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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 44
VII LEGISLATURA
ANO 1959 13 DE FEVEREIRO
Proposta de lei n.º 14
Plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa
l. A tendência natural para a concentração das actividades nacionais em torno dos principais centros urbanos tem-se afirmado com particular evidência em relação a Lisboa.
Pode exemplificar-se esta asserção referindo que, segundo os últimos dados estatísticos disponíveis, das 24 800 empresas industriais, comerciais e outras existentes na metrópole, sob forma legalmente reconhecida, no ano de 1956, mais de 40 por cento tinham a sua sede e exerciam a sua acção na capital do País, cabendo-lhe cerca de 60 por cento da totalidade do capital social e mais de dois quintos do efectivo de 585 000 pessoas absorvidas por este sector da actividade da Nação.
O crescimento populacional da região de Lisboa nas últimas décadas tem naturalmente reflectido esta tendência. Com efeito, considerando associada & área da cidade a dos concelhos suburbanos mais directamente sujeitos à sua influência 1, verifica-se que a população global quase que duplicou de 1920 a 1950, ao passo que o aumento da população do continente não atingiu 40 por cento no mesmo intervalo de tempo.
Confirmam estes números a existência de um acentuado movimento migratório da população do País para a área de Lisboa, o qual, pelos seus reconhecidos inconvenientes de ordem social e económica, e até para a segurança da Nação, se torna necessário contrariar eficazmente, assegurando a distribuição territorial mais conveniente das diversas actividades não rigidamente
1 Compreendendo: Cascais, Oeiras, Sintra. Loures, Vila Franca de Xira (parcialmente), na margem norte do Tejo; e Almada, Barreiro, Seixal, Moita (parcialmente) e Montijo (parcialmente) sujeitas a condicionamento, de local, especialmente no campo da indústria, com base num planeamento de âmbito nacional.
Na medida, porém, em que este objectivo não pode ser suficientemente atingido em curto prazo, deparam--se ao Governo importantes problemas de orientação e disciplina do desenvolvimento da região de Lisboa que é forçoso considerar atentamente.
2. À falta de um plano director do desenvolvimento da área de influência da capital, não tem sofrido praticamente limitações a instalação de indústrias nos seus arredores, nem tem sido possível impedir o crescimento desordenado das povoações suburbanas e a criação de novos núcleos populacionais, ao sabor das iniciativas particulares. Estas suo movidas, na maioria dos casos, por simples propósitos de especulação de terrenos ou com o intuito de se evadirem da disciplina dos planos de urbanização a que estão sujeitos os centros populacionais mais importantes, incluindo a capital, reduzindo assim gravemente a eficiência desses planos e comprometendo até, em muitos aspectos, a sua utilidade.
É assim que os subúrbios de Lisboa têm sido progressivamente invadidos por uma intensa actividade de construção, que tão depressa destrói a expressão tradicional e a beleza peculiar das povoações arrabaldinas como faz nascer múltiplos povoados amorfos e incaracterísticos que tendem, a rodear a cidade por lima cintura asfixiante - cada vez mais profunda, à medida que aumentam as facilidades de transporte que eles próprios reclamam - de meros amontoados de construções inestéticas, desprovidos de personalidade e de vida própria, verdadeiros dormitórios de
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massas populacionais muito importantes que diariamente afluem à capital para exercerem nela a sua actividade.
Acresce que este desenvolvimento indisciplinado cria problemas de defícit resolução para a administração pública.
Assim, as autarquias locais vêem-se a braços com a constituição e o funcionamento de serviços urbanos muito dispersos, para cujo custeio não podem contar com a contrapartida de um acréscimo de receitas, que lhes é recusado pela natureza sui generis das novas áreas populacionais.
Depara-se, por outro lado, a necessidade de fazer face a exigências crescentes de meios de comunicação e de transporte, num esforço exaustivo para reduzir os inconvenientes de uma estrutura regional defeituosa, o qual não tem a recompensá-lo qualquer vantagem para a economia da Nação.
3. Justifica-se assim a resolução do Governo de fazer elaborar em curto prazo o plano regional de Lisboa, enunciando ao mesmo tempo as medidas cautelares necessárias para que os inconvenientes referidos não se avolumem sensivelmente entretanto.
Com este objectivo foi elaborada a presente proposta de lei. na qual se estabelecem as normas por que deverá orientar-se a elaboração desse Plano e se definem, os objectivos essenciais que ele deverá preencher.
Terão necessariamente lugar no plano regional de Lisboa as disposições tendentes a estruturar convenientemente o desenvolvimento da região da capital, respeitados os condicionamentos gerais do progresso da Nação no seu conjunto. Dentro desta premissa, assumirão todo o valor as medidas que visem a tolher o passo a excessiva concentração das actividades nacionais - em especial no sector da indústria- nos arredores da cidade de Lisboa e o inconveniente adensamento da sua população, à custa do enfraquecimento das demais regiões do País.
Haverá neste sentido que delimitar á expansão, não só da capital, como dos núcleos urbanos existentes ou a constituir na sua zona de influência, conferindo a estes, por outro lado, possibilidades de criação e desenvolvimento de actividades locais capazes de garantir alguma estabilidade às suas populações.
A defesa das áreas próprias para a agricultura, a protecção e a expansão das áreas arborizadas, a valorização das zonas de interesse turístico e, mais particularmente, a defesa do património de beleza natural e de valores monumentais, históricos, artísticos e arqueológicos da região serão, entre outros, objectivos de evidente importância, a que o plano a elaborar não poderá deixar de atender - embora dentro dos moldes esquemáticos de um plano director-, para que se realizem satisfatoriamente os desígnios que o Governo tem em vista com esta proposta de lei.
Nestes termos, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
BASE I
1. O Ministro das Obras Públicas promoverá a elaboração, no prazo de três anos, do plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa, abreviadamente designado por plano regional de Lisboa.
2. Consideram-se incluídos na região de Lisboa, para os fins desta lei, os seguintes concelhos:
a) Do distrito de Lisboa - Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Oeiras, Sintra e Vila Franca de Xira;
b) Do distrito de Setúbal - Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmeia, Seixal, Setúbal e Sesimbra.
3. O Ministro das Obras Públicas poderá determinar os ajustamentos na delimitação desta área que vierem a mostrar-se convenientes, no decurso da elaboração do plano.
BASE II
1. O plano regional de Lisboa será baseado em inquérito preliminar sobre os condicionamentos de nível nacional a que deva subordinar-se e sobre as características e tendências da região em todos os aspectos que interessem aos objectivos do plano.
2. A partir da análise dos resultados do inquérito serão definidas as linhas gerais do desenvolvimento da região abrangida, em especial no que se refere:
a) A distribuição da população pelos núcleos existentes e a criar e às limitações e características gerais a imprimir ao seu desenvolvimento;
b) As redes gerais de comunicações e transportes;c) A definição das zonas a afectar a tipos especiais de utilização, tendo em vista, designadamente, a preservação de áreas adequadas à exploração agrícola e ao povoamento florestal e a criação de espaços livres públicos e de instalações de interesse colectivo a integrar nas zonas rurais;
d) A definição das zonas especiais onde será autorizada ou interdita a criação ou o desenvolvimento de instalações de carácter industrial;
e) A defesa e valorização dos monumentos e locais de interesse histórico, artístico ou arqueológico, paisagens, estâncias de recreio ou repouso e outros locais de turismo;
f) A organização geral dos serviços necessários ao abastecimento público (águas, electricidade, etc.) e ao saneamento urbano.
3.º Fará parte integrante do plano regional de Lisboa o respectivo regulamento, no qual serão enunciadas as disposições gerais necessárias para garantir a efectivação das medidas previstas no plano e os condicionamentos especiais a que deverão ajustar-se os planos de urbanização das povoações ou das zonas compreendidas na região de Lisboa.
BASE III
1. A aprovação do plano regional de Lisboa será da competência do Conselho de Ministros, mediante proposta do Ministro das Obras Públicas e ouvida a Câmara Corporativa.
