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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 39

VII LEGISLATURA

1959 21 DE JANEIRO

PARECER N.º 7/VII

Plano de povoamento florestal do distrito autónomo da Horta

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do plano de povoamento florestal do distrito autónomo da Horta, emite, pela sua secção de Lavoura (subsecção de Produtos florestais), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Sebastião Goulard e Eugênio Queirós de Castro Caldas, sob a presidência do 1.º Vice-Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

& 1.º

Considerações gerais

1. As ilhas da Macaronésia - ilhas «afortunadas» - ou ilhas Atlântidas, constituem fundamentalmente trinta e um afloramentos que, além de numerosos ilhéus, se mantêm acima do nível do oceano Atlântico, em resultado de fenómenos eruptivos que ergueram do mar cones de vulcão ou plataformas mais ou menos extensas. Sob a acção de climas variando do euro-atlântico ao subtropical, as ilhas mostram uma cadeia bioecológica que, partindo dos Açores e passando pelas ilhas orientais das Canárias, termina nas ilhas de menor altitude de Cabo Verde.
Embora tenha sido muito discutida a origem destas ilhas, parece cientificamente averiguado não ser válida a hipótese sugestiva de constituírem os restos de um continente afundado - a Atlântida - , continente que veio criar uma Lenda atraente e obscura. As trinta e uma ilhas, possivelmente abordadas já pelos navegadores - da antiguidade, que apenas retiveram na memória uma vaga recordação de terras afortunadas, perdidas no além-mar, apresentaram-se, uma a uma, na linha do horizonte que os marinheiros portugueses e espanhóis investigavam no século XV em busca de novos continentes.
Em quase todas elas os navegadores depararam com o silêncio de uma flora exuberante, misteriosamente preservada pelo vazio do povoamento humano. Mas num dos arquipélagos, as Canárias, foi dado aos Espanhóis o encontro, mais misterioso ainda, com os Guanchos, um povo situado ainda na Idade da Pedra, raça branca pura, Cro-Magnou, segundo alguns, ou simples portadora de origem berbere unida ao elemento semita, segundo outros. De qualquer forma, os
Guanchos permaneciam isolados das civilizações da Europa, do litoral africano, mais próximo, ou do litoral americano, usando instrumentos de sílex, moldando o barro, apascentando caprinos, sem terem criado ou havendo esquecido, junto ao mar, a arte da navegação.
Todas as restantes ilhas - Madeira e Porto Santo, Açores e Cabo Verde - foram encontradas pelos Portugueses desertas e ocupadas pacificamente, como resultado de iniciativas de povoamento, logo seguidas de empreendimentos de defesa contra a cobiça dê corsários que passaram depois a percorrer os mares.
A Madeira e os Açores deram abrigo a colonos provindos do continente, acompanhados de alguns emigrantes da Europa, que em breve se adaptaram ao meio, criando rapidamente costumes e tradições que, sempre fortemente ligadas à Pátria, elaboraram variantes regionais dotadas de forte carácter.
Durante muito tempo Cabo Verde foi entreposto de escravos, arrancados ao continente africano para serem conduzidos à América. Recebeu o sangue português continental, que se diluiu, no entanto, ao contacto com fortes contingentes de pretos, provindos especialmente da Guiné, que se fixaram, quando, finalmente, foi ba-

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nida a escravatura. Conduzidos pela influência portuguesa, construíram nas ilhas perdidas em pleno oceano uma civilização crioula, onde as tradições, técnicas, costumes e vida africana marcam vigoroso sinal de presença, embora tudo se encontre caldeado pelo sangue e espírito do velho solar lusitano.
Nas Canárias os conquistadores espanhóis não empreenderam uma ocupação pacífica. Travaram luta com o indígena, que se defendeu tenazmente nos reditos das montanhas, tardando em aceitar convívio. Vencido, foi escravizado e submeteu-se ao invasor. Como o Guancho não tinha civilização a impor, situado como estava na Idade da Pedra, entregou sua raça de cor branca a uma união física com o Espanhol, não faltando a influência de outros povos europeus, entre os quais se destaca o Português, de que resultou o actual grupo étnico, de aparência uniforme e semelhante ao tipo continental.

2. Como resultado de um processo de povoamento conduzido ao longo de quatro séculos, as ilhas Atlântidas revelaram, como é natural, diferentes graus de potencialidade demográfica, dependente da variação dos recursos naturais e da forma como os colonos os conseguiram aproveitar.
A situação demográfica actual pode ser apresentada no quadro seguinte:

[Ver Quadro na Imagem]

Nas ilhas onde as condições naturais proporcionaram a montagem de sistemas de produção orientados no sentido da exportação, associando-se indústrias de apoio à navegação e outras, entre as quais a do turismo, o desenvolvimento populacional conduziu a altíssimas densidades demográficas.
Podem considerar-se como incluídas neste grupo as ilhas da Madeira, a Gran Canária e Tenerife, do arquipélago das Canárias, S. Miguel, nos Açores, e. S. Vicente, em Cabo Verde, onde sómente o Porto Grande explica a existência de tão numerosa população.
Nas ilhas onde as condições naturais permitiram a expansão de uma economia de subsistência predominante ainda foi possível alcançar alta densidade demográfica. Servem de exemplo a Graciosa, a Terceira, o Faial, Santa Maria, nos Açores, Palma, nas Canárias, e a Brava, em Cabo Verde, sendo certo que muita vez a economia se completa com receitas enviadas pelos emigrantes ou recebidas pelos retornados.
Outras ilhas apresentam densidades menores e vivem predominantemente em regime de auto-suficiência, acusando os efeitos da situação insular, com estagnação no crescimento económico, fraca diferenciação das actividades e forte predomínio da agricultura ria ocupação profissional e na composição do produto bruto. Pertencem a este grupo, de vida isolada, sem variação nem perspectivas, as ilhas de Porto Santo, na Madeira, Gomera, nas Canárias, S. Jorge, Flores, Pico e Corvo, nos Açores.
Finalmente, outras ilhas, ainda, vivem em luta permanente contra uma natureza avara que contradiz a Lenda das «ilhas afortunadas».
Tanto se pode assistir a um esforço surpreendente de técnica industriosa e pertinaz, que conseguiu erguer sistemas de agricultura artificial nos «arenados» e lavas vulcânicas, como em Lanzarote, nas Canárias, e um pouco na desventurada e extensa Fuerteventura, no mesmo arquipélago, como ver a perigosa dependência dos caprichos de um clima inseguro, em que vive quase todo o arquipélago de Cabo Verde.

3. No conjunto das relações estabelecidas entre o homem e a natureza, a floresta natural tem sido o valor menos preservado. A necessidade de abrir clareira para estabelecer culturas alimentares, ou de procurar e preparar o renovo das pastagens para manter em manadio o gado, obrigou a suprimir, com auxílio do fogo e do machado, vastas extensões florestais.
O nomadismo agro-pastoril transformou paisagens de continentes, mas em vastas superfícies a ferida imposta

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à natureza pêlo homem tem, por vezes, tempo de cicatrizar e alguma coisa se conserva ou refaz quando se não desencadeia o deserto.
E da imensa erosão que moldou os continentes restam, pelo menos, depósitos aluvionais, que retiveram muito do solo que os rios têm levado ao mar e o vento tem deslocado. Embora se estime que a contrapartida não é compensadora, alguma coisa resulta de não perdido da obra comum do homem e da natureza.
Nas ilhas da Macaronésia o atestado de origem e juventude pode ver-se nos imponentes cones de vulcão extinto, como o Teide, em Tenerife, erguido a 3718 III de altitude, ou no recorte da ilha do Fogo, subindo a 2829 m e com actividade vulcânica muito recente, ou ainda no grandioso perfil da ilha do Pico, com 2284 m de altitude. Noutras ilhas a actividade vulcânica mantém-se intermitente, como no Faial ou em Lanzarote, e os testemunhos de crateras, lavas e cinzas ainda não meteorizadas são frequentes e lembram paisagens lunares.
Modelando a obra monumental da actividade vulcânica, a erosão natural, acelerada pela intervenção humana, assume nas ilhas de mediana juventude proporções pasmosas, que se acrescentaram aos efeitos da actividade sísmica. Imponentes abismos foram abertos no interior das ilhas, os factores meteorológicos desnudaram afloramentos rochosos e o mar talhou falésias, que, muitas vezes, apresentam perigoso equilíbrio. Quadros geográficos desta natureza são frequentes nas ilhas da Madeira ou Santo Antão. Em todas, porém, se encontra o desgaste ou os rasgos da erosão, como nas «achadas» de Cabo Verde ou nas «grotas» dos Açores.
As ilhas «velhas» tornaram-se rasas, como o Sal, Maio, Boa Vista, em Cabo Verde, sem orografia que alimente nascentes, dispondo-se os lençóis freáticos em perigosa comunicação com as águas salgadas.
Quando a amenidade do clima temperado e húmido do oceano mantém a cobertura vegetal do solo, o equilíbrio torna-se possível e os excessos cometidos na exploração agrícola e pecuária não influem de forma grave, mantendo-se a verdura quase permanente das ilhas verdadeiramente afortunadas, as dos Açores e a Madeira, onde a verdura chega junto ao mar, ou das principais ilhas das Canárias, onde fica um pouco acima na cota em que a altitude corrige os efeitos de uma latitude mais desfavorável. Nas ilhas mais favorecidas pelo clima a desarborização resultou das técnicas agrícolas e pecuárias utilizadas e só por incúria dos habitantes ou falta de capacidade técnica e económica a floresta não é refeita.
Noutras ilhas, porém, como Fuerteventura e Lanzarote, nas Canárias, e nalgumas das ilhas de Cabo Verde o povoamento florestal é impossível para as técnicas actuais, devido à. insuficiência da humidade e à velocidade do vento, em vastíssimas áreas. As tentativas empreendidas em Fuerteventura e, mais recentemente, em Cabo Verde apresentam-se como tarefa heróica e paciente de recuperação de um valor que parece quase perdido. Em Lanzarote as árvores vivem em covas abertas na lava e os ramos que se descobrem cresta-os o vento.
Em Cabo Verde o quadro é desolador e as ilhas, roídas pelas cabras, só têm árvores na Brava, onde o grande inimigo da floresta se encontra estabulado, ou nos perímetros florestais de Santo Antão e Santiago e em raríssimos recantos de propriedades particulares igualmente defendidos.

4. A manutenção do equilíbrio demográfico num espaço limitado envolve sempre problemas complexos, que, naturalmente, apresentam maior grau de acuidade nas ilhas, onde esta limitação impõe restrições que o recurso à expansão das actividades económicas nem sempre consegue superar.
Como é evidente, a diversificação das actividades permite a exploração de mercados situados fora de um espaço limitado e a pressão demográfica pode gerar tipos de economia que se libertam do ciclo de auto-suficiência, desencadeando condições apropriadas de crescimento, que oferecem base segura ao desenvolvimento demográfico.
O isolamento das ilhas, a dificuldade de montar sistemas eficazes de comunicação e de transporte constituem obstáculos sérios que muita vez determinam a formação de uma mentalidade ou de uma situação de facto em que a única alternativa para os saldos demográficos é a da emigração ou a da estagnação do nível de vida.
Tendo em atenção a circunstância de que o uso de técnicas defeituosas de exploração dos recursos presentes reduziu seriamente a superfície florestal na generalidade das ilhas, acelerando a erosão e dificultando o abastecimento das populações no que respeita a produtos colhidos das matas, a reconstituição das florestas apresenta-se como iniciativa imperiosa.
Acontece, porém, que, mais longe do que o simples, mas fundamental objectivo de defesa contra a erosão, a floresta desempenha hoje crescente função económica, reduzindo importações que têm de verificar-se nas ilhas desarborizadas e criando, variada gama de matérias-primas que podem ser exportadas ou destinadas a indústrias de bom interesse económico.
Sabe-se também que só é possível estabelecer e conduzir a cultura agrícola e a exploração pecuária nas melhores condições técnicas desde que se disponha de um ordenamento cultural do território, realizado com recurso a culturas florestais, que estabelecem barreira à acção prejudicial dos ventos, defendem as reservas hídricas e contribuem para o equilíbrio bioecológico que tem de ser respeitado.
É por todos estes motivos que a Câmara Corporativa considera extremamente oportuna e urgente a iniciativa do Governo de alargar aos baldios do distrito autónomo da Horta a obra de povoamento florestal iniciada em 1938 nos baldios do continente e ilhas adjacentes e aprecia no seu real valor o alto nível técnico do plano que lhe foi apresentado para estudo, e em relação ao qual vai emitir, depois das considerações já feitas, o seu parecer.

§ 2.º A concepção geral do plano

5. O plano de povoamento florestal do distrito autónomo da Horta apresenta-se com um desenvolvimento notável, que não só lhe confere valor, mas o aproxima muitíssimo de um verdadeiro projecto dos trabalhos a empreender nos baldios do distrito pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas. Não se contesta que é essencial dispor de elementos de estudo suficientemente pormenorizados para realizar um plano de povoamento florestal, mas julga-se que não tem interesse submeter à Câmara Corporativa pormenores de montagem de serviços técnicos, plantas de construções de edifícios destinados a tratadores ou de bebedouros para o gado, em relação aos quais a Câmara prefere não dar parecer, para que se não pense que a execução do plano poderá ficar a eles vinculada, diminuindo a liberdade que deve ser conferida aos serviços para atingir da maneira que dentro dos limites orçamentais fixados pelo Governo venha a parecer mais útil a finalidade prevista.
Nestas condições destaca-se o interesse da primeira parte - Estudos gerais -, onde se descreve o meio físico, social e económico, bem como as condições flores-

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tais do distrito da Horta. Tem todo o interesse a segunda, parte - Plano geral de arborização -, embora se julgue que a técnica utilizada de descrever o mesmo problema, em cada uma das ilhas dificulte a leitura e a apreciação geral.
No II volume as bases orçamentais e as sugestões desenhadas constituem o que parece excesso de pormenor.
A concepção geral do plano é acertada quando considera a importância da exploração pecuária, que dá origem ao mais evidente dos valores da exportação, que, além de tudo, acusa sensível tendência crescente. Não poderá, nestas condições, ser estabelecido um programa de povoamento florestal que diminua os recursos indispensáveis para melhorar o nível da produção pecuária.
Julga-se, porém, que o melhoramento das pastagens, que deve ser o ponto de partida para o melhoramento pecuário, como várias vezes se acentua no Plano, poderá ser o volante de uma transformação económica, consentindo espaço para uma arborização conservadora e protectora onde for imperioso estabelecê-la ou fomentadora de novos rendimentos .até ao ponto em que for possível exportar os produtos florestais, ou industrializá-los, ou ainda suprir importações no abastecimento do pequeno mercado interno.
Tem razão de ser a esperança de que o investimento representado pelos encargos de execução do plano terá acção estimulante de alto valor no ambiente de
economia estagnada das ilhas, onde predomina a troca sem moeda, que dá origem a contratos tradicionais que não favorecem a expansão do nível de vida de forte estrato demográfico, com reflexos económicos e sociais evidentes.

6. Há um aspecto que no estudo do ordenamento agrário das ilhas muito conviria destacar. É a forma como o relevo das ilhas sobre o oceano determina a formação de verdadeiros «andares», a que correspondem diferentes formas de aproveitamento. O problema diz respeito a todas as ilhas da Macaronésia, que mostram bem a influência da altitude revelada na quase identidade de a andares» diferentes em ilhas situadas a latitudes muito diversas. As condições de humidade, por exemplo, existentes mesmo nas pequenas altitudes dos Açores encontram identidade sómente a maior altitude nas Canárias e maior ainda em Cabo Verde. Assim, idênticas altitudes oferecem quadros climáticos fundamentalmente diversos desde os Açores a Cabo Verde, assim como os quadros climáticos se repetem quando as ilhas do sul dispõem de altitude bastante sobre o nível do mar.
E é desta forma que em cada uma das ilhas os «andares» constituem uma realidade evidente que, só por si, condiciona, os tipos de aproveitamento.
Desde o litoral até à altitude próxima dos 350 m, nas ilhas dos Açores, a que diz respeito o plano, oferecem-se condições gerais apropriadas para as culturas agrícolas alimentares, e é nesta zona que mais se expande o povoamento humano, por esta circunstância e por serem mais favoráveis os recursos de água. Acima dos 350 III situa-se o «andar» onde se localizam as pastagens naturais, que constituem a base da exploração pecuária, que assume grande importância, e, finalmente, no último «andar» encontra-se a zona onde deverá ser estabelecida a floresta de carácter extensivo, quando for menor a vocação pascigosa.
Sucede, no entanto, que esta divisão não é absoluta, e a exposição das encostas ou as características do solo desmentem muita vez a regra enunciada.
Na ilha do Pico, por exemplo, os areões de origem vulcânica constituem muito sério obstáculo para a expansão do revestimento florestal imediato.
O trabalho que se aprecia agora na generalidade, e que tem o estilo de um precioso relatório de aprofundado estudo que era essencial realizar para boa elaboração do plano a apresentar, nos termos da lei, à Câmara Corporativa, esclarece muitos dos problemas vitais das ilhas do distrito da Horta. E embora devesse ter sido reduzido às proporções de plano em relação ao qual a Câmara observa e discute as linhas gerais do problema, merece a mais larga aprovação na generalidade.

II Exame na especialidade

7. É de salientar a importância da importação de madeiras do continente e de Ponta Delgada, que pesa desfavoravelmente no comércio externo. Este ponto mostra a necessidade urgente, para equilíbrio da economia das ilhas do distrito da Horta, da reconstituição das matas, que oferecem boas possibilidades técnicas e económicas de instalação. Sendo certo que o mercado mundial de produtos florestais vai acusando rápido crescimento com o desenvolvimento industrial, não será impossível vencer dificuldades de transporte, vendo passar as ilhas à posição de exportadoras destes produtos. Embora o mar constitua obstáculo sério para os transportes, especialmente quando se não dispõe de razoáveis instalações portuárias, também existem, nos espaços continentais, dificuldades não menores quando as matas estão isoladas nas regiões montanhosas, onde, geralmente, se confinam, com severas restrições da comunicação e dos transportes.
O que não é possível admitir como conveniente, no esquema actual da utilização do solo nas ilhas estudadas, é a percentagem de incultos, que atinge 31,98 por cento no Faial, 58,3 por cento nas Flores e 57,9 por cento no Corvo. Ao lado destas percentagens, os povoamentos florestais representam 1,45 por cento no Faial, 3,5 por cento nas Flores é 0,6 por cento no Corvo.
É certo que o plano não considera este esquema conveniente e propõe a sua alteração. Mas em face da ilha do Pico, onde parece encontrar-se uma área florestal que representa 24,6 por cento da área insular, surge a proposta da sua redução a 17,7 por cento.
Embora se trate de «formações espontâneas ou subespontâneas naturais», presumivelmente de reduzido valor económico, a ilha do Pico parece ser das menos bem estudadas, por falta de base cartográfica, verificando-se, no entanto, que os fortes pendores determinam que «o problema das torrentes tem um carácter agudo em toda a encosta norte do Pico». Estará, portanto, certo prever a redução da actual taxa de arborização?
A questão afigura-se tanto mais melindrosa quanto é certo que as taxas de arborização apontadas como normais correspondem ao «valor que normalmente se aceita de área arborizada necessária por habitante». Não se entende bem o que se pretende quando se relaciona, mesmo em condições normais, a superfície florestal com a população. Se as taxas de arborização propostas foram obtidas unicamente por este processo, parece não ter sido posto o problema de definição da capacidade de uso dos solos, que, em boa verdade, comanda o planeamento do ordenamento cultural mais conveniente, onde é dado o lugar à floresta.
A Câmara Corporativa entende que o cálculo feito assim poderá justificar-se por não ter havido outro meio para encontrar a base da previsão, mas espera que os projectos a realizar se apoiem noutros determinantes de ordem técnica e económica, hoje correntemente utilizados em trabalhos do mesmo género no continente.

8. Sob influência da natureza a possibilidade de aproveitamento do solo
baseia-se, quase sempre, nas

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ilhas do distrito da Horta, em nítida vocação pascigosa, excepto nos «mistérios», onde as lavas e cinzas vulcânicas estão longe do estado de solo.
Mas, Segundo o plano, as características que, nas ilhas em questão, melhor definem a capacidade de uso do solo são, fundamentalmente, a natureza pedológica, o declive e a humidade.
Ora o mesmo plano considera como separação entre a floresta e o campo cultivado ou pastagem o declive de 25 por cento. Sendo assim parece que o revestimento florestal se apresenta encarado unicamente como sistema conservador ou protector. Parte-se do princípio de que a floresta é um mal necessário, estabelecendo-se talvez imponderada transigência com as técnicas actuais, que parecem mostrar que a pastagem é a única riqueza a fomentar.
O problema que se põe à Câmara Corporativa é o de saber se, além do declive de 25 por cento, não haverá indicações de natureza agrológica ou outras que venham a definir mais claramente as capacidades de uso do solo, de forma a realizarem-se as opções necessárias para destrinçar a vocação florestal.
Entende-se que os dados de carácter económico que permitem informar sobre os rendimentos obtidos das inatas ou das pastagens melhoradas são, em última análise, a única indicação que tem valor para localizar a floresta, sempre que não desempenha já uma função conservadora e protectora. Neste aspecto o plano nada informa e parece partir do princípio de que a vocação paseigosa deverá ser explorada intensamente, porque a estrutura do comércio externo actual, e as técnicas actuais, também, conduz o ilhéu para a exploração pecuária, com acentuado desvio no sentido dos lacticínios, especialmente manteiga, produto que encontra na sua frente uma grave saturação dos mercados.
Contudo, as matas a formar podem permitir a criação de. indústrias, como a de painéis de aglomerados de aparas de madeira, que se mostra com amplas perspectivas futuras e para a qual a madeira branda da Cryptomeria apresenta notáveis qualidades.
O mesmo se pode afirmar na produção de pasta para papel pelo método do bissulfito de cálcio, como se depreende de estudos recentes. Nas ilhas a Cryptomeria pode produzir 10 m3 por hectare e ano, o que equivale ao eucalipto, em boas condições, no continente.

9. Julga-se, no entanto, que o melhoramento das pastagens constitui um dos pontos fundamentais do plano, desde que se alcance, como nele insistentemente se afirma, paralelo melhoramento pecuário, com escolha de funções que ofereçam as melhores perspectivas do mercado, como parece ser a de produção de carne, função a que se liga a dos lacticínios, mas acessória, e não principal, como parece ser a atitude actual dos criadores, que roubam às crias, tolhendo-lhes o desenvolvimento, o leite que pretendem entregar às fábricas.
Em todo o mundo um problema como este envolve dificuldades muito grandes, mas a vocação pascigosa dos Açores constitui um bom ponto de partida para a evolução necessária.
Como é óbvio, não compete aos serviços florestais a resolução dos problemas ligados ao melhoramento pe-

1 A Criptomcria na Produção de Celulose - Elementos para o Seu Estudo, pelo engenheiro silvicultor F. Veloso Gaio. Estudos e Informação, Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, 1956.

cuário. A sua acção limita-se à criação ou aperfeiçoamento de um regime silvo pastoril que dê seu lugar à árvore florestal, em cultura estreme ou consociada -num ordenamento cultural equilibrado, que atenda ao propósito de fomentar a produção forraginosa, único ponto de partida do melhoramento pecuário, conciliando tal propósito com as necessidades da exploração agrícola.

10. Antes, porém, de encerrar este parecer a Câmara Corporativa pretende ainda tomar a iniciativa de lembrar ao Governo que numa das mais curiosas ilhas do distrito da Horta - a ilha do Pico - permanecem abandonados terrenos particulares onde, antes da filoxera, se encontravam vinhedos que produziam um dos mais interessantes tipos de vinhos portugueses. No quadro desolador que- apresentam, lembram os «mortórios » do Douro, em grande parte refeitos ao abrigo de uma organização económica posta ao serviço dos produtores e do País.
Vão as vinhas do Pico permanecer entregues a uma exploração florestal, embora lhes não diga respeito este plano, que se circunscreve aos baldios, ou haverá processo de as fazer reviver, para que prestem, juntamente com a exploração das aptidões frutícolas, o apoio vital à economia do distrito?

III

Conclusões

11. A Câmara Corporativa, depois de ponderar as valiosas informações contidas no plano que lhe foi apresentado para estudo, é de parecer que:

a) O plano deverá ser executado de acordo com os objectivos gerais da sua concepção, que consistem no aumento da taxa de arborização das ilhas do distrito, feito em conjunto com o melhoramento das pastagens;
b) Na montagem dos serviços indispensáveis para execução do plano devem ser completados os estudos técnicos e económicos indispensáveis para definir as capacidades de uso do solo, de forma a esclarecer melhor as opções que devem ser feitas na altura da realização dos projectos de arborização;
c) Será indispensável acompanhar a execução do plano com estudos e realizações em matéria de melhoramento pecuário e de indústrias de aproveitamento e transformação de produtos florestais;
d) Deve ainda ter-se em conta que as possibilidades de crescimento económico que o plano proporciona só serão inteiramente aproveitadas desde que as ilhas sejam dotadas de meios de transporte dos produtos obtidos para exportação.

Palácio de S. Bento, 8 de Janeiro de 1959.

António Pereira Caldas de Almeida.
José Infante da Câmara.
Luís Gonzaga Fernandes Piçarra Cabral.
João Custódio Isabel.
José de Mira Nunes Mexia.
António Sebastião Goulard.
Eugénio Queirós de Castro Caldas, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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