O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 473

REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 46 VI LEGISLATURA 1955 7 DE ABRIL

PARECER N.º 20/VI

Projecto de proposta de lei n.º 507

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 307, elaborado pelo Governo sobre o regime jurídico do solo e subsolo dos planaltos continentais, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça e de Política e economia ultramarinas), à qual foi agregado o Digno Procurador José Caeiro da Mota, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. A presente proposta de lei declara a incorporação do planalto continental no domínio público do Estado.
Para determinação exacta do alcance da providência legislativa projectada e sua conveniente apreciação é indispensável averiguar, com o possível rigor, o significado da expressão e o estado actual da prática, do direito e da doutrina internacionais acerca do planalto continental.

2. A expressão planalto continental é a fórmula adoptada na proposta para traduzir (diga-se desde já com pouca felicidade) a expressão inglesa continental shelf, a que correspondem em francês as expressões plateau, plate-forme, socle ou senil; em espanhol, zóculo, eornisa, escalón, mexeta, estribo, reborde, bamco, terraza e planície; em alemão, Sockel, Flashsee e Plattform, e, em italiano, banco ou piattaforma.
Por estas diversas formas se designa uma zona do fundo do mar adjacente às terras emersas e que se considera, do ponto de vista geológico, como seu prolongamento.
Os limites desta zona não foram até hoje determinados com precisão, mas admite-se geralmente que doía faz parte o fundo do mar até à isobata das 100 braças (entre 180 m e 200 m).
Para além destas profundidades começa bruscamente o declive (ou talude) para as grandes profundidades pelágicas e abissais, as primeiras formadas pelas terras submersas até cerca de 5000 m, as segundas pelos grandes abismos oceânicos para além daquele limite.

3. A plataforma continental pode interessar aos Estados ribeirinhos por motivos de segurança e de utilidade económica.
Por motivos de segurança, porquanto, com os recursos da técnica moderna postos ao serviço da arte da guerra, pode ser utilizada como base de acções ofensivas dirigidas contra o seu território ou contra o respectivo mar territorial.
Por motivos económicos, porque nessa zona do leito marinho se encontram, ou podem encontrar, recursos naturais consideráveis, como a fauna e a flora subaquática, e, no subsolo correspondente, minerais de grande valor.
Entre estes últimos avultam o carvão e o petróleo, boje já em exploração por alguns Estados.

4.- Com base nestas razões, certos Estudos mais directamente interessados na exploração imediata das plata-

Página 474

474 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 46

formas correspondentes procuraram reservá-las para sua exclusiva, jurisdição, com vista tio aproveitamento dos recursos económicos já conhecidos ou que eventualmente venham a ser descobertos.
Os primeiros a tomar essa iniciativa foram a Grã-Bretanha e a Venezuela, que celebraram, em 26 de Fevereiro de 1942, um tratado, dividindo entre si a jurisdição exclusiva sobre as «áreas submarinas do golfo de Pária»,- entre a costa venezuelana e a ilha da Trindade.
Nos termos do artigo 1.º do tratado, por áreas submarinos deve entender-se o leito do mar e o subsolo correspondente, fora das águas territoriais.
Posteriormente outros Estados adaptaram a mesma atitude, mas por meio de simples declarações unilaterais, geralmente seguidas da publicação de providências' legislativas internas.
Assim procederam os Estados Unidos da América do Norte. Em 28 de Setembro de 1945 o Presidente Truman publicou uma proclamação na qual declarou:

Tendo em atenção a urgência de conservar e utilizar prudentemente os seus recursos naturais, o Governo dos Estados Unidos considerou os recursos naturais do solo e do subsolo da plataforma continental sob o alto mar, mas contígua às costas dos Estudos Unidos, como pertencendo a estes e sujeita à sua jurisdição e controle. No caso de a plataforma continental se estender até às costas de outro Estado, ou de ser partilhada com outro Estado, os limites devem ser determinados equitativamente pelos Estados Unidos e o Estado interessado. O carácter de alto mar das águias que cobrem a plataforma e o direito à livre navegação não poderão ser afectados por qualquer forma.

Declarações semelhantes, ou legislação interna, foram publicadas (posteriormente pelo México (29 de Outubro de 1945), pela Argentina(11 de Outubro ide 1946), pelo Panamá (l de Março de 1946), pelo Chile (23 de Junho de 1947), pelo Peru (l de Agosto de 1947), pela Costa Rica (37 de Julho de 1948), pelo Irão (19 de Março de 1950), por S. Salvador (7 de Setembro de 1950) e pelo Brasil (8 de Novembro de 1950), etc.
A Grã-Bretanha tomou providências semelhantes a respeito das Bahamas (26 de Novembro de 1948), da Jamaica (26 de Novembro de 1948), das Honduras Britânicas (9 de Outubro de )1950) e das ilhas Malvinas ou Fallhands (21 de Dezembro de 1950).
De todas estas providências são de pôr especialmente em relevo as que foram publicadas pela Argentina, pelo Chile e pelo Peru, por não se limitarem a afirmar o direito à jurisdição e controle sobre o solo e o subsolo da plataforma continental e reivindicarem o direito a extensas zonas do mar, para além dos limites dos águas territoriais.
No decreto argentino de 11 de Outubro de 1946 declara-se, no artigo 1.º, que pertence à soberania da nação o mar epicontinental e a plataforma continental argentina, dizendo-se, porém, no artigo 2.º, que, «para o efeito de livre navegação, o regime das águas do mar epicontinental e da plataforma continental argentina não é prejudicado».
Na declaração do Presidente do Chile de 23 de Junho de 1947 o Governo Chileno confirma e proclama a soberania nacional sobre a plataforma adjacente às costas continentais e insulares do território e, além disso, proclama a soberania sobre os mares adjacentes às costas, qualquer que seja a sua profundidade, em toda a extensão necessária para reservar, proteger, conservar e aproveitar todos os recursos e riqueza naturais de qualquer natureza que nos ditos mares se encontrem.
Afirma ainda que, desde logo, a protecção e o controle do Chile se exercerão sobre o mar compreendido entre a costa e uma paralela matemática projectada no mar a 200 milhas marítimas de distância do litoral chileno.
A declaração termina com a afirmação de que a proclamação da soberania chilena sobre as zonas acima mencionadas não prejudica os legítimos direitos semelhantes de outros Estados, na base da reciprocidade, nem os direitos à livre navegação no alto mar.
O decreto peruano de l de Agosto de 1947 proclama também a soberania sobre a plataforma continental e sobre o mar adjacente às costas, em termos semelhantes aos da declaração chilena, reivindica o direito de delimitar as zonas de controle e protecção das riquezas nos mares continentais e insulares perua-nos e afirma que, desde logo, o Peru exercerá os seus direitos numa zona compreendida entre o litoral e uma linha imaginaria paralela traçada sobre o mar a 200 milhas marítimas de distância, medidas seguindo a linha dos paralelos geográficos.

