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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 42 VI LEGISLATURA 1955 18 DE MARÇO
PARECER N.º 18/VI
Proposta de lei n.º 21
A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 103.º da Constituição acerca da proposta de lei n.º 21, emite, pelas suas secções de Electricidade e combustíveis e de Autarquias locais, às quais foram agregados os Dignos Procuradores José Augusto Vaz Finto e Luís Supico Pinto, sob a presidência do Digno Procurador 2.º vice-presidente [D1]da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. Uma das mais consoladoras realidades económicas da vida da Nação, neste per iodo que se atravessa, com início no findar da última guerra mundial, é inquestionavelmente a do abastecimento do País com energia eléctrica, produzida principalmente pelo aproveitamento crescente dos recursos nacionais hidráulicos.
O fenómeno - tem de classificar-se assim o conjunto de factos que permitiu atingir em 1904 uma produção hidroeléctrica sete vezes maior que a obtida dez anos antes - teve a sua origem s desenvolveu-se num ambiente e numa época recheados de circunstâncias favoráveis, todas contribuindo para tão rapidamente se alcançar uma posição que, embora continue a ser das mais modestas, no Mundo de avançada electrificação, não tem confronto de nenhuma ordem com aquela quase insignificante em que por largos anos o País se debateu.
Confirmam estas palavras os estatísticas internacionais, que indicam andar por 1000 kWh o consumo anual por habitante em quase todos os países do Centro da Europa e a estatística nacional, que é reproduzida nos números do quadro seguinte:
.......................................... Consumo anual por habitante (kwh)
1930...................................... 35,3
1935...................................... 44,7
1940...................................... 54
1945...................................... 59,8
1950...................................... 99,3
1955 (previsão)........................... 180
Se se considerar, como atrás se deixou entender, o ano de 1945 como final da época antiga, diga-se assim, ou início da nova era, o quadro mostra - independentemente da influência que nele tem o facto de não ser constante o número representativo da população - que a evolução do consumo é muito lenta no decénio 1935/1945 e suficientemente rápida no de 1945/1955, sobretudo no último lustre correspondente à época de entrada ao serviço dos primeiros grandes aproveitamentos dos nossos rios, para que no período de vinte anos considerados se possa verificar no nosso país a regra tão penetrantemente enunciada por Ailleret de dobrar o consumo em cada período de dez anos.
Como esta tendência mundial se confirma estatisticamente em países de fraca ou forte electrificação, pode concluir-se que o esforço feito nos últimos anos em matéria de produção e transporte de energia, não só nos permitirá manter num período de vinte anos a média mundial de evolução dos consumos, facto só por si digno de relevo, como permite as mais fundadas esperanças de atingir-se melhor posição internacional,
[D1]
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se o ritmo do último lustro puder ser sustentado por mais um ou dois.
A Origem do fenómeno, como atrás se lhe chamou, reside na promulgação, em Dezembro de 1944, da Lei n.º 2002, conhecida por Lei de Electrificação Naciona1, documento que ficará como marco miliário na história da electrificação portuguesa.
Com base na estrutura jurídica e económica desta lei, o Governo impulsionou de maneira notável os sectores da produção e transporte de energia, obra que a Nação apoiou com entusiasmo e acolheu com a consciência e a esperança de ela vir suprir deficiências que tanto atormentavam a vida económica e social do País.
Com efeito:
Saía-se de um período de guerra em que, apesar de não envolvida, a Nação sofreu profundamente alguns dos seus reflexos.
Tais reflexos demonstraram, por vezes, a dependência exagerada do estrangeiro em que viviam alguns sectores da economia nacional e esteve em evidência o da produção de energia.
Esta, no Norte do País, escasseou pela insuficiência de potência e, sempre que as características do período atravessado eram desfavoráveis à produção hidráulica, não houve mais remédio que impor, por vezes, severíssimas restrições de consumo.
No Centro do País, quantas vezes esse abastecimento esteve à mercê da quantidade e qualidade do carvão importado e, sobretudo, do seu preço?
A interajuda de regiões foi inexistente, por impossível, devido à falta de rede de interligação e transporte.
Por outro lado, na indústria, no comércio e no lar tinha sido, durante o período de guerra, feita a demonstração irrefutável dos enormes benefícios do emprego da electricidade em larga escala.
Por isso a opinião pública aplaudia convictamente a decisão do Governo, pela fé que depositava no valor da obra.
Os primeiros resultados foram tão animadores, as previsões feitas tão feliz e largamente ultrapassadas, as perspectivas futuras tão ricas de promessas, que levaram o Governo a dar lugar de primazia, pelo seu vulto, no Plano de Fomento nos investimentos a realizar na indústria da electricidade.
Que tal orientação mereceu o aplauso desta Câmara, da Assembleia Nacional e de todos os portugueses é facto que pertence à história recente deste país, pelo que se torna inútil relembrá-lo.
2. Pelos financiamentos realizados em aplicação dos princípios da Lei n.º 2002, logo após a sua promulgação, pelas previsões de investimentos contidas no Plano de Fomento em marcha, pode deduzir-se que, no complexo da electricidade nacional, os sectores da produção e transporte se encontram devidamente dotados para que esta país possa ver assegurado o seu futuro abastecimento de energia eléctrica nos condições permissivas do progresso constante do seu uso, como ocorre em toda a parte.
Mas é sabido de todos hoje que não basta produzir e transportar, pois a técnica e a economia de tais operações são inadequadas não só às utilizações mais vulgares e frequentes da corrente eléctrica, como a sua difusão pela superfície do território nacional.
E essa difusão é indispensável, pois para 99 por cento dos utilizadores da energia eléctrica, é esta que procura aqueles, e não aqueles que se deslocam para junto desta.
Se o sucesso e desenvolvimento do uso da electricidade se explicam pelas virtudes próprias desta forma, de energia, é, com certeza, primordial neles a influência da facilidade e comodidade da sua distribuição, que permite utilizá-la em qualquer recanto sem as sujeições, por vezes irremovíveis, que outras fontes de energia, como a lenha, o carvão, o petróleo, etc., apresentam
Isto significa que o sector da distribuição de electricidade é, pela sua missão, tão importante como o da produção ou transporte, formando todos um conjunto cujo desenvolvimento harmónico tem de verificar-se para que a colectividade obtenha da obra feita ou do dinheiro gasto o maior rendimento possível.
