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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 105 VI LEGISLATURA 1957 11 DE FEVEREIRO

AVISO

Convoco a secção do Comércio, crédito e previdência (subsecção de Crédito e previdência), com os Dignos Procuradores agregados António Carlos de Sousa, Inácio Peres Fernandes, José de Queirós Vaz Gruedes, José Bino de Avelar Fróis, Luís Filipe Leite Pinto, Manuel Duarte Gomes da Silva, Mário da Silva de Ávila e Virgílio Preto, a fim de iniciar os trabalhos no próximo dia 14 do corrente, pelas 15 horas, relativos ao projecto de proposta de lei sobre a cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas.

Palácio de S. Bento, 11 de Fevereiro de 1957.

O Presidente,
João Pinto da Costa Leite

Projecto de proposta de lei n.º 523

Cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas

1. O problema da carência de habitações, é, no plano económico, a expressão do desequilíbrio que no mercado dos alojamentos se verifica: a um aumento considerável e progressivo da procura mão correspondeu a oferta em medida suficiente.
O conjunto de circunstâncias que actuaram no mercado da habitação cedo havia de converter tal {problema em séria (preocupação do nosso tempo.
As causas do seu agravamento, entre aã quais avultam o aumento demográfico e o urbanismo, não (puderam ser contrariadas por capitais privados, que, em regra, procuraram outras formas de aplicação tidas como anais rendosas. Na verdade, os seus detentores, movidos naturalmente por propósitos lucrativos, consideraram pouco relevante, do ponto de vista financeiro, a procura de casas por parte das enormes massas humanas de reduzida capacidade económica que a concentração industrial e o urbanismo lançaram nos cidades, elas próprias já a braços comi largo excedente demográfico. Fenómeno idêntico se produziu sãs regiões agrícolas, onde os modestas possibilidades materiais dos trabalhadores e dos pequenos proprietários e rendeiros não estimularam o investimento dos capitais particulares na edificação de moradias, nem permitiram aos interessados construir a sua casa.
Quer dizer: é incontroverso que o problema não encontrou, nem encontrará, solução através do simples entrechoque dos interesses em presença, mesmo quando.

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nos grandes e médios aglomerados populacionais, a oferta se avolumou de forma sensível.
Daí a necessidade de mais acentuado esforço colectivo para se enfrentar, com maior eficiência, tão delicada questão. E, se a questão é social, parece indiscutível que cabe aos capitais de origem e sentido sociais o dever de concorrerem, antes de mais, para atenuar, nas suas causas e nos seus efeitos, esta melindrosa situação.

2. É por domais conhecido o valor social da habitação paira que a sua crise possa ser minimizada nas. suas consequência», claramente patentes nas marcas que a carência de moradias condignas e saudáveis imprime no corpo e na alma.
Pelas consequências que a sua falta acarreta bem se pode aferir do valor da casa decente e apropriada: a saúde que se perde pela ausência das mais elementares condições de higiene e profilaxia, as epidemias que a precariedade da habitação propaga, a mortalidade que aumenta. 13 o desperdício e a inutilização parcial da obra de (previdência, de assistência e de saúde levada a caibo através dos serviços médico-sociais, sanatórios, dispensários e subsídios de toda a ordem.
Mas ainda mais do que a saúde do corpo é a saúde do espírito que de tal crise sai ferida: do ponto de vista individual, a promiscuidade, a ilegitimidade de vida e, tantas vezes, a insensibilidade moral; no aspecto familiar, é a falência da nobre missão da família, da sua grandeza e das suas virtudes - dificuldades de constituição de lares legítimos, quebra da sua estabilidade e indissolubilidade, abandono da juventude aos perigos da rua e do vício.
Também pelo lado social são lastimáveis os efeitos da crise da habitação, a qual, agravando as condições de vida de muitos, tanto contribui, por vezes, paira transformar o homem num inconformista ou num vencido, inútil à colectividade e a si próprio.

3. Bem se compreende assim que o problema da habitação se apresente como uma questão chave e que sem a solução dela a política social fique em grande parte sujeita a ver inutilizados muitos dos seus esforços e realizações.
Desta verdade se deram conta vários Estados, que no combate à insuficiência dos alojamentos se têm empenhado. Dela se compenetrou também, nos últimos trinta anos, o Governo Português, cuja acção renovadora encontra na preocupação do social uma das características mais vivas, aliás em obediência a princípios consignados na Constituição. Aí se atribui ao Estado, entre outras, a obrigação de zelar pela melhoria das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhes um mínimo de vida compatível com. a dignidade humana, a de defender a saúde pública, a de favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade, assim como a de tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes.
«A família - como em nome do Governo já foi dito em 1933 - exige por si mesma duas outras instituições: a propriedade privada e a herança. Primeiro a propriedade - a propriedade dos bens que possa gozar e até a propriedade dos bens que possam render. A intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra, exige a casa, a casa independente, a casa própria, a nossa casa. E naturalmente mais económica, mais estável, mais bem constituída a família que se abriga sob tecto próprio».
Decorrente deste espírito, aí está a realidade dos milhares de casas económicas, de renda económica e de renda limitada e de casas para os pescadores ou para pobres que, de norte a sul, animam a nossa paisagem com novas manchas de saúde e alegria.

II

4. Esta obra é fruto de várias providências legislativas, que vão do Decreto-Lei n.º 23052, de 23 de Setembro de 1933, ao Decreto-Lei n.º 40 552, de 12 de Março de 1956.
Deve dizer-se, contudo, que a primeira tentativa para atacar o problema foi feita em 1918 e 1919, através dos Decretos n.º 4137, 5397 e 5443, em que se planeava a construção de «bairros sociais» e se estabelecia que as primeiras mil casas deveriam estar concluídas são ano seguinte», ou seja, em 1920. Sucedeu, porém, que, iniciada a construção dos primeiros bairros do programa (Ajuda e Arco do Cego, em Lisboa, e Arrábida, no Porto), nenhum destes agrupamentos veio a ser acabado até 1926, não obstante se haver gasto a vultosa soma de 65 000 contos.

5. Depois da malograda experiência que foram, os «bairros sociais», só em 1933, com a publicação do Decreto-Lei n.º 23 052, se dá começo a uma política realista em. matéria de habitação para trabalhadores. Definiram-se entoo as bases a que deveriam obedecer a construção e a atribuição das «casas económicas» previstas por esse diploma. Constituiu-se o Fundo das Casas Económicas, que veio permitir a conclusão dos bairros começados dezasseis anos antes e a execução de novo e vasto programa habitacional, em colaboração com as câmaras municipais.
Dado o carácter social da realização, instituiu-se para a «casa económica» o regime que mais se amoldava à sua finalidade e aos interesses dos beneficiários: o regime da propriedade resolúvel e o do casal de família, completados por um sistema de seguros (de vida, invalidez, doença, desemprego e incêndio) durante o período da amortização.
Muitas das moradias unifamiliares construídas ao abrigo deste diploma são já hoje propriedade plena dos interessados.

6. Sem alterar os princípios básicos daquele decreto, vários outros se lhe seguiram, quer para facultar os meios financeiros indispensáveis à execução dos programas habitacionais, quer para actualizar e aperfeiçoar as condições de atribuição das moradias. A parte os diplomas especiais referentes à construção de agrupamentos isolados, sobretudo na província, merecem menção o Decreto-Lei n.º 28 912, de 12 de Agosto de 1938, que aprovou o plano de construção de 2000 casas económicas em Lisboa, além de 1000 casas desmontáveis para substituir os chamados «bairros de lata»; o Decreto-Lei n.º 33 278, de 24 de Novembro de 1943, substituído pelo Decreto-Lei n.º 35 602, de 17 de Abril de 1946, que estabeleceu o plano de construção de 4000 casas económicas em Lisboa, Porto, Coimbra e Almada e para o qual se facultaram os necessários recursos, num total de 320 000 contos; o Decreto-Lei n.º 39 288, de 21 de Julho de 1953, que, além de actualizar os limites de rendimento para a habilitação às casas económicas, modificou algumas normas relativas à classificação dos candidatos, autorizou empréstimos aos moradores e instituiu o serviço social nos bairros; o Decreto-Lei n.º 39 978, de 20 de Dezembro de 1954, que criou um novo tipo de casas económicas (o tipo IV), especialmente destinado a famílias numerosas, e, finalmente, os Decretos-Leis n.ºs 40 246 e 40 552, respectivamente, de 6 de Julho de 1955 e de 12 de Março de 1956, aos quais, pela sua importância, adiante se fará alusão mais desenvolvida.
Podem ainda referir-se, no âmbito da política do Governo em matéria de habitação, as casas para famílias pobres (Decreto-Lei n.º 34 486, de 6 de Abril de 1945),

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construídas por intermédio dos corpos administrativos e das Misericórdias, mediante subsídios atribuídos pelo Estado e pelo Fundo de Desemprego, e as casas para pescadores (Decreto-Lei n.º 35 732, de 4 de Julho de 1946), a cargo da Junta Central dos Casas dos Pescadores, construídas com o produto de empréstimos contraídos na Caixa Geral de Depósitos.

7. Paralelamente à política de construção de casas económicas, isto é, de propriedade resolúvel, tomou o Governo a iniciativa de promover a construção de casas de renda acessível. Além das casas de renda limitada (Decreto-Lei n.º 36 212, de 7 de Abril de 1947), adoptou-se, através da Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1945, uma nova modalidade de moradias de renda barata, sem se abandonar a orientação que desde 1933 vinha a ser seguida ' com os melhores resultados. Previu-se então a construção de «casas de renda económica» nos centros urbanos ou industriais, por sociedades cooperativas ou anónimas, organismos corporativos ou de coordenação económica, instituições de previdência social, empresas concessionárias de serviços públicos, empresas industriais ou outras entidades idóneas de direito privado.
Esta nova modalidade deve em grande parte o seu êxito ao esforço feito pelas instituições de previdência social, cuja obra em tal domínio contribuiu de forma decisiva para a efectivação prática dos generosas intenções da Lei n.º 2007. E isso foi possível graças às providências estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 35 611, de 25 de Abril de 1946.

III

8. Foi, com efeito, este último diploma que conferiu à previdência social papel de relevo na luta contra a crise da habitação dos trabalhadores e da classe média. No que se refere às inversões de capitais em casas de renda económica, atribuiu-se às instituições de previdência a tarefa de impulsionar a execução do programa delineado pela Lei n.º 2007. Passado um ano sobre a publicação deste diploma, a iniciativa privada, não obstante as perspectivas que lhe haviam sido abertas, não se mostrava particularmente inclinada a corresponder ao apelo para cooperar na construção de casas de renda barata. Esta atitude tem-se mantido até ao presente, e quase só a previdência colaborou na resolução dos problemas relacionados com o alojamento dos seus beneficiários, como se verifica observando que foram construídas ou se encontram em construção 4650 moradias de «renda económicas (não se incluem as a casas económicas»), nas quais se investiram perto de 400 000 contos.
Esta é, sem dúvida, a obra mais importante de construção de casas de renda baixa entre nós levada a cabo, em tão curto espaço de tempo. Se àqueles elementos se juntarem os números respeitantes às casas económicas que presentemente estão a ser construídas pelo Ministério das Obras Públicas com dinheiros do seguro social -1450 moradias, no valor de cerca de 125 000 contos - concluir-se-á que durante os últimos anos se puseram à disposição dos trabalhadores 6100 moradias, nas quais as caixas de previdência investiram a importância de 525 000 contos.

9. Vem sendo praticamente excluída da actividade da previdência a construção ou aquisição de casas de renda limitada, mormente porque, do ponto de vista social, estas moradias podem, com vantagem, ser substituídas pelas de renda económica.
No referente às habitações de renda livre tem-se admitido que a intervenção da previdência no mercado dos imóveis pode conduzir a uma tendência altista, com repercussão nas rendas no sentido do seu agravamento.
A aquisição ou construção sistemática de prédios dê renda livre parece contrariar, efectivamente, na generalidade dos casos, os objectivos que em matéria de habitação devem ser assinalados à previdência.
Como, porém, esta forma de aplicação dos valores da previdência reúne, quando realizada em condições normais, os requisitos dos investimentos dos dinheiros do seguro social obrigatório, não deve ser abandonada completamente, até porque, sendo bem orientada, parece susceptível de provocar uma contracção das rendas e facilitar uma mais ajustada escolha de tipos de casas a construir. De resto, podendo a renda destas moradias situar-se em nível mais elevado, torna-se viável fazê-las suportar, sem ofensa da justiça, pequenos acréscimos, destinados a servir de apoio financeiro ao barateamento das rendas das habitações de outras categorias, para famílias de recursos mais limitados.

10. Em matéria de «casas económicas», a intervenção da previdência foi, até ao ano de 1955, quase nula, não obstante o Decreto-Lei n.º 35611 ter mantido o princípio, já consagrado na primitiva legislação da previdência, de que as instituições de- seguro social poderiam investir os seus valores na construção de moradias daquela modalidade, em comparticipação com o Estado, através do Fundo de Desemprego. Como esta comparticipação não chegou a ser concedida, não foi possível à previdência construir casas económicas, tanto mais que o nível das prestações mensais fixadas por lei tornou inviável a obtenção da rentabilidade exigida na aplicação dos capitais das instituições.
Neste aspecto, o Decreto-Lei n.º 40 246, de 6 de Julho de 1955, veio abrir maiores possibilidades ao emprego dos dinheiros da previdência na resolução do problema do alojamento. Estabelece-se neste diploma novo sistema de cooperação entre o Ministério das Corporações e Previdência Social e o Ministério das Obras Públicas no respeitante à aplicação das disímibilidades da previdência em casas económicas, acordo já em princípio fixado entre estas Secretarias de Estado, ao abrigo do referido decreto-lei, prevê a, construção, durante o período de sete anos, de 6300 moradias económicas, em regime de propriedade resolúvel, no montante de 550 000 contos.

11. Este acordo não teria, porém, integral exequibilidade, mormente na província, se o Decreto-Lei n.º 40 552, de 12 de Março de 1956, não viesse criar condições mais favoráveis à construção de casas económicas. Constituía, na verdade, sério obstáculo o de aã prestações mensais a pagar pelos adquirentes variarem conforme a fonte de investimento (Estado ou Previdência Social) e não assumirem, por outro .lado, maleabilidade suficiente para se amoldarem à situação económica da generalidade dos pretendentes das diversas regiões do País.
Por isso, através desse diploma, se tomaram as providências indispensáveis, avultando entre elas a que deu expressão jurídica ao princípio da compensação de encargos entre as diferentes localidades e entre as várias classes de moradias. Sem isto não seria possível construir casas económicas na província, nem beneficiar as famílias dos trabalhadores de mais fracos recursos. O regime das prestações mensais uniformemente fixadas apresentava-se, com efeito, como poderoso entrave à realização de extenso programa de habitações económicas e conduzia a uma protecção mais eficaz às famílias menos necessitadas dos aglomerados urbanos, em prejuízo, nomeadamente, dos agregados familiares da província.

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O Decreto-Lei n.º 40 552, além de reforçar a protecção às famílias numerosas, como era de justiça e de interesse social, veio ainda criar uma nova classe (classe a) de casas económicas, destinada especialmente a trabalhadores com remunerações mensais entre 600$ e 1.400$, os quais até então se encontravam, na maioria dos casos, impedidos de concorrer. Na realidade, estavam impossibilitadas de ascender à habitação própria exactamente as famílias de mais modestos recursos, isto é, aquelas que mais precisam de protecção.

IV

12. Não obstante a obra já realizada, não se receia confessar que os resultados atingidos, seguramente extraordinários, sobretudo se atendermos às contingências económico-sociais da guerra e do pós-guerra, estão muito aquém das necessidades que urge satisfazer. Ë sabido que o déficit habitacional acusa também tendência crescente, apesar de tudo o que se fez, incluindo as facilidades outorgadas à iniciativa privada pela concessão de isenções (Decretos-Leis n.01 36 212, 36 213 e 36 214, de 7 de Abril de 1947, e 36 700, de 29 de Dezembro de 1947), e pelo melhor aproveitamento das áreas de construção (Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948). No último censo geral da população verificou-se que 209 275 famílias não tinham residência privativa, das quais perto de 50 por cento (104 603) correspondiam a distritos diferentes dos de Lisboa e Porto. O déficit respeitante à cidade de Lisboa já era avaliado em 1950 em cerca de 30 000 fogos. Se nos grandes centros urbanos o problema é grave, nas zonas fabris da província, e designadamente nas regiões rurais, onde a capacidade de pagamento de renda se situa em menor nível, são ainda mais raras os iniciativas de construção, em virtude de os condições financeiras não atraírem os capitais nem darem garantia a investimentos de valores com os requisitos essenciais de realização estabelecidos na lei ou decorrentes das suas finalidades específicas.

13, Os breves apontamentos que aí ficam permitem chegar à conclusão de que é mister abrir novas perspectivas à política habitacional, imprimindo-lhe feição mais natural e realista e ritmo de execução mais vivo.
Para tanto urge, antes de tudo, encontrar, sem prejuízo de se persistir na adopção dos critérios já consagrados, soluções que melhor se coadunem com as necessidades e aspirações das famílias mais carecidas de habitação própria.
Encontra-se em estudo a revisão geral da legislação sobre casas económicas, em ordem à sua sistematização' e ao seu aperfeiçoamento. Admite-se ainda a possibilidade de se proceder à remodelação do Conselho Superior da Previdência Social, alterando a composição e ampliando a competência da sua secção da habitação operária, tanto mais que, à necessidade do estudo dos problemas da habitação económica, se junta a conveniência de ser o mesmo órgão técnico e consultivo u pronunciar-se sobre as questões da previdência e do alojamento - de futuro, e por força dos princípios desta proposta de lei, ainda mais intimamente ligadas entre si. Por outro lado, está a imprimir-se à elaboração e execução dos programas habitacionais maior amplitude, e julga-se ter chegado o momento de dar um grande passo* em frente, chamando a previdência social a uma cooperação mais aberta e extensa no fomento da habitação, não apenas nos meios urbanos, mas também nas regiões agrícolas.

14. Pensa-se, na verdade, que os capitais de reserva da previdência podem e devem ser utilizados, de futuro, em escala maior na resolução do problema. Pela sua natureza e pela sua função peculiar, eles ajustam-se bem a tão alta finalidade, como é a de proporcionar casa condigna aos trabalhadores. Se é das remunerações directos do trabalho que aqueles valores saem, nada mais justo do que promover o seu emprego, na medida do possível e do conveniente, em obras que possam reverter em favor de quem os constituiu. Isto a acrescentar ao reflexo favorável que essa utilização não deixará de produzir na economia das próprias instituições, através da natural e compensadora baixa do encargo--doença, que a casa mais saudável e mais perto do local de trabalho certamente torna possível. Quer dizer: esta actividade da previdência vem, por forma indirecta, a integrar-se no conjunto da protecção concedida aos trabalhadores mediante o seguro doença e a facilitar grandemente a acção dos serviços sociais ligados às instituições de previdência e de abono de família e à organização corporativa.
Advirão daqui maiores responsabilidades administrativas para a previdência social? Não se duvida. Mas tem-se presente que as vantagens sociais resultantes de tal orientação são largamente compensadoras para o País, para os trabalhadores e para a própria previdência.
O recurso a estes novos métodos - imposto pelo melindre do problema - faz-se sem hesitação, pois tem-se a convicção segura, alicerçada em cuidadosos estudos, de que a inversão mais vasta dos capitais da previdência neste domínio se realizará sem sacrifício da segurança e rentabilidade das operações financeiras, encaradas estas no seu conjunto. Nem se poderia efectivamente esquecer que, apesar de tudo, se trata de uma aplicação de- capitais da previdência a que é imperativo garantir os rendimentos exigidos pelo regime financeiro do seguro social entre nós adoptado.
Com a presente proposta de lei pretende-se alcançar este objectivo e para tanto dela constam todas as normas relativas à aplicação dos dinheiros das caixas de previdência na construção de imóveis.
Estas medidas, bem como todas as que agora se encaram, aconselham, porém, pelo seu alcance prático e porque representam um novo impulso na política da habitação, algumas palavras mais sobre o pensamento e os propósitos do Governo e sobre o fundamento e sentido das soluções cuja consagração legal se pretende.

15. Mantém-se a faculdade de as caixas sindicais de previdência e as caixas de reforma ou previdência poderem investir valores na construção de casas em regime de propriedade resolúvel. E porque foram recentemente, como se referiu, tomadas providências que deram às caixas possibilidades práticas de cooperarem na construção de casas económicas, não se julgou necessário introduzir qualquer modificação na matéria.
Já o mesmo não pode dizer-se relativamente às casas de renda económica, pois se entendeu imprescindível, sem prejuízo de continuarem em vigor vários preceitos da Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1945, actualizar, substituir ou revogar outras disposições deste diploma, manifestamente inaplicáveis, conforme a experiência demonstrou, à construção pela previdência social de casas daquela modalidade.
São particularmente relevantes os princípios agora perfilhados quanto à fixação das Tendas. Prescreve-se que, na determinação destas prestações, se atenda ao custo global das edificações dos respectivos programas de construção, à rentabilidade dos capitais investidos, à capacidade económica dos pretendentes, ao nível das

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rendas da região, bem como - e isto reveste-se da maior importância -, ao interesse social em obter, por via de compensação de encargos, os ajustamentos nas rendas exigidos pelas circunstâncias particulares dos diversos casos.
Este critério de compensação das rendas já em vigor para as casas económicas, por força do mencionado Decreto-Lei n.º 40 552, de 12 de Março de 1956, virá, segundo se presume, facilitar amplamente a construção de casas de renda económica.
De futuro, a construção de casas nos grandes centros urbanos, além de contribuir para atenuar a crise actual, permitirá também, mediante o funcionamento do princípio da compensação das rendas, a edificação de moradias noutras regiões do País. Mesmo nos grandes ou médios aglomerados será possível aplicar este princípio, através de pequenos e suportáveis acréscimos de renda em certos tipos de casas, a que corresponderão, na medida do razoável, abaixamentos noutras moradias destinadas a trabalhadores de maior debilidade económica.
Para se fazer uma ideia do interesse prático do princípio da compensação das rendas, basta figurar a seguinte hipótese:
E de admitir que o custo da construção de uma casa para a classe média ande à volta de 85.000?, a que corresponderá uma renda de 482f para se alcançarem os rendimentos previstos (juro e despesas de conservação). O aumento da renda para 500$ mensais poderia permitir que por cada onze fogos se construísse um fogo do custo de 35.000$, sem remuneração do capital e outros encargos. Se a renda passasse a ser de 550$, seria então possível construir por cada três fogos uma casa do custo de 35.000$ nas mesmas hipotéticas condições- quanto à rentabilidade do investimento. Quer dizer: sem o mecanismo da compensação, afastar-se-iam dos benefícios da política habitacional precisamente as famílias mais carecidas de amparo, isto é, aã que não têm rendimentos suficientes.
Claro que não se tem em vista levar às últimas consequências a aplicação do princípio. A compensação há-de fazer-se criteriosamente. Se não são de exigir encargos incompatíveis, também não se poderá dispensar ninguém do pagamento da renda, embora esta em muitos casos se reduza, mas apenas dentro dos limites do razoável e do conveniente. A casa gratuita ou quase gratuita, além do mais, não favorece, antes pode contrariar, a dignificação do trabalhador. Por isso, tem de ser arredada, em princípio, por uma política social esclarecida que, superando a indiscriminação nos métodos da acção e na escolha dos benefícios sociais, vise fundamentalmente à defesa da personalidade e da independência do homem.
Deve, no entanto, afirmar-se que, aplicado o princípio, como se espera, na construção de' alguns milhares de moradias em Lisboa, será possível encarar com tranquilidade o investimento de vultosos capitais da previdência na construção de casas de renda económica em diversos pontos do País praticamente impedidos de receber tal benefício, mau grado a premência das necessidades locais.

16. Prevê-se ainda a actualização das rendas, no caso de apreciável variação do custo de vida ou de construção, estabelecendo-se, porém, que aquelas só podem ser modificadas, com homologação do Governo, depois de decorridos cinco anos sobre o início do arrendamento ou da última actualização.
Esta orientação visa a defender os interesses legítimos -não suficientemente acautelados no actual regime da Lei n.º 2007- tanto dos arrendatários como das instituições proprietárias. Com efeito, segundo o disposto na base XXII desta Lei, o pretendente à moradia não poderá em caso algum ser admitido a concurso se tiver rendimentos superiores a seis vezes a renda fixada para p respectivo fogo, nem -o que é pior- manter o direito de habitar a casa se os seus rendimentos houverem ultrapassado em mais de 20 por cento aquele limite. Quer dizer: nas condições actuais, nem o inquilino pode. sentir-se seguro na casa nem a instituição proprietária vê salvaguardados os seus interesses, seja porque inicialmente faltem candidatos com rendimentos dentro daquele limite -o que já tem acontecido na província-•', seja porque, tendo de proceder ao desalojamento dos locatários- no caso de acréscimo dos proventos do agregado familiar, suportará as despesas inerentes à mudança de inquilinos, além de 'sofrer o odioso daquela medida.
Pelo novo sistema da actualização das rendas agora perfilhado obtém-se esta dupla vantagem: a garantia do direito è casa e consequente estabilidade do lar, que não serão afectadas pelas variações dos rendimentos familiares -uma simples promoção ou ajustamento nos ordenados pode, presentemente, implicar a perda do direito à moradia-, e ainda equitativo aumento da rentabilidade dos valores da previdência. Como a melhoria das rendas só pode efectivar-se em condições 'expressamente indicadas, não será possível pôr em risco a economia dos agregados familiares e beneficiar-se-á ainda a generalidade dos trabalhadores abrangidos pelas instituições de previdência, naturalmente 'interessados no reforço da estabilidade financeira destas.
Observa-se ainda que, presentemente e na expectativa da alteração da Lei n.º 2007, as instituições de previdência proprietárias de casas de renda económica têm evitado a rigorosa aplicação da lei neste ponto, sem o que cerca de metade das famílias residentes naquelas moradias seriam desalojadas, com todo» os seus inconvenientes de ordem social.

17. Reputa-se da maior vantagem tornar extensivo às casas construídas com capitais da previdência o instituto da propriedade horizontal, consagrado no artigo 3.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, e regulado através do Decreto-Lei n.º 40 333, de 14 de Outubro de 1955.
E sabido que a propriedade por andares, tendo relevante interesse para o fomento da construção e aproveitamento dos terrenos, facilita lar próprio a maior número de famílias, rasga novas perspectivas ao comércio da propriedade predial urbana e contribui para uma repartição mais justa da riqueza e para mais duradoura conservação do património familiar.
A Lei n.º 2007 prevê já, na sua base IV, alínea a), que as casas de renda económica construídas por sociedades cooperativas podem ser arrendadas ou vendidas, a pronto ou a prestações, aos sócios. Por seu turno, o artigo 2.º, n.º 3.º, do citado Decreto-Lei n.º 40 333, prescreve que o regime da propriedade horizontal pode ser constituído e por destinação do prédio, prevista no respectivo projecto, à venda de fracções autónomas, a pronto pagamento ou em prestações, designadamente em regime de casas económicas, nos termos do Decreto-Lei n.º 23 052, de 23 de Setembro de 1933, e mais legislação aplicável, ou de casas de renda económica, em conformidade com a Lei n.º 2007, de 2 de Maio de 1945, e mais legislação em vigor .
Nesta orientação de alargar o regime da propriedade horizontal, e dado que na Lei n.º 2007 ele é aplicável apenas às casas de renda económica das cooperativas e arredado quando as moradias desta modalidade são construídas pelas instituições de previdência, adopta-se na presente proposta um critério mais amplo e mais rico em consequências ao prever-se que as casas do mesmo tipo, construídas ou a construir pelas instituições de

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previdência, possam ser cedidas em propriedade resolúvel aos arrendatários que o requeiram e estejam nas condições fixadas na legislação relativa a casas económicas.
Desta forma, ao mesmo tempo que se promove o acesso à propriedade de grande número de famílias, consolidando a sua estabilidade e dando-lhes maiores possibilidades de valorização social e moral, faculta-se a gradual recuperação dos valores aplicados, que poderão assim ser reinvestidos em novos programas habitacionais, ou aproveitados, se as circunstâncias o indicarem, na cobertura dos riscos da previdência ou no fomento da economia nacional.

VI

18.º Tem-se adoptado até ao presente a solução dos bairros construídos, organizados, administrados e fiscalizados pelo Estado, câmaras municipais ou instituições de previdência.
Os moradores só intervêm quando chega o momento de se proceder à distribuição das casas. Falta tentar uma fórmula de estrutura menos oficializada e igualitária e que coloque mais directamente os interessados em contacto com a resolução do seu próprio problema. Dar força jurídica a um sistema desta ordem é um dos objectivos centrais do presente diploma.
Há, sem dúvida, por esse País fora, muitos trabalhadores que se lançarão a construir a sua casa, se tiverem alguns meios materiais, dispondo de um pequeno pé-de-meia ou de um palmo de terra. Outros, com auxílio de entidades patronais compreensivas ou contando apenas com o seu esforço, poderão e quererão construir o seu lar, no local e nas condições que mais lhes agradarem. Pois bem: se se reconhecem os vários inconvenientes da concentração urbana e se se deseja proporcionar aos trabalhadores um meio poderoso de se fixarem à terra; se se pretende rasgar mais amplos caminhos de acesso à propriedade e defender a autonomia, a inviolabilidade e a segurança da vida familiar; se se procura despertar a livre iniciativa e a noção da responsabilidade pessoal, auxiliando os homens a desbravarem eles próprios o seu futuro - então parece impor-se a necessidade de oferecer a cada um a possibilidade de construir a sua casa.
Tão alta finalidade pode começar a alcançar-se aproveitando os capitais disponíveis da previdência e facultando-os aos beneficiários, através de empréstimos, convenientemente garantidos. Esta política de crédito imobiliário supera, em todos os seus aspectos, a dos bairros, já porque eles não podem adaptar-se a meios pequenos, já porque a casa individualizada, dando mais forte satisfação ao instinto da propriedade, evitando a concentração habitacional e a segregação de classes, defende bem melhor as famílias no aconchego do seu lar e na independência da sua vida e mais facilmente afasta as complicações sociais e administrativas, a que estão expostos os grandes bairros económicos.
Nesta orientação se integra a presente proposta de lei, que, vindo assim ao encontro de profundas e legítimas aspirações, proporciona ao problema da habitação solução mais natural e mais consentânea com as realidades.

19. Independentemente dos empréstimos aos trabalhadores, prevê-se a possibilidade de se concederem idênticas facilidades às empresas para que lhes seja possível cooperar na resolução do problema do alojamento do seu pessoal. Justo será ainda que neste aspecto os capitais da previdência sejam postos à disposição das entidades patronais, a fim de que estas possam comparticipar, também por este meio, na melhoria das condições de vida do trabalhador. A habitação condigna e saudável é, além do mais, factor importante da produtividade.
Não pode dizer-se que a lei haja imposto pesadas exigências às empresas no respeitante à residência dos seus empregados e assalariados. Apenas a Lei n.º 2007, na base XXXI, prevê que o Governo possa consignar nos alvarás de concessão de novas instalações industriais a obrigação de construir, em certa proporção e gradualmente, casas de renda económica para os respectivos operários enquanto estiverem ao serviço. Bem longe se está neste domínio das soluções adoptadas noutros países. Espera-se, no entanto, chamar oportunamente as empresas a um concurso mais positivo, sem prejuízo de se começar a dar já execução ao preceituado na citada base XXXI da Lei n.º 2007.
Entretanto, faculta-se às entidades patronais a concessão de empréstimos pelas caixas de previdência e atribuem-se poderes ao Ministro das Corporações e Previdência Social para impor às empresas de reconhecida capacidade económica a construção de habitações destinadas aos seus trabalhadores, sempre que. por aquelas instituições lhes sejam abertos créditos necessários e a precariedade das condições locais de alojamento o exija.

20. Prevê-se também que as caixas sindicais de previdência e os caixas de reforma ou de previdência possam conceder empréstimos às Casas do Povo para a construção de habitações destinadas aos seus sócios efectivos.
Por outro lado, além de se proporcionarem maiores possibilidades às Casas do Povo para construírem casas económicas ou de renda económica, permite-se-lhes que concedam empréstimos aos trabalhadores rurais que estejam dispostos a construir ou a beneficiar as suas casas.
A fim de conferir a estas providências as melhores condições de realização, estabelece-se ainda que a construção de casas para os trabalhadores do campo, sócios efectivos das Casas do Povo, possa beneficiar do auxílio financeiro do Fundo Nacional do Abono de Família, através de subsídios não reembolsáveis ou de empréstimos sem juro.
Se bem que se não mostre necessária larga referência à importância e ao sentido destas medidas, que vêm ao encontro de uma das mais instantes necessidades da época actual -a de valorizar o mundo agrícola-, far-se-ão alguns apontamentos breves sobre as razões e as finalidades dos novos critérios consagrados na proposta.

VII

21. O crescimento gigantesco dos aglomerados urbanos é fenómeno que, a partir da revolução industrial, se tem produzido e alargado progressivamente, com algumas vantagens para a vida das populações, mas também, como é por demais sabido, com gravíssimos inconvenientes de ordem social. O desequilíbrio na distribuição demográfica e industrial, conduzindo a uma perigosa concentração humana, não tem sido suficientemente combatido na sua origem. Tentar resolver os problemas derivados dessa concentração sem procurar remover, na medida do possível, as suas causas profundas, é erro sério, de que resultaram, sempre que foi cometido, funestas consequências. A solução dos problemas do alojamento nos grandes centros urbanos ou fabris constitui reconhecida necessidade dos nossos dias. Mas ela não basta por si só: desacompanhada do ataque às causas dos males do urbanismo, há-de agravar forçosamente' o movimento urbanístico, impulsionado pela atracção natural das melhores condi-

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coes da vida citadina, provocando, assim, um renascer contínuo de novas necessidades e de novas questões.
Torna-se, por isso, imperioso fazer um esforço enérgico para que se não acentuem, antes diminuam, as já tão sensíveis diferenças de nível de vida entre as populações agrícolas e as dos centros industriais - causa maior do êxodo rural. Este escopo não se atingirá com facilidade, nem a breve trecho. Conhece-se a complexidade e a profundidade do problema e sabe-se até que ponto as circunstâncias económicas e os hábitos criados hão-de impor o seu domínio.
Mas sabe-se também que a habitação capaz, acompanhada de outras providências, constitui elemento de real valia para robustecer as ligações do homem à terra, evitando, com a .sua evasão para centros onde a vida é ou parece menos dura, tantos inconvenientes de ordem social, e, em particular, a falta de braços para o arroteamento dos campos, bem grave num país como o nosso, cuja economia continua a ter na agricultura o seu mais forte apoio'.
Pela primeira vez se permite, em desenvolvimento da doutrina do n.º l, 1.º, base X, da proposta de lei referente às federações das Casas do Povo, a aplicação dos dinheiros da previdência na satisfação de necessidades do meio rural. Não só não repugna aceitar esta orientação, como pode dizer-se que ela é imposta pelo princípio da justiça e pelo da solidariedade que devem presidir às relações do mundo do trabalho. O desfavor em que se encontram os trabalhadores agrícolas e a protecção que têm usufruído as classes operárias das explorações fabris aconselham, quando mais não seja pela injustiça relativa que evidenciam, que, sem embargo daquela protecção e até da sua melhoria, se procure minorar a situação dos trabalhadores rurais, a quem o País tanto deve e que, com as suas canseiras e os seus sacrifícios, tonto contribuem para que sejam menores os esforços e as dificuldades de todos.
Tudo o que se faça em prol daqueles que arrancam da terra o pão para si e para os outros é imprimir à política social maior autenticidade e fecundidade e, elevando o nível de vida das grandes massas rurais e revigorando os mercados - dar mais largas possibilidades de progresso à economia nacional.
Aliás, as Casas do Povo são, nos termos da lei, além de centros de educação, de serviço social, de recreio e de convívio, instituições de previdência, se bem que neste aspecto seja modesta a sua acção na cobertura dos riscos sociais, exceptuada a acção médica, que só por si justificaria a existência daqueles organismos de cooperação dos regiões agrícolas. Graças à actual coordenação de esforços entre a previdência e as Casas do Povo, nota-se melhoria sensível na assistência médico-social aos trabalhadores do campo. Mais uma vez, portanto, triunfa o princípio da solidariedade, sobre que assentam todos os organismos de protecção aos trabalhadores, princípio esse que inspira, afinal, as normas de maior projecção desta proposta.

22. Compreende-se ainda que seja assim, dado que os sócios efectivos das Casas do Povo não estão integrados no regime do abono de família. Calcula-se que seriam necessárias umas boas centenas de milhares de contos para estender ao trabalhador rural um esquema de abono de família equivalente ao que vigora para os empregados e assalariados do comércio e da indústria,.
Na impossibilidade de nos tempos mais próximos se instituir o abono para os trabalhadores do campo, afiguro-se justo e conveniente aproveitar, pelo menos, os saldos do Fundo Nacional do Abono de Família para conceder às Casas do Povo subsídios, ou empréstimos sem juro, que as habilitem a cooperar activamente na construção de casas para os seus sócios efectivos. Será a maneira de dar a dinheiros integrados num fundo de compensação de amparo à família destino em tudo compatível com os princípios que estão na sua base.
A esta orientação, ainda mais largamente preconizada na proposta de lei sobre a instituição das federações das Casas do Povo, se referia já, em termos inequívocos, o despacho ministerial de l de Maio de 1955, em que se definiram directivas do maior alcance para a execução do regime legal do abono de família. Nele se afirmava, na verdade: «se as circunstancias o permitirem, crê-se desejável que, em nome de um princípio de solidariedade ainda mais ampla no mundo do trabalho, o Fundo Nacional do Abono de Família, por uma verba fixa ou por uma percentagem nos seus saldos eventuais, venha a contribuir para melhorar a assistência às famílias dos sócios efectivos das Casas do Povo - atenta a míngua dos recursos financeiros de que estas dispõem e a carência de protecção dos trabalhadores rurais».
Nem se esquece que, através desta campanha da habitação, se prestigiará ainda mais a actuação das Casas do Povo e se estimulará a sua expansão às zonas onde seja mister instituí-las e pô-las a funcionar com normalidade e com proveito social. Daí o prever-se para estes organismos corporativos a faculdade de contraírem empréstimos nas caixas de previdência e de serem comparticipantes das disponibilidades do Fundo Nacional do Abono de Família, que assim passa efectivamente a ter aplicação nacional.

VIII

23. Quando se estuda a possibilidade de abertura de créditos, quer aos beneficiários ou aos contribuintes, quer às Casas do Povo, não pode também deixar de interessar às caixas de previdência a indispensável segurança e rentabilidade das operações.
A segurança pode conseguir-se ou considerando os créditos privilegiados ou garantindo-os com hipoteca. Desde que se estabeleça, como convém, a inalienabilidade das casas e dado o disposto nos artigos 889.º e 894.º do Código Civil, parece que a garantia a adoptar deve ser a do privilégio creditório. Por outro lado, esta é a mais indicada, dado que a origem ou causo da abertura dos créditos se relaciona especificamente com a construção de habitações. Acresce que o privilégio sobreleva à hipoteca (artigo 1005.º do Código Civil) e oferece maior simplicidade e economia, por não necessitar da formalidade do registo (artigos 878.º, 888.º e 1006.º do Código Civil). Para obter a maior segurança possível, coloca-se o privilégio mencionado em posição que acautela devidamente os legítimos interesses das instituições mutuantes.
Sob este aspecto da segurança, só seriam admissíveis receios relativamente ao comportamento dos beneficiários mutuários, atendendo a que muitos não estarão esclarecidos sobre a natureza, a função e os limites da previdência. E todavia de ponderar que a debilidade económica do trabalhador, quando existe, é compensada por outras circunstâncias, nomeadamente a que resulta do seu interesse em conservar a casa, e que o levará a fazer o possível para honrar os compromissos assumidos, satisfazendo os encargos em que se constituiu.
Ë ainda de esperar que as instituições tenham o elementar cuidado de conceder os empréstimos apenas aos trabalhadores que, pelo seu passado, dêem garantias de seriedade pessoal e profissional e de compreensão dos fins gerais da previdência.
Nem os longos períodos de amortização -vinte e cinco anos para os empréstimos aos beneficiários e vinte anos para os feitos às entidades patronais - se opõem

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aos requisitos da segurança e rentabilidade. Sublinha-se até que os bens imóveis - ou a garantia correspondente - são dos valores que menor sensibilidade denunciam em face da desvalorização monetária.
Frise-se ainda que a rentabilidade é assegurada pela satisfação das prestações, que, além de amortizarem o capital mutuado, compreendem os juros à taxa técnica de 4 por cento, fixada nos estatutos das instituições, e aos demais encargos inerentes à operação. Reconhece-se que esta taxa de juro pode ser um pouco onerosa para economias débeis, mas não é possível, em princípio, reduzi-la, dado o actual sistema financeiro do nosso seguro social obrigatório.
Mesmo assim, espera-se conseguir, em relação aos beneficiários mais carecidos de auxílio, uma maior ou menor redução nas prestações mensais decorrentes dos empréstimos. Tal objectivo deverá ser alcançado através da aplicação do preceito da proposta, segundo o qual às caixas de previdência poderão ser atribuídas, pelo Fundo Nacional do Abono de Família, comparticipações, embora reembolsáveis, destinadas a atenuar os encargos resultantes dos empréstimos concedidos aos beneficiários que, em função dos seus rendimentos, se proponham construir habitações equivalentes às casas . económicas mais modestas, isto é, as das classes a e A.
Esta solução, de interesse social evidente, parece indiscutível nos seus fundamentos e nas suas finalidades, e nem sequer pode considerar-se incompatível com o espírito e' até com a letra da legislação vigente. Na verdade, o artigo 1.º do Decreto n.º 37 739, de 20 de Janeiro de 1950, prevê que o Fundo Nacional do Abono de Família se destina, não só a estabelecer a compensação geral dos encargos referentes ao abono de família, mas também a auxiliar as caixas de abono ou de previdência na realização dos seus fins. Neste aspecto, o diploma é bem claro ao prescrever que «o auxílio a conceder àquelas caixas, ou suas federações, se efectuará, mediante subsídios e empréstimos, em casos excepcionais devidamente justificados, para efeitos de instalação, administração e acção de assistência».
A modalidade agora admitida por forma expressa são se afasta, pois, do sentido daquele preceito legal, i é mesmo mais consentânea ainda com os próprios objectivos do Fundo e do regime do abono, e de tal maneira que já o Decreto-Lei n.º 33 512, de 29 de Janeiro de 1944, consignava, no seu artigo 10.º, a possibilidade de concessão, por parte das caixas, além de subsídios de casamento, nascimento, educação de filhos e aleitação, de subsídios, para renda de casa.
No tocante aos empréstimos às Casas do Povo prevê-se nesta proposta que, sem prejuízo das restantes garantias, responda por eles o Fundo Comum das Casas do Povo. Estes organismos estão por sua vez garantidos relativamente aos empréstimos feitos aos seus sócios efectivos, da mesma forma que as restantes instituições de previdência nos empréstimos aos respectivos beneficiários, com a vantagem de que poderão receber auxílio financeiro do Fundo Nacional do Abono de Família, mediante a concessão de subsídios não sujeitos a reembolso ou de empréstimos sem juro.

24. E de vinte e cinco anos o prazo de amortização mais- longo previsto na legislação portuguesa no que respeita a habitações económicas. Na economia desta proposta julga-se de manter esse prazo para a amortização dos empréstimos concedidos pelas instituições aos seus beneficiários. Atendendo a que, em regra, a idade da reforma é de 65 anos e a que não é razoável a continuação da amortização para além desta idade, o limito para a concessão de empréstimos terá de ser marcado normalmente aos 40 anos.
Consente-se, porém, como é razoável, que aquele limite de idade possa ser ampliado, em relação aos beneficiários da previdência, para os 45 anos, desde que o prazo de amortização seja encurtado para o tempo que faltar ao interessado para atingir 65 anos. Ressalvo-se, porém, de acordo com o próprio fundamento do critério, que o prazo da amortização não seja obrigatoriamente reduzido, no caso de os beneficiários pertencerem a instituições em que o direito à pensão de reforma se verifique aos 70 anos.
Para a amortização dos empréstimos concedidos às empresas fixa-se o limite máximo de vinte anos, atenta a sua presumível consistência económica e considerando-se natural que tragam o seu contributo à execução de uma política que em tantos aspectos é coincidente com os seus interesses. Tomando-se ainda em conta que as empresas ficam proprietárias das casas e que importa defender as conveniências dos trabalhadores, prescreve-se também a obrigatoriedade de as rendas serem sempre estabelecidas mediante acordo com as entidades mutuantes, acordo esse sujeito, para se evitarem desvios ou abusos, à homologação do Governo.
Pelas vantagens que implica, prevê-se a possibilidade de antecipar a amortização relativamente aos beneficiários e às empresas e às Casas do Povo. Permite-se, assim, a mais rápida reconstituição dos capitais mutuados, o que tem interesse, designadamente para a realização dos programas habitacionais, e acautelam-se as conveniências dos mutuários, que, até por circunstâncias supervenientes, podem querer antecipar a amortização.

25. Fixa-se um limite máximo ao valor do empréstimo, pois se pretende principalmente ajudar a construir habitações ajustadas às economias modestas. Mas não sendo justo excluir do benefício pessoas inscritas nas caixas que, embora com razoável nível de vida, bem podem ter interesse no aproveitamento dos capitais que ajudaram a formar, não se exagera nessa limitação. Estabelece-se, assim, que o montante do empréstimo poderá atingir o equivalente a 70 por cento do custo provável das construções, mas com o limito máximo, por habitação, do custo correspondente à casa económica da classe e tipo mais adequados ao rendimento e à composição do agregado familiar dos pretendentes ou dos presumíveis beneficiários, no caso a empréstimos às entidades patronais. O valor do empréstimo é inferior ao valor da propriedade que ficará sendo objecto da garantia de crédito. Com esta orientação dá-se à entidade mutuante a segurança suficiente. Por outro lado, há toda a vantagem em que o pretendente à construção se comprometa desde o início, mesmo que o haja de fazer à custa de relativo sacrifício financeiro, no empreendimento que se propõe realizar. Será a maneira de nele radicar mais fortemente a consciência da responsabilidade que vai assumir.
Por compreensíveis razões ligadas à defesa dos interesses da previdência, estabelece-se ainda que as entidades mutuantes podem exigir, além do crédito imobiliário, outras garantias para a concessão de empréstimos.

26. Definem-se também as condições gerais a que devem obedecer os beneficiários da previdência para a abertura do crédito, figurando entre elas a de ser chefe de família e a de não possuir habitação própria adequada às necessidades do agregado familiar.
Para facilitar a construção e acautelar que esta obedeça ao mínimo de requisitos de carácter técnico, arquitectónico ou de higiene, torna-se obrigatória a

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aprovação prévia do projecto pelas instituições mutuantes, às quais incumbirá também a marcação dos prazos para a execução das obras.
Neste aspecto, abrem-se naturalmente à Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas mais largas possibilidades de acção, até porque se estabelece que as instituições de previdência poderão fornecer aos mutuários projectos para as construções pretendidas.

27. Consigna-se a inalienabilidade e a impenhorabilidade das casas durante o período normal da amortização, salvo para satisfação das dívidas decorrentes dos empréstimos. A retirada destas do comércio jurídico, pelo menos durante o período normal da amortização, é uma necessidade imperiosa, dados os fins especificamente sociais a que se destinam. Doutra forma não se asseguraria a estabilidade familiar e preparar-se ia terreno propício para negócios incompatíveis com os interesses cuja defesa se pretende acautelar com esta proposta.
Ao mesmo propósito de assegurar a estabilidade familiar obedece o preceito, do maior alcance, que consagra o princípio de que a morte e a invalidez permanente e absoluta do mutuário extinguem o débito relativo às prestações vincendas. Para tanto, no cálculo das prestações mensais tomar-se-ão em conta os encargos da cobertura destes riscos.
Parece desnecessário acentuar que as casas, durante o período normal de amortização, só podem ser destinadas aos agregados familiares dos beneficiários, salvo se circunstâncias ponderosas obrigarem a mudar de residência. No regime das casas económicas (artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 39 288) a mudança de domicílio com carácter definitivo (entendendo-se como tal a desabitução da casa por mais de seis meses) pode importar o resgate em certas condições, isto é, :i retirada da propriedade da casa ao morador adquirente. Ente tratamento é aceitável em relação a casas de que o morador é simples proprietário presumível, quer dizer, é admissível nos vasos de propriedade resolúvel. Mas nos casos de propriedade absoluta, embora constituída à sombra de capitais alheios, não se reputa razoável que a ela ponha termo pelo simples facto da não residência. O direito de fruição, contido no direito de propriedade, envolve o próprio não uso da coisa, sem que tal deva implicar a negação da jurisprudência a que foi acolhida no artigo 2171.º do Código Civil. De resto, é sempre difícil decidir se a mudança de residência reveste ou não carácter definitivo.
Mas tudo aconselha a que se impeçam abusos e, por isso, se prevê que os beneficiários da previdência a quem hajam sido facultados créditos para a construção da sua casa não possam de futuro, em regra, ser admitidos a concursos de casas económicas ou de casas de renda económica, nem beneficiar de novos empréstimos.
Esclarece-se ainda que, no caso de empréstimos a empresas, a transferência da exploração implica sempre a sub-rogação em todas as obrigações decorrentes do empréstimo. Compreende-se o preceito, pois, segundo o disposto no artigo 20.º da Lei n.º 1952, de 10 de Março da 1937, a transferência da exploração não envolve a rescisão dos. contratos de trabalho que vincularam a anterior empresa aos seus trabalhadores. Ora esta subsistência das relações do trabalho com a nova entidade exploradora deve acarretar, logicamente, a adstrição das casas construídas pela empresa a esses mesmos trabalhadores, cuja situação profissional se mantém. Com efeito, essas casas mais não são do que um dos muitos elementos que integram o complexo económico e social da exploração.

IX

28. Perante a importância de que se reveste a cooperação das instituições de previdência social no combate à crise do alojamento e a natureza e a extensão do problema, que tem merecido ao Estado a conveniente atenção, não poderia este deixar de oferecer aos empreendimentos previstos nesta proposta todo o possível apoio, independentemente do que lhes será dado, nos aspectos administrativos e técnicos, pelos vários serviços oficiais e, em particular, pelo Ministério das Corporações e Previdência Social.
Neste pensamento, que, aliás, se julga bem patente em toda a proposta, prevê-se que gozem de isenção de contribuição predial por quinze anos, a contar da data em que forem considerados em condições de habitabilidade, os prédios construídos no regime das casas de renda económica. Esta isenção, já estabelecida pela Lei n.º 2007, torna-se extensiva, por idêntico período de quinze anos e nas mesmas condições, às casas construídas, em consequência de empréstimos previstos nesta proposta, pelos beneficiários das instituições de previdência, empresas do comércio e da indústria, Casas do Povo e trabalhadores rurais.
Ficam também isentas de quaisquer taxas ou impostos as vistorias às casas construídas ao abrigo da lei que derivar da presente proposta, bem como as licenças de habitação e respectivos certificados, não sendo, por outro lado, devido imposto do selo péla escritura de constituição dos empréstimos, caso em que se reduzirão a metade dos fixados nas tabelas aprovadas os emolumentos dos notários.
Com a mesma preocupação de conceder todas as possíveis facilidades, isentam-se ainda de sisa as transmissões dos terrenos destinados à construção das casas de renda económica e bem assim as primeiras transmissões das habitações do mesmo regime vendidas em propriedade resolúvel aos seus arrendatários.

29. Sobreleva, contudo, a estas isenções a respeitante ao imposto sobre a aplicação de capitais. Este imposto deixa, desta forma, de incidir sobre os juros dos capitais mutuados, o que bem se justifica pelo relevante alcance social de que se rodeia o fomento da habitação, através de empréstimos aos trabalhadores para construírem a sua casa ou às empresas para facultarem alojamento ao seu pessoal.
As caixas de previdência têm de realizar a taxa técnica de rendimento prevista no cálculo dos prémios, a fim de poderem satisfazer os compromissos relativos aos seguros de invalidez, velhice e morte. Assim, se não fosse concedida a mencionada isenção, as prestações a exigir aos destinatários das casas seriam naturalmente oneradas com o encargo que resultasse do pagamento daquele imposto, agravando em mais de 0,5 por cento os juros normais derivados dos empréstimos, o que poderia vir a reduzir, cor forma sensível, o campo de aplicação das providências agora adoptadas.
Este o interesse das facilidades fiscais que se encaram, em ordem ao fomento da construção de habitações para os beneficiários da previdência e para os sócios efectivos das Casas do Povo.

30. Fez-se o possível por esclarecer convenientemente o pensamento do Governo acerca do problema que justificou a elaboração desta proposta de lei. As explicações dadas e os elementos apresentados neste relatório evidenciarão por certo que se procurou estudar o assunto com meticulosidade e com a preocupação de encontrar as melhores e mais exequíveis soluções.

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Tem-se a consciência de que os critérios adoptados se revestem de marcado interesse prático, devendo, por isso, abrir à política da habitação mais amplos horizontes, se vierem a ser aplicados com energia e exacto conhecimento das realidades.
Deve, por outro lado, dizer-se que o problema foi ainda vivido e sentido na especial delicadeza e acuidade com que, no plano social e moral, se apresenta quase por toda a parte.
Isto, explicando -tanto como a própria análise objectiva e cuidada que incidiu sobre os seus vários aspectos técnicos, jurídicos e financeiros - o sentido e a natureza das soluções consagradas, há-de principalmente caracterizar toda a acção destinada a imprimir viva e proveitosa execução às normas legais que, em consequência desta proposta, vierem a ser votadas e promulgadas.
E se mais longe se não vai é apenas porque de todo as circunstâncias o impedem, ou porque, tratando-se por vezes de ensaiar entre nós novas experiências, se impõe usar de prudência ao dar os primeiros passos em terreno ainda não completamente conhecido e desbravado.
Não se hesitará, contudo, em alargar de futuro o campo de aplicação dos princípios perfilhados, se, como seguramente se espera, se alcançarem os fins essenciais previstos - entre os quais avultam o da desproletarização do trabalhador, através do acesso à propriedade, e o da defesa da família, para que esta melhor possa, no ambiente sadio de um lar condigno e- próprio, realizar em plenitude a sua nobre missão.
É pensando assim que o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

CAPITULO I

Da cooperação das Instituições de providencia e das Casas do Povo nu construção de habitações económicas

BASE I

1. As caixas sindicais de previdência e as caixas de reforma ou de previdência podem cooperar na resolução do problema da habitação por via do investimento de valores na construção de casas de arrendamento, e designadamente em:

a) Construção de habitações em. regime de propriedade resolúvel;
b) Construção de casas de renda económica;
c) Empréstimos aos beneficiários para estes promoverem a construção ou beneficiação das suas habitações;
d) Empréstimos às entidades patronais contribuintes para a construção de habitações destinadas aos empregados e assalariados ao seu serviço;
e) Empréstimos às Casas do Povo para construção de habitações destinadas aos seus sócios efectivos.
2. É aplicável às Casas do Povo e suas federações o disposto nas alíneas a) a c) e às associações de socorros mútuos o disposto nas alíneas a) e b) do n.º l desta

CAPITULO II

Das habitações em regime do propriedade resolúvel

BASE II

As habitações em regime de propriedade resolúvel, a que se refere o presente diploma, é aplicável a legislação em vigor sobre casas económicas.

CAPITULO III

Das Instalações de renda económica

BASE III

1. As casas de renda económica construídas ao abrigo da base I é aplicável o disposto nas bases VI, XX, XXIV e XXIX da Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1945, nos artigos 6.º a 8.º e § 3.º do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 35 611, de 25 de Abril de 1946, e nas bases seguintes deste capítulo.
2. É extensivo às casas de renda económica já construídas pelas instituições de previdência à data da publicação do presente diploma o regime estabelecido neste capítulo.

BASE IV

As rendas das habitações serão fixadas por deliberação das instituições proprietárias, a qual fica sujeita a homologação do Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Previdência Social.

BASE V

Na fixação das rendas deverá ter-se especialmente em conta o custo global das edificações do respectivo programa da construção, a rentabilidade dos capitais investidos, a capacidade económica da generalidade dos pretendentes, o nível das rendas na localidade, bem como o interesse social em obter, por via de compensação de encargos, os ajustamentos nas rendas exigidos pelas circunstancias particulares dos diversos casos.

BASE VI

1. É permitida a actualização das rendas no caso de apreciável variação do custo de vida ou de construção, não podendo, porém, aquelas ser modificadas antes de decorridos cinco anos sobre o início do arrendamento ou da última actualização.
2. A actualização das rendas prevista no n.º l desta base fica sujeita à homologação do Governo, ouvido o Conselho Superior da Previdência Social.
3. Quando a instituição proprietária pretenda exercer o direito previsto no n.º l desta base, deve avisar o arrendatário, por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de noventa dias do termo do período estabelecido.
Se o arrendatário não quiser sujeitar-se ao aumento, deve pôr imediatamente escritos e entregar a casa despejada no fim do período em curso; «e o aumento for aceite, terá a instituição de o fazer averbar no contrato.

BASE VII

1. Gozam de preferência na atribuição das habitações os beneficiários ou sócios cujos agregados familiares tenham rendimentos não inferiores a três vezes e meia nem superiores a seis vezes a renda a pagar, ou ao produto da renda pêlo número de pessoas do agregado quando este seja composto de mais de seis pessoas.
2. Constituem rendimento do agregado familiar os vencimentos ou salários, abonos, subvenções ou suplementos do chefe de família e dos demais componentes do agregado, e bem assim quaisquer outros rendimentos de carácter não eventual, exceptuado unicamente o abono de família.
3. Para os efeitos do disposto nesta base, entendesse por agregado familiar o conjunto das pessoas ligadas entre si por qualquer grau de parentesco, vivendo normalmente em comunhão de mesa e habitação com o chefe de família e a cargo deste.

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BASE VIII

As habitações referidas na alínea b) do n.º l da base I podem ser vendidas em propriedade resolúvel aos arrendatários que o requeiram e estejam nas condições previstas na legislação sobre casas económicas.

CAPITULO IV
Dos empréstimos em geral

BASE IX

1. Os empréstimos previstos na base I serão concedidos em harmonia com regras estabelecidas pelas instituições interessadas e aprovadas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
2. Os empréstimos previstos no número anterior poderão atingir o equivalente a 70 por cento do custo provável das construções, mas com o limite máximo, por Habitação, dos custos- relativos às casas económicas das classes e tipos mais adequados aos rendimentos e agregados familiares dos pretendentes, ou dos presumíveis beneficiários, no caso de empréstimos às entidades patronais.
3. Os empréstimos ao podem ser concedidos desde que os pretendentes possuam terrenos em condições apropriadas.

BASE X

1. Os empréstimos vencem o juro líquido de 4 por cento ao ano e serão amortizados, acrescidos dos respectivos juros e demais encargo» previstos neste diploma, em prestações iguais.
2. O mutuário pode ser autorizado a antecipar a amortização, total ou parcialmente.

BASE XI

1. Os créditos decorrentes dos empréstimos previstos neste diploma gozam de privilégio imobiliário sobre as respectivas habitações, com preferência a quaisquer outros.
2. As entidades mutuantes podem exigir outras garantias como condição para a abertura dos créditos.

BASE XII

1. A, concessão dos empréstimos depende da aprovação dos projectos das habitações pelas instituições mutuantes; às quais incumbirá a marcação dos prazos para a execução das obras.
2. As instituições mutuantes poderão fornecer aos interessados projectos - tipo para as construções pretendidas.

BASE XIII

No decurso do prazo de amortização as instituições credoras poderão promover a realização das reparações necessárias, à custa dos mutuários, sempre que estes não mantenham as casas em bom estado de conservação.

BASE XIV

As casas construídas mediante a concessão de empréstimos são inalienáveis e impenhoráveis durante o período normal da amortização, salvo para execução as dívidas decorrentes dos mesmos empréstimos e das da respectiva contribuição predial.

BASE XV

No caso de eventual expropriação do imóvel, a entidade expropriante responde pela integral e imediata liquidação do empréstimo, sem prejuízo da indemnização devida ao mutuário.

BASE XVI

1. A inscrição do prédio na respectiva matriz será feita dentro dos quinze dias seguintes à passagem da licença de habitação, de cujo certificado deverá sempre constar ter sido a casa construída ao abrigo desta lei.
2. A descrição do prédio e a inscrição do respectivo direito no registo predial serão feitas oficiosamente, com base nas informações que a secção de finanças deverá fornecer à conservatória competente, nos quinze dias subsequentes à inscrição na matriz.
Do registo constará a indicação do regime especial a que o prédio fica sujeito, nos termos do presente diploma.

CAPITULO V

Dos empréstimos aos beneficiários ou sócios das Instituições

BASE XVII

1. Podem ser concedidos empréstimos aos beneficiários ou sócios que:

a) Contem, pelo menos, cinco anos de inscrição nas respectivas instituições;
b) Sejam chefes de família;
c) Não tenham idade superior a 40 anos;
d) Sejam aprovados em exame médico;
e) Não possuam habitação própria em condições adequadas ao alojamento do agregado familiar;
f) Tenham bom comportamento moral, profissional e cívico;
g) Gozem de estabilidade no emprego.

2. O limite de idade previsto na alínea a) do número anterior pode, em relação aos beneficiários das caixas de previdência, ser ampliado para 45 anos, desde que o prazo da amortização do empréstimo seja reduzido para o tempo que faltar ao beneficiário para atingir 60 anos.
O prazo da amortização não será reduzido no caso de os beneficiários se encontrarem inscritos em caixas de previdência cujos estatutos estabeleçam o direito a pensão de reforma a partir dos 70 anos.

BASE XVIII

1. Os empréstimos serão amortizados no prazo máximo de vinte e cinco anos.
2. As instituições de previdência poderão ser atribuídas, pelo Fundo Nacional do Abono de Família, comparticipações reembolsáveis, em ordem a atenuar os encargos resultantes dos empréstimos concedidos aos beneficiários que, em função dos seus rendimentos, se proponham construir as suas habitações, desde que estas não sejam de custo superior ao das casas económicas das classes a e A

BASE XIX

1. A morte e a invalidez permanente e absoluta do mutuário extinguem o débito relativo às prestações vincendas.
2. No cálculo das prestações mensais tomar-se-ão em conta os encargos da cobertura dos riscos previstos nesta

BASE XX

1. No decurso do período normal de amortização as casas só podem ser destinadas a habitação dos agregados familiares dos mutuários, salvo se, por circunstâncias ponderosas, estes tiverem de mudar de residência.
2. Os beneficiários a quem sejam facultados empréstimos não poderão, de futuro, a não ser em caso de expropriação do prédio ou em circunstâncias análogas.

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1088 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 105

beneficiar da concessão de novos créditos nem ser admitidos a concursos para a atribuição de casas económicas ou casas de renda económica construídas com capitais do Estado ou das instituições referidas na base I.

CAPITULO VI
Dos empréstimos às entidades patronais

BASE XXI

Os empréstimos às entidades patronais contribuintes serão amortizados no prazo máximo de vinte anos.

BASE XXII

As rendas a cobrar pelas empresas aos seus trabalhadores serão estabelecidas por acordo com as instituições mutuantes, homologado pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Previdência Social.

BASE XXIII

A transferência da exploração envolve sempre a sub-rogação em todas as obrigações decorrentes do empréstimo.

BASE XXIV

Sempre que pelas instituições de previdência seja facultada a abertura de créditos, nos termos desta lei, e a precariedade das condições locais de alojamento o imponha, pode, por despacho do Ministro das Corporações e- Previdência Social, ser determinada às empresas de reconhecida capacidade económica a construção de habitações destinadas aos seus trabalhadores.

BASE XXV

Se a empresa não dispuser de terrenos próprios para a edificação das habitações, poderá promover a expropriação dos que forem necessários para o efeito, nos termos do Decreto n.º 37 758, de 22 de Fevereiro de 1950.

CAPITULO VII

Dos empréstimos às Casas do Povo e da acção destes organismos no fomento da habitação dos rurais '

BASE XXVI

1. Os empréstimos previstos na alínea e) do n.º l da base i serão concedidos por intermédio da Junta Central das Casas do Povo e servir-lhes-á de garantia o respectivo Fundo Comum, sem prejuízo do disposto na base XI.
2. Os empréstimos serão amortizados no prazo máximo de vinte e cinco anos.

BASE XXVII

A construção pelas Casas do Povo ou suas federações de moradias em regime de propriedade resolúvel ou de arrendamento, a aceitação de empréstimos das caixas de previdência ou a concessão de créditos, aos sócios efectivos que se proponham construir ou beneficiar as suas próprias casas, nos termos do disposto na base i, carecem de concordância prévia da Junta Central das Casas do Povo, à qual incumbe aprovar os programas anuais de construção e velar pela execução, na parte aplicável, dos preceitos desta lei e seus regulamentos.

BASE XXVII

A construção das habitações destinadas aos sócios efectivos das Casas do Povo, em qualquer das modalidades previstas nesta lei, poderá beneficiar do auxílio financeiro do Fundo Nacional do Abono de Família, através de subsídios ou de empréstimos sem juro.

CAPITULO VIII

Isenções fiscais

BASE XXIX

1. As habitações construídas ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º l da base I ou mediante empréstimos previstos neste diploma gozam de isenção de contribuição predial por quinze anos, a contar da data em que forem consideradas em condições de habitabilidade.
2. São isentas de sisa as transmissões dos terrenos destinados à construção das habitações previstas na alínea b) da base I, e bem assim as primeiras transmissões das habitações às pessoas referidas na base VIII.
3. Os juros dos capitais mutuados nos termos desta lei são isentos do imposto sobre a aplicação de capitais.
4. As vistorias às casas construídas ao abrigo desta lei, bem como as licenças de habitação e respectivos certificados, serão isentas de quaisquer taxas ou impostos.
5. Pela escritura de constituição dos empréstimos não é devido imposto do selo e os emolumentos dos notários são reduzidos a metade doa previstos na respectiva tabela.

Ministério das Corporações e Previdência Social, 7 de Fevereiro de 1957. - O Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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