Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 59
EM 19 E 20. DE JUNHO DE 1922
Presidência do Exmo. Sr. José Joaquim Pereira Osório
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
António Gomes de Sousa Varela
PRIMEIRA PARTE
Sumário. - Com a presença de 27 Srs. Senadores abre a sessão. Procede-se à leitura da acta, que é aprovada, e dá-se conta do expediente.
O Sr. Presidente propõe, com considerações elogiosas, saudações aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral pela feliz travessia do Atlântico ao Brasil, e ao Sr. Ministro da Marinha. A êste voto de saudação que foi, por aclamação, aprovado, associam-se os Srs. Silva Barreto, Augusto de Vasconcelos, Dias de Andrade, Lima Alves, Oriol Pena, Aragão é Brito, Júlio Ribeiro, Artur Costa, e Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses).
De todos os lados da Câmara se erguem vivas à Pátria e à República.
Na ordem do dia. - Entrou em discussão o projecto n.º 7 (tempo que os professores militares podem conservar-se no professorado), sendo aprovado.
Continuou a discussão do projecto n.º 59 (secretários de finanças). Falam os Srs. Augusto de Vasconcelos, Alves de Oliveira e Alfredo Portugal.
A requerimento, do Sr. Machado Serpa, que foi aprovado, interrompe-se esta discussão para ser discutido o projecto de lei n.º 9 (pensões). Usam da palavra vários Srs. Senadores, dos quais o Sr. Machado Serpa propôs uma pensão para a filha do falecido médico Câmara Pestana, e o Sr. Ribeiro de Melo propôs a nomeação de uma comissão incumbida de fiscalizar a concessão de pensões, retirando-as a quem não precisa. Ambas as propostas foram aprovadas.
O Sr. Presidente interrompe a sessão.
SEGUNDA PARTE
Continuação da sessão anterior, prosseguindo em discussão a proposta de lei sôbre as pensionistas do Estado.
São lidas as propostas do Sr. Ribeiro de Melo, que constituem dois artigos novos.
Usam da palavra os Srs. Teixeira da Silva, Ferreira de Simas, Mendes dos Reis, Pais Gomes, Vicente Ramos, Xavier da Silva, Joaquim Crisóstomo, Herculano Galhardo, Augusto de Vasconcelos, Afonso de Lemos, Machado Serpa e Godinho do Amaral.
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
António Alves de Oliveira Júnior.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
António de Medeiros Franco.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
João Catanho de Meneses.
João Carlos da Costa.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
João Maria da Cunha Barbosa.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
Página 2
2 Diário das Sessões do Senado
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodolfo Xavier da Silva.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
Artur Augusto da Costa.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto de Vera Cruz.
César Justino de Lima Alves.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Nicolau Mesquita.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.)
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
Álvaro António Bulhão Pato.
António Xavier Correia Barreto.
Constantino José dos Santos.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Elísio Pinto dê Almeida e Castro.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Trigo Motinho.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José António da Costa Júnior.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Júlio Maria Baptista.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Raimundo Enes Meira.
Silvestre Falcão.
Vasco Gonçalves
PRIMEIRA PARTE
Pelas 15 horas e 20 minutos, o Sr. Presidente manda proceder á chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 27 Srs. Senadores. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Da Associação Comercial do Bié, testando contra campanha Altos Comissários.
Para o "Diário do Govêrno".
Dos oficiais maquinistas mercantes, saudando o Senado pelo brilhante feito dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Para o "Diário do Govêrno".
Dos sargentos reclusos S. Julião da Barra, felicitando pelo glorioso feito dos aviadores portugueses.
Para o "Diário do Govêrno".
Ofícios
Do director da Faculdade de Sciências de Lisboa, pedindo que no Orçamento actualmente submetido à apreciação da comissão seja substituído o lugar designado por "porteiro" por um lugar de "servente".
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério da Justiça, comunicando que o director do Instituto de Medicina Legai de Lisboa oficiou àquele Ministério ponderando as graves dificuldades em que se encontra para manter os serviços daquele Instituto, pedindo, por isso, Modificação no Orçamento.
Para a comissão de Orçamento.
Página 3
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 3
Do Ministério da Guerra, satisfazendo o requerimento n.° 153, de 23 de Maio, do Sr. Mendes dos Reis.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, satisfazendo o requerimento do Sr. Roberto Baptista. Para a Secretaria.
Da Câmara dos Deputados, remetendo um novo autógrafo, que isenta de contribuição de registo de transmissão por título gratuito designados bens móveis e imóveis.
Para a comissão de Finanças.
Projectos de lei
Do Sr. Francisco José Pereira, relativo à cobrança coerciva das dívidas às câmaras municipais, que deverá ser feita pelas respectivas secretarias.
Para segunda leitura.
Do Sr. Roberto Baptista, elevando a 15$ o subsídio às viúvas e órfãos de oficiais da armada e do exército.
Para as comissões de marinha, guerra e finanças.
Requerimentos
Requeiro que, por todos os Ministérios, e por cada um dêles, me seja fornecida, com urgência, nota da despesa mensal média feita com gasolina, óleos e demais pertences dos automóveis ao serviço dêsses Ministérios ou pertença dêles.
Sala das Sessões do Senado, 19 de Junho de 1922. - Pais Gomes.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério do Trabalho, me seja enviada cópia da inscrição inicial da matriz para a inclusão de todos os bancos e banqueiros da região do sul, em virtude da lei n.° 1:274, de 5 de Junho de 1922. - Júlio Ribeiro.
Para a Secretaria.
Requeiro que, nos termos do artigo 32.° da Constituição Política da República, seja promulgado como lei o texto do projecto de lei n.º 316, sôbre caminhos de ferro nacionais, que foi aprovado nesta Câmara, e sôbre o qual a Câmara dos Deputados não se pronunciou em tempo competente.
Sala das Sessões do Senado, 19 de Junho de 1922. - Herculano Jorge Galhardo.
Para a Secretaria.
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 19, cedendo definitivamente à Misericórdia de Tentúgal o edifício do extinto convento do Carmo, para ser adaptado ao hospital.
Para imprimir e distribuir.
Da comissão de finanças, sôbre, o projecto de lei n.° 133, determinando que no dia da chegada dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Rio de Janeiro cessem as penas disciplinares aplicadas a todos os militares, e que sejam perdoadas as multas por transgressão de leis e regulamentos fiscais.
Para imprimir e distribuir.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 112, criando nova freguesia no lugar da Moçarria, concelho de Santarém.
Para imprimir e distribuir.
Da comissão de faltas, sôbre justificação de faltas do Sr. Oriol Pena.
Foi aprovado.
Últimas redacções
Aprovada a última redacção dó projecto de lei n.° 13: pessoal da fiscalização dos caminhos de ferro.
Aprovada a última redacção do projecto de lei n.° 20: Semi-Internato de Povo Santo e Escola Maternal e Profissional de Vairão.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Meus Senhores: sejam as primeiras palavras desta sessão de reverente homenagem e louvor para os dois eminentes portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, honra e glória dá nossa Pátria.
Êles são bem a encarnação das mais nobres incomparáveis virtudes e qualidades da raça portuguesa, tamanhas que o seu feito fez vibrar intensamente a alma de todos os portugueses, onde quer que êles existam, como se fora um só homem, sem distinções de idade ou sexo, de credo político ou confissão religiosa, desde o mais humilde ao mais alto magistrado da República. (Apoiados).
Página 4
4 Diário das Sessões do Senado
E porque são legítimo orgulho de Portugal e beneméritos da humanidade, que os contempla com admiração e pasmo, proponho para êsses dois heróis um enternecido e vibrante voto de saudação.
Ao Brasil, o povo irmão, que desde a primeira hora compartilhou do nosso sentimento e emoção, acompanhando carinhosa e enternecidamente o raid, em todas as suas vicissitudes de alegria e angústia, festejando com ruído e entusiasmo, iguais aos nossos, o remate vitorioso, proponho também, um voto de saudação e de indelével gratidão. (Muitos apoiados).
E porque para o bom êxito do glorioso feito muito concorreu o inteligente e patriótico desvelo do ilustre Ministro na Marinha, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, que nem um só momento, durante os intermináveis e ansiosos dias do raid, abandonou espiritual e materialmente os nossos queridos heróis, proponho para êle um voto de louvor. (Muitos e repetidos apoiados).
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e Cultos (Catanho de Meneses): - Sr. Presidente: depois das palavras, que V. Exa. acaba de pronunciar, o que eu vou dizer será apenas reflexo pálido e ténue; e, devo confessar, que nunca senti, como agora, a pena profunda das minhas palavras não poderem elevar-se à grande altura do meu sentimento, do sentimento de nós todos.
Sr. Presidente: ainda sinto no meu espírito aquela grande impressão de ansiedade, de receio, de nervosismo, que se sentiu no sábado ao notar-se que ia a passar a hora em que devíamos receber notícias dos nossos grandes aviadores.
Esta ansiedade, Sr. Presidente, êste receio, êste nervosismo que lavrava em todas as classes, em todos os corações, em todos os credos políticos, sem distinção de seitas, desde o mais inteligente ao mais humilde, mostrava que se tinha o profundo instinto de que alguma cousa se levantava de novo, de extraordinário, de glorioso, e que, na nossa Pátria, se erguia o nome dos nossos aviadores, o nome à& Portugal, à altura da sua história.
Sr. Presidente: efectivamente trata-se de um acto de heroísmo, misturado de sciência; de um heroísmo pensado, cheio de sciência e, sobretudo, do grande desejo de engrandecimento da Pátria.
Não foi uma simples, diversão, foi uma excelente forma de mostrar que a raça portuguesa, hoje, como outrora - no tempo em que abriram o caminho do mar com certeza matemática, tam perfeita - abriu o caminho do ar.
Isto enleva a alma, é uma nota de sol sôbre as manchas do nosso horizonte.
Sr. Presidente: tendo em tempos o discurso dum grande orador da nossa península, o imortal Castelar, com emoção profunda vi esta frase; "Se a América não existisse (dizia o grande orador), Deus tê-la-ia criado para compensar a fé de Colombo".
Pois bem! se as agruras desta viagem não fôssem uma condição natural dos elementos, era necessário que a natureza as tivesse criado para ainda levantar mais o nome dos heróis, porque tudo sofreram; viram diante de si a morte quando defronte dos rochedos observaram o avião quási sossobrar. Mas êles, com a coragem que nunca os deixou, foram socorridos depois por um navio, o Paris City, que navegava para as costas do Brasil. A êste, ao seu comandante, devemos não esquecer por um sentimento de gratidão e de agradecimento, porque a nação aliada, por meio do seu comandante, veio mais uma vez apertar os laços que unem as duas nações.
Sr. Presidente: os resultados desta viagem não são vulgares, não são resultados comuns, todos os compreendem, são resultados diplomáticos de primeira ordem, não se obtêm por meio de credenciais, porque as melhores credenciais foram as asas do seu avião.
O Brasil, a pátria irmã, a grande República dos Estados Unidos do Brasil abriu os braços carinhosos aos nossos filhos; êsse abraço de carinho foi um traço de união entre as duas nações; os nossos aviadores foram aportar a Pôrto Seguro e aí levantaram uma cruz como sinal da descoberta que haviam feito. Agora sucede que o grande Presidente da República irmã, a serem, verdadeiras as notícias, e eu creio que o são, conseguiu, como padrão glorioso do feito dos nossos aviadores, que aos rochedos de S. Pedro e S. Paulo fôssem postos os nomes de Gago
Página 5
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 5
Coutinho e Sacadura Cabral. Foi bem entendido, porque êsses rochedos são um grande símbolo; foram a pedra de toque da sciência dos nossos navegadores do ar.
Perdidos na imensidade do mar, êsses rochedos, que apenas têm 25 metros de altura e um comprimento que anda somente por 100 metros, foram, com o auxílio do sextante aperfeiçoado, encontrados por dois portugueses de modo idêntico àquele com que se navega sôbre as ondas.
Êsse aparelho deu as suas provas, mostrou ao mundo a sua excelência, porque descobriu os rochedos na amplidão enorme do mar.
Depois dêsse acto do Brasil, levantando como que um monumento à heroicidade e sciência dos nossos aviadores, depois do modo fraternal com que os tem recebido, depois das manifestações de carinho que lhes tem prestado, permita-me a Câmara que eu grite de todo o coração:
Viva Portugal! Vira o Brasil.
A Câmara correspondeu, com o maior entusiasmo, a êstes vivas.
O orador não reviu.
O Sr. Silva Barreto: - Em nome da maioria desta Câmara, associo-me jubilosamente aos votos propostos por V. Exa.
Foi um alto feito e de elevado significado o que acaba de ser levado a cabo pelos grandes aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Pena tenho de não dispor da necessária eloquência para exaltar os actos heróicos, e não menos scientíficos dos dois portugueses eminentes, que vão acrescentar à história dos seus maiores a mais brilhante página da nossa história.
Com o astrolábio dos antigos, mais tarde com o rudimentar sextante, e ambos com uma simples agulha de marear, conseguiram os nossos heróis de descobrimentos abalançar-se, com todo o arrojo e de sciência certa, à procura de afastadas terras, quer descobrindo-as pelo oriente, quer pelo ocidente.
Os feitos de Cabral e de Coutinho não são inferiores, Sr. Presidente, àqueles que praticaram o grande Gama, e o não menos imortal Álvares Cabral.
Sr. Presidente: houve quem duvidasse que os portugueses, aventurando-se a arrostar com a bravura incruenta dos oceanos e dos elementos, o fizessem por aventura despida do saber necessário.
Se a terra era redonda, pensaram os nossos descobridores, os nossos geógrafos, porque não procurariam pelo ocidente terras do oriente?
Da Escola de Sagres saíram os nossos maiores navegadores; e, em vida de D. João II os seus feitos excederam a espectativa de todo o mundo culto.
De facto o Brasil foi descoberto, e por que o foi pelo ocidente, durante séculos se chamou ao Brasil índias Ocidentais.
Não foram, portanto, as correntes do oceano revolto, nem foi o Adamastor que levaram Pedro Álvares Cabral a descobrir o caminho das índias Ocidentais pelo ocidente; foi, sim, a sciência, a sciência certa, segura, que indicava que, caminhando-se para o ocidente da Europa, se deviam encontrar, por fôrça, terras do oriente, e com razão, pois se a terra é redonda!
Reata-se a tradição histórica de Portugal, e reata-se porque, assim como fomos os iniciadores do descobrimento de terras pelo mar, somos agora também os iniciadores da descoberta de terras pelo ar.
Sr. Presidente: as descobertas da índia e do Brasil tiveram como cultores de tam grande façanha prosadores insignes, como João de Barros, Diogo do Couto e poetas como Luís de Camões.
Também os heróis do nosso tempo, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, hão-de ter os seus prosadores e poetas a enaltecer-lhes os seus feitos.
O feito de agora, absolutamente scientífico, confirma a precisão dos cálculos matemáticos, que levaram os aviadores Coutinho e Cabral a descobrir na imensidade do oceano um ponto mínimo - os rochedos de S. Pedro e S. Paulo.
Falo numa assemblea de letrados, falo num meio onde todos me excedem em saber.
Isto determina as coordenadas que levaram os nossos aviadores a encontrar com toda a precisão os minúsculos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, exceder toda a expectativa, ainda mesmo dos centros scientíficos.
A prova está em que as academias e os próprios chefes de Estado a uma voz nos saúdam e aos nossos heróis, que con-
Página 6
6 Diário das Sessões do Senado
seguiram resolver o problema mais interessante da navegação aérea.
Pena é que em Portugal só uma pequena parte possa compreender pela inteligência a grandeza do feito realizado (Apoiados); pena é que o analfabetismo em Portugal não permita ainda interpretar senão a uma pequena minoria, a heroicidade e saber de Sacadura Cabral e Gago Cotinnho. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Sr. Presidente: em nome do Partido Liberal associo-me com o maior entusiasmo, às propostas de V. Exa.
Sinto, nunca o senti mais, cão ser dotado da eloquência dum José Estêvão, ou do génio dum Guerra Junqneiro, para traduzir neste momento, em palavras magníficas, o sentimento que me vai na alma e a comoção, que tam violentamente me sacede. E que o feito, já historicamente glorioso, que nós festejamos é daqueles que, realizados por super homens, só poderão ser devidamente celebrados pela scentelha fulgurante do génio.
Visto, porém, que dela não disponho, infelizmente para mim e para V. Exas. permitir-me hão que eu analise a façanha, como qualquer mortal de escassos e minguados recursos.
Sobretudo e acima de tudo, ela é famosa sob o ponto de vista scientífico.
Já o disseram os Sadi-Lecointe, os Herreros, os Fonck, isto é, o que de mais competente se conta nos domínios da aviação; o problema da navegação aérea está definitivamente assente, e a descoberta dos processos seguros de a realizar pertencem a Gago Coutinho e a Sacadora Cabral.
Quando Alcock se lançou da América do Norte sôbre a Europa para realizar a travessia do Atlântico, fê-lo em um poderoso aparelho com todos os recursos de telegrafia sem fios, tendo navios escalonados ao longo do trajecto, e tini conjunto de precauções que, não só tornavam os riscos reduzidos, mas asseguravam a direcção por variados processes. Quando atingiu a Irlanda, Alcock não sabia onde estava; o seu primeiro cuidado foi preguntá-lo.
Quando se fez a travessia do Atlântico pelos Melro aviões americanos o mesmo luxo desprecauções foi tomado; o desvio ou a perda, sempre possível, estava afastado, cora as maiores probabilidades, já com a potência do aparelho, já pela multiplicidade das escalas e estações de socorro.
Na portentosa viagem de Sir Ross Smith, o malogrado piloto, de Londres à Austrália, igualmente se assegura o êxito pelas numerosas estações, e por toda nina cuidadosa organização de informações e de socorros, que largamente tiveram de ser utilizados.
Mas agora! Gago Coutinho e Sacadura Cabral confiaram na sciência e na Pátria, com um fraco e modesto aparelho desprovido de telegrafia sem fios, sem esquadras a estabelecer escalas, estudaram a sua viagem para a realizar só pelo génio da sua inventiva, e pelas energias da sua raça. (Apoiados).
Foram de Lisboa a Lãs Palmas, e de Lãs Palmas a Cabo Verde com a precisão matemática com que um comboio segue ao longo dos seus rails.
E de Cabo Verde lançaram-se para os rochedos de S. Paulo, a um milhar de milhas de distância, onde marcaram encontro a um minúsculo cruzador, certos de que desciam onde êle estava; ou desciam onde estava a morte, que os aguardaria no seio do Atlântico.
Serenamente, estòicamente, com aquela augusta temeridade dos maiores heróis da história, brindaram a ima vida em holocausto à sciência e à grandeza, da sua pátria. (Apoiados).
Porque não é lícito a ninguém supor que, naquele longo trajecto, já afastado das linhas usuais da navegação, alguma esperança lhes restaria se não cumprisse aquilo que os seus cálculos e as suas superiores capacidades de pilotos lhes prometiam.
Era a morte, provavelmente após longas horas de agonia.
Pois foram e venceram! Não conheço exemplo mais belo, nem no nosso tempo nem na história, de serenidade austera, de firmeza de ânimo, de abnegação, de grandeza de alma!
Aclama-os no Brasil, nosso filho dilecto, a alma de Portugal, com o carinho com que os filhos sabem aclamar os país. Aclama-os a Pátria reconhecida com as mais altas distinções que o Estado pode conferir.
Página 7
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 7
Nem as promoções, que não esperavam e que não queriam, nem as veneras, com que não sonhavam, constituirão, porém, a recompensa que lhes é devida pela Pátria agradecida. E preciso que, à sua volta, nós deponhamos a seus pés uma homenagem que lhes seja mais grata, a êsses homens que friamente encararam a morte pelo engrandecimento da sua Pátria.
É indispensável que, num esfôrço unânime todos os portugueses se unam para resolver o problema nacional; felizmente de solução relativamente fácil, e que numa conjugação de todos os nossos modestos recursos, sem divisões mesquinhas ou disputas odiosas, saibamos levantar bem alto essa Pátria, que, na grandeza sublime do seu feito, êles quiseram elevar à altura das maiores.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves: - Sr. Presidente: à aventura dêsses dois gloriosos aviadores não foi afinal senão uma justa e íntima colaboração da bravura com a prudência, da sciência com o patriotismo.
Sacadura Cabral e Gago Coutinho rasgando os ares, como os antigos portugueses rasgando os mares, glorificaram-se, tornaram-se grandes, e glorificaram e tornaram grande á pátria que tem a honra de os contar no numero dos seus filhos.
Gago Coutínho e Sacadura Cabral engrandeceram-se a si, engrandeceram a pátria e tornaram ao mesmo tempo o mundo miais pequeno, porque o mundo deminuiu de dimensões depois da conquista altamente scientífica dêsses dois grandes aviadores.
Hoje gasta-se um número de horas talvez inferior ao número de dias, que dantes se gastava num navio para se poder abraçar os nossos irmãos de além-mar,
Podemos hoje em poucas horas ir visitar êsses irmãos, ainda que seja numa fraca embarcação aérea, dotada de fracos recursos.
Portugal pode ir amanhã visitar todo o mundo, e em poucas horas, os portugueses que por todo o mundo estão espalhados glorificando a sua pátria, pelo seu trabalho e pelas suas qualidades, que tam profundamente caracterizam a raça portuguesa.
A humanidade inteira deve estar agradecida pelo feito heróico dêstes dois grandes navegadores do ar.
Como muito bem disse o Sr. Ministro da Justiça, o feito dos nossos dois aviadores é de elevadíssima importância, sob o ponto de vista diplomático, sob o ponto de vista económico, e não menos sob o ponto de vista social.
Estão arrasadas por Gago Coutinho e Sacadura Cabral as barreiras que, no mundo, distinguiam entre si as nacionalidades.
De ora avante todas as nacionalidades considerar-se hão como membros de uma única e grande família.
O facto social, Sr. Presidente, é êste, da mais elevada importância; sendo assim, não podia deixar de, em nome dos senadores reconstituintes, ligar o nosso voto ao voto proposto por V. Exa., em homenagem aos dois heróis.
Fez V. Exa. muito bem em salientar também o nosso dever de gratidão para com a nação irmã, o Brasil, pela forma como recebeu os nossos heróicos aviadores. A essa homenagem também me associo em nome dos Senadores reconstituintes.
Tenho a certeza de que através essa longa viagem, cheia de peripécias, umas vezes da mais brilhante esperança, outras vezes porventura dos mais acesos receios e de verdadeira coragem; essa viagem onde nem sequer faltou a tragédia; essa viagem através da qual corações portugueses pulavam numa verdadeira ansiedade, na dúvida e na esperança, estou convencido que, com os nossos corações, pulsava também o coração do Brasil.
O Brasil teve uma felicidade superior à nossa, teve a felicidade de receber nos seus braços os heróis onde "e levantaram mais alto certamente que o próprio píncaro o desceram com a maior facilidade; tiveram os brasileiros a felicidade de ver sair das nuvens e receber nos braços os heróicos aviadores portugueses. Puderam em primeiro lugar manifestar a sua admiração; e tiveram felicidade de lhes prestar, em primeira mão, as boas vindas e sinceras homenagens.
Não tivemos essa felicidade, mas contentamo-nos agora em dedicar-lhes uma sessão de homenagem, e, como muito bem disse o Sr. Augusto de Vasconcelos, não poderemos ficar por aqui.
Página 8
8 Diário das Sessões do Senado
Gago Coutinho e Sacadura Cabral são hoje os símbolos da Pátria.
Nós, os parlamentares, somos os verdadeiros representantes da Pátria.
Se não pudemos abraçar Gago Coutinho e Sacadora Cabral ao desembarcarem no Rio de Janeiro, ou em outras terras do Brasil, temos, como representantes legítimos que somos da Nação Portuguesas o dever e a obrigação de ser os primeiros a abraçar êsses dois heróis quando êles entrarem em Portugal.
Temos obrigação ainda, como representantes da Nação, de os trazer ao Palácio do Congresso da República para lhes depormos sôbre as suas cabeças os louros da vitória.
Sr. Presidente: V. Exa. propôs também um voto de congratulação e apoio ao Sr. Ministro da Marinha.
Voto também justo; e ao qual igualmente, me associo em nome dos Senadores do Partido de Reconstituição Nacional.
S. Exa., o Sr. Ministro da Marinha, é, efectivamente, digno de todos os elogios. Foi S. Exa. dos primeiros que compreenderam o alto alcance da emprêsas a que se propuseram os nossos navegadores do ar. O Sr. Ministro da Marinha não regateou facilitar-lhes tudo quanto fôsse possível, como membro do Govêrno, para que essa emprêsas chegasse a bom termo, arrostando, inclusivamente com censuras pela .sua imprudência.
S. Exa. fê-lo, porém, sempre com aquele sangue frio, com aquela tranquilidade que lhe dava o conhecimento que tinha dêsses dois portugueses. (Apoiados).
O Sr. Ministro da Marinha pode e deve, por consequência, ser elogiado. (Apoiados).
Assim o faço com muito prazer. (Apoiados).
Gago Coutinho e Sacadura Cabral são dois oficiais da marinha de guerra portuguesa; por isso se V. Exa., Sr. Presidente, me permite, junto ás saudações de. V. Exa., uma saudação também à marinha de guerra portuguesa (Apoiados), por ter no seu seio homens que, com Gago Coutinho e Sacadura Cabral, glorificam, não só uma nação, mas o mundo inteiro.
É esta uma proposta em que lodo o Seriado me acompanhará. (Apoiados).
Sr. Presidente: infelizmente as minhas palavras não podem ser apenas de congratulação, tenho também que manifestar a minha dor, bastante sentida, pelo desastre de ontem, em que ficaram carbonizadas várias pessoas pelo fogo de vistas, e em que morreram, DO Tejo, afogadas algumas outras, que certamente tinham ido prestar homenagem popular aos dois heróis.
Não quero ainda deixar neste momento de juntar às minhas palavras de homenagem e às minhas palavras de sentimento, as minhas palavras de protesto.
As minhas palavras de protesto são contra todos aqueles que, devendo compreender que chegou o momento em que são absolutamente necessárias a paz e a tranquilidade (Apoiados), ainda pretendem fazer e alimentar a perturbação no seio da Pátria. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Júlio Ribeiro: - Sr. Presidente: No ano seguinte ao da volta de Vasco da Gama, depois de haver cumprido a aventurosa e arrojada missão traçada pelo Infante D. Henrique, abrindo o caminho misterioso às não menos misteriosas regiões do Oriente, uma nova emprêsas marítima se iniciava e nos glorificava.
Em 9 de Março do ano de 1500, as naus do Sr. de Belmonte e alcaide-mor de Azurara, Pedro Alvares Cabral, levantavam ferro cortando as águas do Tejo em demanda do alto mar.
Por alturas de Cabo Verde, com surpresa, inefável contentamento, e alvoroço nas almas, avistaram terras desconhecidas, por todos ignoradas.
Para lá se dirigiram, e pouco tempo depois, nessas paragens formosíssimas, se arvorava altiva a bandeira gloriosa das quinas.
Terras de Santa Cruz. Quatrocentos e vinte e dois anos depois, heróis do espaço, almas da mesma raça, numa caravela do ar, subindo às alturas, onde nem as águias reais tinham trepado, foram por entre as estrelas descobrir uma nova estrada para as mesmas terras abençoadas.
Brasil, Pátria irmã, onde há sangue do nosso sangue, índole da nossa índole, civilização da nossa civilização, pedaço da alma de Portugal, ouvindo-se lá a mesma língua, e pressentindo-se que saudades partem constantemente como enviadas do
Página 9
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 9
coração para êste jardim da Europa, país do sonho, de lenda e de quimera.
Êsse Pégaso moderno do ar, soberbamente admirável, não levava nas suas asas de neve apenas Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Não!
Ia também a alma da Pátria! Ia o pensamento de Portugal! Ia o coração da raça! Ia a nessa vida, o nosso orgulho, o nosso destino! Ia a bíblia santa dos Lusíadas!
E revivendo assim as nossas aventuras, conquistas e façanhas épicas, mostrámos ao mundo que não desmerecemos ainda das gloriosas tradições de outrora, dêsses temerários lusos que colocaram padrões imorredouros em todas as partes do mundo, produzindo a História mais iluminada de todos os povos. (Apoiados).
Dest'arte, parafraseando o ilustre historiador moderno, podemos dizer orgulhosamente, entornecidamente, com os olhos da alma fixos na bandeira verde-rubra que os dois heróicos aviadores desfraldaram junto ao sol para que o mundo à visse bem:
A República Portuguesa repudia a cruz que os seus inimigos lhe profetizavam para morrer e mostra-lhes as asas com que ora voa pelo espaço infinito, como águia soberana do Universo.
Disse. (Muitos apoiados).
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Dias de Andrade: - Sr. Presidente: se eu pudesse com a magia duma palavra fazer que se erguessem dos seus túmulos as grandes figuras da nossa esplêndida epopeia marítima, ao pronunciar aqui estas palavras de verdade, elas veriam que Gago Coutinho e Sacadura Cabral são, pelos seus feitos heróicos, os seus legítimos continuadores nesta obra colossal de imortalização da nossa pátria.
Assim é, Sr. Presidente.
Debruçados sôbre o promontório de Sagres, profundámos numa intuição de videntes os segredos do Oceano, e fomos a África, a Tânger e à índia, possuímos um passado brilhante, passado que hoje, nesta hora de triunfo, revivemos no feito heróico dos nossos aviadores, que nos abrem de novo nos espaços do céu o caminho da glória. (Apoiados).
Nós revivemos o passado nesta hora e sentimo-lo com calor e um entusiasmo tal que eu nem sei, se até hoje, houve outro igual.
E tudo merecem êsses heróicos aviadores pela sua obra de coragem, audácia, serenidade, sciência, de fé e patriotismo.
Sr. Presidente: a minoria católica associa-se às homenagens propostas por V. Exa., com o mais sentido e sincero calor, e entusiasmo.
É que a minoria católica não pode esquecer, e não pode esquecer nenhum dos filhos de Portugal de que nas azas brancas dêsse hidroavião ia a Cruz de Cristo, êsse símbolo augusto da maior revolução moral que se fez nas consciências, e à sombra da qual se cobriu de glória e se iluminou o mundo. (Apoiados).
Foi por êste caminho, Sr. Presidente, e é por êste caminho de fé, de patriotismo, que se hão-de cumprir os altos e imortais destinos desta pátria portuguesa.
Tenho dito.
O orador nãa reviu.
O Sr. Aragão e Brito: - Sr. Presidente: depois das eloquentes orações proferidas, limito-me a associar-me, em nome dos Senadores independentes, com o maior entusiasmo, ao voto de saudação proposto por V. Exa. aos heróicos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, e faço os votos mais ardentes pára que esta aventura seja o início duma nova era de prosperidade para Portugal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Oriol Pena: - Sr. Presidente: depois de ter ouvido o verbo inspirado aos oradores que me precederam, e, mau grado meu, porque um incómodo de garganta com extinção de voz, do ilustre leader dêste lado da Câmara! e meu presado amigo, Sr. D. Tomás de Vilhena, o impede de falar, tenho eu de assumir o encargo de o fazer.
Associo-me, muito gostosamente e muito calorosamente, às expressões elevadas, que de todos os lados da Câmara se pronunciaram pelo sucesso incontestavelmente belo, e notavelmente grande dos nossos aviadores.
Sr. Presidente, é necessário ponderar
Página 10
10 Diário das Sessões do Senado
guíssima preparação anterior, obra de muitos, durante largo tempo, e não podem ter realização indiferentemente em qualquer época.
Para tornar possível um feito desta grandeza há trabalhos demorados e extensos, que vera crescendo de importância, e intensidade, sobretudo desde há cêrca de quarenta anos, produzidos pelos verdadeiros precursores da aviação; isto é, da possibilidade de o homem viver no ar, ou poder deslocar-se no ar, e que tiveram o seu início nos fins do século XVIII.
Deixando de parte o facto, mais ou menos lendário, de Bartolomeu Lourenço, que é hoje legitimamente contestado, poderei começar a fazer a história dêsses precursores pelos dois irmãos Montgolfier, que, partindo do princípio verdadeiro e da observação reflectida, e bem interpretada da subida do fumo no ar, se lembraram de que um invólucro que pudesse conter êsse fumo, também com êle subiria se fôsse suficientemente leve.
Procurando dar realização justiça à idea, que a criteriosa observação lhes sugerira, produziram e primeiro balão ovóide, que foi esfarrapado pela ignorância dos aldeões, quando foi cair junto da pequena povoação de Gonesse, em França, a poucas léguas de Paris.
Dias depois o notável professor de física, Charles, lembrando-se de que um gás mais leve do que o ar, devia dar o mesmo efeito, fez com um balão de seda as experiências nos jardins de La Muette e logo, de uma assentada, com a faísca do génio francês, transformou o balão dos irmãos Montgolfier num outro balão, tendo-o criado de forma esférica, com o apêndice, a rêde, o cordame, a barquinha, a âncora, o lastro e a válvula de esvaziamento, todos os acessórios emfim, que, ainda hoje são as principais e indispensáveis peças de que se compõe um balão livre.
Nesse balão, ou em outro semelhante, fez o professor Charles, acompanhado do químico Robert, uma ascensão que julgo não repetiu. A demonstração estava feita.
Biet e Gay-Lussac servem-se de um balão semelhante para fazerem experiências de física a boa altura.
Em Inglaterra, Glaisher e Cokswell tentam uma ascensão de altitude em que pensam ter atingido cêrca de 10:000 metros o que se reputa exagero, com bons fundamentos.
As experiências scientificamente conduzidas tem os seus resultados confirmados e aproveitados mais tarde, depois da implantação da República de 1793 e nas guerras feitas pelo exercito francês, no emprêgo do balão como pôsto de observação. As ordens do capitão Couteile, encarregado dêsses serviços, e que o emprêgou, como balão cativo, na batalha de Fleurus, deu excelentes resultados.
Desta aplicação â guerra e às observações milhares, derivam os drachen alemães, de forma estranha e curiosa, que se podem considerar como os actuais representantes, muito melhorados, das tentativas e trabalhos de Coutelle.
Como consequência da modificação dos balões de Montgolfier o italiano Zambeccari vê incendiar-se-lhe o balão, em que o ar era aquecido por meio de um fogareiro do álcool, cai no Adriático e é salvo milagrosamente, depois de horas de aflição, por uma barca de pescadores.
Muito mais tarde, já aos nossos dias, torna-se muito notável o aviador profissional Godard, que conseguiu fazer um milhar de ascensões, sem incidentes graves, e conquista autoridade aperfeiçoando a técnica da aviação do balão sôlto e servindo de companheiro prudente e auxiliar eficaz a todas as tentativas que, mais tarde, notáveis sábios e observadores fizeram em França no interêsse da sciência.
Passou-se depois para os balões fusiformes e tentaram-se os primeiros ensaios de direcção.
O primeiro é feito com o balão do engenheiro Henry Giffard, a quem se deve o injector ainda hoje usado nas máquinas d^ vapor, e que, tendo feito a sua educação à custa de um trabalho penoso da sua própria mãe, conseguiu deixar um nome ilustre e venerado e apreciável fortuna. Estudou e fez construir expressamente um motor de vapor, ligeiro quanto possível e de tiragem invertida, com o qual conseguia o primeiro resultado palpável.
Mais tarde o notável engenheiro Dupuy de Lôme, na falta de motor mecânico apropriado, tenta experiências com um balão a que adaptou uma hélice movida por dez ou doze homens, sem conseguir resultados superiores aos de Giffard.
Vieram depois os irmãos Tissandier,
Página 11
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 11
um dos quais se tinha arriscado à morte numa ascensão de grande altitude, no balão livre em que os seus dois companheiros Grocé Spinelli e Sivel perderam a vida e de que se salvou milagrosamente. Conseguiram mais tarde, numa ascensão bem estudada, bom resultado, com um motor eléctrico, num balão que o seu patriotismo construiu, equipou e custeou.
Chegou-se posteriormente a um resultado mais positivo, já com o auxílio do Govêrno Francês, em que o coronel Renard, então capitão, e o major Erebs lograram no parque aerostático de Meudon, se não estou em êrro, fazer sair um balão com um motor eléctrico accionado por uma pilha de sua invenção, conseguindo fazer circuito fechado e voltar 30 ponto de partida.
Não devemos esquecer os patriotas Deutsche (de la Meurthe) e Lebaudy, que põem as suas fortunas à disposição dos sábios, e dos audazes que pilotaram diversos balões, e obtiveram os primeiros resultados práticos de navegação contra o vento, mais ou menos directo, aproveitando bom o esfôrço do motor, levando em conta o abatimento, e fazendo tudo o que era necessário para se chegar ao fim desejado.
Seguem-se as experiências de Santos Dumont, repetidas insistentemente, de que não é ocioso falar aqui, porque êsse rapaz de origem franco-portuguesa, é um distinto filho do Brasil, tendo gasto grandes quantias com a aviação.
Vem depois o conde Zeppelin, notável pela sua persistência e concepção grandiosa, pelo auxílio que o Govêrno Alemão largamente lhe deu para as suas experiências, e que tanto incomodou os aliados, durante a guerra, cujos resultados ainda hoje estamos padecendo.
Tinham-se com os balões mais leves do que o ar conseguido resultados apreciáveis, que não é inútil recordar agora.
Dêstes precursores da aviação muitos morreram e alguns de desastres, como aconteceu a Pilâtre de Rosiers e Romain, que caíram nos areais de Dieppe de um balão, infeliz produto híbrido dos balões de Montgolfier e do de Charles.
Uma aviatriz notável, Mme. Blanchard, muito popular no seu tempo e muito arrojada, encontrou também a morte numa queda fatal.
As vítimas da aviação já eram computadas em quatro centenas nos fins de 1912! Em quantos milhares estarão hoje?
Começaram depois as experiências dos mais pesados do que o ar: helicópteros e simples brinquedos de Pénaud, em França; pairadores de várias espécies, representadas em França pelas experiências e estudos de Vítor-Tatin, sem resultados positivos e sem consequências práticas; seguidas das de Lillienthal, na Alemanha, que depois de repetidos ensaios, num interessante aparelho, acabou por se matar num voo de uma colina de perfil bastante inclinado e sem auxílio do motor.
Essas experiências foram recomeçadas pelo americano Chanute que conseguiu alguns resultados favoráveis e que foi, por assim dizer, o mestre dos Wright, que chegaram a voar um quilómetro, num aparelho sem motor, quando lançado de uma colina pouco elevada.
Em França, essas experiências, de pairadores foram tentadas pessoalmente por um homem rico, agente de câmbios, Archdeacon, sportman francês ainda que de nome inglês, que nelas gastou esfôrço e dinheiro.
Seguem-se os trabalhos e experiências feitas pelo capitão e depois major Ferber, que fez os primeiros estudos scientíficos e rigorosos das asas do avião.
Êste oficial, cujo nome há-de figurar para sempre na história da aviação, definiu, as tentativas e o método de as fazer progressivamente em duas frases muito sucintas e modelares, E a primeira:
"Passo a passo, salto a salto, voo a voo", a que acrescentou que, quando houvesse um motor mecânico capaz de dar velocidade e estabilidade ao aparelho na atmosfera, se devia fatalmente transformar na seguinte:
"Cidade a cidade; capital a capital; continente a continente".
Verdadeiro precursor de génio, é um profeta de visão clara êste homem que, infelizmente, numa das primeiras experiências com motor, caiu e morreu. Foi êle o último que se serviu dos pairadores antes de ganharem importância e frequência as experiências com os aeroplanos.
Começam as tentativas dos aeroplanos: Hiram Maxim, engenheiro inglês, experimenta um aparelho que não consegue voar; o engenheiro francês, Ader, consegue fa-
Página 12
12 Diário das Sessões do Senado
zer com um interessante aparelhos em forma de morcego, que hoje está religiosamente guardado no conservatório do artes e ofícios, os primeiros voos, sendo um de 300 metros, que êle, ciosamente, conservou secretos porque, patriota, não queria que os inimigos do seu país tivessem. conhecimento de uma conquista que queria reservar para a sua pátria.
A seguir apareceu o aparelho de Santos Dumont, inventor de. grandes qualidades.,
Era aviador imaginativo, persistente, corajoso, rico, e quási imponderável; tam leve que mal chegava a pesar 50 quilogramas, o que era uma condição essencial, excelente para tentar experiências com os aparelhos imperfeitos de então num meio de tam pouca densidade como é o ar.
Efectivamente, conseguiu os primeiros resultados; fez alguns voos muito curiós e outros de centenas de metros, e, caso curioso, que vem provar quanto às vezes um acaso feliz nos primeiros ensaios de uma invenção tem benéfica influência e efeitos prontos, êste começo de resultados incompletos, deu tam grande impulso às tentativas da aviação que levou uma plêiade de engenheiros distintos a apaixonar-se pelo problema, a estudá-lo nos inúmeros e complicados pormenores, e fez que não faltassem os capitais indispensáveis para os estudos se levarem a bom termo! Verificou-se mais tarde que o aparelho que obteve tal resultado era, de todos os que então se experimentavam, o que menos condições técnicas tinha para voar.
Pelo mesmo tempo se fizeram as tentativas de Farraan, tendo-se conseguido uns voos já mais alongados.
É então que, assistindo às experiências de Farman, um dos irmãos Wright, Orville, que se achava em França, pronuncia distraidamente a frase que ficou célebre:
"Good! but we have bettor done", que em português diz exactamente: "Bom, mas nós fizeznos melhor!"
Esta frase tinha caído no ouvido de um jornalista que se achava próximo e sabia inglês, e assim foi conhecida e divulgada.
Dêsse dia memorável datam os progressos diários e constantes que levaram os aparelhos de aviação ao estado de aperfeiçoamento em que se encontraram os aviadores portugueses, e tornou possível o seu glorioso feito.
Não bastava isto ainda. Era necessário criar o motor ligeiro, forte, resistente, prático, que pudesse ter as condições de segurança para se poderem tentar os grandes vôos.
Isso deve-se, sobretudo, a um engenheiro francês Fernand Furrest que morreu na miséria, mas que estudou em modelos todos os aperfeiçoamentos de motores de explosão, dos simples aos policilíndricos.
Êstes modelos estão hoje no conservatório das artes e ofícios de Paris.
Depois disso, em Paris, e ainda no período de hesitações, o conde, mais tarde marques de Dion, a propósito de qualquer cousa para, que o interessa a colaboração de um mecânico hábil e inteligente, toma contacto com Bouton, modesto construtor mecânico de Paris, faz com êle uma sociedade, e é esta que põe as ideas de Forrest em prática, e, com trabalho demorado e intenso, consegue tornar viável o primeiro pequeno motor de explosão e adaptá-lo a um triciclo, que se pode considerar ter constituído o primeiro automóvel, e assim foi largamente usado e conhecido.
Êste modesto motor, criado para um fim especial, é, no fim de contas, o pai de todos os motores de explosão até hoje conhecidos.
Dêle parte a série de motores que vão aumentando de fôrça e de número de cilindros até ao 12 cilindros de Levasseur, a que êste engenheiro deu o nome de "Antoinette" e foi aplicado nos primeiros aeroplanos, construídos já industrialmente.
Robert Esnault Pelterie cria o motor de estrela a que se seguem os motores rotativos variados, a que se ligam os nomes de Anzani e outros e os que foram chamados Gnome, Rhone e parece estarem, actualmente, mais abandonados.
Entre os que agora têm maior voga, nota-se o francês de Renault e o inglês de Roll's Royce que, não sendo rotativos, são de fabricação muito perfeita e muito adoptados nos aviões actuais.
Ora, muito embora a Câmara se tenha fatigado um pouco com êste estendal de nomes estrangeiros, e com esta série de factos, que procurei reduzir a um estrito
Página 13
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 13
mínimo, e em que toquei muito pela rama, entendi que, vendo-me forçado a falar, não devia esquecer o nome dêsses homens que por acaso tenho de memória, e que há pouco notei neste papel para que, entre tantos outros, êsses, ao menos, me não escapassem e não deixasse de lhes consagrar algumas palavras.
O barulho que, contra a vontade dos aviadores, se tem feito à roda desta tentativa, em festejos, fora de propósito até agora, e em confusos e discordes artigos de jornais, levaram o, país a um estado de nervosismo que tem feito recear ver transformado em loucura generalizada o entusiasmo exagerado, e só agora legítimo, pelo feito praticado.
O delírio chegou ao ponto de termos a impressão de que os jornais de grande circulação, em rija peleja e com muitos bonecos à mistura, disputavam e discutiam com tal calor, que davam a idea de estarem muito convencidos de que teriam inventado os motores, as asas, a hélice, os aparelhos de observação, e, possivelmente, gerado os aviadores.
Pareceu-me conveniente, desde que falava em público, querer repor nos seus precisos termos o valor dêsse feito que, não será demais lembrar, ia custando a vida a êsses homens, verdadeiros valores nacionais, que Deus guardo por muitos anos.
Como disse a princípio, associo-me, cora todo o calor, às homenagens que se prestam aos dois aviadores - nenhuma agora é grande de mais - e às que se prestam ao Brasil que tam carinhosa e nobremente, os recebeu e festeja.
Quero frisar bem que o resultado final desta travessia se deve unicamente ao génio dos dois homens que a tentaram.
Mesmo, que a tivessem acabado junto aos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, nem isso lhes deminuiria o valor, e aí é efectivamente notável que êles devam a vida a uma destas cousas a que os crentes chamam milagre, e que é, pelo menos, uma estranha coincidência.
De facto, o cruzador português que estava a auxiliar a viagem mantinha-se, rigorosamente, na linha e ponto marcado que os aviadores não puderam alcançar. Procuram por êsse motivo, em boa direcção, alcançar a linha de navegação, a que certamente o era, e que do ponto em que estavam se afastava sensivelmente dezoito milhas.
Por seu lado o Paris City imagina procurar a linha dos penedos a Fernando de Noronua, mas como, sem o saber, traz o ponto errado 18 milhas, está de facto ainda na linha de navegação mais frequentada, encontra-os dez minutos depois de entrar nela e pode recolhê-los!
Se porventura só não dá êste êrro providencial, ou o êrro não é de molde a compensar o desvio voluntário que o avião tinha procurado atingir fazendo trabalhar o motor, os aviadores estariam mortos a estas horas.
Invoquei aqui, quando soube que estavam salvos, "a Padroeira! Invoco-a ainda agora e atribuo-lhe essa acção protectora! Chamem-lhe acaso, se quiserem, mas creio que os aviadores não se convencerão que acaso fôsse! É efectivamente caso para reflectir e meditar se foi, ou não, a acção da providência, que fez com que êles se salvassem e permitiu um conjunto de circunstâncias em que um êrro no cálculo da posição do navio, que passa, dê tal resultado.
Meditemos, e agradeçamos ao. jovem jornalista de O Dia, representante de um nome, de dois nomes ilustres, que nos pôde fornecer a notícia dêste acontecimento, nos seus dados essenciais; e pôde fazê-lo porque se sacrificou - ao contrário do que aconteceu aos reporters de outros jornais - a ficar na Ilha de Fernando de Noronha, rodeado de presidiários, para poder colhêr os resultados em primeira mão. A isso se deve sabermos o local onde êsses homens foram salvos e os pormenores do salvamento.
Todo o resto estava, por assim dizer, previsto.
A apoteose merecidíssima que lhes foi feita está bem no feitio brasileiro, nos costumes da nossa raça, no entusiasmo dos latinos; e é o prémio devido à coragem, à pertinácia, à sciência, ao deprêzo da vida e à lembrança da Pátria, que animou êsses dois homens competentes, enérgicos e audazes.
Veio-me a curiosidade de procurar saber quais eram os trabalhos dêsses homens. Achei-os registados em artigos publicados nos Anais do Club Militar Naval, que, no seu número de Agosto de 1921, traz o relato completo da viagem
Página 14
14 Diário das Sessões do Senado
à Madeira, e em Novembro do mesmo ano a descrição sumária, em francês, do corretor de derrota (plaque do abatimento). O sextante foi descrito nos mesmos Anais em 1919, a p. 364.
Disse-se aí por toda a parte ene, depois do passeio à Madeira, o Sr. Gago Coutinho dissera entusiasmado:
"Podemos ir procurar agulhas no meio do mar!"
Parecerá a muitos que isto seja uma espanholada. Não a mim que considero o dito uma síntese brilhante, de forma pitoresca, de um facto que os troços conhecidos da viagem, sobretudo o de Cabo Verde aos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, tam notavelmente confirmam.
Muitos imaginam que a ida à Madeira se fez usando da modificação introduzida no sextante a para o qual o inventor propõe é nome de "astrolábio de precisão". É um êrro; o próprio Gago Continuo afirma, no relato do passeio à Madeira, nas dezassete observações que faz, só se serviu do horizonte de mar. Êsse explica o que eu aqui aventei o produziu tanta impressão de desagrado na Câmara. Diz, textualmente o seguinte, no fim do artigo:
"Mas como a minha disposição não está privilegiada, nem tenho tenção de a fazer privilegiar em Portugal, fica o campo aberto a todas as tentativas para uma mais ou menos larga modificação".
E mais abaixo:
"E foi necessário que a navegação aérea viesse tornai palpitante a solução dêste problema, à qual eu tentei concorrer com uma disposição que se me afigura difícil de realizar com mais simplicidade".
Quem escreve assim é decerto homem de abnegação, patriotismo e sciência, liberto de especulações. Honra lhe seja.
Resta-me pedir desculpa ao Senado do tempo eu que lhe fatiguei a atenção e pedir-lhe que conigo exclame:
Vivam os aviadores!
Viva a Pátria!
O Sr. Artur Costa: - Já o Sr. Silva Barreto se associou, pelo Partido Republicano Português, à proposta de V. Exa.; dispenso-me, pois, de fazer largas considerações.
Associo-me à proposta de V. Exa. e também ao aditamento proposto pelo Sr. Lima Alves.
Pertencem êsses dois gloriosos aviadores a essa nobre corporação que sempre tem pugnado pela Pátria em todas as contingências, através dos séculos, em feitos que rememorar, seria um pleonasmo.
Mas desculpem se ponho uma nota de tristeza mis minhas palavras.
Refiro-me ao desastre sucedido no Tejo por ocasião do fogo de artifício.
Pois que é possível conceber-se que dentro dum batelão onde estava armazenado fogo pudessem estar homens, mulheres e crianças?
Quem dirigiu êsse serviço? Quem superintendeu nele?
Quem tem a responsabilidade dêsse desastre?
É preciso que, duma vez para sempre, acabem no nosso país a incúria e o desleixo.
Ainda há pouco tempo o Sr. Presidente foi vítima dum atentado dum louco, porque não houve a cautela de desviar êsse louco da convivência com os seus semelhantes.
Para tal desastre, que tomou foros de catástrofe, chamo a atenção do Govêrno na pessoa do Sr. Ministro da Justiça, aqui presente, a fim de que se faça um inquérito bem rigoroso para que seja punido quem tiver a responsabilidade do desastre.
É preciso que haja mais cautela.
Então a um pirotécnico para estabelecer uma pequena fábrica exigem tamanhos cuidados, e num batelão contendo ume, montanha de fogo de artificio deixam estar um grande número de pessoas de ambos os sexos e de idades diferentes?
Ora contra isto protesto.
Sr. Presidente: se não fora esta nota triste e dolorosa nós devíamos estar cheios da maior comoção e alegria.
Mas, Sr. Presidente, quando chegar ao Brasil o eco dêste acontecimento êsses heróis hão-de sentir, a mágoa profunda que eu sinto, e estou certo que toda a Câmara.
Página 15
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 15
Mágoa bem escusada se tivesse havido uma elementar cautela.
Proponho, por isso, um voto de sentimento pelo desastre ocorrido no Tejo.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e Cultos (Catanho de Meneses): - Sr. Presidente: ouvi com a atenção que sempre me mereceram as palavras do ilustre Senador e as observações feitas acêrca do desastre de ontem.
Principio por me associar ao voto de sentimento apresentado pelo Sr; Artur Costa. Na verdade foi uma nota tristíssima no meio de uma alegria geral, foi um ponto negro no meio da grande luz que invadia as nossas almas.
Creia V. Exa. que eu transmitirei ao titular da pasta respectiva as observações de V. Exa., estando certo, desde já, que providências serão dadas.
O orador não reviu.
O Sr. Artur Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer as palavras do Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Roberto Baptista: - Depois de o leader ao Partido Republicano de Reconstituição Nacional se ter associado ao voto proposto pelo Sr. Presidente eu não tinha necessidade de usar da palavra, se as relações de camaradagem e de amizade, que há muito mantenho com o almirante Gago Coutinho e com o capitão de fragata Sacadura Cabral, me não obrigassem a associar ao voto proposto.
Sr. Presidente: nunca, como hoje, senti não possuir os dotes precisos para, em frase rendilhada e brilhante, poder realçar a importância do feito praticado pelos dois heróicos aviadores. Não é, porém, necessário fazê-lo, porque os oradores que me procederam no uso da palavra já brilhantemente o salientaram. Apenas, Sr. Presidente, desejo acentuar o seguinte: que o heróico e glorioso feito praticado por êstes dois distintos oficiais da nossa marinha de guerra impõe a nós todos, cidadãos portugueses, uns certos deveres, a cujo cumprimento não podemos dignamente fugir. Necessitamos corresponder ao inexcedível patriotismo que êles manifestaram com a correcção do nosso proceder, porquanto, Sr. Presidente, para que o país possa, de facto, tirar desta gloriosa travessia os benefícios a que tem justamente direito, preciso é que a Pátria Portuguesa possa viver numa atmosfera de Ordem, de Trabalho e de Paz, indispensável ao seu progresso. Necessário se torna que, de uma vez para sempre, todos nós adquiramos a coragem cívica precisa para sabermos sacrificar no altar sacrossanto aã rama as nossas ambições individuais, os nossos despeites e as nossas vaidades.
Necessário se torna que, em torno da bandeira da República, que é a bandeira da Pátria, bandeira que a todos os portugueses pertence, e cuja sombra bemdita a todos êstes abriga, protege e acolhe, se reunam todas às energias que sejam honestas, todas as dedicações que sejam desinteressadas, para que dêsse feito glorioso possamos tirar os benéficos resultados que temos direito a obter.
Tenho dito.
O Sr. Rodrigo Cabral: - Depois dos oradores que me precederam, e que demonstraram; eloquentemente, qual a vantagem é a heroicidade desta travessia acabada de fazer por Gago Coutinho e Sacadura Cabral; podia deixar de usar da palavra, mas é tal o entusiasmo que me vai na alma, que não posso ficar calado num dia tam glorioso para a nossa pátria.
Sr. Presidente: quisera possuir aquele dom especial que é o apanágio dos artistas da palavra e dos poetas, quereria ter a eloquência de um José Estêvão, de um Alexandre Braga ou um Leonardo Coimbra, para poder tecer uma grande grinalda de flores, de todas as flores, desde a modesta violeta à altiva rosa, e com essa enorme grinalda rodear o busto da nossa querida República, escrevendo com letras de ouro as seguintes palavras:
"A Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a Pátria reconhecida".
Como, porém, a minha palavra é descolorida e rude, apenas habituada a tratar das cousas mais prosaicas da vida, limito-me apenas a dizer a V. Exa., e ao Senado que foi grande a minha comoção quando tive conhecimento do resultado brilhante dêste raid.
A travessia acabada de efectuar por
Página 16
18 Diário das Sessões ao Senado
êstes dois grandes portugueses pode-se dizer que é a primeira, que se tem feito em bases verdadeiramente scientíficas.
Muito se tem já efectuado em aeronáutica, e já hoje mesmo aqui foi dito nesta Câmara, mas ninguém até hoje o fez com a consciência dêstes intrépidos aviadores.
Êste raid é heróico, não só pelo arrojo, como também pela sciência que demonstrou.
O encontro matemático daqueles pequenos rochedos no meio do mar, que hoje têm os nomes dos heróis, é um dos factos mais notáveis da sciência moderna.
Portugal, que andou sempre na vanguarda das travessias marítimas, fica agora na vanguarda das travessias aéreas.
As dificuldades encontradas foram tais que, para quaisquer outros, seriam mais que suficientes para desistirem. Naqueles peitos, batem corações de verdadeiros descendentes dos antigos navegadores lusitanos.
Oxalá que êste glorioso raid seja como uma étape, que faça com que todos os portugueses se unam para fazer um Portugal maior, regenerando-o e tomando o lugar que lhe está reservado no conceito das nações; seria esta a maior homenagem que prestaríamos a êsses grandes patriotas, que tam alto levantaram o nome. Já Pátria.
Termino, Sr. Presidente, declarando que é com o maior entusiasmo que voto a proposta de V. Exa. e os aditamentos do Senado.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Além do que produs, há as propostas do Sr. Lima Alves e do Sr. Artur Costa, que eu faço minha também.
Pela maneira como a Câmara se manifestou não tenho dúvida em que a votação é unânime.
E, atendendo à importância do facto, proponho que a Câmara se levante, manifestando assim o seu voto. (Apoiados),
Todos os Srs. Senadores se levantaram, ouvindo-se entusiásticos vivas: "Viva Portugal! Viva a República!"
O Sr. Presidente: - Ninguém propôs a maneira de efectivar as propostas. Assim a Mesa fará sciente ao Sr. Encarregado dos Negócios do Brasil do voto aqui votado para que S. Exa. o comunique ao seu Govêrno. (Muitos apoiados).
Também se dirigirá ao Sr. Ministro da Marinha pára lhe participar também o voto desta Câmara a S. Exa. e, com relação aos grandes heróis aqui homenageados, a Mesa vai enviar-lhes um telegrama. (Muitos e repetidos apoiados).
Pausa.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia: discussão do projecto n.° 9, mas, como o Sr. Ministro da Marinha manifestou desejos de assistir à discussão, e não está presente, aguarde-se a sua presença, e passe-se à discussão de outro projecto emquanto S. Exa. não está.
Vai entrar em discussão o contraprojecto das comissões, referente ao projecto que a elas baixou e cujo pertence tem o n.° 7.°
Lê-se.
É o seguinte:
Projecto de lei n.° 7
Senhores Senadores. - A experiência aconselha a modificação das disposições que fixam a permanência dos oficiais do exército no cargo de professores das escolas militares, porque, considerando que o limite de pôsto, actualmente estabelecido, o de tenente-coronel, afasta daquelas escolas, quando promovidos ao pôsto de coronel, oficiais que, justamente nessa altura, adquiriram a prática indispensável ao exercício do magistério, cortando a sua carreira de professor e inutilizando quási sempre a de militar;
Considerando que a maior parte dêsses oficiais, ao atingirem o pôsto de coronel, passam à situação de reserva, mostrando assim claramente que, por completo, se haviam dedicado à carreira do magistério, no qual, por certo, continuariam só as disposições das leis em vigor e reguladoras do assunto os não afastassem das escolas para as quais haviam sido nomeados, uns mediante concurso, outros por escolha dos respectivos conselhos escolares;
Considerando que muito convém não só possuir, mas conservar, um escolhido corpo de professores nas escolas em que,
Página 17
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 17
desde o início, se faz a preparação dos futuros oficiais do exército;
Temos a honra de submeter à vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os oficiais do exército e da armada,, professores da Escola Militar, Colégio Militar, Instituto Profissional dos Pupilos do Exército e Instituto Feminino de Educação e Trabalho, conservar-se hão no exercício dos seus cargos até atingirem o têrço superior das escalas dos coronéis das armas ou serviços de que façam parte.
§ único. Os professores do Colégio Militar, Instituto Profissional dos Pupilos do Exército e Instituto Feminino de Educação e Trabalho, que declarem optar pelo serviço do magistério, podem conservar-se no exercício dos seus cargos até a idade 65 anos.
Art. 2.° Poderão optar pelo serviço do magistério os professores efectivos que o declarem, e desde que obtenham parecer favorável do conselho escolar em que o professor faça serviço.
Art. 3.° Os oficiais que declarem optar pelo serviço do magistério serão considerados como graduados nos diversos postos, e a sua promoção far-se há nos termos do § 3.° do artigo 198.° do decreto de 7 de Setembro de 1899; os que não declarem optar pelo serviço do magistério continuarão supranumerários nos respectivos quadros e promovidos nos termos da lei geral do promoções.
Art. 4.° Os professores das escolas militares, emquanto exercerem aqueles cargos, perceberão todos os vencimentos correspondentes aos seus respectivos postos como oficiais em serviço activo, além das gratificações das respectivas escolas.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Senado, 3 de Março de 1922. - O Senador, Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Senhores Senadores. - A vossa comissão de instrução pouco tem a acrescentar, em matéria de limite de idade, ao que se expõe no parecer da comissão de guerra, por ser versado com toda a proficiência o problema do exercício do magistério pela referida comissão.
Com efeito, provado que o acesso ao pôsto de coronel regula entre 45 e 58 anos, ninguém com verdade e conhecimento de assuntos pedagógicos poderia afirmar que não esteja em boas condições de exercer o magistério, nos diferentes graus a que se refere êste projecto de lei, quem atinja não aquelas idades mas idades superiores.
Com excepção do exercício do magistério nos graus elementares do ensino primário, cujo limite de idade é de 65 anos, em todos os outros graus êste limite vai até os 70 anos, e, se bem que excepcionalmente, a idades superiores, reconhecidas determinadas qualidades de competência e resistência física dos agraciados.
Há hoje a tendência generalizada de permitir o exercício do magistério aos profissionais de certos ramos de ensino, além dos limites normais, sobretudo nos ramos universitário e técnico superior, como homenagem à sciência, deminuindo-se-lhes, porém, gradualmente o número de horas de serviço, sem que, contudo, se lhes deminuam os proventos. Daqui o haver sábios catedráticos professando nas universidades com idades superiores a 70 anos.
A vossa comissão de instrução, portanto, concorda com o projecto de lei n.° 7, desde que se lhe introduza a alteração proposta pela comissão de guerra.
Sala das sessões das comissões, 26 de Abril de 1922. - Artur Octávio do Rêgo Chagas - João Maria da Cunha Barbosa - Abílio de Lobão Soeiro - Afonso de Lemos - José Augusto Ribeiro de Melo - Frederico António Ferreira de Simas - José Joaquim Fernandes Pontes - Francisco António de Paula - César Justino de Lima Alves - António Maria da Silva Barreto.
Senhores Senadores. - A vossa comissão de guerra, examinando o projecto apresentado pelo ilustre Senador Sr. Rêgo Chagas, reconhece que, sendo o limite de idade para o professorado de 65 a 70 anos, conforme a categoria, e que, atingindo hoje a maioria dos oficiais o pôsto de coronel entre os 45 e 55 anos, se encontram os oficiais professores das escolas militares que atingem êste pôsto naturalmente em excelentes condições para o exercício do magistério, exercício êste a que uma longa prática dá reconhecida valorização.
Página 18
18 Diário das Sessões do Senado
De facto, a grande soma de conhecimentos tomados na sua maior extensão e nos mais insignificantes pormenores, que deve constituir a indispensável bagagem scientifica, dum professor, quer duma escola profissional, como a escola militar, eu os institutos a que se refere êste projecto do lei, quer duma escola média de ensino clássico, com o Colégio Militar, só a fornece um largo tirocínio, uma prolongada experiência.
Justificaria, por si só, está verdade indiscutível a permanência dos oficiais naquelas escolas, não até o pôsto de coronel no têrço superior, da escala, mas até atingirem a idade que se considera, em geral, como determinante dum natural cansaço físico e intelectual do professor.
Mas deve atender-se a que à Escola Militar, pela sua natureza especial, não pode aplicar-se o que é perfeitamente, aceitável para outros estabelecimentos de ensino, e que o oficial professor daquela escola, chegado ao têrço superior da escala de coronel, não pode desempenhar o serviço escolar compativelmente com o tirocínio estabelecido para o generalato, e a que, sendo também de evidente necessidade a renovação do pessoal docente daquela escola, pelo que se justifica a doutrina do artigo 1.°, e bem assisa a distinção feita no seu § único entre o estabelecido para os professores desta Escola Militar, a quem não poderá permitir-se a opção pelo serviço do seu magistério nem a continuação nesse serviço quando chegarem ao têrço superior da escala., como é permitido aos professores dos outros institutos ou do Colégio Militar. Portanto a vossa comissão de guerra é de parecer que do projecto apenas devem ser aprovados os artigos 1.° e 2.°, devendo no § único do artigo 1.° substituir-se as palavras "a idade de sessenta e cinco anos" por "ao limite de idade".
Sala das Sessões, 4 de Abril de 1922. - Aníbal Augusto Ramos de Miranda - Artur Octávio do Rêgo Chagas (vencido) - Roberto da Cunha Baptista (com declarações) - Raimundo Meira.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
São aprovados o artigo 1.° e parágrafos.
São aprovados os restantes artigos.
É aprovada a dispensa da leitura da redacção a pedido do Sr. Rêgo Chaves.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto n.° 59 na generalidade e na especialidade.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Sr. Presidente: acho tam melindroso o assunto contido neste projecto, que não deve ser discutido, a meu ver, sem a presença dos Srs. Presidente do Ministério ou Ministro das Finanças.
Requeiro, pois, a presença dêstes Srs. Ministros.
Foi rejeitado o requerimento.
O Sr. Alves de Oliveira: - Quando se iniciou a discussão dêste projecto, tive ensejo de dizer que êle visava ao desaparecimento, da legislação vigente, dos preceitos salutares, qual é o de ir buscar para êstes lugares indivíduos já com prática dêstes serviços.
Salutar essa disposição, porque era um incitamento ao trabalho e o reconhecimento dum princípio, que não permitia nenhum favoritismo.
Não me refiro, Sr. Presidente, a êste ou àquele Ministro, refiro-me dum modo geral. Mas não deixo de reconhecer, que é entregar na mão do respectivo Ministro o poder de escolher, dentro de três categorias, o funcionário que há-de ir preencher determinada vaga, quando pela lei existente apenas êle poderá transferir o funcionário, que tivesse requerido êsse lugar.
Às considerações que então apresentei, respondeu o autor do projecto, o meu ilustre amigo e colega Sr. Dr. Pereira Gil, que uma consideração o tinha determinado a apresentá-lo, e era que, aberta uma vaga, tinha de ser nomeado interinamente alguém para ela, sem aquela cautela, aquela garantia, exigida a funcionários de tal natureza; qual seja a da caução, e isso poderia determinar que funcionários não caucionados pudessem não dar lugar a que o Estado estivesse devidamente garantido.
Não conheço que qualquer tesoureiro da fazenda pública, nomeado interinamente, se tivesse alcançado.
É porque, quem o nomeia fica com a responsabilidade e hão pequena, perante o seu superior; da boa, ou má escolha, que fizer. Por consequência, essa pessoa vai escolher quem fôr da sua confiança,
Página 19
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 19
seja zeloso e incapaz de proceder de maneira ã mais tarde poder vir a encontrar-se-lhe qualquer alcance.
Pelo meu lado, não conheço caso algum de alcance por parte de tesoureiros interinos.
O 9f. Pereira Gil (interrompendo): - Mas não se pode dar?
O Orador: - Eu, pelo contrário, conheço casos de funcionários provados e com caução de alcance, em que alguns dêles não ficam a coberto da própria caução.
Pausa.
Com o maior prazer respondo ao àparte do ilustre autor do projecto, em que preguntou se o facto sé não pode dar com os que não têm caução. Digo a S. Exa. que sim, porque o mesmo sucede com os que a têm.
E agora preganto a S. Exa., se com o seu projecto desaparece o inconveniente de se não ter de continuar a nomear tesoureiros interinos, e se o mesmo receio não haverá.
O que se diz no projecto é no mais curto espaço de tempo possível.
O Sr. Pereira Gil (interrompendo): - Dois ou três dias.
O Orador: - Como pode ser isso? Como V. Exa. sabe. há comunicações que podem chegar ao Ministério das Finanças muito depois dêsses três ou quatro dias, e V. Exa. sabe também muito bem, que a porta da tesouraria não se pode fechar.
Aberta a vaga, no dia seguinte tem de aparecer um interino ou proposto, ou seja qualquer pessoa da escolha do respectivo director de finanças.
Mas a lei que existe previne o caso que o Sr. Pereira Gil pretende acautelar; vai mais longe: fixa o prazo de quinze dias para todos os tesoureiros depois requererem a sua transferência. Fixa um prazo tam curto que até para os Açôres diz a lei que a comunicação será telegráfica, para que o provimento dessa vaga se faça o mais ràpidamente possível.
Mas desde que o ilustre autor do projecto diz: será definitivamente nomeado, no mais curto prazo de tempo pregunto se o critério do respectivo Ministro será o mesmo do Sr. Pereira Gil durante três ou quatro dias. Pode não o ser, e daí o mal para S. Exa., mal que para mim não existe.
Não será de mais frisar e repetir que não conheço nenhum caso, que justifique o recaio do ilustre Senador; conheço infelizmente alguns em relação aos tesoureiros definitivos, e não conheço nenhum em relação aos tesoureiros interinos, pela razão simples que apresentei há pouco: é que essa escolha, como é da responsabilidade do funcionário superior, o inspector de finanças do distrito só nomeia pessoa da sua confiança, não só sob o ponto de vista de competência profissional, mas também pela sua competência de moralidade.
De modo que, não tendo S. Exa. apontado nenhum facto, pelo qual se verifique que o Estado precise acautelar-se dos possíveis desvios de dinheiros, por parte dêsses funcionários interinos, desde que desapareça êsse receio, não vejo que essa razão possa colhêr.
Os funcionários interinos terão de continuar-se a nomear, talvez num prazo mais longo, porque a lei anterior marcava um prazo de quinze dias para os funcionários requererem a sua transferência.
Se, porventura, um Ministro quiser, pode nomear um funcionário com simples concurso para uma das melhores tesourarias.
Isto é que é o lado odioso desta lei.
A lei anterior tinha consignado um preceito quê era uma regalia. Os funcionários que se encontravam em tesourarias de terras, cujo movimento da respectiva repartição não lhe dava margem a grandes lucros, sempre tinham ama esperança de melhoria.
Por êste projecto desaparece essa regalia, visto que o Ministro nomeia quem quiser.
De modo que, repito hoje, o que disse na primeira sessão: o projecto não merece a minha simpatia, e não tenho duvida em afirmar que êle trará uma série de más vontades para quem o transformar em lei.
Diz-se no parecer de uma dás comissões que o projecto é útil, porque é uma forma de fazer a selecção de funcionários republicanos.
Eu lembro à Câmara um caso, que ainda há dias prendeu a atenção de todo o país: a nomeação de um professor para a Faculdade de Direito de Lisboa.
Página 20
20 Diário das Sessões do Senado
Verificou-se então que a lei que autorizava o respectivo Ministro a fazer essa transferência tinha sido uma lei feita para acautelar o regime, visto que se linha considerado que na cátedra os mestres podiam, influir no sentimento dos seus alunos.
O que é que se observou cora essa. lei, que era uma das muitas leis chamadas de defesa da República?
Observou-se que todos os professores transferidos sem ser por concurso, mas apenas por simples requerimento, e tendo sido ornados os respectivos Conselhos das Facilidades, todos êsses professores transferidos eram monárquicos.
Desta maneira entregou-se nas mãos de um Ministro, ou Ministros, uma faculdade concedida por uma lei, que êles usaram precisadamente ao inverso.
Não lhos faço censuras, visto que êles nomearam êsses professores obedecendo àquele espírito lógico de que só se tinham de guiar pela situação que êsses professores desempenham nas Faculdades donde eram transferidos, e se satisfaziam ou não os preceitos da pedagogia moderna.
Não se preocuparam os Ministros com a política dêsses professores.
Acho até que procederam bem. Mas o que quero frisar é isto: uma lei feita para acautelar o regime dos seus inimigos, foi usada sempre a favor justamente daqueles professores, que não ocultavam, e isso não lhes ficava mal, as suas ideas monárquicas.
Isto veio para dizer que, nem mesmo sob esto ponto de vista de defesa da República, êste projecto tem o alcanço que o seu autor pretende.
Com esta lei não só defende absolutamente nada o regime, e pratica-se a violência que já apontei: a destruição duma garantia concedida a todos os funcionários, independentemente de se saber quais sejam o seu credo, ou opiniões políticas.
Discordo, pois, da doutrina dêste projecto, e discordo justamente por aquela ordem de razões que venho de apontar, e que o ilustre Senador autor do projecto não conseguiu desfazer, quando me deu a honra de responder às considerações já anteriormente feitas, por isso que S. Exa. apenas se referiu então aquele ponto hoje mais largamente tratado por mim: o perigo de ficarem as tesourarias vagas durante algum tempo, perigo que era representado pela, circunstância de os funcionários interinos podei em alcançar-se, e como não tinham caução ficavam desacautelados os interêsses do Estado.
Já pedi à S. Exa. que me indicasse quaisquer factos demonstrativos do seu receio.
S. Exa., porém, não os apresentou por uma razão muito simples: é porque os não tem.
E não os tem pela razão que há pouco expus, qual seja a de que êsse funcionário interino, embora não caucionado, estar exercendo as suas funções sob a responsabilidade do funcionário que o nomeou, e êsse funcionário conhecendo o meio e conhecendo as pessoas, não só escolheu quem pelas suas condições de capacidade profissional, mas principalmente pelas suas qualidades morais, lhe davam a segurança, completa do que seria um funcionário zeloso e incapaz de desviar quaisquer dinheiros da respectiva Repartição. Ora, não havendo êsses receios, e que necessidade tinha o Poder Legislativo de destruir essa, garantia conferida a funcionários nomeados à sombra duma lei que outra, hoje votada, se o fôr, vai fazer desaparecer?
Absolutamente nenhuma; e vai concitar contra si as más vontades daqueles que tinham ainda uma esperança de irem melhorar a sua situação, saindo duma terra para outra em melhores condições, não só de vida oficial, mas sobretudo garantindo-lhes melhores proventos. Assim, não havendo essa necessidade por parte do Estado de se afastar um mal imaginário, apenas existente na mente do meu ilustre amigo, Sr. Pereira Gil, novamente pregunto: que necessidade temos nós de transformar em lei um projecto, que pode beneficiar alguém, que já esteja com os olhos fitos nele, prejudicando, todavia, indivíduos que já tinham direitos adquiridos à sombra da lei em vigor?
Sr. Presidente: é preciso, por todas as formas, defendermos aqui preceitos consignados em leis verdadeiramente republicanas, como é êsse preceito que, retirando da acção do Ministro a faculdade de nomear quem quisesse, lhe indicava o caminho que tinha a seguir, que era o de escolher os funcionários mais antigos entre os que o tivessem requerido, sem por-
Página 21
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 21
ventura desprezar a qualidade dos serviços por êsses funcionários prestados. Disse-se que é preciso consignar êste preceito para se fazerem nomeações do funcionários republicanos.
Eu já disse a V. Exa. que nem sempre se tem conseguido isso. Mas, Sr. Presidente, para mim é ponto assente que, se há funcionários que se servem das suas funções oficiais para fazer propaganda a favor do velho regime, ainda há na nossa legislação disposições suficientes para poderem garantir as instituições, e fazer colocar êsses funcionários no seu verdadeiro lugar.
Se há funcionários que abusem do seu lugar, que se lhes apliquem as disposições regulamentares; mas agora dizer-lhes que não podem ser transferidos, isso é que me não parece legítimo, antes se me afigura uma medida odiosa.
Êste projecto nem mesmo atinge essa imaginada Defesa da República, porque outras leis existem de defesa, e elas têm servido precisamente para favorecer os inimigos do regime.
Para que é necessário mais uma lei dessas?
Ela só servirá para concitar contra nós os ódios daqueles que podem vir a ser feridos nos seus legítimos direitos.
Tendo desaparecido o inconveniente apontado no relatório do projecto, qual seja o de ficarem as tesourarias vagas a cargo de interinos, sem caução, claramente se vê que o projecto nada remedeia. Pelo contrário a antiga lei acautelava melhor os interêsses do Estado, como já tive ocasião de dizer, fixando o prazo de quinze dias para que os funcionários requeressem a sua transferência.
No próprio decreto com fôrça de lei que estabelecia êsse prazo, se determinava que a comunicação respeitante às ilhas fôsse feita telegraficamente. De maneira que não existe, pois, o perigo apontado pelo meu ilustre colega autor do projecto.
Hão-de continuar, têm de continuar as tesourarias na situação, em que se tam encontrado até agora, isto é, durante algum tempo vagas e providas por funcionários interinos, e não será para desprezar a circunstância de eu ter pedido a S. Exa. que me indicasse um caso de um tesoureiro interino se ter alcançado, e S. Exa. não me ter respondido, e não me respondeu porque êsse caso não tem havido, isto pelas razões que já apontei.
Em relação à necessidade da defesa da República êsse argumento ainda menos colhe, porque já existem leis em suficiente número para essa defesa.
Tam prejudicial é um funcionário numa tesouraria, como noutra. O projecto não remedeia nada, não acautela os dinheiros públicos, nem defende as instituições que nos regem.
Não serve, pois, para nada, e apenas poderá determinar mais uma corrente de más vontades contra o Poder Legislativo, se porventura êle vier a aprovar o projecto tal como se encontra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alfredo Portugal: - Foi o requerimento do Sr. Augusto de Vasconcelos rejeitado pela maioria desta Câmara.
Não vai para essa maioria a minha censura, nem palavras que possam significar, para com ela, a mais pequena desconsideração: vai simplesmente a minha estranheza por ver que para um assunto desta natureza, tam importante, visto, estou bem certo disso, ir abrir um precedente péssimo nas leis portuguesas, não se julgasse necessária a presença do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. Presidente do Ministério para virem dizer o que pensam acêrca dêste projecto de lei.
Que mal fazia que viesse a esta Câmara o Sr. Ministro das Finanças dizer o que, sôbre a doutrina do projecto n.° 59, aprouvesse ao seu espírito?
Traria, tal medida, dificuldades ao Govêrno, ao próprio Ministro?
Creio bem que não; e só um tanto de má vontade poderá explicar uma tal recusa.
O Sr. Alves de Oliveira (interrompendo): - Ainda há pouco a maioria achou que era conveniente que assistisse à discussão do projecto das pensões o Sr. Ministro da Marinha, e agora para êste caso achou que havia toda a necessidade dê discussão imediata, sem se ouvir o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: - A Câmara realmente concordou, que se esperava a vin-
Página 22
22 Diário das Sessões do Senado
da do Sr. Ministro da Marinha a esta Câmara, para se discutir o projecto das pensões, porque eu comuniquei que S. Exa. havia mostrado desejos de assistir à sua discussão.
Isto não é caso para censuras, é até uma questão de delicadeza pare, com um Ministro.
Devo dizer, porém, que S. Exa. como não tem possibilidade de vir hoje a esta Câmara, mandou dizer que, se o Senado quisesse, podia discutir êsse projecto.
O Sr. Machado de Serpa: - Se o Sr. Alfredo Portugal me dêsse, licença, eu faria à Câmara um requerimento.
Foi dado para ordem do dia de hoje, em primeiro lugar, o projecto das pensões, tendo sido adiada a sua discussão apenas porque se esperava á vinda a esta Câmara do Sr. Ministro da Marinha.
V. Exa. Sr. Presidente, acaba de declarar que S. Exa. se dispensa de assistir à discussão do projecto, e por isso entendo que seria mais conveniente voltarmos à discussão do projecto sôbre pensões, reservando a discussão êste projecto para outra oportunidade em que podia estar presente o Sr. Ministro das Finanças.
Agradeço ao Sr. Alfredo Portugal o ter-me permitido que interrompesse.
O Sr. Alfredo Portugal: - Não tenho dúvida algema em ficar com a palavra reservada sôbre o assunto, desde que se entro já na discussão do projecto das pensões, visto eu ter por êsse projecto a maior das simpatias e, por conseguinte, o melhor desejo de o ver convertido em lei.
Nestas condições, deixo para outra ocasião as considerações que tenha a fazer.
Posto à votação o requerimento do Sr. Machado de Serpa, para que entre em. discussão o projecto, foi aprovado.
Lê-se na Mesa. É o seguinte:
Projecto de lei n.º 9
Senhores Senadores. - Não tendo sido aumentadas, como é da máxima justiça, as ajudas de custo de vida concedidas pela lei n.° 1:159, de 2 de Maio de 1921, aos pensionistas de preço de sangue, do Tesouro, correio, das extintas Companhias Braçais, conventos suprimidos, Montepio Oficial P das Alfândegas, e dos antigos Montepios da Exército, da Armada e da Marinha, e do Instituto Ultramarino, por não ter o Govêrno a necessária autorização, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As ajudas de custo de vida fixadas aos pensionistas do Estado, pela lei n.º 1:159, de 2 de Maio de 1921, são aumentadas, a partir de 1 de Janeiro de 1922, pela forma seguinte:
Sendo um só herdeiro, 30$;
Sendo dois herdeiros, 50$;
Sendo três ou mais herdeiros, 60$.
Art. 2.° São extensivas as disposições do artigo 1.° e as da citada lei n.° 1:159 às merceeiras e às viúvas e órfãos dos oficiais do exército e da armada a quem foram concedidos os subsídios de 6$ mensais, nos termos do artigo §.° da lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919.
Art. 3.° São elevadas a 3.600$ anuais as pensões concedidas às famílias dos falecidos cidadãos Carlos Cândido dos Reis, José Estêvão de Vasconcelos, João Duarte de Meneses, Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, José Elias Garcia e Miguel Augusto Bombarda.
Art. 4.° Não serão abonadas ajudas do custo de vida às pensionistas com pensões iguais ou superiores a 2.400$.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara do Secado, 3 de Março de 1922. - O Senador pelo distrito da Guarda, José Augusto Ribeiro de Melo.
Senhores Senadores. - A vossa comissão de finanças foi enviado o projecto de lei n.° 9, da autoria do Sr. José Augusto Ribeiro de Melo, que tem por fim melhorar as condições de vida das pensionistas do Estado.
As condições de vida. actuais são bem difíceis, e ainda mais para quem tem rendimentos modestos, como acontece com os pensionistas do Estado, muitos dos quais de avançada idade, que não podem obter recursos pelo seu trabalho.
Nesta categoria estão as pensionistas de preço de sangue, do Tesouro, do correio, das extintas Companhias Braçais;
Página 23
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 23
dos conventos suprimidos, do Montepio Oficial e das Alfândegas, dos antigos Montepios do Exército, da Armada e da Marinha, e do Instituto Ultramarino.
A enorme carestia da vida, o constante e progressivo aumento de preço de todos os géneros coloca os pensionistas numas circunstâncias aflitivas, e compete ao Estado evitar que pereçam à míngua.
As circunstâncias do Tesouro Público não são desafogadas, e por isso o Estado só poderá minorar o sofrimento proveniente da falta de meios melhorando um pouco as pensões.
Neste propósito, a vossa comissão de finanças é de parecer que merece a vossa aprovação o aludido projecto, introduzindo algumas emendas e dando-lhe a redacção seguinte:
Artigo 1.° As pensões de sangue que não foram elevadas por qualquer disposição legal anterior à lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, são elevadas ao quantitativo total correspondente às tabelas de vencimento em vigor, com execução, nos termos do artigo 6.° da mesma lei.
Art. 2.° As ajudas de custo de vida concedidas mensalmente aos pensionistas do Estado pela lei n.° 1:159, de 2 de Maio de 1921, são aumentadas, a partir de 1 de Janeiro de 1922, das seguintes importâncias:
Sendo um só herdeiro, 30$;
Sendo dois herdeiros, 50$;
Sendo três ou mais herdeiros, 60$.
Art. 3.° São extensivas as disposições do artigo 2.° e as da citada lei n.° 1:159 às merceeiras e às viúvas e órfãos dos oficiais do exército e da armada a quem foram concedidos os subsídios mensais de 6$, nos termos do artigo 5.° da lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, aos pensionistas da Caixa de Auxílio dos Empregados Telógrafo-Postais, aos pensionistas do clero, filhos e mulheres dos padres pensionistas com direito à pensão por morte dêstes.
Art. 4.° É considerada vitalícia a pensão concedida a D. Ana Rosa Martins, viúva do tenente da guarda nacional republicana, José Martins, pela lei n.° 1:202, de 6 de Setembro de 1921, sem limitação do tempo estabelecido na mesma lei.
Art. 5.° As pensões concedidas às famílias dos falecidos cidadãos Carlos Cândido dos Reis, Miguel Augusto Bombarda, José Estêvão de Vasconcelos, José Elias Garcia, João Duarte de Meneses e Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro são aumentadas, a título de subvenção, para cada uma delas atingir 3.600$ anualmente.
Art. 6.° Os abonos de que trata esta lei, e que são retrotraídos a 1 de Janeiro do corrente ano, serão satisfeitos pela verba da despesa extraordinária do orçamento do Ministério das Finanças, atribuída a pagamento de subvenções e ajudas de custo de vida, ficando o Govêrno autorizado a abrir os créditos especiais que forem necessários para seu reforço, com dispensa do estabelecido no artigo 4.° da lei de 29 de Abril de 1913.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da comissão do finanças, 26 de Abril de 1922. - Herculano Jorge Galhardo - António Alves de Oliveira - Santos Garcia - Vicente Ramos (com declarações) - Frederico António Ferreira de Simas - Francisco de Sales Ramos da Costa, relator.
Pertence ao n.° 9
Senhores Senadores. - O presente projecto de lei n.° 9 baixou à comissão de marinha e pescarias, por se haver reconhecido, na discussão do mesmo, a necessidade e conveniência de serem introduzidas algumas modificações, e ainda por ter S. Exa. o Ministro da Marinha manifestado o desejo de serem atendidos alguns pensionistas de distintos oficiais, que concorreram, com o seu esfôrço e com o sacrifício da própria vida, para o bem da Pátria.
Julgamos desnecessário fazer aqui circunstanciado relatório, para justificar a concessão do aumento de ajudas de custo de vida aos pensionistas do Estado, em presença das difíceis condições, de vida actuais, que se agravam, dia a dia, e que mais pesam sôbre aqueles que se encontram reduzidos aos escassos recursos dum subsídio, porquanto tais razões foram já criteriosamente ponderadas no relatório da comissão de finanças, que sôbre êste assunto se pronunciou em 26 de Abril, último.
Havendo, no emtanto, apreciado todas as reclamações apontadas - algumas delas verdadeiros gritos de fome - e colhi-
Página 24
24 Diário das Sessões do Senado
das as necessárias informações, a vossa comissão é de parecer que sejam feitas algumas alterações no aludido projecto, por forma a conciliar as necessidades e aflitiva situação dos pensionistas com os recursos do Tesouro, já duramente sobrecarregado com vários encargos que lho trouxe a Grande Guerra. - E, assim, entende esta comissão o seguinte:
Que se incluam no projecto em questão dois parágrafos ao artigo 1.°, já discutido e aprovado, redigidos nos seguintes termos:
§ 1.° As referidas pensões serão, da mesma forma, elevadas aos facultativos, correspondentes aos prés estabelecidos no exército e na armada.
§ 2.° Também serão elevados ao quantitativo dos mesmos soldos e prés, com execução aos termos do artigo 6.° da lei , de 16 de Setembro de 1919, todas as pensões de sangue, que o não foram, em virtude de terem sido concedidas na razão de 30 por cento, segundo as disposições das cartas de lei de 11 de Junho de 1867 e de 24 de Maio de 1884.
Que ao artigo 2.° se acrescente:
"Sendo mais de três herdeiros, 20$ por cada um".
Que o artigo 3.° passe a ter a seguinte redacção:
São extensivas as disposições do artigo 2.° e as da citada lei n.° 1:159 às merceeiras e às viúvas e órfãos dos oficiais do exército e da armada, a quem foram concedidos subsídios mensais de 6$, nos termos do artigo õ.° da lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, aos pensionistas da Caixa de Auxílio dos Empregados Telégrafo-Postais às pensionistas, viúvas e filhos dos funcionários do Congresso da República, a que se referem os artigos 1.° e 2.° da lei n.° 1:214, do 21 da Novembro de 1921" aos pensionistas do clero, filhos e mulheres dos padres pensionistas com direito à pensão por morte dêstes.
Que sejam introduzidos dois artigos novos:
Artigo 7.° As disposições da presente lei serão também extensivas aos pensionistas, viúvas e filhos do pessoal marítimo dos Transportes. Marítimos do Estado, falecidos por acidentes da Grande Guerra.
§ único. A fixação do quantitativo das pensões deverá ser feita pelo Ministério da Marinha, tendo-se em consideração as categorias do respectivo pessoal e estabelecendo-se a necessária equiparação com o da armada.
Artigo 8.° Quando fôr inferior a 60$ a soma da pensão de sangue com a ajuda de custo de vida, deverá esta ser elevada por forma a perfazer sempre aquela importância.
Que o artigo 7.° passe a 9.°
Sala das sessões da comissão de marinha e pescarias, 6 de Junho de 1922. - João Carlos da Costa - Abílio Soeiro - Silvestre Falcão - José Machado de Serpa -Joaquim Ferreira da Silva, relator.
A comissão de guerra concorda com o parecer apresentado pela comissão de marinha e pescarias.
Sala das sessões, 6 de Junho de 1922. - Aníbal Augusto Ramos de Miranda - Artur Octávio Rêgo Chagas - Roberto da Cunha Baptista.
Senhores Senadores. - A vossa comissão de finanças, tendo novamente estudado o projecto de lei n.° 9, suas emendas e aditamentos, julga que o § 2.° do artigo 1.°, aditamento proposto pela comissão de marinha no seu parecer, deve ser eliminado visto a matéria contida no citado parágrafo estar abrangida pelo artigo 1.° já aprovado.
Parece no emtanto à comissão que deve atender-se à situação de desigualdade em que têm estado as pensionistas cujas pensões apenas foram aumentadas de 30 por cento, introduzindo o seguinte parágrafo em substituição do proposto:
"§ 2.° Êstes aumentos deverão efectuar-se a partir de 1 de Julho de 1919 para as pensionistas que foram atendidas só na razão de 30 por cento dos soldos ou prés".
Julga ainda a comissão que o artigo 7.° proposto pela comissão de marinha e pescarias e seu § único não têm razão, de existir, porquanto as referidas viúvas e órfãos de tripulantes não só dos Transportes Marítimos do Estado, mas de todos os transportes marítimos ao serviço do país durante a Grande Guerra, já têm pensão de sangue nos termos dos decretos n.ºs 2:290, de 20 de Março de 1916, e
Página 25
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 25
2:629, de 16 de Setembro do mesmo ano, ficando assim abrangidas pelo artigo 1.° já aprovado e o § 1.° do mesmo artigo proposto pela comissão de marinha e com o qual concorda a comissão de finanças.
Entende, porém, esta comissão que deverá introduzir-se um novo artigo para mais equitativa distribuição de aumentos futuros nos termos seguintes:
Artigo 4.° As pensões de sangue primitivas das famílias dos tripulantes dos transportes marítimos ao serviço do país durante a guerra e falecidos por acidentes da mesma guerra serão elevadas em percentagem igual à percentagem do aumento concedido às famílias de militares.
O artigo 8.° proposto pela comissão de marinha e pescarias deve ser eliminado porquanto não existem pensões de sangue que somadas com a ajuda de custo de vida formem um total inferior a 60$.
A vossa comissão de finanças concorda com o aditamento proposto pela comissão de marinha para o artigo 2.° e com a nova redacção do artigo 3.°
Assim, em vista do exposto, o projecto de lei deve, no entender da comissão, ser organizado da seguinte forma:
Artigo 1.° Todas as pensões de sangue serão elevadas aos quantitativos correspondentes aos soldos que vigorarem no exército e na armada.
§ 1.° As referidas pensões serão da mesma forma elevadas aos quantitativos correspondentes aos prés estabelecidos no exército e na armada.
§ 2.° Êstes aumentos deverão efectuar-se a partir de 1 de Julho de 1919 para as pensionistas que foram atendidas só na razão de 30 por cento dos soldos ou prés.
Art. 2.° As ajudas de custo de vida concedidas mensalmente aos pensionistas do Estado pela lei n.° 1:159, de 2 de Maio de 1921, são aumentadas a partir de 1 de Janeiro de 1922, das seguintes importâncias:
Sendo só um herdeiro, 30$.
Sendo dois herdeiros, 50$.
Sendo três herdeiros, 60$.
Sendo mais de três herdeiros 20$ por cada um.
Art. 3.° São extensivas as disposições do artigo 2.° e as da citada lei n.° 1:159 aos merceeiros de ambos os sexos e às viúvas e órfãos dos oficiais do exército e da armada a que foram concedidos subsídios mensais de 6$, nos termos do artigo 5.° da lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, aos pensionistas da Caixa de Auxílio dos Empregados Telégrafo-Postais, aos pensionistas viúvas e órfãos de funcionários do Congresso da República, a que se referem os artigos 1.° e 2.° da lei n.° 1:214, de 21 de Novembro de 1921, aos pensionistas do clero, mulheres e filhos de padres pensionistas com direito a pensão por morte dêstes e ainda aos pensionistas por título oneroso.
Art. 4.° As pensões de sangue primitivas das famílias dos tripulantes dos Transportes Marítimos ao serviço do país durante a guerra e falecidos por acidente da mesma guerra serão elevadas em percentagem igual à percentagem de aumento concedido às famílias de militares, pensionistas da Caixa de Auxílio dos Empregados Telégrafo-Postais, aos pensionistas do clero, filhos e mulheres dos padres pensionistas com direito à pensão por morte dêstes.
Art. 5.° E considerada vitalícia a pensão concedida a D. Ana Rosa Martins, viúva do tenente da guarda nacional republicana, José Martins, pela lei n.° 1:202, de 6 de Setembro de 1921, sem limitação do tempo estabelecido na mesma lei.
Art. 6.° As pensões concedidas às famílias dos falecidos cidadãos Carlos Cândido dos Reis, Miguel Augusto Bombarda, José Estêvão de Vasconcelos, José Elias Garcia, João Duarte de Meneses e Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro são aumentadas, a título de subvenção, para cada uma delas atingir 3.600$, anualmente.
Art. 7.° Os abonos de que trata esta lei, e que com excepção do mencionado no § 2.° do artigo 1.°, são retrotraídos a 1 de Janeiro do corrente ano, serão satisfeitos pela verba da despesa extraordinária do orçamento do Ministério das Finanças, atribuída a pagamento de subvenções e ajudas de custo de vida, ficando o Govêrno autorizado a abrir os créditos especiais que forem necessários para seu reforço, com dispensa do estabelecido no artigo 4.° da lei de 29 de Abril de 1913.
Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 15 de Junho de 1922. - Herculano Jorge Galhardo - Júlio Ribeiro - Francisco de Sales Ramos
Página 26
26 Diário das Sessões do Senado
da Costa - Santos Garcia - Vicente Ramos - Frederico António Ferreira de Simas, relator.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Alfredo Portugal: - Sr. Presidente: a lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, no seu artigo 4.°, diz:
"As pensões de sangue serão calculadas e rectificadas, elevando-as ao quantitativo correspondente às tabelas de vencimentos em vigor no dia 1 de Julho de 1919".
Por força dêste artigo, foram rectificadas e elevadas ao quantitativo correspondente às tabelas de vencimentos em vigor no dia 1 de Julho de 1919 quási todas as pensões de sangue, isto é, as pensões posteriores à lei de 11 de Junho de 1867 e 24 de Maio de 1884. Estas, as concedidas ao abrigo destas leis, em vista da interpretação dada pela Repartição da Contabilidade, não gozaram do benefício íntegro daquele artigo 4.° referido, em virtude de terem sido concedidas na razão de 30 por cento do soldo dos seus legatários.
Tal interpretação determinou o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo em que foi recorrente D. Maria Amélia Martins Coutinho, filha do major graduado António José Martins, e onde se pretendia que a rectificação fôsse até as pensionistas de 1867 e 1884. Por acórdão de 17 de Janeiro último, publicado no Diário do Govêrno de 1 de Fevereiro próximo passado, foi entendido que também estas eram abrangidas na disposição do artigo 4.° da lei n.° 880. Parece, porém, que se tem continuado a não se entender assim.
A comissão de finanças, a quem dirijo os mais justificados elogios, procurou resolver o a reparos apontados com a introdução, no projecto, precisamente da doutrina que eu tencionava propor. Assim, no § 2.° do projecto apresentado pela comissão de finanças, diz-se:
"§ 2.° Êstes aumentos deverão efectuar-se a partir de 1 de Julho de 1919 para as pensionistas que foram atendidas s6 na razão de 30 por cento dos soldos ou prés".
Êste parágrafo vem acabar com a dualidade de interpretações que o artigo 4.° da lei n.° 880 suscitara, e daí, são as pensionistas a que já me referi abrangidas, retro traindo-se a 1 de Julho de 1919 as pensões a que têm direito.
Com franqueza, parece-me que não estaria no espírito do legislador excluir precisamente do disposto no artigo 4.° referido aquelas pensionistas em idade mais avançada, as que mais dificuldades possam ter para angariar os meios de subsistência precisos.
Por isso concordo absolutamente com as disposições introduzidas pela comissão de finanças.
E não havendo dúvida de que existe a verba indispensável para fazer êsses pagamentos, como me foi afirmado, entendo que devem ser mantidos êstes parágrafos tais como a comissão de finanças os propõe.
Tenho dito.
O Sr. Vicente. Ramos: - O Sr. Alfredo Portugal interpretou bem o pensamento da comissão de finanças.
O Sr. Presidente: - Vão votar-se os parágrafos do artigo 1.° Votados, são aprovados. Entra em discussão o artigo 2.°
O Sr. Vicente Ramos: - Foi informada a comissão de finanças de que havia pensionistas com quatro, cinco e mais filhos.
Uma subvenção de 60$ nestes casos era muito deminuta.
A comissão arbitrou então 20$ por cada viúva com mais de três filhos.
É aprovado o artigo 2.°
Entra em discussão o artigo 3.°
O Sr. Ramos da Costa: - O artigo 3.° enumera as pessoas a quem se aplicam as disposições do artigo 2.°, mas não fala nos sinistrados que quando falecem deixam as famílias privadas de auxílio.
Para evitar isto, proponho um aditamento ao artigo 3.°
Proposta de aditamento
Todos sinistrados com pensão de sangue e a seus filhos, com sobrevivência para as viúvas e órfãos dos mesmos sinistrados. - Francisco de Sales Ramos da Costa.
Foi admitida.
Página 27
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 27
O Sr. Ferreira de Simas: - Pedi a palavra para dizer que a comissão acha justa a proposta do Sr. Ramos da Costa.
O Sr. Carlos da Costa: - Pedi a palavra a fim de mandar para a Mesa um aditamento à proposta do Sr. Ramos da Costa, para que essas pensões também sejam auferidas pelos herdeiros referidos nos artigos 4.° e 5.° da lei 3:632.
Proposta de aditamento
Em aditamento à proposta do Sr. Ramos da Costa, proponho que as pensões sejam extensivas aos herdeiros de que tratam o § 5.° do artigo 5.° do decreto n.° 3:632. - João Carlos da Costa.
Foi admitida.
O Sr. Medeiros Franco: - Sr. Presidente: entendo que deve fazer-se um novo aditamento subordinado não só ao artigo 5.° como também ao artigo 6.° da lei n.° 3:632.
Proposta
Proponho que ao artigo 1.° do contra-projecto da comissão de finanças se acrescente um parágrafo, nos seguintes termos:
A doutrina dêste artigo é aplicável o disposto do artigo 5.° e seus números do decreto n.° 3:632, de 29 de Novembro de 1917. - Medeiros Franco.
Foi admitida.
O Sr. Vicente Ramos: - Peço para V. Exa. me informar se a proposta do Sr. Carlos Costa é de adicionamento ao artigo, se é aditando algum parágrafo ao artigo, ou se é artigo novo.
O Sr. Presidente: - É um parágrafo.
O Orador: - Está muito bem.
O Sr. Carlos da Costa: - Requeiro que me seja concedido retirar a minha proposta.
Foi aprovado.
O Sr. Aragão e Brito: - Sr. Presidente, requeiro para V. Exa. consultar a Câmara se permite que a sessão seja prorrogada até a votação do projecto em discussão.
O Sr. Júlio Ribeiro: - Invoco o Regimento, lembrando que o requerimento foi feito depois da meia hora marcada.
O requerimento foi aprovado.
Foram aprovados: o artigo 3.° do contra-projecto da comissão de finanças, a primeira proposta de aditamento e a proposta do Sr. Medeiros Franco.
Foi pôsto à discussão o artigo 4.°
O Sr. Ferreira de Simas: - Comparando o artigo 4.° que aparece na página 2 do relatório da comissão, com o artigo 4.° da página 3, vê-se que há umas linhas a mais, o que é um êrro da Imprensa. Repetiram o final do artigo 3.° no artigo 4.°
O Sr. Carlos da Costa: - Pedi a palavra antes de ser Mo o artigo 4.° para ser incluído um novo artigo entre o 3.° e 4.° Como V. Exa. não ouviu o meu pedido, não sei se, nesta altura, o posso apresentar.
O Sr. Presidente: - V. Exa. redige o artigo quando quiser, e depois a comissão de redacção o incluirá na sua altura.
O Sr. Carlos Costa: - Vou mandar para a Mesa a
Proposta
Artigo 4.° As pensões de sangue "primitivas" das famílias dos tripulantes dós Transportes Marítimos e dos próprios tripulantes, ao serviço do país durante a guerra e falecidos ou inutilizados por acidentes da mesma guerra, serão elevados em percentagem igual à percentagem de aumento concedido às famílias de militares. - J. C. Costa.
O Sr. Alfredo Portugal: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra para apresentar proposta de substituição e eliminação de uma parte do artigo 4.° dêste projecto. A redacção dêste artigo, tal como se encontra no parecer, parece-me um pouco anti-jurídica, e por isso vou mandar para a Mesa a seguinte:
Proposta
Proponho que o artigo 4.° do projecto de lei n.° 9 fique redigido:
"As primitivas pensões de sangue às famílias dos tripulantes dos Transportes Marítimos"... seguindo como se encontra
Página 28
28 Diário das Sessões do Senado
no artigo até as palavras "famílias de militares", eliminando-se as restantes palavras. - Alfredo Portugal.
Proponho também que seja suprimida a palavra "militar".
Foi admitida.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: como nenhuma das propostas de emenda me pode satisfazer, envio uma outra para a Mesa dizendo o seguinte:
Proposta de aditamento
Sendo-lhe aplicadas as disposições do artigo 2.° para os filhos menores, ficando dividida a pensão pela viúva e pelos filhos, com a sucessão nos termos da lei em vigor. - Ribeiro de Melo.
Aprovado.
Foi admitida.
O Sr. Ferreira de Simas: - Sr. Presidente: a comissão aceita perfeitamente a proposta do Sr. Alfredo Portugal acêrca de redacção jurídica a êste artigo.
Quanto à aplicação da lei aos tripulantes dos navios ao serviço do país entende-se para todos os acidentes.
O Sr. Carlos da Costa: - Pedi a palavra, simplesmente, para fazer minhas as considerações feitas pelo ilustre relator.
O Sr. Roberto Baptista: - Sr. Presidente: dispensar-me-ia de usar da palavra, a respeito do presente projecto de lei, se êle se limitasse a aumentar as ajudas de custo de vida concedidas às pensionistas; mas êste projecto vai mais longe, e muito justamente, porque aumenta também algumas pensões. Esqueceu, no emtanto, um grupo de senhoras, que não são pensionistas do Estado, e apenas recebem o subsídio de 6$ mensais, abonado pelos Ministérios da Guerra e da Marinha. Vou, por isso, enviar para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 4.°, a fim de que seja elevado a 15$ o subsidio mensal concedido a essas senhoras que não são pensionistas.
Devo declarar a V. Exa., Sr. Presidente, e ao Senado, as condições em que essas pessoas se encontram. São viúvas d" oficiais do exército e da armada que não eram sócios do Montepio Oficial; por êste facto não têm direito a pensão. São beneficiadas no artigo 3.° porque lhes são extensivas as ajudas de custo de vida. Mas se nós elevamos pensões a pessoas que já têm muito mais, justo é que não deixemos ficar no esquecimento viúvas e órfãos de oficiais do exército, e da armada a quem o Estado tem apenas concedido o subsídio de 6$ mensais. Mando a proposta para a Mesa. Tenho dito.
Proposta
§ único. É elevado a 15$ o subsídio mensal concedido pelos Ministérios da Guerra e da Marinha a viúvas e órfãos de oficiais do exército e da armada. - R. da Cunha Baptista.
Foi admitida.
O Sr. Ferreira de Simas (relator): - Sr. Presidente: a comissão não pode aceitar o que acaba de ser proposto pelo Sr. Roberto Baptista. As pensionistas a que S. Exa. se refere, já foram atendidas no artigo 3.° Só se aumentaram as pensões de sangue provenientes de desastre, ou sinistro sucedidos na guerra.
O Sr. Vicente Ramos: - Sr. Presidente: as propostas apresentadas pelos Srs. Carlos Costa e Alfredo Portugal satisfazem perfeitamente, para a pensão por completo, dos pensionistas e dos sinistrados.
O Sr. Ribeiro de Melo apresentou também uma proposta que, pela rapidez com que foi lida, me parece que vai mais longe, isto é, que vai abranger as vítimas de torpedeamentos de navios nossos ao serviço no estrangeiro, e nesse caso os Govêrnos a quem êsses navios foram alugados é que deviam ter feito os respectivos seguros contra acidentes do trabalho, de vida, etc.
Nestas condições, não sei qual é o alcance da proposta do Sr. Ribeiro de Melo.
Sendo como digo, não posso dar o meu voto a tal proposta e chamo a atenção do Senado para que se pense no que se vai votar. Não vamos nós pagar pensões com pagamento a outros pertence.
O Sr. Ribeiro de Melo (interrompendo): - Consulte S. Exa. os artigos...
O Orador: - S. Exa. é que nos podia esclarecer. Assim, eu chamo apenas a atenção do Senado para o assunto.
Página 29
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 29
O Sr. Roberto Baptista: - Sr. Presidente: pedi novamente a palavra apenas para fazer uma ligeira observação às considerações do Sr. relator.
Diz S. Exa. que o presente projecto só elevava as pensões de sangue resultantes da guerra.
Ora eu pregunto a S. Exa. se o aumento constante do artigo 6.°, e outros, respeitam a pensões resultantes da guerra.
O Sr. Ferreira de Simas (relator), (interrompendo): - São subvenções.
O Orador: - O que cá está é pensões..
É lida a proposta do Sr. Ribeiro de Melo.
Foi rejeitada.
É lida uma proposta de emenda do Sr. Carlos Costa.
O Sr. Vicente Ramos: - A proposta do Sr. Carlos Costa e a proposta do Sr. Alfredo Portugal são iguais.
A proposta do Sr. Alfredo Portugal tem, parece, melhor redacção e, por isso, requeiro prioridade para essa proposta.
Posto à votação o requerimento, foi aprovado.
Posta à votação a proposta do Sr. Alfredo Portugal, foi aprovada.
É lida a proposta do Sr. Roberto Baptista, sendo aprovada.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: requeiro a contagem.
Procedeu-se à contagem.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 33 Srs. Senadores. Há número.
O Sr. Carlos da Costa: - Pedi a palavra a fim de mandar para a Mesa uma proposta de inclusão de um novo artigo.
O decreto n.° 3:632, de 29 de Novembro de 1917, regula as pensões.
Êste decreto deixa ficar os pensionistas anteriores, a quem foram concedidas pensões- pela lei de 19 de Janeiro de 1827, numa situação de desigualdade, o que não é justo.
Vou apresentar um exemplo:
Um oficial faleceu na véspera da publicação dêste decreto n.° 3:632, e outro no dia seguinte à sua publicação.
Sucede que, no primeiro caso, os filhos só podem receber as pensões até os 14 anos, ao passo que para os filhos do segundo oficial as pensões são pagas até completarem 18 ou 25 anos, desde que êles estudem com aproveitamento.
Os filhos do primeiro oficial, podendo ser muito pobres, só recebem a pensão até os 14 anos, emquanto que os filhos do segundo, que podem ser muito ricos, continuam recebendo sempre a pensão até os 18 ou mesmo até os 25 anos.
Como esta disposição de lei é injusta, acabando com as pensões aos filhos na idade de 14 anos, talvez quando delas mais carecem!
A viúva do oficial de marinha, Metzner, oficial vítima dum naufrágio no Algarve, tem dois filhos, e um já não tem direito a pensão porque atingiu os 14 anos. conforme as disposições da lei de 1827.
Ora é humano que nós modifiquemos a situação das pensionistas nas condições da lei de 1827, dando-lhes as vantagens da lei de 29 do Novembro de 1917, e por isso mando para a Mesa êste novo artigo:
Leu.
Mando para a Mesa a
Proposta
Proponho que entre os artigos 3.° e 4,° se inclua um novo artigo concebido nos seguintes termos:
Art. .° São extensivas às pensões de sangue concedidas pela lei de 19 de Janeiro de 1827 todas as disposições do decreto n.° 3:632, de 29 de Novembro de 1917, sem que os abonos a que esta disposição possa dar lugar sejam retrotraídos a uma data anterior à fixada pelo artigo 7.° da presente lei. - João Carlos da Costa.
Foi admitida e seguidamente aprovada.
O Sr. Ribeiro de Melo: - É lamentável que êste artigo 5.° esteja redigido por tal forma.
Eu concordarei com esta redacção se porventura às disposições dêste artigo se aplicassem também as disposições do artigo 2.°
Por isso vou mandar para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo, aplicando-lhe também as disposições do artigo 2.°
Art. 4.° As pensões de sangue primitivas concedidas aos tripulantes vítimas e
Página 30
30 Diário das Sessões ao Senado
famílias das vítimas dos torpedeamentos doa barcos. ao serviço dos Transportes Marítimos do Estado, durante o período da guerra com a Alemanha, e daqueles barcos que, tendo proprietário, Estado Português, foram fretados à Inglaterra, conforme as disposições dos decretos 2:290, 2:338. 2:629, 3:117 e 3:632, respectivamente de 20 de Março, 17 de Abril, 16 de Setembro de 1916 e 9 de Maio e 29 de Novembro de 1917, e 5:300, de 24 de Março de 1919, e da lei n.° 1:216, de 21 de Setembro de 1921, serão elevadas em percentagem igual à percentagem de aumento concedido a militares e famílias de militares, feitas as respectivas equiparações pelo Ministro da Marinha. - Ribeiro de Melo.
Foi admitida.
O Sr. Ferreira de Simas: - Parece-me que as considerações do Sr. Ribeiro de Melo não têm razão de ser, porque a pessoa a que se refere o artigo õ.° já está compreendida no artigo 2.° e beneficia também das disposições do artigo 2.°
O Sr. Vicente Ramos: - Sr. Presidente: Não compreendi bem a leitura da proposta que o Sr. Ribeiro de Melo enviou para a Mesa.
Peço a V. Exa. o favor de ma conceder por alguns momentos, para ficar perfeitamente inteirado do que nela se diz.
Pausa.
Depois da leitura que acabo de fazer dessa proposta, devo dizer que concordo com ela.
O Sr. Ribeiro de Melo com a sua proposta veio atender uma falta da lei, que estava prejudicando uma família pobre.
E lido o artigo 5.°
Foi aprovado.
É lida a proposta do Sr. Ribeiro de Melo.
Foi aprovada.
É lido o artigo 6.°
O Sr. Costa Júnior: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento, acrescentando aos nomes constantes dêsse artigo, o de Joaquim Mousinho de Albuquerque, militar ilustre que tanto levantou o nome português.
Por esquecimento talvez da comissão não foi incluído o nome da viúva dêste oficial.
Mando, pois, para a Mesa a minha proposta.
Acrescentar ao artigo 6.° as palavras "Joaquim Mousinho de Albuquerque". - Costa Júnior.
Foi admitida e aprovada.
O Sr. Machado Serpa: - E esta a ocasião de evitarmos uma injustiça.
Eu me explico.
Estas pensões a que ;se refere o artigo 6.°, com o aditamento do Sr. Costa Júnior, são as únicas que o Parlamento Português, quer do antigo regime, quer do novo regime, concedeu por motivo de relevantes serviços.
Lá porque os homens nomeados por êste artigo foram políticos do antigo regime, como Hintze Ribeiro, ou foram políticos do actual regime, não é motivo para que se não inclua nesse artigo um outro benemérito, que, se não tem a acreditá-lo foros de político, terá todavia foros mais elevados de humanidade.
Sob a inspiração do primeiro magistrado da Nação, nesse tempo o Sr. D. Carlos, o Presidente do Conselho de Ministros, Sr. José Luciano, logo após o falecimento de Câmara Pestana, propôs que fôsse votada à família uma pensão que a pusesse ao abrigo da miséria.
O Parlamento achou justo o pedido, nas achou pequena a pensão e, se a não aumentou, decretou que a êsse benemérito fôsse erigido um monumento.
Não sei se se realizou êsse desejo parlamentar, o que sei é que o sou nome está esculpido no Instituto de Bacteriologia.
A família de Câmara Pestana não goza da pensão concedida, porque se esqueceram dela.
Actualmente apenas existe uma filha, que é casada, mas isso creio que não quero dizer nada para o caso, porque a pensão lei concedida sem qualquer reserva nesse sentido.
Mando para a Mesa uma proposta em harmonia com o que acabo de expor.
Proponho que a disposição do artigo 3.° seja extensiva à pensão coo cedida à família do falecido Luís da Câmara Pestana. - Machado Serpa.
Foi admitida.
Página 31
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 31
O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Associo-me, comovidamente, às palavras pronunciadas pelo Sr. Machado Serpa.
O Senado honra-se reparando a injustiça, que seria não incluindo o nome de Câmara Pestana neste artigo.
Assisti à morte de Câmara Pestana e, se. hoje aqui se glorificaram dois heróis da nossa raça, não fica demais que se preste também homenagem a um outro herói, que, em circunstâncias trágicas, morreu em serviço da sua pátria.
A elevação da pensão à filha de Câmara Pestana é a retribuição de serviços prestados, é o reconhecimento que se deve a êste homem que deu a sua vida pela humanidade.
Portanto, o Senado deve, como fez com outras pensões, inscrever o nome de Câmara Pestana ao lado daqueles que são contemplados.
O Sr. Ferreira de Simas: - Como relator do projecto que se discute, pedi a palavra para declarar que a comissão de finanças aceita as propostas apresentadas pelos Srs. Carlos Costa e Machado Serpa.
O Sr. Medeiros Franco:-Pedi a palavra para me associar às considerações feitas pelos ilustres oradores, que me precederam, acêrca da memória sagrada de Câmara Pestana.
O Senado, como muito bem disse o Sr. Augusto de Vasconcelos, honra-se sempre quando faz justiça, e assim presta um preito de justiça concedendo uma pensão à filha dêsse benemérito que foi Câmara Pestana.
Termino declarando que voto essa proposta, e que me associo às palavras proferidas pelo Sr. Lima Alves e Augusto de Vasconcelos.
O Sr. Presidente: -Vão ler se as propostas de aditamentos enviadas para a Mesa.
Lidas na Mesa duas propostas, foram admitidas e aprovadas.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação do artigo 6.°
Lido na Mesa, foi aprovado.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: o meu projecto tendia a melhorar
a situação dalgumas infelizes pensionistas, mas hoje êsse projecto transformou-se num tratado de pensões.
Eu orgulho-me por ver a actividade do Senado posta à prova, para atender à miséria, a minorar a fome dêsses desgraçados, como se diz num dos pareceres das comissões.
Mas, Sr. Presidente, é preciso que desta enxurrada de pensões que o Senado acaba de votar, e a cujo voto eu também me associei, saia desta Câmara com a noção nítida e perfeita de que o Estado da República pretende apenas satisfazer às necessidades dos verdadeiros necessitados e não a todo o mundo e son pére.
A meu ver, o sacrifício do Estado, oferecendo o Tesouro Nacional à satisfação das necessidades dos pensionistas, não pode deixar de ter também uma séria fiscalização para reter a imoralidade no seu devido pé, para acabar com as injustiças das Repartições do Estado, e muitas vezes até com as injustiças dos representantes da Nação, que, às vezes, votam pensões sem se atender à autêntica necessidade dos interessados.
Por isso, Sr. Presidente, e não me conformando de maneira alguma que ao Estado, vão buscar recursos para se fazer uma vida de conforto doméstico, quando o chefe da família tem a obrigação de satisfazer às exigências do seu lar, eu digo, que. nestes casos, tudo o que se tem feito deixaria de ser uma pensão para se transformar num dote, e o Estado da República não pode de maneira alguma dotar as famílias dos pensionistas do Estado.
E justo que o Estado socorra, na medida do possível, os pensionistas necessitados, mas deixa de ser justo para ser iníquo e imoral, que o Estado republicano, lutando com as dificuldades de dinheiro em que se debate, vá dar aos representantes de nomes eméritos nas artes, nas sciências ou na política, o direito de receberem pensões, direito êsse que abrange filhos, netos, bisnetos e tetranetos.
É preciso, em, virtude do grande número de propostas que aqui se tem feito nesta Câmara, que se corte cerce, para haver cuidado e justiça na aplicação das pensões.
Sr. Presidente: a voz do povo é a voz de Deus, e ela levanta-se com justa indignação por saber que o Estado está
Página 32
32 Diário das Sessões do Senado
querendo dar pensões a criaturas, que absolutamente delas não precisam para manter a sua condição de vida. Há factos que se contara, e andam de bôca em bôca, relativos a filhos de oficiais o de funcionários casados com pessoas que exercem profissões liberais, das Quais auferem os lucros e proventos, não só pare, manter a dignidade do seu casal, como até para a manter com fausto, pouco me importando que entre êles estejam representantes de família republicana, ou do extinto regime. Para mim a justiça é uma só: a equidade.
Por isso, Sr. Presidente, a equidade manda que se estudem as condições em que se encontram as pessoas abrangidas pela lei saída dêste projecto n.° 9, Não tendo sido levado ao conhecimento da comissão um novo artigo para pôr um freio no esbanjamento de pensões, vou apresentar à consideração do Senado uma proposta nesse sentido.
Sr. Presidente: quando do país fôr conhecido o projecto de lei n.° 9, em toda a sua extensão, e sobretudo quando forem avaliadas as propostas das comissões e os aditamentos apresentados durante a discussão no Senado, levantar-se hão murmúrios de simpatia e aplauso se o Senado votar também e aprovar o artigo que eu tenho a honra de enviar para a Mesa. Só assim pode haver moralidade e justiça.
Sabe V. Exa., Sr. Presidente, a atenção com que foram tratados os pensionistas, vítimas das revoluções de 5 de Outubro e 14 de Maio? A êsses não se atendeu e nem sequer se procurou saber se estavam incluídos nos artigos do projecto de lei n.° 9 e se porventura tinham necessidade imperiosa de que lhes fôssem aumentadas as subvenções. Veja V. Exa., Sr. Presidente, que êsses desgraçados nem sequer fazem parte dêste projecto.
Êsses, famintos, herdeiros do povo republicano que em õ de Outubro de 1910 proclamou o regime vigente, e em 14 de Maio restabeleceu a Constituição, desconhecidos tf ignorados de todos os legisladores, não conseguiram ainda a prova de magnanimidade que o Senado agora está dando.
O Sr. Aragão e Brito (interrompendo): - Mas V. Exa. é o autor do projecto de lei...
O Orador: - O meu projecto de lei visava apenas a melhorar a situação dos que viviam uma vida aflitiva. Não abrangia esta "légua da Póvoa" de pensionistas, a que o Senado deu o seu voto e fez converter em lei, para receberem do Estado pensões quê atingem uma importante soma.
Posso declarar que me sentiria orgulhoso e honrado em incluir neste projecto de lei n,° 9 as vítimas de 14 de Maio e 5 de Outubro.
Fez também, como eu, o ilustre Senador que acaba de me dirigir um àparte, muito mal em não ter concorrido para beneficiar a situação dos infelizes...
O Sr. Aragão e Brito: - V. Exa. foi o autor do projecto e, como autor, não previu todos os casos...
Foi por V. Exa. ser o autor do projecto que eu chamei a sua atenção.
O Orador:-Por isso eu vou mandar para a Mesa um novo aditamento.
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Ribeiro de Mele o favor de resumir as suas considerações, senão, pelo adiantado da hora, interrompo a sessão e S. Exa. ficará com á palavra reservada.
O Orador: - Vou acabar já, Sr. Presidente, porque não quero recair no lado antipático da questão.
Apenas chamarei mais uma vez a atenção do Senado, para que êle vote o que lhe proponho, porque assim bem procederá.
Mando a proposta para a Mesa.
Tenho dito.
Proposta
E o Govêrno autorizado, pela pasta das Finanças, a nomear uma comissão para revisão de todos os processos de pensões, a fim de serem excluídos os pensionistas que, sob prova cabal, não carecera do auxílio do Estado.
§ único. Esta comissão será nomeada dentro de trinta dias da data da publicação da presente lei. - Ribeiro de Melo.
Lida na Mesa, foi admitida.
O Sr. Herculano Galhardo (por parte da comissão de finanças): - Sr. Presidente: pedi a palavra, por parte da co-
Página 33
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 33
missão de finanças, para declarar a V. Exa. e ao Senado que essa comissão está de acôrdo com as considerações que, o Sr. Ribeiro de Melo fez, e concorda, portanto, com o artigo que acaba de apresentar.
Pelo que respeita ao aumento das pensões das vítimas de 14 de Maio e 5 de Outubro, as considerações produzidas por S. Exa. no sentido de apoiar a sua proposta e recomendá-la à consideração do Senado são talvez supérfluas, visto que, por parte da comissão de finanças, posso afirmar qne, desde o princípio da discussão dêste projecto, se tem estado à espera dessa proposta pois que a mesma comissão foi consultada sôbre ela, se lhe daria a sua aprovação, tendo a comissão respondido afirmativamente.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Ignorava que tivesse havido qualquer combinação com a comissão de finanças sôbre a doutrina da minha proposta.
O Orador: - Parece-me, entretanto, que o Sr. Ribeiro de Melo, propondo que todas as pensões sejam duplicadas, não atendeu a que os revolucionários militares já foram, aumentados com a ajuda de custo de vida. Os civis é que não têm tido essa ajuda de custo.
Entendo, portanto, que a proposta do Sr. Ribeiro de Melo deverá ser atendida só na parte referente aos civis.
Parece-me que se deverá atender só na parte referente aos civis, visto que os militares já foram atendidos.
O Sr. Presidente: - Vou interromper a sessão.
O Sr. Alfredo Portugal: - V. Exa. interrompe a sessão para continuar amanhã com êste projecto?
Eu pregunto se, depois de aprovado êste projecto, há o tempo destinado a "antes da ordem do dia", ou continuamos logo com a discussão de outros projectos.
O Sr. Presidente: - Amanhã não pode haver "antes da ordem do dia".
Amanhã não há mesmo chamada, nem se lê a acta.
Está interrompida a sessão.
Eram 20 horas.
SEGUNDA PARTE
O Sr. Presidente (às 15 horas e 25 minutos): - Está reaberta a sessão.
Vão ler-se as duas propostas do Sr. Ribeiro de Melo que estão em discussão.
Peço a atenção da Câmara para êstes dois projectos.
Leram-se na Mesa. São as seguintes:
Propostas
E o Govêrno autorizado, pela pasta das Finanças, a nomear uma comissão para revisão de todos os processos e pensões, a fim de serem excluídos os pensionistas que, sob prova cabal, não carecem do auxílio do Estado.
§ único. Esta comissão será nomeada dentro de trinta dias da data da publicação da presente lei. - Ribeiro de Melo.
Artigo novo. Aos pensionistas civis vítimas das revoluções de 5 de Outubro de 1910 e 14 de Maio de 1915 serão aumentadas as pensões ao dôbro do que ora percebem. - Ribeiro de Melo.
O Sr. Teixeira da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra, como relator da comissão, para dizer a V. Exa. que concordo com todas as modificações introduzidas pela comissão de finanças e ainda com todas as que foram apresentadas no momento da discussão, sentindo deveras que elas tivessem escapado à minha observação, e da comissão a que tenho a honra de pertencer.
Peço também licença para apresentar uma proposta para ser introduzida no projecto.
Sr. Presidente: eu, para justificar a minha proposta, terei de dizer a V. Exa. e ao Senado o seguinte, apresentando algumas hipóteses: um fiscal dos impostos vai, no desempenho de uma diligência fiscal, realizar uma apreensão.
É morto em serviço.
Qual é a pensão que o Estado concede à família dêste funcionário?
Em qualquer alfândega procede-se à verificação dos produtos químicos, de matérias explosivas, assistindo-o respectivo verificador e o pessoal do tráfego indispensável.
Havendo uma explosão que cause a morte aos empregados ali em serviço, qual é a pensão abonada às suas famílias?
Página 34
34 Diário das Sessões do Senado
Um juiz de direito vai, a qualquer ponto isolado da sua comarca; proceder a um arresto, à entrega de um prédio, mas o dono da propriedade, num momento de mau à amor, recusa abdicar dos seus direitos e mata o magistrado que presido àquele acto.
A sua família deve ficar sem pensão?
Num período revolucionário os empregados dos correios e telégrafos são forçados, pelos revoltosos, a entregarem a estação, onde prestam serviço, reagem, resistem e por fim são mortos.
Qual a pensão concedida às suas famílias?
Eu julgo que êstes empregados estão no mesmo plano de mérito e valor como os bravos militares de terra e mar, e defendem igualmente a Pátria e os legítimos interêsses do Estado.
A proposta é a seguinte:
Proposta
Proponho para ser introduzido o seguinte artigo:
Artigo A todos os funcionários civis do Estado será concedida pensão de sangue, nos termos do decreto n.° 3:632, de 29 de Novembro de 1917, quando faleçam por desastre ou por qualquer acidente ocorrido por motivo de serviço público. - Teixeira da Silva.
O Sr. Ferreira de Simas: - Sr. Presidente: a comissão é de parecer que a proposta de artigo novo apresentada pelo ilustre Senador Sr. Teixeira da Silva deve constituir iam projecto novo, por isso que o projecto de lei n.° 9 apenas trata de aumento de subvenções e não cria pensões novas, de modo que me não parece que caiba neste projecto.
São justíssimas as considerações de S. Exa. mas o que é certo é que me parece que deve ser objecto de um projecto novo.
Foi lido na Mesa e rejeitada a admissão.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Que emenda está em discussão?
O Sr. Presidente: É o artigo novo de S. Exa.
O Sr. Mendes dos Reis: - Felicito o Senado pela maneira unânime e patriótica como tem discutido êste projecto.
Têm sido presentes emendas e alvitres a remediar vários esquecimentos e injustiças, mas alguns ainda existem e que chegaram ao meu conhecimento.
Peio artigo 4.° como foi aprovado, o benefício das aposentações é extensivo apenas às famílias dos torpedeados dos navios ao serviço do pais, mas devemos notar que tínhamos também navios portugueses ao serviço da Inglaterra.
Ora o Senado, sem estar bem esclarecido, manifestou-se ontem um pouco contra uma emenda apresentada pelo Sr. Ribeiro de Melo e quási igual à que vou enviar para a Mesa.
Devo dizer que as vítimas dos torpedeamentos de navios portugueses ao serviço da Inglaterra já tinham direito a pensões pela lei n.° 1:216, nas mesmas condições das vítimas dos torpedeamentos de navios ao serviço do país.
Em virtude de um acôrdo com a Inglaterra, segundo me consta, comprometeu-se Portugal a pagar as pensões das vítimas dos torpedeamentos e a Inglaterra pagaria os subsídios dos desastres e acidentes de trabalho.
Por consequência, seria uma injustiça flagrante que nós não abrangêssemos na disposição do artigo 4.° as vítimas e famílias das vítimas a que já se refere a mesma lei.
Nestes termos, mando um novo artigo, e peço aos Srs. Vicente Ramos e Ferreira de Simas a fineza de se manifestarem sôbre a minha proposta.
Lida e admitida.
O Sr. Ferreira de Simas: - Não admira que no meio de tanta legislação algumas cousas escapassem à comissão de finanças.
Concordo com a proposta do Sr. Mendes dos Reis.
O Sr. Teixeira da Silva: - Peço a V. Exa. que esclareça o Senado sôbre a rejeição da proposta que mandei para a Mesa.
O Sr. Presidente: - Pus à votação a admissão e como o Sr. Ferreira Simas tinha proferido as palavras demonstrando que êste artigo era para pensões novas, e como é certo que o projecto em discussão só trata de aumento de pensões, eu ao
Página 35
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 35
pôr à votação insisti, chamando a atenção da Câmara; vi que a grande maioria dos Srs. Senadores ficou sentada e calculei que era pelas palavras proferidas pelo Sr. Ferreira de Simas, dizendo que realmente não cabia dentro dêste projecto a proposta de um artigo novo do Sr. Teixeira da Silva, que era uma matéria inteiramente diferente, quê era a criação de novas pensões, quando êste projecto versa apenas sôbre o aumento de pensões já criadas; mas como tenho dúvidas, porque alguns Srs. Senadores me vieram dizer que não sabiam o que se estava a votar, apesar de isto ser um precedente lamentável, em todo o caso não tomando eu a iniciativa, se a Câmara entender, não tenho dúvida, em pôr novamente à admissão a proposta do Sr. Teixeira da Silva.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Evidentemente a não admissão da proposta do Sr. Teixeira da Silva fórum equívoco porque é contra todas as praxes desta Câmara hão admitir à discussão uma proposta de um colega; foi portanto um equívoco e nós devemos ao Sr. Teixeira da Silva a satisfação de permitir que ela seja posta novamente a admissão; eu voto a admissão.
O Sr. Teixeira da Silva: - Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Augusto de Vasconcelos a declaração que acaba de fazer, dando o seu voto para a admissão da minha proposta.
O Sr. Presidente: - O que eu quero é que não se atribua à Mesa qualquer intenção. (Apoiados de todos os lados da Câmara).
Como já disse, as palavras proferidas pelo Sr. Teixeira da Silva que declarou que o objectivo dessa proposta era estabelecer novas pensões e como a grande maioria dos Srs. Senadores continuaram sentados, foi por isso que eu dei a proposta como não admitida.
Vou, portanto, pô-la novamente à votação.
Os Srs. Senadores que admitem à discussão a proposta do Sr. Teixeira da Silva levantam-se.
Foi admitida.
O Sr. Pais Gomes: - A presente proposta de lei que se me apresenta no seu original muito reduzida, está imensamente ampliada nó pertence, e pela discussão a que foi submetida o pertence ainda mais ampliado foi; parece que estamos numa época de vacas gordas, quando vamos pedir ao contribuinte novos sacrifícios.
Ora, Sr. Presidente, Apenas para travar um pouco esta acção que eu estou vendo exercer, mando para a Mesa dois artigos novos.
Como nós precisamos de ser morais é moral não estabelecer êste bodo a todos. Por outro lado, o Sr. Ribeiro de Melo manda para a Mesa uma proposta estabelecendo uma comissão de fiscalização.
Se não estabelecermos meios para que essa comissão dê o seu parecer o mais ràpidamente possível, envio para a Mesa a seguinte proposta:
Proponho o seguinte (artigos novos):
Art. ... As pensionistas que hajam passado ou passarem ao estado de casadas não têm direito às pensões a que se refere a presente lei.
Art. ... Emquanto a comissão de que trata o artigo... não apresentar o seu parecer fica suspensa a execução da presente lei. - Pais Gomes.
O Sr. Vicente Ramos: - Sr. Presidente: não me parece que qualquer dêstes dois artigos deva ser aprovado.
O Sr. Presidente: - O artigo que está em discussão é o artigo do Sr. Ribeiro de Melo.
O Orador: - Então desisto da palavra.
O Sr. Xavier da Silva: - V. Exa., Sr. Presidente, fazia a fineza de me dizer se é um artigo do Sr. Ribeiro de Melo referente à nomeação de uma comissão; como há tantas propostas, eu estou completamente desorientado e por isso peço que me esclareçam; se é sôbre o artigo do Sr. Ribeiro de Melo eu tenho a dizer a V. Exa. e à Câmara que em nome do Partido de Reconstituição Nacional eu voto êsse artigo porque êle é uma medida de moralidade.
Leu-se o artigo do Sr. Ribeiro de Melo e foi aprovado.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Segundo dispõe o artigo 1.° das alterações ao Re-
Página 36
36 Diário das Sessões do Senado
gimento, há pouco foi admitida uma proposta do Sr. Teixeira da Silva tendente a aumentar as despesas e por isso em requeiro que essa proposta baixe à comissão especial para ela dar o seu parecer, senão não se pode discutir.
O Sr. Presidente: - Isto não é uma proposta isolada, é destas propostas que nascem da discussão, é uma proposta de um artigo novo.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - A lei não distingue isso!
O Sr. Herculano Galhardo: - Sr. Presidente: na última sessão nocturna desta Câmara foi discutido o artigo 1.° das alterações ao Regimento e assentou-se, segundo deliberação do Senado, que êste artigo não se referia apenas à discussão do Orçamento, mas à discussão de todos os projectos ou propostas de lei.
Portanto, a observação que acaba de ser feita relativamente a êste artigo 1.° parece-me ter todo o fundamento. (Apoiados).
Lê-se o artigo 1.° e vota-se.
O Orador: - Evidentemente que isto se refere a todas as propostas de emendas ou aditamentos que são apresentados durante a discussão, pois não há maneira de apresentar propostas desta ordem senão durante as discussões.
Nós temos de respeitar êste artigo. (Apoiados).
Se estão sendo apresentadas propostas que envolvem aumento de despesa, evidentemente que, segundo êste artigo, têm de ser ouvidas as comissões de finanças e do Orçamento.
Permita-me V. Exa. e a Câmara que eu mais uma vez chame a sua atenção para a chamada "lei-travão".
O Sr. Presidente: - Eu estou sempre com essa lei no pensamento, mas vejo que nem sempre os Srs. Senadores a têm.
O Orador: - Pelo artigo 1.° da lei n.° 954, as propostas de aumento de despesas aqui apresentadas hoje, nem sequer podiam ser mandadas às comissões, como nem sequer nenhum Sr. Senador as podia apresentar.
Quem tem de ser juiz da aplicação da "lei-travão" é V. Exa. Sr. Presidente, visto que nessa lei se diz que não se podem apresentar projectos ou propostas que envolvam aumento de despesa ou cerceamento de receita.
Eu acato sempre respeitosamente às deliberações do Senado.
Eu tenho, como presidente da comissão de finanças, todos os dissabores consequentes dessa situação, mas tenho também a coragem moral paira me sustentar nessa situação.
Há três dias que estou vendo apresentar-se nesta Câmara propostas aumentando despesas e cerceando receitas.
Isto não pode continuar. (Apoiados).
O Sr. Presidente: - Os meus desejos são de que o Senado me auxilie na minha missão.
Devia-se agora votar p artigo proposto pelo Sr. Ribeiro- de Melo, mas visto que a Câmara se manifestou de uma maneira tam clara a favor da doutrina apresentada pelo Sr. Herculano Galhardo, eu entendo que êsse artigo, apesar do admitido, não pode ser discutido, porque traz também aumento de despesa.
Vai ler-se para que a Câmara não tenha devidas.
Leu-se.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se também a proposta enviada pelo Sr. Teixeira da Silva.
O Sr. Presidente: - Como esta proposta está nas mesmas condições, não posso submetê-la à discussão.
O Sr. Herculano Galhardo: - V. Exa. não põe estas propostas à discussão, mas nêste projecto foram já aprovadas emendas semelhantes que envolvem aumento de despesa. (Apoiadas).
Eu bem vejo a situação difícil de V. Exa.
Nós não podemos para com estas propostas proceder de forma diferente do que procedemos para com as outras já votadas.
V. Exa. tem recursos nas novas disposições regimentais, para proceder de harmonia com o artigo 1.º das alterações do Regimento.
Página 37
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 37
O Sr. Augusto de Vasconcelos:-Visto que os Srs. Senadores não podem apresentar propostas que já apresentaram, visto que o Senado já não pode votar aquilo que já votou...
O Sr. Presidente: - Que foi admitido somente, porque o que está votado, está votado.
O Sr. Vicente Ramos: - Foi o projecto para a comissão, para quê? Sr. Presidente: ponhamos as cousas onde elas devem estar.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço aos Srs. Senadores para deixarem continuar no uso da palavra o Sr. Augusto de Vasconcelos.
O Orador: - Sr. Presidente: não há senão duas maneiras de sairmos desta situação: ou as pessoas que apresentaram propostas novas desistem delas, ou o projecto volta à comissão.
V. Exas. escolherão o que melhor lhes parecer.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: de acôrdo com o § único do artigo 1.° das alterações ao Regimento, pedia a V. Exa. se dignasse consultar a Câmara para serem ouvidos a comissão de Orçamento e o presidente da comissão de finanças.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Requeiro que o projecto baixe à comissão de finanças.
O Sr. Afonso de Lemos (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: o presente projecto consta de sete artigos; dêsses sete foram ontem votados seis. O Senado não pode deixar de respeitar as votações já feitas e tais artigos já a comissão de forma nenhuma pode alterar.
As propostas ontem e hoje apresentadas são referentes a artigos novos e sôbre elas poderá o Senado resolver que as comissões dêem o seu parecer.
No projecto apresentado pela comissão de finanças, faltava apenas votar o artigo 7.°
Julguei que ontem não devia continuar a discussão, pelo adiantado da hora e porque entendi que muitos Srs. Senadores queriam ainda falar; e para não se estar a fazer votações precipitadas e a fim de o Senado poder considerar calmamente, interrompeu-se a discussão.
Parecia-me, Sr. Presidente, que estando já votados seis artigos, o projecto poderia ficar como a comissão de finanças o apresentou e a comissão seria ouvida apenas sôbre os artigos que trazem matéria nova.
Os artigos sôbre os quais houve votação do Sanado, não podem ser alterados. Portanto, parecia-me que o caminho que mais satisfaria a todos era terminar a discussão e votação do projecto, sendo enviados às comissões de finanças e Orçamento os artigos novos a fim de essas comissões darem os seus pareceres.
Requeiro, pois, que se termine com a discussão do projecto e que as comissões do Orçamento e finanças dêem, no prazo de vinte e quatro horas, os seus pareceres sôbre os artigos novos apresentados durante a discussão.
O Sr. Pais Gomes: - Não vejo vantagem alguma na aprovação do requerimento ou proposta do Sr. Afonso de Lemos, porquanto, concordando a Câmara com S. Exa., ficaria protelada a conversão em lei dêste projecto. Todavia concordo com o alvitre de S. Exa. para que o projecto baixe às comissões referidas, dando elas o seu parecer no prazo d$ vinte e quatro horas.
O Sr. Herculano Galhardo: - Julgo ter compreendido que se trata de aplicar a doutrina do artigo 1.° das novas disposições regimentais.
Entendo que o alvitre apresentado pelo Sr. Afonso de Lemos não satisfaz nem mesmo o pensamento de S. Exa., porque o projecto ficaria sempre demorado.
Por parte das comissões do. Orçamento e de finanças devo declarar que estas duas comissões aceitam a condição de dar o seu parecer no prazo de vinte e quatro horas.
O Sr. Afonso de Lemos: - Em vista das declarações que acaba de fazer o Sr. Herculano Galhardo, creio que é ocasião de apresentar o requerimento para que o projecto baixe à comissão para, no prazo de vinte e quatro horas, dar parecer sôbre os artigos ainda não votados.
Página 38
38 Diário das Sessões do Senado
O Sr. Xavier da Silva: - Todos têm invocado o artigo 1.° das alterações ao Regimento, e ninguém ainda invocou o artigo 2.°
Em vista da sua disposição, a Mesa não pode dar andamento às propostas que estão na Mesa..
O Sr. Machado de Serpa: - Êste projecto foi apresentado nesta Câmara antes da apresentação dos orçamentos. Portanto, já não está .abrangido nas disposições da lei-travão.
Como o Senado já votou quási todos os artigos, o que há a fazer é votar o artigo que falta, pondo de parte as propostas apresentadas, que não podem ter andamento desde que tragam aumento de despesa.
Então quando todos reconhecem a necessidade de se aumentarem as pensões a quem precisa de pão para a bôca, havemos de ir entravar êste projecto fazendo com que êle baixe de novo à comissão, e havemos de dizer às pensionistas que vão comendo- a nossa boa vontade?
O Sr. Presidente: - Eu não quero alijar responsabilidades, mas não quero também que os Srs. Senadores as alijem.
Êstes artigos do projecto, até ao artigo 7.°, foram aprovados pelo Senado.
Eu, pela minha parte, só tenho dois caminhos a seguir: ou mandá-lo à comissão ou pô-lo de parte.
Como não quero, porém, usar de meios violentos, e até por consideração para o Senado, eu entendo que o melhor é pôr à votação o requerimento do Sr. Afonso de Lemos, para que o projecto, sem prejuízo dos artigos já votados, vá à comissão de finanças e do Orçamento, a fim de elas darem o seu parecer dentro de vinte e quatro horas.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Xavier da Silva: - Eu vejo que estava na boa doutrina quando há pouco, disse que, se as comissões tivessem de dar parecer, o deviam apenas fazer sôbre as propostas de aditamento hoje aqui apresentadas e não sôbre o projecto, visto que no que estava votado não se poderia mexer.
Nestas condições, eu faço o requerimento para que entre imediatamente em, discussão q artigo 7.° dêste projecto de lei.
O orador não reviu.
O Sr. Godinho do Amaral: - A questão tem estado muito confusa, e no emtanto ela resume-se em muito pouco.
As considerações feitas pelos Sr. Machado Serpa e Xavier da Silva resolvem a questão.
Eu não estou de acôrdo em que êste projecta baixe às comissões, só pelo facto de se lhe terem introduzido algumas emendas.
Eu pregunto, se à medida que êste projecto fôr sendo discutido, e nós apresentemos propostas de aumento de pensões, se é preciso que o projecto baixe às comissões sempre que haja essas propostas apresentadas.
Então nunca mais se acaba de discutir o projecto.
Apresenta-se uma emenda; tem o projecto de voltar à comissão.
Volta o projecto da comissão, apresenta-se outra emenda, tem de ir o projecto novamente às comissões.
Então nunca mais acaba isto.
Eu entendo que se deve votar o projecto, e mandar todas as emendas que forem aparecendo às comissões.
O orador não reviu.
O Sr. Afonso de Lemos: - Eu quando há pouco falei, disse que mandaria para a Mesa um requerimento no sentido de baixar às comissões apenas os artigos que não estavam ainda votados, na hipótese de o Senado se manifestar contra a discussão do artigo 7.°
Eu até lembrei nessa ocasião que era êste o melhor caminho a seguir, isto é, discutir o artigo 7.°, com o fundamento de que êsse artigo era apenas de carácter burocrático.
Eu vejo agora que o Senado §e está inclinando para que a discussão continue sôbre o artigo 7.°
Peço, pois. a V. Exa. que consulte o Senado sôbre se consente que eu retire o meu requerimento, continuando, portanto, a discussão do projecto tal como veio da comissão de finanças, salvo, é claro, o que já está votado.
O orador não reviu.
Página 39
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 39
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Antes de o Sr. Afonso de Lemos ter feito o seu requerimento, já eu tinha requerido que o processo baixasse às comissões.
E, portanto, o meu requerimento que se deve primeiro pôr à votação.
O Sr. Xavier da Silva: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que ponha à votação o meu requerimento.
O Sr. Herculano Galhardo: - Eu não discuto a doutrina do artigo 1.° das novas disposições regimentais. Não discuto se foi um êrro a aprovação dessas disposições. Mas, desde que as novas disposições foram aprovadas, têm de ser cumpridas; e, assim, tudo que envolva aumento de despesa ou cerceamento de receitas, não pode ser pôsto à discussão sem serem ouvidas as comissões de finanças e Orçamento, como preceitua o artigo 1.°; e o artigo 2.° diz que a Mesa não dará andamento às propostas apresentadas nas condições citadas.
As comissões já disseram que se sujeitam a dar os seus pareceres no prazo de vinte e quatro horas; e o melhor é apressar e facilitar o trabalho dessas comissões.
O Sr. Presidente: - Vou por à votação o requerimento do Sr. Joaquim Crisóstomo, que é para que as propostas que estão sôbre a Mesa baixem à comissão de finanças, para esta dar parecer no prazo de vinte e quatro horas.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Podia usar do meu direito, dispensando-me de apresentar o requerimento à votação, mas não quis assumir essa responsabilidade, e por isso submeti à votação o requerimento.
O Sr. Pais Gomes: - Pela comissão de administração pública, mando para a Mesa um parecer.
O Sr. Júlio Ribeiro: - Desejava que entrasse em discussão o projecto...
O Sr. Presidente: - Declaro que indo êsse projecto que se estava discutindo para á comissão, êle não pode discutir-se senão amanhã, e como esta sessão é o prolongamento de outra, e só existindo para esta discussão, que foi terminada, por momentos, encerro a sessão, marcando a seguinte para as dezassete horas de hoje, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Os REDACTORES:
1.ª parte - Albano da Cunha.
2.ª parte - Alberto Bramão.
Discurso proferido na sessão n.° 54, de 13 de Junho de 1922, e agora integralmente publicado
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: continuando nas minhas considerações, acêrca do projecto em discussão, devo mais uma vez acentuar que à comissão do Orçamento não devem ser conferidas atribuições mais amplas do que aquelas que presentemente desempenha. Por maior que fôsse a sua vontade de trabalhar e de acertar, faltar-lhe-ia tempo para se dedicar a minuciosas e persistentes investigações.
Mesmo, na melhor das hipóteses, que essa comissão chegasse a conclusões positivas e seguras, respeitantes a irregularidades praticadas nos serviços públicos, não encontraria nos partidos políticos da República a fôrça e o apoio necessários para tornar efectivas as medidas que se propusesse adoptar.
Desgraçadamente, vivemos num país de compadres e de afilhados.
Qual tem sido até hoje o resultado dos inquéritos e das investigações que se têm feito?
Página 40
40 Diário das Sessões do Senado
Nenhuns, absolutamente nenhuns!
Os traficantes que, à sombra da árvore frondosa do Estado, enchem os seus cofres de ouro e adquirem proprisdades, e os que delapidam os dinheiros do Tesouro Público continuam em completa liberdade, gozando dos cómodos e confortos da civilização, rindo e zombando daqueles que os acusam e dos que os pretendem fazer julgar ô condenar.
Não temos, triste é dizê-lo, uma atmosfera ou ambiente moral adequado ao apuramento de responsabilidades.
Os factos suo bem conhecidos de todo o país.
Qual foi, até hoje, o indivíduo que, delinquindo no exercício das suas funções, se lhe instaurasse o competente processo, sendo afinal, em consequência do apuramento de responsabilidades, condenado em prisão correccional ou degredado para África?
Não conheço nenhum!
Se porventura algum Sr. Senador me pode esclarecer sôbre êsse ponto, era favor que me citasse, pelo menos, qualquer caso isolado.
O silêncio da Câmara é muito significativo.
Têm-se feito em Portugal, desde a implantação da, República, milhares de inquéritos, e os seus resultados são sempre absolutamente nulos e ineficazes.
De que serve, pois, confiar à comissão do Orçamento atribuições de semelhante natureza?
Sejamos francos, e não nos queiramos deixar Iludir com falsas aparências e sofismas.
Sr. Presidente: quando foi da situação idonista fez-se uma operação importantíssima com acções dos caminhos de ferro da Companhia Portuguesa.
O Estado adquiriu cêrca de 100:000 acções dessa Companhia por um preço muito mais elevado do que aquela por que se vendiam no mercado.
Tal assunto, lançado na tela da discussão e da crítica, deu lugar a censuras violentas e acusações gravíssimas ao Ministro das Finanças, Sr. Xavier Esteves, que se via obrigado a mandar proceder a um inquérito, encarregando dessa comissão um dos nossos mais ilustres juizes, o Sr. Costa Santos, que, depois dum longo e aturado trabalho de natureza jurídica, apresentou o seu relatório, no qual chegava à conclusão de que se tinha organizado uma quadrilha com o propósito criminoso de defraudar o Estado.
Remetido o respectivo processo aos tribunais, deu entrada na nojenta pocilga, da Boa Hora, e ali; em vez de ter o seguimento que lhe era próprio desde que se haviam apurado factos da mais alta importância, que necessàriamente arrastariam ao banco dos réus e à cadeia os delinquentes, foi a breve trecho arquivado por falta de provas.
Não se encontra no Senado, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça, Catanho de Meneses, porque se estivesse, ao ouvir-me, diria, como é seu costume, que sendo o Poder Judicial independente, e não estando sujeito a fiscalização do Govêrno, procede com absoluta autonomia, de forma que não lhe competia intrometer-se no exercício das suas funções.
Mas, Sr. Presidente, junto de cada tribunal há uma entidade, que se chama o Ministério Público, que é subordinado e dependente do Ministro, e a quem compete fiscalizar o cumprimento da lei, promover a administração da justiça e perseguir em nome da sociedade os criminosos.
Em regra o Poder Judicial é passivo, só actua a requerimento da parte, ou esta seja um particular ou o Ministério Público.
O processo elaborado pelo Sr. Costa Santos e enviado para o Tribunal da Boa Hora acha-se sepultado num infecto e nauseabundo cartório, e não consta que os delinquentes houvessem sido pronunciados, ou dado entrada no Limoeiro, para responderem pelo infame crime de latrocínio que cometeram.
É verdadeiramente de estranhar que tendo o Govêrno, junto dos tribunais, funcionários da sua confiança administrativa, os processos de maior importância se encontrem, uns arquivados, outros parados, e es criminosos gozando plena liberdade e regalias idênticas às que desfrutam as pessoas honestas.
Ora, presunto eu: que utilidade e vantagem há em proceder-se a inquéritos, se nunca se apuram responsabilidades civis e criminais?
Sr. Presidente: ainda não há muitos meses, e isto está gravado na memória
Página 41
Sessão de 19 e 20 de Junho de 1922 41
de todos os que me dão a honra de me escutar, foi ordenado à polícia um inquérito, a fim de se descobrir quem eram os autores dá burla dos 50 milhões ao dólares.
Encarregado dessa investigação, o Sr. Reis Júnior apurou com grande esfôrço que se havia constituído em Paris uma emprega composta de banqueiros, com o malévolo intuito de fazer subir artificialmente e nosso câmbio, empregando processos fraudulentos.
Presos os criminosos residentes em Portugal, e interrogados pelos agentes policiais, foi o processo remetido para a Boa Hora, e como é da praxe não teve seguimento, e lá se encontra arrecadado, à espera que os ratos e as traças o destruam.
Não houve Ministério Público com coragem para querelar dos budistas, pessoas riquíssimas, e de alta cotação nos meios financeiros, nem juizes com envergadura moral para os pronunciarem.
Podia citar centenas de casos idênticos, alguns observados por mim, em que desempenhei funções de sindicante, tendentes a provar que os funcionários que mais prevaricam são os que gozam de maior protecção oficial e política.
Como porém não desejo fatigar a atenção da Câmara, passe a visar outro ponto.
Sr. Presidente: julgo muito exagerados os poderes que se atribuem à referida comissão, porque se há assuntos que de facto convém que os representantes do país conheçam e que só lhes dê publicidade, outros há que pelo seu melindre, não convém que sejam divulgados.
Nesta ultima categoria incluo os que correm pela pasta das Finanças, em matéria de operação de crédito, e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em questões de carácter diplomático, especialmente tratados e convenções com as outras nacionalidades.
Considero- demasiado que se lhe dê poderes, para entrar em todos os Ministérios livremente, sem nenhuma restrição, e por consequência serem obrigados os funcionários das repartições públicas a apresentar-lhe os litros, documentos e outros papéis, para os seus vogais examinarem à vontade.
Determina o projecto no artigo 4.°, § 2.°, que será concedido um bilhete de identidade e cada um dos membros da comissão, a que com a simples apresentação dêsse bilhete, êles terão direito a conhecer e investigar tudo o que se passa nas repartições do Estado.
Tal doutrina num país em que se colocam os assuntos de ordem económica e financeira acima dos interêsses políticos dos partidos podia admitir-se, mas numa nação, Como a nossa, em que muitas vezes se esquecem os sentimentos patrióticos, e o bem-estar colectivo, para se atender unicamente a interêsses pessoais e partidários, é muito perigosa.
Ignoro se a comissão terá de ir em conjunto às repartições públicas, pára solicitar do director geral de qualquer Ministério que dê ordem aos seus subordinados, no sentido de lhe apresentar os documentos, processos e papéis; ou se a comissão terá a faculdade de nomear um seu delegado, membro da mesma comissão, para proceder aos respectivos exames, ou ainda se algum dos seus vogais pode ir, independentemente de delegações, às repartições do Estado, colhêr as informações e elementos que julgar necessários ao desempenho da sua complexa missão.
Em qualquer das hipóteses, as consequências devem ser funestas, porque, estando representadas nessa comissão todas as correntes de opinião da Câmara, e quem me garante que um dos seus membros não usará ou abusará do mencionado direito, para colhêr dados, de informação com o fim de se aproveitar dêles no seu interêsse pessoal, partidário ou político?
Supúnhamos nós que se trata dum concurso para fornecimento de trigo ou de carvão, e que um dos vogais da aludida comissão, tendo a liberdade plena de ir examinar os documentos que digam respeito a êsse serviço, comunica a qualquer amigo, ou a um seu consócio, o que conseguir averiguar.
Até outros, em quem não predominam os sentimentos patrióticos, podem espionar tudo o que se passa nas repartições públicas, de carácter reservado, tanto para satisfazerem os seus desejos e caprichos, como para fornecerem elementos de ataque aos jornais inimigos do regime.
Página 42
42 Diário das Sessões do Senado
Sr. Presidente: todas as disposições do projecto, sob o ponto de vista jurídico, são uma verdadeira miséria, para não lhe chamar uma manifesta vergonha.
Basta citar o artigo 3. que determina:
As comissões a que se referem os artigos anteriores, como resultados dos seus inquéritos e investigações, proporão, em qualquer tempo, à respectiva Câmara, em forma de projecto de lei ou de resolução, soluções concretas, tendentes a coibir todos os abusos e irregularidade s que notarem na administração dos dinheiros públicos; a realizar economias necessárias; a reduzir as despesas inúteis, exageradas e improdutivas; a suprimir todos os serviços e empregos dispensáveis.
Então, tratando-se de Deputados e Senadores, é preciso consignar no diploma que se discute que êles terão o direito de apresentar no Parlamento quaisquer projectos de lei tendentes a coibir todos os abusos e irregularidades que notarem na administração dos dinheiros públicos?
Porventura já não se acha reconhecida essa faculdade, quer na constituição quer nos Regimentos das duas casas do Congresso?
É tal a minha estranheza perante um facto tam disparatado, que chego a convencer-me de que o projecto em discussão foi elaborado por algum leigo em assuntos de direito político-constitucional.
Se o lermos com a devida atenção nada lhe encontramos digno de ser aproveitado.
É falho de doutrina e imperfeitíssimo na forma.
No género nefelibático, embora seja possível igualá-lo, não será fácil excedê-lo.
Revela, ou ingenuidade de quem o redigiu, ou propósitos de originalidade de quem o inspirou.
Era preferível que o seu autor houvesse aproveitado melhor o seu tempo dedicando-se a qualquer trabalho prático e de manifesta utilidade para o país.
Sr. Presidente: cumpre-me também notar, com toda a lealdade; que o projecto em discussão já foi aprovado na outra Câmara, o que significa que ali teve uma maioria que o perfilhasse.
A quem aduziu êsse argumento somente lhe objectarei que ao Senado compete a função de rever e aperfeiçoar a obra da Câmara dos Deputados, que, por vezes, discutida. e votada sem a necessária ponderação e reflexão, deixa muito a desejar.
Vou terminar porque não quero que se diga que por minha causa o projecto ainda hoje não é votado, formulando a seguinte pregunta: onde param os relatórios das comissões parlamentares de inquérito aos Ministérios da Guerra, Comércio e Negócios Estrangeiros, que, nos termos das leis que as criaram, eram obrigadas a apresentar?
A ausência da resposta a esta minha interrogação dá-me o direito de rejeitar o projecto na generalidade e pedir a todos os Srs. Senadores que queiram cumprir o seu dever que me acompanhem nesse nobre e altivo gesto. Tenho dito.