Ter centrais para produzir energia e não ter linhas, para a transportar já toda a gente sabe que não está bem.
Até já se sabe que é preciso ter linhas para interligar as diferentes centrais.
Mas ter uma coisa e outra e não ter redes de distribuição que possam entregar •& todos os portugueses a energia produzida e que lhes faz falta para as suas actividades industriais, comerciais, agrícolas, artesanais, domésticas, etc., é aleijar o conjunto, impedindo-o de dar todos e talvez os melhores dos seus frutos, e a perfeita noção de que assim é parece não ressaltar ainda tão firme e evidente à consciência dos portugueses como as duas primeiras.
O esforço feito em centrais e transporte dará menor, muito menor rendimento à colectividade nacional, se não se verificar o correspondente e harmonioso desenvolvimento do sector da distribuição.
A confirmação insofismável do que se afirma encontra-se nos números do quadro seguinte, que estabelecem uma relação entre os investimentos de vários países nos três sectores considerados:
"Ver tabela na Imagem"
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E para dar uma breve ideia da importância em valor absoluto do sector da distribuição, acrescenta-se que a despesa inglesa andou por 40 milhões de libras e a americana por 1290 milhões de dólares.
Mais importante ainda é o facto de se verificar ao longo de muitos anos o quase paralelismo destes investimentos e só assim, como atrás se disse, o complexo eléctrico pode fornecer todo o seu rendimento.
Não consta de documentos oficiais o que o País tem feito no sector da distribuição e só agora o Plano de Fomento inscreve previsões de investimentos para tal efeito, previsões cuja modéstia esta Câmara já teve ocasião de apreciar (vide parecer da secção de Electricidade sobre o Plano de Fomento) e que praticamente não se concretizaram além do que representa a, concessão de comparticipações pelo Fundo de Desemprego, cujo valor foi o que consta dos números do quadro seguinte:
Importância Contos
1946............................. 2 680
1947............................. 5 810
1948............................. 5 260
1949............................. 3 250
1950............................. 5 000
1951............................. 8 280
1952............................. 10 150
1953............................. 11 990
1954 ............................ 12 960
Pode assim concluir-se que o sector da distribuição está muito atrasado em relação aos outros dois e que esse atraso se agravará caso não se lhe dedique aquele somatório de esforços e capitais em proporção com o que se faz na produção e no transporte.
Pela análise dos números citados e do que se escreveu, a situação de atraso do sector da distribuição já devia ser mais saliente aos olhos da Nação, e parece interessante explicar, de forma muito concisa e breve, porque o não é na escala devida, a fim de cada um melhor se preparar para acolher, compreendendo, que em matéria de distribuição o País precisa de fazer um esforço enorme se quiser tirar da electricidade que está em vias de produzir todo o proveito material e social, semelhantemente ao que acontece nos países já avançados neste ramo de economia.
Duas ordens de razoes fazem menos aparente a deficiência da distribuição. As primeiras derivam do facto de os investimentos iniciais na produção e transporte, por grandes que tenham sido, se destinarem principalmente, não a aumentar a produção, mas a substituir a de origem térmica por hidráulica, e compreende-se que tal substituição não exigia aumento de ritmo nos investimentos da distribuição.
Mas, mesmo tendo em conta o facto, a estatística mostra que, com a realização dos aproveitamentos entrados já ao serviço, a produção total de energia evoluiu
da forma seguinte:
1945 - 545 milhões de kWh;
1950 - 941 milhões de kWh;
1954 - 1650 milhões de kWh (número aproximado);
evolução que infalivelmente exigia do sector da distribuição uma ampliação notável da sua capacidade.
Esse aumento de capacidade, que melhor ou pior até agora correspondeu ao aumento de produção, foi criado por investimentos que, sob o ponto de vista de economia eléctrico, são relativamente pouco importantes, feitos pela indústria electroquímica, grande utilizadora, que em 1954 consumiu, excluindo as perdas de transformação e transporte, qualquer coisa como 240 milhões de kWh, ou seja quase 35 por cento do acréscimo da produção de 1950 para 1954, e pelos investimentos realizados por alguns grandes distribuidores e distribuidores urbanos dentro das respectivas concessões, investimentos levados a efeito ou porque eram imediatamente rendosos por si ou porque correspondiam a uma política e a um espírito de equidade inerentes ao conceito de serviço público, e que, embora viessem reduzir o já escasso rendimento da respectiva exploração, eram ainda comportáveis dentro do estrito equilíbrio financeiro e económico legalmente exigível a certa natureza de organismos distribuidores.
Para se dar uma ideia quantitativa da importância dos investimentos efectuados ultimamente no sector da distribuição, indica-se que o valor anual dos realizados por três dos maiores distribuidores andou em média por 6O 000 contos no período de 1950, inclusive, a 1953.
Poderá dizer-se então que o aumento de produção hidroeléctrica até agora verificado teve completo escoamento através de três caminhos principais: substituição de energia térmica por hidráulica; utilização em larga escala pela indústria electroquímica; aumento de capacidade da rede de distribuição, que, como se vai explicar, se verifica sobretudo nas regiões que constituem mercado rendoso porá o respectivo concessionário, dada a densidade da sua população e o grau e natureza da sua actividade.
3. O texto do relatório da proposta de lei agora em apreciação, ao dizer que a obra de electrificação nacional tem, contudo, objectivos sociais mais ambiciosos porque pretende levar a energia a todas as freguesias e, logo que for possível, a todas as povoações ou locais onde vivam ou trabalhem os portugueses, deixa claramente suspeitar que tais objectivos estão muito longe de serem atingidos.
Já no relatório da proposta de lei de electrificação nacional, tornado público há mais de dez anos, se chamava a atenção para este aspecto da electrificação.
O relatório do Plano de Fomento em execução dedica ao assunto largas e judiciosas considerações e o parecer desta Câmara sobre o referido Plano faz-lhe igualmente os seus comentários.
Estas citações demonstram que as preocupações vêm de longe, que o assunto da pequena distribuição, sobretudo rural, é de importância social transcendente para o País, e, mais que tudo, que se tem caminhado devagar para se alcançar uma situação, aceitável.
O atraso, sobretudo nalgumas regiões do País, é confrangedor.
A confirmação numérica destas palavras pode ser dada pelos índices dos quadros seguintes, elaborados com base na última estatística publicada, referente ao ano de 1953:
População continental (censo de 1950)......... 7,8 milhões
População servida com energia eléctrica....... 5,4 milhões
Percentagem................................... 70
Consumo por habitante......................... 146,8 kWh
Consumo por quilómetro quadrado............... 13 kWh
Número de concelhos no continente............. 273
Sedes de concelho electrificadas.............. 263
Número de freguesias.......................... 3 374
Número de freguesias electrificadas........... 1 251
Percentagem................................... 37
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Zonas de muito fraca, por onerosa, electrificação
"Ver tabela na Imagem"
Não necessitam de grandes comentários os números apresentados para realçar a pobreza da difusão da electricidade pelo território nacional e as suas consequências.
Com efeito, apesar de só estatisticamente se poder dizer que está servida 70 por cento da população continental, apenas 37 por cento das freguesias em que se subdivide a metrópole dispõem de alguma energia eléctrica, sabe Deus, por vezes, em que condições e a que preços.
O consumo por habitante, que, na média geral do País, já se apontou como dos mais reduzidos da Europa, desce verticalmente do valor 146,8 para o número insignificante de 14,6 kWh no distrito de Bragança.
Não s aceitável realmente a posição actual, que, ainda para maior mal, só muito vagarosamente foi atingida, como se pode concluir do quadro seguinte:
Número de freguesias electrificadas
1935......................... 484
1940......................... 854
1950......................... 1 120
1953......................... 1 251
Num período de quase vinte anos electrificaram-se apenas 767 freguesias e, sem que se possa dizer que só se electrificaram aquelas que era mais fácil, técnica e economicamente, fazê-lo, não deve pecar de pessimismo excessivo a afirmação de que levaria ainda sessenta anos a acabar um programa de dotar com energia eléctrica as freguesias do continente, caso o ritmo da obra tivesse de seguir o que até agora se tem verificado.
A explicação da marcha lenta da electrificação é só uma: falta de rendimento próprio das instalações a criar, derivado do seu elevado custo e da sua fraca utilização, factos que fazem desinteressar dela não só o concessionário entidade privada como até o de natureza pública.
É no sentido de acelerar a cadência das realizações, procurando em muitos casos eliminar ou atenuar a referida falta de rendimento das instalações, que o Governo se dispõe através da lei a aumentar de forma apreciável, quer o valor relativo de cada comparticipação, quer o seu valor global, a fim de que no território nacional todos os portugueses tenham possibilidades de usufruir o quinhão de benefícios que lhes corresponda no aproveitamento das riquezas pertencentes à Nação.
4. Para poder prosseguir, com a lógica devida, o exame da proposta de lei, quer nos seus princípios informadores, quer no alcance das suas disposições, parece conveniente, embora de forma breve, equacionar o problema a resolver, pois só assim se lhe poderão encontrar as soluções, geralmente de compromisso, que melhor satisfaçam as características, por vezes antagónicas, de alguns dos seus aspectos.
a) Neste país como noutros, a necessidade e urgência da difusão da electricidade até aos mais pequenos meios rurais deriva principalmente de duas ordens de conveniências: uma de natureza social e política, de fomentar o bem-estar, o conforto e o progresso das populações mais desprotegidas e atrasadas, criando-lhes, mais propícias condições de vida e, portanto, de fixação à terra, atenuando-se por esta forma o êxodo para as cidades, que não é felizmente extraordinário entre nós por falta de um maior grau de industrialização; outra de natureza económica, no sentido de melhorar o rendimento do trabalho e a produtividade dos campos, que nestas regiões mais afastadas e menos dotadas pela natureza é geralmente muito fraca, à custa de uma evolução técnica importante e com uma redução apreciável do esforço penoso que tantas vezes o indivíduo tem de desenvolver.
Entre a insuficiência e desconforto de uma luz de candeia e o brilho e comodidade de uma lâmpada eléctrica, entre a penosa e ineficiente cegonha para irrigar um palmo de terra e a facilidade e rendimento de um pequeno grupo electrobomba, entre as incertezas da meteorologia e a esterilização e aquecimento do solo pela electricidade, há uma diferença enorme que em toda a parte se procura afanosamente fazer desaparecer;
b) A dificuldade do problema reside principalmente no seu aspecto económico.
Com efeito, o estabelecimento de redes rurais é uma operação cara pela disseminação dos consumidores, pelo seu pequeno número e pelo seu reduzido consumo.
Ao passo que numa distribuição urbana é possível chegar a números bastante superiores a 100 consumidores por quilómetro de linha, com consumos específicos que no caso do Porto roçam por 2000 kWh, nas redes rurais é frequente esse número descer a valores inferiores a um décimo dos apontados nos casos já favoráveis e a menos de metade ainda de tais valores nos casos menos favoráveis.
Com índices destes chega-se, por vezes, e há-de chegar-se em muitos dos casos que falta electrificar, a explorações de saldo negativo, mesmo reduzidos ao mínimo os encargos de capital para criar as referidas redes.
Parece portanto que, para desenvolver e realizar a electrificação rural, não bastará financiar o seu estabelecimento, mas haverá que providenciar sob os seguintes aspectos, todos tendentes a tornar a obra mais fácil, mais eficiente e mais perfeita:
1.º Encontrar a fórmula mais económica de financiar a obra, que em toda a parte parece ter de realizar-se através de subsídios do Estado, da participação das entidades distribuidoras e da ajuda maior ou menor dos directamente beneficiários e interessados. Só este conjunto de esforços permite uma rápida expansão;
2.º Embaratecer o custo do 1.º estabelecimento através duma apurada organização técnica, duma simplificação de regulamentos no sentido de se reduzir ao mínimo compatível com a segurança das instalações as actuais exigências, duma normalização de tipos de materiais e projectos para permitir o fabrico de
grandes séries, dum planeamento de trabalhos em grandes conjuntos que permitam tirar todo o rendimento dos princípios enumerados e acelerar o ritmo da obra tão vasta que há a efectuar;
3.º Fornecer uma base económica à respectiva exploração, que lhe permita pagar a correspondente quota-parte do investimento, garantir-
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a sua conservação e aplicação normal e praticar tarifas aceitáveis, pelo que está indicado agrupar em conjuntos importantes a multidão de pequenos distribuidores, financiar as instalações dos consumidores e fomentar as aplicações mais imediatamente rendosas do emprego da energia eléctrica pelo consumidor rural, quer na sua vida doméstica, quer na sua actividade agrícola.
c) Antes de prosseguir, vejamos em breves apontamentos o que nesta matéria ocorreu e está ocorrendo em alguns países da vanguarda:
América do Norte 1
Desde quase o princípio do século que começou a preocupação da electrificação rural. Aponta-se como primeira realização o estabelecimento em 1909, pela companhia Puget Sound Power and Light, de uma linha exclusivamente destinada ao serviço de algumas herdades. O desenvolvimento do serviço rural foi muito lento pelas razões que em toda a parte se verificam:
falta de rendabilidade e grandes capitais a investir.
Por alturas de 1923 até 1935 o desenvolvimento da electrificação rural foi acelerado pela criação do Comittee on the relation of Electricity to Agriculture (C.R.E.A.), calculando-se em 11 por cento a percentagem de herdades electrificadas nesta última data.
Em 1935, o presidente Roosevelt criou a célebre R.E.A (Rural Electrification Administration), com a finalidade de impulsionar decisivamente a electrificação dos meios rurais, criando oportunidades de trabalho à indústria, aumentando a produtividade dos campos, fixando à terra as respectivas populações, atraídas pelo desenvolvimento dos grandes centros urbanos.
O que foi a acção deste organismo pode apreciar-se pelos seguintes números:
Começando a trabalhar em 1936, em 1941 a percentagem das herdades electrificadas tinha subido para 30 por cento, o número de consumidores, que era de 86 000 em 1937, passava para 1 250 000 em fins de 1941; no fim do ano fiscal de 1940/1941 o valor dos empréstimos concedidos pela R.E.A ascendia a 374 milhões de dólares.
Em 1954 os números representativos da cação deste departamento são os seguintes:
Valor total dos empréstimos concedido desde o início - 2946 milhões de dólares.
Consumidores ligados - 4 176 000
Energia vendida - 18 820 milhões de Kwh.
Consumo específico - 4031 KWh.
Percentagem de herdades electrificadas - 90.
Chama-se a atenção para o valor do consumo específico, que é quase metade do número geral do país mais industrializado do Mundo (8100 KWh) e 80 por cento superior ao dos consumidores domésticos urbanos, que dispõem do mais alto standard de vida que é conhecido.
A . R. E. A. tem actuado, sobretudo, da seguinte forma:
Fomentando a constituição de cooperativas, algumas das quais chegam a ter mais de 20 000 consumidores. A cooperativa é uma associação de interessados rurais estabelecida com a finalidade de fornecer energia aos seus membros, ao mais baixo preço, tornado possível pela interajuda e pelo financiamento, fiscalização e orientação da R. E. A.
Estas cooperativas eléctricas diferem das outras cooperativas por serem quase integralmente financiadas pelo Governo federal e fiscalizadas e assistidas no seu estabelecimento e exploração.
Os empréstimos são concedidos a juro baixo, para serem amortizados em vinte e cinco anos, podendo o pagamento de juros ser diferido por período não superior a trinta meses, para ter em conta o pequeno rendimento das novas redes nos primeiros tempos da sua exploração.
Os financiamentos feitos pela R. E. A. podem estender-se também à execução das instalações dos consumidores e até ao fornecimento da aparelhagem, para aumentar o emprego da energia eléctrica, forma mais eficaz de tornar positivos os resultados de exploração das instalações realizadas.
Resumindo: o método americano, que de maneira tão rápida fez desenvolver a electrificação rural, parece assentar na base ide que ela se deve realizar através da criação ide cooperativas de consumidores, a quem é feito o financiamento quase integral dos investimentos, financiamento reembolsável a juro baixo e num período de vinte e cinco anos, prestando-se a essas cooperativas toda a assistência técnica, comercial e administrativa, que exija o desenvolvimento da sua actividade.
Estes empréstimos também podem ser concedidos a outros organismos públicos ou privados, mas sempre com a interferência marcada da R. E. A. em todos os aspectos da actividade.
No início do seu programa, a R. E. A. começou por financiar as próprias empresas privadas, com a esperança de mais rapidamente pôr em marcha a obra.
Os resultados não foram animadores porque tais empresas não se interessavam nem pelo serviço nem pelos empréstimos, que acarretavam a interferência da R. E. A. na sua actividade privada. Indica-se, meramente a título exemplificativo, a distribuição dos empréstimos concedidos pela R. E. A. desde 1935 a 1941, segundo a natureza das entidades e a finalidade dos mesmos:
[Ver Tabela na Imagem]
Acrescenta-se, para finalizar, que, quando se atingem consumos -específicos- de 4000 kWh por consumidor, as instalações não só se pagam a si próprias,, por f r aça que seja a densidade dos consumidores e baixas as tarifas de. electricidade, como dão lucros, embora pequenos, o que é confirmado pêlos, seguintes dados estatísticos.
Lucros das explorações financiadas pela R. E. A.
Milhões de dólares
1952 ........................... 24,5
1953 ........................... 30,8
1954 ........................... 42,5
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Inglaterra
Desde longa data que é preocupação nacional a questão da electrificação rural.
Em 1926 os comissários da electricidade, prevendo as facilidades de distribuição que a criação da célebre Grid pela Central Electricity Board iria proporcionar, organizaram um congresso de eletrificaçâo rural, verificando-se por essa época que apenas 1770 herdades dispunham de abastecimento de energia através duma ligação a uma rede de distribuição.
O desenvolvimento deste tipo de electrificação fui bastante lento pelas razões de sempre: falta de rendimento dos grandes capitais necessários.
Em 1947 a Inglaterra nacionalizou o conjunto da indústria eléctrica, e a posição atingida nessa altura em matéria de electrificação rural era aproximadamente a seguinte:
Número de herdades electrificadas - 85 600.
Percentagem em relação ao total - 30.
Numero de casas nas áreas rurais ligadas às redes - 1 100 000.
Percentagem em relação ao total - 55.
Energia vendida aos consumidores rurais - 248 milhões de kilowatts-hora.
Número de consumidores - 139 000.
A lei da nacionalização de 1947 explicitamente indicava a obrigação dos Área Boards - organismos a que incumbe a distribuição de energia eléctrica em cada uma das catorze zonas em que foi dividido o país - de levarem tão longe quanto possível o desenvolvimento dos fornecimentos nas áreas rurais.
Nos seis anos da sua existência - 1948-1954 - a British Electricity Authority (B. E. A.), lutando contra todas as dificuldades que a guerra e o pós-guerra lhe criaram, procurou cumprir a sua missão, e os Area Boards ligaram 62 000 novas herdades e mais umas 400 000 casas dispersas nas áreas rurais, acelerando desta forma consideràvelmente o ritmo que se tinha verificado antes da nacionalização.
O sexto relatório anual da B. E. A. - 1953-1954 - fornece os seguintes números:
Número de consumidores rurais - 152 000.
Consumo de energia - 779 milhões de kilowatts-hora.
À medida que foram desaparecendo limitações de vária ordem, como a insuficiência de produção, do transporte e grande, distribuição, a B. E. A., no seguimento, da política traçada, iniciou em 1953 um programa de electrificação rural; a efectuar num período de dez anos e que prevê o dispêndio de 130 milhões de libras, dos quais 100 para as redes rurais e 30 para a produção, transporte e grande distribuição da energia correspondente.
Este importantíssimo plano, dividido em duas fases, de cinco anos cada, comporta na primeira fase:
Ligação a redes de 60 000 herdades.
Ligação a redes de 260 000 casas das áreas rurais.
Despesa prevista de 50 milhões de libras.
No segundo período prevê-se:
Ligação a redes de 45 000 herdades.
Ligação dum correspondente número de casas dispersas.
Despesa prevista de 50 milhões de libras.
A estas duas verbas há que juntar os 30 milhões para produção e transporte.
Em 1963 a Inglaterra pensa ter ligadas às redes rurais aproximadamente 85 por cento das suas herdades e casas dispersas, considerando que os 15 por cento que ainda lhe virão a faltar serão casos muito difíceis, que terão de ser estudados à parte.
Este programa foi iniciado e está em marcha para o primeiro período, sendo o seu financiamento assegurado pela Central Authority e pelos Area Boards, conforme a natureza das instalações a realizar, sem recurso a subsídios do Estado, pelo que se conclui que a obra a efectuar é no fundo financiada pelas receitas gerais da venda de electricidade, solução só possível pela nacionalização integral da indústria eléctrica.
Ao fim do primeiro período será revista a situação financeira de cada Area Board e estes ajudados pela transferência de fundos da Central Authority e pelos ajustamentos tarifários necessários, de forma a repor o equilíbrio económico de cada um, pois está verificado que o plano, sobretudo nos primeiros anos da sua execução, dará infalivelmente prejuízo.
Numa recente publicação da B. E. A., dedicada exclusivamente à electrificação rural, lê-se que o processo mais eficaz de fazer desaparecer esse prejuízo consiste em fomentar o uso da electricidade, não só na parte doméstica da vida rural, como nos trabalhos agrícolas propriamente ditos. Um grande esforço de propaganda se está fazendo em uníssono com as associações de agricultores, com o Ministério da Agricultura, etc., para que se atinjam consumos específicos elevados, que permitam eliminar o saldo negativo de tais redes.
Resumindo: o plano inglês comporta o investimento notável de 130 milhões de libras, financiado pelos recursos fornecidos pela venda geral de energia.
Para isso os Area Boards são os executantes do plano dentro dos limites da sua jurisdição, revendo-se ao fim do primeiro período de cinco anos a situação económico-financeira de cada um, para atenuar os prejuízos que a sua execução infalivelmente acarreta nos primeiros anos de exploração.
A título de informação, acrescenta-se que cada Area Board distribui uma a seis vezes a energia que o nosso país consumiu em 1953.
França
Desde há muitos anos que é preocupação do país a sua electrificação rural.
Reconhecendo-se, por um lado, que o nível baixo de consumo nos meios rurais nunca praticamente permitiu aos respectivos concessionários financiar por si sós as redes rurais de distribuição de energia eléctrica, e, por outro, a necessidade absoluta para a França de realizar a electrificação rural, o Parlamento votou a Lei de 2 de Agosto de 1923, que permitiu ao Estado financiar os trabalhos correspondentes, sob certas condições.
Essas condições têm variado muito ao longo destes trinta anos, mas podem apontar-se como características fundamentais do sistema existirem três origens diferentes de financiamentos:
Subsídio do Estado. - Só concedido a colectividades publicas, em que o montante de cada subsídio é determinado em cada ano segundo tabelas aprovadas tanto
para a alta como para a baixa tensão, podendo no máximo atingir 50 por cento.
Empréstimos a longo prazo pela Caixa Nacional de Crédito Agrícola. - O prazo máximo dos empréstimos não pode ultrapassar quarenta anos e o juro não pode ir além de 3 por cento. O montante dos empréstimos não pode exceder duas vezes o capital reunido pelas colectividades interessadas e efectivamente realizado. O juro e a amortização dos empréstimos têm de ser garantidos pelos departamentos ou pelas comunas devidamente autorizadas por deliberação legal.
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Participação do Fundo de Amortização dos Encargos de Electrificação Rural. - A partir de Janeiro de 1937, foi criado este Fundo, para aliviar os encargos das comunas derivados da electrificação, medida ainda recentemente considerada de largo alcance no desenvolvimento da electrificação rural pelo chefe do serviço comercial nacional da Electricité de France, no recente Congresso da Economia Alpina.
Este Fundo é essencialmente alimentado por uma contribuição anual sobre as receitas de distribuição da energia eléctrica em baixa tensão, que é de 2,8 por cento para as comunas com mais de 2000 habitantes e de 0,56 por cento para as que têm menos de 2000 habitantes. Esta contribuição rendeu na energia vendida pela E. D. F. em 1953 2198 milhões de francos.
Estes métodos permitiram financiar em 1953 a construção de novas linhas e reforço das instalações existentes a título de electrificação rural:
Trabalhos novos:
Linhas de média tensão..... 3 193 km
Linhas de baixa tensão..... 11 900 km
Postos de transformação.... 2 825
Reforço de instalações:
Linhas de média tensão..... 3 191 km
Linhas de baixa tensão..... 3 722 km
Postos de transformação.... 1 020
Com esta acção persistente pode dizer-se que 90 por cento das comunas francesas dispõem hoje de energia eléctrica.
Todavia, subsiste o enorme problema do reforço e conservação destas redes, e só através, de um aumento considerável de consumo específico se podem criar as condições económicas capazes de resolver tal problema.
É neste sentido que duas ou três experiências estão sendo levadas a efeito pela E. D. F. a título de demonstração, desenvolvendo ao máximo o emprego da electricidade em todas as possíveis aplicações, constituindo tais aldeias como que um tipo-piloto de futuros desenvolvimentos. Numa das primeiras, a aldeia de Magnet (Allier), o consumo específico de cada um dos 48 consumidores passou de 171 kWh em 1938 para 1320 em 1950.
Outros países
Na Áustria foi iniciado em 1945 um novo plano de electrificação rural com importante ajuda do Plano Marshall e para o qual contribuem o Governo Federal, as províncias e os consumidores.
A média da despesa de ligação de cada herdade foi calculada em 10 000 xelins e a percentagem de electrificação atinge actualmente 72 por cento.
Na Finlândia foi estabelecido em 1947 um plano de electrificação rural, prevendo a criação de oito sociedades colocadas sob o contrôle do Ministério da Indústria para as regiões deficientemente electrificadas.
De 1947 a 1951 a percentagem de herdades electrificadas passou de 50 a 61 por cento.
Na Itália a Lei de 25 de Julho de 1952, limitada às zonas de montanha, pôde em certos casos permitir a ajuda do Estado na percentagem de 84 a 92 por cento.
Na Noruega o Estado concedeu de 1938 a 1952 160 milhões de coroas de créditos para electrificação rural; depois deste ano todo o kilowatt-hora vendido é agravado de uma taxa de 0,1 ore, destinada a cobrir em grande parte o montante da ajuda financeira aos trabalhos desta natureza.
Na Holanda a política das organizações provinciais de produção e distribuição de energia em matéria de electrificação rural levou à constituição de um fundo para financiar as instalações de rendimento insuficiente.
Classificam-se como tais aquelas cujas receitas são inferiores a 12 por cento das despesas de construção.
Para o caso de um rendimento previsto de 5 por cento o financiamento é assegurado da seguinte forma:
Percentagem
Fundo Especial de Electrificação....... 16
Contribuição das comunas interessadas.. 12
Contribuição dos consumidores.......... 36
O restante pela venda de energia.
As citações que se fazem mostram bem a diversidade de critérios e soluções adoptadas nos diferentes países, verificação que levou o grupo de especialistas das Nações Unidas, que elaborou recentemente um notável relatório sobre electrificação rural, a escrever, depois de examinar o panorama geral da Europa Ocidental:
L'électrification rurale, dês qu'elle s'étend à 1'ensemble du pays, est influencée par la politique économique et sociale de ce pays et il n'est pas possible de fixer à priori des règles valables en tous les cas.
Quer-se chamar a atenção para mais um aspecto ligado intimamente com a intensificação do uso da energia eléctrica, ainda por focar e omisso, por motivos óbvios, nas citações que se fizeram de vários países estrangeiros.
Está o País fazendo um esforço enorme para produzir, transportar e distribuir energia eléctrica de origem nacional, digamos assim.
No entanto, para a utilizar, a maioria da aparelhagem é de fabrico estrangeiro. Para avaliar a sua importância indica-se como superior a 100 000 contos o valor de tal aparelhagem ligada à rede de uma grande cidade.
Ora, se grande parte dessa aparelhagem for de origem nacional - e pode sê-lo -, não só será mais fácil adquiri-la como aumentará em larga escala as possibilidades de trabalho de uma nova grande indústria, capaz de assegurar ocupação a muitas centenas de portugueses. As razões óbvias por que nos países estrangeiros este aspecto não foi citado é porque todos eles fabricam tudo o que precisam.
Seria medida de grande utilidade económica fomentar e, até já, disciplinar a indústria de fabricação de aparelhagem, tão precisa ao largo uso da energia eléctrica nacional.
A apreciação que se fez do problema, com a brevidade que o tempo concedido impõe, obrigou a deixar ainda na sombra várias questões importantes, como as que dizem respeito à protecção de pessoas e animais nos meios rurais electrificados, ao exame comparado de regulamentações técnicas e administrativas em diversos países, que pudesse orientar as nossas realizações futuras, ao estudo das tendências da evolução dos consumos rurais por qualidade de utilizações, à propaganda a desenvolver e à formação profissional dos futuros utilizadores, e sobretudo à influência da electrificação rural na vida do agricultor e no rendimento da agricultura.
Sobre este aspecto escreveu Cameron Brown, técnico especialista da electrificação rural na B. E. A. e eleito em Dezembro de 1954 vice-presidente do grupo de trabalho da electrificação rural do Comité de Emergia Eléctrica das Nações Unidas:
Quando a electricidade é posta à disposição da agricultura, não sob a forma, «corrente-luz», mas sim «corrente-força», permite à lavoura manipular
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alguns aos seus produtos, valorizando-os, ou, como dizem os Americanos, passar duma agricultura «diversificada» apenas em horizontal para outra «diversificada» também na vertical, permitindo assim aumentar as receitas da lavoura.
Em todo o projecto de electrificação rural o aspecto económico da exploração «diversificada» merece ser estudado com um cuidado muito particular.
Julga-se ter dado uma ideia, embora só aproximada, da extensão, da importância, da dificuldade económica, do aspecto social e político de que se reveste o problema da electrificação rural, para se concluir que a proposta de lei agora em estudo se limita, a pretender resolver a questão do financiamento dos trabalhos.
A Câmara Corporativa, apreciando o notável reforço financeiro que a lei vem consentir, criando possibilidades de expansão à electrificação rural muito superiores às que desde sempre se verificaram, nem por isso deixa de chamar a atenção para os restantes aspectos do problema, sobretudo os relacionados com um amplo reagrupamento dos pequenos distribuidores actuais, reagrupamento previsto na Lei n.º 2002 através da criação de federações de municípios, para dar a tais organismos uma base técnica, e até certo ponto económica, capaz de acelerar o programa da electrificação rural.
II
Exame na especialidade
BASE I
A redacção desta base limita o âmbito das modalidades de auxílio e, se através dela se pode em muitos casos resolver o financiamento do estabelecimento ou reforço das redes, não fornece qualquer possibilidade de estimular o consumidor a usar a energia eléctrica, que, na maioria dos casos, só com grande sacrifício foi levada até à sua porta e quantas vezes sem utilidade, pelo menos imediata.
Por outro lado, e apesar de tudo, pode ainda o objectivo da proposta de lei ser contrariado pela falta de recursos financeiros do pequeno distribuidor, incapaz de integrar a sua quota-parte para a realização duma obra, sem recurso ao empréstimo a conceder para tal fim em condições favoráveis.
Se se admitir que aquela acção complementar, que é o processo mais eficaz e directo de mudar de negativos em positivos os saldos de muitas explorações, e esta acção de crédito favorável, acções que a Câmara reputa muito importantes, ficarão reservadas para uma fase já mais avançada de electrificação rural, a redacção da base é de aprovar.
BASE II
Definem-se nesta base as entidades que podem ser auxiliadas e as condições em que o facto terá lugar, quando a distribuição de energia é feita em regime de concessão municipal.
Nos casos a que é aplicável a base fica facilitada a consecução do objectivo da proposta de lei - acelerar o ritmo da difusão da electricidade pelo território nacional -, mas numerosas situações existem não abrangidas no âmbito da base, que, ficando sem solução, podem comprometer seriamente o resultado que se pretende alcançar.
É assim sempre que o custo do ramal de alta tensão, a construir para alimentar uma rede a criar, representa parcela elevada, às vezes preponderante, na despesa global da obra, e ao mesmo tempo a sua construção competir ao concessionário directo do Estado, que tem de integrá-la na sua concessão, não sendo por isso comparticipado, directa ou indirectamente.
Estas situações parecera só poder vir a ter remédio legalmente viável através da regulamentação da grande distribuição, conforme prescreve a Lei n.º 2002, regulamentação anunciada no n.º 2) do preâmbulo da proposta de lei.
A Câmara Corporativa, ao dar o seu acordo à base II, emite o voto de que rapidamente o Governo publique a referida regulamentação, sem a qual um largo sector da pequena distribuição não poderá, tirar todo o proveito do auxílio que a proposta de lei generosamente procura conceder-lhe.
BASE III
Não se teve em conta nesta base a conveniência de os municípios conhecerem, com a devida antecedência, se o pedido de comparticipação apresentado até 30 de Setembro (base IV) será ou não atendido no ano seguinte, o que leva a propor a seguinte redacção
Os pedidos de comparticipação serão dirigidos ao Ministro da Economia e os respectivos processos organizados e informados pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, que elaborará e submeterá a aprovação do Ministro até 30 de Novembro de cada ano o plano geral de comparticipações a conceder no ano seguinte, do qual deverão constar aã estimativas do custo das obras a realizar e das importâncias a conceder.
A Direcção-Geral comunicará aos interessados no plano, até 15 de Dezembro, o valor da comparticipação a conceder, para efeitos orçamentais do respectivo município ou federação de municípios.
BASE IV
Em virtude da alteração proposta à base III, parece conveniente alterar no mesmo sentido a data marcada para apresentação dos pedidos de comparticipação.
Por outro lado, a base estabelece os princípios que hão-de regular as prioridades que tenham de ser fixadas e os critérios que poderão determinar as percentagens das comparticipações.
A Câmara Corporativa, embora reconhecendo a falta de precisão que a redacção da base comporta, e, portanto, a possibilidade de certa dose de procedimento discricionário nas decisões da Administração, reconhece que seria difícil e por vezes até contraproducente a fixação muito rígida da doutrina, pelo que se limita a propor que na percentagem de cada comparticipação, além dos factores enunciados que podem intervir na sua fixação, seja tido em conta também um índice a definir na regulamentação da lei, que ligue de certa maneira a percentagem da comparticipação à despesa específica por consumidor a servir com a obra projectada.
Propõe-se ainda a supressão do último período da base, por poder constituir uma limitação embaraçosa, limitação que, no fundo, é feita ab initio pela dotação orçamental que exista e que condiciona o plano a que se refere a base III.
Por estas razões se propõe a seguinte nova redacção:
Os planos anuais a que se refere a base III serão elaborados a partir dos pedidos apresentados até 31 de Agosto, de modo a contemplar equitativamente todas as regiões do País, dando-se preferência, na medida do possível à construção de novas redes em localidades ainda não servidas aos pedidos formulados pelas câmaras municipais dos concelhos rurais e, dentre estas, pelas de menores recursos financeiros. Poderão estabelecer-se várias categorias de obras, com diferentes percentagens de
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comparticipação até ao máximo de 75 por cento, correspondendo as mais elevadas à construção de novas redes em zonas rurais de limitados recursos e às que impliquem, maior despesa por consumidor a servir, e as mais baixas a obras de remodelação, ampliação ou melhoramento de instalações existentes nos aglomerados populacionais mais importantes.
BASE V
Nada a alterar.
BASE VI
Nada a alterar.
BASE VII
Julga-se de eliminar nesta base a doutrina da alínea a), pois as obras nela referidos podem não ser exequíveis sem a comparticipação, e a melhoria das condições económicas do conjunto da exploração pode e deve servir de estimulante para o respectivo distribuidor ampliar a sua acção electrificadora.
Em virtude disto, a redacção passaria a ser:
Não poderão ser concedidas comparticipações para obras já executadas ou em execução.
Base VIII
Nada a alterar.
BASE IX
Julga-se conveniente introduzir na proposta de lei uma nova base, que tomaria este número, marcando o princípio da conveniência de aplicação de tarifas degressivas à venda de energia nas redes das entidades que solicitassem e obtivessem comparticipações para os seus trabalhos de expansão ou reforço das instalações.
Este princípio facilitaria uma gradual uniformização tarifária, acabando mais rapidamente com situações que hoje têm de considerar-se pouco admissíveis.
Para essa base se propõe a seguinte redacção:
A concessão de comparticipações poderá obrigar à introdução de tarifas depressivas para a venda de energia que deverão, contudo, garantir o equilíbrio económico de conjunto da exploração nas redes do peticionário ou seu concessionário.
BASE X
Como a base IX da proposta.
III
Conclusões
A Câmara Corporativa, de acordo com as considerações de ordem geral e especial expendidas ao longo deste parecer, dá o seu acordo à proposta de lei, com as alterações sugeridas, por considerá-la medida eficaz para acelerar o ritmo da electrificação rural.
A Câmara Corporativa confia em que o Governo promulgará com brevidade medidas de várias ordens, preconizadas agora e em anteriores pareceres, que igualmente poderão contribuir, pelo seu alcance técnico e económico, para levar rapidamente por diante, esta obra tão vasta da electrificação rural, que é de transcendente importância social e política na vida da Nação.
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Texto sugerido
BASE I
O Governo impulsionará a execução de obras da pequena distribuição de energia eléctrica, compreendendo o estabelecimento de novas redes e a remodelação
ampliação de redes existentes, mediante a concessão de qualquer das seguintes modalidades de auxílio:
a) Comparticipações do Estado, nos termos da base XXIII da Lei n.º 2002, de 26 de Dezembro de 1944;
b) Comparticipações pelo Fundo de Desemprego, nos termos das disposições aplicáreis.
BASE II
As comparticipações referidas na base I serão concedidas às câmaras municipais ou às federações de municípios, quer a distribuição de energia eléctrica seja feita directamente quer em regime de concessão. Neste último caso só poderão conceder-se comparticipações para o estabelecimento de novas instalações dentro dos limites das percentagens previstas nos respectivos cadernos de encargos e desde que as condições contratuais de avaliação dessas instalações, para efeitos de resgate ou de entrega no fim da concessão, tenham em conta as comparticipaçõese recebidas pelo concessionário.
Poderão ainda conceder-se comparticipações a outras entidades, nos casos em que houver legislação especial que assim o determine.
BASE III
Os pedidos de comparticipação serão dirigidos ao Ministro da Economia e os respectivos processos serão organizados e informados pelo Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, que elaborará e submeterá à aprovação do Ministro, até 30 de Novembro de cada ano, o plano geral das comparticipações a conceder no ano seguinte, do qual deverão constar as estimativas do custo das obras a realizar e das importâncias a conceder por comparticipação.
A Direcção-Geral comunicará aos interessados no plano, até 15 de Dezembro, o valor da comparticipação a conceder, para efeitos orçamentais do respectivo município ou federação de municípios.
BASE IV
Os planos anuais a que se refere a base III serão elaborados a partir dos pedidos apresentados até 31 de Agosto, de modo a contemplar equitativamente todas as regiões do País, dando-se preferência, na medida do possível, à construção de novas redes em localidades ainda não servidas, nos pedidos formulados pelas câmaras municipais dos concelhos rurais e, dentre estas, pelas de menores recursos financeiros. Poderão estabelecer-se várias categorias de obras, com diferentes percentagens de comparticipação até ao máximo de 75 por cento, correspondendo as mais elevadas à construção de novas redes em zonas rurais de limitados recursos e às que impliquem maior despesa por consumidor a servir, e na mais baixas a obras de remodelação, ampliação ou melhoramento de instalações existentes nos aglomerados populacionais mais importantes.
BASE V
Estudado em cada caso o orçamento da obra o depois de cumpridas as formalidades legais do seu licenciamento, serão fixadas, por portarias, as condições das comparticipações a conceder, designadamente o seu valor e o prazo para a execução dos trabalhos.
BASE VI
Quando as obras comparticipadas não forem concluídas dentro do prazo fixado na respectiva portaria, será este automaticamente prorrogado por dois períodos consecutivos iguais a metade do prazo inicial, sofrendo, porém, a comparticipação correspondente aos trabalhos não realizados um desconto de 5 a 10 por cento, con-
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forme estes sejam concluídos, respectivamente, no primeiro ou no segundo dos períodos atrás referido. Se as obras não forem concluídas dentro dos novos prazos resultantes das prorrogações automáticas, os saldos das comparticipações serão anulados e não serão concedidas novas comparticipações às entidades interessadas enquanto não tiverem realizado as obras a que diziam respeito os saldos anulados.
BASE VII
Não poderão ser concedidas comparticipações para obras já executadas ou em execução.
BASE VIII
As comparticipações serão concedidas por forma que não haja de satisfazer-se, em cada ano económico, quantia superior à sua dotação, adicionada dos saldos dos anos anteriores, podendo, porém, ser contraídos encargos a satisfazer em vários anos económicos, desde que os compromissos tomados caibam dentro das verbas asseguradas no ano económico em curso e nos dois seguintes.
BASE IX
A concessão de comparticipações poderá obrigar à introdução de tarifas degressivas para a venda de energia, que deverão, contudo, garantir o equilíbrio económico do conjunto da exploração nas redes do peticionário ou seu concessionário.
BASE X
O Governo adaptará a organização da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos às exigências impostas pela conveniente execução da presente lei.
Palácio de S. Bento, 16 de Março de 1955.
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.
João António Simões de Almeida.
Pedro Soares Pinto Mascarenhas Castelo Branco.
Isidoro Augusto Farinas de Almeida.
Joaquim Camilo Fernandes Álvares.
Mário Gonçalves.
Álvaro Salvação Barreto.
António Maria Santos da Cunha.
José Gonçalves de Araújo Novo.
Fernando Pais de Almeida e Silva.
MManuel Fernandes de Carvalho
José Augusto Vaz Pinto.
Luís Supico Pinto.
José Albino Machado Vaz, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA