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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 32

VII LEGISLATURA

ANO 1958 6 DE DEZEMBRO

PARECER N.º 5/VII

Projecto de proposta de lei n.º 501

Autorização das receitas e despesas para 1959

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 501, elaborado pelo Governo sobre a autorização das receitas e despesas para 1959, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Finanças e economia geral), sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º Introdução

1. Mais uma vez a Câmara Corporativa é chamada a pronunciar-se sobre a proposta de lei de autorização em condições de tempo extremamente escassas. As duas semanas de que dispôs para estudar a proposta e dar o seu parecer, são na verdade espaço de tempo bem desproporcionado com a amplitude e complexidade da matéria em apreciação.
Lastima a Câmara não ter sido possível ao Governo - decerto por motivos ponderosos - dar satisfação ao sugerido no parecer sobre a Lei de Meios para o corrente ano, em que se recomendava a fixação da data de 4 de Novembro como limite para o envio da proposta a esta Câmara. Daí sòmente poderiam advir vantagens gerais - para a Câmara Corporativa, que poderia dedicar-se sem precipitações à tarefa que lhe incumbe; para a Assembleia Nacional, que teria à sua disposição prazo mais dilatado para discutir e aprovar a lei.
Renovando o alvitre formulado, espera esta Câmara que o Governo possa dar-lhe oportuno seguimento, de sorte que no próximo ano e nos seguintes seja viável trabalhar em moldes diferentes daqueles em que teve de enquadrar-se a elaboração deste parecer.

2. Uma vez mais, também - mas aqui o facto, ao contrário do que acaba de referir-se, só merece aplausos -, vem o texto da proposta precedido do habitual relatório do Sr. Ministro das Finanças, cujos elementos de informação e análise, mormente os respeitantes à conjuntura, se revestem de grande interesse para a apreciação dos factores de ordem económica geral que condicionam a política financeira do Governo.
A Câmara renova, quanto a este louvável método de trabalho, as palavras de apreço já expendidas em pareceres anteriores.
Apenas lembra - dada a extensão e a diversidade de matérias que vem abrangendo o relatório ministerial - a conveniência de este ser precedido ou seguido de um índice sistemático, â fim de facilitar a procura dos assuntos e a formação de uma ideia de conjunto dos temas versados.

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3. Uma terceira observação de índole geral diz respeito ao conteúdo do projecto de proposta de lei em causa, tendo em vista a natureza própria das leis de meios e o disposto no artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição.
Nos termos deste preceito, a lei de autorização tem o seu âmbito expressamente limitado a dois pontos:

a) Autorizar o Governo a cobrar as receitas e a pagar as despesas na gerência futura;
b) Definir os princípios a que, nessa gerência, devem subordinar-se as despesas cujo quantitativo não resulta de leis preexistentes.

Daqui se infere que, sendo aquela lei de execução anual, nela não podem introduzir-se disposições de carácter permanente, só devendo incluir as que se tornem indispensáveis para orientar a administração financeira na gerência imediata ou anunciar programas de acção do Governo a iniciar nessa gerência.
Em diversos pareceres definiu esta Câmara a doutrina que acaba de resumir-se, designadamente, nos relativos às Leis de Meios para 1948 (*), 1951 (2), 1952 (3), 1954 (4) e 1956 (5).
Ora o projecto de proposta de lei em exame não obedece inteiramente, em algumas das suas disposições, aos princípios enunciados.
Estão neste caso os preceitos dos artigos 3.º, 7.º, 15.º, 17.º e 18.º, como melhor se verá na segunda parte deste parecer. Pode, porém, desde já avançar-se o seguinte:
Os dois primeiros exprimem regras gerais e permanentes de administração financeira, que por isso mesmo se não compreende sejam sujeitas a formulação anual.
O disposto no artigo 15.º vem sendo incluído em todas as leis de meios desde a n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, que mandava fazer a reforma dos fundos especiais durante o ano de 1951. Decorridos oito anos sem que tal estudo esteja concluído, parece preferível que o preceito passe a constar de diploma de carácter permanente.
Por último, as normas a que aludem os artigos 17.º e 18.º são igualmente de execução duradoura, nada justificando continuarem a fazer parte da lei anual de autorização.

§2.º

Breves observações sobre os dados relativos à conjuntura

4. À semelhança do que se fez no parecer do ano passado, alinham-se seguidamente algumas observações a respeito dos dados respeitantes à conjuntura externa e interna, que constam do relatório ministerial, tão-sòmente com vista a resumir as coordenadas gerais de ordem económica e financeira em que se enquadra a lei de autorização e que hão-de presidir a organização do orçamento para 1959.

a) Economia mundial

5. Em síntese, pode dizer-se que o clima económico em que decorreu o período de meados de 1957 a meados de 1958 foi bem diferente do que se verificou em 1956-1957. Pela primeira vez desde o fim da segunda guerra mundial a produção industrial do globo acusou decréscimo, em consequência, sobretudo, de acentuado declínio nos Estados Tinidos, embora tivesse continuado a registar-se expansão moderada no conjunto dos países europeus.
A recessão americana chegou a causar graves apreensões, tendo provocado uma queda de 20 por cento nas cotações em Wall Street, no 2.º semestre de 1957, que se repercutiu noutras bolsas. No comércio externo, os efeitos da depressão foram particularmente intensos nas exportações do 1.º semestre de 1958, com uma baixa de perto de 2 milhares do milhões de dólares, em confronto com período idêntico do ano anterior. Outro aspecto grave foi o do acréscimo do desemprego: em Junho último a cifra dos desocupados atingiu naquele país 5 400 000.
Recentemente, porém, vários índices da produção industrial, das bolsas de títulos e do comércio exterior denotam viragem na conjuntura americana, sendo de prever nítida recuperação no decurso de 1959.
O relatório do último exercício da União Europeia de Pagamentos, findo em 30 de Junho do corrente ano, indica ter aumentado ligeiramente o produto da agricultura em 1957-1958, no conjunto dos países membros, com referência aos anos pretéritos. No resto do globo sabe-se neste momento serem as colheitas de 1958 excepcionalmente elevadas nos Estados Unidos e na China; na União Soviética, a previsão, embora inferior à de 1956, é superior em um quarto à do ano passado.
O comércio mundial sofreu em 1957-1958 os efeitos da recessão americana e, particularmente, da queda pronunciada das cotações das matérias-primas. Apesar dos esforços do G. A. T. T. (General Agreement on Tarifis and Trade) para a redução de tarifas e liberalização das importações, as nações industriais continuaram a praticar políticas proteccionistas na importação de produtos agrícolas.
A Europa Ocidental, no seu conjunto, parece, contudo, haver-se furtado em grande parte aos efeitos perniciosos da conjuntura mundial, tendo até colhido vantagens resultantes da baixa das matérias-primas. Registou, é certo, um afrouxamento no ritmo da expansão, designadamente na produção industrial, desde os princípios de 1957. Mas esse afrouxamento, aliado a um decréscimo de investimentos, permitiu em contrapartida uma redução das pressões inflacionistas.
Abundaram as manipulações monetárias, sucessivas baixas da taxa de desconto tornaram o crédito mais acessível e o desenvolvimento das exportações fez melhorar as balanças dê pagamentos.

6. O quadro que acaba de entrever-se não teve, porém, correspondência no domínio dos preços. Estes, particularmente os que exprimem o custo da vida, mantiveram no seu complexo tendência altista, embora menos acentuada do que no ano económico de 1956-1957.

(1) Diário das Sessões, suplemento ao n.º 114, de 4 de Dezembro de 1947.

2) Diário das Sessões, n.º 55, de 27 de Novembro de 1950, p. 24, n.º 20, in fine:

Câmara Corporativa ... julga que será de boa prática, a seguir no futuro, deixarem de constar da lei de autorização ... todas aquelas disposições que, por serem de aplicação permanente, não estão sujeitas à regra da anualidade do orçamento.

(3) Diário das Sessões, suplemento ao n.º 109, de 6 de Dezembro de 1951, p. 10-(15), col. 1.ª:

Às exigências normais do que faz a boa letra de uma lei ... acresce, numa lei de meios, a sua limitação quanto ao tempo. Nem preceitos que disponham para além da duração do exercício, nem a prática de repetir, em sucessivos diplomas de vigência anual, disposições cuja inserção em leis permanentes fica assim contraprovada.

(4) Diário das Sessões, suplemento ao n.º 4, de 10 de Dezembro de 1953, p. 40-(50).
(5) Actas da Câmara Corporativa n.º 64, de 25 de Novembro de 1955, p. 632, col. 1."ª

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Em recentíssimo estudo da Repartição Internacional do Trabalho (6) faz-se o apuramento, para noventa e um países, da evolução dos preços no consumidor, de 1952-1953 para cá. Verifica-se ser a pressão inflacionista sobretudo nítida nos três últimos anos. Eis as cifras:

[Ver tabela na imagem]

Trata-se, sem dúvida, de uma inflação moderada, mas persistente, que. em seis anos fez cair o poder de compra da moeda cerca de 15 por cento na generalidade dos países.
Claro que as causas desta evolução diferem sensivelmente de país para país. Nos países industriais, segundo os economistas das Nações Unidas (7), a alta dos preços proveio inicialmente de uma expansão da procura de bens de consumo duradouro e de habitações, que depois se estendeu aos investimentos privados em instalações e equipamento. Em contrapartida, não teria havido excesso da procura global.
Nos países pouco desenvolvidos, é principalmente a subida dos custos, em particular dos salários e .dos preços de bens importados, que deve considerar-se responsável pela conjuntura altista, agravada, quanto aos países exportadores de produtos primários, por um excesso de procura da maior parte das mercadorias. A industrialização - frisa-se no trabalho das Nações Unidas - teve uma acção notória neste domínio, pois a preocupação de elevar os níveis de vida mediante a formação de capitais e o acréscimo da produção industrial deram lugar, em alguns países, a que se cometessem imprudências de ordem financeira, especialmente no capítulo dos recursos de tesouraria. E conclui-se:

Em toda a parte onde os rendimentos foram aumentados sem que previamente se tomassem medidas para acrescer as disponibilidades de bens de consumo, era quase inevitável a inflação.

7. A Organização Europeia de Cooperação Económica celebrou em 1958 o seu décimo aniversário e a Comunidade Económica Europeia completou um ano de existência. Em 1 de Janeiro deste ano entrou em vigor o Tratado de Roma, tendo entretanto prosseguido as negociações com vista à instituição de uma zona europeia de comércio livre associada àquela Comunidade.
O relatório ministerial dá conta das dificuldades e obstáculos com que tem lutado a consecução, deste último objectivo. A disparidade de estruturas nacionais e, sobretudo, o desentendimento entre os responsáveis pela política dos diversos países interessados tornam a solução do problema extremamente complexa.
Esta Câmara renova os seus votos para que esses obstáculos e divergências possam vir a ser vencidos e encontradas as fórmulas que permitam caminhar-se progressivamente, sem distorções para as economias dos países em jogo, no sentido de se alcançarem os objectivos de cooperação económica e de coesão europeia tão necessários à salvaguarda da civilização ocidental.

b) Economia portuguesa metropolitana

8. As cifras da contabilidade nacional respeitantes ao ano de 1957 (8) revelam uma taxa de acréscimo do produto bruto (ao custo dos factores) de 3,1 por cento, a qual, confrontada, como se faz no relatório ministerial, com a correspondente ao período de 1952-1956 (4,3 por cento), denuncia uma quebra apreciável no ritmo da actividade económica metropolitana. Se se tomar, porém, para termo de comparação o sexénio 1950-1956, já o resultado será menos desfavorável, sendo certo que nesse período a taxa média de acréscimo do produto nacional não excedeu 3,2 por cento (9).
Mais expressiva, como índice da elevação do nível de vida, é a cadência de aumento da capitação do produto, que no ano em causa não foi além de 2,3 por cento, contra 3,5 por cento em 1952-1956 e 2,7 por cento em 1950-1956 (10).
Para o ano corrente prevê o relatório, com base em cifras relativas ao 1.º semestre, uma taxa de crescimento do produto ainda mais fraca do que a de 1957, por efeito de quebra nos principais produtos agrícolas (vinho, trigo, batata, azeite e milho), nas indústrias extractivas e na pesca, bem como de uma evolução menos favorável em algumas indústrias transformadoras (conservas, lanifícios, cortiça e resinosos).

9. Se encararmos a marcha da nossa economia metropolitana nos anos considerados, não já pela óptica do produto, mas pela da despesa nacional, poderemos fazer algumas observações por igual significativas.
Em 1957, a expansão do consumo privado foi de 4,2 por cento, com referência ao ano anterior (11), e o global da procura interna de bens e serviços cresceu, no mesmo período, de 5,1 por cento. Em cifras absolutas, esta procura atingiu o montante de 61 599 milhares de contos, enquanto o produto nacional, a preços de mercado, não ultrapassou 57 424 milhares de contos. O déficit teve de ser coberto mediante substancial alargamento do recurso à importação, cujo índice de acréscimo naquele ano - 10,3 por cento - foi de cerca do dobro da média do último quinquénio.
Por seu turno, as despesas de investimento (formação bruta de capital fixo) acusaram nítida expansão, bastante superior às de consumo, sobretudo no sector privado, em que a percentagem de aumento atingiu 10,6.

(6) Revue Internationale du Travail, La dépréciation de la monnaie: étude des prix à lu consommation, Novembro de 1958, pp. 561 e seguintes.
(7) Nations Unies, Situation économique mondiale, 1957 (Nova Iorque, 1958).
(8) A este respeito cumpre notar a inclusão, pela primeira vez numa publicação oficial - I. N.º E. Estatísticas Financeiras, 1957, pp. 169-174-, de alguns quadros respeitantes à contabilidade nacional. Deu-se assim satisfação ao sugerido no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei de meios para o ano corrente, o que se regista com agrado. Espera-se que, em futuro próximo, possa dar-se seguimento a outro alvitre feito no mesmo parecer - o de que os quadros de síntese sejam, acompanhados de mapas discriminativos, nos quais, com algum desenvolvimento, se faça a decomposição dos diversos elementos de cálculo.

utrossim, seria do maior interesse que, ao lado dos quadros organizados segundo as ópticas da origem do produto e da despesa nacional, se pudesse iniciar a publicação de outros segundo o ângulo da distribuição do rendimento.
(9) Presidência do Conselho, Relatório final preparatório do II Plano de Fomento, vol. I, p. 61.
(10) Presidência do Conselho, ob. cif., vol. cit., p. 64.
(11) "O aumento de 115 por cento no consumo privado", a que se refere o texto do relatório ministerial (p. 26), representa o quociente entre o valor absoluto do acréscimo daquele consumo - 1917 milhares de contos - e o valor absoluto do incremento do produto - 1671 milhares de contos.

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Nos investimentos públicos, que não excedem cerca de 15 por cento do total, o índice de elevação foi de 7,8 por cento.
A produtividade do capital continuou, todavia, a situar-se, no ano de 1957, em nível desfavorável, com um coeficiente de 5,3, o qual traduz, de um modo genérico, a par de reduzida eficiência em certo número de investimentos, a orientação de muitos deles para aplicações não directamente reprodutivas, em especial infra-estruturas e casas de habitação, como claramente se documenta no quadro VI anexo ao relatório ministerial.
Em relação a 1958, o Instituto Nacional de Estatística prevê afrouxamento do ritmo de subida do consumo, que não deverá exceder 3 por cento. Além disso, admite-se um apreciável decréscimo no investimento bruto global, por efeito de desinvestimentos líquidos em stocks.
É de esperar, assim, que a taxa de incremento da procura, interna sofra queda acentuada, não devendo ir além de 1,1 por cento, com referência a 1957. Dado que a diminuição do produto nacional, no ano corrente, não será em medida tão intensa como a da procura, presume-se, segundo observa o relatório, venha a dar-se «uma inversão na tendência, que se vem verificando desde 1955, de expansão mais pronunciada na procura do que nos recursos internos»; o que constituiria, a f actor de oposição às pressões inflacionistas» (12).

10. A evolução dos preços no consumidor, em 1958 parece não confirmar as previsões estatísticas quanto aos efeitos benéficos da inversão do desequilíbrio entre a procura interna e o produto nacional.
Os índices, com base em 1948-1949 (= 100), apresentam-se como segue, nos primeiros sete meses do ano corrente, em confronto com o mesmo período de 1957 (13):

[Ver tabela na imagem]

Estes números revelam agravamento mais pronunciado em 1958 do que no ano pretérito; não obstante o facto acima aduzido e até a circunstância de os preços de bens importados serem de modo geral inferiores aos do período correspondente de 1957.
O relatório ministerial não fornece explicação do fenómeno, mas parece provável que ele se filie, como consequência retardada, no desequilíbrio prolongado entre a procura interna e o produto nacional, que se processou ao longo dos três últimos anos e não teria sido ainda compensado pela aludida inversão de sinal, a qual, aliás, representa simples previsão, porventura não confirmada pelas realidades. Além de que, sendo o agravamento dos preços na sua maior parte provocado pelo sector dos produtos alimentares, é natural que a quebra verificada em 1958 nas colheitas dos principais produtos agrícolas tenha tido a sua repercussão nos mercados.
Evolução análoga se tem registado, como vimos, na maior parte das nações estrangeiras, sendo certo que entre nós a curva de acréscimo do custo da vida denota elevação muito mais moderada do que na generalidade dos países - cerca de metade da verificada nestes, de 1951 para 1958 (cf. supra, n.º 6).

11. Nas despesas de investimento têm particular relevo as realizadas em execução do I Plano de Fomento, que este ano encerra a sua vigência. Em relação ao investimento global realizado na metrópole de 1953 a 1957, os financiamentos do Plano representam, em média, 24,6 por cento, isto é, cerca de um quarto do total, não incluindo os investimentos em habitações, ou 22 por cento sem esta exclusão.
As importâncias despendidas até 31 de Agosto de 1958 - 8718,6 milhares de contos- situam-se em 75,9 por cento da última previsão global (14), o que revela alguns atrasos. Estes, no ano corrente, incidem sobretudo nos sectores da agricultura e da indústria siderúrgica.
Certo é, porém, como frequentemente se tem reconhecido, não provirem tais atrasos de dificuldades de financiamento, embora deva notar-se que dois terços dos investimentos efectuados dentro do Plano (65,7 por cento) provêm de fontes de financiamento dependentes do Estado, como se vê do quadro seguinte, em que se completam elementos insertos no relatório ministerial.

Execução do I Plano de Fomento na metrópole

Origem dos financiamentos

(1953 a 31 de Agosto de 1958)

[Ver tabela na imagem]

(a) Deduzidos 36 000 contos financiados pelo fundo de Fomento Nacional e movimentados através do Orçamento Geral do Estado.
(b) Número provisório.

Fontes: Elementos fornecidos pela Inspecção Superior do Plano de Fomento em 26 de Novembro de 1958 e pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência quanto aos financiamentos deste estabelecimento.

(12) Relatório ministerial, p. 28.
(13) Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, Setembro de 1957, p. 16, e Setembro de 1958, p. 15. Os índices são de preços no consumidor em Lisboa.
(14) Elementos fornecidos pela Inspecção Superior do Plano de Fomento em 26 de Novembro de 1958.

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12. No sector da moeda e do crédito, interessa, para formular um juízo de síntese, estabelecer o confronto entre as taxas de acréscimo dos meios de pagamento, do crédito outorgado pelo sistema bancário e da procura interna de bens e serviços.

[Ver tabela na imagem]

(a) 31 do Agosto.

Infere-se deste quadro que o volume de meios de pagamento subiu em ritmo um pouco mais rápido do que o da procura de bens e serviços, o que deve ter tido repercussão na aludida tendência para a alta moderada de preços.
Por outro lado, a expansão do crédito fez-se a uma cadência superior a mais do dobro da da utilização dos recursos disponíveis, o que, se é de presumir tenha facilitado o financiamento das actividades económicas, também deve ter contribuído para a referida pressão altista na medida em que, através de depósitos fiduciários, foi acrescer o índice dos meios de pagamento em poder do público, dado que a circulação fiduciária acusou progressos muito mais modestos.
Admite-se, contudo, que uma parte dos novos meios de pagamento tenha em apreciável medida velocidade de circulação lenta, especialmente aquela - cerca de dois terços - que tem ido avolumar os depósitos bancários, visto o incremento constante dos depósitos a prazo.
Também é de supor, embora faltem completamente os dados estatísticos a tal respeito, que uma fracção apreciável desses novos meios de pagamento, expressos em depósitos, traduza disponibilidades que vão fixar-se em sectores de rendimentos já elevados e de reduzida propensão ao consumo.
Ambas estas circunstâncias têm o seu cariz benéfico na medida em que vão contrariar as apontadas tendências inflacionistas.
Dado o atraso do crescimento da procura e do produto internos em relação ao conjunto dos meios de pagamento, teria interesse o apuramento de indicadores que permitissem avaliar quais os factores que têm impulsionado a moeda e o crédito. Não os fornece o relatório ministerial nem é fácil isolá-los, porque o reflexo da expansão do crédito encontra-se sobretudo nos agrupamentos do activo realizável e do passivo exigível das sociedades e de muitas empresas individuais, que em número crescente têm vindo a alargar os seus prazos médios de pagamento. Também o aumento das disponibilidades do público tem influído no acréscimo de transacções de compra e venda de prédios, sobretudo urbanos, dando lugar a uma desvalorização do dinheiro em função da propriedade.
O confronto das transacções de prédios com as de títulos nas Bolsas de Lisboa e Porto mostra que se tem acentuado a tendência do público para o emprego de capitais em bens imobiliários (15)

[Ver tabela na imagem]

Naquela tendência têm, naturalmente, influxo dominante as diferenças, muito pronunciadas, que se verificam entre as taxas de rendimento. Para isso contribui a disparidade de tratamento fiscal entre os réditos da propriedade imobiliária e os dos títulos de rendimento variável, especialmente acções ao portador uno registadas.
Por seu turno, os elementos sobre o movimento das sociedades em capital realizado elucidam sobre-a preferência dada ao sector terciário. Com efeito, o acréscimo de capital do conjunto das sociedades existentes no sector "Comércio e serviços" passou de 76 729 contos em 1956-1957 para 172 886 contos em 1957-1958 e a sua posição relativa no total subiu de 50 por cento para 63 por cento. lio conjunto de 2073 sociedades constituídas em 1957-1958, 1444 - cerca de 70 por cento - pertencem ao grupo terciário (15).
Sem dúvida que a acentuada predilecção pela actividade comercial deve ter contribuído para o maior ritmo de acréscimo no sector da moeda e do crédito em - relação ao da produção e da procura interna.
Os dois fenómenos que acabam de assinalar-se não são propícios ao esforço que o País precisa de realizar, cada vez mais intensamente, no sentido da aceleração do ritmo do seu desenvolvimento económico, designadamente no sector das actividades primárias e secundárias, para o que, aliás, estão reunidos muitos outros factores favoráveis.
Dir-se-á ainda uma palavra sobre as taxas de juro, que têm continuado a manifestar notável estabilidade ao longo de 1958 e a situar-se em níveis baixos, como corolário da manutenção da taxa de desconto.
Essa estabilidade constitui factor dos mais significativos como estímulo ao investimento.

13. Para encerrar estes breves apontamentos sobre a conjuntura metropolitana em 1957-1958 resta aludir ao sector do comércio externo e da balança de pagamentos.
A balança comercial da metrópole apresentava em 30 de Junho último um saldo negativo inferior em 23,6 por cento ao atingido um ano antes. Traduz isso o coroamento de esforço muito notável no sentido de contrariar o excessivo acréscimo das importações, que em 1957 atingira volume inconveniente para o equilíbrio da nossa economia.

(16) Fonte: Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística.

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Semelhante esforço não pôde, infelizmente, ser acompanhado por correlativa expansão nas exportações, se bem que no 1.º semestre de 1958 se tenha registado uma melhoria de 90 000 contos nas vendas ao estrangeiro, com aumentos apreciáveis nos vinhos, madeiras e conservas de sardinha.
O panorama da balança de pagamentos nos primeiros sete meses do ano em curso também se antolha com perspectivas muito diferentes das de período análogo do ano passado.
A um saldo negativo que em Julho de 1957 alcançara já os 611 milhares de contos correspondeu no final de Julho último ma resultado positivo de 360 000 contos, que se espera melhore ainda até ao termo do ano.

14. No tocante às perspectivas para 1959, o relatório ministerial considera-as animadoras, quer no sector agrícola, por efeito sobretudo da intensificação da assistência técnica e da diversificação cultural decorrente dos aproveitamentos hidroagrícolas, quer no sector industrial, graças, por um lado, ao próprio clima de recuperação económica internacional e, por outro, ao esforço de reapetrechamento, de utilização mais completa dos recursos e de reorganização de processos de fabrico em diversos ramos de actividade (v. g. têxteis, azotados, cimentos).
Ignora-se até que ponto os factores referidos no relatório quanto à agricultura podem ter como resultado melhorias de produção no ano próximo, sendo certo que os benefícios da intensificação da assistência técnica, assim como dos aproveitamentos hidroagrícolas, só a longo prazo poderão verificar-se.
De um modo geral, pode, porém, dizer-se que o início da execução do II Plano de Fomento justifica as mais fundadas expectativas de progressivo desenvolvimento da riqueza e do rendimento nacionais.
A consecução deste desiderato fundamental desdobra-se- nas seguintes finalidades, que constituem, por assim dizer, as coordenadas dominantes do II Plano:

a) Aceleração do ritmo de incremento do produto nacional;
b) Elevação do nível de vida;
c) Ajuda à resolução dos problemas de emprego;
d) Melhoria da balança metropolitana de pagamentos.

O primeiro objectivo implica atribuir-se prevalência aos investimentos directamente reprodutivos sobre as infra-estruturas e outras aplicações não. susceptíveis de rendimentos imediatos, embora sem deixar de acompanhar o desenvolvimento destes na medida do necessário para assegurar a máxima reprodutividade daqueles investimentos.
É assim que as actividades primárias e secundárias (agricultura, silvicultura, pecuária, pesca, indústrias extractivas e transformadoras, e electricidade) assumem, no Plano, posição dominante em confronto com o sector dos transportes e comunicações e com o da investigação e ensino técnico (16).
A elevação do nível de vida, além da que há-de resultar naturalmente do acréscimo do produto nacional, exige constante diligência no sentido de melhorar a distribuição dos resultados da produção, através de uma política económica e social adequada.
A resolução dos problemas da plena utilização da mão-de-obra subempregada ou desocupada, que constitui ainda preocupação saliente da nossa economia, significará, em contrapartida, como justamente nota o relatório ministerial, t que a melhoria do nível de vida tem de ser conquistada com maior lentidão do que numa economia em que fosse possível prosseguir a todo o transe uma política de produtividade técnica".
Por último, "o objectivo de melhorar a nossa balança comercial - contrariado pela necessidade de importar bens de equipamento dispendiosos, em consequência do plano de desenvolvimento a executar - impõe um esforço considerável no sentido de aumentar substancialmente a quantidade e o valor da nossa exportação e no de diminuir a aquisição de bens estrangeiros dispensáveis" (17).
Quanto a este último ponto, deve acrescentar-se que um correcto planeamento das necessidades em equipamentos e matérias-primas para as indústrias contribuirá apreciavelmente para a desejada melhoria da balança comercial.
O total dos recursos a mobilizar na metrópole para o financiamento do II Plano de Fomento é, como se sabe, de 26 milhões de contos, dos quais 5 milhões serão aplicados no ultramar.
As percentagens de participação nesse financiamento, distribuídas segundo o critério atrás adoptado para o I Plano - fontes dependentes e não dependentes do Estado - , são as seguintes:

Fontes de financiamento dependentes do Estado - 39,2 por cento.
Fontes de financiamento não dependentes do Estado - 60,8 por cento.

É nítido o contraste com os resultados da execução do I Plano, no qual, como se viu, as fontes dependentes do Estado assumiram a posição que agora se pretende confiar ao sector privado - cerca de dois terços do conjunto.
Cabe aqui a observação que fizemos no parecer do ano transacto, ao chamar a atenção para a menor flexibilidade das fontes privadas e a necessidade de se tomarem as medidas convenientes para estimular os investimentos. Neste sentido tem a política financeira do Estado um papel de grande relevo a desempenhar, aliás bem salientado na proposta de lei em exame.

§ 3.º

Linhas gerais de política financeira da proposta de lei

15. Os dados gerais da conjuntura, que acabámos de percorrer rapidamente, resumem-se em três ou quatro pontos essenciais: no exterior - indícios de progressiva intensificação da actividade económica; no País - estabilidade relativa da economia nacional, ausência de fortes pressões inflacionistas, exigências prementes de aceleração do crescimento económico e de elevação do nível de vida, defesa da balança de pagamentos.
Semelhantes indicadores aconselham, tal como já se alvitrara no parecer sobre a Lei de Meios para o ano em curso, que, através da política financeira, se prossigam fundamentalmente os seguintes objectivos:

a) Estímulo da poupança;
b) Incentivo ao investimento e sua orientação para as aplicações mais convenientes;
c) Melhoria da distribuição dos rendimentos.

(16) Haverá, no entanto, que ter em conta a moção votada pela Assembleia Nacional ao aprovar a proposta de lei relativa ao Plano, que recomenda ao Governo o afrouxamento de certas obras de hidráulica agrícola e a aplicação das disponibilidades assim obtidas em obras de construção e reparação das estradas nacionais (Diário das Sessões n.º 63, de 3 de Novembro de 1958, p. 1317), o que, se for tido em conta, implicará sensível diminuição da parte respeitante à agricultura, em benefício das infra-estruturas.
(17) Relatório ministerial, p. 45.

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As linhas gerais da proposta da lei de autorização para 1959 podem sintetizar-se assim:

Nas receitas:
1) Anúncio da reforma dos principais impostos sobre o património e o rendimento (artigo 4.º);
2) Actualização imediata da isenção e das taxas do imposto complementar [artigo 5.º, alínea e)].

Nas despesas:
1) Revisão das remunerações dos servidores do Estado (artigo 8.º);
2) Prosseguimento do programa de combate à tuberculose (artigo 9.º);
3) Investimentos públicos, tendo em vista (artigo 10.º):
a) Os empreendimentos previstos no Plano de Fomento;
b) Obras e aquisições determinadas em leis especiais;
c) Despesas extraordinárias, com a seguinte ordem de preferência:
Fomento económico;
Educação e cultura;
Realizações de interesse social;
d) Auxílios financeiros às povoações rurais (artigo 13.º);

4) Compromissos internacionais de ordem militar.

De uma maneira geral, pode dizer-se que este programa de política financeira se ajusta às coordenadas de natureza económica e social que há pouco enunciámos.
Esse ajustamento melhor se poderá analisar ao proceder ao exame da proposto, de lei na especialidade.
Por agora, e para concluir a apreciação na generalidade, limitar-nos-emos a focar dois pontos, aliás da maior relevância:

1.º A evolução das receitas públicas e o cômputo da pressão fiscal;
2.º A curva das despesas do Estado, especialmente em confronto com a da despesa nacional.

16. Alargando um tanto o campo da análise, relativamente ao do relatório ministerial, vamos a evolução das percentagens de acréscimo das receitas públicas totais e dos réditos próprios do Estado, de 1953 para cá, em presença da variação do produto nacional:

[Ver Tabela na Imagem]

nclui serviços autónomos e organismos de coordenação económica.
(b) 31 do Agosto.
Fontes: Relatórios das propostas de leis de autorização para 1956, 1957,1958 e 1959.
As receitas globais são, evidentemente, dominadas pelas dó Estado. E nota-se que, em ambos os sectores, a evolução segue uma curva com altas e baixas alternadas em cada ano, um pouco como nalgumas produções agrícolas - anos de safra e de contra-safra ...
Estabelecendo agora o confronto com os índices de incremento do produto nacional, verificam-se três coisas:

1.º A curva do produto segue uma marcha muito mais estável do que a das receitas;
2.º Entre aquela e esta não há paralelismo, mas, antes, nítida divergência, subindo mais as receitas nos anos em que cresce menos o produto, e vice-versa;
3.º A taxa média de acréscimo das receitas no período em causa é nitidamente superior à do produto nacional, donde resultou, como adiante se verá, um agravamento da carga fiscal no seu conjunto.

Dada a predominância dos impostos indirectos -designadamente os que recaem sobre a importação - no sistema tributário, parece serem, principalmente, os movimentos da balança comercial que explicam o perfil da curva daquelas receitas, as quais acusam, de uma "maneira geral, maior ímpeto de subida nos anos em que é mais intensa a entrada no País de bens importados.
No ano corrente, dada a contracção obtida nas compras ao estrangeiro, a taxa de crescimento dos impostos indirectos reduziu-se substancialmente, em benefício das contribuições sobre o rendimento e o património, o que deu lugar à apontada queda no ritmo de aumento das receitas totais.
Esta rápida análise vem confirmar ser a nossa vida financeira, em matéria de receitas, particularmente sensível às flutuações do comércio externo, o que constitui, como é sabido, factor desfavorável em presença do condicionalismo que se depara à economia portuguesa: pois se, por um lado, temos de continuar a recorrer em grande escala à importação, dadas as exigências do nosso desenvolvimento, por outro, precisamos de caminhar no sentido da integração europeia e da liberalização progressiva do proteccionismo fiscal.

17. Insere o relatório ministerial um mapa remodelado da evolução da carga tributária, de 1953 e 1957.
Nos anos pretéritos essa carga foi avaliada em função do produto nacional líquido. Desta feita, refazem-se os cálculos com base no produto nacional bruto, aos preços do mercado. Dá-se como (razão da mudança de método o facto de se desconhecerem os quantitativos imputáveis a amortizações do sector público, o que tornava o pouco significativos" os valores do produto nacional líquido (18).
O critério afigura-se aceitável, sendo até o que permite mais fáceis comparações internacionais, e por isso se adopta hoje em dia na generalidade dos países (19).

(18) Relatório citado, p. 52.
(19) Cf. a este respeito, entre outros, Prof. H. Laufenburger, Finances Comparées, 3.ª edição, Paris, 1957, pp. 45 e seguintes.

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Também se considera correcta a inclusão do produto de empréstimos nas receitas consideradas para o apuramento da carga fiscal.
O que não pode aceitar-se é que nesse apuramento se levem apenas em conta as receitas do Estado, de alguns serviços autónomos e dos organismos de coordenação económica. Já no parecer sobre a Lei de Meios para 1958 fez esta Câmara idêntico reparo e procurou fornecer elementos de cálculo que possibilitassem uma avaliação mais ajustada às realidades, incluindo no cômputo das imposições tributárias não apenas as cobradas pelo Estado e organismos dele dependentes, mas as provenientes da chamada «parafiscalidade».
Actualizando e completando as cifras e tendo em mente que elas continuam a pecar por defeito, pois, além do mais, nas receitas dos organismos corporativos apenas se abrangem as dos incluídos no preâmbulo do orçamento do Estado, elaborou-se o seguinte mapa:

Carga fiscal

[Ver Tabela na Imagem]

[Ver Legenda na Imagem]

Este quadro permite extrair, entre outras, as seguintes conclusões:

1.ª A taxa de crescimento da carga fiscal, de 1956 para 19.57, é moderada, embora superior à do produto nacional, no que influiu sobretudo, dado o respectivo montante global, o acréscimo das receitas públicas (Estado e serviços autónomos);
2.ª Em números absolutos, a pressão tributária não pode reputar-se excessiva, mas, como se frisou no parecer do ano transacto, «também decerto não permitirá, pelo menos ao nível presente de desenvolvimento do País e de capitação de rendimentos, encarar agravamentos substanciais»;
3.ª O ónus da parafiscalidade - definido pelas receitas dos cinco últimos agrupamentos do quadro acima, num total de 2 474 000 contos - correspondeu, em 1957, a 22,2 por cento das imposições totais e a 4,3 por cento do produto nacional.

Para 1958, o relatório ministerial prevê uma ligeira subida na carga tributária, em virtude da contracção da taxa de crescimento do produto nacional em confronto com a «relativa estabilidade a prevista para as receitas orçamentais.
Resta acrescentar, reproduzindo uma vez mais considerações insertas no parecer sobre a última Lei de Meios, que

... a percentagem indicadora da pressão fiscal pode revelar-se moderada, mas a tributação de certas categorias de contribuintes ser excessiva, o que denotará uma repartição defeituosa da carga fiscal. Obviar a este inconveniente constitui um dos objectivos da reforma tributária em estudo ...

Das linhas gerais desta reforma, anunciada no relatório ministerial, ocupar-nos-emos no decorrer do exame na especialidade, a propósito do artigo 4.º da proposta de lei em discussão.

18. À semelhança do que se fez quanto às receitas, completam-se os dados constantes do relatório ministerial com uma breve síntese das percentagens de variação das despesas públicas (Estado, serviços autónomos, organismos de coordenação económica) ao longo do último quinquénio, em confronto com a marcha do produto nacional:

[Ver Tabela na Imagem]

Fonte: Relatórios ministeriais sobre as propostas do Lei de Meios para 1956, 1957, 1958 e 1959.

Transparece deste quadro, em primeiro lugar, que a taxa média de acréscimo das despesas públicas totais, durante o período focado, foi sensivelmente superior à do produto nacional, tal como se observara já no sector

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das receitas. O facto está, aliás, directamente ligado ao progresso dos réditos públicos. Mas, não obstante aquele acréscimo, as despesas do Estado e dos serviços e organismos dele dependentes representaram, em 1957, tão-sòmente 11 por cento da despesa nacional, o que é suficientemente elucidativo a respeito, do peso moderado que, entre nós, reveste a intervenção estadual no conjunto das actividades económicas.
Outra ilação consentida pelas cifras acima é a de que o índice de aumento das despesas de administração civil, que abarcam dois terços do total, é muito mais acentuado nas de investimento do que nas de funcionamento, atingindo naquelas, em média, uma taxa dupla destas, o que se. afigura orientação acertada nas condições actuais da vida portuguesa.
Por último, cumpre registar que no sector, dos serviços militares e de segurança tem vindo a decrescer a percentagem de incremento dos gastos, situando-se nos dois últimos anos ao redor de 1 por cento.

II

Exame na especialidade

§ 1.º

Autorização geral

ARTIGOS 1.º A 3.º

19. Os dois primeiros artigos da proposta são mera reprodução dos que tradicionalmente vêm sendo insertos nas últimas leis de meios e exprimem a autorização genérica outorgada ao Governo, nos termos do artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição Política, para arrecadar as receitas e pagar as despesas na gerência futura, de harmonia com as leis e princípios vigentes.
Relativamente ao artigo 1.º deve, todavia, notar-se que, conforme se anunciava no relatório ministerial, foi, entretanto, publicado, pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro último, o novo Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Não tendo aquele diploma sido previamente submetido à Assembleia Nacional, cumpre neste momento à Câmara Corporativa pronunciar-se a seu respeito, tendo em vista o disposto nos §§ 1.º e 2.º do artigo 70.º da Constituição e para os efeitos da autorização geral contida no citado artigo 1.º da proposta.
Dar-se-á cumprimento àquele dever constitucional ao examinarmos o artigo 4.º
Quanto ao artigo 3.º, recorda-se o que a seu respeito se disse na primeira parte deste parecer (supra, n.º 3): trata-se de uma regra geral e permanente de administração financeira, cuja inclusão na Lei de Meios se tem por manifestamente inadequada. A compressão ou o condicionamento de despesas com o fim indicado no artigo - garantia do equilíbrio das contas públicas e do provimento da tesouraria- constituem matéria que, sem dúvida, cabe nas funções normais do Governo.
Por isso se sugere a eliminação do preceito.

§ 2.º

Reforma tributária

ARTIGO 4.º

a) Generalidades

20. Com base neste artigo 4.º pretende o Governo ficar

... autorizado a publicar no decurso do ano de 1959 os diplomas de reforma do imposto profissional, da contribuição predial, do imposto sobre a aplicação de capitais, da contribuição industrial e do imposto complementar.

Representa tal propósito, como já se frisou, um dos traços Salientes do projecto de lei em apreciação.
Talvez valha a pena, por isso, fazer uma breve súmula dos antecedentes da reforma.
A Lei n.º 2026, de 29 de Dezembro de 1947 (Lei de Meios para 1948), determinou, no artigo 15.º, que o Governo procedesse à nomeação de comissões para estudar e promover, com urgência, a sistematização da legislação tributária, revendo, coordenando e verificando todas as disposições vigentes no sentido da sua simplificação.
A lei de autorização para 1951 - n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950 -, além de reeditar o comando de sistematização dos textos (artigo 5.º), mandou constituir comissões encarregadas de proceder à redacção de um texto único para cada imposto, tendo em vista os seguintes principais objectivos de técnica fiscal:

1) Simplificação dos processos administrativos de liquidação e cobrança;
2) Revisão de taxas, adicionais e encargos, englobando-os numa taxa única;
3) Actualização de isenções;
4) Revisão de penalidades fiscais e processo da sua aplicação.

A mesma lei definiu, nos artigos 4.º e 8.º, os princípios de economia financeira a que deveria obedecer a reforma em matéria de impostos directos:

a) Tributação com base no rendimento, no capital e no enriquecimento;
b) Carga fiscal proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional e distribuída segundo a composição deste.

O Decreto-Lei n.º 38 438, de 25 de .Setembro de 1951, instituiu duas comissões - a Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal -, encarregadas de proceder aos trabalhos preparatórios da reforma e de elaborar os respectivos textos legislativos, em harmonia com os princípios e as regras definidas na Lei n.º 2045.
A Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951 (artigo 4.º), mandou prosseguir os estudos das duas comissões, aã fim de levar a efeito, no mais curto prazo possível, a sistematização dos textos legais reguladores dos principais impostos».
Idênticas disposições foram repetidas no artigo 4.º da Lei n.º 2059, de 29 de Dezembro de 1952, e no artigo 4.º da Lei n.º 2067, de 28 de Dezembro de 1953.
A Lei de Meios para 1955 - n.º 2074, de 28 de Dezembro de 1954 - preceituou (artigo 4.º) que aquelas comissões deviam «intensificar os seus trabalhos, de modo a poder ser dada por finda a sua missão em 31 de Dezembro de 1955».
No ano seguinte, a lei de autorização não se referiu ao assunto, e no relatório ministerial sobre a proposta de Lei de Meios para 1957 escreveu-se o seguinte:

Pronto o projecto de diploma sobre as sucessões, doações e sisa, vai agora dar-se nova estrutura às comissões de estudo. E espera-se que até ao fim de 1957 se possam apresentar as bases da reforma dos vários impostos (20).

(20) Proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1957, Imprensa Nacional, 1956, p. 176.

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504 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 32

Mas ainda dessa feita não foi possível dar realização aos propósitos enunciados.
Enfim, o Decreto-Lei n.º 41 036, de 20 de Março de 1957, fundiu numa só - a Comissão da Reforma Fiscal - as duas comissões criadas pelo diploma de 1951.
Parece ser chegado agora o momento em que se torna viável concretizar as intenções e anseios expressos nas já distantes Leis de Meios para 1948 e 1951.
O relatório ministerial sobre a proposta ora em discussão insere, a tal respeito, alguns esclarecimentos, quer sobre as razões dá demora na conclusão dos trabalhos preparatórios, quer no tocante aos princípios gerais, de ordem económica, financeira e jurídica, que norteiam a nova legislação tributária.
Compreende perfeitamente esta Câmara que a complexidade e o melindre do assunto, aliados à natural hesitação sobre a própria oportunidade de certas orientações na fase presente da conjuntura nacional e europeia, houvessem feito protelar a efectivação da reforma.
É, todavia, essa mesma conjuntura que torna cada vez mais instante a remodelação do nosso sistema fiscal, em ordem não apenas a simplificar textos e técnicas, mas, acima de tudo, a adequar as normas tributárias às exigências dos tempos actuais e às necessidades prementes do nosso desenvolvimento.
Cabe aqui uma palavra de elementar justiça sobre a reforma tributária de 1929, cujos princípios, a trinta anos de distância, mantêm ainda larga soma de virtualidades. Ela constituiu o alicerce fundamental da restauração financeira do Estado em tempos particularmente difíceis e nessa base firme pôde assentar-se toda uma política de renovação económica, social e administrativa, do País.

21. O conteúdo do artigo 4.º da proposta suscita, porém, algumas reflexões.
Em primeiro lugar, parece depreender-se dos seus termos ser intenção do Governo publicar, no decurso de 1959, mediante decretos-leis, os textos de reforma dos principais impostos sobre o rendimento e o património, tal como acaba de fazer para a sisa e o imposto sucessório.
Não se afigura actualmente susceptível de controvérsia, que, à face da letra da Constituição Política, pode o Governo legislar sobre matéria tributária por intermédio de decretos-leis. É doutrina que deve considerar-se pacífica, sobretudo depois da última revisão constitucional, efectuada pela Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, e que resulta do confronto entre os artigos 70.º e 93.º da mesma Constituição (21).
Simplesmente, não tem o Governo, por via de regra, usado dessa faculdade, e antes, em homenagem, aliás, a uma velha tradição nacional, que vem desde as Cortes de (Coimbra de 1261, costuma submeter à apreciação da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional, geralmente através das. propostas de leis de meios, as bases gerais referidas no § 1.º do artigo 70.º da Constituição - incidência, taxas de imposto, isenções, reclamações e recursos a favor do contribuinte.
Não foi esse, evidentemente, por motivos óbvios, o caso da reforma de 1929 e da restante legislação tributária publicada no período ditatorial que antecedeu a entrada em vigor da Constituição de 19133. Mas de então para cá procurou-se manter o princípio de que o Governo só se propõe legislar sobre as aludidas matérias em casos de urgência e necessidade pública.

O próprio decreto-lei que em 1946 reorganizou o imposto complementar - o principal diploma fiscal publicado desde 1929- fê-lo, como se lê no seu preâmbulo, "usando da autorização conferida pelo artigo 6.º da Lei n.º 2010, de 22 de Dezembro de 1945", que determinara a forma geral de incidência, a isenção base e a razão e limites de progressividade das taxas.
Também, pela Lei n.º 2070, de 8 de Junho de 1954, se regularam recentemente certas formas de isenção da contribuição predial em casos de aumento de rendimento de prédios rústicos.
Ora a proposta de lei em exame não inclui qualquer norma específica sobre bases de incidência, taxas, isenções, reclamações e recursos a inserir na futura reforma fiscal.
Contém, é certo, o relatório ministerial, como já aludimos, alguns princípios de ordem doutrinária a que, consoante se afirma, obedeceu a elaboração dos novos diplomas, mas daí nada se pode concluir quanto à sua aplicação em cada caso concreto, isto é, em cada uma das categorias tributárias que se pretende remodelar.
Restará, assim, à Assembleia Nacional e a esta Câmara tomarem contacto com as questões que cabem dentro da sua competência efectiva na matéria por ocasião da próxima Lei de Meios, tendo em vista o disposto no § 2.º do citado artigo 70.º da Constituição.
Simplesmente, é manifesto que semelhante tarefa - dada a extensão da reforma e a sua fundamental importância e repercussão em todos os sectores da vida nacional - se mostra dificilmente compatível com as limitadíssimas condições de tempo em que necessariamente tem de circunscrever-se a apreciação de uma lei de meios.
Afigura-se a esta Câmara que as circunstâncias expostas teriam porventura justificado a elaboração de uma proposta de lei especial, contendo, para cada um dos impostos a remodelar, as bases gerais de tributação a que se refere o mencionado preceito constitucional. Caberia aí explanar, em adequado preâmbulo, as linhas mestras de economia e direito fiscal que inspiravam a reforma.
Tal como se encontra redigido, o artigo 4.º da proposta não encerra alcance útil, a não ser para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, sem embargo de se reconhecer a intenção do Governo ao procurar expor, no douto relatório que precede a proposta, os princípios de natureza teórica que orientaram a nova legislação. Assim, não deixará a Câmara de fazer alguns breves comentários a respeito daqueles princípios, tendo em vista, sobretudo, a sua adequação às finalidades essenciais que atrás se apontaram como devendo orientar, no presente condicionalismo económico-social, a nossa política tributária: estímulo ao aforro, incentivo e orientação do investimento, melhoria de distribuição dos rendimentos.

22. Podem esquematizar-se como segue as directivas genéricas que, segundo o relatório, informam a anunciada reorganização fiscal:
Princípios de ordem económico-financeira:

a) Preferência pelo rendimento real como base de tributação;
b) Conveniente reajustamento de taxas;

(21) Cf. parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei n.º 111 (alterações à Constituição Política), Diário das Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro de 1951, pp. 405-406; Assembleia Nacional, discussão da proposta de lei n.º 111 na especialidade, Diário das Sessões n.º 102, de 26 de Abril de 1951, pp. 928-929; decreto da Assembleia Nacional sobre a revisão constitucional, Diário das Sessões n.º 106, de 1 de Maio de 1951, p. 1012; Miguel Veiga e Manuel de São Paio, Direito Fiscal, segundo as prelecções do Dr. Alexandre Pinto Coelho do Amaral ao 3.º ano jurídico, Coimbra, 1957, pp. 27-30.

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c) Alargamento e actualização das isenções do mínimo de existência;
d) Incentivos aos investimentos dignos e carecentes de estímulo.
Princípios de ordem jurídico-fiscal:
Aperfeiçoamento da redacção e sistematização dos textos;
a) Melhor harmonização da técnica fiscal com os princípios do direito privado;
b) Agravamento das sanções contra a evasão e a fraude fiscais;
c) Reforço das garantias jurídicas do contribuinte.

3. - a) A respeito da preferência pelo rendimento real como base de incidência do imposto já esta Câmara teve ensejo, recentemente, de formular algumas considerações no parecer sobre a proposta da Lei de Meios para 1957 que interessa recordar neste momento:
A adopção de um sistema de tributação baseado no rendimento real pressupõe, como é óbvio, a possibilidade da sua determinação. Não vale a pena encarecer as dificuldades desta tarefa - talvez maiores no comércio que na indústria - e o melindre que envolve qualquer regulamentação das taxas de amortização e valores de inventário. O que pode acontecer é que venha a apurar-se que tal determinação só é possível para sectores restritos da actividade económica nacional. Em semelhante emergência haverá que ponderar os efeitos de uma dicotomia de regimes sobre a actividade económica, distribuição dos rendimentos e direcção dos investimentos.
Problema diferente, e igualmente importante, é o de referenciar, neste sistema, a contribuição industrial de determinado ano à actividade desenvolvida nesse mesmo período. Com efeito, supondo que tal não é possível, corre-se o risco de assistir a um desfasamento de considerável amplitude entre a produção do rendimento e a sua tributação. Esta circunstância é de molde a fazer com que o imposto, em lugar de se revelar neutral, compensando inclusivamente as flutuações da conjuntura, tenda a acentuá-las. O facto afigura-se digno do melhor estudo, atentas as suas repercussões sobre a vida e liquidez das empresas (22).

Decerto que tais problemas e dificuldades não terão deixado de merecer a devida atenção por parte do Governo e da comissão de estudo da reforma fiscal.
Em outro sector são ainda mais salientes os obstáculos à instauração do sistema do rendimento real - o da propriedade rústica. As constantes e acentuadas flutuações a que, por força de circunstâncias inelutáveis, estão sujeitos os rendimentos da terra, tornam particularmente difícil a adopção do rédito efectivo como base de tributação. Aí, pois, o imposto terá de continuar a assentar, fundamentalmente, sobre rendimentos normais, em função de determinadas produções e encargos que correspondam, ao longo de certo número de anos, ao rendimento médio líquido da propriedade.
Dadas as condições presentes de determinação da matéria colectável na contribuição predial rústica e a disparidade de tratamento entre as zonas já reavaliadas e as restantes, há necessidade instante de intensificar os trabalhos do cadastro geométrico, a fim de colocar todos os contribuintes em igualdade de posição perante o fisco.
O princípio do rendimento real é, ainda, factor indispensável de personalização dos ónus fiscais e, portanto, da sua distribuição equitativa, quer em sistema de imposto único sobre o rendimento, quer no de impostos parcelares completados com um imposto de sobreposição, como sucede entre nós com o imposto complementar.
No regime actual, este imposto, na medida em que recai sobre réditos tributados predominantemente pela fórmula do rendimento normal, só com bastante imperfeição pode realizar o objectivo da personalização tributária.
Encarado sob o ângulo de uma política fiscal com vista ao desenvolvimento económico, isto é, encorajadora do aforro e do investimento reprodutivo - como aquela que neste momento interessa ao País -, deve dizer-se que a tributação do rendimento real tem sobre a do rendimento normal manifesta superioridade.
Sem dúvida que este último sistema, na medida em que permite, mediante aumentos de eficiência e produtividade, evasões legítimas do imposto e, consequentemente, o aliviamento do respectivo ónus, pode constituir incentivo ao investimento. Mas, sobretudo nas actividades sujeitas a bruscas flutuações de preços e mercados ou em períodos de depressão, esse estímulo é naturalmente anulado pelo maior risco de prejuízos que o peso constante do imposto irá agravar. Ao passo que a tributação do rendimento real, porque procura adaptar-se à curva dos resultados das empresas, tende a eliminar aquele contingente de risco e, aliada a isenções ou tratamentos mais favoráveis de autofinanciamentos ou de lucros levados a reservas, bem como de aumentos de capital, pode constituir poderoso estímulo ao aforro e ao investimento produtivo (23).
E ainda se poderá inscrever a crédito do rendimento real o permitir neutralizar, em grande parte, a repercussão do imposto, evitando a sua incorporação nos custos de produção - como sucede com o sistema do rendimento normal - e o consequente agravamento da tributação regressiva quando se trate de bens de consumo generalizado.
Esta Câmara considera, pois, em princípio, como desejável a preferência pelo rendimento real, sempre que possível, como matéria colectável na futura reforma dos impostos directos.
Para que o novo regime produza efectivamente os frutos que dele se esperam e constitua um instrumento eficaz de estímulo ao desenvolvimento económico é, porém, indispensável; como acima se inculcou, a sua articulação com um sistema de incentivos e desagravamentos fiscais que favoreça as empresas progressivas e não represente de qualquer modo uma forma de apoio a explorações obsoletas ou a actividades parasitárias.

24. - b) É compreensível que a reorganização tributária em vista comporte um conveniente reajustamento de taxas. A própria adopção do sistema do rendimento real implicará a revisão de muitas actualmente praticadas.
Declara o relatório ministerial que com o aludido reajustamento se pretende apenas que os impostos representem "a razoável, e só a razoável, contribuição dos cidadãos para os encargos públicos".
A manutenção do princípio tradicional do nosso sistema tributário da discriminação dos rendimentos pelas

(22) Actas da Câmara Corporativa n.º 98, de 5 de Dezembro de 1956, p. 997.
(23) Cf. Prof. Teixeira. Ribeiro, Industrialização e Política Fiscal, comunicação ao II Congresso dos Economistas Portugueses, Lisboa, 1957, p. 12.

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respectivas fontes, através de um conjunto de impostos parcelares, permite a adequação das taxas à variável origem da matéria colectável, com vista a alcançar simultaneamente melhor equidade na repartição do imposto e maior produtividade para o fisco.
Exige a justiça que os rendimentos provenientes do trabalho sejam gravados em menor proporção do que os provenientes do capital, pois aqueles são por natureza mais contingentes e precários do que estes, na medida em que representam o fruto do esforço intelectual ou físico dos seus detentores.
Por outro lado, é princípio hoje unanimemente aceite pela generalidade dos sistemas tributários que nos impostos pessoais, isto é, naqueles que tomam em conta a situação de cada contribuinte e recaem sobre o conjunto dos seus réditos, as taxas sejam progressivas, em obediência também a um critério de repartição équa dos encargos inspirado na lei económica da utilidade decrescente. E este o caso do nosso imposto complementar, mas, como acima se notou, a personalização que por seu intermédio "e pretende obter é ainda manifestamente deficiente.
Espera-se que a projectada reforma tributária, na medida em que permitir mais exacta determinação do rendimento real, proporcione o indispensável aperfeiçoamento da base de incidência do imposto complementar e permita a revisão das taxas actuais, no sentido de uma mais equitativa distribuição do imposto, tendo em vista, além do mais, a origem dos rendimentos e a necessidade de desonerar sobretudo os provenientes do trabalho.
Na parte em que o imposto progressivo atinge os rendimentos do capital é necessário, de um lado, conseguir por seu intermédio uma conveniente mobilização de poupanças, transferindo para o Estado, com vista a investimentos públicos, parcelas de rendimentos entesouradas pelos seus possuidores ou desviadas para aplicações menos convenientes, e, de outro lado, não ir desencorajar iniciativas e empreendimentos.
Este justo equilíbrio entre objectivos por vezes de muito árdua conciliação constitui precisamente uma das maiores dificuldades e melindres da moderna política fiscal.

25. - c) O alargamento e actualização de isenções do mínimo de existência são escopos altamente desejáveis com vista à personalização do imposto e à realização de uma melhor justiça distributiva em matéria tributária.
No relatório ministerial alude-se expressamente a dois casos concretos: o aumento da isenção do imposto profissional e a criação de uma nova isenção para pequenos proprietários que cultivem pessoalmente as suas terras.
A proposta de lei em análise também alarga a isenção de base do imposto complementar, como se verá a propósito do artigo 5.º

26. - d) O quarto e último princípio de ordem económico-financeira da reforma fiscal diz respeito aos incentivos a investimentos dignos de estímulo.
Trata-se de métodos de particular relevância num sistema fiscal dirigido a fomentar o desenvolvimento económico e a canalizar os capitais para as iniciativas mais convenientes em ordem ao acréscimo do produto nacional, à elevação do índice de bem-estar das populações e ao equilíbrio da balança de pagamentos.
Aliás, de há muito que o Governo vem utilizando este processo de intervenção económica. Já a Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945, previa, na sua base XVI, a concessão de benefícios fiscais tendentes a auxiliar a reorganização de empresas e, nomeadamente: a isenção de direitos de importação sobre máquinas, utensílios e materiais a ela destinados; a isenção de sisa e selo de trespasse para as alterações derivadas da reorganização, e a isenção de contribuição industrial para os novos estabelecimentos durante o período de organização e montagem.
A Lei de Meios para 1956, no artigo 11.º, autorizava o Governo a adoptar as providências de ordem fiscal tendentes a favorecer os investimentos que permitam novos fabricos, redução do custo e melhoria de qualidade dos produtos.
A autorização resultou utilizada com a publicação do Decreto n.º 40874, de 23 de Novembro de 1956. Até 17 de Setembro de 1958 foram concedidas a diversas empresas, sobre lucros imputáveis a novos investimentos, deduções na contribuição industrial que somam 77597 contos (24).
O relatório do Sr. Ministro das Finanças refere-se ainda a "desagravamentos de lucros levados a reservas" - o que corresponde por igual ao pensamento da Camará atrás expresso -, bem como a "isenções temporárias dos ganhos ou lucros daqueles investimentos agrícolas ou. industriais que se consideram, ou o Governo venha a considerar, dignos e carecentes de estímulo" (25).
A codificação e sistematização de todo este esquema de incentivos fiscais na projectada reforma afigura-se, pois, da maior utilidade.

27. No tocante aos princípios de ordem jurídico-fiscal a inserir na nova orgânica tributária e atrás enunciados nada tem este Câmara a observar.
Da sua cabal execução muito há a esperar em benefício tanto dos contribuintes, como da Fazenda, na definição dos direitos e deveres recíprocos, na formação de um ambiente de maior confiança nas relações entre o público e os agentes fiscais, na devida atenção pela comodidade do contribuinte e na prevenção e repressão eficazes das evasões ilegítimas do imposto.

28. A almejada reorganização do nosso sistema fiscal não fica, evidentemente, preenchida com a reforma dos impostos directos.
Cumpre não esquecer que a principal fonte dos réditos públicos é ainda, entre nós, a dos chamados impostos indirectos, com destacada prevalência dos cobrados nas alfândegas.
Segundo a estatística das contribuições e impostos para 1957, o produto dos principais impostos, excluindo o suplementar, o que incidia sobre lucros de guerra, a taxa de compensação e o Fundo de Transportes Terrestres, corresponde às seguintes percentagens, relativamente ao total da liquidação (26):

Rendimentos aduaneiros ....... 45,3
Contribuição industrial ...... 13,9
Imposto do selo .............. 11,4
Contribuição predial ......... 7,4
Complementar ................. 6,9
Sucessões e doações .......... 4,8
Sisa ......................... 3,4
Aplicação de capitais ........ 3,4
Profissional ................. 1,9
Outros ....................... 1,6

(24) Relatório ministerial, p. 53 e quadro L.
(25) Relatório citado, p. 63.
(26) Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos, 1957, pp. XXX-XXXI.

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Um sistema fiscal cujos réditos assentam numa proporção de, pelo menos, 56,7 por cento em impostos indirectos (rendimentos alfandegários e imposto do selo) é, a todas as hizes, um sistema vicioso e gerador de flagrantes desigualdades. Na larga medida em que vai gravar consumos primários ou generalizados assume natureza nitidamente regressiva e, portanto, antieconómica e anti-social. Estimula a repercussão sob todas as formas. E, atenta a sua posição de domínio no conjunto do sistema, pode bem dizer-se que as taxas progressivas do imposto complementar não são de molde a compensar a regressividade da tributação indirecta. Este, sem dúvida, o defeito mais saliente da nossa orgânica fiscal. A ele não ocorre, como é óbvio, a próxima reforma, salvo na medida em que, proporcionando mais exacta captação dos rendimentos por via directa, possibilite amanhã a eventual substituição dos direitos alfandegários por um imposto sobre o valor das transacções, o qual, embora porventura menos produtivo do que aqueles direitos, permita atenuar decisivamente o carácter regressivo do actual sistema, operando lima discriminação tributária em função da natureza dos bens de consumo ou de produção a ele sujeitos.
Tal desiderato é, aliás, requerido não apenas para obviar aos inconvenientes económico-sociais do regime vigente, senão também por imperativos de ordem externa, sendo certo que - como se explanou no relatório ministerial e no parecer desta Câmara sobre a lei de meios para o ano corrente - o processo de integração económica europeia, mau grado os obstáculos que lhe têm entravado a marcha, parece dever encarar-se como uma ideia-força a realizar mais tarde ou mais cedo.
Isso aconselha a que, desde já, se procure caminhar no sentido de uma revisão global da nossa tributação alfandegária, não obstante a complexidade do problema.

b) Sisa e Imposto sobro as sucessões e doações

29. Pelo referido Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 do passado mês de Novembro, foi publicado o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, conforme anunciava o relatório sobre a proposta de lei ora em exame.
Cabe à Câmara Corporativa, como se disse a propósito do artigo 1.º da proposta, pronunciar-se neste momento sobre o novo diploma, e designadamente acerca das matérias referidas no § 1.º do artigo 70.º da Constituição - incidência, taxas, isenções, reclamações e recursos -, para os efeitos do § 2.º do mesmo preceito constitucional.
Dada a angustiosa escassez de tempo, a análise terá necessariamente de ser muito sucinta, restringindo-se às linhas mais salientes das bases gerais que acabam de referir-se.
Antes, porém, sempre se dirá que, na sua economia geral, o novo código se apresenta como traduzindo sério aperfeiçoamento sobre a legislação presente, não apenas na compilação e sistematização desta, mas, acima de tudo, na preocupação de equilíbrio e tratamento justo da matéria em causa, sem perder de vista, do mesmo passo, os objectivos de promoção do desenvolvimento económico, que devem estar imanentes em todo o nosso sistema fiscal.
Interessa transcrever as seguintes passagens do douto relatório que precede o diploma:

E a reforma fez-se, sempre com o espírito de consagrar as soluções razoáveis, ponderando atentamente os interesses em jogo, de dar garantias e facilidades ao contribuinte, de suprimir formalidades supérfluas, de aligeirar a tarefa dos serviços de finanças.

E mais adiante:

Da reacção destes (dos contribuintes) dependerá largamente, sem dúvida, o êxito da tentativa; mas ainda dependerá mais da atitude dos serviços, que, se acaso aplicarem o código com mentalidade puramente fiscalista, falsearão de todo os seu intuitos.

Esta Câmara sinceramente se regozija com os propósitos enunciados e confia em que, efectivamente, da execução do novo diploma, tanto ou mais do que da letra dos seus preceitos, advenham os benefícios de ordem geral que o Governo se propõe alcançar.

30. No tocante à incidência - entendido o termo como significando os factos jurídicos passíveis de tributação - não traz o novo diploma modificações dignas de registo.
Já o mesmo não pode dizer-se relativamente à base de incidência do imposto, isto é, à matéria colectável ou valor-base da liquidação, no que diz respeito à sisa
Esse valor passa a ser, regra geral, o preço da transmissão, em lugar do valor matricial, como até aqui, salvo quando possa haver dúvida sobre aquele preço e o valor da matriz seja superior (artigo 19.º).
Regressa-se assim, essencialmente, ao regime do Regulamento de 1899 (artigo 11.º), que vigorou até à Lei n.º 2019, de 28 de Dezembro de 1946 (artigo 5.º).

31. Em matéria de taxas, a uniformização da respeitante à sisa em 8 por cento traduz um benefício sensível - menos 4 por cento- para as transmissões da propriedade rústica.
Recorda-se que, pelo Regulamento de 1899, a taxa sobre as transmissões por título oneroso era de 10 por cento (artigo 8.º).
Outros desagravamentos traz ainda o código neste capítulo das taxas da sisa. Destacam-se os seguintes:

a) Redução a 2 por cento, quando as transmissões resultem de parcelamento ou se destinem a emparcelamento de prédios rústicos, com parecer favorável da Junta de Colonização Interna (artigos 36.º e 37.º);
b) Redução a 4 por cento nas aquisições de prédios ou terrenos destinados à instalação de indústrias de interesse para o desenvolvimento económico do País ou à ampliação de empresas com vista a novos fabricos, redução do custo ou melhoria da qualidade dos produtos (artigo 38.º);
c) Redução a 4 por cento nas transmissões de imobiliários provenientes de fusão de sociedades, nas condições do artigo 39.º;
d) Redução a 1 por cento na primeira transmissão de prédios urbanos destinados a habitação e temporariamente isentos de contribuição predial, bem como na do direito de superfície, nas condições do artigo 34.º

32. Relativamente às favas do imposto sobre as sucessões e doações, altera-se substancialmente a tabela em vigor.
Mantém-se o princípio da progressividade, hoje característica comum deste tributo na generalidade dos países, mas aliviam-se as deixas e doações até um pouco mais de 2000 contos e desagravam-se, sobretudo, as de pequeno montante.
Assim, em lugar de oito escalões, passa a haver onze. E as percentagens de acréscimo, que até agora eram mais elevadas entre o primeiro e o segundo escalões do que entre os restantes, facto que dava, em certo modo, carác-

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ter degressivo à progressividade, passam a ter subida mais regular, com diferenças de 2 por cento nos primeiros, sete escalões, de 3 por cento do sétimo para o oitavo e deste para o nono e de 4 por cento do nono para o décimo e deste para o último.
Não julga esta Câmara haver objecção de fundo ao novo sistema, pois se afigura permitir mais equitativa distribuição do imposto, embora com sensível agravamento nas transmissões de valor mais elevado e, mesmo assim, conforme se observa no relatório do diploma, "longe dos níveis de tributação correntes na maior parte dos países".
Apenas se chama a atenção para o seguinte. Não contém o código qualquer preceito sobre redução de taxas ou quantitativos do imposto sucessório em função do número de filhos dos herdeiros. E benefício que se. encontra em diversas legislações estrangeiras e se afigura justo, na medida em que vem favorecer as famílias numerosas e se aplica, sobretudo, nos escalões mais baixos.
Em França, por exemplo, a Lei de 14 de Abril de 1952 prevê para os herdeiros uma redução de 10 por cento por cada filho a seu cargo, com o limite de 100000 francos por descendente (27).

33. No capítulo das isenções de sisa, os preceitos do novo código constituem sobretudo uma compilação e sistematização de normas dispersas por inúmeros diplomas.
Cumpre referir em especial a isenção agora concedida nas compras de terrenos destinados à construção de habitações - até aqui sujeitas em regra à taxa de 1 por cento. A medida restringe-se aos casos em que as habitações, a construir venham a beneficiar também de isenção temporária da contribuição predial, isto é, as destinadas a famílias de poucos recursos ou remediadas, e não as de rendas elevadas, cuja edificação não justifica favores fiscais nem há interesse de ordem geral em fomentar.

34. Por último, no concernente às reclamações e recursos a favor dos contribuintes, o código insere uma modificação, ditada por motivos de ordem prática, que esta Câmara não pode deixar de apreciar desfavoravelmente.
É a que se refere ao julgamento das reclamações e recursos, extraordinários em 1.ª instância, até aqui feito, nos termos do Decreto n.º 24 917, de 10 de Janeiro de 1935, pelo delegado do procurador da República, aliás de harmonia com o sistema já consagrado no Regulamento de 1899 (artigos 59.º e seguintes).
Pelo novo código - § único do artigo 150.º - ao chefe da secção de finanças do respectivo concelho ou bairro será o juiz em 1.ª instância".
Invoca-se fundamentalmente para este regresso ao regime anterior a 1935 o facto de os agentes do Ministério Público estarem absorvidos por outras tarefas e ser aquele o sistema adoptado nos processos relativos aos demais impostos.
O argumento não parece convincente, dado que os chefes de secção não estarão, certamente, menos sobrecarregados do que os agentes do Ministério Público. Mas, ainda que tal circunstância se verificasse, nem por isso ela deveria prevalecer contra às razões de princípio que condenam o sistema vigente, em que a administração financeira é simultâneamente parte e juiz na mesma causa.
Acresce que, como atrás se viu, um dos objectivos declarados da reforma tributária em curso é precisamente o dó reforço das garantias individuais em relação ao fisco, o que parece deveria conduzir à progressiva modificação do sistema vigente quanto à competência contenciosa dos chefes de secção de finanças.
A alteração introduzida pelo código vai assim ao arrepio daqueles propósitos, sem embargo de se reconhecer o zelo e a isenção com que, na generalidade dos casos, aqueles funcionários procuram decidir as questões que lhes são submetidas.
É, pois, por uma questão de princípio que esta Câmara não pode conformar-se com a referida alteração.

35. Nenhuma outra ponderação sugere a rápida leitura do novo código, da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações.
Aliás, será sobretudo a sua execução que há-de trazer elementos concretos para habilitar à formulação de um juízo mais exacto das suas virtudes e dos seus defeitos, como obra humana que é.

§ 3.º Normas fiscais de aplicação transitória

ARTIGO 5.º

a) Alíneas a) a d)

36. O artigo 5.º da proposta contém diversos preceitos fiscais de aplicação nó ano de 1959 - "enquanto não entrarem em vigor os diplomas respeitantes à reforma dos respectivos impostos".
Nenhuma observação suscitam os respeitantes às alíneas a) a d), que correspondem a disposições normalmente insertas nas últimas leis de meios.
O que consta da alínea c) - valor-base para liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões no próximo ano - mantém-se ainda pelas razões aduzidas no relatório ministerial, que se afiguram procedentes e a seguir se transcrevem:

O preceito ... terá de ser ainda mantido, apesar da nova lei respeitante a estes dois impostos, uma vez que na parte em que o respectivo diploma regulador se subordinar ao rendimento matricial como elemento determinativo do valor dos bens transmitidos não será possível alhear-se dos critérios legais da rectificação desses valores quando estes assentem em elementos desactualizados. A manutenção deste preceito terá de subsistir, portanto, até à actualização das matrizes ou à entrada em vigor das normas de actualização constantes da reforma da contribuição predial (38).

b) Imposto complementar [alíneas e) a g)]

37. As alíneas e) a g) deste artigo 5.º dizem respeito ao imposto complementar (pessoas singulares) e comportam as seguintes inovações:

1) Elevação para 60.000$ da isenção de base;
2) Alteração das taxas, que passam a situar-se entre o mínimo de 5 por cento e o máximo de 60 por cento, e modificação das razões de progressividade entre os escalões;
3) Limite de 1.200$ para as deduções por cada filho menor;
4) Alargamento do primeiro escalão para a incidência do adicionamento que recai sobre rendimentos provenientes de acumulações.

(27) H. Laufenburger, Traité d'Economie et de Législation Financière, vol. II, 5.ª adição, Paris, 1954, p. 228; H. Laufenburger et D. Bompis, Economie du Système Fiscal Français Mise à Jour au 1er Février 1958, Paris; 1958, p. 26.

(28) Relatório, p. 60.

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38. Nada tem esta Câmara a observar quanto ao primeiro ponto, senão que considera inteiramente desejável e justa a alteração, que vem desagravar os rendimentos superiores a 50.000$ e inferiores a 100.000$.
Seria mesmo de preconizar que na futura reforma do imposto se encarasse maior alargamento da isenção de base, de harmonia com o índice actual de condições de vida. Tal melhoria poderia ser compensada através de uma eventual revisão do sistema de funcionamento daquela isenção, por via da qual ela passasse antes a constituir um limite de não incidência para os rendimentos até determinado quantitativo e deixasse de ser um benefício aplicável a todos os contribuintes, independente do montante global dos seus réditos, como sucede actualmente. Isto, é claro, sem prejuízo de se prevenirem situações desfavoráveis dos contribuintes
com rendimentos perto do limite.
Parece ser essa, aliás, a intenção do Governo, segundo deduz do relatório ministerial. Simplesmente, julgou-se preferível aguardar os resultados da reforma postos directos para se poder formular um juízo mais seguro sobre a aludida revisão - o que se afigura prudente.

39 A subida dos listes terminais das taxas do imposto e da progressão entre os escalões é justificada pelo Governo com fundamento na necessidade de compensar a perda de receita - computada em cerca de 10 000 contos proveniente do alargamento da isenção-base.
A nova fórmula Vem agravar os rendimentos superiores a 100.000$. Para mais rapidamente se fazer ideia da medida do agravamento elaborou-se o seguinte quadro, donde consta a nova tabela das taxas do imposto, calculada nos termos da proposta de lei, com indicação das percentagens de aumento entre as taxas médias actuais e as projectadas.

Imposto complementar

[Ver Tabela na Imagem]

(a) No 1.º escalão, conforme só disse no texto, o efeito do aumento da taxa é anulado pela redução da base de Incidência, o que traz desagravamento até 99,9 contos e iguala a tributação, pela tabela vigente, ao nível dos 100 contos.

Com base na tabela proposta e na estatística dos rendimentos colectáveis do imposto complementar, é relativamente fácil fazer um cômputo aproximado do aumento de réditos decorrente da alteração. Em nota (29) pode ver-se essa estimativa, donde se infere que só nos escalões entre 100 e 1200 contos, a nova tabela produz um acréscimo de receita ao redor dos 50 000 contos. Acima de 1200 contos os rendimentos globais tributados somaram, em 1957, nada menos de 230 049 contos, e, como é precisamente nestes escalões que a tabela projectada traz maiores agravamentos, pode prever-se ainda, uma apreciável melhoria daquela receita.
A invocada quebra de 10 000 contos no 1.º escalão acha-se, pois, largamente compensada nos restantes. Deverá concluir-se daí que o reajustamento de taxas ora proposto .se revela desproporcionado com o objectivo em vista? Certamente que sim, se se tomar em conta apenas aquela finalidade. Mas não parece tal deva ser o exclusivo alcance da modificação, embora o Governo não invoque expressamente outro fundamento. Acima de tudo, crê-se- que se ambiciona conseguir, simultaneamente, mais equitativa distribuição do imposto pelos diversos escalões de rendimento e mais larga mobilização de poupanças, com vista à sua aplicação em investimentos públicos.
Ora não se mostra que o novo arranjo favoreça satisfatoriamente o primeiro desses propósitos. Com efeito, pela tabela actual os índices (ou razões) de acréscimo das taxas são de 1 por cento nos primeiros nove escalões, de 1,5 nos dez seguintes e de 2 nos restantes nove. Agora, sobem para 1,5 nos três primeiros, para 2 nos onze imediatos e para 3 nos dez últimos. Resulta daí que os escalões entre 200 e 500 contos e entre 750 e 1000 vão suportar um agravamento proporcionalmente maior do que os outros nos índices de progressividade, pois, enquanto para aqueles a elevação dos índices é de 100 por cento (de 1 para 2 e 1,5 para 3) para os escalões entre 500 e 750 contos é de 33 por cento (de 1,5 para 2) e de 1000 para cima é de 50 por cento (de 1,5 para 3).
É claro que, tomando por base as percentagens de aumento das taxas médias, que são as que na prática verdadeiramente interessam e constam do quadro atrás inserto, a desperequação assume aspecto menos saliente. Mas não deixa de notar-se, examinando esse quadro,

(29) Utilizaram-se os escalões de rendimentos que serviram de base à tributação em 1957, segundo o Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos, p. 250, partindo-se da hipótese - única aliás viável para efeitos de comparação - de que os rendimentos tributados coincidiam, em cada agrupamento, com o limite superior do respectivo escalão. Apenas se tomaram em consideração os escalões acima de 100 contos, pois é nestes que se pretende obter compensação de receita para a perda de cerca de 10 000 contos no 1.º escalão. O apuramento é o seguinte (em contos):

[Ver Tabela na Imagem]

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que aos referidos grupos de rendimentos correspondem percentagens cujo ritmo de subida é bastante mais rápido do que nos restantes, sendo certo que a partir dos 550.000$ esses índices vão crescendo em cadência muito mais lenta.
A Câmara não propõe qualquer modificação ao regime agora projectado, mas entende dever chamar a atenção para o que deixa exposto, a fim de que, na medida do possível, possa vir a aperfeiçoar-se o sistema quando da reforma geral do imposto complementar.
Nessa oportunidade caberá, não só atender aos reparos que acabam de fazer-se, mas ainda às sugestões formuladas noutros lugares deste parecer (supra n.ºs 12 e 24) em matéria de revisão global das taxas deste imposto, com vista ao seu eventual desagravamento, sobretudo após se conhecerem os resultados da execução da reforma dos impostos directos e da mais exacta captação dos rendimentos reais que por seu intermédio se pretende obter.

40. O estabelecimento de um limite superior para o desconto previsto no artigo 27.º do actual Regulamento do Imposto Complementar afigura-se fundamentado, pois o objectivo de equidade prosseguido por aquela disposição - desonerar em certa medida os contribuintes com filhos menores a seu cargo - deixa de ter sentido a partir de certos níveis de rendimento.
Pode, evidentemente, discutir-se qual o montante em que deve fixar-se esse limite e, porventura, considerar-se baixo o constante da proposta. E problema cuja solução consente larga margem de arbítrio e, por isso mesmo, escapa à definição de um critério objectivo.
Aceite, pois, o princípio, não se opõe esta Câmara à adopção do quantitativo proposto.

41. A última modificação em matéria de imposto complementar - alínea g) do artigo 5.º - é concernente a um novo arranjo dos escalões para incidência do adicionamento sobre os proventos derivados da acumulação de cargos.
A proposta traduz, na verdade, um aperfeiçoamento na distribuição dos escalões, que resulta mais equilibrada. Por isso nada tem esta Câmara a objectar-lhe.

§ 4.º

Taxas e contribuições especiais

ARTIGO 6.º

42. O artigo 6.º da proposta insere disposição que uma vez mais se renova, certamente por não se acharem ainda concluídos os trabalhos da comissão nomeada, nos termos do artigo 7.º da Lei de Meios para 1953, com o encargo de propor a uniformização e simplificação do regime de receitas tributárias cobradas pelos serviços e organismos referidos no preceito.
A Câmara exprime o voto de que, simultaneamente com a publicação da anunciada reforma fiscal, seja possível regularizar a matéria daquelas tributações, evitando-se a repetição do artigo na próxima Lei de Meios.

§ 5.º

Funcionamento dos serviços

ARTIGO 7.º

43. Consoante se deixou expresso no n.º 3 deste parecer, o disposto no artigo 7.º representa simplesmente uma regra de boa administração financeira, que vem sendo inserta de há certo número de anos para cá nas
leis de meios, aliás com conteúdo progressivamente encurtado e que, por isso mesmo, tem nelas lugar cada vez menos adequado.
Reitera-se, pois, o alvitre da sua eliminação, sendo certo que a orientação nele definida, sem dúvida necessária, cabe perfeitamente, com se frisou, nos poderes normais do Governo.

§ 6.º

Providências sobre o funcionalismo

ARTIGO 8.º

44. Propõe-se o Governo, nos termos deste preceito:

... rever, dentro dos recursos disponíveis, as condições de remuneração dos servidores do Estado devendo a execução dessa revisão reportar-se a 1 Janeiro de 1959.

Antes de examinar o alcance da medida que se encara e cuja intenção - diga-se desde já - merece o inteiro aplauso e apoio desta Câmara, interessa recorrer, sumàriamente, a serie de providencias tomadas pelo Governo, desde a última guerra, para melhorar as condições de remuneração dos agentes do serviço público em atenção ao progressivo agravamento do custo da vida.
a) Remunerações-base: - O Decreto-Lei n.º 33 272 de 24 de Novembro de 1943, concedeu, a partir de 1 de Janeiro seguinte, um suplemento de 20 por cento a todos os servidores do Estado, civis e militares, na efectividade do serviço, com excepção dos vencimentos do grupo A do Decreto-Lei n.º 26 115, aos quais foi atribuída uma melhoria de 10 por cento. Ao Presidente da República e aos membros do Governo não foi concedido suplemento.
A Lei n.º 2004, de 27 de Fevereiro de 1945, autorizou a concessão de um subsídio eventual até 15 por cento sobre a remuneração-base, além do suplemento já em vigor, com exclusão do Presidente da República e Ministros, a partir de 1 de Março seguinte. O Decreto n.º 34 430, de 6 de Março do mesmo ano, fixou aquele subsídio no limite de 15 por cento.
A Lei n.º 2010, de 22 de Dezembro de 1945 (Lei de Meios para 1956), e o Decreto Orçamental n.º 35 423, de 29 do referido mês e ano, mantiveram durante 1946 o mesmo regime de suplemento e subsídio eventual.
O Decreto-Lei n.º 35 886, de 1 de Outubro de 1946, considerou, a partir dessa data, o suplemento de 20 por cento como se fizesse parte integrante da remuneração-base e, sobre a soma desta remuneração com o suplemento, passou o ser abonado um subsídio eventual segundo as percentagens seguintes:

a) Funcionalismo civil:

Grupos de vencimentos:

A a D - 20 por cento.
E a R - 25 por cento.
S a Z" - 30 por cento.

b) Militares:

Oficiais generais - 20 por cento.
Oficiais, guardas-marinhas e aspirantes - 25 por cento.
Sargentos e praças - 30 por cento.

c) Remunerações superiores à do grupo A - 10 por cento.

O Decreto-Lei n.º 37 115, de 26 de Outubro de 1948, extinguiu o subsídio eventual e revogou o Decreto-Lei

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n.º 35 886. A partir de 1 de Novembro daquele ano concedeu um suplemento na forma seguinte:

a) Funcionários civis:

Grupos de vencimentos:

A a D - 75 por cento.
E a Z - 80 por cento.

b) Militares:

Oficiais generais - 75 por cento.
Oficiais, guardas-marinhas e aspirantes - 80 por cento.
Sargentos e praças - 80 por cento.

c) Remunerações superiores à do grupo A - 70 por cento.

A Lei de Meios para 1952 (n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951) autorizou o Governo a outorgar no ano seguinte um novo suplemento de harmonia com as possibilidades do Tesouro (artigo 19.º). Em execução desta lei, o Decreto n.º 38 586, de 29 de Dezembro de 1951, aumentou de 10 por cento, no ano de 1952, as percentagens do suplemento constantes do Decreto-Lei n.º 37 115.
A Lei de Meios para 1953 (n.º 2059, de 29 de Dezembro de 1952) manteve nesse ano o suplemento concedido em 1952 e o Decreto n.º 39 068, de 31 do mesmo mês e ano, mandou incluir no orçamento para 1953 as respectivas verbas.
De novo, a lei de autorização para 1954 (n.º 2067, de 28 de Dezembro de 1953) consentiu que o Governo prorrogasse a concessão do suplemento de 1952, e o Decreto n.º 39 506, de 31 desse mês e ano, deu o necessário cumprimento àquela autorização.
Por último, o Decreto-Lei n.º 39 842, de 7 de Outubro de 1954, aumentou uniformemente para 100 por cento o suplemento até então em vigor e mandou-o integrar no vencimento-base desde 1 de Janeiro de 1955, considerando-se, a partir desta data, os vencimentos dos servidores do Estado, civis e militares, aumentados para o dobro.
b) Remunerações acessórias. - Neste capítulo, o Decreto-Lei n.º 37 115, de 26 de Outubro de 1948, atribuiu um suplemento de 50 por cento às gratificações, abonos para falhas, senhas de presença e abonos de idêntica natureza pelo exercício de funções públicas.
E o Decreto-Lei n.º 40 872, de 23 de Novembro de 1956, elevou para o dobro as gratificações pelo ónus especial dos cargos ou por funções de direcção, inspecção ou fiscalização, e bem assim as despesas de representação, abonos para falhas, subsídios de residência e remunerações de idêntica natureza atribuídas pelo exercício de quaisquer funções públicas. Fixou em 50 por cento o aumento das senhas de presença (artigos 6.º e 91.º).
c) Abono de família. - O Decreto-Lei n.º 32688, de 20 de Fevereiro de 1943, instituiu o regime do abono de família para os funcionários do Estado, civis e militares, a partir de 1 de Janeiro desse mesmo ano. O abono era distribuído por cinco escalões de vencimentos e os seus quantitativos iam de 30$ a 70$ por pessoa de família a cargo.
O Decreto n.º 34 431, de 6 de Março de 1945, unificou, a partir de 1 de Março desse ano, os três escalões mais baixos, passando a haver apenas três grupos de abonos, com o mínimo de 50$.
O Decreto-Lei n.º 39 844, de 7 de Outubro de 1954, elevou para 80$, 90$ e 100$ os referidos escalões.
Enfim, o Decreto-Lei n.º 41 523, de 6 de Fevereiro do corrente ano, unificou em 100$ para todas as categorias o abono de família, a partir de 1 de Janeiro último.
d) Pensões. - Aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações foram concedidas as seguintes melhorias:

Pelo Decreto-Lei n.º 34 430, de 6 de Março de 1945 - subsídio eventual de 15 por cento;
Pelo Decreto-Lei n.º 35 886, de 1 de Outubro de 1946 - suplemento de 20 por cento,- além do subsídio de 15 por cento já aplicável;
Pelo Decreto-Lei n.º 37 115, de 26 de Outubro de 1948 - suplemento de 50 por cento;
Pelo Decreto n.º 38586, de 29 de Dezembro de 1951 - suplemento de 60 por cento. Finalmente, pelo Decreto-Lei n.º 39 843, de 7 de Outubro de 1954 - suplemento de 70 por cento.

45. Pela enunciação que acaba de fazer-se depreende-se bem claramente como tem sido intento e preocupação constantes do Governo acompanhar os agravamentos na situação material dos seus serventuários, em consequência da modificação das condições de vida, melhorando, na medida do possível, não apenas as suas remunerações-base, mas ainda as retribuições acessórias e as próprias pensões dos funcionários já desligados do serviço.
De 1954 para cá o assunto continuou a ser objecto de estudo da Administração, como se vê designadamente do relatório da Conta Geral do Estado de 1957, onde se referem «os problemas de remuneração do trabalho dos servidores do Estado» como sendo dos primeiros a resolver na linha de rumo de uma política que simultaneamente encarava os da assistência na doença e da habitação de renda acessível para os funcionários públicos.
Pelo relatório do Sr. Ministro das Finanças que antecede a proposta ora em apreciação verifica-se estarem já em meados do ano corrente o em curso trabalhos tendentes à remodelação dos vencimentos dos funcionários, paralelamente a outros estudos que se dirigiam ao complexo da organização e métodos administrativos» (30).
Em consequência desses trabalhos, o Sr. Presidente do Conselho, ao proferir o discurso de 1 de Julho de 1958, definiu nas seguintes palavras os princípios gerais do programa a realizar nesta matéria:

... três problemas a resolver e de grande melindre e dificuldade: uma nova estruturação das classes de funcionalismo e respectivos vencimentos, visto a desactualização da actual; a actualização dos vencimentos em relação, pelo menos, com o custo da vida; o beneficiamento das classes mais modestas em harmonia com as diferenças que se notam no próprio nível que a vida hoje tem (31).

O problema do novo arranjo das classes funcionais não é, na realidade, menos
instante do que o da actualização dos vencimentos, dada a completa desfiguração que, ao longo destes vinte e três anos, sofreu o escalonamento definido no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935. Não só o número de categorias-base se afigura actualmente excessivo, como, sobretudo, se verifica que entre elas foi proliferando um número infinito de postos intermediários.
Além disso, as constantes reorganizações de serviços transformaram aquilo que, com a reforma de 1935, se pretendeu fosse uma pirâmide mais ou menos regular numa mole irregularíssima de categorias e ven-

(30) Relatório, p. 71.
(31) O Caminho do Futuro, edição do Secretariado Nacional da Informação, pp. 11-12.

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cimentes, onde se perde todo o sentido do equilíbrio e das proporções.
Infere-se, porém, do relatório ministerial que, atenta a complexidade do problema, os estudos preparatórios dessa nova estruturação das classes não estão ainda em fase de se poder passar à sua regulamentação legislativa.
Esta Câmara compreende que assim seja, mas não quer deixar de formular os melhores votos no sentido de que, a breve prazo, seja possível alcançar aquele desiderato.

46. No que se refere propriamente à revisão das remunerações, são dois os objectivos apontados na transcrita passagem do discurso do Sr. Presidente do Conselho:

a) Actualização em relação, pelo menos, com o custo da vida;
b) Beneficiamento das classes mais modestas.

O primeiro destes objectivos assume a índole de uma regra geral: a actualização das remunerações deve, para o comum do funcionalismo, corresponder, pelo menos, ao agravamento do custo da vida.
A segunda finalidade significa que as classes, inferiores deverão alcançar tratamento anais favorecido do que as restantes.
É Evidente, como nota o relatório ministerial, que a efectivação destes objectivos, sobretudo do primeiro, não pode desprender-se inteiramente da nova orgânica das categorias, pois esta condiciona em grande medida o nível e a hierarquia das remunerações. Mas, uma vez que teve de adiar-se a solução daquele problema, parece irrecusável não poder deixar de atender-se desde, já a necessidade de melhorar os quantitativos actuais em função do critério de justiça expresso na primeira das regras acima enunciadas.
Não fornece a proposta elementos por onde possa fazer-se uma ideia, mesmo aproximada, da fórmula que irá perfilhar-se para realizar a actualização dos ganhos do funcionalismo, em função, pelo menos, do custo da vida, e a preferência pelos que estão em situação mais desfavorecida.
Quanto aos serventuários no activo, as remunerações presentes tiveram, como vimos, um acréscimo geral de 100 por cento em relação a 1939.
O aumento do custo da vida costuma aferir-se pelos índices de preços no consumidor. O último Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, correspondente a Setembro do corrente ano, insere os seguintes índices ponderados dos preços de retalho em Lisboa, tomando por base (=100) o período de Julho de 1938 a Junho de 1939 (32).

[Ver Tabela na Imagem]

Vê-se claramente que neste conjunto de despesas - alimentação, combustíveis, iluminação, higiene - o agravamento do custo de 1938-1939 para cá foi da ordem dos 130 por cento.
O índice não considera outros gastos igualmente significativos para o cômputo em vista, por incidirem também sobre consumos primários, como é o caso do vestuário e calçado, e da habitação. Quanto àqueles é do conhecimento comum que a elevação dos preços se processou em medida não muito diferente da dos agrupamentos acima examinados.
No tocante à habitação, o citado Boletim Mensal fornece os indíces de aumento das rendas de casa, na cidade de Lisboa, com base em Junho de 1949 (=100), o qual revela, em Setembro último, um agravamento geral de 75,1 por cento com referência àquela base. E deve frisar-se que o agravamento é tanto mais acentuado quanto mais pequenas são as habitações, atingindo nas casas até três divisões a percentagem de 124,5 (33).
Cumpre ainda não subestimar aquelas circunstâncias a que certamente o Sr. Presidente do Conselho queria aludir quando falou nas "diferenças que se notam no próprio nível que a vida hoje tem".
Por outras palavras, pode dizer-se que, para além daquilo que se exprime na fórmula mais ou menos matemática dos índices de acréscimo do custo da vida, há toda uma evolução de hábitos e um constante acréscimo de necessidades por virtude do desenvolvimento económico, do progresso social e do próprio ritmo da
existência nos tempos actuais. Certos gastos e necessidades que hoje em dia o comum das pessoas considera essenciais eram tidos por supérfluos ou mesmo desconhecidos não há muitos anos atrás.
Todos estes factores - e não apenas os expressos nas fórmulas estatísticas - assumem relevância numa apreciação justa do agravamento das condições de vida, particularmente para o sector do funcionalismo público, dada a sua posição na hierarquia social.

47. A distribuição presente dos servidores do Estado pelas diversas categorias de vencimentos e o global dos encargos com as remunerações actuais constam do relatório da proposta e merecem mais algumas reflexões.
Assim, vê-se que o número global de servidores civis do Estado é de 103 788, aos quais se adicionam 26 334 assalariados, o que dá o total de 130 122.
As remunerações dos 103 788 agentes do serviço público distribuem-se assim:

[Ver Tabela na Imagem]

(32) Boletim Mensal citado, p. 15.
(33) Boletim citado, p. 71.

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6 DE DEZEMBRO DE 1958 513

Este quadro confirma e documenta, por forma eloquente, o que atrás se disse a respeito da desfiguração que sofreu a pirâmide dos vencimentos de 1935 até agora. Foi-se acumulando o funcionalismo nas categorias inferiores, a ponto de os que auferem remuneração até 3.000$ representarem nada menos de 92,2 por cento do conjunto, ou seja a quase totalidade dos servidores do Estado!
No condicionalismo actual, e atentas as circunstâncias há pouco expostas, parece, pois, que toda aquela massa imponente de 95 000 funcionários deve considerar-se como estando em condições particularmente carecidas de revisão.
Dado o volume presente da procura interna - mais de 60 milhões de contos - 3 as perspectivas de melhoria da taxa de acréscimo do produto nacional (supra, n.º 14), não será pecar por exagerado optimismo se se previr que a projectada revisão de remunerações não deve, em princípio, provocar consequências inflacionistas. Aliás, constitui necessidade imperiosa já indústria e do comércio o alargamento das possibilidades de laboração e escoamento dos seus produtos, o que logicamente aconselhará a manter e a não agravar os preços de venda, a fim de que as acrescidas disponibilidades monetárias do sector em causa possam efectivamente traduzir-se em maior capacidade de consumo.
Isto, sem embargo de deverem tomar-se, em matéria de preços, as medidas de prevenção e vigilância adequadas.

48. Põe-se agora o problema das possibilidades financeiras do erário público para ocorrer às prementes exigências que acabam de entrever-se.
O relatório ministerial cifra em 2271569 contos o custo total das remunerações aos serventuários do Estado.
A este montante deverão adicionar-se apenas as despesas com pessoal pagas pelo orçamento dos serviços autónomos e as* relativas à participação do Estado nas instituições de previdência do funcionalismo (Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado), dado ser de admitir, quanto a estas, que essa participação aumente em medida aproximada ao acréscimo das remunerações, sobretudo se as pensões actuais vierem a ser melhoradas. Não se considera o abono de família nem as pensões do Tesouro, cujos quantitativos não se prevê, ao menos por agora, que sofram modificação.
Alcança-se assim um encargo global de 2 928 709 contos ou, arredondando, 3 milhões de contos, a suportar pelas receitas ordinárias.
Quer dizer: cada 10 por cento de aumento nas remunerações implicarão um acréscimo da despesa pública da ordem dos 300 000 contos.
Este simples cálculo é bastante significativo a respeito do peso que a pretendida actualização de remunerações, em função, pelo menos, do custo da vida, irá assumir no orçamento do Estado.
O artigo da proposta ora em análise prevê se faça a aludida revisão das remunerações «dentro dos recursos disponíveis». E sem dúvida que é intento do Governo, como se deduz da própria letra do relatório ministerial, efectuar aquela revisão em toda a medida das disponibilidades do Tesouro.
Com esta convicção dá a Câmara por findo o seu comentário sobre o artigo 8..º da proposta. O Governo saberá certamente encontrar, para tão melindroso e instante problema; a melhor solução, que concilie as justas aspirações dos servidores do Estado com os superiores interesses do País.

§ 7.º

Saúde pública

ARTIGO 9.º

49. Nesta disposição reitera o Governo o seu propósito de continuar a dar preferência, na assistência na doença, ao desenvolvimento do programa de combate à tuberculose, inscrevendo no orçamento as verbas consideradas indispensáveis.
O artigo reproduz textualmente dispositivos idênticos das últimas duas leis de meios.
Nada tem a Câmara a acrescentar ao que a tal respeito deixou exposto em pareceres anteriores, renovando a sua plena concordância com o preceito em causa.
Os dados insertos no relatório ministerial, a propósito da forma como nos últimos doze anos se tem desenvolvido entre nós a luta antituberculosa, são eloquentes e não deixam margem a dúvidas a respeito dos altos benefícios que para a Nação advieram do esforço realizado e sobre as garantias de progressiva eficiência na prevenção e tratamento daquela doença social.

§ 8.º

Investimentos públicos

ARTIGO 10.º

50. Tem este preceito formulação decalcada nas duas últimas leis de autorização. A Câmara dá, pois, como reproduzidos neste lugar os comentários formulados nos respectivos pareceres, designadamente no relativo ao ano de 1957. Aliás, na parte geral do presente parecer ficou por igual expresso o ponto de vista da Câmara a respeito da política de investimentos prosseguida pelo Governo, com particular referência ao ano corrente e à execução prevista do II Plano de Fomento nos próximos seis anos.
Não inclui a proposta, à semelhança dos anos transactos, nenhuma especificação dos quantitativos a inscrever no orçamento para cada uma das alíneas incluídas no preceito. As verbas mais significativas seriam decerto as referentes à participação nos empreendimentos do Plano de Fomento durante o próximo ano. Aqui, porém, a omissão é perfeitamente justificada, sendo certo que, nos termos da base III, n.º 2, do decreto da Assembleia Nacional sobre o Plano, o programa de financiamento para 1959 deverá ser aprovado pelo Conselho Económico até 31 de Dezembro de 1958, e tal aprovação ainda não se verificou.

51. No final da alínea a) deste artigo 10.º inscrevem-se, entre as obras de fomento económico, as respeitantes a «melhoramentos rurais e abastecimento de água».
No parecer desta Câmara sobre a lei de autorização vigente houve ensejo de chamar a atenção para a instante necessidade de dotar cora mais largueza a respectiva verba, atendendo ao relevantíssimo interesse daquelas obras no campo da valorização regional e à gritante insuficiência da verba até então incluída no orçamento.
Teve a Câmara a satisfação de verificar que o seu apelo, a que se juntou o da Assembleia Nacional, foi tomado na consideração possível, pois a dotação para os melhoramentos subiu; no orçamento para 1958, de 40 000 para 60 000 contos, o que correspondeu a uma melhoria de 50 por cento.
Decerto que esta dotação continua ainda longe de ocorrer a grande número de faltas, e por isso a Câmara confiadamente espera que o Governo se disponha a acrescê-la em toda a medida das possibilidades.

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514 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 32

ARTIGO 11.º

52. Representa este artigo o desenvolvimento da inscrição feita na alínea b) do artigo precedente e reproduz disposições análogas das duas últimas leis de autorização.
Nada tem a Câmara a acrescentar senão que o empreendimento reveste o maior interesse nacional, sobretudo na conjuntura presente, em que o País cada vez mais carecido está de um escol de técnicos e investigadores que possam equacionar e dar realização prática u mole imensa de tarefas que o País tem à sua frente nos anos vindouros.

ARTIGO 12.º

53. O único comentário que sugere este artigo - reproduzido das últimas leis de autorização - é o da necessidade, cada vez mais premente, de acelerar os trabalhos do cadastro geométrico, por forma a que o preceito possa desaparecer das leis de meios em futuro próximo.

§ 9.º

Política rural

ARTIGO 13.º

54. O conteúdo desta disposição vem sendo repetido desde a lei de receitas e despesas para 1956.
Nada tem, por isso, a Gamara a observar, senão que se lhe afigura mais apropriada a expressão «povoações rurais» ou «meios rurais», em lugar de «aglomerados», termo que, além de pouco eufónico, reveste significação ambígua.
No tocante aos empréstimos aos corpos administrativos, a Câmara regista com agrado o que consta do relatório ministerial quanto às providências adoptadas em ordem a «impedir, por um lado, a excessiva concentração de pedidos no final do ano e, por outro, a dilação na realização dos contratos, uma vez autorizados os financiamentos» (34).
À semelhança do ano passado, inclui-se seguidamente o mapa sobre os contratos realizados entre a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e os corpos administrativos, com discriminação dos empreendimentos financiados e das verbas concedidas nos quatro últimos anos e até 31 de Outubro de 1958:

Empréstimos aos corpos administrativos

Contratos realizados

(Em contos)

[Ver Tabela na Imagem]

Interessa ainda conhecer o ritmo de utilização da verba votada pela Caixa Geral em 1958 para empréstimos àquelas entidades:

Empréstimos aos corpos administrativos

Utilização, até 31 de Outubro, da verba votada para 1958

(Em contos)

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Pequena distribuição rural e urbana de energia eléctrica
(b) Inclui 37 485 contos concedidos em 1957.

ARTIGO 14.º

55. Trata-se das dotações devidas às Casas do Povo, nos termos da legislação vigente.
Nada tem a Câmara a opor à disposição.

§ 10.º

Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais

ARTIGO 15.º

56. Dão-se aqui como reproduzidas as considerações formuladas sobre este artigo 15.º na apreciação da proposta na generalidade, em virtude das quais se concluiu pela sua inadequação ao conteúdo da Lei de Meios e pela necessidade de o preceito passar a constar de diploma de carácter permanente.
Formula-se, pois, o voto de que ele não volte a ser inserido na próxima lei de autorização.

§ 11.º

Compromissos internacionais de ordem militar

ARTIGO 16.º

57. Nos termos deste artigo, pretende o Governo ser autorizado a elevar em mais 500 000 contos a importância fixada pela Lei de Meios para o ano corrente e destinada a satisfazer compromissos internacionais em matéria de defesa militar. Assim, a verba global de 2 500 000 contos deveria subir para 3 000 000 de contos.
Do relatório ministerial depreende-se que as disponibilidades para 1959 não vão além de 20 533 contos e que a média anual de gastos, entre 1952 e 1957, atingiu cerca de 350 000 contos.
Tomando por base esta cifra, aliás um tanto excedida em 1958, pode afigurar-se que a elevação de 500 000 contos ultrapassa em medida apreciável as necessidades previsíveis para a gerência a que se destina a proposta de lei em exame. Note-se, todavia, que se trata de uma verba limite, e não pròpriamente de uma estimativa de gastos para o próximo ano.
Em todo o caso, porque não pôde a Câmara, dada a escassez de tempo, colher informes mais pormenorizados a respeito da necessidade da elevação proposta, confia no bom critério do Governo e não formula nenhuma sugestão concreta sobre a eventual modificação

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do preceito. Limita-se a acrescentar que os 500 000 contos de agravamento do dispêndio em causa representam cerca de 8 por cento do total das despesas ordinárias constantes do orçamento geral do Estado para 1958.
A manter-se o conteúdo do artigo tal como vem na proposta, haverá que fazer uma pequena correcção gramatical: onde se lê «devendo 200:000.000$ do montante que resulta, deste aumento ser inscrito» deve ler-se: «ser inscritos», para respeitar a sintaxe.

§ 12.º

Disposições especiais

ARTIGOS 17.º e 18.º

58. Conforme se acentuou na parte geral deste parecer (supra, n.º 3), os preceitos destes artigos são de execução duradoura e nada parece justificar continuem a ter acolhimento numa lei de meios.
Efectivamente, o artigo 14.º da Lei n.º 2038 refere-se à não aplicação de certos limites legais no arrendamento de casas para funcionários consulares em países onde se verifiquem condições anormais de natureza, económica ou social.
O artigo 16.º da mesma lei respeita a projectos de arborização de serras e dunas, permitindo sejam elaborados com base em cartas existentes.
Por fim, o regime previsto no Decreto-Lei n.º 31 286, quanto às verbas para manutenção de forças militares no ultramar e protecção de refugiados, permite que a realização de despesas por conta daquelas verbas seja regulada por instruções dos respectivos Ministérios, com aprovação do Ministro das Finanças.
Afigura-se que nenhuma destas normas, quer pela matéria versada, quer, sobretudo, pela natureza permanente da sua execução, tem lugar adequado na Lei de Meios.
Por isso se sugere a conveniência de o assunto ser cuidadosamente revisto pelo Governo, em ordem a, na próxima proposta de lei de autorização, se poder encarar a não inclusão de semelhantes preceitos.

III

Conclusões

59. A Câmara Corporativa, tendo apreciado a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1959, e considerando que ela obedece aos preceitos constitucionais aplicáveis e corresponde às necessidades e condições prováveis da administração durante aquele ano, dá parecer favorável à sua aprovação, com as alterações seguintes, que na segunda parte deste parecer se fundamentam:

1) Eliminar os artigos 3.º e 7.º, bem como o título III «Funcionamento dos serviços».
2) Artigo 13.º - Substituir a expressão «aglomerados» por «povoações».
3) Dar nova numeração aos títulos e artigos da proposta, em consequência das eliminações a que se refere a alínea 1).

Palácio de S. Bento, 5 de Dezembro de 1958.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando de Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
Eugênio Queirós de Castro Caldas.
Francisco Pereira do Moura.
João Faria Lapa.
António Jorge Martins da Mota Veiga, relator.

Despachos

os termos do Regimento, delego a presidência das secções nos seguintes Dignos Procuradores assessores:

SECÇÃO I - José Gabriel Coelho.
SECÇÃO II - Afonso de Melo Pinto Veloso.
SECÇÃO III - Rafael da Silva Neves Duque.
SECÇÃO IV - José Augusto Correia de Barros.
SECÇÃO V - José Pires Cardoso.
SECÇÃO VI - Ezequiel de Campos.
SECÇÃO VII - António Júlio de Castro Fernandes.
SECÇÃO VIII - António Jorge Martins da Mota Veiga.
SECÇÃO IX - Júlio Dantas
SECÇÃO X - José Caeiro da Mata.
SECÇÃO XI - Francisco José Vieira Machado.
SECÇÃO XII - José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.

A secção XIII é reservada à Presidência da Câmara.

5 de Dezembro de 1958. - Luís Supico Pinto.

Nos termos regimentais, passam a fazer parte do Conselho da Presidência os Dignos Procuradores Guilherme Braga da Cruz e José Pires Cardoso.
5 de Dezembro de 1958. - Luís Supico Pinto.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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