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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.° 79
EM 23 DE OUTUBRO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mos Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
António Gomes de Sousa Varela
Sumário. — Às 15 horas e 10 minutos, com a presença de 28 Srs. Senadores, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.
Lê-se e aprova-se a acta, depois de o Sr. Procópio de Freitas fazer algumas objecções sôbre o número dos Srs. Senadores presentes, dando explicações o Sr. Presidente. A seguir dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Procópio de Freitas pede a comparência de alguns membros do Govêrno; o Sr. Pais Gomes deseja que lhe digam o que foi feito do projecto n.º 16, que ainda não obteve parecer das comissões; o Sr. Oriol Pena requere apresenta do Sr. Ministro das Finanças, perante quem tem de tratar de vários assuntos; o Sr. Joaquim Crisóstomo também deseja a presença do referido Sr. Ministro, ocupando-se em seguida com desenvolvimento da burla de 500 contos praticada na Caixa Geral de Depósitos o Sr. Pereira Gil requere que se discuta a proposta de convenção literária com o Brasil; o Sr. Ministro da Justiça responde ao Sr. Joaquim Crisóstomo; o Sr. Procópio de Freitas comenta a demissão dum encarregado do Registo Civil, respondendo lhe o Sr. Ministro da Justiça; o Sr. Vicente líamos insta pela imediata publicação do decreto que se destina a melhorar a situação dos funcionários dos governos civis, replicando-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
Ordem do dia. — O Sr. Ministro da Justiça responde ao Sr. Catanho de Meneses, que na sessão anterior o interpelou sôbre a questão do inquilinato, replicando-lhe o Sr. Catanho de Meneses para sustentar o seu critério. O Sr. Ministro da Justiça produz novas considerações. Termina a sessão às 18 horas e 45 minutos.
Abertura da sessão às 15 horas e 10 minutos.
Presentes à chamada 28 Srs. Senadores.
Entraram durante a sessão 10 Srs. Senadores.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Álvaro António Bulhão Pato.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António Alves de Oliveira Júnior.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
César Justino de Lima Alves.
César Procópio de Freitas.
Constantino José dos Santos.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco António de Paula.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José António da Costa Júnior.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Mendes dos Reis.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Silvestre Falcão.

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Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Augusto de Vera Cruz.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira de Simas.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Jorge Frederico Velez Caroço.
Nicolau Mesquita.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
António da Costa Godinho do Amaral.
António de Medeiros Franco.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos da Costa.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodolfo Xavier da Silva.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marques.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Às 15 horas e 10 minutos, com a presença de 28 Srs. Senadores, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.
Em seguida manda proceder à leitura da acta. Leu-se.
O Sr. Procópio de Freitas (sobre a acta): — V. Ex.ª Sr. Presidente, disse que estavam presentes 28 Srs. Senadores, mas creio que houve engano; parece-me que não respondeu à chamada êsse número do Senadores.
O Sr. Presidente: — Embora não respondessem à chamada todos êsses Srs. Senadores, estão dentro do Parlamento.
O Orador: — Mas não estão na sala; portanto V. Ex.ª não os pode contar como se estivessem presentes.
O Sr. Presidente: — Tem-se feito sempre assim para todos os partidos e é muito justo que se continue a fazer.
É aprovada a acta.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Requeiro nos termos do artigo 32.° da Constituição que seja convertido em lei o projecto n.° 281, visto não ter sido aprovado na sessão legislativa de 1922 a 1923, e haver dado entrada no Senado no dia 24 de Agosto de 1922. — Joaquim Crisóstomo.
Para a Secretaria.
Requeiro que, ao abrigo do artigo 32.° da Constituição da República, seja promulgado o projecto de lei n.° 77, de 1922. — José Joaquim Fernandes Pontes.
Para a Secretaria.
Requeiro que seja aplicada a doutrina da segunda parte do artigo 32.° da Constituição da República ao projecto de lei n.° 43, de 1922. — Ramos da Costa.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério da Agricultura, Direcção Geral dos Serviços Fluviais e Agrícolas, com a máxima urgência, me seja enviada nota de todos os diplomas, leis, decretos e portarias que entregaram à administração dos Serviços Florestais e Agrícolas as serras da Malta

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e Lebre do concelho da Marinha Grande. — José António da Costa Júnior.
Para a Secretaria.
Da assemblea geral do Montepio Oficial de Lisboa, sôbre a disposição da alínea c) da base 12.ª das propostas de finanças.
Para a 1.ª secção.
Proposta de substituição
Do Sr. Afonso de Lemos, na comissão de verificação de poderes, substituição do Sr. Mendes dos Reis pelo Sr. Alfredo Portugal.
Aprovado.
Telegramas
Do conselho escolar do Instituto Industrial do Pôrto, solicitando a intervenção do Senado para a anulação do decreto que transferiu ilegalmente do Instituto de Coimbra para o Pôrto o professor Paiva Manso.
Para a Secretaria.
Dos presos à ordem do Tribunal de Defesa Social, pedindo se dignem definir a sua situação.
Para a Secretaria.
Dos assistentes do Instituto Industrial do Pôrto, sôbre a ilegalidade da transferência do professor Paiva Manso.
Para a Secretaria.
Dos presos por delitos político-sociais, de S. Julião da Barra, sôbre a sua situação.
Para a Secretaria.
De um grupo de indivíduos reunidos num almoço, em honra do general Norton do Matos, saudando o Senado.
Para a Secretaria.
Ofícios
Do 4.° juízo de investigação criminal, solicitando autorização para prestar declarações o Sr. D. Tomás de Vilhena.
Para a Secretaria.
De um oficial da policia judiciária, solicitando a comparência do Sr. Velez Caroço.
Para a Secretaria.
Do Sr. Ministro da Marinha, comunicando que só pode comparecer na Câmara por volta das 17 horas de hoje.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Está sôbre a Mesa um ofício da polícia judiciária, solicitando a comparência do Sr. Velez Caroço. Os Srs. Senadores que aprovam tenham a bondade de levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Do 4.° juízo de investigação criminal, solicitam a indispensável autorização para ali poder prestar declarações o Sr. D. Tomás de Vilhena.
É concedida a licença.
O Sr. Procópio de Freitas: — Pedia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o obséquio de me informar se sabe se vem hoje assistir à sessão algum membro do Govêrno, pois tendo pedido na sessão passada a comparência de alguns Srs. Ministros, até agora ainda não vi nenhum. Por isso pedia a V. Ex.ª a fineza de mandar ver se está algum Sr. Ministro na outra Câmara, para, no caso afirmativo, saber se posso tratar dos assuntos que desejo.
O Sr. Presidente: — Eu mandei avisar alguns Ministros para comparecerem à sessão, mas apenas respondeu o Sr. Ministro da Marinha que pode comparecer hoje, às 17 horas.
O Sr. Afonso de Lemos pediu a palavra para tratar dum negócio urgente. O negócio urgente que S. Ex.ª deseja tratar na presença do Sr. Presidente do Ministério é referente às eleições de S. Paio.
Os Srs. Senadores que consideram urgente êste assunto tenham a bondade de se levantar.
É aprovado.
O Sr. Pais Gomes: — Pedia a V. Ex.ª a fineza de me dar notícia dum projecto de lei que tem o n.° 16, da sessão passada, e que tem andado por diferentes comissões para obter parecer. Há muito tempo que paira por lá e, como não sei onde êle se

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encontra, pedia a fineza do me informar nêsse sentido.
O Sr. Oriol Pena: — Eu pedia a V. Ex.ª a fineza de me informar se teremos hoje o prazer de ver nesta sala o Sr. Ministro das Finanças, pois desejava conversar com S. Ex.ª sôbre assuntos que julgo importantes.
O Sr. Presidente: — S. Ex.ª já está avisado, mas naturalmente não pode comparecer porque tem de assistir na outra Câmara à discussão das suas propostas,
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente: pedi a comparência do Sr. Ministro das Finanças nesta sessão, com o fim de versar alguns assuntos do interesso público, que correm pela sua pasta.
A ausência sistemática dos Ministros do Senado constitui um abuso, que mais de uma vez tenho censurado, e que continuará a merecer a minha formal reprovação.
É indispensável que o Govêrno se convença que tem de dar ao Parlamento conta dos seus actos, o que o Parlamento da República só compõe da Câmara dos Deputados e do Senado.
Na minha qualidade de representante do país, não estou disposto a colaborar em palhaçadas que rebaixam e envergonham quem nelas toma parto. Se o Govêrno se julga no direito do fugir às suas responsabilidades, deixando do só apresentar pêra a to o Parlamento, só nos resta fazer-lhe sentir o nosso descontentamento por meio de uma moção de desconfiança. Acima das conveniências políticas dos partidos estão os superiores interesses da Nação e da República.
Sr. Presidente: como estou no uso da palavra vou aproveitar o ensejo para fazer algumas considerações relativamente à burla dos 500 contos, de que foi vitima a Caixa Geral de Depósitos.
Não sei o que pensa a êste respeito o Sr. Ministro das Finanças, nem tam pouco formo o mais insignificante juízo acêrca da atitude ou do procedimento que S. Ex.ª se propõe adoptar a propósito do mencionado caso, sendo porém certo que ato hoje ainda nenhuma providência foi tomada. Parece-me que a Caixa Geral de Depósitos é uma sucursal dos Transportes Marítimos e que o seu dinheiro pode ser desbaratado e dissipado à vontade dos funcionários encarregados de dirigir e administrar aquele importantíssimo estabelecimento de credito.
Como a Câmara sabe, a Caixa Geral de Depósitos entregou mediante um cheque, que lhe foi apresentado, a quantia de do 500:0000..
De corto que êsse estabelecimento já tem cri condições normais pago quantias mais elevadas, mas a do que se trata foi em virtude dum cheque falso. Não só admite que os funcionários da Caixa, de boa fé, decontassem um cheque de tam, elevada importância, som previamente tomarem as precauções necessárias.
Uni estabelecimento daquela natureza não entrega 500:000$ ao primeiro José Martins, que se lhe apresenta, em nome da Administração do Pôrto de Lisboa.
Estava convencionado entro o Pôrto de Lisboa e a Caixa Geral de Depósitos, segundo uma carta que li no Diário de Noticias de 18 do corrente, assinada pelo Sr. Afonso de Macedo, que nenhuma quantia pertencente àquela Administração seria levantada, sem que o respectivo cheque fôsse assinado por dois dos seus administradores; até corta data, pelo Sr. Jacinto Simões e Herculano Galhardo, e mais tarde, depois de êste ter sido exonerado, pelos Srs. Jacinto Simões o Afonso do Macedo.
Sr. Presidente: Se houvesse um pouco mais do rigor administrativo em Portugal, já êste assunto se encontraria suficientemente averiguado, apuradas as competentes responsabilidades e castigados os empregados da Caixa, que por negligência, incompetência ou má fé, delinquíram.
Vivemos desgraçadamente num país com que o desfalque de 500 contos num estabelecimento do Estado não merece dois minutos de atenção ao Govêrno!
A imprensa, que nada tem com o caso. já tomou as investigações a seu cargo, e está esperançada de levar os seus traba,-