5. Do que anteriormente se expôs o que interessa pôr em relevo é que certos Estados reivindicam direitos exclusivos sobre a plataforma continental.
Pode haver dúvidas quanto à qualificação, perante o Direito Internacional, dos direitos reivindicados, mas há que contar, como dado de facto da vida internacional, com a sua reivindicação.
Qual será, porém, o regam e jurídico internacional da plataforma?

6. No Direito Internacional convencional são escassos os princípios relativos ao regime jurídico do mar.
Os princípios fundamentais nesta matéria constam do Direito Internacional comum, formado exclusivamente por regras consuetudinárias.
O princípio mais importante, que a este respeito se pode considerar consagrado pelos costumes internacionais, é o da liberdade dos mares, que sintetiza o regime de utilização das águas marítimas não integradas rio território dos Estados. De tal princípio resultam, como seus corolários, o direito de livre navegação, o direito de pesca e o direito de imersão de cabos submarinos no alto mar.
O princípio está, porém, sujeito a certos limites impostos por normas convencionais ou consuetudinárias.
O que mais interessa pôr agora em relevo é o que resulta de certas zonas de mar estarem reservadas à jurisdição exclusiva dos Estados, como elementos constitutivos dos seus territórios.
Essas zonas são formadas pelas faixais marítimas imediatamente adjacentes às costas e constituem o que comummente se denomina mar territorial, jurisdicional, litoral ou nacional, ou águias territoriais, jurisdicionais, litorais ou nacionais.

7. A respeito do mar territorial suscitam-se ainda hoje vários problemas no Direito Internacional.
Pode dizer-se mesmo que a única regra geralmente aceite a seu respeito é a de que o território dos Estudos que confinam com o mar compreende o mar adjacente numa certa extensão.
A medida exacta desta não consta do Direito Internacional e a prática das relações internacionais, até hoje, tem sido no sentido de deixar a determinação de tal medida à decisão unilateral dos Estados, embora haja a este respeito uma certa uniformidade de pro-

Página 475

7 DE ABRIL DE 1955 475

cedimento (normalmente a extensão do mar territorial varia entre 3 e 12 milhas marítimas).
Nos limites do mar territorial é princípio assente que o Estado exerce a plenitude dos direitos soberanos sobre as águas, o solo por elas coberto, o subsolo correspondente e o espaço aéreo superior. Tais direitos, porém, estão sujeitos a limites, impostos pelo Direito Internacional, dos quais o mais importante é o que deriva de um costume internacional consagrar, a favor de todos os Estados, um direito geral de navegação nos mares territoriais, habitualmente denominado direito à passagem inofensiva.

8. 0s limites no princípio de liberdade dos mares, derivados do reconhecimento, a favor dos Estados, de certas direitos que incidem sobre as águas marítimas tendem nos últimos tempos a alargar-se.
Assim, desde há muito que se vem desenhando na prática e, correlativamente, nas doutrinas dos jusinternacionalistas, a tendência para admitir que aos Estados deve reconhecer-se a faculdade de exercer certos direitos na zona do mar contígua no mar territorial, tendo em vista a defesa de interesses nacionais de segurança e de protecção económica e sanitária.
Nesta zona -denominada zona contígua, e que se situaria fora dos limites das águas territoriais, no alto mar, portanto-, o Estado mão gozaria de direitos de soberania, mas disporia de certas faculdades consentidas pelo Direito Internacional.
Os internacionalistas mais autorizados admitem que os direitos dos Estados, relativamente à zona contígua, dizem respeito à fiscalização aduaneira, à fiscalização sanitária e à defesa da sua segurança geral.

9. Definido assim o esquema geral do regime jurídico internacional do mar, interessa considerar especialmente, por dizer respeito à matéria de que trata a proposta de lei em exame, o aspecto particular do regime jurídico do solo coberto pelas águas marítimas e do subsolo correspondente.
A este respeito dispõe-se desde já de um dado positivo.
O solo coberto pelas águas territoriais e o subsolo correspondente estão sob jurisdição exclusiva do Estado e cujo território pertence o mar territorial.
O problema coloca-se, portanto, exclusivamente quanto ao alto mar, e a este respeito, não há que ter em conta a zona contígua, porque os eventuais direitos dos Estados quanto a esta até há pouco tempo só respeitavam às águas.

10. Até às primeiras declarações dos Estados relativamente à plataforma continental a prática e a doutrina internacionais eram hesitantes acerca do regime jurídico do solo e do subsolo marinhos, fora dos limites do mar territorial.
As opiniões variavam entre considerarem-nos rés nullius, e, portanto, susceptíveis de ocupação, ou rés communis, e, consequentemente, passíveis de utilização por todos os membros da sociedade dos Estados.
Eram unânimes, porém, todas as opiniões em sustentar que fosse qual fosse o regime jurídico daquela parte do mar, sempre os direitos que viessem a ser reconhecidos aos Estados não poderiam prejudicar o princípio de liberdade dos mares com os seus corolários.
Pode afirmar-se ainda que a tendência dominante era no sentido do considerar que, se tais limites não fossem ultrapassados, os Estudos marginais podiam livremente explorar os recursos do solo e do subsolo marinhos mesmo fora dos mares territoriais.
Na prática vários Estados assim procederam ou planearam proceder.
Como exemplo pode apontar-se a exploração de minas de carvão pela Grã-Bretanha (minas da Cornualha, cuja exploração é regulada pelo Cornwall Submarine Act, de 2 de Agosto de 1858) e pela França {minas de Dielette, na Mancha).
Num e noutro caso as galerias de exploração prolongam-se por vários quilómetros no subsolo marinho.
Ainda como exemplo do mesmo género podo indicar-se a exploração de petróleo pela Superior Oil nos mares da Califórnia, utilizando instalações à superfície das águas.
Dos planos de utilização do subsolo marinho que não chegaram a ser postos em prática são de citar especialmente os projectos de túneis sob o canal da Mancha, entre as costas britânica e francesa, e sob o estreito de Gibraltar, entre as costas europeia e africana.

11. As declarações mencionadas, reivindicando direitos específicos sobre a plataforma continental, deram nova feição ao problema do regime jurídico do solo e do subsolo do mar fora dos limites do mar territorial.
A posição assumida por grande número de potências, entre as quais se contam duas das maiores potências mundiais (Estados Unidos da América e Grã-Bretanha), e as maiores potências da América do Sul (Brasil, Argentina, Chile e Peru), representa o início de uma prática nas relações das potências que não podia deixar indiferente as instituições que se ocupam, por interesse científico ou político, do estudo das questões inerentes ao regime jurídico das relações internacionais.
Por isso, tais declarações suscitaram uma série de estudos e de projectos com o objectivo de definir um regime jurídico preciso da plataforma continental.
Dos trabalhos realizados sobre esta matéria interessam especialmente, por motivos evidentes, os que foram efectuados pela Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas.

12. Na sua primeira sessão, que teve lugar em 1949, esta Comissão incluiu no seu programa de trabalhos o estudo do regime do alto mar.
Na sessão seguinte, em 1950, a Comissão apreciou o relatório apresentado sobre o assunto e em que, entre outras matérias concernentes ao regime do alto mar, se tratava dos problemas relativos à plataforma continental.
Novo relatório sobre a mesma matéria lhe foi presente em 1951, do qual foi dado conhecimento aos Estados membros das Nações Unidas.
Da revisão do relatório à luz dos comentários que lhe foram feitos pelos Estados resultou a elaboração, um 1953, de um projecto de artigos relativos à plataforma que, pelo seu interesse, a seguir se transcreve:

ARTIGO 1.º

Neste articulado, a expressão «plataforma continental» (continental shelf) significa o solo e o subsolo da área submarina contígua à costa, mas fora da área das águas territoriais, até à profundidade de 200 m.

ARTIGO 2.º

O Estado ribeirinho exerce direitos soberanos sobre a plataforma continental, para o fim de investigar e explorar as suas riquezas naturais.

ARTIGO 3.º

Os direitos do Estado ribeirinho sobre a plataforma continental não afectam o estatuto legal das águas superjacentes como alto mar.

Página 476

476 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 48

ARTIGO 4.º

Os direitos do Estado ribeirinho sobre a plataforma continental não afectam a estatuto legal do espaço aéreo superior.

Artigo 5.º

Sem prejuízo do direito de pôr em prática providências razoáveis para a investigação científica na plataforma continental e para a exploração das suas riquezas naturais, o Estudo ribeirinho não poderá impedir o estabelecimento ou manutenção e cubos submarinos.

ARTIGO 5.º

1. Da investigação científica na plataforma continental e da exploração das suas riquezas naturais não poderá resultar qualquer interferência injustificada na navegação, pesca ou produção de peixe.
2. Sem prejuízo do disposto nas alíneas a) a c), o Estudo ribeirinho poderá construir e manter nu plataforma continental as instalações necessárias para a investigação e exploração das riquezas naturais nela existentes, definir zonas de segurança a distâncias razoáveis em redor de tais instalações e estabelecer dentro de tais zonas as medidas necessárias para sua protecção.
3. Tais instalações, apesar de ficarem sob protecção do Estado ribeirinho, não gozarão de estatuto de ilha, não terão mar territorial próprio e a sua presença não afectará a delimitação das águas territoriais do Estado ribeirinho.
4. Deverão fazer-se avisos das instalações a construir e adoptar-se sistemas de sinalização das instalações construídas.
5. Nem as instalações nem as respectivas zonas de segurança poderão ser estabelecidas em canais estreitos ou em passagens reconhecidamente essenciais para a navegação.

ARTIGO 7.º

1. Quando a plataforma continental for contígua aos territórios de dois ou mais Estados cujas costas sejam fronteiras, o limite das zonas da plataforma pertencentes a cada um desses Estados é, na falta de acordo, ou se outra linha divisória não se justificar por circunstâncias especiais, a linha média de todos os pontos equidistantes das linhas-base, a partir das quais se mede a largura dos mares territoriais respectivos.
2. Quando a plataforma continental for contígua ao território de dois Estados adjacentes, o limite das zonas da plataforma pertencente a cada Estado, na falta de acordo, ou se outro limite se não justificar por circunstâncias especiais, será determinado pela aplicação do princípio da equidistância das linhas-base, a partir das quais se mede a largura dos mares territoriais respectivos.

ARTIGO 6.º

Os conflitos que possam surgir entre Estados acerca da interpretação ou aplicação destes princípios serão resolvidos por arbitragem a, pedido de qualquer das partes.
O projecto acima transcrito foi submetido à apreciação da Assembleia Geral das Nações Tinidas, que, por resolução de 7 de Dezembro de 1953, decidiu não o apreciar, por considerar que o problema devia ser estudado conjuntamente com os restantes suscitados pelo regime jurídico internacional do mar.
Resolução semelhante foi aprovada em 14 de Dezembro de L954, na qual se recomendou à Comissão de Direito Internacional a preparação de uni novo relatório em que fossem analisadas conjunta mente as questões inerentes ao regime do alto mar, do mar territorial, dos zonas contíguas e da plataforma continental e águas super jacentes.
Prevê-se a discussão de tal relatório na sessão da Assembleia que terá lugar em 1956.

13. Além da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, têm-se ocupado do estudo do regime jurídico da plataforma continental algumas instituições científicas internacionais, como a International Law Association, a International Bar Association e o Instituto Hispano-Luso-Americano de Direito Internacional.
A International Law Aasociation na sua 43.º reunião, em Bruxelas, em Agosto-Setembro de 1948, ocupou-se do problema dos «direitos ao subsolo do mar», questão que compreendia, evidentemente, a dos direitos à plataforma continental.
Na 44.º reunião, em Copenhaga, em Agosto-Setembro de 1950, o estudo do problema foi retomado, tendo continuado a sua discussão na reunião seguinte, em 1952, em Lucerna.
A International Bar Association, em Julho de 1950, numa reunião realizada em Londres, ocupou-se, entre outros assuntos, do estudo da «natureza e objecto dos direitos reivindicados ou exercidos pelos Estados do hemisfério ocidental sobre as águas adjacentes às costas e subsolo correspondente».
O Instituto Hispano-Luso-Americano de Direito Internacional também se ocupou do problema no Congresso de Madrid (2 a 12 de Outubro de 1951) e no Congresso de S. Paulo (2 a 12 de Outubro de 1953).

14. Descrito, nas suas linhas gerais, o movimento de interesse suscitado na esfera internacional pela questão do regime jurídico da plataforma, pode dizer-se que a orientação geral que o domina é caracterizada pela tendência muito acentuada para admitir a favor dos Estados marginais direitos exclusivos, pelo menos quanto à exploração o aproveitamento dos recursos naturais nela existentes.
A mesma orientação se verifica nos autores que do problema se têm ocupado sob o ponto de vista doutrinal.
Citam-se, apenas para ilustrar a afirmação, Gilbert Gidel, La Plataforma Continental ante el Derecho, Valhadolid, 1951, José Luís de Ascárraga, Ta Plat-afora Submarina y el Derecho Internacional, Madrid, 1952, Tereza H. I. Flouret, La Doutrina de La Plataforma Submarina, Madrid, 1952.

15. A presente proposta de lei vem definir a posição portuguesa no movimento internacional que descrevemos.
Para sua apreciação, e especialmente para determinar o seu alcance exacto, tem interesse situá-la no actual panorama da ordem jurídica portuguesa acerca dos espaços marítimos.
Por isso, a seguir se expõe as linhas gerais do direito português sobre a matéria.

16. Na ordem jurídica portuguesa não há actualmente nenhum preceito de ordem geral que defina a extensão do mar territorial português.
O Alvará de 4 de Maio de 1805, em harmonia com o princípio enunciado por Bynkershoek, segundo o qual

Página 477

7 DE ABRIL DE 1955 477

imperium terrae finitur ubi finitur armorum potestas, dizia pertencerem ao domínio do Estado:

Os mares territoriais e adjacentes em tanta distância quanta abranja o tiro de canhão, ainda que não haja baterias em frente da situação (§ 2.º).

Posteriormente, em nenhum preceito de ordem geral se repetiu regra semelhante ou equivalente.
O Código Civil, depois de classificar as águas em públicas, comuns e particulares, integrou na primeira categoria as águas salgadas das costas, enseadas, baías, fozes, rios, esteiras e seus leitos (artigo 380.º, n.º 2.º), sem definir a extensão de tais águas.
Igual orientação foi seguida no Decreto n.º 8 do l de Dezembro de 1892, relativo à organização dos serviços hidráulicos e respectivo pessoal, que qualificou como públicas a as águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos artificiais, docas, fozes, rias, esteiros e seus respectivos leitos, cais e praias, até onde alcançar o colo da máxima preia-mar de águas vivas» (artigo 1.º, n.º 1.º).
A Lei das Águas (Decreto n.º 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, semelhantemente diz que são de domínio público «as águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos artificiais, docas, fozes, rias, esteiros e seus respectivos leitos, cais e praias, até onde alcançar o colo da máxima preia-mar das águas vivas» (artigo l.º, n.º l.º).
Esta orientação foi acolhida pela Constituição Política de ]933, que, no seu artigo 49.º, n.º 2.º, inclui no domínio público do Estudo «as águas marítimas com os seus leitos».
Posteriormente, o Decreto n.º 35 463, de 23 de Janeiro de 1946, reproduziu para o ultramar a regra do artigo 1.º, n.º 1.º, da Lei das Águas (artigo 1.º, n.º 1.º).
Nenhum destes preceitos, como se vê, toma posição quanto ao problema da extensão das águas marítimas que fazem parte do domínio público, ou que, porventura, nem pertencerem ao domínio público, estão sob jurisdição soberana do Estado Português.
Há, porém, diplomas especiais em cujas disposições o problema está previsto.
São os diplomas relativos à fiscalização aduaneira, à pesou e ao policiamento, para certos fins, das águas adjacentes às costas portuguesas.
Quanto à fiscalização aduaneira, o artigo 46.º do Decreto n.º 31 665, de 22 de Novembro de 1941 (Reforma Aduaneira), reproduzindo o que se dispunha no artigo 211.º, n.º 1.º, do Decreto de 27 de Maio de 1911, diz:

A jurisdição das alfândegas exercer-se-á, com carácter habitual ou permanente, sob a sua acção directa ou por intermédio dos seus delegados:

2.º Na zona marítima de respeito considerada de 6 milhas.

Relativamente à pesca, as Leis n.os 735, de 10 de Julho de 1917 (artigos 1.º e 2.º), e 1514, de 20 de Dezembro de 1923 (artigos 1.º e 2.º), (proíbem a pesca por embarcações estrangeiras nas águas territoriais portuguesas e dizem que o limite de tais águas será determinado, em relação aos pescadores estrangeiros, pela linha adoptada na legislação em vigor nos respectivos países.
O Decreto n.º 14 354, de 29 do Setembro de 1927 (artigo 1.º), tornado extensivo às províncias ultramarinas pulo Decreto n.º 14 853, de 5 de Janeiro de 1928, proíbe o derramamento de óleos, gasolina, petróleo, nafta, etc., e dos seus resíduos, dentro dos águas territoriais portuguesas, ou seja até 6 milhas de distância das costas portuguesas.
Quanto à pesca, ainda se pode citar n Convenção Luso-Espanhola de 27 de Maio de 1893, segundo a qual, para efeitos de pesca por embarcações espanholas, se fixou também em 6 milhas a extensão do mar territorial.
Em face desta uniformidade de orientação, embora falte um preceito geral que defina a extensão do mar territorial português, pode afirmar-se que existem elementos na ordem jurídica portuguesa que permitem considerar que essa extensão é de 6 milhas.
Tem-se discutido na doutrina o problema de saber se o mar territorial, em toda a sua extensão, se deve considerar no domínio público ou, pelo contrário, se este só compreende aquele até certa extensão, exercendo o Estado na parte restante apenas direitos de soberania.
Não compete à Câmara tomar posição na polémica.
Apenas se notará que, seja qual for a natureza dos direitos do Estado por que se deva concluir, em qualquer hipótese, tais direitos, em harmonia com os princípios do Direito Internacional geralmente aceites, dizem respeito não só às águas territoriais, mas também ao solo e ao subsolo correspondentes.
Nestes termos, a zona da plataforma continental correspondente ao mar territorial já hoje está sob jurisdição exclusiva do Estado Português.
A proposta de lei submetida à apreciação da Câmara só inova, portanto, ma medida em que se refere à parte da plataforma que está fora daqueles limites.

17. Os aspectos da proposta que cumpre agora examinar, visto que, por enquanto, se trata apenas da sua apreciação na generalidade, são os da sua conveniência e oportunidade.
Quanto ao primeiro aspecto, parece não haver dúvida de que a providência legislativa proposta é conveniente.
Na verdade, perante o movimento internacional que descrevemos não pode deixar de se considerar conveniente que Portugal tome posição quanto à plataforma correspondente ao seu território.
Embora, como oportunamente se pôs em relevo, a tendência gemi da opinião internacional seja no sentido do reconhecimento dos direitos dos Estados marginais sobre aquela zona do solo do mar, o certo é que muitas dúvidas ainda se verificam quanto à natureza e ao meio de aquisição de tais direitos.
A Câmara não tem de tomar posição aio debate, mas, a título de esclarecimento, indicam-se quais as principais teses em discussão, para se ver como é de aconselhar à definição da posição de Portugal.

18. Do conjunto de opiniões individuais e colectivas emitidas sobre o problema apuram-se as seguintes orientações fundamentais:

a) A plataforma continental não pode ser apropriada exclusivamente por nenhum Estado, porque a sua superfície, isto é, o seu solo, é res communis, como as águas do alto mar que a cobrem, e, consequentemente, pertence à comunidade internacional;
b) A plataforma continental pode ser apropriada por qualquer Estado, porque toda ela - solo e subsolo - é rés nullius, e, como tal, susceptível de apropriação pelo primeiro ocupante (tal ocupação, dizem alguns, não tem de ser efectiva, bastando mera ocupação simbólica, nominal ou fictícia, com base mima simples declaração oficial, como as que já foram publicadas por alguns governos);
c) A plataforma continental pertence ipso jure ao Estado adjacente e está submetida à sua soberania ou, como alguns autores dizem, ao deu controle e jurisdição;

Página 478

478 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 46

d) A plataforma continental, independentemente do alcance do seu «significado geográfico e da sua natureza jurídica, está sujeita ao contrôle e jurisdição do Estado ribeirinho, com vista à exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais;
e) A plataforma continental é uma esfera de influência e interesse dos Estados ribeirinhos.

19. Excluída a, mencionada na alínea a), que é a que menos adesões tem merecido, as opiniões vadiam, tomo se vê, entre a atribuição da titularidade ipso jure de poderes aos Estados sobre a plataforma e a sua aquisição por meio de actos de ocupação, que geralmente se aceita poder ser meramente simbólica.
Não é possível determinai com rigor qual será a este respeito o sentido da evolução do Direito Internacional.
Basta, portanto, esta, dúvida para justificar que os Estados interessados na exploração da plataforma continental marquem posição, proclamando expressamente os seus direitos.
Assim se evitarão eventuais dificuldades no futuro, se o Direito Internacional positivo acolher as teses de que a plataforma é res nullius, susceptível, portanto, de apropriação pelo primeiro ocupante, ou simples esfera de influência do Estado marginal.
Mas, mesmo que o Direito Internacional venha a acolher a, tese de que a plataforma pertence, ipso jure, ao Estado marginal, há toda a vantagem, sob o ponto de vista do Direito interno, sem definir claramente a posição do Estado quanto ao aproveitamento, dos recursos que eventualmente ,nela existam.

ara estas razões a Câmara Corporativa, encarando a proposta sob este prisma, considera-a conveniente e merecedora de aprovação pela Assembleia Nacional.
Não haverá, porém, outras razões que a desaconselhem?

20. São aparentemente impressionantes os argumentos que põem em relevo que, aceite o princípio da jurisdição exclusiva do Estado marginal sobre a plataforma continental, correlativamente se cerceiam ou excluem os direitos de todos os Estados ao aproveitamento dos recursos nela existentes.
Este aspecto do problema teria particular importância no que respeita à pesca e interessaria especialmente ao nosso país, dado que a nossa, frota pesqueira exerce normalmente a sua actividade em águas que cobrem plataformas de outros Estados.
É evidente que a impossibilidade de exercício desta actividade viria afectar gravemente a economia nacional.
A Câmara não considera, porém, estes argumentos relevantes.
Desde que se defina no Direito internacional uma regra consagrando os direitos dos Estados sobre a plataforma, e parece indubitável, como se mostrou, estar-se a caminho disso, é evidente que, se Portugal se abstiver de definir a sua posição, isso não impedirá que os outros Estados o façam.
Além disso, a tendência das regras em formação é para respeitarem apenas ao solo e subsolo da plataforma, não afectando o regime de utilização das águas do alto mar para a navegação, penca e imersão de cabos submarinos.
É de pôr em relevo, especialmente a este respeito, o artigo 3.º do projecto da Comissão do Direito Internacional da Organização das Nações Unidas, que se transcreveu no n.º 12, e que as únicas declarações estaduais acerca da plataforma continental que suscitaram reacção foram as da Argentina, do Chile e do Peru, na parte em que reivindicam direitos especiais sobre as águas do alto mar.
Efectivamente, o Governo dos Estados Unidos da América, em notas de 2 de Julho de 1948, dirigidas àqueles Estados, o todas de igual teor, depois de manifestar o seu regozijo pela aceitação dos princípios relativos à plataforma continental, contesta a validade das reivindicações de direitos sobro as águas marítimas para além dos limites do mar territorial.
Não há, portanto, razões que levem a modificar a conclusão anterior.
Será, porém, oportuna a apresentação da proposta neste momento?

2l. A questão da oportunidade da proposta pode perfeitamente colocar-se, embora se admita o princípio da necessidade da publicação de uma providência legislativa acerca dos direitos do Estado sobre a plataforma continental.
Na verdade, se a proposta vier a ser aprovada na Assembleia Nacional, Portugal será o primeiro Estado da Europa a proclamar, em termos gerais, os seus direitos à plataforma continental em toda a extensão dos seus domínios territoriais.
Poderia julgar-se ser mais prudente aguardar que se definisse com mais clareza o regime jurídico internacional da plataforma.
As razões atrás aduzidas acerca das vantagens de se definir posição no assunto justificam, porém, que desde já se legisle sobre a matéria.
De resto, assim se contribuirá para a formação de uma prática internacional, através da qual se poderá originar uma norma consuetudinária sobre a matéria, ou se apressará a negociação de um tratado internacional em que o assunto seja objecto de regulamentação jurídica expressa.
Não se esqueça também que nem só na Europa se situa o território português e que temos noutros continentes, territórios, relativamente aos quais a oportunidade se pode apresentar com aspectos diferentes dos da aparente indiferença europeia.

II

Apreciação na especialidade

Base I

22. Esta base é a fundamental na economia da proposta.
Antes de se pronunciar sobre o fundo do preceito, a Câmara entende dever observar que a terminologia nele adoptada não é a mais conveniente e rigorosa.
Como se observou na primeira parte deste parecer, a expressão planalto continental é tradução infeliz da fórmula inglesa continental shelf.
À palavra planalto, nos melhores dicionários, e dado o significado de terreno elevado e plano, de planície sobre montes ou de terreno elevado que se estende em planície (Cândido de Figueiredo e Caldas Aulete), o que evidentemente não sugere a ideia da terra submersa.
Por isso, embora a expressão planalto continental tenha uma certa tradição em Portugal (veja-se, por exemplo, o relatório da Comissão permanente de Direito Marítimo Internacional, de que foi relator o vice-abnirante Vicente de Almeida de Eça, in Boletim da Faculdade de Direito, de Coimbra, vol. VII, pp. 381 e seguintes), não nos parece muito apropriado o seu emprego.
Na literatura estrangeira da especialidade as expressões mais geralmente lidadas são as que correspondem à expressão portuguesa plataforma continental.

