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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 74
VII LEGISLATURA
1959 21 DE NOVEMBRO
AVISO
Convoco para o próximo dia 24, pelas Í5 horas, a secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral, Justiça e Obras públicas e comunicações), com os Dignos Procuradores, agregados, António Vitorino França Borges, José Albino Machado Vaz, Luís de Castro Saraiva. António Pereira Caldas de Almeida, Carlos Figueiredo. Nunes e Virgílio da Fonseca, afim de continuarem os trabalhos respeitantes ao projecto de decreto acerca de expropriações por utilidade pública.
Palácio de S. Bento, 19 de Novembro de 1959.
O Presidente,
Luís Supico Pinto
PARECER N.º 23/VII
Plano de arborização da bacia hidrográfica do rio Mira
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 6.º da Lei 11.º 2069, de 24 de Abril de 1954, acerca do plano de arborização da bacia hidrográfica do rio Mira, emite, pelas suas secções de Lavoura (subsecção de Produtos florestais) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos, Procuradores José Martins Mira Galvão e Luís de Cas-[Continuação]
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tro Saraiva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o
seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
§ l.º
Referências ao parecer n.º 8/VII, relativo ao plano de arborização
das bacias hidrográficas das ribeiras Teryes e Cobres
1. O plano de arborização da bacia hidrográfica do rio Mira oferece a
esta Câmara os- mesmos comentários que o plano das ribeiras. Terges e
Cobres determinou, no que se refere aos problemas respeitantes à
aplicação da Lei n.º 2069, de 24 de Abril de 1954, particularmente os
que se referem à conservação da produção agrícola no perímetro,
dentro .das possibilidades técnicas ressalvadas no artigo 3.º da
referida lei, e à análise dos problemas, e recursos actuais dos
serviços do Estado encarregados da execução do plano. Tal como se
afirmou no parecer n.º 2-1/VII, relativo ao plano de arborização dás
bacias hidrográficas das ribeiras Vascão, Carreiros e Oeiras, não
teria interesse repetir muito do que no parecer n.º 8/VII, de 12 de
Fevereiro do corrente ano, se referiu, uma vez que as condições
gerais de aplicação da referida lei não diferem, nem se alterou o
quadro que deu origem aos comentários contidos nesse parecer.
Faz-se notar, no entanto, que o plano de arborização agora em estudo
apresenta, em relação aos dois planos anteriormente submetidos à
apreciação desta Câmara, aspectos particulares, que parece essencial
destacar logo de início.
2. O plano em estudo diz respeito à. bacia hidrográfica de um dos
poucos cursos de água importantes que nascem e desaguam no território
continental português. É, portanto, um problema sómente nacional o da
aplicação das técnicas necessárias para tirar o melhor partido dos
recursos potenciais de que esse rio dispõe. De entre estes recursos
encontra-se já estudado o aproveitamento hidroagrícola, que
permitirá, no decurso da execução do II Plano de Fomento, submeter ao
regadio cerca de 14 000 ha de terrenos hoje de sequeiro. E é de
elementar prudência ter em conta o que se afirma na introdução do
plano: «toda a bacia hidrográfica do rio Mira necessita de eficaz
defesa contra a erosão, pois, além de futuras obras de correcção
torrencial nas várias linhas de água, há que arborizar as encostas,
mantendo em sobeoberto do arvoredo um verdadeiro manto vegetal que
impeça os fenómenos erosivos. Caso contrário correr-se-á o risco de
em poucos anos se ver inutilizada tão importante obra, como tem
acontecido em vários países, nomeadamente na América do Norte».
Acontece, porém, que este objectivo de defesa da obra de hidráulica
agrícola projectada, poderá ser alcançado sem doloroso sacrifício de
carácter económico, pois, como se afirma ainda no plano, «esta zona é
das mais interessantes para se obter rapidamente uma enorme
valorização resultante das óptimas condições ecológicas, as quais
poderão ser aproveitadas no fomento de espécies lenhosas de grande
rentabilidade».
Trata-se, portanto, de promover um novo ordenamento cultural
destinado a condicionar a cultura cerealífera, cuja exagerada
expansão conduziu, em trinta anos de cerealicultura, à degradação do
solo. Os estudos ultimamente realizados levam a reconhecer que 78 por
cento da superfície total do perímetro, ou seja 135 645 ha, apenas
tem aproveitamento florestal ou agro-florestal. No entanto, conclui-
se que será possível, ao abandonar uma cerealicultura muito mais do
que pobre, criar uma floresta pelo menos medianamente remediada, mau
grado os estragos já realizados, floresta que constitui uma solução
técnica sem dúvida melhoradora dos 180 000 ha de território nacional,
hoje em risco de caminharem no sentido de uma completa
desertificação.
§ 2.º
Aspectos particulares do plano em estudo
3. Tendo em couta as condições favoráveis que a bacia hidrográfica do
rio Mira oferece para os trabalhos de arborização, reconhecendo o
risco que existe em construir uma barragem num curso de água sem que
previamente, se tomem medidas para evitar o assoreamento da
albufeira, assoreamento que inutiliza tudo o que se possa empreender
nos terrenos cuja rega o armazenamento assegura, a Câmara Corporativa
não hesita em recomendar que ao perímetro do rio Mira se entreguem
imediatamente os recursos considerados no II Plano de Fomento, em
ordem de prioridade sobre os dois planos anteriormente aprovados.
Esta recomendação, como é obvio, deixa de ter valor se for possível
executar com igual ritmo os três planos, e não significa que se devam
suspender os estudos de outras bacias hidrográficas onde a obra de
protecção é igualmente urgente, como sucede em toda a bacia de
alimentação da albufeira da obra da campina de Silves, Portimão e
Lagoa, já referida, no parecer n.º 8/VII, de 12 de Fevereiro do
corrente ano.
4. O facto de se prever a próxima realização da obra de fomento
hidroagrícola do rio Mira, que permitirá a rega de cerca de 14 000
ha, oferece invulgares perspectivas à aplicação da Lei n.º 2069 nos
terrenos de aptidão florestal situados na sua próxima vizinhança.
Na verdade, as reservas que podem estabelecer-se em relação às
possibilidades ou impossibilidades práticas de conseguir, uma pronta
alteração das técnicas de exploração de um território,
particularmente quando se pretende passar da monocultura de cereais,
que fornece rendimentos imediatos, embora aleatórios, para a cultura
florestal, que sómente promete rendimentos a longo prazo, podem
considerar-se diminuídas peia criação de novos regadios na região
imediatamente próxima.
A rega de 14 000 ha na «charneca» — isto é, a antiga charneca hoje
totalmente entregue à cultura cerealífera — compreendida entre
Milfontes e Odmira constitui um empreendimento de tal vulto que
influirá de maneira decisiva no desenvolvimento regional, abrindo aos
pequenos proprietários do «mar encapelado» da extensa zona serrana
erosinada, onde ainda se vive a ilusão do trigo em solos florestais,
horizontes, de trabalho que não podem deixar de ser explorados.
Na verdade, o artigo 31.º da Lei n.º 2069 estabelece o seguinte:
Quando se reconheça que a execução dos planos de arborização coloca
algum ou alguns dos proprietários em condições de insuficiência de
meios para suprir as necessidades do seu agregado familiar, a
aplicação do disposto neste diploma aos terrenos pertencentes a esses
proprietários ficará dependente da possibilidade de lhes ser faculta
do um casal agrícola nos núcleos de colonização da Junta de
Colonização Interna.
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Ora acontece que esta coordenação, que prevê o, abandono de explorações agrícolas inviáveis, para reinstalação em locais apropriados, o que obriga necessariamente a deslocações voluntárias de agricultores, torna-se mais fácil se for empreendida no âmbito regional. Na apreciação na especialidade, imediatamente se verifica a importância do número de proprietários possuidores de microfúndios de aptidão florestal que podem vir a estar interessados em povoar os núcleos de colonização a estabelecer pela Junta de Colonização Interna na «charneca» praticamente deserta que vai ser dominada pela obra do Mira.
II
Exame na especialidade
§ 1.º
A estrutura agrária
5. O perímetro inclui parte dos concelhos de Odemira, Ourique, Almodôvar, Santiago do Cacém e Silves.
Destes concelhos, apenas o de Silves não está cadastrado, mas a parte do concelho de Silves incluída no perímetro é apenas de no ha, o que representa muito pouco em relação à superfície total, que é de 173 510 ha.
O plano em estudo apresenta o cadastro de 9737 prédios rústicos, que pertencem á 5838 proprietários.
As propriedades agrupadas por classes de extensão apresentam a seguinte repartição:
[ver tabela na imagem]
Verifica-se que os pequenos proprietários predominam em número (72,2 por cento nos escalões de O ha a 20 ha), mas dispõe apenas de 11,7 por cento da. superfície do perímetro.