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lhos até o fim, relatando minuciosamente os pormenores do crime.
Entendo que essa não é a sua missão, e que devia abster-se de intervir em assuntos da competência da polícia e dos poderes constituídos.
Li há dias no Diário de Noticias que a Caixa Geral do Depósitos havia confiado as investigações aos Srs. Abílio Magro e Visconde de Cantim, com promessa de os gratificar generosamente.
O Sr. Artur Costa (interrompendo): — Isso já foi desmentido.
O Orador: —Eu estou fazendo a história. É mais fácil desmentir o que não nos convém, do que provar aquilo que se afirma com o propósito, de alijar respon-sabilidades.
Qual é a entidade que permite aos Srs. Abílio Magro e Visconde de Cantim andarem a exercer funções policiais de investigação? A Caixa Geral de Depósitos? De certo que não. A imprensa? Também não. A sua atitude merece, além do meu reparo, a minha condenação pela forma incorrecta como desenvolvem a sua acção investigadora.
Consta-me que D. Maria Júlia, moradora na Rua Almirante Reis, às 23 horas do dia 20 do corrente, foi sobressaltada por êsses cavalheiros, que lhe bateram à porta, dizendo que precisavam de lhe falar sôbre um assunto importante.
É claro, essa senhora, que andava ao corrente dos acontecimentos, telefonou, imediatamente à polícia e conseguiu livrar-se dos importunos. Que diz a isto o Sr. Ministro do Interior?
Com os tais polícias amadores ninguém pode dormir descansado.
Seria para chegarmos a êste estado de desordem e de anarquia, que durante largos anos na imprensa, no Parlamento e nos comícios se fez a propaganda da República?
Devo informar o Senado que, a pedido da referida D. Maria Júlia, o célebre Visconde de Cantim foi preso e conduzido à esquadra, mas em seguida mandado em liberdade pelo cabo de serviço. Sei que os encarregados da investigação não possuem qualidades e requisitos para desempenharem funções tam difíceis o tam melindrosas.
Um dêles, que é escrivão da Boa-Hora e que a Câmara conhece de nome, acha-se processado perante o Conselho Superior da Magistratura Judicial, por tentar extorquir dinheiro ao preso António Laurentino da Cunha, entregue ao Tribunal de Defesa Social. O processo que lhe diz respeito foi instaurado em 18 de Janeiro de 1923, mas encontra-se parado numa repartição do Ministério da Justiça, porque o juiz inspector, Sr. Sousa Magalhães, passa o tempo pela província a fazer sindicâncias.
Não se compreende que o Conselho Superior da Magistratura Judicial conserve, sem lhe dar andamento, um processo disciplinar há quási um ano. Assiste-lhe a obrigação moral de ser o primeiro a dar o exemplo, instruindo e julgando pres-tamente todos os processos que lhe estão afectos.
O outro, o Visconde de Cantim, creio que tem «uma folha de serviços», ou, melhor, um registo criminal, que chega daqui a Cacilhas ou cá Trafaria. Tal é o número de condenações que tem sofrido e de penas que lhe têm sido aplicadas.
Sr. Presidente: em presença dos factos que acabo de relatar, quem lê os jornais, e estima o bem-estar da sua Pátria e do seu País, sente-se vexado por ver ofendido o prestígio da lei, a honra dos tribunais e a dignidade dos poderes construídos. Parece que tudo se afunda num mar de lama e de loucura.
Urge que sejam adoptadas providências enérgicas, inteligentes e criteriosas, a fim de se apurar quem são os funcionários da Caixa Geral de Depósitos responsáveis pelo abusivo levantamento dos 500 contos, e além disso para que se descubram todos os criminosos que tomaram parte na burla, o só foram os polidas amadores que por conta própria, ou dalguma emprêsa suspeita, se andam imiscuindo em serviços oficiais, que não lhos compete.
Assim como os administradores da Caixa Geral de Depósitos, à sombra de uma lei iníqua, recebem milhares de escudos por mês, assim também devem indemnizar o Estado dos prejuízos que lhes causam em virtude do faltas cometidas no exercício das suas funções.
Estou absolutamente convencido que à Caixa não teria sido burlada se os seus funcionários houvessem procedido com o

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zêlo e cuidado que as casas do credito costumam empregar em casos que reclamam toda a atenção. Lançar o véu do esquecimento sôbre a questão, para poupar à responsabilidade civil e disciplinar o pessoal graduado do referido estabelecimento, constitui o maior atentado que se pode cometer contra o actual regime.
Em nome dos princípios demográficos, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que leve ao conhecimento dos Srs. Ministros da Justiça e das Finanças as considerações que acabo de fazer, na certeza de que voltarei ao assunto, tantas vezes quantas forem necessárias para os delinquentes serem castigados.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Transmitirei ao Sr. Ministro das Justiça e dos Cultos as considerações do Sr. Joaquim Crisóstomo.
O Sr. Pereira Gil: — Estando sobre a Mesa um projecto referente à convenção literária com o Brasil, e estando cumpridas todas as formalidades legais, roqueiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que o mesmo projecto entre imediatamente em discussão.
Consultando o Senado, resolveu afirmativamente.
Lida na Mesa a proposta, foi aprovara sem discussão na generalidade e especialidade, tendo sido dispensada a leitura da última redacção a requerimento do Sr. Pereira Gil.
A proposta é a seguinte:
Proposta de lei nº 513
Artigo 1.° É aprovada para ratificação a convenção especial sôbre propriedade literária e artística entre a República Portuguesa e a República dos Estados Unidos do Brasil, assinada no Rio de Janeiro aos 20 dias do mês de Setembro de 1922.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palácio do Congresso da República, em 17 de Outubro de 1923. — Afonso de Melo Pinto Veloso — Baltasar de Almeida Teixeira.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Em resposta às considerações do Sr. Joaquim Crisóstomo e principalmente sôbre o facto por S. Ex.ª citado de estar há mais de um ano parado o processo de sindicância relativo aos funcionários da Boa-Hora, direi que vou informar-me e dar instruções no sentido de que o referido processo caminhe rapidamente.
O Sr. Procópio de Freitas: — Chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos para o que vou expor.
A comissão politica do Partido Republicano Português da freguesia de Serzedelo concelho de Vila Nova de Gaia, resolveu abandonar êsse partido, tendo comunicado a sua resolução à comissão municipal respectiva, da qual faz parte o administrador do concelho.
O ofício em que se fazia a comunicação foi redigido em termos enérgicos, fazendo-se nele censuras aos actos do administrador do concelho, irmão do governador civil do Pôrto, que é oficial do registo civil.
Dessa comissão politica fazia parte o encarregado do pôsto do registo civil, que pouco tempo depois apareceu exonerado, como vingança, por ter abandonado o Partido Republicano Português, passando o serviço para outra freguesia.
Êsse funcionário é um bom republicano e bem quisto por todos.
Houve protestos do povo pela transferência do serviço, e V. Ex.ª nêsse sentido recebeu um telegrama, segundo creio.
Depois começaram a procurar um outro cidadão para substituir o exonerado, e parece estar indicado um barbeiro que mal sabe desenhar o seu nome, e dizem até ser monárquico.
Para isto chamo a atenção do Sr. Ministro.
Aproveito a ocasião para tratar de um outro assunto que corre pela pasta das Finanças, pedindo ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos o favor de transmitir ao seu colega dessa pasta o que vou dizer.
Mais de um tesoureiro da Fazenda Pública se me tem dirigido pedindo providências para o atraso no pagamento dos seus vencimentos, que é de dois ou três meses, não me recordo agora ao certo.
Isto sucede, por exemplo, com os de Oliveira de Frades e de Mondim de Basto.

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Os mesmos factos se dão com todos os propostos dos tesoureiros.
Fui à repartição respectiva saber o motivo, e acêrca dos propostos disseram-me que era consequência de estar pendente uma questão de equiparações, assunto que estava para ser resolvido pelo Sr. Ministro das Finanças, que, não o querendo fazer, encarregou disso a comissão central de reclamações.
Não concordo com êste procedimento. O melhor seria pagar-lhes como até agora, e depois receberiam as diferenças, se a isso tivessem direito.
Assim é que os funcionários não podem permanecer.
O Estado tem obrigação de pagar em dia aos seus funcionários, para poder exigir-lhes o cumprimento dos seus deveres.
Há também outros funcionários, com reclamações pendentes do Ministério das Finanças, informados favoravelmente, que é o pessoal menor dêsse Ministério, e cujo pedido consiste no pagamento das diuturnidades a que têm direito e que é uma mísera quantia, julgo que 5$ por mês. Mas para quem tem pouco já e alguma cousa; é para comprar pão para um dia.
Eu peço, pois, ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos o obséquio de tomar nota das minhas considerações a respeito do Ministério das Finanças e o favor de as transmitir ao respectivo Ministro.
Os outros assuntos que desejava tratar, requeriam a presença dos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha; mas como S. Ex.as não estão, reservo-me tratá-los noutra ocasião, aproveitando estar no uso da palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer, em resposta às considerações feitas pelo Sr. Procópio de Freitas, que de facto recebi um telegrama protestando contra a exoneração do ajudante do pôsto de registo civil de Sarzedas.
Mandei que a repartição respectiva me informasse sôbre o assunto, de forma a eu ficar habilitado a proceder conforme fôr de justiça.
O ilustre Senador refere-se a funcionários do registo civil. Talvez nas informa-
ções de S. Ex.ª haja algum equívoco. Pelo que suponho, não se trata propriamente dum funcionário com a sua estabilidade garantida, mas dum simples ajudante dum pôsto, da mera confiança do funcionário sob as ordens do qual se encontrava.
Em fim, eu averiguarei do que se houver passado e creia o ilustre Senador que procederei com justiça e inteira imparcialidade.
Quanto às considerações do ilustre Senador sôbre assuntos da pasta de Finan-nanças, transmiti-las hei ao meu colega das Finanças. Devo acrescentar que se o Sr. Ministro das Finanças se não encontra presente nesta Câmara, não é evidentemente por menos consideração por ela, mas devido ao facto de o prenderem na Câmara dos Deputados assuntos que imperiosamente reclamam a sua presença.
O orador não reviu.
O Sr. Alfredo Portugal: — Não há dúvida que parece uma desconsideração da parte do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Procópio de Freitas (para explicações]: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer as explicações dadas pelo Sr. Ministro da Justiça e aproveito a ocasião para dizer mais que o oficial de registo civil de Gaia também foi nomeado sem ter ali residência e creio que é de lei, tê-la.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em resposta às novas observações feitas pelo Sr. Senador Procópio de Freitas, dizer que também averiguarei do que se passa relativamente ao oficial do registo civil de Gaia e que, se as cousas se houverem passado fora dos trâmites legais, procederei com inteira justiça.
O Sr. Presidente: — Devo informar o Senado que o projecto de lei a que se referiu o Sr. Pais Gomes está na comissão de Fomento desde Fevereiro dêste ano.
O Sr. Pais Gomes: — Sr. Presidente:, segundo vejo, êsse projecto dorme no seio