Página 479

7 DE ABRIL DE 1955 479

Esta, porém, também não é de um grande rigor, porque a zona do fundo do mar que por ele se quer designar pode ser contígua a territórios continentais ou a territórios insulares.
Parece, por isso, preferível a expressão plataforma submarina, proposta por José Luís Ascárraga.
A Câmara, porém, julga que a última palavra na matéria pertencerá ao Direito Internacional quando definir os princípios fundamentais sobre o regime da plataforma.
Embora, como se disse, dele não constem regras precisas sobre a matéria, verifica-se que nos projectos e trabalhos doutrinais referidos nos n.os 12 e 13 a expressão mais usada é a correspondente à expressão portuguesa plataforma, continental.
É de supor que venha esta a ser adoptada no Direito Internacional. Por isso se afigura preferível à Câmara a sua adopção na presente proposta de lei.
Quanto à doutrina da base, observa-se que a qualificação da plataforma, como parte do domínio público do Estado implica, a aceitação do princípio de que ele faz parte do território nacional.
Poderá, portanto, parecer preferível que na base I a declaração de dominialidade da plataforma procedesse da afirmação da sua integração no território do Estado.
O território do Estado está, porém, definido no artigo l.º da Constituição Política, por referência, em função de localização geográfica, às diversas partes do domínio terrestre.
Não se julgou necessário incluir no texto constitucional referência expressa aos outros elementos do território (domínio fluvial e lacustre, domínio aéreo e domínio marítimo), por se considerar que a referência genérica ao território abrange necessariamente todas as suas partes constituintes.
Desde que do Direito Internacional venha a constar que a plataforma faz parte, em todas as hipóteses, do território dos Estados, não haverá, efectivamente, necessidade de o mencionar expressamente nas respectivas legislações internas.
A Câmara considera, por isso, que a declaração de dominialidade é suficientemente expressiva de integração da plataforma no território nacional.
Em harmonia com as considerações feitas, sugerem-se, por isso, apenas alterações de redacção da base destinadas a torná-la mais clara e mais harmónica com a terminologia consagrada pelas instituições internacionais.

A redacção que se sugere é a seguinte:

O leito do mar e o subsolo correspondente nas plataformas submarinas contíguas às costas marítimas portuguesas, continentais ou insulares (plataformas continentais), fora dos limites do mar territorial, pertencem ao domínio público do Estado.

BASE II

23. A matéria desta base respeita ao problema dos limites da plataforma.
A questão pode ser discutida sob o aspecto dos critérios gerais a adoptar para a definição de tais limites e sob o aspecto, subsidiário do primeiro, da forma de aplicar tais critérios em concreto.
No segundo aspecto, a questão fundamental que se suscita é a da delimitação das zonas sob jurisdição dos Estados marginais, quando a mesma plataforma seja contígua ao litoral de vários Estados.
Ainda se não assentou num critério geral indiscutível para a delimitação da plataforma.
O critério mais geralmente usado : até hoje baseia-se na geomorfologia do solo do mar e define como limite da plataforma a linha onde começa o declive ou talude para as grandes profundidades oceânicas, que é, como só disse, a linha definida pela isobata das 100 braças.
A aplicação deste critério encontra várias dificuldades, resultantes da irregularidade do fundo do mar.
As principais suo as seguintes:

a) Podem, existir várias isobatas contíguas de 100 braças;
b) A plataforma pode ser descontínua, isto é, podem existir vales submarinos ou fracturas de maiores profundidades do que os normais na plataforma.

A consideração destas dificuldades tem feito hesitar :is 'instituições internacionais quanto ao critério de delimitação a adoptar.

A consideração de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas, por exemplo, no seu projecto de 1951, adoptou o critério da explorabilidade dos recursos da plataforma, segundo o qual os direitos dos Estados à plataforma deveriam incidir sobre os zonas em que a profundidade das águas surperjacentes permite a exploração dos recursos naturais do solo e subsolo». No projecto de 1953, porém, já se adoptou o limite da isobata 200 m.
Na base em exame não se toma posição expressa no problema.
O limite dos 200 m de profundidade funciona apenas para definir a competência do Estado para fazer concessões relativamente à plataforma.
Daqui parece poder concluir-se que se pretendeu marcar a posição de que os limites da plataforma serão aqueles que vierem a ser apurados no Direito Internacional.
A Câmara considera que neste momento é esta a melhor orientação, em face da incerteza de prática e da doutrina internacionais.
Não pode, porém, deixar de notar que é de prever que, a respeito dos limites da plataforma, suceda o mesmo que em relação à extensão do mar territorial, sobre a qual ainda se não definiu doutrina interuacional uniforme.
A verificar-se esta hipótese, será indispensável completar, neste aspecto, a providência legislativa agora proposta, definindo-se expressamente, como era relação ao mar territorial, até onde se estende a jurisdição do Estado Português.
Quanto ao segundo aspecto do problema, isto é, quanto à aplicação em concreto dos limites da plataforma no caso em que sobre ela incidam direitos de vários Estados, os processos que têm sido propostos são as negociações directas e o acordo entre os Estados e a arbitragem.
No § único da base II prevê-se o problema e define-se o princípio de que, a verificar-se a necessidade de delimitação, as concessões só poderão ser feitas depois de prévia definição da linha de limite.
Não se dizem quais os meios a usar para esse fim.
Pressupõe-se, portanto, que serão os meios geralmente admitidos no Direito Internacional para a resolução de problemas que interessem conjuntamente a vários Estados, nomeadamente os processos praticados na sociedade internacional para n delimitação de territórios de Estados contíguos.
Em face do que se expõe, a Câmara entende que a base II da, proposta pode ser aprovada, substituindo-se, como na anterior, a expressão planaltos continentais pela de plataformas continentais.

Página 480

480 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 46

BASE III

24. Nesta base define-se o regime da plataforma, relativamente aos princípios internacionais aplicáveis ao alto mar.
Como já se observou, os direitos do Estado a plataforma continental não contendem com tais princípios, dos quais o dominante é o princípio da liberdade de utilização dos mares ou princípio da liberdade dos mares.
Este princípio não é, efectivamente, prejudicado pelo reconhecimento da jurisdição exclusiva dos Estados sobre parte do solo que as águas do alto mar cobrem. Tem de se admitir, porém, que o Direito Internacional evolua no sentido de garantir o exercício dos direitos sobre a plataforma, permitindo certas derrogações à regra.
Na verdade, a exploração dos recurso do solo e do subsolo da plataforma, desde que se faça com base em instalações à superfície das águas, supõe necessariamente a ocupação, pelo menos temporária, do parte das águas do alto mar.
Em que medida tais limites virão a ser reconhecidos pelo Direito Internacional não se pode prever.
É de citar, como orientação que possivelmente virá a ser acolhida, o que se dispõe no artigo 6.º do projecto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, transcrito no n.º 12.
A redacção da base da proposta agora em exame foi delineada em termos tais que harmoniza o respeito pelos princípios do regime jurídico do alto mar com a admissão de limites a tais princípios impostos pelo Direito Internacional.
Por isso, a Câmara lhe não faz qualquer observação, ressalvada a modificação de nomenclatura já referida com respeito às bases anteriores.

BASE IV

25. Nesta base define-se como órgão competente para fazer concessões para exploração dos recursos naturais existentes na plataforma o Conselho de Ministros.
A particularidade dos problemas que pode suscitar a exploração de tais recursos, derivada da sua importância e das implicações que pode ter com questões internacionais, justifica plenamente que se revista de todas as cautelas o acto de concessão.
Por isso, a Câmara aprova plenamente a atribuição da competência para conceder ao Conselho de Ministros, porque assim cada caso poderá ser examinando sob todos os aspectos relevantes para os interesses superiores do Estado, incluindo o dos seus interesses internacionais.
As mesmas razões justificam que do mesmo órgão dependa a transmissão de direitos pelos concessionários.
A este respeito, porém, a Câmara sugere que a intervenção do Conselho se faça não a posteriori, mediante aprovação das transmissões, como consta da base em exame, mas a priori, mediante autorização.
A doutrina do § único da base merece inteira aprovação.
A exigência da prestação de caução pelos concessionários acautela a defesa dos interesses do Estado, garantindo o pagamento pelos directos responsáveis das indemnizações devidas por eventuais prejuízos de terceiros.

26. A Câmara sugere ainda que na proposta se inclua uma nova base, na qual se declare expressamente a aplicação do regime legislativo em projecto a todo o território português.
Assim se evitarão as dúvidas que eventualmente possam suscitar-se quanto a aplicabilidade da lei em estudo ao ultramar, em. consequência do princípio expresso no artigo 149.º da Constituição Política, segundo o qual as províncias ultramarinas se regerão, em regra, por legislação especial.
A redacção que se propõe é a seguinte:

A presente lei aplica-se a todo o território português.

III

Conclusões

27. A Câmara Corporativa, tendo examinado na generalidade e na especialidade o projecto de proposta de lei n.º 507, relativo às plataformas continentais contíguas às costas marítimas portuguesas, e atendendo ao que se expôs, é de parecer que a proposta deve ser aprovada, com as modificações de redacção sugeridas, ficando, portanto, assim redigida:

BASE I

O leito do mar e o subsolo correspondente nas plataformas submarinas contíguas às costas marítimas portuguesas, continentais ou insulares (plataformas continentais), fora dos limites do mar territorial, pertencem ao domínio público do Estado.

BASE II

Salvo quando lei especial dispuser de outro modo, não poderão ser feitas concessões para além da parte das plataformas continentais limitada pela linha de 200 m de profundidade das águas.
§ único. Sempre que a plataforma continental se estenda até às costas marítimas do outro Estado, só poderão ser feitas concessões depois de prévia definição da linha de separação.

BASE III

A exploração da plataforma continental não implicará outros limites para o regime de alto mar das águas epicontinentais que não sejam os consentidos pelo Direito Internacional.

BASE IV

As concessões relativas a recursos naturais existentes no domínio público definido nesta lei dependem de consentimento do Conselho de Ministros, de cuja autorização dependerá também a transmissão dos direitos concedidos.
§ único. O concessionário prestará caução para garantir a indemnização de quaisquer perdas e danos emergentes de violação do disposto na base III.

BASE V

A presente lei aplica-se a todo o território português.

Palácio de S. Bento, 4 de Abril de 1955.

José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma Carlos.
Albano Rodrigues de Oliveira.
Francisco José Vieira Machado.
Francisco Monteiro Grilo.
Vasco Lopes Alves.
Joaquim Moreira da Silva Cunha, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×