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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.° 27

EM II DE AGOSTO OE 1919

Presidência do Exmo. Sr. António Xavier Correia Barreto

Secretários os Exmos. Srs.

José Mendes dos Reis

Alfredo Pires

Sumário.—A sessão abre às 14 horas e 05 minutos. Com 26 senhores Senadores. Lê-se e aprova-se a acta. Dá-se conta do expediente. São admitidos, em segunda leitura, vários projectos de lei.

Antes da ordem.— A requerimento do Sr. Vasco Marques, é aprovado, sem discussão, com urgência e dispensa do Regimento, o projecto que fixa os vencimentos dos funcionários da secretaria do Congresso da República. O Sr. Pereira Osório pede urgência e dispensa do regimento para o projecto de lei que organiza a comissão executiva da Conferencia da Paz. É concedida, sendo o projecto aprovado, depois de falarem os Srs. Abel Hipólito e Ministro dos Estrangeiros, Melo Barreto. O Sr. Alfredo Portugal volta a insistir por saber se a pensão em tempos concedida a Gomes Lial è ou não paga e felicita o Govêrno pela forma como solucionou a grave crise de subsistências que há tempos se manifestou em Portalegre. Replica-lhe o Sr. Ministro dos Estrangeiros. O Sr. Júlio Ribeiro justifica e envia para a Mesa um projecto de lei destinado a impedir a especulação que se está fazendo com o aluguer de casas em Lisboa. O Sr. Abel Hipólito refere factos ocorridos em Mortágua, condenando o procedimento que as autoridades dêsse concelho têm tido por ocasião de eleições. Ocupa-se ainda da destruição da ponte de Mosteiro sôbre o Douro, feita pelos monárquicos, condenando não só êsse acto de selvajaria, como tantos outros que, por ocasião da última revolução, foram praticados pelos monárquicos, responde-lhe o Sr. Ministro do interior (Sá Cardoso). O Sr. Jacinto Nunes protesta contra o facto de, em Monchique, não ter tomado ainda posse, estando a substituí-la uma comissão administrativa, a câmara ultimamente eleita, chamando ainda a atenção do Sr. Ministro do interior para a forma como o administrador de Santa Marta de Penaguião. Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior. O Sr. Herculano Galhardo aprecia a remodelação das pautas alfandegárias, condenando a lei dos previlégios, por ela não poder existir ao lado do regime proteccionista, em que se tem vivido. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.

Ordem do dia.— Continua a discutir-se o projecto de lei que obriga os juizes a proceder contra todos os contraventores das posturas municipais Falam os Srs. Alfredo Portugal, Jacinto Nunes, Oliveira e Castro, Machado de Serpa, Ramos Preto, Pereira Osório, sendo o projecto aprovado. Entra em discussão o projecto que estipula não serem elegíveis para os corpos administrativos os empregados dos mesmos corpos. Falam os Srs. Silva Barreto, Vasco Marques, Constâncio de Oliveira; Sousa da Câmara, ficando a discussão do projecto para continuar na sessão seguinte.

Prementes à chamada 26 Srs. Senadores.

São os seguintes:

Abel Hipólito.

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Alfredo Augusto da Silva Pires.

Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.

Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.

António Gomes de Sousa Varela.

António de Oliveira e Castro.

António Vitorino Soares.

António Xavier Correia Barreto.

Artur Octávio do Rêgo Chaves.

Celestino Germano Pais de Almeida.

César Justino de Lima Alves.

Ezequiel do Soveral Rodrigues.

Francisco Vicente Ramos.

Heitor Eugénio de Magalhães Passos.

Henrique Jardim de Vilhena.

Herculano Jorge Galhardo.

Joaquim Pereira Gil de Matos.

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José Duarte Dias de Andrade.

José Jacinto Nunes.

José Joaquim Pereira Osório.

Júlio Augusto Ribeiro da Silva.

Manuel Augusto Martins.

Manuel do Sousa da Câmara.

Pedro Alfredo de Morais Rosa.

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores, que entraram durante a sessão:

Abílio de Lobão Soeiro.

António Alves de Oliveira.

António Maria da Silva Barreto.

Armindo de Freitas Ribeiro de Faria.

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Constâncio de Oliveira.

Cristóvão Moniz.

Desidério Augusto Ferro de Bessa.

João Carlos de Melo Barreto.

Jorge Frederico Velez Caroço.

José Machado de Serpa.

José Mendes dos Reis.

José Nunes do Nascimento.

José Ramos Preto.

Luís António de Vasconcelos Dias.

Nicolau Mesquita.

Pedro do Amaral Bôto Machado.

Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.

Rodrigo Guerra Álvares Cabral.

Torcato Luís de Magalhães.

Srs. Senadores que não compareceram, à sessão:

Alberto Carlos da Silveira.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

António Augusto Teixeira.

António Maria Baptista.

Bernardo Pais de Almeida.

Francisco Manuel Dias Pereira.

João Namorado de Aguiar.

Joaquim Celorico Palma.

José Joaquim Fernandes de Almeida.

José Maria de Moura Barata Feio Ternas.

Júlio Ernesto de Lima Duque.

Luís Inocêncio Ramos Pereira.

Manuel Gaspar de Lemos.

Pedro Virgolino Ferraz Chaves.

Raimundo Enes Meira.

Silvério da Rocha e Cunha.

Pelas 14 horas e 35 minutas o Sr. Presidente manda proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 25 Srs. Senadores, S. Exa. declara aberta a sessão.

Lida a acta da sessão anterior, e aprovaria sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte

Expediente

Justificação de faltas

Do Sr. Senador Heitor Passos, justificando a sua falta à sessão de 8 do corrente.

Para a comissão de infracções e faltas.

Pareceres

Da comissão de legislação civil, sôbre o projecto de lei n.° 26 que reduz o número de escrivães de direito da comarca da Horta.

Imprima-se e distribua-se.

Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 17, que remodela a tabela de sôldo dos oficiais do exército.

Imprima-se e distribua-se.

Da comissão de assuntos cultuais, sôbre o projecto de lei n.° 38, que determina que fiquem pertencendo à Misericórdia de Alijo os bens móveis e imóveis arrolados no concelho por efeito da lei de 20 de Abril do 1911.

Imprima-se e distribua.

Telegramas

Coimbra, 10.— Quintanistas direito Coimbra interessados actos Agosto pedem V. Exa. se digne conseguir rápida aprovação lei respectiva.— Sousa.

Para a Secretaria.

Pôrto, 7.— Estudantes liceu que por causa greve ferroviária não puderam comparecer exame julho tendo termos legalizados pedem sejam admitidos Outubro.

Para a Secretaria.

Ofícios

Da Presidência da Câmara dos Deputados, acompanhando as propostas de lei que têm por fim estatuir quanto à utilização de autorizações orçamentais relativas aos anos económicos de 1916-1917 a 1918-1919; dotar es Ministérios da,

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Guerra, Colónias, Finanças e Estrangeiros com as quantias de 7:000, 3:000, 14:300, e 700 contos, para despesas excepcionais de guerra; autorizar a Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão e utilizar determinadas receitas em melhoramentos públicos.

Para a Secretaria.

Da mesma procedência, acompanhando a proposta de lei que autoriza um crédito de 2.000:000$ a inserir no Orçamento de 1919-1920, para desposas em Angola.

Para a Secretaria.

Da mesma procedência, acompanhando a proposta de lei que tem por fim promover ao pôsto de general o coronel do corpo do estado maior, José Mondes Ribeiro Norton de Matos.

Para a Secretaria.

Do Ministério dos Abastecimentos, satisfazendo o requerimento n.° 57 do Sr. Constâncio de Oliveira.

Para a Secretaria.

Do Ministério das Finanças, respondendo ao requerimento n.° 69 do Sr. Alfredo Narciso Martins Portugal.

Para a Secretaria.

Representações

Da Associação dos Regentes Agrícolas, sôbre vencimentos de regentes agrícolas. Para a Secretaria.

Do Senado Universitário de Lisboa, sôbre o projecto que cria uma Faculdade de Letras no Pôrto e que mantêm a de Coimbra.

Para a Secretaria.

Projectos de lei

Do Sr. Júlio Ribeiro, proibindo em Lisboa e Pôrto sublocar prédios urbanos, com ou sem mobília, a não ser pelo tempo que falte a qualquer inquilino para a conclusão do seu arrendamento.

Para a comissão de legislação civil.

Do Sr. José Joaquim Fernandes de Almeida, sôbre emissão de obrigações da União dos Vinicultores de Portugal.

Para a comissão de fomento.

Do Sr. José Machado Serpa, criando na cidade da Horta uma escola de Artes e ofícios e uma aula comercial.

Para a Secretaria.

Do Sr. Júlio Ribeiro, concedendo ao Poder Executivo a acção disciplinar sôbre todos os funcionários civis do Estado.

Para segunda leitura.

Do Sr. Nunes do Nascimento, inscrevendo no orçamento do Ministério da Guerra, sob a rubrica pensões aos mutilados da guerra e tuberculosos não hospitalizados, uma verba para estas pensões.

Para segunda leitura.

Do Sr. Rêgo Chagas, determinando que aos militares que prestaram serviço durante o estado de guerra, na defesa do campo entrincheirado de Lisboa e cidades do Funchal e Ponta Delgada, sejam concedidas idênticas vantagens às que foram concedidas pelo decreto n.° 5:799, de 28 de Maio de 1919, ao pessoal da armada encarregado da defesa marítima.

Para segunda leitura.

Dos Srs. Soveral Rodrigues, Jacinto Nunes e Martins Portugal, autorizando a Câmara Municipal de Beja a remir um foro de cereais imposto na herdade dos Coitos do Ameixial ou da Adua, situada na freguesia de Santa Maria, do concelho de Beja.

Para segunda leitura.

Do Sr. Namorado de Aguiar, autorizando a Junta de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa a vender em hasta pública o prédio n.° 615 do arrolamento dos bens das igrejas do concelho de Vila Viçosa.

Para segunda leitura.

Foi admitido o projecto de lei do Sr. Júlio Ribeiro, criando a comissão de sepulturas de guerra.

Para as comissões de guerra e de finanças.

Do mesmo Sr. facultando transporte gratuito até 31 de Dezembro de 1921 a

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uma ou duas pessoas de família de militares falecidos em Franca, para irem visitar a sepultura dos que ali perderam a vida na última guerra.

Para a comissão de guerra e de finanças.

Do mesmo Sr., determinando que pelo Ministério da Guerra seja publicado, até 31 de Dezembro de 1920, uma Ordem do Exercito com a relação de todos os militares falecidos durante o estado de guerra.

Para a comissão de guerra e de finanças.

Do Sr. Heitor Passos, suspendendo, até revisão parlamentar, os decretos n.ºs 5:787-A e 5:787-B, de 10 de Maio do 1919, e de nomeares que dos mesmos derivaram.

Para a comissão de instrução.

O Sr. Abel Hipólito: — Já tinha pedido a palavra, Sr. Presidente, há três ou quatro dias, para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Interior. Se V. Exa. me pode informar se S. Exa. vem a esta Câmara, antes da ordem do (lia, esperarei. Em caso contrário usarei da palavra na minha altura.

O Sr. Vasco Marques (para um requerimento): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para requerer a V. Exa. que seja concedida a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei vindo da Câmara dos Srs. Deputados, fixando os vencimentos dos funcionários do Congresso.

Êsse projecto, que é lido na Mesa, é assim concebido:

Artigo 1.° São fixados os vencimentos dos funcionários da Direcção Geral da Secretaria do Congresso da República em conformidade com a tabela seguinte, a qual virá a inscrever-se no Orçamente Geral do Estado para o ano económico de 1910-1920:

[Ver valores na imagem]

Director geral

Chefe dó repartição

Cheios de secção

Primeiros oficiais e equiparados

Segundos oficiais e equiparados

Terceiros oficiais

Aspirantes

Ajudante da portaria

Escriturário da portaria

Auxiliar da portaria

Porteiros da sala

Chefes de contínuos

Contínuos

Correios

Guarda-portão chefe

Guarda-portões

Guardas

Iluminador

Fogueiro

Gratificação aos dois redactores das actas

Gratificação ao professor da aula de taquigrafia

Abono para falhas ao tesoureiro

Art. 2.º Os vencimentos de que trata o artigo 1.° serão divididos em categoria e exercício, sendo considerados como vencimento de categoria cinco sextos do vencimento total e de exercício um sexto do mesmo vencimento.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, 8 de Agosto de 1919. — Domingos Leite Pereira — Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Aprovado com dispensa do Regimento e da última redacção.

Envie-se à Presidência da República.

O Sr. Afonso de Lemos: — Declaro a V. Exa., Sr. Presidente, que êste lado da Câmara vota a urgência e dispensa do Regimento para o projecto que foi lido, dispensando a chamada.

O Sr. Pereira Osório: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara concorda com a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei vindo da outra Câmara, que fixa os vencimentos dos empregados do Congresso. Tambêm dispensa a chamada.

O projecto é pôsto em discussão na generalidade.

É aprovado sem discussão.

É pôsto em discussão na especialidade, sendo tambêm aprovados sem discussão todos os seus artigos.

O Sr. Vasco Marques (para um requerimento): — Requeiro que esta proposta de

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lei seja dispensada da leitura da última redacção.

Consultada a Câmara aprova-se o requerimento.

O Sr. Pereira Osório: — Requeiro, Sr. Presidente, a urgência e dispensa do Regimento para a proposta de lei n.° 29.

O Sr. Presidente manda ler essa proposta que é assim concebida:

Artigo 1.° A Comissão Auxiliar da Delegação Portuguesa à Conferência da Paz, nomeada por portaria expedida em 17 de Junho de 1919 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, passa a denominar-se Comissão Executiva da Conferência da Paz e poderá solicitar a colaboração de pessoas competentes, estranhas aos serviços públicos, e requisitar os funcionários de que carecer, quaisquer que sejam os Ministérios ou serviços a que pertençam.

§ 1.° Os vogais da Delegação à Conferência da Paz, os da comissão a que se refere êste artigo e os funcionários requisitados, continuam sendo abonados de todos os vencimentos de seus cargos pelas respectivas verbas orçamentais, ainda mesmo no caso em que não possam desempenhar cumulativamente as correspondentes funções.

§ 2.° O tempo de serviço na referida comissão é contado para todos os efeitos na antiguidade dos cargos dos respectivos funcionários.

Art. 2.° A Comissão Executiva da Conferência da Paz deverá organizar todos os trabalhos, colher todas as informações e redigir todas as memórias necessárias para a execução do Tratado do Paz, e fornecer todos os elementos que lhe forem pedidos pela Delegação Portuguesa à Conferência da Paz.

Art. 3.° Os vogais da Comissão Executiva poderão corresponder-se directamente por meio de ofícios, telegramas ou telefonemas, em nome da mesma comissão, com todos os administradores, directores, chefes ou quaisquer outras entidades que tenham a seu cargo ou superintendam em serviços públicos de que precisem obter esclarecimentos ou informações para o desempenho da missão que lhes está confiada.

§ 1.° Os mesmos vogais poderão, directamente ou por intermédio de pessoa em
quem deleguem, proceder a inquéritos, averiguações ou avaliações nos próprios locais em que tenham de ser realizados, devendo todas as autoridades prestar o auxílio que lhes fôr requisitado.

§ 2.° Os funcionários que tenham sido nomeados por qualquer Ministério para averiguar de prejuízos resultantes da guerra passam a depender exclusivamente da Comissão Executiva.

Art. 4.° A Comissão Executiva estabelecerá as remunerações, ajudas de custo e gratificações a abonar aos funcionários requisitados e às entidades que a auxiliem ou coadjuvem quer sejam ou não empregados do Estado, devendo o respectivo pagamento realizar-se directamente pela mesma Comissão, sem dependência de qualquer «visto» prévio. Para êste fim e para ocorrer ao pagamento de quaisquer outras despesas de pessoal ou material, solicitará a Comissão, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, as necessárias autorizações do Conselho de Ministros, nos termos do artigo 5.° da lei n.° 817, de 6 de Setembro de 1917, em conta da verba que, para ter essa aplicação, houver sido votada pelo Parlamento.

§ único. Em face das autorizações do Conselho de Ministros referidas neste artigo, a Comissão Executiva determinará o processo das respectivas requisições de fundos a favor do vogal que para êsse efeito eleger, as quais serão enviadas para o devido ordenamento à repartição competente da Contabilidade Pública.

Art. 5.° A Comissão Executiva da Conferência da Paz terá um livro de actas das suas sessões e organizará uma conta desenvolvida e devidamente documentada de todas as despesas que realizar, a qual será julgada pelo Conselho Superior de Finanças.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, 2 de Agosto de 1919.—Domingos Leite Pereira — Baltasar de Almeida Teixeira.

O Sr. Presidente: — Vai fazer-se a chamada para a votação da urgência e dispensa do Regimento, requeridas para esta proposta.

O Sr. Pereira Osório: — Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que se consulte

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a Câmara sôbre se dispensa a chamada.

Consultada a Câmara, resolveu-se afirmativamente.

O Sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade a proposta de lei n.° 29.

O Sr. Abel Hipólito: — Não quero tomar muito tempo à Câmara, porque apenas desejo pedir algumas explicações ao Sr. Ministro dos Estrangeiros a propósito da redacção desta proposta de lei:

O artigo 2.º diz:

«A comissão executiva da Conferência da Paz deverá organizar todos os trabalhos, colher todas as informações e redigir todas as memórias necessárias para a execução do Tratado de Paz, e fornecer todos os elementos que lhe forem pedidos pela Delegação Portuguesa à Conferência da Paz».

Pretendia saber se as informações que esta comissão tem de prestar podem demorar a aprovação do Tratado de Paz, e se nós desta maneira poderemos correr o risco de o discutir no Congresso depois dêle já ter sido aprovado por três das principais potências que o firmam.

O Sr. Melo Barreto (Ministro dos Negócios Estrangeiros): — Respondendo ao ilustre Senador Sr. Abel Hipólito, tenho a dizer a S. Exa. que as informações, a que se refere o artigo 2.° nada tem que ver com a aprovação do Tratado de Paz, dizendo apenas respeito à efectivação do artigo 231.° e anexo 1.°, com respeito às reclamações que nós temos de apresentar à Alemanha, pela reparação dos danos e prejuízos de guerra que ela nos causou. Êsse anexo estatui as condições era que essas reparações são solicitadas. A comissão tem únicamente a seu cargo redigir as memórias para as reparações a solicitar. O tratado, em si, é-me absolutamente estranho.

O Sr. Abel Hipólito (em àparte): — Mas nós não corremos o risco de discutir o Tratado tarde de mais?

O Orador: — Já tive a honra df» apresentar ao Parlamento, no dia 15. o Tratado da Paz em inglês e francês, e o Govêrno manifestou o desejo de que a comissão que o revisse fôsse constituída imediatamente, para ir adiantando os seus trabalhos, porque só assim as Câmaras podem aprovar rápidameute o projecto que à ratificação do mesmo tratado se referir. E essa ratificação, como V. Exa. compreende, é função do Parlamento, e não do Govêrno.

O projecto n.° 29 é em seguida aprovado na generalidade e na especialidade.

O Sr. Abílio Soeiro: — Requere dispensa da leitura da última redacção.

É aprovado.

São enviados para a Mesa os pareceres das propostas de lei n.ºs 12 e 26, pedindo o relator ao Sr. Presidente autorização para que a comissão de instrução reúna durante a sessão, a fim de se ocupar dum projecto urgente vindo da Câmara dos Deputados.

O Sr. Presidente: — O Senado pode autorizar essa reunião, mas terá de se encerrar a sessão por falta de número, visto serem quinze os membros dessa comissão.

O Sr. Jacinto Nunes: — Tinha pedido a palavra, Sr. Presidente, para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Interior. Mas como S. Exa. teve de sair da sala, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para quando S. Exa. possa comparecer.

O Sr. Abel Hipólito: — Eu tambêm, Sr. Presidente, tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Interior. Vejo, porêm, que S. Exa. teve de sair da sala, por certo com pouca demora. Peço, pois, a V. Exa. que me reserve a palavra para quando S. Exa. 1 voltar í*o Senado.

O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente: há dias, numa, das últimas sessões desta Câmara, e a propósito de Gomes Lial, pedi a V. Exa. que, com brevidade, se oficiasse à repartição competente no sentido do ser informado sôbre se a pensão de 600$ votada há dois anos, creio eu pelo Parlamento, lhe era, em duodécimos, integralmente paga.

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Com a resposta precisa satisfazia-se a minha natural curiosidade e a de tantos outros, em vista do apelo que a imprensa, sempre solícita, e, neste caso, magoadamente condoída, fez aos poderes públicos.

Porêm, até agora, comquanto se afirme que se acha satisfeita tal pensão - e ou assim o julgue — não me foi transmitida a resposta desejada, e isto porque ainda não deu entrada nesta Câmara.

Peço a V. Exa. b obséquio de envidar os seus melhores esforços no sentido de me ser dada qualquer resposta sôbre o assunto.

Eu entendo, Sr. Presidente, que um pedido feito por quem de direito não deve, como se se tratasse dum importuno vulgar, ser irreverentemente pôsto de parte pela repartição a que, porventura, foi dirigido.

Sr. Presidente: aproveitando a ocasião de estar no uso da palavra, permita-me V. Exa. que eu, um dos parlamentares do distrito de Portalegre, folgue publicamente pela medida acertada do Govêrno resolvendo de pronto a crise grave que se manifestou naquele distrito, prestes a assoberbar aquela cidade do alto Alentejo, crise que poderia ir até a fome!...

Peço, pois, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que está presente, a alta fineza de transmitir ao Govêrno que, com os meus agradecimentos, esperava ardentemente e, sem dúvida, confiante, em que êle vai cumprir aquilo a que — segundo a imprensa — se responsabilizou.

Tenho dito.

O Sr. Melo Barreto (Ministro dos Negócios Estrangeiros): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para agradecer, em nome do Govêrno, as palavras amáveis que ao mesmo Govêrno foram dirigidas pelo ilustre Senador Sr. Portugal, relativamente à crise que se manifestou em Portalegre.

O Sr. Herculano Galhardo: — Mando para a Mesa o parecer da comissão de finanças sôbre o projecto que remodela o soldo dos oficiais do exército.

O Sr. Júlio Ribeiro: — Mando para a Mesa um projecto de lei coibindo a exploração que se está fazendo com o traspasse de casas em Lisboa. Em meu entender, êsse facto constitui um mal social e para êle peço todo o rigor Tambêm reclamo urgência para o meu projecto.

Tenho dito.

Foi concedida.

O Sr. Abel Hipólito: — Sr. Presidente: visto estar já presente o Sr. Ministro do Interior, vou bordar algumas considerações sôbre o que se tem passado em Mortágua, concelho que faz parte do distrito que aqui represento. Não sei se S. Exa. já tem conhecimento do que naquela terra tem ocorrido. Antes, porêm, de referir os factos com que vou ocupar a atenção da Câmara, quero dizer que as minhas palavras não são ditadas pelo espírito de oposição partidária, nem por serem democráticas as autoridades de Mortágua. Não está isso nos meus princípios e, mesmo que o estivesse, não o faria por estar nesta casa eleito por democráticos, evolucionistas e unionistas.

A verdade é que há uns poucos de meses que Mortágua parece mais administrada por um regedor dos tempos do Sr. D. Miguel, de saudosa memória, do que por republicanos.

Devo dizer que, para mim, não era preciso que o Sr. Presidente do Ministério trouxesse a esta casa um programa ministerial como o que trouxe, porque sei quanto S. Exa. é correcto, quanto é um bom republicano e um espírito recto a mais não poder ser. Quando me dirigi a Viseu, a tratar da minha eleição para Senador, fui informado de que era conveniente não aparecer em Mortágua, porque se tal fizesse seria preso. E claro que não fui lá porque não tive necessidade de lá ir; e, mesmo que lá fôsse, de nada valeria para o efeito da minha eleição, porque as eleições continuam a ser ali feitas sob a prepotência das autoridades. A respeito da eleição da câmara municipal, vou ler trechos duma carta, na qual se narram factos inauditos.

É feita esta leitura, basta ela para se ver a audácia de quem assim procede em circunstâncias de tal natureza. Houve quem protestasse contra os abusos praticados. Pois foi proso. O processo foi, porêm, presente ao Sr. general comandante da 5." divisão, e como se tratasse dum oficial livre do espírito de facções partidárias, ê^se processo foi arquivado. As

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gentes daquelas terras têm uma característica especial. Só elas é que são republicanas; aos talassem não lhes liram importância nenhuma.

Vieram depois as eleições das juntas de freguesia, continuando os mesmos abusos. Bastarão estas simples considerações para que o Sr. Presidente do Ministério laça cessar duma vez o que se passa naquelas terras, convencendo-os de que hão-de administrar o concelho como delegados do Govêrno da República, ou então não podem lá estar. É bom que isto fique bem esclarecido e S. Exa. mande inquirir dos casos um juiz de direito, criatura absolutamente independente, a fim de que tudo se apure devidamente.

Já que estou com a palavra, desejava chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio, que não está presente, para certos assuntos importantes. Entre as várias selvajarias que os monárquicos praticaram no norte por ocasião da última revolução, algumas houve que não ss podem desculpar com exigências militares. Assim tentaram destruir a ponte do Varosa junto de Lamego, e a da Régua, o que não conseguiram por o terem evitado fôrças minhas de infantaria.

Em Mirandela são conhecidos casos tremendos que ali se passaram. Um velho disse-me a mim que os monárquicos lhe tinham apontado as espingardas para dizer onde estavam suas filhas escondidas.

Em Bragança, propositadamente, os que acompanhavam as tropas revoltadas: destruíram tudo por onde passaram.

Uma outra selvajaria e estupidez foi a destruição da ponte sôbre o Douro, em Mosteiro. Essa ponte era uma obra de arte importante, que custou muito dinheiro e que só por malvadez se justifica, que fôsse destruída, porque nenhuma coluna precisava de utilizar-se dela para qualquer acção militar. Ela ligava ns duas margens do Douro, servindo principalmente os povos de Sinfães. A sua reconstrução há-de custar centenas de contos. Tem pegões de granito e alvenaria e o leito de ferro, ficando tudo muito danificado pela Dolência das explosões de dinamite que só empregou para a destruir.

Há necessidade de refazer aquela obra de arte, para servir os povos daquela região, que não têm outros meios de comunicação. Agora estão se servindo de barcos para fazer a passagem do rio. Isto é já difícil e será impossível logo que chegue o inverno. É justo que quem fez essa obra de destruição vá para o estrangeiro gozar regaladamente o dinheiro que subtraiu dos Lanços do norte e rir-se de ver aumentar os impostos para acudir a êstes e outros danos causados estupidamente, sem vantagem para ninguêm? Não: é justo que quem isto fez o pague? Chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior para êste assunto, tanto mais que sei que alguma cousa se tratou já a tal respeito. Oxalá que isso não fique só no papel e se efective por completo.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — O Sr. Abel Hipólito, nas suas considerações, começou, e isso lhe agradeço, por fazer justiça às intenções do Govêrno e até pessoalmente, às minhas, pela maneira como dirijo a política no Ministério do Interior. As expressões de S. Exa. foram justas, pois que o Govêrno foi ao encontro da opinião do Sr. Abel Hipólito, tomou resoluções sôbre os factos apontados por S. Exa., alguns dos quais não se passaram durante a gerência do actual Ministério.

Tive conhecimento dêsses factos e detalhada mente soube dos que ultimamente
se deram em Mortágua, pois que recebi telegramas do administrador do concelho, de particulares e do governador civil sôbre o assunto. Imediatamente dei providências no sentido que S. Exa. indicou, pedindo ao governador civil que, inspirando-se naquilo que na minha circular indiquei como norma do Govêrno, fizesse com que as autoridades suas subordinadas adoptassem a conduta que se lhes exigia.

Alêm disso, determinei que se fizesse um inquérito rigoroso sôbre os acontecimentos de Mortágua. O governador civil incumbiu um oficial do exército' de proceder a êsse inquérito, mas, como a burocracia tivesse demorado o andamento do assunto e como êsse oficial se não tivesse apresentado imediatamente, comuniquei o caso ao Sr. Ministro da Guerra e sei que foram já dadas ordens terminantes para que o inquérito se faça rapidamente.

Com respeito ao segundo caso transmitirei ao meu colega do Comércio as ob-

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servações de V. Exa. Realmente alguma cousa há a fazer no sentido indicado pelo Sr. Abel Hipólito. Foi apresentado na Câmara dos Srs. Deputados um projecto de indemnizações que visa os particulares. Se houver necessidade de o alterar mão vejo inconveniente nisso.

V". Es.a disse palavras de inteira justiça contra aqueles que têm procurado promover a ruína do País e que estão lá fora a rir-se e talvez preparando-se para novas perturbações.

O Sr. Abel Hipólito: — Não tenha V. Exa. dúvidas a êsse respeito.

O Orador: — Creio ter respondido ao que V. Exa. me perguntou.

O Sr. Abel Hipólito: — Muito obrigado.

O Sr. Jacinto Nunes: — Pedi há dias a palavra, Sr. Presidente, para quando estivesse premente o Sr. Ministro do Interior, a fim de tratar de assuntos do administração que são graves. Quero referir-me ao facto de serem inelegíveis para os corpos administrativos os funcionários de justiça. Ora, a êsse respeito impera a anarquia em todo o país. Se não, vejam:

Por ordem do Sr. governador civil de Faro, a Câmara eleita de Monchique teve de abandonar o município, de onde resultou estar ali funcionando uma comissão administrativa, da qual faz parte um escrivão de direito, que tambêm foi eleito para a Câmara Municipal. E o secretário geral, que é o agente do Ministério Público junto da auditoria, houve por bem cruzar os braços e ficar silencioso. Quer dizer, não requereu, perante a auditoria, a anulação dessa deliberação da autoridade suprema do distrito. Quando se votou nas Constituintes a extinção dos administradores de concelho, houve uma salva de palmas, tamanha era a má vontade contra êsses agentes eleitorais. Mas depois os chefes políticos começaram a cochichar, e vi logo que alguma cousa se tramava. Com efeito, um belo dia aparece um projecto de lei criando os comissariados de polícia municipal para substituírem os administradores de concelho.

Devo dizer ao Sr. Presidente do Ministério que os comissários de polícia municipal desempenham funções meramente policiais. Nos concelhos de 2.ª e 3.ª ordem os comissariados de polícia têm apenas um amanuense e um oficial de diligencias. Quando êsse projecto veio para o Senado, esta Câmara aprovou na íntegra as atribuições dos referidos comissários, mas a organização que dai resultou não foi incluída na lei de 1913, porque assim convinha aos diferentes partidos e à política, que muito se interessavam pela manutenção dos administradores de concelho.

Como faltava somente promulgar essa lei, a portaria de 13 de Julho de 1913 proíbe expressamente que sejam preenchidas definitivamente quaisquer vagas que se dêem nas administrações de concelho, para evitar que as câmaras criassem encargos novos.

Posteriormente, a lei de 31 de Julho de 1914 mandou anular todas as nomeações que tinham sido feitas, e, todavia, de então para cá têm sido inúmeras as nomeações de indivíduos para preenchimento de vagas nas administrações concelhias. Em Grândola não se tem procedido assim.

Quero ainda ocupar-me doutro caso. O administrador do concelho de Santa Marta de Penaguião protege escandalosamente os gatunos. Encobre os receptadores e não promove processos contra êles, como se prova com uma carta que tenho em meu poder.

O administrador dêsse concelho, o mantenedor da ordem, o homem cujo papel principal é fazer a polícia e cuja obrigação é trabalhar por manter a ordem pública, em lugar de prender os criminosos, protege-os. Nem participações faz ao delegado do Ministério Público dos crimes de que tem conhecimento. Assim, em primeiro lugar, o que há a fazer é saber, por intermédio do governador civil de Faro, o que há a respeito da Câmara de Monchique, que êle forçou a abandonar as cadeiras do município para a substituir por uma comissão administrativa, da qual fazia parte um cidadão que era inelegível. Peço a V. Exa. que suscite a observância da potraria que manda que nenhuma nomeação seja tornada efectiva nas administrações de concelho.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — Com rés-

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peito do cabo de Monchique, pelo Sr. Jacinto Nunes, devo dizer que houve uma ordem do Ministério transacto, determinando que as câmaras municipais que tinham sido eleitas,não deveriam tomar posse sem que o Parlamento resolvesse se as eleições tinham sido ordinárias ou extraordinárias. Como se estabelecesse controvérsia e em cada localidade se fizesse cousa diferente, foi ordenado que aquelas câmaras, que tinham já tomado posse, se conservassem, mais que nenhuma mais o fizesse sem o Parlamento resolver.

Resta saber se a Câmara Municipal de Monchique quis tomar posse depois desta, portaria ou se, pelo contrário, o governador civil de Faro lhe mandou dar posse antes de se deliberar nesta questão. Vou mandar averiguar como o caso se passou e providenciarei como fôr de justiça.

Com respeito aos funcionários de justiça serem ou não elegíveis, tambêm me informarei para, proceder convenientemente. Em todo o caso, quere-me parecer que os funcionários de justiça são elegíveis, não podendo fazer parte das comissões executivas dos corpos administrativos. Vem V. Exa. no Código Administrativo em vigor, o artigo 9.°, que assim a determina.

Com referência ao pessoal dos administradores de concelhos, direi que toda a gente os tem continuado a nomear, motivo por que, pela minha parte, fiz outro tanto. Pelo que se refere a empregados de administração de concelho, vou tomar as providências que mais justas lhe parecerem. A verdade, porêm, é que tenho pedidos de câmaras municipais no sentido de se fazerem novas admissões: o que prova que algumas há que as julgam vantajosas, não se importando com os encargos que elas trarão. Têm-me passado pelas mãos muitos pedidos dêsses.

Quanto aos factos ocorridos em Penaguião, tenho de mo informar para proceder.

O Sr. Jacinto Nunes: — O cuia só aplica não é o artigo 9.°, mas o artigo 8.° do Código Administrativo. E o que regula a esse; Estranho que ainda se conservem comissões à testa de municípios, porque nenhuma lei autoriza a nomeação de comissões administrativas, mas a lei ninguêm a cumpre. Lamento, pois, que o Govêrno mantenha ainda comissões sem autorização legal.

O dever do Govêrno deveria ter sido outro: reintegrar todas as corporações que tinham sido substituídas pelo dezembrismo. Isso sim; não tinha de nomear comissões. Quanto ao mais, fica bem demonstrado, com o texto legal, que não podem fazer parte dos corpos administrativos funcionários judiciais. Com relação aos excessos praticados pelo administrador de Penaguião, prometo trazer amanhã todos os elementos necessários para os esclarecer.

O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério, pôsto que o assunto a que vou referir-me devesse antes ser tratado pelo Sr. Ministro das Finanças.

Peço, porêm ao Sr. Presidente do Ministério, que dirige a política económica co Govêrno, como a política geral, o favor de tomar nota das considerações que vou fazer, para delas dar conhecimento aos seus colegas das Finanças e do Comércio.

Pertenço a um numeroso grupo parlamentar que deseja que o actual Govêrno se conserve por muito tempo nas cadeiras do Poder. Com isso muito lucrará o país, a meu ver, e o partido mostrando-se assim mais uma vez que o Partido Republicano Português é um partido de Govêrno.

Vem as minhas considerações a propósito dum artigo de fundo publicado no Século do dia 10 dêste mês. Não é artigo doutrinário, como outros que êste importante jornal da manhã tem publicado, mas é duma grande oportunidade.

Intitula-se «Protecções», e começa assim:

Leu.

Ouço há muito tempo falar na necessidade de rever as pautas alfandegárias, e, hoje como ontem, tenho a convicção de que é urgente fazer essa revisão, sem discutir neste momento se devemos optar pela doutrina proteccionista, se pela livre-campista, visto que algumas das condições do nosso problema económico se conservam por emquanto muito nebulosas.

Em seguida o artigo do Século, que reputo muito importante e de grande opor-

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tunidade, faz apreciações muito judiciosas e patrióticas sôbre o que deve ser a protecção à indústria portuguesa.

Não alongo as minhas considerações, porque em poucas palavras posso traduzir o meu pensamento.

O artigo, porêm, não se refere a uma causa importante do estado raquítico da indústria portuguesa. É a que resulta da acumulação de efeitos da protecção pautal e do regime de privilégio concedido pela lei chamada de protecção às novas indústrias.

Devem proteger-se as indústrias quando delas resulta benefício para a economia nacional; mas não se justifica a protecção se ela apenas aproveita a um indivíduo ou grupo interessado, concorrendo-se assim, pura e simplesmente, para a carestia da vida.

Parece-me errado que se continue a adoptar conjuntamente o sistema do previlégio interno com o da protecção pautal. Compreende-se e justifica-se que se protejam as indústrias nacionais contra a concorrência esmagadora das indústrias similares estrangeiras. Tudo mais é excesso que, na minha opinião, é uma das causas do definhamento em que, salvo notáveis excepções, se encontra a indústria portuguesa, sem estímulo para se aperfeiçoar e desenvolver, como teve para se estabelecer, certa de que, ao abrigo da lei citada, tinha dez anos garantidos para explorar a protecção pautal em benefício exclusivo dos capitais nela empregados. A lei do 30 de Setembro de 1892 e o seu regulamento de 19 de Junho de 1901 têm, pois, de ser revistos, juntamente com as pautas alfandegárias.

Está perfeitamente indicado que se protejam as indústrias nascentes contra a concorrência estrangeira e contra a concorrência deslial interna. Mas, uma vez lançadas e fortes de organização e técnica, nada podem recear da concorrência nacional, que só pode fazer-lhes bem, estimulando-as e obrigando-as a continuarem a aperfeiçoar e a melhorar os seus processos de fabrico, acompanhando por esta forma o desenvolvimento das suas similares estrangeiras.

Não se tem feito assim e por êsse motivo não é raro virem tais indústrias, passados os dez anos de privilégio, pedirem ao Estado maior protecção pautal.

O artigo de O Século, a que venho referindo-me, tem, portanto, a maior oportunidade.

Muitas destas indústrias têm nascido já sem condições de vida, resultantes da deficiência da sua organização financeira, embora disponham, em muitos casos, de bastantes competências técnicas, ao contrário do que se tem afirmado.

Para toda a indústria há um mínimo de produção, abaixo do qual a sua vida é precária.

Afirmo-o por experiência própria, e por um largo trabalho de investigação a que procedi, quer no país, quer no estrangeiro.

Entre nós raras são ab indústrias que não se encontram nesta situação de inferioridade, a tudo recorrendo para se arrastarem numa vida puramente artificial, com grande prejuízo para a economia pública e para o fomento da verdadeira indústria nacional.

Para o assunto chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério, pedindo-lhe o favor de transmitir estas considerações aos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio.

Repito: compreende-se a protecção contra a concorrência verdadeiramente esmagadora da indústria estrangeira, mas não contra a concorrência da indústria interna, cuja existência é necessária e útil.

As considerações do artigo de O Século tanto como as que acabo de fazer, são de boa colaboração com o Govêrno, no começo de realização do programa, muito interessante, que leu nesta Câmara, quando nela se apresentou. Tenho dito.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — Ouvi com toda a atenção a exposição feita pelo Sr. Herculano Galhardo. Conhecia já o artigo de O Século. Realmente é interessante, e encarregar-me hei de transmitir ao Sr. Ministro das Finanças todas as considerações de V. Exa., com a maior parte das quais concorda o Govêrno.

O que não posso desde já é dizer que o Govêrno tome qualquer compromisso no sentido do que nesse artigo se diz.

Lamento que os Srs. Ministros por cujas pastas o assunto diz respeito não estivessem presentes, para ouvirem as conside-

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rações que o ilustre Senador apresentou. Mas, certamente, Sua Exa. as não deixará de transmitir pessoalmente a Suas Exas.

Pela minha parte, procurarei informar os meus colegas o mais fielmente possível das considerações feitas pelo Sr. Herculano Galhardo.

O Sr. Herculano Galhardo (para caçoes): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para agradecer ao Sr. Presidente do Ministério a forma como acolheu as minhas considerações e para lhe dizer que não se trata de impor maneiras de ver, mas apenas de oferecer ao Govêrno uma colaboração lial e desinteressada.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — Entende perfeitamente V. Exa.

O Sr. Presidente: — O Sr. Júlio Ribeiro tinha pedido a urgência e dispensa do Regimento para um projecto que enviou para a Mesa. S. Exa. desistiu da dispensa do Regimento. Vou consultar o Senado sôbre a urgência.

Consultado o Senado sôbre se concedia urgência para o projecto do Sr. Ribeiro da, Silva, resolveu afirmativamente.

O Sr. Alfredo Portugal: — Mando para a Mesa um parecer em nome da comissão de cultuais.

Sr. Jacinto Nunes e o autor do projecto Sr. Ramos Preto.

Entendo, Sr. Presidente, que não devia demorar mais a discussão do artigo 2.º isto, pela minha parte, e creio que a Câmara está já suficientemente elucidada acerca do assunto que se trata e por, isso, envio para a Mesa a proposta de substituição a que me referi.

Tenho dito.

Propostas

Proposta de substituição ao artigo 2.º do projecto de lei n.° 14, que fica assim
Redigida:

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão do artigo 2.° do projecto de lei n.° 14. Tem a palavra o Sr. Alfredo Portugal, que tinha ficado com ela reservada.

O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente: na sessão passada, ou seja na sessão de quinta-feira última, e ao tratar-se da discussão do artigo 2.° do projecto de lei n.° 14, levantou-se, logo de princípio grande discussão e daí, a discordância de opiniões. O Sr. Jacinto Nunes disse que devia aquele artigo ser eliminado do projecto.

No emtanto, eu apresento uma proposta de substituição ao artigo 2.°, devendo desde já dizer, que, com ela concorda o

Art 1.° Alêm das multas impostas pela transgressão de posturas a que si referi o artigo anterior fica salvo o direito, à parto ofendida, de pedir pelos meios competentes a reparação civil ou criminal se ft ela houver lugar. — Alfredo Portugal.

Retirada.

Proponho que ao artigo 1.° do projecto de lei n.° 14, em seguida às palavras «não podem os juizes recusar-se a conhecer e a julgar a transgressão de disposições... etc. — Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta de substituição ao artigo 2.°

Foi lida, admitida e ficou em discussão juntamente com o artigo 2.° da proposta.

O Sr. Jacinto Nunes — Requeiro, Sr. Presidente, que se consulte o Senado, sôbre se permite que eu retire a minha proposta do eliminação.

O Senado aprovou êste requerimento.

O Sr. Jacinto Nunes: — Devo declarar a V. Exa. e à Câmara que nas posturas municipais de Grândola está essa disposição, e per isso estou pronto a votá-la.

O Sr. Oliveira e Castro: — Sr. Presidente: ou não tencionava pedir a palavra sôbrr o artigo 2.º, porêm, depois da proposta de substituição apresentada pelo Sr. Portugal e sôbre a qual se deram de acôrdo os Srs. Ramos Proto e José Jacinto Nunes, não posso deixar de declarar que ela vai contra os meus princípios e creio contra os princípios estabelecidos no Código Penal.

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Ora nessa sessão anterior não concordei com a proposta de eliminação do Sr. Jacinto Nunes pelos motivos que já apresentei, e porque, quanto ao artigo n.° 2, era preciso manter íntegros os princípios consignados nos Códigos Civil e Penal.

Desde que um, indivíduo seja condenado num processo dê coima, o prejudicado não pode ficar inibido de pedir a indemnização.

Mas a responsabilidade civil e a responsabilidade pela coima são distintas.

Se estas duas distinções se admitem, o que não pode admitir-se são distinções a respeito de penas.

Há um processo de coima por um caso de atentado à propriedade alheia e que pode ser classificado por dano ou furto.

Há uma participação pára juízo. O Ministério Público chega a certo ponto do processo e vê que não se traía de aplicar uma disposição preventiva, mas uma disposição repressiva.

Ora é justo que, depois de se chegar a averiguar um crime se fique num processo de crime e se vá depois instaurar um processo de crime dê furto?

No, Código Penal há uma disposição que declara que não há acumulação dê crimes quando se trata do mesmo caso.

Imagine-se um indivíduo que arremessa uma pedra a outro. Êste acto é um crime, o se a pedra feriu, causando impossibilidade de trabalho, o Código Penal estatui dizendo que é um crime de ofensas corporais com impossibilidade, de trabalho.

Se, o crime está previsto, em suas disposições diversas, havemos de aplicar as duas disposições?

Não pode ser.

Temos de ir para um.

Se a pedra causou ofensas corporal estamos dentro dum crime de ofensas corporais, se o ferimento é insignificante temos um crime de emprego de arma de arremesso.

Não me lembro agora dos números dos artigos do Código Penal que se referem a isso, parece-me serem os n.ºs 360 e 363.

Nestas condições, não vejo absolutamente nada, a não ser a indicação do Sr. Jacinto Nunes, que permite que, alêm da multa aplicada no processo de coima o indivíduo possa ser punido por uma disposição do Código Penal, conforme esta no projecto.

Desde que o Ministério Público é competente para instaurar processos de coima, êle faz o que eu fiz sempre, deixa o processo de coima e instaura um processo de furto ou dano.

Nesta conformidade entendo que o projecto, no artigo 2.°, deve ter uma disposição que faça cessar todo o outro processo criminal quando se veja que b facto deu origem a qualquer crime previsto e punido por disposição penal ou disposição legal, porque pode haver, independentemente do Código Penal, qualquer outra lei que aplique penas de transgressão.

As posturas tem de ficar no âmbito dos seus assuntos não podem ir mais alêm não podem imiscuir-se em assuntos de regulamentos gerais ou de natureza penal. Êstes é que são os princípios basilares da nossa legislação e não há nada que os contrario.

Cônscio de que, não deixando de falar sôbre êste assunto, procedi em harmonia com os meus deveres de representante da Nação.

Eu não tenho a veleidade de julgar que a minha substituição é uma Substituição de forma lapidar; mas o que entendo é que está moldada sôbre os princípios gerais de Direito.

Se a Câmara entender que as palavras nela contidas, podem ser modificadas, eu estou perfeitamente de acôrdo; mas se entender que êstes princípios não devem manter-se, eu desde já declaro que não posso concordar.

Mando para a Mesa a minha proposta de substituição.

Proposta

Proposta de substituirão do artigo 2.º do projecto de lei n.° 14:

Art. 2.° Cessará o procedimento que a punição das transgressões das disposições referidas no artigo anterior quando dê respectivo processo se constatar que o facto que lhe deu origem é previsto e punido por outras disposições legais. — António de Oliveira e Silva.

O Sr. Machado de Serpa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que, como Senador e relator da comissão, não concordo com a proposta que acaba de ser enviada para a Mesa.

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E não concordo porque ela é subversiva de todos os princípios elementares de jurisprudência.

Cada vez me convenço mais da legalidade e da procedência do artigo do projecto, tal como está redigido.

Eu ainda poderia concordar com a eliminação do artigo, mas com a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Oliveira e Castro, que salvo o devido respeito, é peor do que o soneto, não porque o soneto seja mau, é que não posso estar de acordo.

Nessa proposta estabelece-se que o arguido pode, pelo mesmo facto, responder em dois juízos diferentes.

Quer dizer, participa-se em juízo ima transgressão de polícia rural, mas fica sempre o direito de ir ao tribunal comum fazer a mesma queixa, e o arguido há-de ser julgado nas duas instâncias. É doutrina nova e novíssima e podia ser nova e ser boa; mas é nova e péssima, porque não se funda, em nenhum princípio de Direito, nem tem defesa possível, em face da jurisprudência estabelecida.

O artigo 2.° do projecto enferma dum grande mal, que é o de ter tido discussão, pois nem sempre da discussão nasce a luz.

Desta vez nasceu o contrário.

Se se olhasse e lesse, sem parti pris, o artigo do projecto, êle seria aprovado, mas tanto só leu, que quási se tresleu.

O artigo 1.º estabelece a doutrina de que a transgressão duma postura municipal há-de ser julgada pelo juiz, quando se perceber perfeitamente que se trata de matéria de polícia rural, isto para evitar; que os juizes deixassem de tomar conhecimento da participação.

O artigo 2.° apenas estabelece um,i jurisprudência: é que o ofendido pode de si para si entender que o facto arguido não é apenas uma simples infracção de polícia rural, mas tambêm um crime de furto ou de dano; e, em vista disso, não podemos deixar de atender ao artigo 3.° do projecto, dada a mesma por êle proposta sôbre a questão que se debato.

A Câmara está por certo senhora da questão.

E assim só há a especar que lhe resolva de harmonia com o que fôr prático e justo.

O Sr. Jacinto Nunes: — Começo por declarar que retirei a minha proposta de eliminação, porque estava convencido de que todos nos encontrávamos de acôrdo em vetar a proposta apresentada pelo Sr. Portugal.

Mas agora vejo que a questão renasceu.

Creio que os dois ilustres Senadores que me antecederam laboram num grande equívoco.

Vou fazer a demonstração.

O equívoco consiste era suporêm que a coima que é uma multa aplicada numa contravenção, é um delito ou um crime.

Não é. E apenas uma simples contravenção, como se prova com artigos do Código Penal, que a Câmara, nesse caso não desconhece.

Em face dêste artigo a questão fica clara.

Se V. Exas. me demonstrassem que a contravenção de uma postura é um crime ou delito, dar-lhes-ia razão.

O Sr. Ramos Preto: — Em primeiro lugar devo dizer que não me satisfaz nem resolve a questão, a emenda ao artigo 2.° apresentada pelo ilustre Sr. Oliveira e Castro.

Eu, como autor do projecto, tive em vista ao redigir o artigo 2.°, evitar que por efeito duma só transgressão se aplicassem as duas penalidades a que se refere o Sr. Jacinto Nunes, e que deixe-me S. Exa. dizer, justificou muito bem.

Ora vou dizer porque não estou de acôrdo com a emenda apresentada pelo Sr. Oliveira e Castro.

Os argumentos apresentados por S. Exa. assentam em princípios eivados de erros, como já e muito bem, repito, Sr. Dr. Jacinto Nunes, demonstrou.

Não compreendemos contravenção e crime.

São cousas bem diversas.

As características do crime são outras e bem diversas.

A transgressão quando tenha lugar é punida pelo Código de posturas, mas isso não inibe a parte lesada do pedir a reparação de perdas e danos se a elas houver lugar.

O prejudicado tem o direito de as exigir.

Parece-me portanto que a inclusão no projecto dêste princípio deve ser aceite,

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Como aliás o está estabelecido, não só em Portugal, como tambêm em França, que sôbre legislação rural tem princípios assentes e definidos.

A câmara municipal recebe a multa que é distribuída parte para a câmara, parte para o guarda campestre; ou parte para a gente da guarda republicana ou para o denunciante se não foi o guarda campestre ou a guarda republicana.

Êstes são os princípios.

Por conseguinte eu aceito n substituição, visto que se me afigura que ela conduz ao fim que se tem em vista.

O que eu quero é assegurar u cumprimento dos princípios consignados nos códigos de posturas cuja acção preventiva é manifesta e que pela simplicidade de processo na acção regressiva é eficaz.

Não há princípios de direito que inabilitem a parte ofendida a pedir, alêm da multa imposta e cabendo pela câmara, por efeito das disposições do Código de Posturas, acção de perdas e danos quando a ela. haja lugar.

Isto não é uma duplicação de pena.

Não duvido da sinceridade da exposição de princípios feita pelo Sr. Oliveira e Castro o que eu não posso é admiti-los como aceitáveis por que não são firmados como boa doutrina.

Só tenho a felicitar-me por ver bem acolhido ê aceite o projecto da minha autoria.

O Sr. Oliveira e Castro: — Sr. Presidente: se não fôsse por estar dentro dos princípios das leis gerais, eu até certo ponto concordava com a substituição, aã certeza, porêm, de que, estando a exercer o lugar He juiz eu não precisaria absolutamente nada do artigo 2.° Isto, é claro, de harmonia com as leis vigentes.

Portanto, êste ponto pode até ser considerado uma superfluidade. Mas o que é certo é que às vezes nos tribunais, levantam-se tais dúvidas e as leis prestam-se a tantas interpretações que se me afigura necessário fazer todo o possível na confecção das leis para evitar essas controvérsias.

Eu direi ao Sr. Ramos Preto uma cousa; não sei já estou afastado há muito tempo das funções de juiz de Direito, mas ainda assim, aponto todas as leis que se referem a êste caso e não vejo que haja lei que determine que as transgressões não sejam julgadas pelos juizes do Direito.

Diz S. Exa. que em França há êsse princípio consignado na proposta do Sr. Portugal. S. Exa. invoca a França, mas não invoca o nosso país, vai buscar uma legislação francesa e não vai buscar uma legislação especial do nosso país.

Nós temos princípios completamente diferentes. E como é que se pode aplicar um princípio aplicável em França e não está na nossa lei?

Há outro ponto com que não concordo. A questão da receita é tudo quanto há de mais incerto, não é para isso que as Câmaras fazem posturas, fazer nas contra os prejuízos que podem ser causados aos proprietários.

O meu ponto de vista prático sôbre o assunto é, principalmente, impedir que os gados invadam a propriedade alheia.

O Sr. Jacinto Nunes: — É para obrigar os juizes a respeitar as posturas municipais.

O Orador: — E principalmente com o fim de defender a propriedade alheia das invasões de animais alheios. Ai é que está o caso. Há pouco disse a V. Exa. que, para ruim, desnecessário era o artigo 2.°, mas como acho conveniente que os assuntos sejam bem esclarecidos, aceito essa disposição, para evitar de futuro dúvidas nos tribunais, porque, se os juizes não têm dúvidas, os advogados levantam-nas e às vezes não há meio de se chegar a um acordo.

Portanto, a nós legisladores cabe-nos o dever de fazer leis que se não prestem a diversas interpretações. Ora eu vou dizer qual o meu ponto de vista prático. Imagine V. Exa. que o gado entra na propriedade alheia. O que é que sucede? Aplica-se-lhe imediatamente esta disposição. Logo ela é preventiva.

Se o prejuízo se dá, fica o dono com o direito de determinar o valor dêsse prejuízo, fazendo-se o auto do corpo de delito indirecto requerido pelo delegado. Portanto, a minha proposta de substituição ia acabar com as dúvidas. Com a proposta do Sr. Alfredo Portugal vamos contrariar os princípios.

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O Sr. Jacinto Nunes (interrompendo): — Eu pediu simplesmente a leitura do ar ligo...

O Orador: — O artigo em questão é uma excepção e, portanto, não pode brigar com outro. O que eu quero evitar, não é a responsabilidade civil, que esta entendo eu que deve existir. É preciso que assentemos nisto.

O Sr. Jacinto Nunes: — Não confunda-mos!... Não confundamos...

O Orador: — Os códigos de posturas municipais regulam até sôbre assuntos que já estão regulados em outras leis.

O que eu venho dizendo é o que dizem todos os códigos de posturas.

V. Exa., Sr. Jacinto Nunes, mantém a sua opinião. Mas eu entendo que a minha está em harmonia com os princípios estabelecidos nas nossas leis.

Eu não faço questão de redacção, não sou como muitos que esporam sempre para dizerem a última palavra. Eu já disse a minha última idea sôbre os princípios consignados nos nossos códigos.

Não devem estabelecer-se princípios legislativos que não sejam harmónicos com essas leis.

Tenho dito.

O Sr. Pereira Osório: — Desde a última sessão que mais em mim se arreigou a convicção de que razão tinha eu quando apresentei a minha proposta de eliminarão do artigo 2.°

O projecto em discussão tem por fim julgar coimas e o seu artigo 1.° satisfaz plenamente o fim visado.

Nós não ternos que ver nem que discutir, se se podem acumular processos de coimas com os de dano ou outros, porque esta matéria já está regulada noutras leis a que o julgador terá de atender.

Se o proprietário entender que deve fazer uma queixa sôbre o crime de dano, faz essa queixa, incumbindo ao julgador dizer se ela prejudica ou é prejudicada pelo processo de coima.

Portanto, o artigo 2.° é aqui inútil, porque não vem fazer nada, e assim ea insisto na proposta que fiz, na sessão passada, da sua eliminação.

Tenho dito.

O Sr. Machado Serpa: — Custa-me menos, Sr. Presidente, concordar com a proposta de eliminação do que mandar uma emenda para a Mesa, e custa-me menos não pelas razões apresentadas pelo Sr. Pinto Osório, mas porque, para mim, é ponto de fé que nenhum juiz, absolutamente nenhum, se importará com um crime do mera transgressão desde que entoada que lhe é aplicável pena correspondendo a outro crime. E é contra os princípios aplicar-se a um mesmo delito mais penalidades.

As posturas municipais não são feitas como um de criar receita. Tomara as câmaras não ter ensejo de arrecadar um vintém que fôsse por multas de transgressões, nem elas estão à espera de semelhante receita.

Parece-me, pois, que se se conservar o artigo não virá daí grande mal, porque nele só estabelece um elementaríssimo princípio de jurisprudência.

Da maneira como o artigo está redigido concluíu-se que o juiz pode aplicar uma pena que, de facto, não existe. O juiz ti nhã de começar por dizer que, partindo do princípio de que tinha de utilizar determinada verba, condenava o delinquente não pelo delito de transgressão, mas por um outro mais grave. Como está redigido o artigo dá, margem a dúvida. Virá a ser uma fonte de chicana, como muito bom disse o Sr. Silveira e Castro. Não há juiz nenhum, que tenha bom senso, que se suporte com o que fica escrito no projecto. E assim o delito de transgressão seria sempre substituído por outro.

Concorde, pois, com a eliminação do artigo cue se discute.

O Sr. Alfredo Portugal: — Requere que o autorizem a retirar a substituição que mandou para a Mesa.

O Sr. Jacinto Nunes: — Requeri para retirar a minha proposta de emenda, imaginando que todos estavam de acôrdo sôbre a proposta formulada por V. Exa., xás vejo que assim não é, visto ter-se travado discussão sôbre ela. Assim peço que se consulte o Senado sôbre se permite que eu apresento novamente a proposta de eliminação. É êste o único meio de resolver o assunto.

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Foi lida a proposta de eliminação do Sr. Jacinto Nunes, posta a votação e aprovada.

Seguidamente são rejeitados o artigo 2.° e a substituição e aprovado o artigo 3.°

O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o projecto de lei n.° 7.

É lido na Mesa.

É o seguinte:

Artigo 1.° Os empregados dos corpos administrativos são inelegíveis para qualquer dos corpos referidos, quer se encontrem no serviço activo, quer na situação de aposentados.

Art. 2.° Tais empregados não podem, sob pena de demissão, aceitar o cargo de vogais de quaisquer comissões administrativas.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Senado, sala das sessões da comissão de administração pública, Julho de 1919. — Vasco Marques — Manuel Augusto Martins — Pedro Chaves — J. Jacinto Nunes, relator.

O Sr. Silva Barreto: — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para dizer a V. Exa. e à Câmara que não posso de forma nenhuma concordar com êste projecto, por isso que entendo que se trata duma questão constitucional. Assim, quando êle se discutir na especialidade, tratarei de mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.°, cuja doutrina não perfilho. Tenho a impressão de que se trata dum projecto de lei de circunstância. Procura--se evitar que superiores possam ser inferiores, dado o caso de serem eleitos para cargos administrativos e vice-versa. & Mas será bom o meio que se quere adoptar para o conseguir? Por agora nada mais direi sôbre o projecto, reservando--me para, quando êle se discutir na especialidade, mandar para a Mesa a proposta de substituição a que já me referi.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Está em discussão.

O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para declarar a V. Exa. e à Câmara que o Sr. Silva Barreto não leu tem a atenção devida o projecto que se discuto, pois estou certo de que, só o tivesse dito, não viria dizer o que disse.

O Sr. Silva Barreto: — Peço desculpa a V. Exa., mas tive o cuidado de ler todo o projecto.

O Orador: — Eu devo declarar a V. Exa. que se trata duma questão moral, pois entendo que um empregado duma câmara municipal não pode exercer condigna-mente o lugar de vogal duma junta geral e vice-versa, um empregado duma junta geral não pode exercer as funções de vereador municipal.

Isto não faz sentido e é para evitar êsse lapso da lei que o projecto tem o artigo a que V. Exa. se referiu.

É tudo quanto há de mais justo, mais disciplinador e tudo quanto há de mais moral, porque evidentemente um empregado duma câmara não pode com inteira independência ser vogal duma junta geral, corpo de hierarquia superior e onde vai dar ordens àqueles que, pelo menos, são seus colegas e por idêntica razão o mesmo digo com referência aos empregados dos demais corpos administrativos.

Isto é uma cousa imoral. Estas criaturas não podem ter autoridade moral sôbre os seus iguais e hão-de ter sempre uns superiores hierárquicos que ferirão de morte a boa disciplina que deve existir em todas as repartições públicas.

Não posso compreender o critério expendido pelo Sr. Silva Barreto, quando afinal se procura evitar a bem da disciplina casos como os referidos.

Eram deficiências que se encontravam na lei eleitoral e Código Administrativo que eram de remediar.

Era atentatório da boa doutrina que o simples tesoureiro duma câmara municipal fôsse como sucedia, presidente da junta geral do distrito e um simples oficial da junta geral, presidente da câmara municipal.

Por causa dêste e doutros casos, eis o motivo dêste projecto de lei, que espero seja aprovado na generalidade e na especialidade.

O Sr. Constâncio de Oliveira: — Estou de acôrdo com o projecto de lei

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tado, pelo menus na sua essência, porquanto dêle posso discordar tam somente na forma.

Aos factos apontados, pelo autor do projecto, para a sua justificação, tenho a acrescentar os seguintes:

A última comissão administrativa da Câmara Municipal de Lisboa teve, entre os seus membros, um empregado da Câmara.

Tendo sido ouvido sôbre o caso o advogado sindico, êste deu o parecer de uuo pelo Código Administrativo nenhum empregado da Câmara pode ser eleito para o corpo administrativo de cujo pessoal faz parte.

Tratando-se, porêm, duma comissão administrativa, nenhuma disposição legal impedia que para ela fossem nomeados funcionários administrativos, quaisquer que êles fossem.

Mas há mais.

Na actual vereação de Lisboa não está nenhum empregado da câmara, mas diversos fazem parte das juntas de paróquia, de que resultou, ainda há pouco, que, sendo convocadas as juntas de paróquia para um referendum) alguns, empregados camarários foram dar a sua sanção, actos da câmara de que são subordinados.

Devo acrescentar que da comissão administrativa transacta fez parte não só um empregado da câmara, mas ainda um indivíduo que tinha transacções com ela, em virtude dum contrato pelo qual recebia, em prestações, determinada quantia.

A lei de 7 de Agosto creio que considera tambêm inelegíveis os indivíduos que tenham contratos com a câmara.

O Sr. Jacinto Nunes: — Não podem fazer parte das comissões administrativas os indivíduos que não possam fazer parte das câmaras.

O Orador: — Em Lisboa não se tem aplicado essa legislação.

Chamando para êstes factos a atenção do Sr. relator, concluo, declarando que não posso, pelo que expus, de deixar de estar de acôrdo com o projecto em discussão.

Proposta

Proposta de substituição do artigo 1.° do projecto de lei n.° 7:

Artigo 1.° Os empregador dos corpos administrativos, quando em efectivo serviço, são inelegíveis para qualquer dos corpos referidos, sendo os que estão aposentados apenas elegíveis para os corpos administrativos com sede em área diversa daquela a que pertença o corpo administrativa por cujo cofre recebam a aposentação.— Constâncio de Oliveira. Foi aprovada.

O Sr. Presidente: — Não está mais ninguêm inscrito. Vai votar-se a generalidade do projecto.

Posta à votação, foi aprovada.

Passando-se à especialidade, é lido o artigo 1.°

O Sr. Silva Barreto: — Mando para a Mesa a seguinte

Proposta de substituição

Proponho que o artigo 1.° seja assim redigido:

Artigo 1.° Os empregados dos corpos administrai, vos, quando eleitos vogais destas entidades, passarão desde logo à situação de inactividade sem vencimento, e nela se conservarão até que novos eleitos legalmente os substituam.—A. M. da Silva Barreto.

É lida e admitida.

O Sr. Vasco Marques: — A substituição do artigo 1.°, mandada para a Mesa pelo Sr. Silva Barreto, vem corroborar aquilo que há pouco acabei de dizer.

S. Exa. reputa inconveniente a estada de simples empregados administrativos na situação de vogais dos mesmos corpos administrai-vos por isso se propõe que passem à inactividade ficando sem vencimento.

Todos sabem que o Supremo Tribunal Administrativo, bem ou mal—e não vem agora para o caso, discuti-lo — estabeleceu, como doutrina assente, que podem ser eleitos para os corpos administrativos as criaturas que não tenham apresentado as suas candidaturas, e, por conseguinte, podem ser eleitos indivíduos que nem pensaram em sê-lo, visto que dispensada a obrigação da candidatura, o eleitor escolhe, livremente, aquele que quiser.

Dêste modo, pode, de um momento para o outro, aparecer eleita uma criatura que nem sequer pensou em sê-lo, nem lhe convinha sê-lo.

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E nestas condições, se alguém, com influência, fizer triunfar uma eleição dum indivíduo que quiser prejudicar, por precisar, absolutamente, do seu ordenado, pode incluir o seu nome numa lista da junta municipal ou da junta da freguesia, o fazê-la triunfar. E como êsses cargos são obrigatórios, essa criatura não pode deixar de aceitá-los, ficando durante três anos receber o seu vencimento, o que é uma verdadeira violência.

Ora ou creio que não ò necessário mais nada para provar:

1.° Que é absolutamente indispensável que se não permita que os empregados dos corpos administrativos possam ser vogais em corpos similares, como, de resto, o reconheceu o Sr. Silva Barreto, com a sua proposta;

2.º Como ninguêm se pode eximir a exercer êsses lugares, desde que sejam eleitos, podo-se privar um chefe de família do seu único ganha pão, que £ o seu ordenado, durante três anos.

Suponho, portanto, que toda a Câmara verificará a necessidades de se aprovar o artigo 1.° conforme a redacção que lhe deu o Sr. Jacinto Nunes e rejeitar a proposta de substituição do Sr. Silva Barreto.

O Sr. Silva Barreto: Não foi, Sr. Presidente, sem estudo atento que me resolvi a apresentar a minha proposta. Li com atenção o projecto, li com atenção as considerações que o precedem, e bem assim o relatório ou o parecer da comissão de que é relator o nosso velho e querido colega Sr. Jacinto Nunes.

Estudei-o, como disse, e embora, aparentemente, parecesse de pouca monta, julgueio-o de grande importância, porque se me afigurou que, com êle, ia tirar direitos conferidos pelas leis em vigor, ou seja pelo Código Administrativo, pela lei eleitoral e até pela própria Constituição, que consigna os princípios que respeitam às pessoas que não podem ser privadas dos seus direitos políticos.

Mas agora apresenta-nos o autor dêste projecto, Sr. Vasco Marques, certas considerações que parece terem realmente calado no ânimo dos Srs. Senadores. Em mim não produziram, todavia, efeito igual.

O Sr. Machado de Serpa: — É difícil V. Exa. convencer-se.

O Orador: — Não há duvida. S. Exa. argumentou com pareceres do Supremo Tribunal Administrativo. Ora êsse tribunal é hoje o que era ontem, e dêle saem às vezes, nas mesmas causas ou em outras semelhantes, cousas diferentes. Isto disse-se no tempo da propaganda, há mais de vinte anos, e tenho ouvido afirmar sempre que êsse tribunal, a que chamam tribuneca, era daqueles que elaboraram pareceres em benefício de certas e determinadas pessoas.

Quando apresentei a minha proposta de substituição, tive por fim evitar o seguinte: toda a gente sabe que na província há cidadãos que desejam exercer funções públicas provenientes dum acto eleitoral; toda a gente sabre que o secretário duma câmara, duma junta geral, pela sua situação nos meios em que vive, aceitaria em determinados casos um lugar efectivo. Porque havemos de estar aqui a tirar um direito a quem podendo dispensar os seus vencimentos, queira fazer parte de corpos administrativos?

O Código dá aos indivíduos em tais condições o direito de serem eleitos. Como havemos, pois, de lho arrancar?

Pelos argumentos que ouvi aduzir, e nós só argumentamos com o que é mau pode qualquer político fazer eleger o seu adversário, e não digo inimigo porque não devemos confundir adversários com inimigos, para lhe fazer mal e fazer-lhe perder o seu lugar.

Creio que nunca se fez tal cousa, o creio que o Supremo Tribunal Administrativo não pode sancionar uma eleição realizada contra vontade do eleito.

O Sr. Vasco Marques: — O ilustre Senador Sr. Silva Barreto começou por fazer afirmações acêrca daquilo que se passa dentro do Supremo Tribunal Administrativo, assunto de que não quero ocupar-me nem discutir.

Interrupção do Sr. Silva Barreto.

O Orador: — Eu declarei apenas que não entro nessa ordem de considerações no que estou no meu pleno direito.

O Sr. Silva Barreto: — O que eu disse todos os republicanos sabem o que é.

O Orador: — Eu estou falando sôbre factos concretos.

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Todos os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo são unânimes no seu ponto de vista, isto é, que se pode eleger um indivíduo que não apresentou a sua candidatura, B essa eleição é válida para dos os efeitos.

O Sr. Silva Barreto: — As aventuras do Supremo Tribunal Administrativo para mim não fazem lei.

O Orador: — As decisões do Supremo Tribunal Administrativo são irrevogáveis e portanto todas as suas decisões têm sido válidas e todas se têm cumprido integralmente, como não podia deixar de ser.

Por conseguinte eu não fui buscar um argumento sem valor, mas sim todos os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que valêm como lei, e que têm de ser cumpridos integralmente.

Estas palavras tambêm ficam bem ao carácter nobre do Sr. Silva Barreto, que todos julgam incapaz de cometer uma acção menos digna. Mas S. Exa., avaliando os outros por si, tem a ingenuidade de acreditar — e fica-lhe bem esta ingenuidade— que ninguêm é capaz de proceder menos correctamente, quando S. Exa. não pode ignorar que muitas vozes por questões eleitorais se tem chegado a verdadeiros excessos até o crime de matar.

O Sr. Silva Barreto (interrompendo): — No bolchevismo talvez...

O Orador: — O bolchevismo é moderno e o crime de matar é antigo.

Parece-me que sustentar a doutrina do Sr. Silva Barreto é desconhecer por completo aquilo que se passa nos meios pequenos, onde a política é sempre apaixonada.

O artigo em questão é perfeitamente inadmissível. Com a aprovação dêle nós iríamos fornecer a vários elementos uma arma nova para exercerem vinganças.

Diz o Sr. Silva Barreto que mais tarde é que se levava recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, para que êle julgasse.

Eu posso dizer a S. Exa. que, se Tivesse tirado um pouco de tempo dos seus muitos afazeres para estudar as questões administrativas, veria que para haver recurso para o Supremo Tribunal Administrativo é preciso que êsse recurso seja legal. E desde que se estabeleceu a doutrina de que, não se apresentando candidatura, o indivíduo fica eleito, como é que depois se poderia mandar pôr na rua êsse indivíduo?

Mas, Sr. Presidente, como quer que fôsse, desde que é obrigação exercer os lugares de eleição, não havia fundamento legal para se apresentar reclamação.

Nestas condições, eu creio que o Sr. Silva Barreto, a cuja educação e beleza de sentimentos todos nós sabemos fazer justiça, já a esta hora está convencido de que o sou artigo é um elemento perigoso, e eu creio que S. Exa. será o primeiro a retirar a sua substituição, que enviou para a Mesa; e, desde que o não faça, declaro que não posso dar-lhe o meu voto e estou convencido de que todos os Srs. Senadores igualmente lho não podem dar.

Tenho dito.

O Sr.. Nunes do Nascimento: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de adicionamento a êste artigo 1.° A proposta do Sr. Vasco Marques teve em vista evitar graves inconvenientes; porêm, para que ela se torne clara, achei justo que ao artigo se acrescentasse alguma cousa. Por isso apresento a seguinte proposta:

Proponho que ao artigo 1.° se acrescentem as palavras «corporações administrativas».—José Nunes do Nascimento.

O Sr. Vasco Marques: — Pedi a palavra simplesmente para dizer que, pela minha parte, concordo com a emenda que acaba de ser proposta pelo Sr. Senador que acabou de falar.

O Sr. Jacinto Nunes: — Sr. Presidente: as palavras «corporações administrativas» são umas palavras muito genéricas. Compreendem não 30 as corporações municipais, como as juntas gerais de distrito e juntas de freguesia, e compreendem, alêm disso, as misericórdias, estabelecimentos de beneficência, etc. Ora não me parece que os empregados das misericórdias e dos estabelecimentos de piedade e beneficência devam ser compreendidos nesta proibição.

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O Sr. Constâncio de Oliveira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.° Em minha opinião a ilegibilidade não deve ser extensiva a todas as corporações administrativas.

O empregado da corporação administrativa A poderia ser elegível para a corporação administrativa B. Compreendo a inelegibilidade para aqueles que, exercendo a sua profissão numa determinada corporação, quiserem fazer parte dela. Assim, obviar-se-ia ao inconveniente da falta de elegíveis conhecedores dos assuntos que às corporações administrativas digam respeito.

A ilegibilidade para Deputado pelo círculo a que pertença a câmara municipal onde se fôr empregado existe. Podíamos, portanto, aproveitar o princípio para se aproveitarem os aposentados para o desempenho de funções administrativas.

É lida a proposta de substituição ao artigo e admitida à discussão.

O Sr. Jacinto Nunes: — Em nome da comissão declaro desistir da proposta.

É pôsto à votação o artigo da proposta e depois a substituição.

São rejeitados o artigo 1.° e o artigo 1.° da comissão de administração pública.

É rejeitada a proposta de substituição do Sr. Silva Barreto.

É aprovada a substituição do Sr. Constâncio de Oliveira.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 2.° do projecto, ficando em discussão.

O Sr. Jacinto Nunes: — Peço a V. Exa. que mande ler outra vez o artigo 2.° Foi lido.

O Sr. Silva Barreto: — Desejava, Sr. Presidente, que o relator ou o autor do projecto me explicasse a conveniência do artigo 2.° Se qualquer cidadão pode ser eleito e é obrigado a aceitar o lugar para deixar de ser remunerado, a que vem êste artigo 2.°?

Parece-me uma inutilidade, e assim eu vou mandar para a Mesa uma proposta de eliminação do artigo 2.°

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta de eliminação mandada para a Mesa pelo Sr. Silva Barreio.

Foi lida e admitida, e ficou em discussão juntamente com o artigo 2.°

O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente: a observação ou a pregunta feita pelo ilustre Senador Sr. Silva Barreto provêm duma confusão entre corpos administrativos e comissões administrativas.

Pelo artigo 2.° da lei n.° 88, os corpos administrativos são: no distrito a junta geral, no concelho a câmara municipal e na freguesia a junta de paróquia, hoje substituídas por juntas de freguesia pela lei de 23 de Junho, sob o n.° 621.

Ora, nestas condições, os que são eleitos para os corpos administrativos podem ser eleitos para as comissões administrativas, visto que são duas cousas absolutamente diferentes.

O que V. Exas. me poderão preguntar é se realmente as comissões administrativas têm existência legal, e eu, nesse caso, responderei que não têm existência legal, mas têm existência de facto, como de facto têm existência os artigos 16.° 17.°, 18.° a 19.° da lei n.° 88, a que já me referi.

Os corpos administrativos não podem ser dissolvidos senão pelos tribunais do contencioso administrativo, e, uma vez dissolvidos, têm de ser chamadas as comissões administrativas, constituídas pelos vogais substitutos que não tenham entrado em exercício.

Foram buscar empregados públicos dos corpos administrativos porque era exactamente sôbre êsses que mais depressa tinham acção aqueles que governavam.

Depois como castigar aqueles que, sendo empregados públicos, tinham maior obrigação para cumprir as leis?

Não tínhamos maneira alguma.

Ora, desde que se trata de remediar essas deficiências da lei, entendeu a comissão introduzir neste projecto a doutrina do artigo 2.°, para evitar que num período de ditadura mais uma vez o empregado dos corpos administrativos pudesse entrar nas comissões.

Necessário é que nos escudemos sôbre disposições de lei a fim de evitar que um empregado administrativo aceite funções em comissões ilegais e coadjuve quem malévolamente exerco uma acção conveniente de ser castigada.

Infelizmente toda a gente sabe o mal que produziram à República, que quási

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milagrosamente e tara somente pela grande devoção republicana do povo, do exército e da armada pode salvar-se ainda do caminho terrível em que ia sendo arrastada.

O Sr. Silva Barreto: — A argumentação produzida pelo Sr. Vasco Marques no que respeita ao artigo 1.° não me convenceu. Convenceu-me, porêm, absolutamente, a que respeita ao artigo 2.°, pelo que peço autorização para retirar a inintiíi proposta de eliminação dêsse artigo.

Consultado Senado, permitiu que a proposta fôsse retirada.

O Sr. Sousa da Câmara: — Concordo com o princípio estabelecido no artigo 2.° que acho bom e moral. Parece-me, porêm, que êsse artigo tem palavras a mais, que não são necessárias. Estamos a legislar para períodos normais. Não legislamos para períodos dictatoriais, porque o primeiro acto do ditador seria revogar por um decreto com fôrça de lei toda esta legislação.

Afigura-se-me que as palavras «sob pena de demissão» são escusadas. Para que serve esta pena de demissão? Quem nomeia não irá demitir. Façamos, portanto, a penas uma afirmação de princípios.

O Sr. Vasco Marques: — E certo que legislamos para períodos normais, mas verdade é que ninguêm deve obediência senão aos princípios legais e quando a ditadura acaba toda a obra dilatória, pode desaparecer e aqueles que infringiram a lei têm de responder por essa infracção.

Desde que se não diga a sob pena de demissão a disposição é platónica e é como se há-de fazer o ajuste de contas quando acabe a ditadura e se entre no período normal?

Certamente que, mesmo aqueles que quisessem fazer um julgamento, hesitariam na pena a aplicar, porque se produzia o argumento de que uma pena era benévola e outra muito severa.

Assim, estabelecida a pena votada pelo Parlamento, ao qual todos devem obediência, não há que hesitar; ao passo que às ditaduras, a quem ninguêm deve obediência, «e esta disposição fôr infringida, a todo o tem pó que se restabeleçam as boas normas constitucionais, já se podem exigir responsabilidades o já se sabe qual é a sanção legal a aplicar.

O Sr. Sousa da Câmara: — Sr. Presidente: não faço questão que fique o princípio, mis o que é verdade é que tenho visto algumas ditaduras no nosso país e n s suas obras vão ficando de pé. Se algum dia êste projecto fôr revogado, creia V. Exa. que não serão tomadas responsabilidades a ninguêm, como todos nós desejaríamos.

O Sr. Vasco Marques: — Pela minha parte espero ter a honra de aplicar a lei, se fôr preciso.

O Sr. Presidente: — Deu a hora de se encerrar a sessão. A próxima sessão é amanhã, à. hora regimental, ficando marcados para a ordem do dia os projectos n.ºs 507, 499, 490, 506, 521 e 513.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

O REDACTOR — Adelino Mendes.

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