Conforme já se acentuou nos pareceres relativos aos dois perímetros cujos planos de arborização foram apresentados a esta Câmara, estes, proprietários constituem o problema mais delicado em face dos propósitos de povoamento florestal.
Especialmente em relação aos 2775 proprietários do escalão de O ha a 5 ha, a quem corresponde a área média de 1,6 ha, não se poderá pensar em submeter os seus microfúndios ao «regime florestal», mesmo que se conclua que lhes é dado uso depredador. No entanto, o plano em estudo sugere a solução afirmando: «no que «respeita aos pequenos proprietários, principalmente aos de áreas não superiores a 20 há, julgamos poder-se resolver este grave problema deslocando-os para as futuras áreas de regadio beneficiadas pela barragem de Santa Clara, solução, aliás, prevista, pela própria lei». Em contrapartida, são os escalões que incluem as propriedades de 20 ha a 200 ha os que dominam a maior área, com 50,5 por cento da superfície total. Este aspecto é peculiar do presente perímetro, onde, ao contrário dos outros dois já analisados, as grandes concentrações fundiárias não têm forte representação; as propriedades de mais de 1000 ha apenas ocupam 4,7 por. cento do total.
A bacia hidrográfica do rio Mira oferece aspectos estruturais, no que respeita à propriedade rústica, que obrigam a considerar a posição de numerosos pequenos proprietários quanto ao problema da sujeição ao «regime florestal», parecendo que o predomínio de propriedades de dimensões médias aconselha a criação de sociedades florestais, a que se fez referência no parecer n.º 8/VII, que permitam a montagem de explorações florestais em condições económicas favoráveis, não só para o estabelecimento das matas, como para seu granjeio e adequada comercialização ou industrialização dos produtos.
§ 2.º
As previsões do plano
6. Reconhecem os serviços a existência no bacia hidrográfica do rio Mira de especiais condições para o fomento da cultura florestal. No entanto, a taxa de arborização actual é apenas de 25 por cento, quando a superfície em relação à qual foi reconhecida aptidão agrícola representa 13 por cento do total.
Os povoamentos existentes apresentam forte predomínio de montado de sobro, mas é elevada a percentagem de povoamentos deficientes, necessitando de adensamento.
Do ponto de vista florestal o perímetro oferece dois problemas distintos: o da arborização de solos de aptidão florestal, onde não é económico o recurso a técnicas que permitam a utilização agrícola e o da compartimentação da zona a beneficiar pela obra de rega projectada.
7. Quanto ao problema, da arborização das zonas de aptidão florestal, o plano prevê o adensamento de 28 047 ha já arborizados, o florestamento de 97 583 ha, a criação de modalidades agrò-florestais em 9.235,5 ha, o que representa a criação de novas matas em 106 818,5 ha, ou seja 61,56 por cento do total do perímetro, que mede 173 510 ha. Os estudos da capacidade de uso do solo preconizam a arborização de 77,72 por cento da superfície do perímetro, ou seja de 134 865,5 ha.
Este plano, que se apresenta suficientemente realista, pretende conduzir o ordenamento florestal à seguinte posição:
Hectares
Montado de sobro ............... 97 604
Montado de azinho .............. 15 762,8
Montado de sobro e de azinho ... 297
Eucaliptal ..................... 3 625,1
Pinhal manso ................... 4 178,9
Pinhal bravo ................... 13 299
Castanheiro .................... 98,7
________________
Total .............. 134 865,5
________________
Nestas condições, e tendo em conta reparos feitos por esta Câmara nos pareceres relativos a outras bacias hidrográficas, deve reconhecer-se que a representação do montado de azinho não é de molde a renovar dúvidas anteriores. Reconhece a Câmara que as possibilidades ecológicas foram exploradas, de acordo com um critério talvez de justificada prudência, ao estabelecer-se a concepção do plano, mas continua a confiar nos serviços, esperando que procurem, na execução do referido esquema, alargar, dentro das possibilidades das técnicas modernas, a superfície entregue a culturas florestais de mais alto rendimento e de melhores
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perspectivas quanto ao interesse e valor dos seus produtos. Assim deverá suceder com o eucaliptal e castanheiro.
Como nos planos anteriores, pouco se depreende quanto ao recurso a espécies ripícolas, como o choupo, a estabelecer ao longo das linhas de água. Também se espera que o problema seja encarado até ao limite das possibilidades para encontrar mais largueza e prontidão no que respeita ao aspecto económico do empreendimento.
8. No que se refere à compartimentação a estabelecer na área beneficiada pela obra de fomento hidroagrícola incluída no II Plano de Fomento, o plano apenas lhe fax breve referência. Tendo em conta a circunstância de a zona a regar estar submetida à influência dos ventos do quadrante norte, só será possível explorai-as condições, de que parece dispor para o estabelecimento de pomares de citrinos desde que se estabeleçam cortinas de protecção para defesa não só desta como de outras culturas.
Parece, portanto, conveniente que se intensifiquem os estudos respeitantes à zona a beneficiar, que constitui hoje uma «charneca» totalmente desarborizada e que só poderá ser valorizada desde que se promova uma completa transformação do ordenamento cultural, transformação em que as culturas florestais vão desempenhar fundamental função, no duplo aspecto de protecção às culturas agrícolas e de novas fontes de rendimento a criar.
9. Quanto à análise económica do empreendimento, a Câmara Corporativa, considera que se adapta ao presente plano o que foi comentado-a respeito dos planos das ribeiras Terges e Cobres e das ribeiras Vascão, Carreiros e Oeiras.
Lembra, no entanto, a circunstância fundamental de ter de se aceitar o presente plano como complemento indispensável, da obra hidroagrícola do rio Mira. Se for possível promover a defesa, contra a erosão na bacia hidrográfica do Mira a tempo de suster os caudais sólidos, que de outra forma hão-de afluir à albufeira, prolongar-se-á a vida útil da obra de rega, permitindo que mais gerações usufruam o benefício que resulta do sacrifício da geração a que pertencemos.
III
Conclusões
10. A, Câmara Corporativa, tendo apreciado o bom critério e competência técnica, que presidiram à elaboração do plano de arborização da bacia hidrográfica do rio Mira, é de parecer:
1.º Que o plano seja executado, com os aperfeiçoamentos que lhe possam ser introduzidos como resultado das conclusões obtidas da experimentação em curso e como consequência do estudo mais amplo dos problemas económicos e sociais da região que porventura possa ser empreendido;
2.º Conclui-se assim porque, na verdade, se considera que o problema florestal, em qualquer região e como outros problemas similares, não pode ser encarado isoladamente, porque depende das técnicas que forem preconizadas no aproveitamento equilibrado dos recursos naturais, não só no sector agrícola, como no industrial e dos serviços, e parece boa política económica e social fazer acompanhar a sua execução de estudos e, se possível, de empreendimentos que atendam ao conjunto dos aspectos do desenvolvimento regional, de forma que se crie um clima de confiança necessário para alargar cada vez mais os indispensáveis programas de política florestal;
3.º Que se dê prioridade à execução do plano de arborização da bacia hidrográfica do rio Mira, caso os serviços não disponham de recursos suficientes para execução simultânea dos outros dois planos já aprovados, em virtude de se tornar urgente a defesa da obra hidroagrícola do Mira incluída no II Plano de Fomento. Esta conclusão do parecer não exclui o interesse da recomendação já feita noutros pareceres de que se apliquem as disposições da Lei n.º 2069 a outras regiões onde a intervenção dos serviços florestais é igualmente urgente.
4.º Conforme por várias vezes se acentuou no parecer n.º 8/VII, de 12 de Fevereiro de 1950, respeitante ao plano de arborização das bacias hidrográficas das ribeiras Terges e Cobres, parecer que está intimamente relacionado com aquele a que respeitam estas conclusões, afigura-se urgente, proceder à reforma da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cuja estrutura e equipamento não parecem adequados às finalidades da Lei n.º 2069, no que se refere à imperiosa necessidade não só de intensificar a investigação e experimentação florestais, como também de expandir a assistência técnica ou vulgarização na propriedade particular;
5.º Deverá ainda proceder-se, com a maior urgência possível, à regulamentação dá Lei n.º 2069, prevista, aliás, no seu artigo 32.º
Palácio de S. Bento, 12 de Novembro de 1959.
António Pereira Caldas de Almeida.
Luís Gonzaga Fernandes Piçarra Cabral.
João Custódio Isabel.
José de Mira Nunes Mexia.
Francisco Pereira de Moura.
João Faria Lapa.
José Martins de Mira Galvão.
Luís de Castro Saraiva.
Eugênio Queirós de Castro Caldas, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA