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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
IsT.
EM 12 DE ABRIL DE 1924
Presidência do Ex.mo Sr. António XaYier Correia Barreto
Secretários os li.™' Srs,
Sumário. — As 15 horas e 15 minutos, com 25~ Srs. Senadores presente?, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.
Lê-se e aprova-se a acta.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Joaquim Crisóstomo ocupa-se de vários assuntos pelas diversas pastas, replicando-lhe o Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Costa Júnior ocupa-se de factos referentes à eleição municipal das Caldas. da Bainha e de assuntos respeitantes ao Ministério das Finanças.
Responãe-lhe o Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Oriol Pena felicita-se por o couraçado «Vasco da Gama» não se ter perdido por causa do seu recente encalhe, e entende que estão a ser praticados abusos com despejos de prédios em mau estado de conservação.
Replica-lhe o Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Ministro do Comércio também dá explicações ao Sr. Joaquim Crisóstomo.
O Sr. Carlos Costa usa da palavra para invo~ car o Regimento. . Responde-lhe o Sr. Presidente.
Ordem do dia.— Prossegue a discussão da lei do inquilinato, continuando no uso da palavra o Sr. Catanho de Meneses, relator.
Falam mais os Srs. D. Tomás de Vilhena, Oriol Pena, Ministro da Justiça e Augusto de Vasconcelos, sendo o projecto em seguida aprovado.
O Sr. Catanho dê Meneses requere que se prorrogue a sessão para a discussão da especialidade, o que é aprovado, depois de falarem os Srs. Vicente Ramos, D. Tomás de Vilhena, Machado Ser-pa e Herculano Galhardo.
Abertura da sessão às lõ horas e lô minutos.
Presentes à chamada 26 Srs. Senadores.
Luís Inocêncio Ramos Pereira Constantlno José dos Santos
Entraram durante a sessão 10 Srs. Sei nadores.
Faltaram à sessão 36 Srs. Senadores)
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Henriques- do Prado Castro é Lemos.
Álvaro António Bulhão Pato. . Aníbal Augnsto Ramos de Miranda.
António Maria da Silva Barreto.
António de Medeiros Franco.
António Xavier Correia Barreto.
César Procópio de Freitas.
Elísio Pinto de Almeida e Castro»
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Eamos da Costa.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
JoSo Carlos da Costa.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena. .
José António da Costa Júnior. • José Duarte Dias -de Andrade.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
Luís Inoc'êncio Ramos Pereira.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
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Diário da* Sessões do Senado
Sr s. Senadores que entraram durante a sessão:
Aliredo Narciso Marcai Martins Portugal.
Artur Augusto da Costa.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
César Justino de Lima Alves.
Constantino José dos Santos.
Ernesto Júlio Navarro,.'
Nicolau Mesquita.
Silvestre Falcão.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena. (D.).
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abílio de Lobão Soeiro. * António Alves de Oliveira Júnior,,
António da Costa Godinho do Amarai.
António Cromes de Sousa Varela. ,/Aprígio Augusto de Serra e Moura. Artur Octávio do Rego Chagas. Augusto Casimiro Alves Monteiro. Augusto de Vera Cruz. Duarte Clodomir Patten de Sá Viana. Francisco Xavier Anacleto da Silva.. Frederico António Ferreira de Símas. João Alpoim Borges, do .Canto. João Maria da Cunha Barbosa. João Trigo Moutinho. Joaquim Manuel dos Santos Garcia. Joaqtdm Teixeira da Silva. Jorge Frederico Velez. Caroço. José Augusto. Bibeiro de Melo. José Augusto de Sequeira. José Joaquim :Fernandes de Almeida. José Joaquim Fernandes Pontes. José Joaquim Pereira Osório. José Xepornueeno Fernandes Brás.. Júlio Augusto Ribeiro da Silva. Júlio Ernesto de Lima Duque. jLuís Augusto As 15 horas e 10 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada. fez-se a chamada. O Sr. Presidente: — Estão presentes 25 Srs.: Senadores. Está aberta a sessão. O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à leitura da acta. O Sr. Presidente : — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada. O Sr. Presidente: — O juiz de direito da 6.a vara cível pede a comparência do Sr. Lima Alves no .dia 15 de Maio na Quinta das Pelas, freguesia de Odivelas. E o almirante presidente do tribunal de Marinha pede a comparência do Sr. Joaquim Crisóstomo no dia 2 de Maio naquele tribunal, a fim de depor como testemunha. Foi autorizado. Foi lido o- Expediente Representação Da .Comissão Executiva ,.da, Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo, solicitando do Governo um adiantamento de 700:000$, pagável em duas prestações, após a primeira e segunda cobrança das contribuições directas de 1924-1925. Para a ha 'Secção. Ofícios Da comissão executiva dá Câmara Mu.-nicipal do concelho de Serpa, secundando a iniciativa da sua congénere de- Baião, sobre a proposta 'de lei do ex-Ministro do Comércio Sr. -António Fonseca,, que modifica a lei n.° 1:238, de 28 de Novembro de 1921, e decreto n.° 9:131, de 20 de Setembro de 1923, respeitante a estradas. Para ú, 1. a , Secção. Das Câmaras Municipais de Alter do Chão, Campo Maior, Beriayente, Valença, Chamusca, Anadia, Condeixa-a-Nova e Oliveira do Hospital, declarando fazer sua a representação da Câmara Municipal de Miranda do Corvo em que pede uma, alteração à lei n.c 1:452.
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Do juiz de direito'da'6:a vara cível de Lisboa, pedindo autorização para depor nesse juízo o Si*. Lima Alves.
Autorizado.
Do presidente do Tribunal de Marinha, pedindo autorização para que possa ali ir depor o Sr. Joaquim Crisóstomo dá Silveira Júnior.' :
Autorizado. "' ' '• - ;
Do Sr. Júlio Henrique de Abreu, co-' municando ir assumir as suas funções de governador de Cabo Verde e apresentando as suas despedidas à Câmara.
Pára a Secretaria.
Do cidadão Mário''Bonança, comunicando'o falecimento, do seu tio João Bonança. < '"••':
Para'a Secretaria: '
Da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, solicitando em conformidade com o pedido dá sua congénere de Baião, a discussão da proposta 'de lei sobre es-' trádas, da autoria do Ministro do Comércio, António Fonseca. ; '
Para a. Secretaria'. > ' • ' ••' - " •
Telegramas . >,
De uma comissão de comerciantes ' do Porto,^pedindo -a ' aprovação imediata' do projecto'de-lei'sobre ò inquilinato. '• •
Para a Secretaria.' • '• ''••- '" •'••-' ••-
• - ' f:'-:
Idêntico telegrama 'dos inquilinos dás freguesias dê Cedófèita, Paránhos, Ilde-fonso è Vitória (Porto).
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Joaquim Crisóstomo:-—Não :me satisfizeram as declarações'feitas ontem pelo Sr. Ministro do Interior, em nome, naturalmente, do Sr. Ministro das Finanças, relativamente à debatida questão-das libras.
S. Ex.a declarou-s'e * inabilitado' para discutir o-assunto^ e' embora não esteja-presente nenhum meinbro do Governo, do que eu não tenho culpa algúiria, porque ô . Governo deve fázer-se representar nesta Câmara no período de tempo intitulado «antes da ordem do dia» a fim''de pres-
tar esclarecimentos ao Senado sobre os vários ramds da administração pública, não desisto de me ocupar de novo do caso.
Há, por exemplo, um Ministro, que ó o Sr. Joaquim Kibeiro, que só vem a esta casa do Parlamento de visita passageira, porque-, parece-me,- S. Ex.a se sentir mal em contacto connosco, o que é verdadeiramente • para estranhar, tanto mais que ainda ontem o 'Sr. Portugal- pediu a V. Ex.a, Sr. Presidente, que prevenisse o Sr. Ministro da Agricultura de que desejava trocar impressões com S. Ex.a sobre o projectado diploma referente aos lucros ilícitos.
Mas não tenho culpa de que o Governo não se fá'çà representar" como devia, e muito menos'não ocupe, -como devia, a sua cadeira o Sr. Presidente do Ministério,' que hoje'não-tem' sessão na1 outra Câmara e que é o responsável pela política geral do Governo. ,
Em matéria física sempre ouvi 'dizer que a toda a acção corresponde uma reacção, e conseqúentemente -à atitude dos Bancos deve corresponder uma reacção da minha parte, e principalmente da do Parlamento, porque sé eles procuram criar uma - atmosfera favorável, 'colocando o Governo--mal, da nossa-parte é um dever imperioso colocar-nos ao lado do Governo,,a fim Eu gostava de ouvir da boca do Sr.Presidente do ' Ministério' e Ministro . das Finanças o que S1. Ex.a tenciona fazer: se está 'disposto a .dar ' ordena terminantes para que as 430:000"libras desviadas-dos cofres do Estado, volteia novamente aos mesmos'cofres, ou.se -S. Ex.a está dis.-postO a transigir e a deixar • assim postergar os interesses do Estado. . . . Ontem, o Si*. Ministro da Guerra, com a sua psicologia de' militar e certamente alheio á assuntos 'jurídicos, deqlarou que havia inconveniente em obrigar os bancos -a cumprir--as obrigações que firmaram, porque isso poderia importar uma falência desses ''bancos-, e que era preferível, em- vez Mal vai para-õ'' Estado ^ português se se envereda por 'este 'caminho.
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portuguesa, porque o Estado é implacável, intransigente, para com os pequenos devedores.
Esta questão, que pode ser encarada sob-o aspecto financeiro e económico, e foi esse o aspecto ontem considerado pelo Sr. Ministro da Guerra, deve ser também encarada pelo seu aspecto moral e sobretudo pelo aspecto jurídico, e pelo aspecto jurídico tem o Governo de recorrer aos tribunais.
Vou tratar agora de outro assunto, para o qual também peço a atenção do Governo.
Há dias foi votada aqui uma lê L, que está produzindo péssimos resultados na prática, e que é indispensável ser alterada, ou pelo menos regulamentada, ern termos de poder ser esclarecida, sem que daí advenham gravíssimos prejuízos para as câmaras municipais.
Nessa lei permite-se ao Governo conceder às câmaras municipais um adicional sobre determinadas contribuições, coa-cedendo-lhe as câmaras, a „troco desse benefício, o direito de descontar 5 por cento sobre as importâncias cobradas.
• Isto representa para as câmaras municipais um encargo tam grande que elas não o podem suportar.
Este preceito ó muito legítimo, mas não deve abranger todas as câmaras e tam somente aquelas que não cumpram o seu dever.
Esta tutela que o Estado vai exercer sobre as câmaras em benefício do Crédito Predial só deve abranger as câmaras remissas, aquelas que se encontram em mora com aquela instituição, porque, parecendo à primeira vista que 5 por cento é uiaa quantia que não tem importância, 110 emtanto cobrados sobre 60 ou 70 contos, representa 3 ou 4 contos de prejuízo para as câmaras municipais.
Eu aproveito a ocasião de estar presente o Sr. Ministro do Interior para tratar de um assunto que corre pela sua pasta.
Foi publicado um decreto com a assinatura de V. Ex.a em que se concede ao governador civil de Lisboa e às pessoas que o acompanhem entrada gratuita em todos os teatros desta cidade, abrangendo-se também nessa concessão o comissário da policia de emigração clandestina.
Eu faço justiça ao carácter de V. Ex.a
dizendo que quando assinou aquele decreto supôs assinar uma cousa justa; mas O' que é verdade é que tal concessão pode amanhã dar lugar a abusos, o que é da máxima conveniência que st» evite para que não se formem juízos menos favoráveis com respeito às instituições republicanas.
E, portanto, de toda a conveniência que^ o Sr. Ministro do Interior mande eliminar desse decreto a concessão às pessoas que acompanharem o governador civil, assim como ao comissário da pojícia de-emigração.
Tenho pena que não esteja presente o Sr. Ministro da Agricultura para ouvir as considerações que vou fazer sobre assuntos que correm pela sua pasta.
O Sr. Joaquim Ribeiro é o infeliz autor de um conjunto de diplomas publicados, em 25 de Setembro de 1923, que já foram objecto de larga discussão e crítica por parte do nosso colega Sr. "Lima Alves.
Um desses diplomas refere-se às sobretaxas e à liberdade de exportação.
Nós infelizmente não estamos em situação de produção que nos permita a liber-,dade absoluta de exportação.
Se há muitos géneros alimentícios que podemos exportar sem perigo para a economia nacional, outros há porém que pela sua natureza não o podem ser.
Refiro-me em primeiro lugar às batatas» nos termos do n.° 2..° do artigo 1.° do referido decreto.
O ano passado, a produção de batatai foi abundantíssima, e devido a essa abundância o seu preço baixou consideràvel-mente no mercado.
Houve várias tentativas de exportação.
Não obstante o Ministro de então, o Sr: Fontoura da Costa, em presença da atitude da opinião pública., não consentiu essa exportação.
; Pois este ano, em que a produção é muito inferior, a exportação nos termos deste decreto é livre!
Convém que o Sr. Ministro da Agricultura, altere a sua obra, fazendo incluir a batata no número dos géneros cuja exportação depende de licença especial.
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tência ou por qualquer outro motivo, parece quererem agravar o mal em que vivemos.
Também por esse decreto se permite a exportação livro do azeite, isto apesar de ioda a gente saber que a nossa produção supre apenas o consumo doméstico, porque em relação às indústrias a produção do azeite tem sido, desde longa data, insuficiente, tendo os industriais, antes da guerra, de o importar, e depois da guerra •de se submeter às condições da produção nacional.
Noutro país, nunca o Sr. Joaquim Ribeiro teria tido a pretensão de ocupar as cadeiras do Poder, nem nunca teria sido «hamado para as ocupar, por que S. Ex.a é um protector da exportação do azeite, -dando isso em resultado que as nossas fábricas de conservas estejam atravessando uma grande crise.
Nós já não temos o azeite necessário para ocorrer às fábricas de conservas, e não obstante o Sr. Ministro da Agricultura continua a permitir a exportação do •azeite.
É triste que se façam considerações •destas no Parlamento e que haja um Ministro que não queira baixar os seu olhos para o que se passa.
Não está também presente o Sr. Ministro do Comércio, a quem queria também .-chamar a atenção para um assunto que precisa de ser cuidado o estudado, mas com carinho, inteligência e critério. É o das reparações alemãs, porque não é possível, segundo me consta, arrancar aos •alemães nem uma tonelada de material ferroviário, ou sejam locomotivas ou vagões.
Infelizmente este caso está-se dando somente ~ com Portugal, porque depois da Alemanha se ter recusado terminantemente a pagar aos industriais encarregados de fabricar o material destinado a Portugal, a Itália, a Tcheco-Slováquia e a própria Bélgica já conseguiram arrancar da Alemanha muitos milhares de toneladas em matérias primas, destinadas a caminhos de ferro.
O material ferroviário das linhas do Estado, como a Câmara sabe, está na última das misérias; ainda há dias um vapor de nome Douro, que faz a travessia -entre o Barreiro e o Terreiro de Paço, por pouc.o que não se afundou ao iniciar
a sua viagem do Barreiro para Lisboa.
Porque se deu este facto ?
ó Foi devido a um temporal ou devido a uma maré intensa?
Não, Sr. Presidente, foi devido ao seu estado, que ó de tal natureza, que não permite que esse barco navegue com segurança.
Sr. Presidente: há absoluta necessidade de reparar o nosso material ferroviário e inclusivamente de substituir os actuais vapores que fazem a travessia entre o Barreiro e o Terreiro do Paço, que, pelo desgraçado estado em que se encontram, constituem um perigo iminente para quem deles se utiliza para atravessar o Tejo.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso):— Dos diversos assuntos em que falou o Sr. Joaquim Crisóstomo e que não dizem respeito à minha pasta eu darei conhecimento aos respectivos Ministros.
Com respeito ao decreto sobre os teatros, devo dizer o seguinte:
Esse decreto tem a minha assinatura porque se refere ao governador civil de Lisboa, mas é da iniciativa do Sr. Ministro da Instrução.
Ontem, tendo tido conhecimento das apreciações que V. Ex.a fez, transmiti-as ao Sr. Ministro da Instrução e fiquei agradavelmente- surpreendido por S. Ex.a ter já tomado nota do caso, estando na disposição de mandar alterar esse decreto no sentido de não ser permitido que as pessoas que acompanhem, quer o governador civil de Lisboa quer o comissário da polícia de emigração, tenham entrada gratuita nos teatros.
Essa concessão ao comissário da polícia de emigração foi devida a um equívoco. Havia varias-redacções do decreto e por engano foi publicada aquela a que V. Ex.a se referiu.
Como já disse, porém, quer a uma quer a outra dessas entidades vai ser retirada a concessão de' se poder fazer acompanhar de diversas pessoas.
O Sr. Costa Júnior: — Chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior para dois factos que julgo graves.
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Diário das Sessões do Senado
Como V. Ex.a sabe, realizaram-se nas Caldas da Rainha eleições para a câmara municipal. Segundo a lei, só se pode apresentar qualquer, protesto contra uma eleição no prazo de oito dias.
Portanto, no dia em que termina o prazo para ser entregue qualquer reclamação, o secretário geral passa uma certidão dizendo que não houve protesto,,
Outra certidão passada pelo secretário .geral esclarece também o acto.
Ora o governador civil, no dia seguinte àquele em que terminou o prazo, azeitou no governo civil um protesto contra as eleições realizadas.
Entendo que este governador civil, por vários .actos que conheço, está saindo das atribuições que lhe são confiadas.
Há tempo pedi pelo Ministério do interior que me fosse enviada cópia de um ofício mandado pelo governador civil de Leiria ao administrador do concelho de Pombal e a resposta deste administrador.
Há dias falei com o Sr. Ministro do Interior e S. Ex.a, com a sua franqueza habitual, disse-me que .não tinha dado nenhuma ordem para lá. Pois em nome de S. Ex*a foram dadas ordens para o administrador do concelho de Pombal.
O Sr. Ministro do Intericr disse-me que não tinas: dado essas ordens.
Poisr como já disse, em nome ds S. Ex.a e como se fosse por ele ordenado, o governador civil de Leiria mandou pedir informações ao administrador do concelho de Pombal e, o que é mais, é que este administrador de concelho mente.
Eu não recebi resposta ao pedido de documentos que fiz pelo Ministério do Interior, porque esses dois senhores não sabem onde se hão-de meter.
Chamo também a atenção de V. Ex.a para o seguinte facto:
Xá imprensa Nova vem a notícia de que a Fábrica de Louça de Sacavam, com um capital de 1:000 contos, de cujo conselho fiscal faz parte o Sr. Pedro Pita, teve um lucro de 620 e tantos contos; o Sr. Pedro Pita elogiou este facto 0 acbou muito natural que essa fábrica tivesse esses lucros. Há também uma outra casa que com o capital de 360 contos teve lucros de 200 e tantos contos.
Uma voz:
está barata!
i Por isso é que a vida
O Orador:-—Eu chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para estes casos, e desejava saber quanto estas casas pagaram ao Estado. Seria curioso saber--se quais os impostos que pagaram por lei, pois tenho a certeza de que devem ter pago pouco.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso):—Creio que o Sr. Presidente do Ministério estará aqui dentro em poucos minuto s, de forma que terá ocasião de respander a V. Ex.a sobre os assuntos que acaba de referir,,
.Com respeito às acusações que V. Ex.a acaba, de fazer, referindo-se ao Sr. governador civil de Leiria, eu agradeço o enviar-me os documentos a fim de os apreciar, e caso ele tenha exorbitado na apli-caçãD dos poderes que lhe tenham sido confiados, tenho de proceder.
O Sr. Oriol, Pena : — Sr. Presidente: li com pesar nos jornais a notícia de ter encalhado em Porto Santo um nosso vaso de guerra, parecendo até ter estado em riscos de se perder, . o Vasco da Gama, se providencialmente não passa três ou quatro horas depois um navio de carreira nosso — creio fosse um dos navios ex-ale-mães — para poder dar-lhe reboque e safá-lo. -Se por acaso não passa nessa ocasião esse barco era mais uma unidade perdida da nossa já tam pobre marinha de guerra l
Congratulo-me com o Governo e com o País por se ter podido safar o barco e não se ter afundado, o que ia aumentar o débito da Eepública.
Congratulo-me multo sinceramente, porque esse navio, apesar de não ser moderno, depois das modificações que sofreu, é uma unidade apreciável para quem tam fraco está em navios como nós estamos!
Feitas estas considerações, desejo chamar a atenção do Grovêrno para os abusos que parece se estão fazendo a propósito de ordens de evacuações de prédios a título de riscos de desabamento.
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pelo menos os inquilinos parecem estar na disposição de correr o risco de nele se conservarem.
Já tive ocasião de chamar a atenção do Governo para abusos da Câmara Municipal praticados directamente ou mandados praticar com pretextos semelhantes.
É efectivamente estranhável que estando o Parlamento a discutir com excessivo carinho uma lei cuja legalidade pode ser discutida, e é discutível e vai exclusivamente beneficiar os inquilinos, se faça o que se está fazendo.
Não quero de modo nenhum pedir clemência na demolição dos prédios quando ela se torne necessária, mas peço para isso ser feito com as cautelas precisas e com justiça, para não serem os inquilinos deslocados assim com rapidez excessiva e escusada das suas habitações.
jParece estar esse prédio habitado por trinta e uma criaturas, e ser propriedade dum homem que ocupa uma loja desse mesmo prédio, ontem apareceu fechada e, contra a expectativa de toda a gente, o trânsito pela rua absolutamente vedado até para peões! ' •
tP perigo será iminente a ponto de os próprios inquilinos estarem em-risco de vir dar com as costelas à rua atrás dum pano de parede que desabe?
Este caso está a pedir a necessária investigação.
E torno a repetir: -^então a Câmara que pretendia não ter na legislação municipal meios de evitar a construção perigosa, tem agora meios sem intervenção do Poder Judicial, sem absolutamente ninguém lhe ter dado tais poderes, de proceder assim?!
jj j Há combinação porventura do senhorio com a entidade que vai fazer a demolição ?! Investigue-se e puna-se l' -
óiHá abuso'do inquilino, que teimosamente fica no -local?! Investigue-se e puna-se!
É absolutamente necessário impedir a continuação de casos como este. Peço providências.
Não cansarei mais • a atençãoJ da Câmara. • .
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso):— O facto apontado por V. Ex.?.é muito melindroso, especialmente pelas providências • a tomar. .
A Câmara Municipal com certeza não procedeu de ânimo leve; tem as suas brigadas de engenheiros que lhe dão a sua opinião; só depois disso é que ela reclama da autoridade o seu auxílio, quando o necessita.
Aqui há talvez vantagem em não pecar por- excesso, mas há responsabilidades tremendas.
Os inquilinos voltavam ò a casa abatia ... É uma grande responsabilidade. Acho o assunto muito melindroso e difícil de resolver, e ele pertence de direito à Câmara Municipal. O Governo porém tem de olhar pelos interesses do público, e eu direi a V. Ex.a quo diligenciarei para que sejam tomadas as providências precisas. A Câmara autorizou o Sr. Ministro do Comércio a falar, mediante consulta do Sr. Presidente^ por ter dado a hora de se entrar na-ordem do dia. O Sn Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões):—Sr. Presidente: agradeço reconhecido o facto de o Senado ter permitido que eu falasse nesta altura, e vou responder às considerações que o Sr. Joaquim Crisóstomo estava fazendo quando entrei na sala e que se referiam a assuntos da minha pasta. O Sr. Senador tratou primeiramente das reparações en nature, fazendo os seus votos para que o Governo não descure esse assunto. Posso assegurar a V. Ex.a que é assunto que está sendo objecto de estudos cuidados. Keferiu-se mais S. Ex.-a ao material ferroviário. Devo dizer que as negociações estão dando resultados muito optimistas, e creio que dentro Desde que o problema das reparações se resolva nos termos em que o Governo espera,-.-o material ferroviário virá também. " • - O Sr. Senador referiu-se ainda a uma questão que-é ^culminante para a vida do Pais, a questão das libras.
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Diário das Sessões do Senado
vêrno não pode abdicar dos seus direitos e creio que resolverá a questão a contento de todos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Carlos Costa (para invocar o Regimento):— O artigo 37.° do Regimento, Sr. Presidente, determina que haja uma hora para os Srs.-Senadores tratarem de assuntos antes da ordem do dia.
V. Ex.a concedeu a palavra ao primeiro Sr. Senador que falou até as 15,20 e falta-nos portanto um quarto de hora, que pode ser empregado na discussão do projecto n.° 626, como já foi deliberado.
O Sr. Presidente:—V. Ex.a está equivocado.
O nosso Eegimento diz que as sessões duram quatro horas. Nessas quatro hor£.s incluem-se a chamada, leitura da acta e a leitura do expediente. Não são, portanto, quatro horas, há que descontar a esse tempo aquele que se gasta nessas leituras.
Mas diz também o Eegimento que as sessões abrem às 14 horas, com a segunda chamada às 15 horas.
Não se pode admitir que as sessões abram depois das 15 horas, e se assim tem acontecido é porque V. Ex.as, no interesse que têm de prestigiar o Parlamento, têm entendido que eu procedo mal quando prefiro perder uns minutos a dar a impressão ao País de que o Senado não quere trabalhar.
Deve partir-se sempre desta hipótese, que as sessões abrem às'15 horas o máximo, e que abrindo elas às 15 eu tenho que passar à ordem do dia às 16.
Se o intervalo entre a abertura da sessão e a passagem à ordem do dia não chega às vezes a meia hora a culpa não é minha, porque eu se não estou aqui mais cedo ó porque aproveito o tempo que estaria aqui a perder trabalhando nos serviços do Estado.
Muitos apoiados.
Eu poderia encerrar a sessão quatro horas depois da abertura, mas iria prejudicar os Srs. Senadores que são pontuais, e que se sabe bem quais são.
Continua em discussão a proposta de lei n.° 4õ2.
O Sr. Catanho de Meneses : — Sr. Presidente :: ontem, ao fazer as minhas considerações sobre as circunstâncias que haviam levado a Secção a aprovar o projecto d3 que nos estamos a ocupar, eu lembrava ao ilustre Senador Sr. Oriol Pena que as considerações que S. Ex.a tinha fe:.to, dizendo que o projecto visava amigos, parentes e clientela, eram de molde a fazer supor a alguém que não tivesse as boas intenções de S. Ex.a, que aliás mo deu explicações particulares, a propósito de um aparte que lhe fiz e que me satisfizeram, que longe de atender ao interesse geral, este projecto só ao interesse particular se referia.
S. Ex.a, fazendo semelhante afirmação/ cedeu ao seu génio impulsivo, embora não tivesse iníenção^de magoar ninguém.
' Dada esta explicação, e porque também nas frases que proferi' não foi meu intuito dizer qualquer cousa qu& pudesse magoar o ilustre Senador, eu retomo o fio das minhas considerações.
Ia eu dizendo que o motivo que tinha feito com que eu apresentasse o projecto fora estar-se a vender prédios propositadamente para explorar os inquilinos. Havia até uma sociedade formada— o que é extremamente imoral—com o intuito de se entregar a essa torpe e degradante exploração. Era, pois, necessário prover de remédio imediato tal situação.
Destaquei, por isso, do projecto da comissão esta parte que apresentei.
O Sr. Querubim. Guimarães repetiu aqui, quando discutiu a generalidade do projecto, o que tinha já dito por ocasião da discussão do projecto da comissão, isto é, que isto representava um ataque à propriedade e até citou, a propósito, o artigo 3.°, n.° 25.°, da Constituição, dizendo que, nessa disposição, se garantia o direito de propriedade.
S. Ex.a deve lembrar-se que, às expressões que citou, acrescenta a Constituição outras que lhe põem certa limitação.
Nas Constituintes debateu-se muito esse ponto, quisera-se aceitar em princípio a doutrina da Constituição brasileira que determinava, como única restrição, a expropriação por utilidade pública.
Essas palavras trazia propositadamente
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tacões pode ter a propriedade, em determinadas circunstâncias, além da expropriação por utilidade pública.
Quere dizer: a latitude com que foi redigido esse artigo dá a entender que ele é de molde a circunscrever as diversas situações a que se podia aplicar e a que o legislador tinha de acudir, não podendo, por consequência, ficar ligado a uma disposição semelhante à disposição da Constituição Brasileira.
Sr. Presidente: o direito de propriedade, antigamente, no tempo 3o feudalismo, estava ligado ao direito de soberania; a soberania era absoluta; a propriedade era também absoluta.
Isto já vinha da legislação romana, em que o senhor da propriedade tinha o direito de usar e abusar dela. Hoje não é assim. :. - -^
Essa teoria passou há muito tempo à história. Hoje, Sr. Presidente, a moderna doutrina não pode deixar de atender, a que^ no estado social, a propriedade não pode, não deve ser encerrada como numa redoma, como uma cousa inteiramente à parte. O proprietário que aproveita das formas sociais não pode reservar a propriedade tam egoisticámente que ela não possa oferecer em determinados momentos aqueles serviços qúè deve prestar à "colectividade.
Apoiados. ' • .
O próprio Código Civil, promulgado em 1868, por consequência há mais de 50 anos, já estabelecia o princípio de que a propriedade tinha as limitações1 que lhe impunha a lei.
É por isso, Sr. Presidente, que quando o ilustre Senador Sr. Querubim Guimarães disse que isto era um atentado ao direito de propriedade, achei que semelhantes palavras na boca' de S. Ex.a, que é jurisconsulto distinto e uma inteligência formosa,' .que 'nos encanta a todos com a sua palavra tam fluente que se deixa às vezes arrastar por essa fluência, alterando a lógica das cousas, não eram de aceitar.
O Código Suíço, no sou artigo 2.°; é bem explícito.
Por os se código constitui um abuso do direito de propriedade o facto de essa propriedade não prestar à sociedade aqueles serviços que em determinadas circunstâncias se lhe pode exigir.
Apoiados.
A propriedade está sujeita às limitações da lei e a lei, que é a suprema vontade da Nação, pode modificar os direitos de propriedade de harmonia com as necessidade sociais.
Apoiados.
E a prova ó, Sr. Presidente, que todas as nações, absolutamente todas, a França, a Itália, a Bélgica,,a Suíça, a.Holanda e a própria Inglaterra, agora, todos elas têm reconhecido como necessidade absoluta, embora temporária e excepcionalmente, o estabelecimento de certas restrições à propriedade, em benefício da colectividade.
O Sr. D. Tomás 'de Vilhena (interrompendo] : — Certas restrições, mas não absolutas.
O Orador:—Tudo é relativo. Mas o que não posso admitir é que a propriedade seja um instrumento fácil e único, independente, nas mãos do seu possuidor.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (em aparte):— Ninguém lhe disse isso.
O Orador:—Já demonstrei, Sr. Presidente, que .restrições ao direito de propriedade se haviam estabelecido noutros países e entre eles na Bélgica, cujo Chefe do Estado é um rei, uma testa coroada, que deu exemplos de democracia batendo--se nas trincheiras e que não teve dúvida em subscrever uma lei em que se restringe de uma maneira notável o direito de propriedade.
Sr. Presidente: para se poder bem avaliar o alcance do projecto que está em discussão, é preciso atender aos antecedentes que o motivaram.
Não foi um projecto lançado ao acaso. Não foi, como disse o ilustre Senador, un chiffon de papier, mas uma necessidade.
Não foi um. projecto' que aparecesse avulsamente, sem motivo, que até causasse ao ilustre Senador-Sr. Oriol Pena aquele grande pesadelo que S. Ex.a aqui contou com tanto espírito.
Não. Isto tem uma" razão de ser.
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demonstrar que essa situação era de tal ordem, que mester se tornava uma intervenção efectiva e rápida sobre este assunto.
Citarei de memória não todas mas algumas das situações mais salientes que estavam incluídas na Ifi do inquilinato.
Por exemplo, os arrendamentos sem título.
Em Lisboa haverá muitos arrendamentos sem título, mas ainda assim é das cidades onde se encontram mais arrendamentos escritos.
No Porto, segundo as informações que tenho, haverá 50 por cento de arrendamentos escritos.
Em ^raga e noutras cidíides do País não há arrendamentos, e o que acontece, Sr. Presidente, é que os tribunais, que têm sempre um grande fundo de moral — honra seja feita à nossa magistratura—r quando semelhantes acções lhas caem nas mãos, vendo muitas vezes a imoralidade do caso — pois era extremamente imoral que um senhorio viesse dizer que. não havia contrato de arrendamento, quando ele esteve durante anos a passar recibos de renda — dizem que, embora isso fosse uma imoralidade, só podia ser sanada pelos interessados.
Era a aplicação justa, racional e interessante do Código Civil em algumas circunstanciai-.
Bem avisado pois, andei a semelhante respeito.
Outras vezes, querendo-se seguir sempre o Código Civil, davam-se os contratos por nu!os.
jVejam V. Ex.a3 que situações absolutamente diferentes!
Um inquilino sem contrato vô a acção julgada improcedente, porque o juiz entendeu que a falta do contrato podia ser resolvida pela regra do artigo 10.°; outro inquilino mais infeliz vê o juiz aplicar--Ihe a lei e julgar a acção procedente.
Nos tribunais são abundantíssimos os processos que correm nestas circunstancias.
Era necessário, por consequência, promulgar uma lei que viesse cortar o mal pela raiz.
Em um dos artigos que se encontram no projecto da comissão de legislação civil diz-se que as formalidades do contrato não seriam escritas se efectivamente
antes da vigência da lei assim tivesse-acontecido.
É natural, porque é justo de seriedade e é intuitivo que semelhante disposição venha a inserir-se numa nova lei a fazer-se.
Ainda há pouco me veio ter à mão um.-acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em que se diz: — embora a propriedade seja transmitida por venda ou herança, não pode ser intentada a acção de despejo.
Quere dizer, Sr. Presidente, é a repetição das situações...
O Sr. Machado Serpa (em aparte) :—V. Ex.a não me cita os .acórdãos que digam respeito a esse assunto.
O Orador: — Por acaso trago até um comigo e que passo pára as suas mãos.
O Sr.. Machado Serpa (interrompendo}:— (T.Não me cita mais dois ou três?
O Orador: — £ E quem diz a V. Ex.* que não viriam outros?
Mas, Sr. Presidente, acontecerá também o seguinte, que é imoral:
Nas acções de divórcio, uma vez decretada a separação perpétua, o arrendamento termina. O que acontecia, Sr. Presidente, era o seguinte: como é muito fácil, simples e pouco dispendioso intentar uma acção de divórcio quando os cônjuges estão de acordo, essa acção é intentada e, passado um certo espaço de tempo, o divórcio é decretado e os arretíaamentos caducam; e como a Isi não proíbe aos divorciados que se tornem a casar, o senhorio, depois de ter recebido um bom traspasse pelo prédio, passeia como dantes passeava docemente com a sua esposa.
Aí tem V. Ex.a a situação que era mester atender de uma maneira rápida.
Eu podia citar outros exemplos em que havia esta situação o que se torna, mester atender.
Era mester acabar com isto-
Como?
Suspendendo as acções.
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medida necessária epm que a República se honra promulgando-a.
Mas, Sr. Presidente, diz-se, como são cousas da República Portuguesa, dessa República sempre tratada com tanta ironia pelo meu ilustre colega Sr. Oriol Pena, dessa República que, apesar de tudo, consente que S. Ex.a, à sombra desta instituição, que teria porventura o direito de se fazer respeitar, diante dos representantes da Nação, em frente do Poder Executivo, em frente do Presidente da •Câmara, que nos representa a nós todos, possa dizer o que entenda sem que torne V. Ex.a responsável pelos ataques que lhe faz. •
Sr. Presidente: disse-se que esta disposição suspendendo as acções, pondo também um compasso de espera, pelo menos, nas execuções da sentenças, era uma disposição de tal ordem absurda, de tal ordem extraordinária, que porventura envergonharia a República, que só destes «stadistas portugueses, como disse o meu ilustre colega Sr. Oriol Pena, só de estadistas portugueses, destes estadistas que V. Ex.a sempre trata com tanta ironia, •sairia uma cousa destas.
Senhores estadistas da. futura monarquia — que para bem de todos nós nunca há-de chegar — escutai o que fez a Bélgica. .. - -
O Sr. D. Tomás de Vilhena;—Eu sou todo ouvidos.
O Orador:—... onde há uma testa coroada, onde nem sequer de longe as narinas apuradas do meu ilustre colega poderão sentir o cheiro para si repugnante de um vislumbre de República.
Que V. Ex.a, Sr. D. Tomás de Vilhena, seja todo ouvidos, assim como peço ao Sr. Querubim Guimarães que faça o mesmo.
A lei belga de 20 de Fevereiro de 1920, elaborada pelo Sr. Supart, advogado junto do Tribunal da Relação, pessoa tanto da estima do Sr. Querubim Guimarães, foi citada aqui por S. Ex.a mas não sei porquê. Naturalmente porque S. Ex.a já estava cansado, quando chegou ao artigo 36.° não citou à Câmara, sinceramente, lealmente, a disposição desse artigo.
É por isso que eu digo: grande responsabilidade têm V. Ex.a ; o homem no-íável das barras dos tribunais, por não
ter cumprido o dever moral de informar toda a Câmara do que se passa lá fora a respeito «do inquilinato.
V. Ex.a discutindo este projecto não é monárquico, não é republicano, não é sindicalista, não é anarquista, não pertence a nenhum dos grupos, é um Senador, e como tal tinha obrigação de informar bem a Câmara, para se ver que não é só a República Portuguesa que legisla deste modo, que não são só esses estadistas de má morte, criticados sempre pelo Sr. Oriol Pena, que pretendem solucionar assim um assunto desta magnitude.
O Sr. Oriol Pena (interrompendo) :—Que V. Ex.a sofisme, vá, mas que V. Ex.a invente palavras que não pronunciei não consinto.
O Orador:—Eu repito mais uma vez:* o Sr. Oriol Pena, por mais enérgico que seja o seu ataque ao projecto, ou a mim mesmo — e V. Ex.a foge de ataques pessoais, como eu—por mais enérgico que seja o seu ataque, é uma belíssima pessoa, que só tem bons sentimentos, apesar de parecer um Júpiter a despedir raios, é uma alma cândida, incapaz de matar uma pomba.
Por consequência, nas minhas palavras quando V. Ex.a vir qualquer ofensa, qualquer intuito de ofensa,' V. Ex.a peça-me explicações que eu imediatamente lhas da-rei de boa mente, porque é a minha educação que o manda e são os meus sentimentos que assim o-determinam.
Mas, dizia eu, vamos a ver o Fez a lei de 20 de Fevereiro de 1919, pela qual eram suspensos processos e ato sentenças passadas em julgado. Veja-se a disposição da lei francesa de 31 de Março de 1922. Todos sabem que uma lei, mesmo quando interpretativa, não pode contrariar ás acções j á julgadas, sem efectivamente ter o efeito retroactivo. E parece que-não há exemplo de uma lei, embora retroactiva, ir ferir direitos, mesmo numa sentença, já definida. Pois a França saltou por cima dessas sentenças, definindo assim direitos.
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nHo pode negar que há jurisconsultos de grande merecimento, não se desonrou, não .disse aos sens estadistas que eles se ames-quinhavam pelo facto de num .dado momento, quando as circunstâncias imprevistas assim o .exigissem, promulgarem leis como esta.
Nestas circunstâncias, bastava o eco das minhas palavras, amoldando-se á minha consciência, para eu ficar descansado e ter a certeza de que, pertencendo á Secção onde só relatou este projecto de lei, posso sair desta Câmara com a cabeça levantada, por não ter praticado nenhum atentado contra os princípios mais sagrados, pois não há direitos mais sagrados, em determinado momento, que os direitos impostos pela sociedade.
Agora compare-se o procedimento da Bélgica com o nosso procedimento. Na ' Bélgica veio a lei e disse aos pleitean-tes que não continuassem, para não acarretarem com as despesas do procesfco.
& Pois isto será um atentado, como aqui se disse?
De maneira nenhuma.
E mester também, quando se trata díi retroactividade da lei,- saber o que dispõe a Constituição em casos semelhantes.
É bom apelar para o artigo 3.°, TL.° 25.IJ da Constituição. Não há nenliam artigo na Constituição em que, se diga que a lei não tem efeito retroactivo. E isto também não foi o acaso que o ditou.
Eu tenho aqui um escrito feito por mão de mestre.
Houve um Deputad,o que mandou paríi a Mesa um artigo nesse sentido, dizendo que a lei não tinha efeito retroactivo, e acrescentando .que a lei determina que ninguém pode ser punido senão por lei anterior ao delito.
A segunda parte, -relativa à punição, ficou; a primeira foi abolida, porque se entendeu que em dado momento seria preciso, por circunstâncias excepcionais, que a lei tivesse efeito retroactivo, e que assim não seria conveniente que no nosso código fundamental se .amarrassem^ por assim dizer, os braços ao legislador. E o princípio da retroactividade não o foi incluído na lei, como não o foi na lei belga, na lei suíça e na lei holandesa.
Eu posso dizer que hoje são talvez raras as Constituições que admitem o princípio da não retroactividade da lei.
Se, pois, a nossa lei não tem efeito retroactivo, compreende-se que não havia motivo absolutamente nenhum para se dizer que a Constituição proíbe ao legislador incluir esse princípio da retroactividade.
E, Sr. Presidente, deixe-me V. Ex.a dizer que a Kepública, por meio do Parlamento, já tem uma lei, referente precisamente à questão do inquilinato, a lei n.° 827. de 17 de Setembro de 1917, que é uma das poucas que temos sobre o inquilinato que retroagiu, quando se refere ao aumento que ,o senhorio pede em relação à renda estipulada.
Quero dizer, Sr. Presidente, imaginando uma hipótese: no 1.° de Maio de 1917 havia-se feito um contrato de arrendamento pelo espaço de seis meses e por uma renda de 60)5. Pois se essa renda fosse superior ao aumento posterior à lei, esse contrato ficava anulado.
Eis como a República entendeu que devia benèficamente. dar efeito retroactivo às suas leis.
E, Sr. Presidente, se fosse necessário valer-me da autoridade dum jurisconsulto distinto, a respeito da retroactividade da lei, podia alongar-me em considerações as mais variadas.
Sr. Presidente: um jurisconsulto distintíssimo ensina-nos isto: a lei pode ser retroactiva, deve-o ser mesmo, quando as circunstâncias o exigem.- ;
Mas diz-se que este é um princípio que briga com a Constituição. ^Pois o artigo 6.° da nossa Constituição não diz que os Poderes do Estado — Legislativo, Judicial e Executivo—são independentes e harmónicos entre si ? ^Como ó que há harmonia entre o Poder Judicial e o Poder Legislativo, se vem uma lei que derroga o julgado pelo Poder Judicial? E o argumento.
Sr. Presidente: a lei não derroga as sentenças do Poder Judicial, no sentido da lei vigente; o que neste caso íaz o legislador é, em circunstâncias extraordinárias, fazer com que essas sentenças não possam ter execução, como fazem a Bélgica e £. França.
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diga, a verdade é que no fundo' o Poder Legislativo ó o. poder superior a todos os outros poderes, é a vontade da Nação expressa por meio ,das suas leis.
Não vai o Poder Legislativo intervir nos julgamentos, não invade a. esfera de acção do Poder Judicial, que é ampla, mas pode sem dúvida nenhuma promulgar uma lei que, não tendo por fito derrogar esta ou aquela sentença, vá estabelecer um novo direito, e. consoante esse novo direito, poder a sentença deixar executar-se.
O Sr. Querubim Guimarães :—- £ V. Ex.a dá-me licença?
,; Porque é que a Constituição não consigna a.doutrina de V. Ex.a, permitindo ao Poder Legislativo conceder amnistias e indultos para o crime?
O Orador:—O legislador é absolutamente supremo, e deve:o ser nas suas decisões, porque ò Poder Legislativo não é outra cousa mais que a representação da vontade nacional, è é na vontade nacional que reside toda a soberania. Assim o diz a nossa Constituição.
O joiz tem a sua independência na sua inamobibilidade, tem a sua independência na circunstância de proferir as' decisões de harmonia com a lei, tem a independência de não receber indicações do Poder Legislativo ou dó Poder Executivo; mas ai da Nação que estivesse agarrada ao princípio caduco de que nem mesmo a respeito de crimes o Poder Legisla-tivo pode .fazer vingar a sua vontade.
O Legislativo não faz' mais que .traduzir o proceder, a vontade da colectividade ; não faz mais que traduzir em disposições concretas aquilo que a vontade nacional exprime, mesmo em contrário da vontade da lei.'. " . .,
O Sr. Querubim Guimarães:—Mesmo contra a Constituição?
O Orador: —Já disse a V. Ex.a que sim.
O Sr. Querubim Guimarães:— Como nós estamos aqui a tratar de teorias, eu vou defini-las por um trabalho de raciocínio íácil..
V. Ex.a é o primeiro: a.estar num círculo vicioso. •'•''.
Desde que V. Ex.a considera o acto de o Poder Legislativo promulgar uma lei, como a manifestação da vontade colectiva da Nação, e desde que entende que a independência do Poder Judicial não vai até o ponto de tornar exequíveis, sem dúvida, as sentenças, V. Ex.a não consegue demonstrar que a vontade nacional reside no Parlamento.
O Orador:— Obrigado , a V. Ex.a, porque eu estava a.fazer confusão, mas V. Ex.a também não formulou bem a questão.
Assentando neste' axioma — que para _mim a vontade nacional é sempre predominante e é dela que emanam todos os poderes — contradisse-me quando em seguida disse -que esse mesmo, poder podia estabelecer uma lei em "que essa vontade -fosse assegurada. ;
E o problema que V. Ex.a me apresenta éo seguinte: ,; a vontade nacional, uma vez expressa, é absolutamente irrevogável? - . • •
Se é assim, estendo a mão a V. Ex.a, como se tivesse ainda dez ou vinte anos, para me dar palmatoadas .de padre-mes-tre.
Se a vontade .nacional, por isso mesmo que.tem a supremacia do. Poder, pode revogar as suas próprias decisões, o argumento de V. Ex.a caiu absolutamente pela base. . •'. i
O Sr. Querubim Guimarães (interrom-dendo]:—As leis que traduzem a vontade colectiva da \Nação obedecem a ciclos, a fases.da vontade,social.
Se nós admitirmos a independência do Poder Judicial, temos com toda a certeza de. tornar inexequíveis as decisões do Poder Legislativo.
O Legislativo evolui por transferência, 0. Judicial caminha pôr fases, por étapes, por, ciclos»
O Orador:—Então imagine V. Ex.a que amanhã, dá uma ordem em sua casa.
Essa ordem faz lei no seu lar.
Depois, V. Ex.a pensa que essa ordem deve ser. modificada. ^ ...
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O Sr. Querubim Guimarães:—A vontade individual é uma, a vontade colectiva é outra.
O Orador:— Sr. Presidente : poderia entrar agora, como diversos oradores entraram, na discussão da especialidade dôs-te projecto.
A essa especialidade só referiu o ilustre Senador Sr. Oriol Pena, como se referiram outros Srs. Senadores.
Entendo porém que o não devo fazer, porque seria alargar-me em considerações por agora desnecessárias. Quando só tratar da especialidade, nós todos teremos ocasMo de entrar nessa discussão minuciosamente.
Mas termino, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: eftou convencido de que o projecto não foge às determinações da Constituição, não foge aos bons princípios de direito e acode a uma necessidade imprescindível.
É um erro, dir-me há o Sr. Oriol Pena; eu dir-lhe liei ainda: estadistas futuros duma monarquia nunca desejada, de maneira nenhuma trateis ironicamente o regime, porque amesquinhando os homens de Estado, sem razão e sem justiça, ames-quinliais a própria Pátria e a vós mesmos amesquinhais.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. D. Tomás de Vilhena:—Ninguém receie que eu vá tomar muito tempo à Câmara.
Não gosto de fatigar o Senado, estou muito incomodado de saúde e com grande sacrifício estou aqui.
Não tenho a preocupação de querer dar leis em jurisprudência;.mas a verdade é que o Sr. Catauho de Meneses, com todo o seu talento e a sua arte parlamentar, não desfez um único dos argumentos apresentados por este lado da Câmara.
S. Ex.*, primeiramente veio fazer a história do projecto actual, e nessa altura lembrou o seu, deixando ao Sr. Ministro o encargo de defender o que apresentou, € limitando-se a defender o que era seu.
S. Ex.a numa digressão muito interessante que fez, referiu-se ao direito de propriedade de forma tal, que eu direi qub
direito de propriedade em absoluto não se pode dizer que tenha existido.
A própria lei romana põe-lhe muitas res-Irições., e de Roma se passarmos à idade média, vê-se a quantidade de ónus que pesa sobre a propriedade predial.
O direito de propriedade não ó uma questão absolutamente moderna.
Desde que se legislou, foi a propriedade delimitada segundo as circunstâncias.
Mas é preciso que se lhe dêem aqueles direitos que lhe são devidos, nem mais nem menos.
Com respeito à retroactividade das leis, as teorias de S. Ex.,a são puramente' revolucionárias.
«íTêm elas sectários? Têm.
Estão no seu direito de assim pensar, desde que me dêem o direito de pensar como eu queira.
O direito de retroactividade tem sido sempre uma arma dos tiranos.
Tem-se usado esse direito para satisfazer necessidades de política de momento.
No campo criminal é uma perfeita brutalidade; no campo civil um empecilho para o progresso.
Nos povos que se encontram em circunstâncias normais e que prezam os princípios da liberdade, não se retroactivam as leis,.
E condição dá existência da liberdade o respeito ao Poder Judicial.
Desde que o juiz não pode executar a sentença deixou de ser um Poder.
A Constituição ó multo clara a esse respeito.
Há um único caso em que a Constituição autoriza o Parlamento a intervir nas decisões do Poder Judicial, é para conceder amnistias e nada mais.
Estar a cortar cerce as sentenças do Poder Judicial é uma falta do cumprimento das disposições constitucionais.
O Sr. Catanho de Meneses foi rebuscar todas as legislações de vários países para defender o seu artigo, mas não citou o que dizem essas legislações sobre outros pontos que a minoria monárquica tem apresentado e S. Ex.a tem combatido fortemente.
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apresentadas aqui e, a esse respeito, bordou considerações várias.
O Sr. Catanho de Meneses: — Tinha muito gosto em responder a V. Ex.as acompanhando todos os pontos das suas dissertações, porque assim era conveniente para completo esclarecimento do assunto.
O Orador:—Eu devo, antes de mais nada, fazer uma declaração, .aliás desnecessária.
Mas para que fique absolutamente definida a nossa atitude na imprensa e fora dela, eu preciso declarar, mais uma voz, que não defendo interesses de senhorios, nem interesses de. inquilinos.
Apoiados.
Devo dizer mais qno se, porventura, alguns interesses eii defendesse, seria exclusivamente pelos inquilinos, porque sou inquilino. . Felizmente que mio sou proprietário ; felizmente para o meu interesse pessoal, e infelizmente para Portugal.
O que eu queria é que todos nós, representantes de todas as correntes políticas do .país, trabalhássemos para uma obra de conciliação e não colaborássemos numa obra de luta entre duas classes, que bem se podia evitar se a questão fosse resolvida como o foi na Bélgica, na França, o até na nossa própria província de Moçambique. :
Temos trabalhado para uma obra de ruína, cajás dificuldades aumentarão-dia a dia, e, se não nos acautelarmos, de futuro seremos todos responsáveis por essa mesma obra de ruína.
E isto que eu mo tenho esforçado por fazer compreender, se porventura se fizerem restrições à propriedade.
E que acima do meu interesse vejo o interesso social.
• É preciso que a verdade se diga. E para este ponto chamo a atenção dos representantes da imprensa.
Posta assim a questão e feita a verdade para esclarecimento de todos os presentes e ausentes, eu direi que não há outra forma de resolver o problema senão facilitando o Estado, de qualquer maneira, a entidades particulares ou a entidades colectivas, os capitais e dando as facilidades precisas para estimular as construções, a fim de que se não vejam essas
burlas das construções que dão em resultado os constantes desmoronamentos quo têm sucedido em Lisboa.
Isto quere dizer que ò o capital que joga e que simula construções; o é as. sim que famílias inteiras, julgando que estão ao abrigo duma casa, encontram num belo dia a morte nos escombros dgg. sés prédios, quo ao mais pequeno abalo se desfazem.
Para isto é que eu chamo a atenção dos interessados, assim como chamo a sua atenção para a especulação gananciosa dos senhorios e de tantos inquilinos que abusam dos senhorios. Não falo daqueies que podem pagar e são justamente aqueles que mais abusam, fazendo fortunas extraordinárias à custa das propriedades dos outros, o que é contra toda a justiça e não podo continuar de maneira a[. guina.;
Se todos nós, filhos dê*ste país? dese. j ando que haja harmonia entro todos-aqueles quo representam um certo interesse, quisermos trabalhar numa Obra de-relativa perfeição, faremos uma \G{ \[m{. tando, com prazos certos, as excepções que se estabelecerem; mas o Sr. Catanho de Meneses não quis atender a isso.
Nas leis estrangeiras estabeleceram-se prazos de forma a caminhar-se progressivamente para o regresso a normalidade-do direito comum.
Aqui avançamos para o desvairamentor para a desordem, para a anarquia.
Desde que consigamos estimular o capital,, como se -fez, na França, onde se isentou de contribuições a construção de prédios, desde que façamos como em Moçambique, onde em quatro anos se acabou com a crise da. habitação, o problema está resolvido. Tudo quo não seja isto-* são expedientes.
Na Bélgica estabeleceram-so restrições,, mas cada vez menores, e, no emtanto, a a Bélgica é um país quo o invasor transformou num cemitério perfeito.
Aqui não foi como em França, que teve departamentos- invadidos e.destruídos ; e, no emtanto, em Portugal o problema da habitação tomou uma grande acuidade.
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A alguns dos oradores daquele lado tenho ouvido dizer que não concordam com. todos os princípios exarados na lei.
Têm tido a independência de o dizer.
Tenho ouvido dizer que devia o Governo ser autorizado a elaborar o Código do Inquilinato.
Que venha ele; mas 118,0 é preciso, basta uma simples lei que vá acabar com. esta irredutibilidade entre senhorios e inquilinos.
Ainda desejava responder a algumas, considerações doutros oradores, mas o Regimento impede-me de continuar.
O Sr. Oriol Pena: — Demorar-me hei pouco.
Estou convencido de me chegar o quarto de hora concedido pelo Regimento, se mesmo não sobejar.
O Sr. Catanho de Meneses, na sua oração de há pouco, com a habilidade de advogado experimentado, conhecedor do todas as subtilezas da profissão, de vez; em quando, com intervalos, para dar mais tom ao discursX), ia-me dando pequenos, beliscões.
Já estou habituado há muito tempo è. dialéctica de S. Ex.a, à fac:lidade quí: S. En.a tem de mofar" levemente do que nos ouve, e de chamar, no ubo pleno do seu direito, toda a dialéctica a seu lavor.
A folhas tantas, S. Ex.a pcrmitin-se, .porém, liberdade maior: foi arras da sus. imaginação, supondo-me autor de umas palavras, de uma frase que S. Ex.£ pronunciou e já esqueci, que dava efectivamente um sentido inteiramente diferente que a minha memória me recordava ter dito.
É certo que fiz na minha oração anterior qualquer exclamação ou exortação 3 não sei mesmo se dirigindo-oie ao Sr. Ministro tia Justiça, se dirigindo-me unicamente ao Senado, por ignorar, de momento, se 3. Ex.a nessa ocasião e&tava presente, e começou pela frase: «estadistas do meu País».
iíão me lembro se na ocasiàj completei a frase cujo complemento sjria dizer: j «tarn obcecados estão que perderam a noção da realidade das cousas e não vêem a inoportunidade das medidas que propõem !
Isto era o tema a desenvolver en: seguida a essa exortação.
Se o desenvolvi, não o sei; se o tentei desenvolver também não sei. A minha memória não retém já com frescura estas cousas.
Mas algumas cousas disse, e essas não se entendiam directamente com o Sr. Ministro da Justiça que não se podia supor englobado nestas considerações, mas numa fas3 de outras a que pertence um facto da responsabilidade do Governo, que é da responsabilidade também de S. Ex.a, e é de uma ia oportunidade que se me afigura perfeitamente evidente.
Publicou-se um decreto pelo Ministério das Finanças proibindo, não sei se com efeitos retroactivos, os arrendamentos especificados em esterlinos.
j É pavoroso de falta de visão um decreto d-3sta natureza promulgado no momento actual!
Estão a desabar dezenas de prédios ; esta questão do inquilinato toma uma acuidade máxima; não se vê que esse decreto vai, como cor sequência lógica, evitar o emprego de capitais disponíveis, onde os houver, a procurar essa forma de consolidação!
Garanto ao Sr. Ministro da Justiça, e garanto-o por ser verdade, que capitais empregados em construções há dois anos e até há menos tempo, não encontram já, nas elevadas rendas estabelecidas, rendimento compensador e são, para quem se arriscou a esse emprego, um péssimo negócio!
;,; Escolher-se esta ocasião para promulgar semelhante medida, esquecendo-se até o facto de ser o esterlino moeda legalmente nacional, será com o fim de proteger interesses gerais ou de acautelar outros?, Quais?
Não se sabe!
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cia à mesma lei concluindo por achá-la sublime !-
É de notar que o Sr. Artur Costa, ontem tam irritado, quando a referência àquela lei saiu da minha boca, hoje ficasse mudo e quedo que nem um rochedo, e não' julgasse a divagação do Sr. Catanho fora de propósito, fora do assunto em discussão.
Não contesto que a palavra do Sr. Catanho de Meneses seja muito mais interessante que a minha, que o seu metal de voz seja muito mais doce, mas o facto ó •o facto.
Falei no caso uma vez, referência breve, a maioria irritou-se ao aceno da batuta do Sr. Artur Costa, e hoje o Sr. Catanho de Meneses repisou longamente o mesmo tema e ninguém se irritou, estavam encantados, não há dúvida.
S. Ex.a falou, repetidamente, nas leis belga e francesa. Mas S. Ex.a esqueceu--se de um ponto importante, já aqui tratado pelo Sr. Querubim Guimarães. É que .as leis do inquilinato em Portugal existem desde 1911. A lei do inquilinato é da autoria do Sr. Afonso Costa e é essa, por assim dizer, a mãe de todas as disposições existentes actualmente, com todos os inconvenientes conhecidos.
O Sr. Brito Camacho, quando Alto Comissário em Moçambique, produziu uma série de disposições sobre este assunto, que hao-de ficar como um monumento da sua clara vidência.
Por aqui já a Câmara vê que não te-' nho dúvida em reconhecer merecimentos a um republicano, quando este de facto os íenha.
, S. Ex.a mostrou não só alta competência, mas grande inteligência.
É possível que, juridicamente, S. Ex.a se tivesse aconselhado com alguém, mas ó incontestável que mostrou ter talento e i>oas intenções.
O Sr. Presidente: — Terminou o tempo para V. Ex.a poder usar da palavra.
O Orador: — Termino já, respondendo ao final da oração do Sr. Catanho de Meneses a frase latina: in cauda vene-num.
O Sr. Catanho de Meneses : — Sr. Presidente : se eu quisesse ter a prova clara,
iniludível, para mim, de que as minhas expressões eram justas, eu não podia ter outra melhor que a resposta dos meus ilustres antagonistas.
O Sr. D. Tomás do Vilhena começou por contar a história do gigante Golias. Muito obrigado, ínas não tenho estatura para isso. -
S. Ex.a colocou-se numa situação bucólica, engraçada. Quere dizer, S. Ex.a, quando não tem argumentos para responder, entretém o espírito em divagações que a todos interessam, fazendo esquecer completamente o assunto. S. Ex.a, por esta forma, não responde aos argumentos produzidos, mas todos ficam satisfeitos com ele.
Agradeço-lhe, por consequência, as suas boas intenções, e creio que S. Ex.a nunca teve outras senão as de nos entreter.
O tema jurídico é sempre árduo, e por isso, quando S. Ex.a se entretém a contar-nos anedotas, é claro que toda a Câmara o aplaude e gosta de o ouvir, embora, em sua consciência, sinta que S. Ex.a não respondeu a um único dos argumentos apresentados.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: —Se não respondi a tudo, foi porque não tive tempo para isso.
O Orador:—Disse'S. Ex.a que eu era quási revolucionário.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — jEu disse lá semelhante cousa!
O que eu disse foi que os princípios que V. Ex.a defende são princípios revolucionários. ;V. Ex.a chama histórias a tudo l
O Orador: — Presunção e água benta cada um toma a que quere.
S. Ex.a fez esta afirmação: é que os países .que admitem a retroactividade da lei são países revolucionários. E, no em-tanto, eu tenho ' mostrado que a maior parte dos países não inscrevem nas suas Constituições que a lei não tem efeitos retroactivos.
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fundamente.! o princípio da não retroactividade.
Quere dizer, S. Ex.a admite que todos esses países são países revolucionários.
O Sr. D. Tomás de Vilhena : — Esses princípios são revolucionários. Siga-cs quem quiser.
O Orador: — Disse S. Ex.a também que era inconstitucional o facto de o juiz não poder :'azer cumprir- a sua sentença. Como se o juiz fosse interessado no cumprimento da sua sentença.
Quem não pode cumprir a sentença é a parte interessada no pleito, mas c juiz não tem interesse nenhum nisso. E quem sabe quantas vezes o juiz prefere a sua sentença com a mão a tremer, por ela ser manifestamente injusta.
Não me lembro de outras considerações que S. Ex.a fizesse atacando os princípios que tenho sustentado.
Fc.lou em seguida, 8 sempre muito bem, o Sr. Querubim Guimarães, que disse ser independente nesta questão porque nào era senhorio. Apelou para as suai? circunstâncias, como se elas, em face deste problema, pudessem influir eo qualquer decisão.
Não sigo, nesse ponto, o exemplo do S. Ex.a: mas, se isso serve para mostrar a independincia com que aqui se fala, permita-se-ine que eu faça a declaração de que, na cidade do Funchal, só j uni pequeno senhorio, um dos desgraçados senhorios a quem S. Ex.a tanta vez se tem referido.
Eu estou absolutamente deslocado da situação de senhorio quando venho aqai defender os interesses sociais, neste momento postos em jogo.
Falou S. Ex.a também em que é necessário construir casas e a esse respeito citou a Bélgica. Sim, a-Bélgica entrou nesse caminho, mas, apesar disso, mantém ainda a sua lei de 1923. Nós não podemos de momento resolver o problema da construção de maneira que a crise da habitação deixe de ser tam sensível como é.
Disse S. Ex.a que o relator não tocou nuin ponto que é essencial, o de nós não imitarmos o procedimento na Bélgica e ás, França, marcando um prazo, depois do qual acabavam as restrições ao direito de propriedade. S. Ex.a sabe melhor do que
eu que a França e a Bélgica têm marcado esses prazos, mas tem-nos sucessivamente prorrogado.
Nós, no que fizemos pelo decreto n.° 0:411, fomos, porventura, mais lógicos porque, não podendo precisar quando acabavam as circunstâncias económicas e financeiras que determinaram essa medida excepcional, deixámos ao Governo a faculdade de acabar com essas disposições quando aquelas circunstâncias terminassem.
De maneira que me parece que nós neste ponto fomos mais lógicos, por isso que nào podemos adivinhar e que está para suceder.
A Espanha, por exemplo, pelo seu diploma de 20 de Junho de 1920 concedeu a prorrogação aos contratos de arrendamento e tem sucessivamente procedido assim porque as circunstâncias continuam a ser as mesmas.
Por consequência, essa disposição inserta no diploma n.° 5:411 é porventura mais racional do que a de alguns países-aqui citados.
S. Ex.a pode dizer que o sistema espanhol é mais lógico, ou que o sistema belga é mais lógico. Eu não o entendo assim, desde o momento que o Parlamento cumpra o sau dever.
O Sr. Oriol Pena que falou em seguida disse que eu costumava torcer levemente as cousas.
Na frase de S. Elx.a: «com a minha habilidade de advogado eu punha os problemas de modo que teria porventura — que não tenho— a deslealdade de torcer a verdade», embora levemente, para tirar as conclusões que muito bem entendesse.
Quero dizer: eu estabelecia as.premissas, e depois de as estabelecer era fácil a conclusão.
Eu tive pena que S. Ex.a deixasse mais ama vez esse ponto em branco e fizesse a asserção sem que em seguida a justificasse,, permita-me S. Ex.a que lho diga.
O Sr. Oriol Pena:—V. Ex;a ó que está pondo na minha boca afirmações que eu não fiz.
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corresse entre os. .Srg.. Senadores sem nela me procurar intercalar, e fi-lo propositadamente.
O debate que se tem estabelecido em volta desta questão do inquilinato tem tomado aspectos de tal irritação que eu não queria de forma alguma contribuir para que essa irritação aumentasse, e assisti por isso serenamente a todo o desenvolver de argumentos com que se procurou atingir o projecto em discussão, e ouvi atentamente todos os S.rs. Senadores que sobre o assunto .falaram. •'
Só agora, que julgo esgotada a inscrição, eu pedi a palavra para dizer as últimas considerações que este projecto me sugere, e responder ligeiramente às acusações de que fui vítima, procurando ao mesmo tempo pôr em equilíbrio este problema que não tem sido devidamente compreendido.
Quanto tomei conta .da pasta da Justiça, notei desde logo que o primeiro problema a resolver, adentro desta pasta, era o problema do inquilinato.
"As reclamações choviam nos jornais, e adentro do meu Ministério, dia a dia, ia recebendo da parte de inquilinos e de senhorios reclamações constantes, pedindo que se revogasse a lei que permite tais abusos, que nem convinha a senhorios nem a inquilinos; e convenci-me então de que havia necessidade formal de modificar a legislação actual, e vim ao Senado ver o que aqui estava feito.
Eu queria andar depressa,, tudo aconselhava a isso, e entendi que tomando um projecto já em, discussão, e sobre o qual já se haviam feito largas considerações, andaria mais depressa do que apresentando um projecto meu, que teria de ser submetido ao. estudo de várias comissões, perdendo-se assim um tempo precioso.
Vim ao Senado e encontrei o projecto que está há mais de um ano nesta Câmara e verifiquei, com dolorosa surpresa, que em volta dum projecto que tem apenas 5 ou 6 artigos, havia tantas emendas, que se elevavam a mais duma centena, não sendo possível formular-se um projecto que tivesse uma orientação definida. Pensei então que o caminho a seguir devia ser outro. ". .;
A lei presente, não convém nem a inquilinos nem a senhorios; a.: questão do inquilinato é de tal ordem que tem de ser
posta numa tal atmosfera de serenidade que deverá ser apreciada pelo Parlamento desde o seu artigo 1.° ao último com todo o cuidado.
Eu não sou dos parlamentares mais novos, já ando -por aqui há largos anos, tenho dado à vida parlamentar tanto quanto posso, tenho defendido o prestígio parlamentar, e quando muitos fogem da sua de-.fesaj eu insisto em fazer bem alto a defesa do Poder Legislativo, afirmando que o Poder Legislativo ó o primeiro Poder do Estado.
Assim, ao fazer-se esta afirmação de que o Poder Legislativo não conseguirá elaborar uma lei de inquilinato completa, não vai para o sistema parlamentar a menor censura.
Quem vê o mundo que passa, quem assiste à multiplicação dos problemas que, dia a dia, se suscitam, vê perfeitamente que, nos parlamentos actuais, o sistema parlamentar tem sobretudo uma função: traçar directivas; a função da regulamentação pertence ao Poder Executivo. Assim o Parlamento para corresponder à sua função, • senão quere ietervir sistematicamente na regulamentação delega no Poder Executivo, que há-de ter a confiança da Câmara, o cuidado da sua regulamentação. Assim julguei que a melhor forma de resolver o problema, seria trazer à Câmara uma proposta de lei para que o Poder Executivo fosse autorizado á elaborar uma lei de inquilinato, estabelecendo as bases dentro das quais o Poder Executivo .deveria marchar. Assim não se deminuiria de forma alguma o prestígio do Poder Legislativo que traçaria dentro dessas bases a directriz que o Ministro devia seguir.
Dentro desta orientação, eu .pensei que a lei como estava não servia a ninguém.
Perante doutrina contraditória, os próprios tribunais julgam contraditoriamente. Era necessário fazer .parar toda essa sé-.rie de julgamentos que se entrechocam, era necessário .suspender por momentos uma situação anormal que não aproveita a ninguém. , . . . Assim vim apresentar .esta, proposta de lei, em -que se procura suspender .as ac-
.., . . . -
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porventura no mundo inteiro houvesse apenas um direito a respeitar.
Parece que todos nós temos de ficar parados perante a intangibilidade desse direito.
E, contudo, eu não tenho dúvida eni •afirmar que para niim há direitos mais respeitáveis do que o direito de propriedade.
Bem respeitável é o direito de liberdade, e entretanto, quando as circunstâncias o exigem, tem-se suspendido as garantias individuais.
• Acima de todos os-direitos há para mim um que ó o direito de viver, (Apoiados) e •Dão se pode viver no meio da rua, sendo indispensável garantir-se a habitação, o que foi o meu pensamento.
Assim quando vemos 'dezenas de cida-'dãos que não têm uma casa para viver, nós temos o clever de dizer ao proprietário : confine-se no seu direito, porque há direitos mais sagrados.
Não atentei contra os poderes de ninguém, nem centra os da magistratura. Seria para estranhar que eu, sendo pelo meu cargo ckefe da magistratura, viesse amesquinhá-la.
Não é isso que se pode concluir das •disposições da minha proposta.
O que peço é que, emquanto se não faz uma lei que esclareça todas as situações, se pare, para que depois, discriminando os direitos dos proprietários, cada um siga o seu caminho.
Será um compasso de espera.
Mas, diz-se que esses compassos de espera se perpetuam- em Portugal.
Haverá o direito de o dizer, mas alo os parlamentares, porque na sua mão está que esse direito que é provisório se não torne em definitivo.
Faça-se a lei definitiva rapidamente., e se não for possível no Parlamento fazer a sua regulamentação, dê-se ao Poder Executivo tal faculdade.
Não seria eu que traria aqui uma proposta destas, se porventura estivesse convencido de que ela se havia de eternizar.
Ninguém pode julgar que uma proposta destas, sendo uma lei de ocasião, se possa tornar definitiva.
Procurou-se pôr em equação o problema. Temos assuntos de uma acuidade importante a resolver.
Há em jogo grandes interesses.
Nunca me preocupou desfazer atoardas, de que tenho interesses de qualquer espécie no projecto.
Sou inquilino, por desgraça minha; preferia ser proprietário.
Sou inquilino e não tenho receio que me ponham na rua, porquanto só consegui arranjar casa por um tal preço que o senhorio não me expulsará.
Se tendo correligionários entre os inquilinos, mio me faltam também entre os proprietários.
Não podemos ceder a qualquer espécie de pressões e na minha vida política tenho demonstrado mais de uma vez que não sou iomem capaz de ceder a pressões de quem quere que seja.
No início da minha vida política, como Ministro, despedi do Parque Eduardo VII 5:000 operários quo nada faziam, e despedi-os apesar das ameaças que me fizeram, porque entendi quo havia de acautelar os interesses do Estado.
Quem assim procede não é homem para temer ameaças nem para ceder a pressões.
Não cedi a pressões de ninguém, se não às da minha consciência, para trazer este projecto à Câmara.
E se assim é, se não cedemos a pressões de ninguém, por outro lado não nos pomos fora dos interesses que representamos aqui, e que são os interesses da Nação.
Sr. Presidente: não tenho dúvida em afirmar neste momento que a vontade nacional nos impõe a todos o dever de resolver rapidamente o problema do inquilinato; julgo que é indispensável resolvê-lo.
Os acontecimentos vão-se precipitando e teríamos que resolver o problema a mal ou a bem.,
Eu prefiro resolvê-lo a bem.
E por isso, Sr: Presidente, que eu trouxe ao Parlamento a minha proposta de lei, e assim, se ela fôr aprovada, trarei mais tarde outra, trarei uma proposta de autorização dentro da qual a acção do Poder Executivo terá de se regular.
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O Sr. Querubim Guimarães (interrompendo) :—Devo dizer a V..Ex.a que quem se referiu à questão da autorização foram os Srs. Medeiros Franco e Machado Serpa.
O Orador:—Bem, mas já tive hoje o prazer de ouvir V. Ex.a afirmar que não teria dúvida em dar o seu voto a uma autorização ao Poder Executivo, para ele, dentro de determinadas bases, fazer a lei dó inquilinato.
Vamos assim, Sr. Presidente, conciliando as cousas ; há outros pontos de vista a harmonizar e assim, estabelecendo um caminho definido, já todos nós podemos chegar aonde nos entendamos.
Digo-o francamente, a minha intenção é esta: quero que se suspendam as acções, pela simples razão de que a legislação vigente está por tal forma emmaranhada e contraditória, quê nem aos inquilinos nem aos senhorios aproveita.
É necessário coligir os elementos que andam dispersos pelas leis.
O Parlamento para não descer a detalhes, que nos demorariam muito, terá de dar uma autorização ao Poder Executivo para o fazer.
Pausa.
O Orador:—Aqui está como o homem que era acusado de bolchevista e que queria vir aqui negar o direito de. propriedade, vem pôr o problema com tanta lealdade e sinceridade.
"Temos necessidade de resolver o.problema rapidamente.
Não o podemos fazer continuando como até aqui.
Há um ano que ele se vem discutindo.; devemos ver .que é demais. "
Sr, Presidente: nós temos de sair dês--ta situação e sairmos por esta forma que acabei de dizer.
E na -generalidade que falo.
Na especialidade eu direi mais.concre-tam Não julgo o projecto, tal como está em discussão, a última palavra. Importa alterações. Aceitarei aquelas que em minha consciência sejam para esclarecer, para aperfeiçoar o projecto. Não poderei aceitar aquelas que sirvam para baralhar, ., . Fiz em alguns artigos o que julgo indispensável. Não é uma lei do inquilinato que venho1 propor, mas simplesmente desejo que se= aprove uma lei de circunstância. O Sr. Catanho de Meneses pôs o problema do inquilinato nesta parte respeitante ao projecto com uma tal clareza, e fundamentou-o por tal forma que me dispensava de quaisquer considerações. Por várias vezes eu ouvi aqui fazer a. citação das leis estrangeiras. Nós temos este mau hábito de para sabermos se unia cousa que queremos fazer é boa, ir ver se as outras nações fizeram o mesmo e, se os estrangeiros o fizeram, ó porque é boa; se o não fizeram também cá se não deve fazer. Ora, Sr.. Presidente, o ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses, citou à Câmara países onde só íèz cousa muito pior, chegando-se nalguns deles a revogar sentenças transitadas em julgado. Pelo que se vê, esta lei é mais benigna para os proprietários do que algumas leis doutros países. Não se diga que este projecto ofende o direito de propriedade, porque as queixas-que eu tenho recebido de toda a parte significam sobretudo a pequena remuneração que os proprietários tiram dos. seus prédios, e sou eu que tenho a coragem de trazer uma proposta para que o proprietário receba mais. Sr. Presidente: ^então um homem que vem ao encontro dessa justa aspiração do senhorio, quere atacar o direito de propriedade? Não, Sr. Presidente. Há dois direitos que eu quero defender: um é o direito à habitação e esse direito — quero e hei-do defendê-lo até ae fim— e o outro é ajusta remuneração do capital. Mas desde que haja choque entre os exploradores e explorados eu tenho que estar sempre ao lado dos explorados, porque a lei do inquilinato é uma lei de protecção aos pobres. O Sr. Querubim Guimarães: — Estaria ao lado das restrições do. direito de propriedade se a lei do inquilinato fosse de protecção aos pobres.
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levantei uma renda sequer a um pobre.
O Orador: — Expus ligeiramente os motivos que me levaram a apresentar a minha proposta e a defender, nas suas linhas gerais, a orientação que o projecto representa.
Se'os Srs. Senadores estão dispostos a fazer brevemente uma lei do inquilinato., façam; mas • se vêem que não a podem fazer rapidamente aprovem este projecto, e hão entravem 'a marcha dos acontecimentos, sob pena de os acontecimentos passarem por cima de nós.
O Sr. Augusto de Vasconcelos:—Esta discussão tem sido travada entre pessoas de tal competência e com tal cópia de conhecimentos jnrldictís que seria uma pretensão da minha parte intervir nela.
Por parte deste lado da Câmara falou já o Sr. Alfredo Portugal; com; a autoridade que lhe dá o seu. lagar de juiz e a sua reconhecida competência de distinto jurisconsulto. No decurso • da discussão da especialidade terá S. Ex.a novamente de intervir. ' '
O me a papel limita-se a uma breve declaração, a de que p meu partido vota o projecto na generalidade, porque' reco* nhece a urgência de se resolver este assunto, mas não dá ao projecto nenhuma espécie de amparo, nem o subscreve de forma alguma.
Julgo que o Sr. Ministro da Justiça tem de consentir que no projecte sejam introduzidas fortes modificações, sem as quais este diploma-não5 vêm-'senão complicar o problema'.
Toda a oposição que se tem levantado a este projecto resulta dalgumas disposi-çOes que vários :Srá'. Senadores consideram violentas, mesmo draconianas.
Se S. Ex.a o Sr. Ministro da Justiça está disposto, como disse, a aceitar emendas que aclarem o projecto, e se mostrar que aceita realmente as modificações quê são necessárias pára eliminar as disposições que mais fundamente ferem os legítimos interesses que há a'defender, eu creio que conseguiremos aquele entendimento que é preciso.
Neste sentido eu faço a minha declaração e apelo para a boa vontade de S. Ex.a e pára as suas qualidades à& estadista
para que nos ajude a "todos a resolver este melindroso assunto.
Posto à votação o projecto na generalidade, foi aprovado.
O Sr. Gatanho de Meneses (para um requerimento) :;—Sr. Presidente: pedia a V. Ex.a que consultasse a Câmara sobre se ela está de acordo em que se marque sessão para a próxima segunda-feira, destinando-se toda a ordem do dia para a . discussão do projecto sobre inquilinato.
O Sr. Vicente Ramos (sobre o. modo de votar): — Eu concordo com o requerimento apresentado pelo Sr. Catanho de Meneses, e entendo até que ele devia ser ampliado. ,
Trata-se duma sessão extraordinária, e não duma sessão ordinária. É apenas destinada à discussão .desta lei d,e- inquilinato, e, portanto, devemos aproveitar todo o tempo da sessão na discussão dessa lei.
Não façamos sessões extraordinárias para tratar doutros assuntos.
Por consequência, eu entendo que não deve haver «antes da ordem do dia», e que todo o tempo da sessão seja destinado unicamente à discussão do projecto sobre inquilinato, .i
O Sr. Catanho de Meneses: -^ Eu, se fiz o meu requerimento da maneira 'que V. Ex.ag ouviram, é porque quando fiz ultimamente u-m requerimento para que toda a sessão fosse ocupada ria discussão deste- projecto de lei -vários Srs. Senadores discordaram então da íorma por que eu 'redigira esse requerimento, porque entendiam que precisavam do período de antes da ordenn do :dia para tratarem de assuntos que consideravam urgentes.
Eu concordo, no emtantò, com as considerações do Sr; Vicente Ramos, e se V. Ex.*g assim o entenderem', eu modifico o meu requerimento neste sentido: que a sessão seja prorrogada até se.votar este projecto de lei.
O Sr. D. Tomás de Vilhena:—Eu sou sempre coerente com os meus princípios e estou pronto para trabalhar.
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os meninos de escola. -Agora o que eu reclamo é .o direito, de discutir.
Eu estou pronto • a trabalhar de dia e de noite se tanto for preciso.
Levantei-me com febre para vir aqui e apesar de me sentir doente aqui me conservo, porque julgo que é esse o meu dever.'
O que eu reclamo porém, é o direito de discutir e votar conforme a minha consciência o entender.
Vozes da esquerda: — Ninguém nega esse direito.
O Sr. Presidente: —Pode V. Ex.a estar certo de que'emquanto eu aqui estiver todos os Sr s. Senadores terão esse direito respeitado.
O Sr. Machado Serpa:—Podia talvez haver sessão nocturna hoje.
•O Sr. Catanho de Meneses : — Requeiro que se marque sessão extraordinária para segunda-feira para discussão, única da lei do inquilinato.
Aprovado.
O Sr. Herculano Galhardo: — Requeiro que, no caso de não haver número, fique V. Ex.a autorizado a marcar sessões extraordinárias na terça e na quarta-feira.
O Sr. Mendes dos Reis:—Votaria que houvesse sessões por estes dias mais próximos, desde que realmente assim se julgue necessário, mas com o que não concordo ó com esse requerimento do Sr. Herculano Galhardo porque parece uma censura.
O Sr. Herculano Galhardo: —"Estamos todos bem intencionados.
Quem formulou a hipótese de não haver número na segunda-feira foi o Sr. Machado Serpa.
Estamos todes empenhados em trabalhar. .
Uma sessão prorrogada é perigosa, porque desde o momento em que se proceda a uma votação, por falta de número, tem Y. Ex.a de encerrar a sessão sem uma autorização para invocar nova sessão.
Não está nos meus hábitos ofender alguém; tal não foi pois o meu pensamento.
O Sr. Machado Serpa: — Não, precisa V. Ex.a de tal autorização; V. Ex.a pode marcar sessões como entender.
O Sr. Afonso de Lemos: — Se a proposta de lei em discussão tivesse vindo já da Câmara dos Deputados devidamente estudada e aprovada, e dependesse só do Senado a sua conversão em lei, eu compreenderia todas as sessões que se quisessem fazer para habilitar o Sr. Ministro da Justiça a proceder. Mas não ó assim. í Se este projecto for agora votado o que acontece? Tem de esperar até ao dia 29, dia em que abre a Câmara dos Deputados e por consequência só nesse dia é que ele ali poderá ser discutido.
Não vejo a razão que justifique esta atitude.
Eu pregunto ao Sr. Ministro da Justiça se, se for aprovado este projecto no Senado, fica mais habilitado do que está.
Se S. Ex.a declarar que tem toda a conveniência em que este projecto seja aqui aprovado imediatamente, eu não terei dúvida nenhuma em dar o meu apoio ao requerimento.
O Sr. Ministro da Justiça:—Não fico mais habilitado do que estou neste momento; no emtanto, melhor seria que ele fosse agora aqui votado, para logo que abrisse a Câmara dos Deputados ele entrasse imediatamente em discussão.
O Orador: ^—Desde o momento que V. Ex.a me declara que tem toda a conveniência em que este projecto seja aqui votado, eu não tenho dúvida alguma em dar o meu apoio ao requerimento.
O Sr. Presidente: — Eu bem sei que o Regimento me dá atribuições para marcar sessões quando entender, mas tendo a Câmara dos Deputados adiado os seus trabalhos, tinha escrúpulo em marcar sessões no Senado sem saber qual a sua opinião. ^
Foi essa a razão por que consultei a Câmara.
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se consente que eu retire o meu requeri- O Sr. Presidente:—A próxima sessão
mento. . é no dia 14, à hora regimental.
Consultada a Câmara, resolve ajtrmati- Está encerrada a sessão.
vãmente. Eram 19 horas.