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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 4
EM 7 DE DEZEMBRO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mos Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
João Manuel Pessanha Vaz das Neves
Sumário. — Ás 15 horas e 25 minutos, o Sr. Presidente, estando presentes 28 Srs. Senadores, declara aberta a sessão.
Aprova-se a acta.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Machado de Serpa pede que se discuta um projecto pendente no Senado sôbre a amarração, nos Açôres, dum cabo submarino para a América do Norte; o Sr. Catanho de Meneses requere que entre em discussão na ordem do dia o projecto de alteração à lei do inquilinato.
O Sr. Álvares Cabral refere-se às obras de reedificação do antigo edifício das Encomendas Postais, condenando o projecto que se pretende executar, repicando-lhe o Sr. Ministro do Comércio; o Sr. Procópio de Freitas refere-se ao processo disciplinar movido ao inspector escolar de Mangualde, pedindo que êle seja revisto; o Sr. Ministro da Instrução dá explicações; o Sr. Oriol Pena protesta contra o facto de se ter morto uma cobra que foi encontrada em casa de um individuo, que a polícia prendeu, replicando-lhe o Sr. Ministro da Justiça; o Sr. Mendes dos Reis refere-se a uma concessão de terrenos na Guiné, dando explicações o Sr. Velez Caroço.
O Sr. D. Tomás de Vilhena protesta contra o abuso dos foguetes de dinamite, pelo perigo que êles representam, replicando-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
Entram em discussão propostas de alteração do Regimento, que são aprovadas, depois de falarem sôbre elas os Srs. Silva Barreto e Catanho de Meneses.
Segue-se a discussão dum projecto de lei sôbre o inquilinato, falando os Srs. D. Tomás de Vilhena, Catanho de Meneses, Joaquim Crisóstomo, que requere a prorrogação da sessão até se votar o projecto, o que é rejeitado, Querubim Guimarães, Catanho de Meneses e Ministro da Justiça.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à sessão 28 Srs. Senadores.
Entraram durante a sessão 17 Srs. Senadores.
Srs. Senadores presentes à sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
César Procópio de Freitas.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
João Carlos da Costa.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José António da Costa Júnior.
José Duarte Dias de Andrade.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.

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Diário das Sessões do Senado
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Ricardo Pais Gomes.
Rodrigo Guerra Álvares Cabra.
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Álvaro António Bulhão Pato.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António Alves de Oliveira Júnior.
Artur Augusto da Costa.
Augusto Vera Cruz.
César Justino de Lima Alves.
Constantino José dos Santos.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Frederico António Ferreira de Simas.
Jorge Frederico Veloz Caroço.
José Nepomuceno Fernandes Bras.
Nicolau Mesquita.
Raimundo Enes Meira.
Rodolfo Xavier da Silva.
Silvestre Falcão.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
António de Medeiros Franco.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Teixeira da Silva.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Joaquim Pereira Osório.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís de Augusto Aragão e Brito.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Roberto da Cunha Baptista.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Pelas 15 horas e 15 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 28 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Agricultura, me sejam fornecidos os seguintes documentos:
Pela Direcção Geral de Instrução Agrícola, Escola Prática de Agricultura de Évora:
Cópia dos documentos enviados ao Conselho Superior de Finanças referentes aos anos económicos de 1921-22 e 1922-23.
Nota das modificações efectuadas na proposta orçamental para o ano económico de 1920-21 em harmonia com o preceituado no artigo 47.° do decreto n.° 7:042, de 18 de Outubro de 1920.
¿Qual o número de alunos matriculados no ano lectivo de 1922-23, sua idade e habilitações que permitiram a sua matrícula?
¿Qual o número que passou ao 2.° ano do curso a frequentar no ano lectivo de 1923-24?
¿Qual o número de alunos matriculados no ano lectivo de 1922-23?
¿Qual o número de alunos que terminou o segundo ano do curso no ano lectivo de 1922-23?
¿Quais as entidades que constituem o Grupo de Amigos da Escola, como o artigo 15.° do referido decreto preceitua?
Pela Direcção dos Serviços Agrícolas:
Cópia do relatório do inquérito feito aos actos do engenheiro agrónomo chefe, Manuel Zeferino Gonçalves Maciel, como director da Estação Agrícola da 7.ª Região. — Santos Garcia.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que, em comprimento do artigo 32.° da Constituição, sejam promulgados

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Sessão de 7 de Dezembro de 1923
como leis os projectos de lei n.ºs 309, 315, 317, 338 e 387.
Sala das Sessões, 7 de Dezembro de 1923. — Santos Garcia.
Para a Secretaria.
Requeiro que, em cumprimento do artigo 32.° da Constituição, seja mandado promulgar, como lei, o projecto de lei n.° 335 aprovado no Senado em 16 de Março de 1923. — Dias de Andrade.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Associação Comercial de Loanda, pedindo providências sôbre a greve marítima e a suspensão de diferencial de bandeira e permitindo a entrada de barcos estrangeiros.
Para a Secretaria.
Do Sr. Sousa Varela, participando não poder comparecer à sessão por motivo de doença.
Para a comissão de faltas.
Do congresso dos oficiais de justiça, pedindo sejam atendidas as suas justas reclamações.
Para a Secretaria.
De Bragança, dos estropiados da Grande Guerra, pedindo que se lhes tornem extensivas as vantagens concedidas a determinados revolucionários civis.
Para a Secretaria,
De Vila Real e de Viana do Castelo, telegramas idênticos.
Para a Secretaria.
Pareceres
Da comissão de faltas, justificando as faltas dos Srs. Querubim da Rocha Vale Guimarães e Augusto Vera Cruz e concedendo licença aos Srs. Roberto da Cunha Baptista e Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Constituição de comissão
Constituíu-se a comissão do Regimento e redacção, escolhendo para presidente o Sr. Silva Barreto e para secretário o Sr. Fernandes Pontes.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Machado Serpa: — Sr. Presidente: na sessão legislativa de 1921 foi publicado o referendum parlamentar ao contrato celebrado entre o Govêrno e uma companhia americana, que pretende estabelecer um cabo submarino para a América do Norte, com escala por uma das ilhas dos Açôres.
Êsse projecto foi discutido na Câmara dos Deputados e ali aprovado com uma emenda.
Transitou para o Senado, onde por tal sinal esteve muito tempo nas comissões; depois voltou à discussão nesta casa do Parlamento, onde foi acaloradamente discutido e introduzida uma nova emenda no projecto vindo da Câmara dos Deputados.
Voltou para a Câmara dos Deputados o projecto, que na última sessão legislativa esteve mais de uma vez em ordem do dia, não chegando porém a ser discutido.
Ora, eu quero pedir a V. Ex.ª, por especial favor, que, na sua muito alta autoridade, se dirija ao seu colega Presidente da Câmara dos Deputados, para que êle faça com que entre em ordem do dia êste projecto.
Sinto deveras não ver presente o Sr. Ministro das Finanças.
S. Ex.ª parece empenhado em comprimir as despesas e criar receitas novas; pois com a aprovação dêste projecto o erário público lucraria em muitas centenas, senão em muitos milhares de contos, porque fazendo-se o contrato a que êle se refere, o Govêrno fica com direito a receber uma certa percentagem sôbre as taxas.
Sr. Presidente: tratando-se de fazer um contrato com a companhia que no projecto se indica e que é uma das companhias mais importantes, parece-me que se devia cuidar dêste assunto quanto antes, pois não só o Estado tem a cobrar uma grande importância, como, por uma emenda aprovada nesta Câmara, a câmara municipal da capital sede do distrito, que tenho a honra de representar no Senado, fica também com o direito a haver uma percentagem sôbre o total do custo dos telegramas.
Já V. Ex.ª vê que estão sendo prejudicados o Estado e o município da capi-

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Diário das Sessões ao Senado
tal do distrito, que não nadam em dinheiro.
V. Ex.ª compreende que a demora que haja na aprovação dessa emenda acarreta, em cada dia que passa, dezenas de contos de prejuízo.
Estou convencido de que o Sr. Ministro da Finanças terá também todo o empenho em intervir junto do Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, para que não haja demoras nem delongas.
E porque vejo agora presente o Sr. Ministro da Instrução, a quem tenho a honra de fazer as mais amistosas referencias porque, com prazer declaro, S. Ex.ª é uma das figuras de mais destaque do distrito que eu aqui represento e da minha terra (Apoiados), permito-me também pedir a S. Ex.ª sem desdouro para V. Ex.ª, Sr. Presidente, porque sei que o seu pedido seria mais que suficiente — que interceda junto do Sr. Ministro das Finanças, a fim de que êsse projecto seja discutido no primeiro ensejo, e com a possível brevidade, na Câmara dos Deputados, tanto mais que êle já foi dado para ordem do dia na passada sessão legislativa.
Êsse projecto, que tem por fim aprovar o contrato feito entre o Estado e uma companhia americana para o estabelecimento de um cabo entre a Europa e a América do Norte, com amarração na ilha do Faial, deve trazer para o Estrelo uma grande receita.
Os dois pedidos que acabo de fazer, ao Sr. Presidente do Senado para interceder junto do Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, e ao Sr. Ministro da Instrução, para que empregue as suas diligências junto do Sr. Ministro das Finanças, farão com que as minhas palavras se valorizem.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas: — Peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se consente que entre em discussão, no princípio da primeira parte da ordem do dia, o projecto de lei apresentado na sessão de ontem, no Senado, relativo à transmissão de prédios urbanos e dos efeitos dessa transmissão em relação aos contratos de arrendamento.
Êsse projecto já foi distribuído e por isso julgo que está ao abrigo do § 1.° do artigo 89.° do Regimento.
O Sr. Álvares Cabral: — Sr. Presidente: há já algumas semanas que eu vinha pedindo a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho, mas como o caso urge e S. Ex.ª, certamente pelos seus muitos afazeres, não têm podido comparecer nesta Câmara antes da ordem do dia, vou fazer as considerações que tencionava apresentar-lhe, pedindo ao Sr. Ministro da Instrução a fineza de as transmitir a S. Ex.ª
O projecto das obras que estão sendo executadas na parte onde se encontravam as Encomendas Postais foi alterado, em virtude de se querer alargar uma das salas em pouco mais de um metro.
Devo fazer notar que as paredes mestras daquele edifício pombalino, apesar do violento incêndio que ali houve, não deram o mais pequeno sinal de ruína; mas, desde que se vá ampliar essa parte do edifício, terão de fazer-se novos alicerces, que serão construídos sôbre estacaria, porquanto, como é sabido, a parte baixa da cidade foi toda conquistada ao rio.
Portanto, essa alteração do projecto vai não só modificar a estética daquele edifício, que se pode considerar um monumento nacional, mas também dar lugar a que as obras que ali se vão fazer não melhorem em cousa alguma aquela edificação.
Eu tive ocasião de ir ver essas obras e fiquei horrorizado.
Entra na sala o Sr. Ministro do Trabalho.
Eu peço desculpa ao Senado, mas como vejo presente o Sr. Ministro do Trabalho, vou repetir as considerações que estava fazendo.
Há talvez 8 dias foi chamada a minha atenção para um facto que acho bastante grave e que é o seguinte: Está-se procedendo à demolição de uma parte do edifício pombalino, onde antigamente se achavam instaladas as Encomendas Postais. Aquelas abóbadas e paredes mestras que suportaram um fogo intenso e que, não obstante, não deram, até hoje, o mais pequeno sinal de ruína, estão sen-

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do destruídas, ùnicamente para se alargar uma das salas do Ministério do Trabalho.
Para isso será necessário fazer alicerces sôbre estacaria, porque, como S. Ex.ª sabe, a parte baixa da cidade foi toda conquistada ao Tejo.
Estou convencido de que essa obra não dará resultado algum, porque, embora eu seja de opinião de que a descoberta do cimento armado foi um grande recurso para a moderna construção, não quere dizer que pense de igual forma tratando-se de substituir uma bela e segura obra de pedra em magnífico estado de conservação.
O Sr. Ministro do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: como é a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta Câmara, não posso deixar de cumprir o grato dever de cumprimentar V. Ex.ª e todos os ilustres Senadores.
Devo aliás já a alguns ilustres Senadores palavras muito penhorantes, que eu quero agradecer.
Sr. Presidente: no que diz respeito à reclamação do Sr. Alvares Cabral, devo dizer a V. Ex.ª que não foi necessário mais do que ouvir o que V. Ex.ª me disse a êsse respeito para pedir informações sôbre êsse caso.
O Sr. Secretário do Ministério do Trabalho disse-me que não havia razão para essa queixa, porque, não só os engenheiros do Ministério do Trabalho como os do Ministério do Comércio e a própria Associação dos Engenheiros, foram de acôrdo em que realmente a obra devia realizar-se como se estava realizando.
Em face da opinião das autoridades técnicas competentes não posso eu mandar modificar um projecto que teve o aplauso unânime dessas entidades.
De resto, o Sr. Alvares Cabral se quiser ver o projectos darei as ordens necessárias para que S. Ex.ª o possa examinar à vontade, para depois fazer quaisquer reclamações ou indicações que entender que deve fazer.
O orador não reviu.
O Sr. Alvares Cabral (para explicações): — Sr. Presidente: é para agradecer ao Sr. Ministro do Trabalho a honra que me fez respondendo à minha interpelação
e dizer que aceito o seu convite, porque estou convencido de que as obras não devem continuar assim.
Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra, Sr. Presidente, e se V. Ex.ª me dá licença, para fazer algumas considerações sôbre a indústria da cultura dos ananases, que é a que mais riqueza dá à minha terra.
O ananás durante a guerra atravessou uma grande crise, e só depois da conflagração ter terminado é que êle começou de novo a ingressar na Áustria.
Como é um produto de cultura intensiva é preciso dispender muito capital para a sua cultura, e por isso é um produto que só é procurado por certas pessoas.
O Sr. Presidente: — Peço perdão a V. Ex.ª, mas V. Ex.ª pediu a palavra para explicações. Não pode estar a fazer essas considerações.
O Orador: — Se V. Ex.ª me dá licença eu termino já.
Eu pedia a qualquer dos Srs. Ministros presentes que pedisse ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que intercedesse junto da Áustria para que, visto se estarem lá elaborando novas pautas alfandegárias, o ananás passe a pagar os direitos que pagava antigamente, porque há já uns tempos que a exportação dêsse fruto para a Áustria tem sido dificultada em virtude dos direitos alfandegários terem aumentado muitíssimo.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Lopes Cardoso): — Em primeiro lugar, devo uma explicação ao Sr. Procópio de Freitas, visto eu ter feito uma reclamação à Mesa. Não podia proceder de outra forma, sem ser menos correcto para com o Sr. Alvares Cabral.
Tomei conhecimento das considerações feitas por S. Ex.ª relativamente à possibilidade da exportação dos ananases para a Áustria, as quais transmitirei ao meu colega dos Negócios Estrangeiros, e estou convencido de que S. Ex.ª terá o maior desejo em que a nova pauta com a Áustria vá beneficiar a exportação dêsse fruto, que tanto interessa à economia do arquipélago dos Açôres.
O orador não reviu.

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Diário das Sessões do Senado
O Sr. Procópio de Freitas: — Sr. Presidente: há tempo pedi que me fôsse consentido consultar o processo relativo a uma sindicância feita ao inspector escolar de Mangualde, Arnaldo Fortes, pois afirmava-se que êsse inspector estava sendo vítima de ódios e perseguições, não se encontrando no processo cousa alguma que pudesse justificar qualquer punição disciplinar.
Obtida a licença pedida, ao constatar êsse processo, o mais minuciosamente que ao me foi possível, concluindo que de facto nada existe nele que justifique o procedimento havido contra o referido inspector escolar.
A origem das acusações que, contra o mesmo, são feitas, provém de uma -digamos assim — desordem que havia na junta escolar, e é toda política.
É presidente da junta escolar um individuo que foi administrador do conselho de Mangualde no tempo da insurreição monárquica e que, nessa qualidade, prendeu e perseguiu velhos republicanos.
Alguns dos vogais da mesma Junta também eram monárquicos, e assim os vogais republicanos, alguns dos quais tinham sido vítimas do presidente, quando administrador do concelho, não se sentiam bem nessa situação, e dai começar a haver uma falta de entendimento dentro da Junta, donde resoltou a sua dissolução.
A pedido de dois presidentes de juntas de freguesia, foi feita uma sindicância ao inspector escolar Arnaldo Fortes, acusando-o de ódios, coacção e perseguição.
Ora, como já disse, eu verifiquei o respectivo processo, e fiquei com a convicção de que nada lá existe como provado contra êsse funcionário.
Há realmente vinte e tantas testemunhas de acusação, mas na sua maioria os seus depoimentos não passam do «diz-se» e do «ouvi dizer».
Fiquei, por isso, convencido de que muitas dessas testemunhas foram chamadas a depor, aconselhadas talvez por um tal Augusto Carvalho da Trindade, que foi inspector escolar interino.
O inspector Arnaldo Fortes faz acusações graves a algumas dessas testemunhas, como eu passo a ler:
Leu.
Ora eu pregunto: ¿porque é que o sindicante não foi também de opinião que se fizesse um inquérito sôbre as acusações feitas pelo inspector Arnaldo Fortes?
Evidentemente que, desde que êle fazia essas acusações, é porque tinha provas. Mas se não as tinha, êle devia ser punido.
As informações que eu tenho são de que o inspector escolar Arnaldo Fortes é um velho republicano, que sempre lutou pela República, e é lamentável que, quando se dão casos desta ordem, sejam sempre os republicanos as vítimas.
O inspector Arnaldo Fortes requereu uma revisão do processo, mas como sucede muitas vezes que o sindicante não tem aquela imparcialidade que é mester, eu chamo para o facto a atenção do Sr. Ministro da Instrução, esperando que S. Ex.ª ordene a revisão do processo e que esta seja feita com as maiores garantias de imparcialidade e de justiça.
Constou-me que S. Ex.ª já ordenou a transferência dêsse funcionário, em harmonia com o parecer primitivo do Conselho Disciplinar, o que não se compreende bem, porque não se pode admitir que um individuo vá sofrer uma sentença dada por uma primeira instância, quando êle recorreu para uma segunda instância e sem que esta se tenha pronunciado.
Eu creio que não há nada escrito a êste respeito, mas há pelo menos a lógica.
Um indivíduo condenado por um tribunal inferior que recorra para um outro superior não cumpre a pena emquanto este último se não pronunciar.
Eu espero, pois, que o Sr. Ministro da Instrução Pública se não deixará levar por influências políticas e que fará sòmente justiça.
Desejo também chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução Pública para o decreto n.° 8:932, de 19 de Junho de 1923.
Julgo absolutamente indispensável que a classificação dos professores, para se fazer a distribuição pelos vários grupos, obedeça a uns certos princípios, a fim de se evitar que ela seja feita segundo as influências políticas, as amizades ou o pêso que uma pessoa possa ter, cumprindo-se apenas o que é de lei, para honra e prestígio das instituições republicanas.

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Tenho umas bases elaboradas por uma pessoa de competência, com as quais concordo, creio que já se adoptam até para algumas escolas, mas não as lerei para não maçar a Câmara.
Informam-me que no Pôrto há uma professora que no tempo da insurreição monárquica cometeu tais actos que, quando foi restaurada a República, foi suspensa; mas, devido à brandura dos nossos costumes, foi novamente readmitida e punida a penas com quinze dias de suspensão, mandando-se-lhe abonar os vencimentos anteriores.
Se não forem estabelecidas umas bases justas e equitativas para a distribuição dos professores, limitando-se assim do favoritismo, pode suceder que autênticos republicanos e homens competentes sejam preteridos por outros nas condições da professora a que me acabo de referir.
Ora isto não pode ser. Ou estamos de facto numa República ou não estamos.
O Sr. Presidente (agitando a campainha}: — Já terminou o quarto de hora.
O Orador: — Termino já, Sr. Presidente.
Chamo, como disse, para isto a atenção do Sr. Ministro da Instrução Pública — que é uma pessoa criteriosa — e peço a S. Ex.ª que mande publicar por portaria ou qualquer diploma estas bases, para servirem em todas as escolas.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Melo Simas): — Sr. Presidente: antes de responder às considerações do Sr. Procópio de Freitas, permita-me V. Ex.ª que eu agradeça ao Sr. Machado Serpa as palavras amáveis que se dignou dirigir-me e que ouvi com toda a atenção.
As considerações de S. Ex.ª a propósito do cabo transmiti-las hei ao meu colega das Finanças, e pode S. Ex.ª estar certo de que o farei com toda a fidelidade.
Relativamente às considerações apresentadas pelo Sr. Procópio de Freitas, devo dizer que encontrei no Ministério da Instrução Pública o processo a que S. Ex.ª se referiu, do inspector de Mangualde.
Não estava prevenido de que êste assunto viria hoje a ser aqui tratado, e por
isso as informações virão a ser talvez incompletas.
Fui encontrar, como disse, o processo de sindicância ao inspector de Mangualde, resultando dele a condenação dêsse inspector a transferência. Cumpria-me apenas efectivar a transferência.
Com relação às irregularidades apontadas aos professores pelo inspector de Mangualde, não vi nada a êsse respeito no Ministério pelo menos que eu conheça.
O Sr. Procópio de Freitas (interrompendo): — Consta do processo...
O Orador: — Eu não tive ocasião de ler o processo. Concedi a revisão. Já nomeei o relator; não me lembro agora do nome, mas com certeza que não foi o mesmo, porque costumo cumprir a lei e ela diz que tem de ser diferente. Tive de fazer cumprir a lei, porque, de contrário, era eu que ficava incluso no regulamento disciplinar; é expresso.
Se V. Ex.ª estivesse no meu lugar fazia a mesma cousa que eu fiz, porque era a única cousa que havia a fazer.
Há talvez um meio de obviar aos inconvenientes que V. Ex.ª apontou, que é alterar a legislação, mas isso levará algum tempo e eu para o caso presente não poderia aplicar essa solução.
Muitas vezes nós somos obrigados a fazer cousas que repugnam à nossa consciência. ¿Será êste caso um dêles? Talvez.
A pena foi aplicada, como eu já disse, pelo conselho disciplinar; o então Ministro da Instrução concordou com ela, e apenas a fiz efectivar.
Sôbre a distribuição pelos grupos dos professores das escolas primárias, eu peço a V. Ex.ª o obséquio de me dar um apontamento referente a êsse assunto, e pode o ilustre Senador estar certo de que tratarei do caso com toda a justiça e com toda a imparcialidade.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas (para explicações): — Agradeço as explicações do Sr. Ministro da Instrução, mas devo dizer que não posso de maneira nenhuma admitir que um indivíduo que é punido disciplinarmente e que tem ao seu alcance

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Diário das Sessões do Senado
o direito de recorrer para uma instância superior, sofra o castigo sem que se espere que essa instância superior se pronuncie sôbre se êsse indivíduo deve ou não cumprir a pena a que foi condenado na primeira instância.
Então não sei para que serve o recurso.
Se um indivíduo tem de passar por todos os incómodos, embora recorrendo, então para que serve o recurso?
Em minha opinião isso deve ser banido. porque (...) se pode admitir que exista tal princípio numa legislação que se diz republicana.
O Sr. Silva Barreto (em nome da comissão do Regimento}: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de alteração a alguns artigos do Regimento, para a qual peço urgência e dispensa do Regimento, e que entre imediatamente em discussão, sem prejuízo dos oradores inscritos para usarem da palavra antes da ordem do dia.
Foi concedido.
O Sr. Santos Garcia (para um requerimento]: — Sr. Presidente: eu fui o autor dos projectos de lei n.ºs 341 -3 316. Como, porém, êsses projectos já não têm oportunidade, pedia a V. Ex.ª a fineza de consultar a Câmara sôbre se consente que eu os retire.
Foi concedido.
O Sr. Oriol Pena: — Sr. Presidente: aproveito a ocasião de estar com a palavra para dirigir os meus cumprimentos aos Srs. Ministros da Instrução e da Justiça, agora presentes, que ainda não tinha tido o gosto de ver nesta Câmara, estando no uso da palavra.
Visto que está presente o Sr. Ministro da Justiça, desejaria chamar a atenção de S. Ex.ª para um facto referido no noticiário dos jornais, que parece estar agitando bastante a opinião desvairada da cidade de Lisboa, que, parecendo não ter importância e ser uma bagatela, se me afigura ser mal conduzido e mal apreciado nos relatos e comentários vindos a público.
Pode parecer ridículo, pode parecer só para perder tempo, vir aqui ocupar-me de uma perfeita banalidade.
Essa banalidade correndo pelas instâncias da polícia foi ofender os princípios de justiça e direitos de cada um.
Refiro-me à história de um homem que, num quarto alugado, tinha uma cobra viva metida num frasco e a conservava dentro dêsse quarto.
Parece ridículo pedir ao Parlamento uns minutos de atenção para êste caso, mas é que o homem foi preso por o dono da locanda ter protestado junto da polícia, alegando ter o seu locatário no quarto que ocupava uma fera, uma cobra.
Continua-se a manter no povo, a idea de ser a cobra um animal perigoso, e na minha qualidade de lavrador, como muitas vezes tive ocasião de apreciar os benefícios que êsse animal presta à agricultara, protesto em nome dos pobres ofídios.
A imprensa competiria infundir certos conhecimentos gerais no espírito do povo, e essa imprensa trata o caso com uma grande ligeireza, achando muito legítimo ter a polícia cortado a questão, cortando a cabeça à cobra!
A cobra não é um animal inútil, mata ratos, nurganhos, e outros pequenos roedores, mata animais que são nocivos, sendo ela, própria inofensiva, porque uma cobra nunca fez mal a ninguém.
Está espalhada no povo a idea falsa de que a cobra corta. ¡Não pode cortar porque não tem com que!
¡Dizem que mama — não mama porque não tem com que; fisiològicamente está impedida de mamar!
¡Dizem também que mete o rabinho na bôca das crianças, não senhor, não o mete em parte nenhuma!
Francamente, o que acho abusivo é que sendo essa cobra — o pobre bicho a que já atribuam 1m,50; em rapazote vi muitas, apanhei muitas, e até fui mordido por algumas, nunca vi nenhuma com um lm,50 — uma pobre cobra vulgar de Esculápio, uma cobra inofensiva — até 40 ou 50 centímetros ainda a cobra se poderá confundir com a víbora, daí para cima não há confusão possível — se queira aproveitar a ignorância do povo para violar o direito de cada um e para qualquer guarda cívico se lembrar de dar lições de justiça, julgando, condenando, executando!
Coma a acção policial como quiserem, mas o que deixa de ser uso e passa a ser

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abuso, é resolverem as questões como quiseram resolver esta.
¡Não aceito que, lembrando-se amanhã alguém de embirrar com o meu braço, venha a polícia e me corte o braço para resolver a questão!
É o que me leva a pedir a S. Ex.ª o Sr. Ministro presente o favor de chamar para esta bagatela a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Peço que seja, pelo menos, severamente censurado o polícia que esmartelou a cobra.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Lopes Cardoso): — Pedi a palavra para comunicar a V. Ex.ª que transmitirei ao Sr. Presidente do Ministério a reclamação do ilustre Senador Sr. Oriol Pena.
O Sr. Mendes dos Reis: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer algumas considerações, para as quais solicito a atenção do ilustre Senador Sr. Velez Caroço.
O Sr. Velez Caroço na penúltima sessão desta Câmara fez acusações graves contra o Sr. Carlos Pereira, actual chefe de gabinete do Sr. Ministro das Colónias.
Como nesta Câmara foram feitas essas acusações e embora o Sr. Carlos Pereira recorra depois a outras tribunas para se defender, entende o mesmo senhor que nesta Câmara devem ser apresentados também factos para destruir as afirmações que o Sr. Velez Caroço fez a respeito de S. Ex.ª
Disse o Sr. Velez Caroço que uma concessão que tinha sido feita ao Sr. Carlos Pereira foi das mais escandalosas e imorais.
Vou referir-me a factos, sem fazer o mais leve comentário, que entendo desnecessário.
O Sr. Carlos Pereira em 1911 foi nomeado governador da Guiné e em 1913 apareceu-lhe um requerimento em que certos e determinados concessionários, que tinham requerido anteriormente uma concessão, pediam para ser prorrogado o prazo para essa concessão, alegando que, pelo facto de não estar ocupada militar ou civilmente a região, êles não a podiam explorar.
S. Ex.ª, que era então governador da província, na sua informação confirmou realmente que o terreno pedido não estava ainda ocupado civil ou militarmente nesse momento, e que por isso entendia que nem devia ter sido feita a concessão, razão por que também lhe parecia que não devia ser prorrogado o prazo, informando ainda mais que nesse pedido de concessão não ficavam salvaguardados os interêsses dos indígenas.
O processo seguiu para Portugal e o requerimento foi indeferido, sem reclamação ou protesto dos interessados, que receberam até o depósito que tinham feito.
Mais tarde, 5 anos depois do Sr. Carlos Pereira ter deixado de ser governador da Guiné e 7 anos depois de ter dado aquela informação, S. Ex.ª, como simples cidadão em Lisboa, requereu uma concessão no mesmo terreno.
Devo salientar a V. Ex.ª que êste pedido foi feito passados 7 anos, já quando vigorava um novo regulamento de concessões e não só a ocupação militar estava feita, mas também a civil.
S. Ex.ª requereu, o processo seguiu os seus trâmites, no que levou 3 anos, e a concessão, sem reclamação absolutamente nenhuma, respeitando inteiramente as leis e os interêsses indígenas, foi dada a S. Ex.ª
Devo ainda informar V. Ex.ª que o decreto da concessão foi assinado pelo então Ministro das Colónias Sr. Paiva Gomes, que não é correligionário do Sr. Carlos Pereira.
Quem mais tarde assinou também os estatutos da companhia que se formou para explorar essa concessão foi o Sr. Rodrigues Gaspar, também Ministro das Colónias, correligionário do Sr. Velez Caroço.
Mas ainda mais: tendo vindo da parte do governador da Guiné algumas reclamações contra essa concessão, pelo Sr. Ministro das Colónias, também o Sr. Rodrigues Gaspar, foi dito, em resposta a essas reclamações, que a concessão tinha sido dada conforme os regulamentos e indicações favoráveis da mesma província.
São estas as informações que tenho a dar à Câmara e que o Sr. Carlos Pereira me apresentou, às quais não faço comentários porque me limito a expor factos que o mesmo senhor entende que devem ser

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proferidos nesta Câmara, para mostrar a forma legal, absolutamente legal como a concessão foi dada.
Sôbre quaisquer outras afirmações que S. Ex.ª entenda dever produzir nada tenho que dizer aqui, porque isso é com S. Ex.ª
Tenho dito.
O Sr. Velez Caroço: — Sr. Presidente: declaro a V. Ex.ª e à Câmara que é muito contrariado que tenho de voltar a falar sôbre êste assunto; mas sou obrigado a isso em vista do relato que acaba de fazer o ilustre Senador Sr. Mendes dos Reis sôbre a já célebre concessão de Pecixe.
Sr. Presidente: a questão está desviada do aspecto com que aqui a tratei. Eu não considerei a concessão dada ao Sr. Carlos Pereira debaixo do aspecto legal, mas única e simplesmente sob o aspecto moral.
As declarações que fiz nesta Câmara fundamentei as nos documentos que possuo e a Câmara dirá se eu não tirei as conclusões lógicas dêstes documentos, que passo a ler.
Chamo a atenção da Câmara para estes documentos. Não faço comentários.
Se o Sr. Carlos Pereira como governador da Guiné, recusou a concessão dos terrenos de Pecixe e Jata, moralmente era a pessoa menos hábil para depois pedir essa concessão para si, fôsse em que tempo fôsse.
O Sr. Ministro das Colónias tem actualmente muita gente da Guiné, residindo em Lisboa, que com verdade o pode informar se êsses terrenos são ou não aproveitados na sua totalidade pelos indígenas.
Diz o Sr. Carlos Pereira que, quando dos primeiros pedidos de concessão, os terrenos não estavam ocupados militarmente e o governo não podia garantir a sua posse aos concessionários.
¿Como assim, se os indígenas pagavam o imposto de palhota integralmente? Não conheço nas colónias característica mais autêntica de submissão por parte dos indígenas e de efectiva ocupação por parte do Govêrno do que a do pagamento dêste imposto.
Sr. Presidente: muitos inimigos criei durante o tempo que administrei a província da Guiné, mas posso afirmar a V. Ex.ª e à Câmara que êsses inimigos foram principalmente criados pela minha intransigência em defender os interêsses do Estado e em castigar os prevaricadores e indisciplinados.
Tive o cuidado de, ao regressar à metrópole, vir munido com cópias autênticas de vários documentos referentes aos negócios da Guiné.
Devo, pois, declarar à Câmara que qualquer assunto que aqui seja ventilado não me encontra desprevenido e se, possìvelmente, fôr atacado nos actos da minha administração, eu, à face de documentos insofismáveis, defender-me hei.
Sr. Presidente: para se fazer uma concessão, a base essencial é a informação do administrador da circunscrição onde os terrenos estão encravados. Esta autoridade, pelos conhecimentos que tem do local, e do aproveitamento que dos terrenos tira o indígena, é que pode com segurança informar a concessão de terras e fornecer ao processo todos os elementos sôbre os quais se há-de basear o despacho ou informação do governador.
Depois o processo corre seus trâmites, e, tendo todas as entidades dado as suas informações favoráveis, a concessão é feita naturalmente, seja qual fôr o Ministro que a tenha de subscrever.
Uma negativa nestas condições é que importava necessàriamente a suspeição de se tratar de uma perseguição.
Eu, se fôsse governador, é que, evidentemente, reflectiria sôbre uma informação como aquela que teve a concessão do Sr. Carlos Pereira e certamente não me serviria.
O administrador da Costa de Baixo que deu a informação era o Sr. Manuel Bastos Pinto e êsse mesmo administrador, e no mesmo processo, tinha procuração do Sr. Carlos Pereira para lhe tratar dos seus negócios, como acabo de provar com os documentos que li.
Ápartes.
Estão actualmente na metrópole cinco administradores de circunscrição, um juiz de direito, um delegado de República que, pela independência dos seus cargos, devem merecer todo o crédito, chefes de serviço, presidente da câmara de Bissau, vários funcionários superiores, achando-se também representantes das principais casas

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comerciais da Guiné. Faça, pois, o Sr. Ministro das Colónias um inquérito e então verificará que os factos que acabo de apontar são do domínio público.
Para terminar as minhas considerações direi a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara, que o governador que deu também informação favorável neste processo, apesar de conhecer todos os factos que acabo de apontar, foi o Sr. Sebastião José Barbosa, que estas funções exercia na qualidade de encarregado do Govêrno.
Tenho dito.
O Sr. Tomás de Vilhena: — Pedi a palavra para me referir a um assunto digno de atenção.
Era ver se se evitava, de uma vez para sempre, que a cidade seja por qualquer motivo constantemente alarmada com foguetes de dinamite.
Não é possível que uma cidade tam importante como Lisboa ponha a vida dos seus habitantes em situação de ser liquidada pelo capricho, pela fantasia de quem quer que seja que tenha a idea de lançar foguetes.
Por um tris que há dias não fui vítima de um dêsses foguetes, e os senhores a esta hora estariam a fazer o meu necrológio, lamentando a minha morte.
Na última sessão ao sair daqui o dirigindo-me para minha casa a pé, ao aproximar-me de casa, notei que se estavam deitando foguetes, com uma grande imperícia porquanto em lugar de subirem direitos volteavam no espaço como perigo de quem passasse.
Numa dessas ocasiões ao passar por umas escadinhas, vi-me obrigado a recolher-me depressa dentro de uma porta. Em boa hora o fiz, porque de contrário teria rebentado em cima de mim um dêsses foguetes.
Por consequência, é indispensável que o Govêrno olhe para estas cousas, que aparentemente são humorísticas, mas que na realidade são muito sérias.
É preciso que o Govêrno adopte medidas decisivas para impedir estas expansões, que não têm explicação absolutamente nenhuma, que não são nem artísticas, nem engraçadas, nem inofensivas, porque uma pessoa que sofra de qualquer doença nervosa não pode estar dependente de qualquer foguetório.
Eu peço ao Sr. Ministro da Justiça a fineza de transmitir ao Sr. Ministro do Interior as minhas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Lopes Cardoso): — Tem toda a razão o Sr. Tomás de Vilhena, e estou convencido de que o Sr. Ministro do Interior tomará as necessárias providências.
O Sr. Augusto de Vasconcelos (àparte): — O Sr. governador civil disse-me outro dia que não tinha meio de evitar êsses inconvenientes, porque a multa é de 3$00, e todos pagam a multa e deitam os foguetes que querem.
Foram lidas as alterações ao Regimento e foram postas à discussão na generalidade.
São as seguintes:
A comissão do Regimento, atendendo à urgência de serem introduzidas desde já algumas alterações ao actual Regimento, propõe o seguinte:
Artigo 19.° Suprimir o corpo do artigo e os §§ 2.° e 5.° Substituir o § 4.° pelo seguinte:
As deliberações das secções serão tomadas por maioria de votos, achando-se presente, pelo menos, a têrça parte do número dos seus membros.
Artigo 87.° Substituir pelo seguinte:
As propostas ou projectos de lei logo que sejam presentes na Mesa de cada secção serão lidas, resolvendo-se imediatamente se devem entrar desde logo em discussão, ou se a secção deve nomear um relator ou comissão especial para formular o competente parecer, que dentro de quinze dias lhes será presente.
§ único. A Mesa de cada secção mandará dactilografar ou imprimir as propostas ou projectos de lei e respectivo parecer, que serão distribuídos pelos Senadores da secção, não podendo ser discutidos sem que tenham decorrido 48 horas salvo deliberação em contrário.
Artigo 89.° Substituir as palavras «os projectos de lei» por «as propostas e projectos do lei conjuntamente com as».
Sala da comissão do Regimento, 7 de Dezembro de 1923. — A. M. da Silva Barreto — J. Mendes dos Reis — Vasco G. Marques — Francisco António de Paula.

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O Sr. Gatanho de Meneses (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: eu desejava saber se tinham sido distribuídos exemplares das alterações ao Regimento.
O Sr. Presidente: vieram agora mesmo para a Mesa.
0 Sr. Silva Barreto: — Sr. Presidente: a comissão do Regimento entendeu propor à Câmara, com urgência e dispensa do Regimento, as alterações ao antigo Regimento para que as secções, sobretudo, pudessem funcionar como a comissão entende que elevem funcionar.
As sessões plenas do Senado, segundo a Constituição, podem deliberar com um têrço dos seus membros; não seria lógico nem prático, pois, que se exigisse que uma Secção devesse funcionar com maioria absoluta dos seus membros.
E como as Secções ontem realizadas, por virtude de uma disposição do antigo Regimento, resolveram, uma delas pelo menos, que a Secção nomeasse, quando assim o entendesse, relatores para os diversos projectos e que os relatórios fôssem presentes à Secção para esta os discutir, e ainda por essa disposição não estar actualizada pela proposta discutida e aprovada par esta Câmara em 23 de Novembro de 1923, resolveu a comissão do Regimento propor um artigo, em virtude do qual a Secção, logo que recebesse os projectos da sessão plena, se entendesse que êles deviam ser relatados especialmente por algum dos seus membros, tivesse competência para nomear os seus relatores.
Resolveu mais a comissão dar uma nova redacção ao artigo 89.º
Sr. Presidente: a comissão do Regimento entendeu — e a meu ver bem — por unanimidade dos vogais presentes, que esta proposta viesse até à Câmara sem ser dactilografada, para ser distribuída pelos Srs. Senadores, visto que se trata de deis assuntos de grande urgência.
Como V. Ex.ªs compreendem muito bem, projectos há que não carecem de relator, porque são tam simples e de tam fácil assimilação que a Secção entende que êles devem ser discutidos imediatamente, sem relatório.
Aqui está a razão por que a comissão trouxe à sessão plena estas duas propostas e uma simples modificação em algumas palavras do artigo 89.° do Regimento.
E, Sr. Presidente, a comissão resolveu mais que devia fazer uma publicação de todo o Regimento, porquanto encontrou artigos que brigam uns com os outros. Mas êsse trabalho é mais delicado e dêle se ocupará nas sessões que entenda que deve convocar para êsse fim.
Concluído êsse trabalho, a comissão terá a honra de apresentar o trabalho completo para a Câmara discutir, se assim o entender, a fim de se arranjar um Regimento de harmonia com as sessões plenas e as Secções.
Foi lida a proposta sôbre o artigo 19.°, sendo aprovada.
Foi lida a substituição ao artigo 87.°, sendo aprovada.
Foi lida a proposta de substituição de palavras no artigo 89.°, sendo aprovada.
O Sr. Silva Barreto: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção. Aprovado.
O Sr. Mendes dos Reis: — Requeiro ao Sr. Presidente para que estas alterações sejam dactilografadas e mandadas distribuir.
Foi lida a última redacção do projecto n.° 542 e pôsto à discussão na generalidade.
O Sr. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente: poucas palavras.
Parece-me que tendo-se estado a tratar, como se tem estado, de uma lei sôbre inquilinato, trazer para a discussão êste artigo sem tratarmos de tantas outras questões que com êle se prendem, não me parece justo.
Fora disso, a respeito da doutrina dêle, eu já disse alguma cousa na sessão anterior, e por isso, limito-me agora a referir-me à falta de oportunidade que êle tem, porque êste assunto devia fazer parte, nem mais, nem menos, do que um projecto de lei.
De resto, havendo o pensamento, aliás justo, da parte do ilustre relator do projecto, de defender os inquilinos de qualquer exorbitância dos(...). aqui também estar consignada a defesa

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dos senhorios contra certas barbaridades que os inquilinos praticam.
Ora é exactamente isso que eu não vejo.
Por consequência parecia-me da maior conveniência que êste projecto fôsse englobado na discussão da lei de que nos temos já ocupado.
O orador não reviu.
O Sr. Catanho de Meneses: — A exposição dos motivos por que veio isoladamente êste projecto à Câmara vem feita no relatório que o precede.
A lei do inquilinato precisa sei efectivamente reformada em muitos pontos, mas há um assunto de capital importância que não permite nenhum adiamento, nem permite que se espere pela discussão dessa lei.
Êsse assunto é aquele a que a imprensa periódica se tem referido, como eu, de há tempos para cá, se estarem fazendo verdadeiras explorações com a venda de prédios.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo}: — ¿E o que me diz V. Ex.ª das explorações que se estão fazendo aos próprios senhorios?
¿V. Ex.ª não sabe que há tantos senhorios desgraçados por causa dessas explorações?
O Orador: — Eu já respondo a V. Ex.ª
Êsses motivos são graves pela circunstância de importarem a milhares de famílias, que estão na contingência de terem de abandonar os seus lares.
Isto é uma matéria já aqui dita, redita e repetida.
Segundo o artigo 34.° do decreto n.° 5:411, desde o momento que o contrato de arrendamento não conste de título autêntico ou autenticado, caduca.
Êsses documentos carecem de tantas formalidades que eu posso assegurar que entre mil arrendamentos não se encontram vinte que satisfaçam às condições indicadas pelo citado artigo 34.°
Por consequência, o que acontece? É que milhares de famílias estão na contingência de serem postas na rua, de serem postas fora dos seus lares.
É êste um assunto de tanta importância que não pode ter a delonga que fatalmente necessitaria se se esperasse pela discussão do projecto de lei de inquilinato. É por isso que êsse projecto foi pôsto de parte para se acudir a êste assunto, que é de extrema acuidade.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo): — O que V. Ex.ª quere é que muitos senhorios continuem a morrer de fome.
O Orador: — V. Ex.ª fez o obséquio de comparecer ontem na Secção, onde eu fiz a exposição dos motivos que me levaram a apresentar a minha proposta. V. Ex.ª sabe que essa proposta foi admitida na Secção e não estou longe da verdade dizendo que V. Ex.ª foi um dos que a admitiram. Admitida essa proposta, V. Ex.ª sabe os trâmites que ela devia seguir, que era passar da Secção para aqui.
Eu até me lembro de ter declarado, antes de se entrar na discussão dêste assunto, que era da maior urgência, e que deveria portanto, se a Secção o entendesse, vir do lá para a Câmara, e não me consta que o Sr. D. Tomás de Vilhena protestasse.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo): — Eu na Secção reservo-me o direito de protestar ou não. Eu é que sou o juíz do lugar onde tenho de fazer os meus protestos.
O Orador: — Por consequência eu entendo que, desde o momento que êste projecto de lei veio da Secção para aqui, deve seguir os seus trâmites.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte o Senado sobre se consente que seja prorrogada a sessão até se votar êste projecto.
O Sr. João Carlos Costa: — Pedi a V. Ex.ª o favor de me informar se, dado o caso que o projecto tenha de voltar à Secção, a sessão fica prorrogada até o projecto voltar da mesma Secção.
Vozes: — Não, senhor.

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O Sr. Querubim Guimarães: — Sr. Presidente: fui surpreendido com êste projecto de Lei quando fazia a minha viagem de Aveiro para esta cidade.
O ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses já explicou a razão porque o apresentou. Devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que mais uma vez se verificou aquele sistema mau, contra o qual tenho protestado, de se legislar por conta gotas, não se apresentando aos tribunais para execução um corpo de doutrinas.
Os diplomas que se publicam têm uma forma duvidosa, dando lugar a interpretações diversas, estabelecendo a confusão. Assim, o último decreto publicada pelo Sr. Abranches Ferrão, longe de remediar o mal, ainda maior confusão veio trazer.
Discute-se se êsse decreto é constitucional e à êste respeito levantam-se questões que a nós na prática nos trazem dificuldades, por não sabermos como orientar os nossos clientes.
De duas uma, Sr. Presidente, ou nós estamos animados de boas intenções para resolver êste problema, resolvendo-o dentro dum justo critério de interesso entre as duas partes, ou não estamos. Se estamos, convença-se a Câmara de que desde que se chegue a entendimento sôbre a discussão do projecto de lei que tem estado na ordem, não demorará muito tempo, e o projecto seguirá o seu caminho.
Êste projecto que está em discussão veio atropelar a discussão que estava a fazer-se sôbre o assunto.
Não compreendo como é que surge a necessidade de remediar um caso que diz respeito a interêsses dos inquilinos, quando não se resolve a situação desastrosa e difícil dos senhorios.
Eu entendo, Sr. Presidente, que nós não devemos aqui legislar a favor de uns contra outros, fomentando ódios, mas antes devemos procurar estabelecer um ponto de vista de interêsse entre as classes.
Eu vejo realmente que na imprensa se fazem campanhas contra os senhorios, mas eu sei como essas campanhas fazem e que interêsses ocultam.
Declaro a V. Ex.ª que o meu propósito de falar sôbre êste assunto é ùnicamente não arredar aquele princípio -que me habituei a aceitar não só na Universidade,
como no exercício da minha profissão, como advogado.
Dentro dos princípios me quero manter.
Compreendo, Sr. Presidente, que se estabeleça uma situação transitória em que se restrinjam os direitos dos senhorios.
Perfeitamente de acôrdo.
Mas que se constate sempre que o direito de propriedade é um direito que se deve fortalecer sempre.
Sr. Presidente: a doutrina dêste projecto de lei, que já vinha no anterior, no artigo 3.º, representa uma novidade na nossa legislação, porque a tradição do nosso direito civil não é essa.
Apareceu essa inovação no projecto de lei do Sr. Ministro da Justiça, apresentado ao Parlamento em 1920; mas tanto não foi considerada indispensável que essa proposta não foi discutida nem votada.
E portanto eu não posso de modo nenhum dar o meu voto a êste projecto.
Mas, Sr. Presidente, reflictamos e vamos a admitir que é preciso ir contra a disposição do artigo 1:610.° do Código Civil, porque êsse artigo na prática faz com que milhares e milhares de pessoas sejam lançadas na praça pública.
Ainda mesmo que assim seja, reflitamos um pouco.
Esta disposição que estava consignada no Código Civil, uma razão superior a determinou, porque de outro modo o legislador, que era alguém, não a tinha feito inserir no seu projecto de Código Civil, e não teria sido assim através dos tempos, logo que acabou a discussão dêsse Código, aceita por todas as entidades que intervieram no assunto.
E porventura êste princípio obedece a um princípio de direito, que nós não podemos deixar de ter sempre em vista, que é o respeito pelo direito de propriedade. Desde que haja uma transmissão, a pessoa que adquiriu o prédio, à face das boas normas do direito civil, não pode ser obrigada a deixar de usar livremente do direito de propriedade sôbre êsse prédio que adquiriu.
Êste é que é o bom princípio, e nós devemos evitar que se destrua essa norma jurídica.
Mas, argumenta-se do lado contrário que essa disposição dá lugar a grandes abusos, e que é preciso aceitar também o artigo 39.° do decreto n.° 5:411, que é, in-

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felizmente, nem mais nem menos, que a reprodução do artigo 1619.° do Código Civil.
Mas, Sr. Presidente, se porventura existe a fraude, se porventura existe o abuso, nós temos de acabar com êles, e o remédio que eu encontro para isso é manter a disposição do artigo 34.° do decreto n.° 5:411, e para as fraudes e para os abusos estabelecerem-se penalidades de tal maneira que ninguém possa tentar novos atropelos ou abusos.
Agora lá porque se dá um ou outro caso excepcional, porque há aqui ou ali, um ou outro abuso, virmos contrariar uma disposição que está na lei e que respeita em absoluto o direito de propriedade, direito êsse que deve sempre ser respeitado, não sou dessa opinião.
Eu, Sr. Presidente, tenho várias vezes ouvido argumentar contra esta minha opinião e maneira de pensar, que me parece a mais concordante com os bons princípios de direito, dizendo: mas quem adquire o prédio que está arrendado a uma determinada pessoa não vai adquiri-lo sabendo a situação em que êsse prédio se encontra, preso a um encargo, obrigado a manter êsses arrendamentos durante tempos, durante um prazo que não se sabe até quando vai?
Eu a êsse argumento respondo que o que se pretende legislar só se compreende como medida de excepção, medida de momento, transitória, mais nada.
Mas, mesmo que não se pudesse responder, como se pode, a êsse argumento, eu pregunto, Sr. Presidente, se a situação jurídica do adquirente da propriedade é a mesma, quando a adquire, quer por título oneroso, quer por título gratuito.
Indubitàvelmente não é; as situações são absolutamente diversas.
A um indivíduo que comprou por x um prédio, cujos arrendamentos, pela fôrça das circunstâncias, seja obrigado a manter, ainda admito que se faça aquela objecção; mas a um indivíduo que por um acidente qualquer se encontre investido no direito de propriedade dum prédio, não pode aplicar-se semelhante raciocínio.
Se eu admitisse como boa a rejeição do artigo 34.°, faria uma divisão entre as transmissões por título oneroso e por título gratuito.
Eu compreendo que no projecto do Sr. Catanho de Meneses e no da Secção se haja tido em vista obviar a inconvenientes para aqueles que tivessem direitos garantidos pela lei, no tempo a que a lei se refere.
É de lamentar que o Sr. Catanho de Meneses, a cuja autoridade e a cuja competência eu, como todos os lados da Câmara, não podemos deixar de tributar as nossas homenagens (Apoiados), se esquecesse dêsse ponto.
Sr. Presidente: mudam os ventos e com os ventos mudam os tempos, e com os tempos mudam por sua vez as pessoas. É lamentável. E é lamentável que eu e todos aqueles que nos habituamos a respeitar o princípio da não retroactividade das leis, vejamos o legislador da República variadíssimas vezes ter usado e abusado, em desprestígio do regime e tantas vezes das pessoas ou entidades que têm dado o seu voto na promulgação de leis dessa ordem, participar do princípio contrário, da retroactividade da lei. Isto é nem mais nem menos do que a subversão, já nem digo inversão, de todos os princípios.
Não foi isso que o Sr. Catanho de Meneses, como eu e muitos outros, aprendeu na Universidade. E por isso eu digo que é lamentável que S. Ex.ª se tivesse esquecido de tal facto.
Esta questão entre senhorios e inquilinos tomou proporções e aspectos, lamentáveis. Devemos, pois, ter com ela todo o cuidado e desejo de acertar, e nisto faço justiça ao Sr. Catanho de Meneses, em quem se encontra boa vontade de chegar a uma solução.
O problema agita-se no nosso país, como se agita noutros países, e o legislador de todos êles vê-se rodeado de dificuldades para claramente impor um preceito legal.
A questão tomou no nosso país um aspecto moral. Nós, os legisladores, mesmo aqueles que com isso não concordem inteiramente, devemos manter de pé êsse velho princípio da não retroactividade das leis.
Como é que há-de condenar-se a pessoa que vai ao tribunal confiada numa disposição legal doutro tempo? Mas mesmo o prejuízo de ordem material é difícil de fixar.

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Estou convencido de que não foi senão uma boa intenção que levou a Secção a apresentar uma nova disposição de parágrafo ao artigo 1.° Mas limita-se à condenação de custas e selos do processo, conforme o costume da comarca, arbitrada pelos Srs. juízes.
Nós sabemos, Sr. Presidente, que os factos não correspondem, na realidade, àquilo que deviam corresponder, e que na maioria dos casos, pelo menos, a parte tem de pagar...
O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo): — Pela tabela.
O Orador: — Não se faz isso.
Esta condenação é o mesmo que nada.
Mas que pode suceder com os processos pendentes, se porventura, contra lei anterior, surge uma lei que é aplicada a êsses processos?
Fixa-se agora o prazo dentro do qual esta lei terá de estar em execução, ou seja O princípio a que obedeceu a pessoa que introduziu tal disposição é um princípio de cautela. Mas suponhamos que, de harmonia com esta lei, se aplica a casos pendentes, a processos pendentes.
Uma pessoa adquiriu um prédio por título oneroso e requereu o despejo.
O inquilino liberta-se desta dificuldade pagando as custas e os selos.
Fica, portanto, de pé o arrendamento continuando o encargo para o inquilino de pagar a renda; doutra maneira não há arrendamentos.
O senhorio recebe a renda, e expira o prazo de 31 de Dezembro de 1925. O que sucede depois de terminar o prazo? O senhorio, em face desta lei, é obrigado a manter o contrato de arrendamento?
Eu pregunto como é que se há-de resolver essa situação e se porventura o proprietário pode, posteriormente a 31 de Dezembro de 1925, promover uma acção de despejo contra o inquilino.
Terminando o prazo pode ou são o senhorio vir com o processo para o tribunal?
Há, portanto, margem para dúvidas, a não ser que o caso seja esclarecido nesta lei ou numa lei posterior.
Mas, mesmo que assim fôsse, nós podemos antecipadamente avaliar as dificuldades e prejuízos que resultam para um proprietário que esperava, emfim, à face da lei antiga, ocupar o seu prédio, e que não pode, porém, pôr em execução os seus desejos, visto que esta lei o inibe disso.
Tem, portanto, êle de ser escravo desta lei e sacrificar se aos encargos dum arrendamento para que pode não ter contribuído, se êsse arrendamento tiver sido feito, por exemplo, por seu pai falecido ou por qualquer outra pessoa de família.
Esta situação é verdadeiramente lamentável.
Como há-de ser indemnizado o senhorio?
Não vejo maneira.
Mas, diz-se: «há uma situação urgente de ordem pública a que é preciso atender som delongas».
Nós nadamos há muito tempo, em matéria de inquilinato, num verdadeiro círculo vicioso, e não há maneira de sairmos dêle, porque o Estado Português não fez aquilo que devia ter feito.
Se êle tivesse tido aquela boa dose de previdência que é necessário ter sempre na administração seja do que fôr, mas sobretudo na administração pública, as cousas não teriam chegado ao extremo a que chegaram.
A crise que nos assoberba é proveniente da falta de habitações; e, como diz um comentador belga, as leis do inquilinato são meros expedientes que nada resolvem, porque a resolução do problema consiste só em construir, construir, construir.
Deve-se notar que a Bélgica está numa situação muito diferente da nossa, porque a Bélgica foi arrasada, teve a guerra no seu solo e nós não sofremos nada disso.
O que deveria então fazer o Estado?
Adiantar dinheiro a juro módico aos particulares, emprêsas ou quaisquer entidades que se quisessem formar para construção de prédios, obrigando os proprietários dessas novas casas a não tirarem das respectivas habitações um juro superior a x, isentando-os de todas as contribuições para os estimular.
O Estado entendeu que, arranjando uns bairros operários, tinha resolvido o problema da habitação para as classes operárias.
O que isso foi de absolutamente censu-

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rável nem se deve dizer, não tendo tido até hoje da parte do Poder Executivo quem tivesse esboçado um acto de absoluta boa vontade, de energia, para reprimir os abusos cometidos, castigando severamente os que delinquíram.
Ora se os milhares de contos gastos nos Bairros Sociais tivessem tido uma outra aplicação menos espalhafatosa, mas mais sensata, teria sido outro o resultado, e com certeza não teríamos chegado ao ponto de termos que deitar remendos na lei do inquilinato, para resolver uma questão que só se remedeia construindo cada vez mais.
Sr. Presidente: tenho de definir a minha situação aqui, e defino-a não votando de maneira nenhuma êste projecto, por êle ser contra os meus princípios, êsses princípios que aprendi na escola a quem o País tanto deve, e que não é a escola dos espíritos modernistas.
Para as transmissões por título oneroso ainda eu transigia em fazer uma excepção ao que vem preceituado no Código Civil, porque as pessoas que não querem adquirir prédios com todos os seus encargos só têm um caminho a seguir: não os comprar. Mas no que respeita às transmissões por título gratuito, para que não contribui de modo nenhum a vontade do adquirente da propriedade, não posso de modo nenhum conformar-me com a doutrina do projecto.
Não sou arauto nem defensor dos interêsses dos senhorios ou dos inquilinos, mas quero respeitar os princípios de direito, porque não vejo que possa existir qualquer organização social sem êsses princípios, que são a salvaguarda de todos os povos civilizados.
O orador não reviu.
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: quando numa questão destas fala uma pessoa com a responsabilidade e autoridade que todos reconhecemos ao Sr. Querubim Guimarães — e eu devo acrescentar, que todos reconhecemos e todos estimamos —; quando uma pessoa com essa responsabilidade e com a prática que tem do fôro vem fazer afirmações, aqui, nesta casa do Parlamento, pela maneira peremptória por que S. Ex.ª as faz, necessàriamente no espírito daqueles que não tenham conhecimento profundo do assunto — e ninguém tem obrigação de ser especialista em semelhante matéria — necessàriamente a palavra de S. Ex.ª há-de produzir profunda impressão.
O Sr. Querubim Guimarães: — V. Ex.ª há-de perdoar-me se o interrompo, mas não se aflija V. Ex.ª com os resultados que possam causar as minhas palavras.
O Orador: — Pregunto agora uma cousa a V. Ex.ª, se V. Ex.ª me quiser responder: Não impressiona a V. Ex.ª qualquer observação que eu faça sôbre um assunto da minha especialidade?
O Sr. Querubim Guimarães: — Tenho obrigação de aceitar, sempre que o meu espírito a possa aceitar, pelo muito respeito que devo a V. Ex.ª, a sua opinião.
O Orador: — Mas V. Ex.ª compreende que num projecto dêstes, cuja discussão é perfeitamente aberta, em que o Govêrno se não interessa, e o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos já o declarou por mais de uma vez, não só aqui nesta Câmara mas também na outra, não pode haver ideas políticas.
Faça V. Ex.ª justiça às intenções dêste lado da Câmara, faça V. Ex.ª justiça ao Govêrno, como eu faço justiça a V. Ex.ª
De maneira nenhuma poderá V. Ex.ª vir a esta Câmara com considerações de ordem diferente, a não ser aquelas que em sua consciência se lhe afigurem tam fáceis como é fácil a sua palavra.
V. Ex.ª aqui exprime aquilo que pensa e eu exprimo aquilo que penso; mas, desculpe V. Ex.ª que lhe diga, as suas palavras não corresponderam à verdade dos factos; compreende V. Ex.ª que a sua intervenção no assunto, longe de o esclarecer, vem perturbá-lo.
Vou responder, quanto possível, aos argumentos de V. Ex.ª, e suponho que poderei fazê-lo com facilidade, não pelos conhecimentos que tenho do assunto nem pelas minhas faculdades, mas porque a razão está do meu lado.
Começou V. Ex.ª por dizer, e mais de uma vez o tem afirmado, que não vinha defender os interêsses dos inquilinos nem pugnar pelos interêsses dos senhorios. Quere dizer, V. Ex.ª coloca-se em circunstâncias de só reconhecer aquilo que

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fôr legítimo, tanto duma parte como da outra.
V. Ex.ª sabe, e a isso aludiu, que algumas vezes me deu a honra, e honra imerecida, de conversar comigo sôbre êste assunto, e V. Ex.ª disse-me que eu sempre lhe tinha apresentado os vários aspectos da questão do inquilinato sem que o fiel da minha balança pendesse para uns ou para outros.
Creio que V. Ex.ª, nas alusões que mais de uma vez aqui tem feito dizendo que não é por senhorios nem por inquilinos, não se quere referir a mim nem a ninguém dêste lado da Câmara, porque nós não vimos para aqui fazer política dêste caso; o que vimos é defender os interêsses da colectividade, é firmar êste princípio de que os interêsses da colectividade predominam sempre sôbre os interêsses do indivíduo, haja vista, como já aqui referi mais de uma vez, as expropriações por utilidade pública: elas não são de agora, são de há muito tempo.
O direito de propriedade não é um direito absoluto: tem restrições; e quem lhas impõe? É a colectividade.
Assim, por exemplo, se um caminho de ferro passa por uma propriedade que o seu proprietário estima, podendo até obrigá-lo a sair dela, êsse proprietário tem de ceder os seus direitos para bem da colectividade.
Já V. Ex.ª vê que o interêsse geral a predominar sôbre o indivíduo já vem de muito longe; creio que desde que a humanidade existe o indivíduo se sacrificou sempre ao maior número.
De maneira que não admira que perante uma questão de interêsse colectivo, como esta, o direito de propriedade tenha de ser restringido.
Mas pregunta S. Ex.ª: porque é que, estando êsse princípio consignado no projecto que há pouco tempo tive a honra de apreciar, se vai agora deslocá-lo, à última hora, dêsse mesmo projecto?
É porque desde que êsse projecto apareceu, têm crescido sucessivamente os abusos de venda de propriedades para o efeito de, expulsos os inquilinos, se auferirem grandes interêsses pelos trespasses, porque doutra maneira o novo senhorio não arrenda a casa.
O decreto n.° 5:411, por muita que fôsse a vontade do legislador, não evita
que muitas casas só possam ser arrendadas, quando o senhorio as queira arrendar.
Se se consultarem os arquivos dos tribunais, asseguro que se encontrarão centenas de acções de despejo, devidas, em grande parte, ao facto da alienação de prédios.
O Sr. Martins Portugal: — Assim é com efeito.
O Orador: — Folgo com a asserção de S. Ex.ª, tanto mais vinda dum adversário político.
Era preciso obviar às delongas que tem tido o projecto, sem com isto pretender dizer que o digno Senador a quem estou respondendo seja cúmplice em tais delongas.
S. Ex.ª tem discutido êste projecto porque entende que o assunto carece duma larguíssima discussão mas essa larguíssima discussão não se compadece com a urgência do assunto.
Aí tem a Câmara, e aí tem o Sr. Querubim Guimarães, as razões que me levaram a fazer o que fiz.
Disse-me também o ilustre Senador Sr. D. Tomás de Vilhena, meu ilustre amigo, que outros aspectos da questão havia a tratar.
É certo e aproveito o ensejo para dizer à Câmara que entendo que, quando se tratar do projecto da comissão de legislação, se deve dar aos senhorios aquelas garantias a que êles têm direito.
Mas, Sr. Presidente, andou sempre e sempre na humanidade êste princípio de a colectividade predominar sôbre os indivíduos.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo): — V. Ex.ª está em êrro; aqui não se trata do sacrifício do individuo à colectividade, está-se tratando apenas de uma luta entre duas classes.
V. Ex.ª diz que há milhares de inquilinos que se encontram em más circunstâncias.
Ora eu também digo que há milhares de senhorios que se encontram nas mesmas circunstâncias.
O Orador: — S. Ex.ª diz que isto é uma luta de classes.

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Devo dizer que foi sempre assim em todas as questões. Mas o que se pretende é que na luta dessas classes devemos tratar em primeiro lugar da colectividade do que do indivíduo; êste princípio é que me parece ser o que sempre predomina.
Disse o Sr. Querubim Guimarães, com a sua autoridade de jurisconsulto, que ainda compreendia que em relação à transmissão por título oneroso se pudesse estabelecer o que está no parecer.
Agradeço a S. Ex.ª ter reconsiderado o transigido um pouco.
S. Ex.ª quási acabou por concordar que êste princípio se devia estabelecer.
Mas disse S. Ex.ª: por título gratuito, de maneira nenhuma, pois não compreendia que quem herdava um prédio o não herdasse livre de todos os encargos que lhe restringissem o direito de propriedade.
S. Ex.ª quis aplicar um princípio de direito; S. Ex.ª apaixonando-se por êsse princípio, chegou a essa conclusão, quando S. Ex.ª podia chegar a outra mais lógica.
E que se o próprio proprietário, emquanto vivo, não pode despedir qual a razão para que o herdeiro tivesse mais vantagens do que êle?
Desde que S. Ex.ªs me falam de escolas, devo dizer que tenho aprendido no Código Civil que a herança é transmitida com todos os encargos; aprendi-o em Coimbra e na minha vida de advogado.
S. Ex.ª quis agora em relação a êste princípio estabelecer doutrina diversa.
Não sou capaz de dizer que S. Ex.ª pretende defender os senhorios.
Mas quando se trata de senhorios ou proprietários, entende S. Ex.ª que êste princípio é fundamental do nosso direito: ninguém pode transmitir mais do que tem de seu.
S. Ex.ª, jurisconsulto hábil, funda-se em princípios perfeitamente às avessas.
Passo a não compreender.
Parece que só no regime republicano se têm promulgado leis de semelhante estôfo.
Parece que nos demais países os jurisconsultos pensam de maneira diferente.
Pois existem por lá disposições iguais à do artigo 1:619 do Código Civil, e êsse artigo, para S. Ex.ª é um dos sustentáculos mais claros da propriedade.
Em face dêsse artigo do Código Civil e estabelecendo-se a transmissão da propriedade como ali se estabelece, o arrendamento tem de caducar desde que a propriedade seja transmitida por título oneroso.
Ora vejamos se é assim, porque me impressionou profundamente esta asserção de S. Ex.ª
Então a República Portuguesa está tam desviada dos princípios de direito que vai contrariar aquilo que é fundamental em direito?
Vamos à Itália e citemos Mussolini, que S. Ex.ª mais de uma vez tem exaltado.
Eu, compulsando um decreto que não é muito antigo, de 9 de Julho de 1923, vejo que êsse homem público caíu no desagrado do S. Ex.ª por ter estabelecido a doutrina de que a transferência dos imóveis não fazia caducar o arrendamento.
Mas não é só ali que eu vejo êste princípio, e note S. Ex.ª que estou nas monarquias, estou na Itália.
S. Ex.ª sabe que também na monarquia espanhola há um decreto nêsse sentido, que está prorrogado até 31 de Dezembro dêste ano, falando-se já em nova prorrogação.
Também nesta legislação S. Ex.ª vê que se estabelece êste princípio: a transferência do domínio e da propriedade não invalida os contratos de arrendamento.
Por consequência, sou levado a crer que não é só na República Portuguesa que se vai implantar êste princípio.
Isto que nós queremos agora para nós já a Itália, a Bélgica, a Espanha e outros países têm há muito tempo.
O artigo 34.° é a cópia fiel do artigo 1619.° do Código Civil, que principiou em 22 de Março de 1867, nessa época remota em que havia propriedades com abundância e eram muitas vezes os senhorios que pediam, quási por favor, que lhas arrendassem; agora dá-se o contrário, de forma que a legislação deve ser aplicada conforme as circunstâncias.
S. Ex.ª compreende que nós não podemos resolver de um momento para o outro todas estas questões, que têm preocupado toda a Europa; portanto nós não podemos manter o artigo 1619.° que, longe de produzir benefícios, estava em oposição com as circunstâncias presentes.
O que mais contendeu com os nervos do ilustre Senador Sr. Querubim Guimarães foi a circunstância de na substituição

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que eu apresentei, cuja iniciativa é efectivamente de minha responsabilidade, sustentar o princípio da retroactividade da lei. Isso, para S. Ex.ª, importa nada mais nada menos que a destruição dos basilares princípios em que a civilização dos povos cultos se deve inspirar.
Ora devo dizer a S. Ex.ª que esta doutrina não é novidade na República Portuguesa, pois também a estabelecer a lei de 6 de Janeiro de 1922.
O Sr. Querubim Guimarães: - Depois
dessa lei já houve outra...
O Orador: — O que eu desejo acentuar a S. Ex.ª é o seguinte: é que se trata dum princípio que a própria França teve de adoptar, porque também ali teve de ser aceita a retroactividade da lei, desde que não se tratasse de casos passados em julgado.
Portanto, Sr. Presidente, não somos nós ùnicamente que enveredamos por êste caminho.
Parece-me, pois que não estamos à fazer obra nefasta, como S. Ex.ª deu a entender quando disse que esta medida constituía um caso de tal gravidade, que representava nada mais, nada menos do que o desconhecimento de todos os princípios de direito e das regras por que as nações se devem reger, mesmo nas circunstâncias que estamos atravessando.
Disse S. Ex.ª que o que é preciso é construir; e queria S. Ex.ª que, emquanto se não constrói, pudessem os inquilinos estar sujeitos a ser obrigados a sair das casas?
Quere dizer, Câmara, não aceitando a restrição do direito de propriedade, deixa milhares de famílias ao abandono.
Desde o momento que S. Ex.ª põe de parte esta medida para preconizar a construção do casas como remédio, eu devo preguntar se os senhorios vão dispersando os inquilinos aos milhares, e os inquilinos vão estar à espera que as casas se construam para irem habitá-las.
Que S. Ex.ª me diga: «é necessário que o Estaco decrete medidas ou faça com que se decretem medidas tendentes a diminuir dia a dia esta falta de habitações», completamente do acôrdo. Mas, emquanto isso se não faz, é necessário que os inquilinos sejam protegidos.
O Sr. Querubim Guimarães: — E como isso nunca se faz continua tudo sempre na mesma.
O Orador: — E como isso não se tem feito, o resultado é os inquilinos irem todos para a rua.
A minha consciência está tam tranquila que, quando eu sair daqui e fôr para casa, o meu sono será tam completamente descansado pensando nos inquilinos como o de V. Ex.ª pensando nos senhorios.
O que digo a V. Ex.ª é o seguinte: o que o Parlamento não pode deixar de providenciar ràpidamente sôbre o assunto, porque se não o fizesse faltava a um dos seus deveres primordiais, qual seja o de atender às necessidades imperiosas que o País apresenta.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Lopes Cardoso): — Sr. Presidente: devo uma explicação à Câmara e devo também resposta às brilhantes orações do Sr. Querubim Guimarães e do ilustre leader da maioria. Sr. Catanho de Meneses.
Em primeiro lugar: o seu a seu dono.
Fui o ontem procurado por um ilustre redactor de um dos jornais de Lisboa, que me pediu uma entrevista sôbre a lei do inquilinato, querendo referir-se certamente ao projecto do inquilinato que a comissão de legislação submeteu à discussão na sessão plena do Senado.
Fui consultando os meus apontamentos sôbre as várias disposições que mereceram discussão na última sessão plenária desta Câmara e dei a entrevista.
Não sei o motivo, mas porventura porque a entrevista se destinava a um jornal da tarde e foi feita às 15 horas, o ilustre redactor atribuíu-me aquilo que é exclusiva obra da comissão.
Quem ler atentamente verá logo o seguinte:
«Procurámos hoje o Sr. Lopes Cardoso que nos ditou as modificações seguintes da sua autoria».
Seguem as disposições da autoria da comissão de legislação desta Câmara.

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E em baixo diz:
«Além de ligeiras emendas aos artigos acima extractados apresentarei propostas de artigos novos».
Quem reparar bem verá imediatamente que aquilo que está extractado na primeira parte da entrevista não pode ser meu, pois não é de crer que eu tivesse feito a apresentação das propostas para logo a seguir as emendar.
Nota-se, portanto, uma verdadeira confusão, que eu lastimo sinceramente, julgando-me no dever de dizer aqui que não quis atribuir-me aquilo que é exclusiva obra de V. Ex.ªs. O seu a seu dono.
Atenta a urgência com que se pediam estas notas, eu abri o Diário do Govêrno, de 13 de Janeiro de 1921, em que vinha o meu projecto e disse: pode extractar daí o que quiser, pois não posso atendê-lo por mais tempo, visto haver assuntos que reclamam a minha urgente atenção.
Fui depois igualmente procurado por um redactor do Diário de Lisboa, jornal pelo qual tenho toda a consideração, como tenho por toda a imprensa, a quem fiz idênticas declarações.
Portanto, tendo eu procurado elucidar, o público sôbre a forma como se ia discutir o problema do inquilinato nesta Câmara, circunstâncias em que nada influíu certamente a competência do ilustre redactor, que é sem dúvida um jornalista de merecimento, mas circunstâncias de tempo no tocante a haver pressa em se dar ao público conhecimento do que pretendíamos fazer sôbre o assunto, deram em resultado êste caso lastimável de que me justifico perante todos V. Ex.ªs
Agora referir-me hei em primeiro lugar ao que sôbre o projecto em discussão disse o ilustro Senador Sr. Querubim Guimarães.
Esperava tratar hoje nesta Câmara do projecto cuja discussão se iniciou na sessão anterior, isto é, da última redacção do projecto apresentado pela comissão de legislação.
Vejo que a 2.ª Secção do Senado, por proposta do Sr. Catanho de Meneses, resolveu discutir já e com uma redacção nova o artigo 3.° daquele projecto.
Disse o Sr. Querubim Guimarães e disse muito bem, nesse ponto mesmo nenhum de nós pode contrariá-lo, que é pena que a resolução do problema do inquilinato se faça duma maneira fragmentária, isto é, que estejamos todos os dias a discutir artigos isolados, dando lugar a que a interpretação seja difícil e que em volta dela se faça uma chicana repelente.
Pensei sempre assim, e tanto que, quando da primeira vez recebi o encargo de gerir a pasta da Justiça no Govêrno da presidência do grande republicano Sr. Sá Cardoso, fui variadíssimas vezes solicitado para apresentar projectos que resolvessem um ou outro caso de mais palpitante reclamação de momento e nunca cedi a nenhum dos pedidos nesse sentido. Fui sempre contrário a tal orientação. Entendi melhor abrir um prazo para reclamações sôbre esta matéria. Nomeei uma comissão, composta dos homens mais ilustres e que melhor conheciam o problema do inquilinato, para receber todas as reclamações que de toda a parte do país surgissem sôbre êste magno problema e me dar, com a maior urgência, as bases para eu organizar uma lei de inquilinato, senão perfeita, pelo menos única, porque eu entendo que, quando não possamos atingir a perfeição, devemos, pelo menos, simplificar o mais possível a legislação respectiva.
O resultado foi o seguinte:
Essa comissão subdividiu-se numa comissão executiva, e essa comissão executiva durante mais de um ano limitou-se a receber as reclamações, arquivou-as, e não produziu o menor trabalho.
Eu pensei que não devia eternizar-se tal situação e chamei a mim todas as reclamações, para fixar as bases duma proposta de lei que, não sendo muito embora um trabalho perfeito, nem devendo impor-se como programa de um partido ou em nome das minhas convicções próprias, servisse de base à discussão parlamentar e extra-parlamentar de forma a produzir-se afinal uma obra de harmonia não só entre as classes que para a comissão reclamaram, mas entre todos os portugueses, porque a questão do inquilinato bole com a situação de todos os cidadãos e a todos interêssa.
Trouxe êsse trabalho à Câmara em 10 de Janeiro de 1921 e tanto quanto possível dêle constava, não digo já a resolução de cada um dos problemas como ca

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dos reclamantes os tinha pôsto mas a de muitos e principalmente daqueles que careciam de pronta solução, e desta forma eu esperava que, ao discutir-se, o Parlamento aperfeiçoasse o meu modesto trabalho, produzindo uma obra de harmonia que evitasse a desunião das diversas classes e dos cidadãos desta Pátria que a todos é querida.
Não sei porquê, êsse trabalho não chegou a ser estudado pela Câmara dos Deputados.
Era bom? Era mau? Não tinha a pretensão de ser uma cousa nem outra, tinha apenas a pretensão de ser cousa honesta e que era honesta verificou-se depois quando o meu sucessor renovou a sua iniciativa.
O nome do meu sucessor não lhe deu, porém, mais fôrça, e essa proposta continuou a não ter parecer.
No relatório que precede essa proposta eu dizia, como disse há pouco o Sr. Querubim Guimarães: que não podemos por meio de disposições legislativas resolver o problema do inquilinato. A única forma de o resolver é construir, construir sempre e promover construções novas.
Apoiados.
Tudo o que não seja isto são meros paliativos, é legislar produzindo uma medida nova que passados dias envelhece, e o mal aumenta sempre.
Ainda ontem um dos jornais da noite dizia, atribuindo-me essa frase, que só construindo se resolvia o problema do inquilinato.
Vê-se, pois, que não mudei de pensar desde 10 de Janeiro de 1921 até ontem à noite, e desde ontem até hoje também não mudei.
Concordo, pois, com as palavras do Sr. Querubim Guimarães, que são sinceras e são verdadeiras, mas devo dizer a S. Ex.ª que a resolução do problema pelas construções leva anos e nos encontramos em face de dificuldades que urge resolver de momento, sendo esta a única justificação que temos para consentir na discussão imediata e sem delongas do projecto agora apresentado pelo ilustre leader da maioria desta Câmara.
Quando há dias tomei posse da pasta da Justiça, fui informado de que estava pendente do Parlamento o projecto apresentado pela comissão de legislação desta
Câmara; por isso entendi do meu dever não renovar por emquanto a iniciativa da minha proposta, mas vir a esta e à outra Câmara ouvir a opinião do Parlamento sôbre o projecto pendente, habilitando-me assim a modificá-la tanto quanto possível em harmonia com a vontade do Parlamento, pois só com a cooperação dêste terá viabilidade.
O Govêrno vive no regime parlamentar; não quere viver fora do regime parlamentar.
O Parlamento quere resolver a questão depressa? Está o Govêrno no seu lugar para auxiliar o Parlamento até onde a sua iniciativa chegar, e pela minha parte estarei aqui sempre que me chamem.
Como já disse, enteado que prestamos mau serviço ao País trazendo à Câmara, como há pouco disse o Sr. Querubim Guimarães, uma ou outra disposição que resolva um ou outro caso e que deixe cada vez mais complicado êste problema, produzindo legislação dispersa, contraditória e imperfeita.
É, portanto, meu intuito, logo que termine a discussão desta proposta nesta e na outra Câmara, seguir um dêstes dois caminhos: ou apresentar uma proposta do lei nova em que seja consignada toda a matéria do meu projecto de 1921, acrescida das disposições com ela conciliáveis que o Parlamento agora vote, obtendo-se que sôbre matéria de inquilinato vigore um só diploma; ou encarregar uma comissão de pessoas competentes, que o Parlamento designará, de fazer a codificação das disposições agora votadas e das não revogadas do decreto n.° 5:411.
Está posta a questão como deve ser; o Sr. Catanho de Meneses disse e eu repito: o Govêrno faz questão aberta dêste caso, e, acrescento, aberta dentro e fora do Parlamento, e até ao último dia da discussão ouvirei e atenderei todas as reclamações que se me afigurem justas.
Desta forma entendo que o intuito do Govêrno, como aliás do Parlamento, está absolutamente de harmonia com os desejos do ilustre Senador Sr. Querubim Guimarães: produzir um só diploma que restabeleça a harmonia entre todas as classes e entre todas as pessoas interessadas.
Ninguém deseja nem quere fazer política dêste caso, mas, se durante a discussão me convencer que sôbre êste assunto se

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quere fazer política, claramente o direi ao País para que chame à ordem os seus representantes, e mal irá ao Parlamento que por mera política partidária esquece os sagrados interêsses do povo.
Aqui estou sereno e absolutamente cônscio de que tenho cumprido com o meu dever, declinando toda a minha responsabilidade em possíveis demoras que possa haver na discussão de tam importante questão.
Disse o Sr. Catanho de Meneses que o direito da propriedade é um direito que a República reconhece e eu acrescento que a República tem reconhecido sempre e que sempre reconhecerá. Mas tal direito está sujeito a restrições que o interêsse colectivo exige e se há alguns pontos em que deva sofrê-las é sôbre a matéria em discussão.
Estou convencido de que o Sr. Catanho de Meneses, como homem de Estado que é e sendo um dos mais distintos e ilustrados jurisconsultos portugueses, não viria apresentar tal projecto se êle não correspondesse a urgente satisfação do interêsse nacional.
É êsse mesmo interêsse que me leva a concordar com a sua aprovação na generalidade.
Não se pode dizer agora que tal disposição deva durar um, dois, três ou mais anos, mas que a sua vigência irá até onde as circunstâncias exijam.
Faz bem o ilustre Senador marcando um prazo certo e determinado para que cesse esta disposição excepcional. Não vejo, contudo, inconveniente em que na discussão so elimine o artigo 2.°, que marca o têrmo da vigência desta lei em 31 de Dezembro de 1925, porque qualquer Govêrno inspirado nos propósitos que nos animam trará a Câmara uma proposta de revogação do artigo 1.° quando tenham desaparecido as circunstâncias de ordem económica e financeira que agora aconselham a sua aprovação.
Disse o Sr. Querubim Guimarães, entrando já na especialidade, com o que afinal nada se perdeu, e muito se ganhou, que admite transitòriamente que a transmissão de propriedade não influa para que o senhorio possa despejar o prédio, quando essa transmissão se der por título oneroso; mas com relação à transmissão por título gratuito já o caso é diverso.
O ilustre leader da maioria respondeu a S. Ex.ª e supérfluo e pretencioso seria que eu acrescentasse algumas palavras em refôrço dos seus exactos argumentos.
Em minha opinião, ou devemos aprovar o artigo tal como está ou rejeitá-lo entendendo que não é preciso.
Trata-se duma disposição excepcional. Queremos adoptá-la, por entendermos que as circunstâncias de momento a impoem? Então, temos de votar o que aqui está.
Deixar no projecto essa porta aberta da transmissão por título gratuito é condená-lo de antemão.
Apoiados.
A forma como eu falo sôbre êste assunto explica o meu procedimento futuro.
Eu ouvi as opiniões dos diversos lados da Câmara e cheguei à conclusão de que quando o ilustre leader da maioria afirmou que esta era uma disposição indispensável do momento, os representantes dos grupos mais numerosos da Câmara o apoiaram francamente.
Vê-se, pois, que a vontade do Senado é admitir como boa a oportunidade para pôr em execução esta disposição excepcional.
O Sr. Presidente: — Deu a hora de encerrarmos os nossos trabalhos. Se V. Ex.ª deseja, fica com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Orador: — Nesse caso ficarei com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na têrça-feira, à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Emendas à proposta de lei n.° 328
Art. E permitida a sublocação sem autorização dos senhorios, com as restrições constantes do artigo seguinte e seus parágrafos, dos arrendamentos de estabelecimentos comerciais e industriais em caso de traspasse dêsses estabelecimentos, mas

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o sublocatário não poderá instalar nesse estabelecimento ramo diverso de comércio ou indústria sem licença do senhorio, sob pena de êste poder requerer o despeje e o mesmo ser decretado, não tendo, neste casa, o sublocatário direito a qualquer indemnização.
Art..° Quando o inquilino queira traspassar o estabelecimento fará notificar o senhorio para êste declarar no prazo de trinta dias se pretende tomá-lo por certo; e só findo êste prazo, sem resposta afirmativa do senhorio, poderá fazer o trepasse por preço igual ao notificado.
§ 1.° A notificação correrá pelo escrivão de serviço, o qual, por despacho do juiz dará imediatamente conhecimento dela ao secretário de finanças do respectivo concelho ou bairro.
§ 2.º O contrato de traspasse realizar-se há sempre por escritura pública, dentro de 30 dias, a contar do fim do prazo da notificação, quer a favor do senhorio quer a favor de outrem.
§ 3.º Da importância do traspasse pertencerão 35 por cento ao inquilino, 25 por cento ao senhorio e 10 por cento ao Estado.
§ 4.° A percentagem do Estado do deverá ser paga por meio de guia na tesouraria de Finanças respectiva, antes da assinatura do contrato, no qual se indicará o número de verba de pagamento; e a percentagem do senhorio será paga no acto da assinatura do referido contrato.
Art..º Consideram -se nulos o de nenhum efeito todos os contratos de trespasse dos dos estabelecimentos comerciais os industriais que se efectuem contràriamente às disposições do artigo antecedente e seus parágrafos; podendo o Estado e o senhorio requerer as respectivas indemnizações pelos prejuízos sofridos e ainda êste e despejo contra quem de facto ocupar o prédio. — O Ministro da Justiça, Lopes Cardoso.
Art..º Os arrendamentos relativos aos prédios urbanos por um ou mais meses de Julho a Outubro inclusivé nas praias e estâncias de águas, turismo ou vilegiatura, seja qualquer o seu valor, poderão ser feitos verbalmente.
§ 1.° Nos arrendamentos a que se refere o artigo anterior e que forem superiores a (...) mensais o senhorio passará a cada inquilino o recibo da importância de cada mês e enviará um duplicado do mesmo ao secretário de finanças, ao qual pagará, por meio de estampilha fiscal, o sêlo em dôbro do que corresponde ao contrato, conforme a lei do sêlo.
§ único. A transgressão dêste artigo será punida nos termos do regulamento do sêlo em vigor. — O Ministro da Justiça, Lopes Cardoso.
Art..° Para os efeitos da aplicação dos coeficientes de aumentos de rendas, os prédios tomados de arrendamento pelo Estado ou corpos administrativos são sempre considerados como destinados a habitação, salvo quando aplicados a serviços comerciais, ou industriais, em que será considerado inquilinato comercial. — O Ministro da Justiça, Lopes Cardoso.
Artigo novo. São considerados caducos todos os arrendamentos que se achem feito a favor de quaisquer pessoas que actualmente não ocupem os prédios urbanos a que tais arrendamentos se referem quando os mesmos prédios se acharem de facto, ocupados por outros inquilinos.
Art..° Dentro de 60 dias, contados depois da publicação desta lei, deverão os senhorios realizar com os inquilinos que à data da publicação da mesma ocupem de facto os prédios a que se refere o artigo anterior novos contratos de arrendamento, não podendo as rendas ser superiores às que actualmente pagam, acrescidas das percentagens permitidas por esta lei em vigor.
§ l.º Passado aquele prazo, o senhorio que se tiver recusado a assinar o novo contrato de arrendamento não poderá sustentar acção de despejo contra o inquilino e ser-lhe há vedado receber as rendas, as quais deverão ser pelo inquilino depositadas na Caixa Geral de Depósitos, só podendo o senhorio levantá-las e retomar a plenitude dos seus direitos quando haja assinado aquele contrato.
§ 2.° Se, por seu lado, o inquilino se recusar a assinar o novo contrato, o senhorio o mandará notificar judicialmente para no prazo de 5 dias, e não o fazendo poderá o senhorio requerer o despejo com tal fundamento e o inquilino será tido, á data da notificação, como detentor de má

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fé para o efeito dos artigos 496.° e 497.° do Código Civil Português. — O Ministro da Justiça, Lopes Cardoso.
Art..° Os arrendamentos em que o Estado ou qualquer estabelecimento público intervenham como senhorios ou arrendatários são regulados pelas cláusulas do respectivo contrato, pela legislação administrativa em vigor e designadamente pela parte aplicável e ainda não revogada das instruções para arrendamentos de bens nacionais de 2 de Maio de 1843, artigos 26.° e § único da lei de 20 de Março de 1907, decreto de 5 de Dezembro de 1910, artigos 164.° e seguintes do Regimento do Conselho Superior de Finanças de 17 de Agosto de 1915, decretos n.ºs 2-873, de 30 de Novembro de 1916, 3:834, de 12 de Fevereiro, e 4:490, de 12 de Junho de 1918.
Art..° Estes contratos de arrendamento serão feitos perante os funcionários ou entidades oficiais a quem por lei incumbe a administração dos bens, ou perante delegado que aqueles designarem, e quando o Estado fôr senhorio, quaisquer notificações ou diligências referentes aos arrendamentos, incluindo o despejo dos prédios, competem privativamente aos mesmos funcionários ou entidades ou por sua delegação às autoridades fiscais, administrativas ou policiais do concelho ou bairro em que os bens estejam situados.
§ 1.° Àqueles funcionários e entidades oficiais serão feitos directamente pelos interessados quaisquer avisos ou comunicações, observando-se as disposições aplicáveis da legislação indicada, e bem assim especial e autónoma a que os bens estejam afectos.
§ 2.° As notificações aqui previstas serão feitas com antecedência não superior a dez dias sempre que as leis administrativas, regulamentos em vigor, cláusulas
e contratos ou instruções superiormente expedidas não prescrevam prazo diverso.
§ 3.° O pagamento das rendas nos casos em que o Estado seja senhorio efectuar-se há no local designado no respectivo título de arrendamento.
§ 4.° Quaisquer reclamações respeitantes à inobservância das cláusulas contratuais ou petição de formalidades ou direitos dos interessados, quando o Estado fôr senhorio, deverão ser feitas administrativamente perante as entidades oficiais que intervierem no contrato ou perante as direcções que superintendem dos serviços respectivos e por elas resolvidas, com os recursos estabelecidos pelas leis em vigor.
Art..° Quando o Estado fôr inquilino deverá o senhorio deduzir quaisquer reclamações respeitantes à inobservância das cláusulas contratuais ou preterição de formalidades ou direitos dos interessados perante as entidades oficiais que intervieram no contrato, ou perante as direcções que superintendam nos serviços respectivos, e só quando tais entidades ou direcções se pronunciem contràriamente à reclamação, ou não a resolverem dentro dos noventa dias seguintes ao da reclamação, poderão usar das acções permitidas por esta lei.
§ 1.° Em qualquer altura do processo de despejo, que tenha por fundamento a falta de pagamento de renda por parte do Estado, poderá êste evitar o despejo pagando as rendas em divida.
§ 2.° Excepto no caso do parágrafo anterior, em que o pagamento será feito por têrmo nos autos, os senhorios de prédios tomados de arrendamento pelo Estado receberão nos cofres dêste as rendas a que tiverem direito nas datas ou prazos fixados nos respectivos contratos. — O Ministro da Justiça, Lopes Cardoso.
Para a 2.ª Secção.
O REDACTOR —Adelino Mendes.

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