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dessa comissão e por isso pedia a V. Ex.ª que fôsse aplicado o Regimento.
O Sr. Presidente: — O Sr. Afonso de Lemos propõe que seja substituído na comissão de Regimento e Petições o Sr. Mendes dos Reis pelo Sr. Alfredo Portugal.
Eu vou consultar o Senado.
Consultado o Senado, resolveu afirmativamente.
O Sr. Vicente Ramos: — Na sessão anterior pedi a presença dos Srs. Ministros do Interior e das Finanças.
V. Ex.ª comunicou-nos que lhes tinha participado êsses desejos, que não eram só meus.
O Sr. Ministro das Finanças, contudo, não apareceu, decerto por impossibilidade, e eu reservo-me para me dirigir a S. Ex.ª quando o veja presente.
Quanto ao Sr. Ministro do Interior, peço ao Sr. Ministro da Justiça o favor de lhe transmitir o que vou dizer.
Quero referir me aos funcionários dos governos civis.
Recordo-me que, em uma sessão da primeira secção, quando se começou a discutir o projecto referente à melhoria dos seus vencimentos, apareceu alguém dizendo que estava já elaborado um decreto concedendo essas melhorias, em conformidade com o que tinha sido feito para os administradores dos concelhos.
Perante esta declaração, a secção entendeu não dever mais ocupar-se do assunto.
Porém, largo prazo tem decorrido e o decreto ainda não apareceu, apesar de, por informações particulares, saber que o decreto está lavrado.
Ora a situação dêsses funcionários é vexatória; um oficial dum governo civil de terceira classe tem menos vencimentos que um oficiai de diligências de qualquer administração do concelho de idêntica classe.
Isto é. não póde manter-se, recebendo por mês menos de 300$!
Sr. Presidente: é preciso que o Sr. Ministro do Interior, a quem está entregue a solução dêstes assuntos, dê imediatas providências, publicando o decreto.
Ainda não há muitos dias que me foi afirmada que o decreto fora elaborado e
que ia à assinatura do Sr. Ministro do Interior.
Decorreram dias e êle não foi publicado, começando a aparecer reclamações. Reclamaram os oficiais o os amanuenses, porque o decreto apenas tratava com carinho os governadores civis.
Sr. Presidente: o que é preciso é que se publique imediatamente o decreto. Se tais reclamações são justas, que se atendam, mas que venha o decreto; que se dê aos funcionários em questão uma situação, já não digo de conforto, mas que os livre da miséria e até que possa estabelecer-se para muitos algum credito, pois que alguns já não podem viver senão por credito.
Só a todos se atendeu, se para todos houve equiparações, então só para os oficiais dos governos civis é que isso se não faz?!
Eu peço ao Sr. Ministro da Justiça o favor do comunicar estas minhas considerações ao Sr. Ministro do Interior.
Poder-me-ia alongar mais, mas a Câmara já conhece os factos e seria tomar-lhe tempo improdutivamente.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em resposta ao Sr. Vicente Ramos, dizer que transmitirei ao Sr. Presidente do Ministério as suas considerações, certo de que S. Ex.ª tomará as devidas providências, no sentido de atender a situações que merecem realmente ser atendidas.
O Sr. Presidente: — Vai-se entrar na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da interpelação do Sr. Catanho de Meneses ao Sr. Ministro da Justiça
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: o ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses começou por afirmar que não desejava fazer uma interpelação ao Ministro da Justiça, mas apenas provocar algumas expli-

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cações acêrca de um decreto que eu publiquei respeitante a matéria de inquilinato. Todavia, S. Ex.ª não fez uma interpelação, fez muito mais do que isso, fez uma verdadeira sabatina! E de tal ordem, que nem ao ilustre Senador escapou o próprio artigo 11.° do meu decreto, artigo em que se diz que «fica revogada a legislação em contrário»!
Fez-me S. Ex.ª no seu discurso várias acusações.
Afirmou que eu na qualidade de presidente da comissão de legislação da Câmara dos Deputados e numa ocasião em que não fazia parte do Govêrno, não apresentei qualquer parecer acêrca da proposta, de que eu era relator, por S. Ex.ª apresentada à mesma Câmara; que, depois de Ministro, descurei completamente tal assunto, não empregando qualquer diligência no sentido de fazer com que na Câmara dos Deputados essa proposta pudesse ser discutida e porventura votada. Acusou-me ainda o ilustre Senador de ser nesta Câmara inexplicável a minha atitude, visto que, tendo S. Ex.ª apresentado, como relator, um projecto referente a matéria de inquilinato, eu nem sequer tinha pedido a palavra quando se discutiu êsse projecto na generalidade.
Afirmou ainda mais S. Ex.ª que a publicação do decreto que mandei para o Diário do Govêrno, relativo ao inquilinato, representou não só um golpe na Constituição, mas significou não haver por minha parte o respeito que deveria haver por esta Câmara, visto como na redacção do, meu decreto não tive em linha de conta os trabalhos pelo ilustre Senador aqui apresentados e que estavam sendo discutidos.
Acusou-me mais o ilustre Senador de nada ter resolvido com o meu decreto, que além de tudo é inconstitucional, sendo algumas das disposições de tal decreto irrisórias e só merecerem o desdém da opinião pública. Concluiu por dizer que as disposições do decreto não seriam certamente, nem deveriam ser, acatadas pelos tribunais.
Procurarei responder, o mais concretamente possível, a todos os pontos da acusação.
Devo dizer, porém, antes de mais nada que, se porventura, eu quisesse colocar o ilustre Senador Catanho de Meneses numa situação deveras embaraçosa, bastar-me-ia publicar um novo decreto declarando sem efeito o primeiro, dando como razões determinativas dêsse novo decreto, precisamente as considerações pelo ilustre Senador aqui bordadas contra o decreto em questão.
Seria interessante assistir então às explicações que certamente S. Ex.ª não deixaria de dar às numerosas comissões de inquilinos que o procurassem, e tanto mais interessantes deveriam ser tais explicações, quanto é certo ter-se S. Ex.ª armado nesta Câmara em paladino estrénuo dos inter esses dos inquilinos e servir o meu decreto precisamente para evitar muitíssimos abusos que por parte de muitos senhorios gananciosos estavam sendo cometidos contra os inquilinos.
Devo também acentuar, e já na sessão anterior fiz referência ao caso, que compreendia que qualquer dos outros ilustres membros desta Câmara que não S. Ex.ª me viesse acusar, embora sem fundamento, de ter feito uma publicação ditatorial, de ter cometido com o meu decreto, um atropelo à Constituição.
O que de forma nenhuma eu compreendo, nem ninguém compreenderá, é que seja o Sr. Catanho de Meneses a fazer uma tal acusação.
Acusa-me S. Ex.ª, de com o meu decreto ir ferir a Constituição. Armou-se o ilustre Senador em defensor e respeitador acérrimo da Constituição, e a verdade é que S. Ex.ª ainda há pouco, quando Ministro da Justiça, promulgou um diploma com disposições francamente ditatoriais e arbitrárias!
Refiro-me à tabela dos emolumentos e salários judiciais.
É do conhecimento de todos os homens do fôro que o Sr. Catanho de Meneses fez. com as disposições dessa tabela, pura ditadura, indo muito além da autorização que a Câmara lhe dera.
E depois disto, é o Sr. Catanho de Meneses que me vem acusar a mim, é o ilustre Senador que quere fazer-nos acreditar ser S. Ex.ª, um paladino das garantias constitucionais, sem se lembrar já que foi o primeiro a não ter em linha de conta essas mesmas garantias!
Quanto à primeira acusação que pelo ilustre Senador me foi formulada, devo dizer que fui realmente eu o escolhido pá

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ra relator da proposta de lei sôbre inquilinato, apresentada à Câmara dos Deputados pelo Sr. Catanho de Meneses, quando Ministro da Justiça.
Sabe S. Ex.ª que estudei e assunto, e que cheguei a determinadas conclusões, e sabe S. Ex.ª também a razão fundamental por que essas conclusões não foram presentes à Câmara.
Foi por uma questão de amabilidade, de gentileza e de lealdade que eu desejei ter para com S. Ex.ª, porquanto não concordando com uma grande parte das dis-posições da proposta, só um contra-projecto poderia concretizar o meu modo de ver e eu sabia que a apresentação de um contra-projecto não era do agiado do Sr. Catanho de Meneses.
Não quis ferir as suas susceptibilidades, eis tudo.
Procurava eu fazer-me substituir por outro relator, quando S. Ex.ª saiu do Ministério.
A proposta lá continuou no seio da comissão de legislação e como eu já não fazia parte desta, não me foi possível obter que a proposta fôsse relatada, muito embora bastantes esforços empregasse nêsse sentido.
Nem o Sr. Catanho de Meneses deve estranhar que eu nada conseguisse: várias propostas mais facilmente relatáveis e cuja discussão e aprovação se tornava urgente, eu submeti à apreciação da Câmara, sem ter sido mais feliz.
Ou não foram relatadas ou não chegaram a ser discutidas pela Câmara.
No tocante à minha atitude no Senado, é realmente de estranhar que o Sr. Catanho de Meneses achasse essa atitude inexplicável.
Mas inexplicável porquê?
O Sr. Catanho de Meneses, apresentou como relator duma proposta de lei vinda da outra Câmara, um projecto de lei da sua autoria, sôbre alguns pontos referentes à matéria de inquilinato.
Êsse projecto começou a ser discutido nesta Câmara, discussão que ainda continua a fazer-se na generalidade.
Ora o que é que eu poderia dizer acêrca da generalidade do projecto?
Pouco ou nada.
Ainda assim, e para bem se ver do meu interesse pela questão do inquilinato, tendo-me ao principio manifestado nesta Câmara que começasse a ser discutida em primeiro lugar a proposta da Câmara dos Deputados, que interpretava alguns artigos duma lei anteriormente votada, que permitia um certo aumento de renda, acabei por defender a preferência para a discussão do projecto do Sr. Catanho de Meneses, por me ter convencido que a adopção do meu primeiro ponto de vista só serviria para protelar a discussão do tal projecto.
E nessa altura tive ensejo do deixar acentuado o que eu pensava sôbre os pontos capitais que deveriam orientar uma nova regulamentação das relações jurídicos entro senhorios e inquilinos.
Disse se então que a actual lei do inquilinato precisava de ser modificada, de maneira a harmonizar os interesses bem entendidos dos inquilinos com os justos interesses dos senhorios,
Ora, aquilo que se deveria ter sobretudo em vista, era dar à situação dos inquilinos uma perfeita estabilidade, e aos senhorios uma justa remuneração dos seus capitais empregados em prédios, procurando-se além disso coarctar tanto quanto possível os abusos que estão sendo cometidos por muitos senhorios, e por muitos inquilinos.
Que mais era preciso dizer sôbre a generalidade do projecto?
Evidentemente nada mais, a não ser que S. Ex.ª preferisse que eu sôbre o seu projecto estivesse falando três ou quatro horas, sem adiantar mais cousa alguma.
Afirmou o Sr. Catanho de Meneses que a publicação do meu decreto representa um desprestígio para o Senado.
Mas porquê?
Quem me conhece sabe muito bem que eu era incapaz de desrespeitar esta ou a outra Câmara.
Pelo contrario, tenho por ambas o maior respeito.
O Parlamento é a expressão mais alta da soberania nacional, e sendo o Poder Executivo uma emanação dessa mesma representação, eu não podia deixar de ter por ela a maior consideração.
O facto de estar em discussão um determinado projecto sôbre inquilinato, implica, porventura, eu não poder regulara matéria do inquilinato para atender a numerosas representações que estavam sendo enviadas ao Govêrno?

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De rasto, S. Ex.ª tinha a certeza de que o Senado lha aprovava o seu projecto, tal como o apresentou à discussão?
Teria, talvez, S. Ex.ª razão para se insurgir se o Senado tivesse aprovado o seu projecto e eu viesse depois em um simples decreto alterar as resoluções desta Câmara. Nada disso, porém, aconteceu.
Disse S. Ex.ª que as disposições do meu decreto nada resolveram e que tal decreto pecava pela sua inconstitucionalidade.
Eu procurarei demonstrar, o mais rapidamente possível, que assim não é. Mas antes disso quero explicar à Câmara as razões por que publiquei êsse decreto.
De todos os pontos do país, e muito principalmente do Pôrto o Lisboa, eram enviadas reclamações ao Govêrno, reclamações cada vez mais instantes, no sentido de se alterar ou aclarar a actual lei do inquilinato, de modo a não poderem continuar a produzir-se abusos flagrantes que se estavam dando cada vez com mais frequência.
Essas reclamações tornavam-se, como disse, cada vez mais instantes, o posso até assegurar a S. Ex.ª que, se não se tivesse publicado o decreto em questão na altura em que se publicou, poderia a ordem pública, ter sido seriamente perturbada.
Uma grande parte dessas reclamações foram dirigidas ao Sr. Presidente do Ministério.
Como era meu dever, levei o caso a Conselho do Ministros e aí foi resolvida a publicação de medidas que pusessem cobro imediato a muitos dos abusos que estavam sendo praticados e que sobremaneira alarmavam e irritavam a opinião pública. E publico use então o decreto que tam acres censuras merece ao Sr. Catanho de Meneses.
O Sr. Catanho de Meneses declarou, com ares irritados, que protestava em nome do seu partido contra o atropelo feito à Constituição por um Ministro que, embora fazendo parte dum Govêrno democrático, era independente. Que queria ter a honra de ser o autor dêsse protesto!
Tudo isto é muito interessante, sabido como é que o Sr. Catanho de Meneses não teve pejo de ainda há pouco, como
tive ocasião de explicar, ter introduzido num decreto disposições absolutamente anti-constitucionais!
Eu assumo inteira responsabilidade pelo decreto que publiquei, que nada tem do inconstitucional, mas sempre quero dizer ao ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses que o decreto em questão é da responsabilidade do todo o Govêrno, que não a engeita, e portanto de correligionários de S. Ex.ª também.
O Sr. Querubim Guimarães: — Isso é verdade.
O Orador: — Estranhou o Sr. Catanho de Meneses que, tendo-mo eu disposto a alterar algumas das disposições da actual lei do inquilinato, não tivesse resolvido todas as dificuldades a que tal lei tem dado lugar;
Não deixa de ser interessante essa estranheza: então S. Ex.ª acusa-me pelo pouco que eu fiz e estranha por outro lado que eu não fizesse mais ainda, regulando toda a matéria do inquilinato, embora isso representasse de facto um atropelo de disposições constitucionais? Em que fica então a defesa por S. Ex.ª feita do respeito à Constituição?
Disse S. Ex.ª que lhe pareciam de mau agouro os primeiros considerandos do decreto. Mas porquê? Para se tratar de fixar doutrina razoável e justa?
O Govêrno em assunto referente à lei do inquilinato não podia regulamentar duma maneira geral tudo o que dizia respeito a relações entre senhorios e inquilinos, porque isso não estava no âmbito das suas funções.
Mas, vamos analisar o decreto artigo por artigo, visto que foi assim que S. Ex.ª a êle se referiu.
Relativamente ao artigo 1.° diz S. Ex.ª que êle é inconstitucional.
Qual a razão por que se publicou êste artigo? & Que situação vai êle remediar?
Acontecia que um individuo tinha celebrado com o dono dum prédio um contrato de arrendamento, êsse arrendamento, feito com inteira boa fé de parte a parte, tinha sido reduzido a escrito, mas, porque lhe faltava uma pequena formalidade sem importância de maior, dispensada esta pela actual legislação, o arrendatário poderia ser despedido pelo senho-

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rio! E em tais condições se encontrava muita gente.
Como a actual lei do inquilinato declara que os contratos de arrendamento basta que contenham, para a sua validade, as assinaturas do senhorio e do inquilino, eu fiz inserir no meu decreto a disposição do artigo 1.°, dando validade aos arrendamentos que, na sua renovação, se conformem, quanto a formalidades, com a actual lei. Isto é tudo quanto há de mais constitucional, tanto mais que bem podemos considerar a renovação do contrato como um contrato novo sujeito assim às prescrições da actual lei quanto a formalizadades.
O Sr. Catanho de Meneses: — A lei exige que a renovação se faça, portanto já não é um contrato novo, visto que é imposto pela lei.
0 Orador: — A verdade é que a lei fala em renovação e renovação de facto existe, embora não haja por parto do senhorio a possibilidade de despedir o inquilino.
Mas tranquilize se S. Ex.ª acêrca da inconstitucionalidade de tal artigo!
O Supremo Tribunal de Justiça, antes dêste decreto publicado, tem ido até irais além do que eu, porque entende e assim tem julgado que, embora não se trate dum contrato renovado na vigência da lei actual, desde que o título de arrendamento esteja em harmonia com esta lei, êle é válido.
Num folheto publicado pelo Dr. José Alberto dos Reis, professor ilustre da, Universidade de Coimbra, pessoa que deve merecer toda à consideração do Sr. Catanho do Meneses, também se sustenta a mesma doutrina.
Deve, portanto, o ilustre Senador acusar também o Supremo Tribunal de Justiça de estar a infringir as disposições da Constituição.
Vê, pois, a, Câmara que o artigo 1.º do decreto representa qualquer cousa de justo e que não é inconstitucional.
Mas dizia ainda S. Ex.ª que eu fiz publicar o decreto quando nos tribunais se estavam discutindo variadas questões, dando, por assim dizer, um despacho geral sôbre todas essas questões num determinado sentido.
Não foi nada disso o que eu fiz, visto que eu roo limitei a regulamentar o que já existia e não propriamente a formular disposições novas de lei. O resto, quando o Poder Executivo ou Poder Legislativo, a dentro cada qual das respectivas atribuições, procuram, em disposições regulamentares ou em novas leis, defender os interesses da comunidade, não têm que preocupar-se com o facto dessa defesa poder ir ferir interesses puramente individuais, que não constituam ainda direitos.
Acrescentou ainda S. Ex.ª que eu nem, ao menos, tivera o cuidado de salvaguardar as questões pendentes.
Eu não tratei de salvaguardar as questões pendentes, porquê? Porque o decreto que publiquei constitui apenas uma regulamentação de disposições de lei já existentes.
Como é, pois, que eu poderia salvaguardar quaisquer questões pendentes, declarando que o decreto não tinha efeito retroactivo?
Disse mais S. Ex.ª que o decreto não evitava todas as dificuldades que estavam surgindo.
Mas não foi evidentemente intenção minha fazer desaparecer todas as dificuldades. Procurei resolver apenas aquelas que dentro das minhas atribuições, podia efectivamente resolver.
Vamos ao artigo 2.°
O ilustre Senador acha-o também inconstitucional.
A verdade é que assim não é.
O Código Civil aponta no seu artigo 2436.º as formalidades a que devem obedecer os documentos particulares para poderem considerar-se autenticados. Êsse artigo não se encontra revogado. Eu não fiz mais do que declará-lo aplicável nos contratos de arrendamento, acabando-se assim com as dúvidas que a tal respeito poderiam surgir pelo facto das leis do notariado exigirem para tal espécie de documentos formalidades mais detalhadas. No meu modo de ver, aquelas formalidades que devem considerar-se fundamentais nos documentos autenticados são as do artigo 2436.° do Código Civil. Desde que se respeitem tais formalidades, o resto, é uma questão de regulamentação que cabe dentro das atribuições do Poder Executivo, Nos diplomas respeitantes aos serviços do notariado regulou-se a maté-

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ria e, de certo, modo, nada obsta a que o Poder Executivo modifique essa regulamentação para certa espécie de documentos ou para os documentos em geral, desde que respeite sempre as formalidades prescritas no mencionado artigo 2436.° do Código Civil.
Disse também S. Ex.ª que eu, com o artigo 2.° dó decreto em questão, não consegui aquilo que me propus.
Não sei qual teria sido, no pensar do ilustre Senador, o objectivo que eu me propus com aquele artigo. Se S. Ex.ª pensa, como parece depreender-se das suas palavras, que eu, com o artigo 2.° do meu decreto, tive a idea de acabar com as questões que se suscitam quando um prédio arrendado passa a novo senhorio, constando o respectivo contrato dum simples documento particular, engana-se redondamente.
Não acabei com todas essas questões, por não ter, na minha qualidade de membro do Poder Executivo, faculdades para o fazer. Quis apenas, com a disposição mencionada, que fôssem para todos os efeitos considerados documentos autenticados os arrendamentos que se apresentassem com as simples formalidades do artigo 2436.° do Código Civil.
Nada mais. E deve Considerar S. Ex.ª que desta forma já se evitam muitos abusos.
O disposto no artigo 3.° tem a sua explicação no facto de eu querer evitar que continuassem a repetir-se os abusos de se fazerem despejar inquilinos sem que estes sequer tivessem conhecimento de que uma acção contra êles fôra posta em juízo. Acontecia muitas vezes que o senhorio aproveitava a circunstância de o inquilino se não encontrar em casa, para provocar a citação dêste e assim obter, sem que o inquilino de nada soubesse ou desconfiasse, uma sentença condenando o inquilino a dar o prédio despejado.
Muitas vezes fazia-se até o despejo com desconhecimento absoluto por parte do inquilino. Ora uma situação destas era intolerável e precisava de acabar.
Quanto à constitucionalidade do artigo 3.°, quere-me parecer que dela se não pode duvidar ou que pelo menos a sua constitucionalidade é defensável. Eu, com aquele artigo, não alterei nada do que se dispunha na lei. Respeita-se o que
se encontra legislado, simplesmente o artigo 3.° ordena mais algumas formalidades quando se dê a hipótese no mesmo artigo prevista, formalidades que eu considero regulamentares. E um critério, o meu. Os tribunais resolverão em última análise, se porventura entenderem que a doutrina do artigo 3.° representa mais que uma simples regulamentação.
Diz, no emtanto, o ilustre Senador que eu com aquele artigo não alcancei o objectivo que tinha em vista.
Francamente, devo confessar que não percebo.
Esta disposição do artigo 3.° aplica-se sempre que o citando não intervenha pessoalmente na citação, por se encontrar ausente do seu domicílio, fora ou dentro da comarca, pouco importa.
O Sr. Gatanho de Meneses: — Mas não resolve o caso de a pessoa não ser encontrada no seu domicílio que é uma cousa diferente.
O artigo apenas visa ao caso de o inquilino estar fora da sua comarca.
O Orador: — Desde que o citando não intervém pessoalmente na citação por se encontrar ausente do seu domicílio, isto é, da sua casa ou do lugar da sua residência, aplica-se a doutrina do artigo 3.° A significarão da palavra «ausência» e da palavra «domicílio», não tinha eu que a formular.
Há nas leis actuais elementos suficientes para dar àquelas palavras a acepção que devem ter.
Sôbre o artigo 4.°, o Sr. Catanho de Meneses achou boa a doutrina nele consignada, apenas lhe notou o defeito de não ser constitucional. Também nesta parte S. Ex.ª não tem razão.
Na hipótese figurada no artigo 4.° evidentemente que o inquilino tem direito a reocupar a casa que abandonara. Êsse direito está-lhe consignado nas leis vigen- tes.
Qual a forma, porém, de efectivar tal direito?
A lei não o dizia duma maneira expressa, mas a verdade é que por vezes, pelo menos, os tribunais tinham entendido que o inquilino se poderia valer dos meios que precisamente "agora o decreto lhe reconhece de modo expresso.

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¿Se a situação era esta, como é que se poderá apodar com justiça de inconstitucional o mencionado artigo 4.°?
No artigo 5.° declara-se:
Leu.
O motivo que justifica esta disposição é óbvio. A constitucionalidade de tal artigo tem explicação idêntica à que expus quanto ao artigo anterior.
O artigo 6.° diz:
Leu.
E o artigo 79.°, § 2.°, da lei do inquilinato dizia o seguinte:.
Leu.
Com base nesta última disposição cometiam-se abusos, que consistiam em o senhorio por vezes fazer com que no prédio arrendado aparecessem escritos, sem conhecimento e contra vontade do inquilino, e dessa forma facilmente obter o despejo do prédio.
O espírito de § 2.° do artigo 79.° da lei do inquilinato era um e da pura aplicação da letra da lei resultava outro. Inteiramente diferente.
O artigo 6.° do meu decreto procurou tam só, regulamentando devidamente aquela disposição legal, restituir-lhe aquilo que sem dúvida tinha sido o espírito do legislador.
Quanto ao disposto no artigo 7.º, o Sr. Catanho de Meneses bradou a sua estranheza e indignação pelo facto de eu introduzir no decreto a disposição daquele artigo e parágrafos, apodando o meu procedimento duma verdadeira audácia... e isto pela circunstância do ter sido votado na Câmara dos Deputados e estar em discussão no Senado um projecto interpretativo de um dos artigos da lei de 21 de Setembro de 1922, que precisamente continha as mesmas disposições que se lêem naquele artigo.
Francamente, eu só me admiro que o Sr. Catanho de Meneses não tivesse igual audácia quando sobraçou a pasta da Justiça.
Pois se um dos artigos da lei de 21 de Setembro de 1922 permitia aos senhorios um certo aumento da renda, e se êsse aumento de facto se não fazia por não se encontrar detidamente regulamentado o artigo de lei que o permitia, ¿qual era o dever do Poder Executivo?
Precisamente o de dar efectivação à lei pela sua adequada regulamentação.
Foi o que eu fiz, e era o que deveria ter feito o Sr. Catanho de Meneses quando Ministro da Justiça.
Porque o não fez e porque o Poder Legislativo não tinha meio de o obrigar a fazê-lo, é que na Câmara dos Deputados apareceu um projecto que dizia interpretar, mas de facto regulamentava, a mencionada disposição legal.
Mas o Sr. Catanho de Meneses não só não fez o que deveria ter feito, mas vem agora acusar-me por eu ter cumprido afinal, o meu dever.
Estranhou também S. Ex.ª que o decrete contivesse a doutrina que se encontra expressa no artigo 9.°, doutrina que S. Ex.ª diz ser inteiramente nova, não podendo, consequentemente, explicar-se como regulamentação de qualquer disposição já existente.
A observação do ilustre Senador é fácil de responder: a lei de 21 de Setembro de 1922 permitiu aos senhorios um determinado aumento de renda.
Essa lei não tinha tido, nessa parte, por falta de regulamentação adequada, aplicação até à data do meu decreto. Desde essa data por diante aplica-se.
¿Se os inquilinos não quisessem sujeitar-se ao aumento, qual o direito dos senhorios?
Evidentemente, requerer o despejo do prédio.
É o que se depreende já da actual lei do inquilinato, que dá dum modo geral aos senhorios o direito de fazer despejar e prédio arrendado quando o inquilino falte ao cumprimento de qualquer cláusula do respectivo contrato, cláusula imposta pela lei ou pela vontade das partes.
No artigo 9.° do decreto tornei afinal explícito o que duma maneira insofismável resultava já da actual lei do inquilinato e dos princípios gerais de direito.
Finalmente, S. Ex.ª referiu-se ao artigo 11.°, onde se declara: «fica revogada a legislação em contrário» para verberar, cheio de indignação, a existência de tal artigo no decreto.
Mas aquela disposição não é inconstitucional; quere dizer simplesmente que o que fôr contrário ao estatuído no decreto não tem aplicação.
Se, ao publicar-se uma lei ou um decreto, não fôsse revogada a legislação

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em contrario, tal lei ou decreto não serviria para nada.
E devo dizer com franqueza que chego a não compreender o que quere o ilustre Senador ou a que vêm os seus reparos.
Para que serviriam os artigos duma lei ou decreto se não ficassem revogadas as disposições que os contrariassem?
Creio ter demonstrado à Câmara que o decreto em questão correspondeu a uma necessidade, que veio evitar abusos por parte de muitos senhorios e que veio permitir a estes poderem efectivar o pequeno aumento de rendas votado pelo Parlamento.
Creio ter igualmente demonstrado que as disposições do meu decreto em nada vão contrariar qualquer disposição constitucional.
Com o decreto de 10 de Setembro, procurei apenas realizar uma obra de justiça.
Não ofendi os direitos de ninguém, pus de banda qualquer espírito de sectarismo, e não tratei de colher aplausos desta ou daquela classe.
Os próprios representantes dos senhorios e dos inquilinos, que comigo tiveram várias conferências, reconheceram todos o espírito de justiça que me animava.
Com êsse reconhecimento me dou por inteiramente satisfeito.
Creio ter respondido duma maneira genérica a todas as considerações do ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses.
Não sei se S. Ex.ª terá ficado satisfeito; é natural que não, tanto mais que S. Ex.ª tem a idea fixa de que só o seu projecto — o projecto em discussão nesta Câmara — é capaz, de resolver todas as dúvidas, todas as dificuldades, todas as divergências de interêsses!
E, no entanto, a verdade é que tal projecto se encontra cheio de defeitos, não harmoniza devidamente os interêsses bem entendidos de senhorios e inquilinos, e não se refere, para os regular, a muitos e variados casos que precisam de ser devidamente regulamentados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça disse que, apesar de eu na minha nota de interpelação ter pedido só a sua presença para fazer as observações que o caso importava, eu a tinha transformado numa acusação cerrada.
Nada disso, Sr. Presidente; o meu temperamento pode-me levar a usar da palavra com um certo calor, mas ainda bem que S. Ex.ª não disse, nem podia dizer, que no uso da faculdade que o Regimento desta Câmara me confere eu tivesse dito uma palavra que tivesse de longe ou de perto, directa ou indirectamente, tocado em S. Ex.ª, nem como pessoa individual, cidadão da República, nem como Ministro da Justiça.
É claro, e isso compreende V. Ex.ª, que eu entendi que não podia ficar silencioso diante de uma situação que reputo contrária ao prestígio do Senado e à Constituição.
Disse-me S. Ex.ª, respondendo à parte em que eu lastimava que, tendo um projecto no seio da comissão de que S. Ex.ª era relator, não tivesse tido a ventura de ver um relatório de S. Ex.ª, que havia de ser interessante pela autoridade que S. Ex.ª tem como jurisconsulto, disse-me S. Ex.ª: — «não fiz êsse relatório porque lhe quiz ser agradável. Eu tinha opiniões absolutamente opostas e, como não quiz melindrar S. Ex.ª, achei melhor conservar-me absolutamente silencioso».
Ainda bem ou ainda mal que S. Ex.ª veio confessar que efectivamente foi propositado o seu silêncio.
Quere dizer: o Sr. Abranches Ferrão como relator da comissão de legislação da Câmara dos Deputados, na alta situação em que se encontrava, entendeu, tendo de seguir um caminho absolutamente diverso em alguns pontos à orientação que eu seguia na minha proposta, não dizer nada acêrca do assunto.
Tratando se dum assunto de tam grande
magnitude, eu estava acima do País, das conveniências, da necessidade que havia
de regulamentar êste caso, que, como hoje, se tornava urgente regulamentar.
Eu não me podia ofender se S. Ex.ª desse um parecer em que alterasse muitas das disposições da minha proposta, porque em 1915 apresentei à Câmara dos Deputados um projecto igual, e não menos melindroso; quando a comissão alterou em parte êsse projecto, achei natural.
Nós, na nossa situação de legisladores, de velarmos pelo bem do País, não pode-

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mos ter consideração pessoal por ninguém.
Agradecido a V. Ex.ª por essa consideração, tanto mais que nunca teve a amabilidade de me dizer que discordava dessas disposições.
A comissão reuniu-se duas ou três vezes, tivemos conferências, e nunca ouvi da bôca de S. Ex.ª o que acabo de ouvir.
Que me importava a mim que o Sr. Abranches Ferrão não aceitasse grande parte dos artigos da minha proposta, se eu cheguei a exprimir-me dêste modo na Câmara dos Deputados: «é preciso fazer-se alguma cousa sôbre o assunto. Não deixem pedra sôbre pedra da minha proposta: mas faça-se um trabalho capaz de satisfazer as legítimas aspirações de senhorios e inquilinos»?
Como é que depois desta declaração, que eu não podia deixar de fazer, S. Ex.ª poderia supor que eu ficaria melindrando se S. Ex.ª no seu parecer alterasse profundamente a proposta que eu tinha feito?
Tanto mais que o trabalho é de muitos, não é só meu, e mesmo assim fica com imperfeições porque a obra humana nunca é perfeita: um monumento de legislação amanhã cai pela própria corrente dos sistemas, das ideas, da civilização, da sociedade.
V. Ex.ª julgando por consequência que me lisonjeava com essa sua (....) engana-se: eu declaro que não fiquei lisonjeado, porque o contrario seria pensar que eu era orgulhoso, que me considerava superior a todos. Eu nunca poderia ficar melindrado em as emendas que fôssem introduzidas na minha proposta.
Disse V. Ex.ª ainda mais que precisamos fundamentar princípios, e mostrarmos que acima de tudo temos em vista os interêsses da Pátria.
Eu fiquei impressionado quando V. Ex.ª disse que eu tinha sido inconstitucional e que as leis que me autorizavam a rever a tabela dos emolumentos judicias não tinham tanta latitude.
Eu não venho agora discutir se aquela medida que está assinada por mim é uma medida inconstitucional; a seu tempo V. Ex.ª virá a esta Câmara e justificará as palavras que estou dizendo.
V. Ex.ª declarou na Câmara dos Deputados, quando a êsse respeito lhe falou o Sr. Sampaio e Maia, que a tabela era inconstitucional, e eu respondi que era constitucional.
Disse V. Ex.ª, quando eu o atacava, que pertencia a um Ministério que eu classificava de independente, mas, quando o acusava, que tomasse cuidado que acusava todo o Ministério, porque V. Ex.ª apresentou a Conselho de Ministros o seu decreto e o Conselho foi solidário com V. Ex.ª
V. Ex.ª sabe que tenho uma teoria diferente: a responsabilidade técnica é sempre do Ministro que apresenta as propostas; para isso é que foram criados os diversos Ministérios; é uma questão de divisão de trabalho.
Eu posso dizer ao Senado o que me sucedeu quando, em virtude das medidas que se dizia era necessário promulgar a respeito da carestia da vida, eu cheguei a Conselho de Ministros e disse que era preciso fazer alguma cousa sôbre êste assunto, e disse que era bom que se fizesse e que se tinha feito em Itália, a nação dos mestres e da sciência.
Fazia-se salientar no relatório que muitas imperfeições havia, mas que êsses defeitos haviam de ser a primeira pedra sôbre um ramo de legislação que então nascia, mas que essa obra seria mais tarde aperfeiçoada.
O Sr. Ministro da Agricultura, que era então o Sr. Ernesto Navarro, e os demais membros do Ministério concordaram em que alguma cousa se fizesse que pudesse ser profícuo.
E o que aconteceu depois?
Foi o Sr. Ginestal Machado que na outra Câmara levantou a questão e atacou o Sr. Ministro da Agricultura, que tinha publicado o decreto em questão.
Eu então disse a S. Ex.ª que a responsabilidade era minha e só minha e acrescentei: V. Ex.ª daqui por diante tem a bondade de se dirigir só para mim.
O Sr. Ernesto Navarro: — É exacto.
O Orador: — Pois aqui está como eu entendo a solidariedade ministerial.
Eu sei que o Sr. Ministro de Justiça disse, há pouco, que tomava inteira responsabilidade do decreto. Todavia, S. Ex.ª e outro dia quis pôr em foco que eu, atacando S. Ex.ª, atacava também o Ministério.

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Ora, a verdade é que, atacando eu S. Ex.ª, atacava-o e não atacava os seus colegas do Ministério. S. Ex.ª sabe bem como as cousas se passam.
Disse o Sr. Ministro da Justiça que me poderia colocar em graves embaraços.
Se eu fôsse muito tímido, S. Ex.ª colocava-me em graves embaraços.. Derrogando o decreto, depois as comissões políticas cairiam todas sôbre mim...
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão) (interrompendo): — Eu não falei em comissões políticas, falei em inquilinos.
O Orador: —Ah! V. Ex.ª falou em inquilinos!
Devo dizer a V. Ex.ª, que se há alguém que suponha, como disse um jornal, que o meu projecto tenha defeitos por atender aos interêsses dos senhorios, êsse alguém engana-se. Quando discutirmos isso, veremos então.
A respeito de sublocação tenho a dizer que o contrato devia ser escrito, embora haja outras medidas tendentes a evitar o abuso de traspasses, por parte dos inquilinos, etc. V. Ex.ª se queria dizer com isto que eu tentava armar à popularidade defendendo unicamente os interêsses dos inquilinos, V. Ex.ª sem querer disse perante o Parlamento uma inexactidão.
Quando V. Ex.ª principiou a analisar, um por um os artigos, do seu diploma eu julguei que ia demonstrar a constitucionalidade de todos êles, e, a ser assim, as minhas observações ficavam perfeitamente rebatidas, caídas, desmanchadas, sem valor.
Apesar porém da palavra hábil de V. Ex.ª, não vi tal demonstração, e assim as minhas palavras, os meus argumentos, ficam perfeitamente de pé. Disse V. Ex.ª que o artigo 1.° é perfeitamente constitucional.
¿Ora o que é que V. Ex.ª resolvia por êsse artigo? Resolvia que um contrato celebrado antes da publicação dêste decreto, embora não tivesse os requisitos da lei exigidos ao tempo da sua celebração, bastava que se conformasse com as disposições aqui contidas, isto é, que tivesse as assinaturas do inquilino e do senhorio, para que êsse contrato fôsse considerado válido.
E porquê? Porque, dizia S. Ex.ª, houve renovação de contrato.
Se houve renovação de contrato é porque se manifestou a vontade das partes. Mas V. Ex.ª ficou bastante embaraçado porque V. Ex.ª quis chamar contrato a um acto em que V. Ex.ª via que não pôde entrar a vontade do senhorio.
V. Ex.ª sabe que vivemos num regime excepcional e êsse regime excepcional é a prorrogação dos arrendamentos.
Um senhorio que arrendou um prédio vezes por 6 meses, tem visto os seus arrendamentos prorrogados. E porque os contratos foram prorrogados, não por vontade dos senhorios mas pela fôrça das circunstâncias, V. Ex.ª entendeu que os contratos se tinham renovado.
Isto é absolutamente contrário a todas as noções do que seja um contrato, porque um contrato exige sempre a vontade das partes. Contratos sem vontade das partes não se cumprem..
Não houve portanto renovação do contrato, o que houve foi uma prorrogação do contrato.
¿Além disso como é que V. Ex.ª pôde partir do principio que, tendo havido um contrato novo, era justo que êsse contrato se regulasse pela lei que vigorasse ao tempo dessa renovação?
Mas, eu não preciso da Constituição para provar o que desejo, porque me bastam os fundamentos da nossa lei civil, no seu artigo 8.°
V. Ex.ª que não tinha a faculdade do legislador de então. V. Ex.ª não podia retroagir expressamente como retroagiu.
Eu não sei como V. Ex.ª acha constitucional um artigo que manda regular um contrato, não, pelas formalidades que deviam ser feitas ao tempo da sua prorrogação, mas pelas formalidades exigidas ao tempo da sua renovação.
V. Ex.ª disse: É uma renovação. Eu digo não é; é apenas uma prorrogação do contrato, porque como eu já disse, um contrato supõe sempre a união das vontades.
Não houve portanto uma renovação de contrato, houve apenas uma prorrogação.
Mas então se não houve contrato, como é que V. Ex.ª deduz daí que o senhorio se sujeitou, visto que é uma lei que vai

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regulamentar os contratos não pelo tempo da sua feitura, mas por tempo posterior à sua execução.
E disse V. Ex.ª, se a memória me não falha, que o artigo 2436.° do Código Civil defina o que é documento autenticado.
Define o que é reconhecimento autenticado, e mais nada.
Mas, é uma questão de leitura. Quando foi publicado êste diploma já estava em vigor, se não me engano, o decreto sôbre o notariado, que é de 18 de Setembro de 1922, e êsse decreto não era do Poder Executivo, não era expontâneo dêsse Poder, era um decreto baseado numa lei que tinha dado ao Poder Executivo autorização para legislar sôbre tudo aquilo que disse respeito ao notariado. Se ésse decreto de 18 de Setembro saía em virtude da autorização que o Govêrno tinha para o publicar não é um decreto regulamentar como V. Ex.ª parece querer chamar-lhe, e que V. Ex.ª pudesse alterar; é um decreto com fôrça de lei, vale tanto como se fôsse feito pelo próprio Parlamento, visto que foi o Parlamento que assim o quis.
Quanto ao § único do artigo 94.° do referido decreto, V. Ex.ª pô-lo completamente de lado.
¿Como é que êste artigo podia dar autorização a V. Ex.ª para abrir uma excepção, como abriu?
Mas como se tratava duma questão que era necessário resolver-se, ou o Govêrno vinha ao Parlamento pedir a autorizarão que o caso requeria, se êle estivesse aberto, ou então usava da faculdade que a Constituição lhe dava, mas declarando que o fazia para promulgar uma medida de interesso e salvação pública.
Isto vem para responder ao Sr. Ministro da Justiça quando me diz, que se tratava dum caso de tanta gravidade, que a salvação pública ordenava que se fizesse imediatamente.
Mas de duas uma: ou podia S. Ex.ª fazê-lo dentro das normas da Constituição, ou entendia que o assunto sendo urgente tinha de se lhe acudir imediatamente, pelo que pedia ao Govêrno para se servir das autorizações que se dão para circunstâncias graves.
Mas, S. Ex.ª julgou que era preciso prover de remédio e entendeu que podia
nos limites do Poder Executivo fazer aquilo, que fez.
E sôbre isso que há esta discussão.
Podia fazê-lo?
Não me demonstrou.
São cousas que demandam conhecimentos técnicos.
Eu estou tranquilo pensando que não fiz arguições infundadas, mas claras o insosfismáveis.
Nem pelo artigo 1.° nem pelo artigo 2.° se atingiu o fim que se pretendia.
Se S. Ex.ª viesse ao Parlamento, estou convencido que êste não faria oposição desde que fôsse demonstrada a necessidade urgente de prover de remédio tal assunto.
Não o fez, e resolveu por si.
E o contrato?
Ele existe, desde o momento em que a união se dá, desde que o objecto sôbre o qual recai é um objecto possível.
Sabe se bem que em muitos pontos, e isto dá-se por exemplo na cidade de Braga, há casas sem arrendamentos.
S. Ex.ª não o ignora, e o decreto nada remedeia.
Quanto ao artigo 2.° a mesma cousa.
Suponhamos por momentos o absurdo do que isto é constitucional.
S. Ex.ª sabe que 80 por cento dos arrendamentos não têm êsse reconhecimento.
E então?
Vamos ao artigo 3.°
E uma questão do técnica.
A advocacia é uma profissão que admiro.
Não fui da política para a advocacia, mas desta para aquela; eu digo a V. Ex.ª que na prática, quando tenho ocasião de terçar armas com um volto com a distinção que tem Sr. Dr. Abranches Ferrão, é uma honra para mim, honra espiritual, que estou tendo.
No artigo 3.°, procura-se definir a ausência, por parto do inquilino, ausência que é definida pelo artigo 190.° do Código de Processo Civil..
Esta ausência, note V. Ex.ª não é a ausência a que V. Ex.ª parece que se refere, essa vem tratada, no artigo 189.° mas sem lhe chamar ausência; a ausência dá-se quando o individuo não está no seu domicílio, e o domicílio é a sua residência permanente, como V. Ex.ª sabe. O facto de não estar em casa não pode ser-

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vir para se presumir, que êsse individuo não vive aí, o oficial deixa, nesse caso, hora certa para o outro dia.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
Abranches Ferrão) (interrompendo]: — A meu ver o artigo aplica-se nesse mesmo caso.
O Orador: — Não, senhor.
E V. Ex.ª sabe muitíssimo bem, como jurisconsulto que é, que não se aplica uma palavra na lei que não se saiba o que ela significa.
A ausência do domicílio pode dar-se em dois casos: não estar acidentalmente morando no seu domicílio ou estar fora da comarca.
Se o oficial encarregado da citação não encontra o individuo por êle estar no seu emprêgo, como eu posso estar no meu escritório de advogado, ou estar em minha casa, não pode dizer que êsse individuo está ausente.
0 Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão): — A ausência no seu sentido estritamente jurídico, dá-se quando alguém está fora do seu domicílio não se sabendo se é vivo ou morto, e não se sabendo onde está.
Êste é que é o sentido estritamente jurídico da palavra «ausência» mas às vezes na lei essa palavra é empregada num sentido diferente.
No Código do Processo Civil emprega-se a expressão «ausente do domicílio» no sentido estritamente jurídico.
No sentido não estritamente jurídico o individuo pode estar ausente da terra mas sabendo-se onde êle está, e ausente não se sabendo onde êle está.
O Orador: — Em matéria de processo não é assim.
O artigo 189.° do Código é preciso.
Pregunto: ¿preveniu V. Ex.ª esta hipótese de o inquilino não se encontrar no seu domicílio?
Não preveniu, porque neste caso não se chama ausente.
Uma cousa é ausente do domicílio e outra é não ser encontrado no seu domicílio.
Segundo o Código Civil, é como se fôssem procurar-me na minha casa em Arroios, estando eu acidentalmente em Cascais.
Neste caso não estou ausente do meu domicílio.
Aí tem V. Ex.ª uma hipótese.
Desta forma, e segundo o artigo 189.º o oficial vai a minha casa num momento em que eu estou acidentalmente fora, deixa hora certa a um vizinho, e eu ao regressar vejo a casa despejada.
Por isso eu disse que êste artigo não evita esta situação jurídica e que, portanto, a citação devia ser feita no Diário do Govêrno.
Por isso é que na proposta apresentada ao Parlamento em 1922 eu entendi que desde que os citandos não interviessem pessoalmente na citação, deviam ser citados por éditos no Diário do Govêrno.
Agora, eu disse que esta disposição de V. Ex.ª era inconstitucional porque, desde que consta duma lei, a n.° 1:870, o processo tem as suas fórmulas fixas, e V. Ex.ª no seu decreto n.° 5:411 manda fazer citações no domicílio estando ou não o citando ausente.
Desde que V. Ex.ª foi modificar a forma de fazer a citação, foi alterar a lei.
A respeito do artigo 6.° disse eu que a doutrina era boa. Mas se se tratasse simplesmente de discutir nesta interpelação que a doutrina era boa o caso era diferente; mas não se trata de discutir isso.
Eu o que tratei de discutir foi se o Sr. Ministro da Justiça tinha ou não autorização para decretar estas medidas, que ofendem sem dúvida alguma aquelas disposições de lei que não podia revogar.
Vamos agora ao artigo 7.°
A êste artigo também S. Ex.ª me não respondeu.
S. Ex.ª disse:
«Embora o artigo 7.° contenha matéria da proposta de lei n.° 328 que veio da Câmara dos Deputados, eu, segundo a lei n.° 1:368, estava autorizado a publicar regulamentos sôbre a execução dessa lei, e, por isso, ¿Para que havia de estar a esperar? Era até um crime se estivesse a esperar muito tempo».
Mas a questão não é essa. É diferente. E que essa proposta de lei já constituía um voto da Câmara dos Deputados e que, convertido êsse voto como tinha sido numa

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proposta de lei, havia de necessàriamente seguir os trâmites constitucionais.
O artigo 84.° da lei n.° 1:308 tinha sido pôsto de parte porque a Câmara dos Deputados tinha votado a necessidade duma lei interpretativa.
V. Ex.ª o que fez foi encorporar grande parte da matéria dessa proposta de lei no seu diploma, de maneira que entendeu que o Senado não era preciso para nada.
V. Ex.ª devia deixar que o Senado resolvesse o assunto.
Aí tem S. Ex.ª a razão por que ou disse que o seu decreto saltava por cima do artigo 32.° da Constituição.
Disse mais ainda:
Disso que V. Ex.ª tinha determinado que a não aceitarão por parte do inquilino do aumento de rendas era motivo de despejo, e que tinha feito muito bem porque a lei precisava duma sanção.
Mas o Poder Executivo não pode dar sanções ás lei, apenas as aplica nos casos, mas sempre dentro do âmbito da mesma lei.
Diz S. Ex.ª que salvaguarda os direitos do inquilino, segundo o artigo 7.°
Mas imagine V. Ex.ª que o inquilino tem um recibo da renda do mês de Novembro, que foi pago no primeiro de Outubro.
Mas o senhorio exige que de Dezembro em diante a renda seja aumentada.
¿Qual é a prova que o recibo lhe dá?
Êsse recibo não condiz com o mês a respeito do qual o senhorio pediu aumento de renda.
Não sei como V. Ex.ª pode assegurar que o recibo salvaguarda o inquilino; não tem utilidade absolutamente nenhuma.
Vamos à última disposição, artigo 11.°
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão) (interrompendo): — Isso é uma formalidade.
O Orador: — Uma formalidade?
Mas se há casos em que as palavras devem ter todas o seu valor, são as palavras da lei. Na lei não se empregam palavras absolutamente formulárias, como pode acontecer nos actos públicos; na lei todas as palavras têm a sua significação e devem ser interpretadas pelo legislador desde que a legislação compreenda todo
o corpo de doutrina que saíu do Poder Legislativo, e isso tudo que se chama legislação é que V. Ex.ª quere destruir com o seu «fica revogada a legislação em contrario».
É por isso, Sr. Presidente, que eu não posso atribuir a esta formalidade uma formalidade sem alcance jurídico como S. Ex.ª disse.
A verdade é esta: pelo artigo 11.° o Poder Executivo revoga todas as leis que estivessem em oposição àquilo que está aqui decretado neste regulamento.
Sr. Presidente: não quero alongar mais as minhas considerações.
Vejo e digo com tecla a sinceridade: o Sr. Ministro da Justiça não rebateu os meus argumentos, porque os não podia rebater, quando eu sustentei que estas disposições não eram constitucionais nem tam pouco tinham o alcance que a crise grave que estamos atravessando, vista a situação de senhorios e inquilinos, exigia.
V. Ex.ª sabe que a respeito do artigo 1.° as opiniões se tem dividido, os tribunais não têm sido unânimes, mas o que posso asseverar a V. Ex.ª e ao País é que os tribunais, a respeito da doutrina que V. Ex.ª consigna no artigo 1.°, têm julgado ora duma forma ora de outra.
Desde o momento que as decisões dos tribunais se dividem, parece-me que o Poder Executivo não tinha outra cousa a fizer senão recorrer ao Legislativo a fim de êle se pronunciar sôbre o assunto.
V. Ex.ª não sabe o que vinha a propósito do professor Bertolomi, V. Ex.ª sabe que quando o Poder Judicial se divide, o Poder Executivo o mais que pode fazer é trazer ao Legislativo uma proposta interpretativa.
Mas assim não sucedeu; não interveio e V. Ex.ª despachou todas as demandas pendentes, quere dizer, V. Ex.ª substituiu o Ministro da Justiça pelo juiz togado; V. Ex.ª chamou a si todos os processos o disse: esta questão resolve-se dêste modo.
Não pode ser, e por isso eu tinha citado a opinião do professor Bertolomi a êsse respeito.
Ora foi exactamente o que V. Ex.ª fez, foi pronunciar-se V. Ex.ª duma forma e os tribunais de outra. V. Ex.ª sabe que o tribunal tinha uma opinião diferente a

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êsse respeito, porque lhe foi dirigido um relatório da Relação de Lisboa instando sôbre isso; e V. Ex.ª, que era o Poder Executivo, em vez de deixar o Poder Legislativo intervir, V. Ex.ª. deu uma interpretação geral para que fôsse entendido do modo que V. Ex.ª entendia que a lei havia de ser interpretada.
Creia V. Ex.ª que não lia muitas horas um distinto advogado da província, e até posso mostrar uma sua carta a V. Ex.ª, me disse que há juízes que estão resolvidos, logo que haja reclamação, a não aplicarem êsse decreto. Eu posso afirmar que isto é verdadeiro.
Vou terminar, precisamente como no outro dia; tenho muita consideração pelo Sr. Ministro da Justiça, tenho em atenção os seus méritos, e por isso creia o Sr. Ministro da Justiça que ou interpreto o pensar dêste lado da Câmara, com cujos diversos membros tenho falado, e julgo mesmo que êste desejo se não afasta do desejo do toda a Câmara, — o de que S. Ex.ª venha colaborar connosco no projecto da comissão.
S. Ex.ª como que dou a entender que eu me tivesse arvorado em ditador da comissão, e disse que nada se combinou.
Pois fique S. Ex.ª sabendo que tivemos duas reuniões, baixando os artigos à secção e discutindo-os.
Sendo assim, acentuando S. Ex.ª que o projecto em discussão é obra minha, S. Ex.ª poderá lisonjear-me muito com isso, mas as suas palavras não correspondem à verdade.
Venha S. Ex.ª colaborar com a comissão e o Senado está resolvido, posso assegurá-lo, a atender à solução urgente que semelhante assunto reclama.
Estou certo de que S. Ex.ª não desdenha em trabalhar com ela; e sendo assim, se V. Ex.ª vier aqui trabalhar com os Srs. Senadores, creio que todos o faremos para bem do país.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: passando a responder à última parte das considerações do ilustre Senador Sr. Catanho do Meneses, devo dizer a V. Ex.ª que não desdenho, antes, pelo contrario, me sinto muito honrado em colaborar com
o meu fraco esfôrço no projecto que está pendente de discussão desta Câmara.
Já tinha essa intenção, e na verdade, como Ministro da Justiça, eu não me podia alhear de um assunto em que estão em jôgo os interêsses de inquilinos e de senhorios.
Se é certo que há abusos, e graves, por parte dos inquilinos, também o é que há abusos, e graves, por parte dos senhorios.
Tenho tenção pois de, quando o projecto se discutir na especialidade, apresentar também as minhas ideas sôbre êste ou aquele ponto por meio de emendas, novos artigos, etc.
Começando agora a referir-me, mas muito ràpidamente, porque a hora já vai adiantada, às considerações do ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses, devo dizer que a minha acção como presidente da comissão de legislação da Câmara dos Deputados não foi bem aquela que S. Ex.ª supôs.
Na verdade, a discordância em muitos pontos da proposta do Sr. Catanho de Meneses naturalmente me levou a apresentar um contra-projecto, que eu no emtanto entendia não dever apresentar, porque sabia que isso não era do agrado do Sr. Catanho de Meneses, então Ministro da Justiça.
Quis desta forma ser amável para com S. Ex.ª e procurei então quem me substituísse no cargo de relator.
Disse o ilustre Senador que afinal eu procurei apenas demonstrar que as disposições do decreto a que S. Ex.ª fez referência correspondiam a uma necessidade, mas que não me preocupei em demonstrar a constitucionalidade das mesmas disposições.
Acrescentou ainda o Sr. Catanho de Meneses que eu, para defender-me, aduzira o argumento de ter também S. Ex.ª publicado diplomas inconstitucionais.
Quanto a esta última parte das suas considerações, devo dizer que certamente S. Ex.ª não ouviu o que eu disse.
Ora devo dizer que certamente o que eu afirmei é que não podia deixar de estranhar que S. Ex.ª me acusasse de publicar um diploma anti-constitucional, quando S. Ex.ª tinha feito, na gerência da pasta da Justiça, a publicação de um diploma que em muitas das suas disposi-

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ções, pelo menos; era abertamente contra a Constituição.
Quanto à solidariedade dos meus colegas, no tocante ao decreto em questão, não a afirmei para me eximir a quaisquer responsabilidades.
Afirmei-a apenas para mostrar à indignação do Sr. Catanho de Meneses, que era estranho que S. Ex.ª declarasse que em nome do seu partido, lavrava o seu protesto contra o atropelo feito à Constituição por um Ministro independente, quando outros Ministros, correligionários de S. Ex.ª, tinham dado a sua aprovação ao decreto.
Disse eu, e é certo, que não aspirei a colher os aplausos desta ou daquela classe. Estou convencido que o Sr. Catanho de Meneses, defendendo os inquilinos no seu projecto, também não teve outro objectivo que não fôsse realizar uma obra que a S. Ex.ª pareceu, justa.
Quanto a mim, poderei dizer que se tivesse querido procurar uma fácil popularidade teria publicado um decreto em outros termos. Não o fiz, porque quis respeitar a Constituição.
O Sr. Catanho de Meneses — Mas não respeitou.
O Orador: — Eu lamento que essa acusação fôsse aqui trazida por V. Ex.ª, jurisconsulto eminente; V. Ex.ª vem dessa forma lançar a desordem nos tribunais, porque amanhã os juízes, baseados na opinião autorizada de V. Ex.ª, podem não acatar as disposições do decreto.
O Sr. Catanho de Meneses: — A magistratura não cumpre aquilo que entende que não deve cumprir, não vai pela sugestão de ninguém. Isso é uma ofensa à magistratura.
O Orador: — Eu já disse a V. Ex.ª que costumo usar de sinceridade nas minhas palavras, por vezes até demasiada.
A magistratura é uma das classes que em Portugal melhor tem sabido cumprir o seu dever, mas eu sei também que dentro dessa classe há muitos inimigos da República, que facilmente só poderão aproveitar das palavras do ilustre Senador para deixar mal colocada as instituições.
O decreto que publiquei não é inconstitucional, como deixei demonstrado, e as suas disposições encontram no que se estava passando uma tam evidente justificação que não só os inquilinos, aos quais o decreto especialmente favorece, mas até os próprios senhorios, francamente o reconheceram.
Disse o ilustre Senador que me não felicitava por isso, pois o ideal seria fazer-se uma obra com que não concordassem nem senhorios nem inquilinos, como o Sr. Catanho de Meneses afirmou ter feito com um projecto ou proposta da sua autoria.
¡Estranha e inexplicável é uma tal doutrina!
Pois por mim entendo, e creio que entendo bem, que o melhor, em matéria de inquilinato, será realizar uma obra de tal forma justa, e em harmonia com as circunstâncias presentes, que ela se imponha à consideração de todos, inquilinos e senhorios.
E isso não seria difícil, desde que se ponham de banda sectarismos que neste assunto não têm razão de ser, ou popularidades efémeras, que não devem tolher a acção junto dum homem público inteligente.
Eu estou convencido, e êsse convencimento provêm-me em grande parte das conversações que tive com representantes de senhorios e inquilinos, que facilmente chegaria a formular uma regulamentação geral das relações entre senhorios e inquilinos, aceitas por uns e outros. Não fiz essa regulamentação por não ter poderes para isso.
No tocante à constitucionalidade do meu decreto, pelos vistos os meus argumentos não convenceram o ilustro Senador, que continuou a manter o seu ponto de vista. Na sua resposta à minha argumentação nada de novo foi trazido ao debate por S. Ex.ª e por isso pouco terei a responder, a não ser que eu quisesse voltar a repetir o que já disse.
Apenas farei umas ligeiras considerações, ou melhor anotações, a algumas das afirmações por S. Ex.ª produzidas.
Quanto ao artigo 1.° disse S. Ex.ª que na hipótese a que o artigo se refere não há uma renovação do contrato, visto como falta para isso a vontade de pelo menos uma das partes.

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A verdade é que qualquer que seja o ponto de vista técnico em que nos colocarmos, a propósito de tal assunto, o certo é que a actual lei do inquilinato considera renovações dos contratos de arrendamento as prorrogações dos mesmos contratos.
Mas renovação ou prorrogação que seja, a verdade é que o contrato terminou no prazo a que se refere o respectivo título de arrendamento, e se apesar disso o arrendamento se considera continuando a produzir os seus efeitos, bem se compreende então que para a validade, quanto a formalidades, desta prorrogação ou renovação, se atenda ao disposto na lei vigente no momento em que tal renovação ou prorrogação tem lugar, e não há lei existente no momento em que o primitivo contrato foi elaborado.
O Sr. Catanho de Meneses: — ¿Então eu posso contratar sem vontade?
O Orador: — Evidentemente que não. Mas o caso aqui é muito diverso. De resto na lei actual do inquilinato encontram-se muitas situações em que um individuo faz realmente um contrato, embora seja a própria lei que o obriga a contratar.
O Sr. Catanho de Meneses (interrompendo): — Se V. Ex.ª admite que há um contrato sem união de vontades, isso não é um contrato.
Mas a um contrato sem união de vontades, eu não lhe chamo contrato, eu chamo-lhe um acto jurídico obrigatório pela lei.
O Orador: — A discussão dêste ponto levar-nos-ia muito longe, em tempo e palavras, sem proveito para ninguém. Chame o ilustre Senador o que quiser a tais actos jurídicos, a verdade é que a lei os denomina contratos e todos os elementos têm dos contratos.
E como eu tinha de regulamentar o que está na lei e não quaisquer teorias por mais brilhantes que fôssem, daí a justificação do que se lê no artigo 1.° do meu decreto.
O Sr. Catanho de Meneses: — Eu digo a V. Ex.ª: sob o ponto de vista da Legislação, são realmente contratos, sob o ponto de vista jurídico, são actos jurídicos obrigatórios pela lei.
Trocam-se explicações entre o orador e o Sr. Catanho de Meneses sôbre êste ponto.
O Orador: — Relativamente ao artigo 2.°, voltou o ilustre Senador a afirmar a sua inconstitucionalidade por as formalidades dos documentos autenticados se encontrarem já determinadas nas leis reguladoras dos serviços do notariado.
O decreto que regulou os serviços do notariado foi publicado, à sombra duma autorização legislativa. É certo isso. Mas o que também não é menos certo é que nem tudo o que se encontra estatuído nesse decreto se deve considerar matéria legislativa pròpriamente dita. Há nele muitas disposições que podem e devem considerar-se regulamentares e portanto alteráveis pelo Poder Executivo.
O Sr. Catanho de Meneses: — ¿Quando as Câmaras dão autorização legal ao Govêrno, êsses decretos têm fôrça de lei?
O Orador: — Pois têm, mas, mesmo a dentro dos decretos publicados à sombra de tais autorizações, há muitas disposições de carácter regulamentar. Isto é evidente e da prática, por assim dizer, de todos os dias.
Trocam-se explicações entre o orador e o Sr. Catanho de Meneses.
O Sr. Catanho de Meneses: — Se V. Ex.ª ao abrigo de uma disposição parlamentar que lhe dava poderes para reorganizar os serviços do notariado fôsse dizer as horas em que êles abriam e fechavam, isso era puramente regulamentar.
O Orador: — Então já vê V. Ex.ª que a doutrina que estou expondo até por V. Ex.ª é aceita...
O Sr. Catanho de Meneses: — O que V. Ex.ª procura defender é o seu procedimento, mais nada.
O Orador: — Relativamente ao artigo 7.° do decreto, novamente o ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses sôbre êle bordou largas considerações. Não tenho mais do

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que confirmar o que a tal respeito já disse. Estive tam longe de querer classificar o Poder Legislativo, que para aquele artigo transcrevi literalmente o que já tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados, e daí o ter deixado passar o pequeno lapso de redacção a que V. Ex.ª se referiu.
Relativamente ao projecto de inquilinato em discussão nesta Câmara, nunca tive o intuito de me conservar estranho à sua discussão. Aguardo que se discuta na
especialidade para me ir pronunciando a propósito de cada artigo.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na sexta-feira, 26, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
Projectos n.ºs 328, 352, 342, 5, 10, 482, 75, 293, 304.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O REDACTOR — Adelino Mendes

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