ruindade do pão.

E, pois, necessário que essa falta ou essa ruindade se não faça sentir com tan-

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ta frequência, porque talvez a êsse facto se deva atribuir-se, em parte, a visível irritabilidade do povo de Lisboa nos últimos tempos.

Os dois tipos de pão mandados fabricar pelo Ministério dos Abastecimentos prestam-se a graves reparos críticos, que levam a aconselhar de preferência a adopção dum tipo único, mais fácil de manter e fiscalizar.

O Sr. Alfredo da Silva, na última sessão em que se tratou aqui dêste assunto, disse que o antigo pão do segundo tipo era intragável, e S. Exa. o Ministro, exactamente por ver que assim ora, mandou melhorá-lo; mas o padrão agora estabelecido vai variando de dia para dia e a sua qualidade piorando, sem que a fiscalização consiga coibir o abuso.

Disse aqui o Sr. almirante Machado Santos que por experiência própria, de quando foi Ministro das Subsistências sabia que a fiscalização é difícil, quási impossível de exercer-se eficazmente nesta matéria.

A ganância dos fabricantes do pão leva os a adulterar propositadamente o segundo tipo, tornando-o intragável, para o pobre consumidor deixe de o comprar e para se a consumir o primeiro tipo. de que o vencedor aufere maior lucro.

Se assim é, que deverá fazer o Govêrno? Procurar outra solução em vez de dois tipos de pão adoptar apenas um, para que a fiscalização se possa exercer com mais proficiência, evitando a indicada fraude.

A adulteração do tipo de pão destinado às classes mais pobres do povo representa mais um incitamento a êsse espírito de insubordinação em que incontestavelmente referve a população portuguesa e nomeadamente a da cidade do Lisboa.

As fraudes são muitas e complexas. Citarei, eu especial, a que se refere à água ou humidade do pão. Normalmente, a quantidade de água dêste alimento é de 33 por cento; ora, o pão que temos visto vender-se como de segunda qualidade eu tipo vem tam carregado de humidade que constitui uma verdadeira pasta mole, húmida, viscosa, repugnante à vista e ao tacto, merecendo a classificação de intragável que lhe tem sido dada.

Êsse pão, em vez de 33 por canto, passou a ter 39, 40 e mais, o que representa um verdadeiro roubo à bôlsa do pobre consumidor.

Com uma simples adição de água comum, outras vezes de água de cal, que tem a propriedade de aumentar o poder hidratante do amido da farinha de trigo, o padeiro tira fraudulentamente do capital empregado mais um juro, superior a 5 por cento e assim prejudica o consumidor simultaneamente na bôlsa e na saúde, porque o excesso de água no pão torna êste produto pesado e indigesto.

O pão que aí se tem vendido como sendo do segundo tipo é incontestavelmente pouco higiénico, difícil de digerir e de assimilar, porque, alêm do indicado excesso de água, tem ainda um excesso co sêmea ou farelo revelando claramente que os industriais da farinação e da panificação não respeitam o diagrama a que deve obedecer a farinha tipo de pão.

Estas fraudes representam para o organismo do consumidor um perigo tanto mais grave quanto maiores forem as quantidades de água e de sêmeas que ao pão se juntarem, não esquecendo que, alêm dêsso atentado contra a saúde, tais fraudes constituem tambêm um ataque à bôlsa do consumidor.

Durante os últimos dois anos, quando entre nós se estabeleceu o regime obrigatório dos dois tipos de pão, notaram os médicos que um avultado número do pessoas, geralmente das classes pobres, sofriam do gastrointerites, incontestávelmente provenientes do pão anti-higiénico que o Estado lhos tem fornecido.

A êsse gradual enfraquecimento do organismo atribuem tambêm os médicos a -severidade com que em Portugal grassou a última epidemia gripal, de lutuosa memória.

As classes menos abastadas não têm, por via de regra, conhecimentos químicos suficientes para se guiarem na prática da higiene alimentar, mas sentem os funestos efeitos da adulteração dos alimentos, quando vem fugir-lhes gradualmente as fôrças o a saúde.

Ora, sendo a saúde um bem inapreciável que todos procuram conservar, as classes pobres, reconhecendo, embora empiricamente, que o pão de segunda lhes envenena ou, pelo menos, lhes enfraquece o organismo, vêem-se obrigados a abandonar o pão dêsse tipo e pasmam a adquirir

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e consumir o do primeiro muito mais caro e por isso destinado às classes médias e abastadas.

Mas será êsse outro tipo de pão o que mais convêm à higiene do consumidor pobre, que no seu trabalho depende fortes energias e julga encontrá-las em tal alimento?

Afoitamente respondo que não.

Todos os higienistas declaram que o pão fino de alvura deslumbrante, tam apetecido pelas classes abastadas, é pouco digerível e falho do valor nutritivo que do pão é justo exigir-se.

O consumidor, em geral, embora não tenha conhecimentos de química biológica para estudar êste assunto, está habituado a exigir empiricamente que o pão que consome tenha determinadas qualidades e certo valor nutritivo.

Quando essas qualidades e valor alibil faltam ao pão, sente-as lentamente pela observação do que se passa no seu organismo.

E assim que o consumidor pobre vem a reconhecer que o pão fino, falho de matéria azotada e superabundante em matérias amiláceas, não lhe presta a nutrição suficiente compensadora das energias que o trabalhor obriga a despender.

O consumidor pertencente às classes abastadas, consumindo êsse por elas preferido, tem recursos monetários para ir buscar a compensação da deficiência altriz noutros alimentos ricos de azote, e, por isso mesmo mais caros, e portanto fora do alcance da bôlsa do pobre.

Falta ao pão fino o glúten ou matéria azotada. Aonde se há-de ir procurar a compensação fisiológica, indispensável ao organismo?

A carne e ao peixe, por via de regra.

Mas o preço da carne e do peixe está hoje pela hora da morte, como costuma dizer-se, atento a falta e carestia dêstes dois alimentos!

De maneira que o povo, fugindo dum extremo — o pão de segundo tipo, intragável—, vai cair noutro extremo — o do pão fino, de condição altriz insuficiente, que obriga a um suplemento caro, representado pela carne ou pelo peixe.

Em toda a parte a carne está caia, por virtude da guerra que lhe aumentou o consumo e diminuiu a produção.

Na Europa o gado bovino está escasseando, por ter sido consumida por muitíssima gente que, chamada a entrar na guerra, passou a alimentar se de carne de vaca, que dantes quási era de todo desconhecida.

O soldado na guerra tinha de ser fortemente alimentado com carne de vaca; daí o desfalque enorme que se produziu na população bovina em todas as nações da Europa.

Por isso a América do Norte, no afan de prestar o seu valiosíssimo auxílio aos aliados europeus, promete mandar animais bovinos para suprir o deficit da velha Europa.

Em Portugal, mais do que noutro qualquer país europeu, a espécie bovina sempre escassa, rareia agora assustadoramente, em prejuízo da pública alimentação e dos trabalhos da agricultura.

Sendo a espécie bovina, em toda a parte, a principal produtora de carne, lamentável é que em todos os tempos, o nosso país tenha acusado um deficit dêsse gado. Todos os anos importamos mais bois do que exportamos e é sempre com a vizinha Espanha que mantemos essa dupla corrente comercial, sendo o excesso anual da nossa importação sôbre a exportação, de cêrca de vinte a vinte e cinco mil cabeças.

Durante a guerra estas antigas e habituais condições agravaram-se.

A importação de gado de Espanha deixou de fazer-se, porque a Espanha a proibiu, e, quanto à nossa exportação de gado vacum, aumentou infelizmente, mercê do contrabando provocado pela diferença cambial da moeda, que veio favorecer êsse tráfego clandestino. De modo que, se dantes pouco era o nosso stock bovino indígena, durante e depois da guerra mais reduzido ficou, por ter cessado a costumada importação e ter crescido simultaneamente a exportação dêsse armentio.

Hoje, Sr. Presidente, encontramo-nos na triste situação de não termos carne para comer!

Relativamente ao peixe, todos sabem que hoje pouco é o que no país existe, sobretudo em Lisboa, onde, por ser raro se fez caro, inacessível à bôlsa do pobre, atribuindo-se essa escassês e consequente carestia à falta de combustível para os

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vapores de pesca e ainda ao reduzido número dêsses vapores na indústria piscatória, porque desde há muito na sua maioria se acham empregados, como caça--minas, no serviço da defesa naval.

Tal é, Sr. Presidente, a triste situação em que nos encontramos; não se lobrigando de pronto um meio eficaz para resolver o problema das subsistências, que, o Sr. Ministro procura solucionar pela proposta de lei que ora aqui se debate.

Ousarei todavia alvitrar uma solução.

A América do Norte, no desejo de favorecer os seus aliados, prometeu suprir o deficit alimentar europeu. Ora, tendo nós prestado relevantes serviços aos aliados, na guerra há pouco finda, serviço que, dada a pequenez dos nossos recursos, podem relativamente igualar-se aos sacrifícios feitas pelas grandes ciências nossas amigas, lógico é que, por intermédio do Ministério dos Negócios Estr; ligeiros, solicitemos que nos seja fornecido trigo ou farinha suficiente para as nossas actuais necessidades, desaparecendo assim, em parte, os inconvenientes a que me tenho referido relativamente ao pão.

Estou convencido de que, com êsse auxílio a que temos jus, poderíamos atenuar os perigos sociais, sempre possíveis, quando num país escasseiam as principais subsistências, como o pão e a carne.

Com o trigo ou a farinha fornecida pela América do Norte supriríamos o nosso deficit frumentário; com bois vivos ou com carne vacum congelada faríamos face ao nosso defcit de gado bovino.

Quanto ao pio, escusado seria, em tal hipótese, termos de lançar mão, como já fizemos, de estranhas matérias panificáveis, tais como a Soja hispida, encontrada a bordo dum dos navios alemães apreendidos, a qual convertemos em pão, para consumo de Lisboa, como ss toda a população da capital fôsse diabética...

Lembrarei tambêm ao Sr. Ministro dos Abastecimentos, ainda a propósito do pão, a conveniência do Govêrno utilizar os bons serviços da Manutenção Militar, a qual, bem montada como está e sob as ordens do Govêrno, poderia auxiliar o difícil serviço de fiscalização do pão, fabricando diáriamente ou os padrões que dêste produto fossem estudados e fixados, de modo que os fiscais ficassem habilitados a aferir cada dia por êsses padrões da Manutenção os pães postos à venda pelos padeiros. Dêste modo, Sr. Presidente, cessaria a infinidade de tipos variáveis de pão, que diariamente aí vemos à venda, sem respeito algum pelas normas estabelecidas oficialmente para o fabrico dêste produto.

Eis. Sr. Presidente, os pontos que no meu desataviado discurso me propus tratar acêrca da proposta de lei aqui trazida pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos, a cujas rectas intenções mais uma vez presto a merecida homenagem, agradecendo finalmente a V. Exa. e ao Senado a benevolência com que se dignaram ouvir-me. Disse.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): — O Sr. Adães Bermudes fez um verdadeiro programa de Govêrno.

Eu, no meu humilde propósito, quis estabelecer simplesmente algumas medidas urgentes que transitoriamente era preciso decretar para que a liberdade do comércio se faca s?m sobressaltos.

Dentro dos meus recursos limitei-me a vir pedir ac Parlamento aqueles elementos necessários para cumprir a minha missão dentro do meu Ministério.

Referiu-se S. Exa. ao problema da hidráulica, que é muito interessante, e para o qual chamarei a atenção do meu colega, junto de quem apoiarei as reclamações do Sr. Senador acêrca das correntes do água que, certo, representando a riqueza do país, não são, infelizmente, aproveitadas como o deveriam ser. (Apoiados).

S. Exa. tem sempre em mim um cooperador, um auxiliar para tratar dêste assunto, cuja resolução se não deve fazer esperar. (Apoiados).

Sr. Presidente: ouviram, V. Exa. e a Câmara, a brilhante dissertação do Sr. Pau.a Nogueira. Compete-me responder, dizendo que não intervi ainda na fiscalização do pão que se está vendendo em Lisboa, porque, como já disse, não tenho recursos para o fazer.

E possível que o pão que se tem apresentado seja pior do que aquele que se fazia antes desta experiência, mas estou convencido de que essa fiscalização se há-de fazer e que nós poderemos ter o pão em boas condições.

O tipo de pão, sob o ponto de vista higiénico, o Sr. Paula Nogueira sabe

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muito bem que êsse problema foi discutido largamente por pessoas de grande autoridade, que se estabeleceu um debate interessante, e que a êsse respeito as opiniões foram diferentes sôbre a extracção maior ou menor.

Toda a extracção superior a 85 por cento deve baixar a 75 por cento e 80 por cento, e devo declarar a V. Exa. que, para obter a melhoria do pão, não basta isso, é necessário fazer-se como lá fora, estabelecendo-se fornos apropriados que não existem ainda em Lisboa.

Tenho ouvido algumas pessoas, alguns industriais sôbre êste ponto, que reputo de alta importância.

Estou disposto a estudar o problema que tanto interessa à economia do país, sobretudo às classes pobres.

Sr. Presidente: no estudo dêste assunto encontram-se cousas muito interessantes. Como V. Exa. sabe, em Paris (1910), mandou-se fazer por peritos a análise do processo descoberto por um químico notável de branquear o pão. O processo era por meio de electricidade.

Estudado profundamente êsse processo, os peritos chegaram à conclusão de que em cousa alguma ficavam alteradas as qualidades do pão.

Ora muito convinha, Sr. Presidente, que em Portugal se fizessem estas experiências.

O Sr. Adães Bermudes: — Não é esta a questão; a resolução está em saber quais as suas propriedades alimentícias.

O Orador: — Eu digo a S. Exa.: Em Portugal não se tem tratado desta questão do fabrico do pão, não me refiro já só à questão dos fornos, mas até o processo manual, que tem de variar conforme a qualidade de farinha e as suas percentagens. Tudo isto tem de ser objecto de ensaios de laboratório. De contrário, é estragar toda a matéria prima.

Chamo para êste ponto a atenção de S. Exa. para o alvitre apresentado pelo Sr. Paula Nogueira, porque não só torna necessário fazer fornos pelos processos modernos, como tambêm mandar vir operários para ensinar o novo sistema de fabricação de pão.

O Sr. Machado Santos: — Há mais de um ano que eu lembrei que isso se fizesse.

O Orador: — Nós o que estamos é num grande atraso no que diz respeito à fabricação de pão.

Estas experiências eram muito convenientes desde que fossem auxiliadas pelos processos modernos e estou certo de que deveriam dar bons resultados.

Não vejo inconveniente em fabricar pão de diversos tipos.

Fez-se já, efectivamente, o ensaio de dois tipos de pão. Mas não deu resultado. Bem sei eu que as circunstâncias eram diversas. As circunstâncias, porêm, do mercado mundial, vão modificando-se e nós podemos começar, desde já, a fazer a experiência.

Insisto em declarar a V. Exas. que estou convencido de que posso modificar o actual estado de cousas com uma fiscalização eficaz. Mas, no dia em que me convencer do contrário, desistirei dos meus propósitos.

São criados os dois tipos de pão a títulos de experiência.

Sabe o Sr. Paula Nogueira que a percentagem de água e de humidade no pão não é uma cousa indiferente. Sôbre êste caso tem havido até debates interessantes.

Digo isto, porque me pareceu que S. Exa. se referia indiferentemente...

O Sr. Paula Nogueira (interrompendo): — O pão normal tem 33 por cento de água e 77 doutras matérias.

Todos sabem que para se fabricar pão é preciso que a farinha tenha uma certa humidade.

Sôbre êste assunto há um trabalho interessante de Gauthier.

O Orador: — Está bem. Recebo com agrado as explicações de V. Exa.

Passando agora a outro assunto, devo dizer à Câmara que já começaram a desmobilizar-se os caça-minas e muito breve se recomeçará a pesca. Já combinei com o Sr. Ministro da Marinha a forma de se fazer tambêm o regulamento da pesca.

Já assentámos em bases para que êsse regulamento se estabeleça. Logo que S. Exa. regresse do Pôrto, concluir-se hão os trabalhos necessários para que os caça-minas voltem ao seu anterior serviço e o deficit de peixe deverá, por conseguinte, desaparecer em Lisboa.

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18 Diário das Sessões do Senado

Os países adiados fornecer-nos-hão 12.000:000 de quilogramas de trigo.

Não desejo terminar sem dizer ainda, relativamente aos dois tipos de pão, ao Sr. Paula Nogueira que nós estamos neste momento em melhores condições para lazer a experiência dos dois tipos do que estávamos há um ano, porque temos um melhor abastecimento e estou trabalhando por que os fornecimentos de trigo se elevem a 4 milhões de quilogramas para os meses de Maio, Junho e Julho. Tomara eu que a América fizesse aqui um grande estoque de trigo; mas a América, apesar da sua boa vontade para connosco, tem de se preocupar com todos os aliados e até com a própria Alemanha. De forma que, repito, ainda que êsse grande país tivesse boa, vontade de nos ser agradável, estou convencido do que neste momento não poderá realizar os nossos desejos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: começo por ler a seguinte moção, que vou mandar para a Mesa:

Moção

A Câmara, ouvindo com toda a atenção e muito agrado as explicações do ilustre Ministro dos Abastecimentos e de acôrdo com elas, continua na ordem do dia.— Castro Lopes.

Sr. Presidente: permita-me V. Exa. que eu, antes de fazer urnas ligeiras considerações, apresente as minhas homenagens ao Sr. Ministro dos Abastecimentos pela maneira como tem tratado esta questão. Sr. Presidente: a razão porque S. Exa. ocupa a sua pasta com o nosso agrado foi a forma porque tem procedido para com o Parlamento. Podendo S. Exa. utilizar-se das autorizações parlamentares, S. Exa. quis demonstrar a sua consideração pelo Parlamento não se utilizando dessas autorizações. (Apoiados).

Nestas condições, Sr. Presidente, congratulo-me pela forma como o Parlamento tem colaborado com os outros poderes do Estado para solucionar o problema económico, que é o mais importante.

Sr. Presidente: da forma como o Sr. Ministro apresentou na sua proposta o artigo 1.°. vê-se que S. Exa. pretende restabelecer a liberdade de comércio apenas com as restrições que são afinal a consequência do anterior estado de guerra.

Por consequência, mandando para a Mesa essa moção e julgando assim interpretar e sentir da Câmara, era nome da maioria dou o meu apoio à proposta do Sr. Ministro dos Abastecimentos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lida na Mesa a moção, foi aprovada.

Posta à votação a proposta do Sr. Ministro aos Abastecimentos, foi aprovada na generalidade e na especialidade.

O Sr. Castro Lopes: — Requeiro a V. Exa. a dispensa da última redacção. Foi aprovado.

O Sr. Machado Santos: — Já cheguei tarde, Sr. Presidente; era apenas para declarar que dou o meu voto à proposta do Sr. Ministro dos Abastecimentos somente para não o contrariar, porque estou convencido de que S. Exa. não precisa dela.

O Sr. Presidente: — Em virtude de estar esgotada a ordem e de não haver mais oradores inscritos, está encerrada a sessão, sendo a próxima amanhã, à hora regimental, e a ordem do dia pareceres de comissões.

Eram 17 horas e 4O minutos.

O REDACTOR — Albano da Cunha.

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