2. O diploma que aprovar o plano regional de Lisboa estabelecerá as condições em que deverá efectuar-se a sua revisão periódica e, bem assim, os prazos concedidos para a revisão dos planos de urbanização locais a que se refere a base IV.
BASE IV
Aprovado o plano regional de Lisboa, proceder-se-á imediatamente à revisão dos planos de urbanização locais que estiverem em vigor, tendo em vista o seu ajustamento ao referido plano regional, considerando-se desde logo revogadas as disposições que o contrariem.
BASE v
1. Na área abrangida pelo plano regional de Lisboa, e até à aprovação deste, carecem de prévia autorização do Ministro das Obras Públicas, ouvidas a respectiva câmara municipal e a comissão do plano regional de Lisboa:
a) A criação de novos núcleos populacionais e a construção, reconstrução ou ampliação de instalações industriais da l.ª ou 2.ª classe, quando, num e noutro caso, se situem fora das zonas para esse efeito previstas nos planos de urbanização legalmente aprovados;
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b) A exploração de novas pedreiras ou a ampliação das que estejam sendo exploradas à data da presente lei e, bem assim, a execução de terraplanagens importantes de qualquer natureza susceptíveis de alterar a configuração geral do terreno e o derrube de árvores em maciço de área superior a l ha.
2. Fica igualmente sujeita à prévia autorização do Ministério das Obras Públicas, por intermédio da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e mediante parecer da respectiva câmara municipal, a construção de novas edificações nos aglomerados existentes, quando situadas fora dos seus perímetros actuais ou das zonas de expansão definidas nos planos de urbanização legalmente aprovados.
3. As autorizações serão negadas sempre que se verifique que da sua concessão poderá resultar inconveniente para a excução futura do plano regional.
4. O Ministro das Obras Públicas poderá fixar, por simples despacho, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, os perímetros das povoações a considerar na aplicação do disposto nesta base.
5. As câmaras municipais não poderão conceder as licenças a que se refere o n.º 20.º do artigo 51.º do Código Administrativo sem se mostrar ter sido concedida a autorização exigida nesta base.
BASE VI
1. A Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e as câmaras municipais serão competentes para promover o embargo e a demolição das obras executadas com violação do preceituado na base anterior.
2. A demolição será feito à custa dos proprietários e sem que estes tenham direito a qualquer indemnização.
3. A cobrança das importâncias a que der lugar a aplicação desta disposição, na falta de pagamento voluntário, competirá aos. tribunais das execuções fiscais, constituindo título executivo a certidão passada pelos serviços donde conste o quantitativo .despendido.
BASE VI
1. A cooperação das diversas entidades interessadas na elaboração do plano regional de Lisboa será assegurada por intermédio de uma comissão, de carácter eventual, a constituir no Ministério das Obras Públicas e na dependência do respectivo Ministro, designada por Comissão do Plano Regional de Lisboa.
2. Compete a esta Comissão pronunciar-se e fazer recomendações sobre a preparação e elaboração do plano, assegurar a execução dos trabalhos do inquérito na parte dependente doa organismos nela representados, apreciar o projecto do plano e dar parecer sobre os pedidos de autorização a que se refere a base v e sobre quaisquer assuntos determinados pelo Governo.
BASE VIII
1. A Comissão do Plano Regional de Lisboa terá a seguinte composição:
a) O director-geral dos Serviços de Urbanização; o director dos Serviços de Melhoramentos Urbanos da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização; o chefe do Gabinete do Plano Regional de Lisboa; um director de serviços da Junta Autónoma de Estradas;
b) Um representante da Câmara Municipal de Lisboa, três representantes das demais câmaras municipais dos concelhos da região de Lisboa a norte do Tejo e outros três das câmaras municipais dos concelhos da região de Lisboa a sul do Tejo;
c) Um representante do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo;
d) Um representante do Secretariado da Defesa Nacional;
e) Um representante da Direcção-Geral de Administração Política e Civil;
f) Um representante de cada uma das Direcções-Gerais dos Serviços Industriais, dos Serviços Florestais e Aquícolas e dos Serviços Agrícolas;
g) Um representante da Direcção-Geral de Transportes Terrestres e outro da Administração-Geral do Porto de Lisboa;
h) Um representante da Direcção-Geral de Saúde;
i) Duas individualidades a designar pelo Ministro das Obras Públicas.
2. A composição fixada no número antecedente poderá ser ampliada, mediante portaria do Ministro das Obras Públicas, se tal vier a mostrar-se necessário.
3. Cabe ao Presidente do Conselho e aos Ministros da Defesa Nacional, do Interior, da Economia, das Comunicações e da Saúde e Assistência a designação dos vogais das alíneas c), d), e), f), g) e h), respectivamente.
Os representantes das câmaras municipais serão por elas designados. Excepto para a Câmara Municipal de Lisboa, a escolha dos representantes será feita em reunião presidida pelo respectivo governador civil.
4. Por cada vogal será designado um suplente, que deverá substituí-lo nos seus impedimentos.
5. A nomeação dos vogais da Comissão será feita em portaria do Ministro das Obras Públicas.
BASE IX
1. Os vogais da Comissão do Plano Regional de Lisboa terão direito ao abono da importância de l50$ por cada sessão a que assistirem.
2. Aos vogais da Comissão, quando hajam de deslocar-se no desempenho das suas funções, serão abonadas as despesas de transporte correspondentes à sua categoria. Esta será equiparada a designada pela letra C no Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, para os vogais que não forem funcionários do Estado ou dos corpos administrativos.
BASE X
A elaboração do plano regional de Lisboa competirá à Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, que, para este efeito, fica autorizada a contratar técnicos urbanistas de reconhecida competência, em regime de prestação de serviços e nas condições que forem aprovadas pelo Ministro das Obras Públicas.
BASE XI
1. - É criado na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, e na dependência imediata do respectivo director-geral, o Gabinete do Plano Regional de Lisboa, chefiado por um engenheiro civil com a necessária especialização, a nomear pelo Ministro das Obras - Públicas de entre os funcionários do quadro da Direcão-Geral dos Serviços de Urbanização ou, mediante contrato, de. entre técnicos de habilitação conveniente estranhos àquele quadro.
2. O chefe do Gabinete do Plano Regional de Lisboa, quando a escolha recaia em funcionário da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, terá direito a gratificação, a fixar pelo Ministro das Obras Públicas,, com a aprovação do Ministro das Finanças.
3. O pessoal técnico, administrativo e menor necessário ao funcionamento do Gabinete poderá ser contratado ou assalariado para as categorias e nas quantidades que forem aprovadas pelo Ministro das Obras Públicas.
4. O Ministro das Obras Públicas poderá autorizar a elaboração, em regime de prestação de serviços, dos
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estudos especializados que se tornem eventualmente necessários, sendo as respectivas despesas aprovadas por despacho ministerial.
BASE XII
1. Compete ao Gabinete do Plano Regional de Lisboa tudo o que respeite à preparação e elaboração do plano, incluindo a execução das resoluções da Comissão a que se refere a base VII.
2. Passarão a ser exercidas por intermédio do Gabinete do Plano Regional de Lisboa as atribuições da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização referentes & urbanização da área da região de Lisboa e à fiscalização do cumprimento do Plano de Urbanização da Costa do Sol, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37 201, de 28 de Dezembro de 1948.
BASE XIII
1. Os encargos a que der lugar a execução da presente proposta de lei serão suportados pelas dotações adequadas do orçamento da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização.
2. As importâncias que vierem eventualmente a ser fixadas como participação das câmaras municipais nos encargos a que se refere o corpo desta base darão entrada nos cofres do Estado, devendo ser abatidas ao montante a entregar anualmente pelo Comissariado do Desemprego, nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 34 337, de 27 de Dezembro de 1944.
Ministério das Obras Públicas, 6 de Fevereiro de 1909. - O Ministro das Obras Públicas, Eduardo de Arantes e Oliveira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA