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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 91
VII LEGISLATURA 1960
30 DE MARÇO
PARECER N.º 29/VII
Projecto de proposta de lei n.º 510
Revisão do regime jurídico da colonização interna
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 510, elaborado pelo Governo, sobre a revisão do regime jurídico da colonização interna, emite, pela secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça e Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pinto Veloso, António Júlio de Castro Fernandes, António Maria Pinto Castelo Branco, António Pereira Caldas de Almeida, António Trigo de Morais, Fernando Andrade Pires de Lima, Guilherme Braga da Cruz, José Augusto Correia de Barros, José Bulas Cruz, José Infante da Câmara, José Joaquim Frasquilho, José Martins de Mira Galvão, José de Mira Nunes Mexia, José Pires Cardoso, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos, Manuel Ramalho Ribeiro e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Exa. o Presidente, o seguinte parecer:
SUMÁRIO
I. Apreciação na generalidade:
Posição do problema.
O problema em Portugal: ao norte do Tejo.
O problema em Portugal: ao sul do Tejo.
O problema em Portugal: a estrutura agrária.
O problema em Portugal: necessidade de planear o momento agrário.
O problema em Portugal: a Junta da Colonização Interna.
O problema no estrangeiro: em Itália.
O problema no estrangeiro: em Espanha.
II. Exame na especialidade.
III. Conclusões.
I
Apreciação na generalidade
1. A Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, que aprovou o II Plano de Fomento, estabelece na base X o seguinte:
A execução das novas obras de hidráulica agrícola previstas no Plano de Fomento fica dependente da revisão do regime jurídico relativo à exploração e amortização das obras de rega e à colonização interna.
Publicou já o Governo o Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, regulando o regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola.
Faltava a revisão do regime jurídico da colonização interna que se pretende fazer no projecto de proposta de lei n.º 510, agora submetido ao parecer da Câmara Corporativa.
2. Desde que terminaram as guerras da reconquista, e até antes disso, preocuparam-se os nossos reis e go-
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vernantes com o problema agrário português. Nos 800 anos da nossa existência como País independente foi-se ele sempre agravando, até chegarmos à actualidade, em que se apresenta da maneira de todos conhecida.
Nas províncias do Minho e Douro, é em geral em todas as que se situam ao norte do Tejo, a propriedade está demasiadamente parcelada, o que dificulta, quando não torna impossível, o emprego de uma técnica agrícola moderna e mecanizada. Além de parcelada encontra-se dispersa, dado que as propriedades estão divididas em pequenos prédios, às vezes muito distantes uns dos outros, o que ainda mais complica a exploração agrícola do conjunto. Não podendo servir de base económica à subsistência dos respectivos proprietários, são estes forçados a viver em condições precárias, procurando trabalho, quando possível, noutras ocupações, sentindo-se atraídos pelo urbanismo ou pela emigração, que deixa as terras entregues a mulheres e inválidos nas regiões de propriedade mais parcelada. A necessidade de exercer outras, profissões obriga os proprietários de parcelas . insuficientes a. recorrerem ao arrendamento com mais frequência do que seria desejável.
Para fazer face aos inconvenientes derivados da. exagerada divisão da propriedade apresentou recentemente o Governo à Câmara Corporativa um projecto de decreto-lei tendente a facilitar o emparcelamento. Com o objectivo de regular o regime de arrendamento foi também enviado à Câmara Corporativa um projecto (U; proposta de lei.
Mas não são estes dois os problemas de que temos de nos ocupar neste momento.
3. Se a norte do Tejo a propriedade está muito dividida, pelo contrário, a sul do mesmo rio, tirada a província do Algarve, domina a grande propriedade, em certos casos de características latifundiárias. As culturas são necessariamente extensivas em resultado do tipo de estrutura dominante. Muitos dos proprietários dão terras de arrendamento, a prazos mais ou menos curtos. O declínio da quantidade de propriedade aforada tem-se acentuado desde a publicação do Código Civil e ainda, mais desde que foi decretada a remição obrigatória e se aboliram para. futuro os laudémios.
Factores históricos derivados da ocupação influíram neste estado de coisas, mas não há dúvida de que ele se deve também às condições mesológicas que impedem uma fácil adaptação a sistemas intensivos de produção agrícola.
As grandes obras de hidráulica agrícola destinam-se a. aumentar e diversificar a produção agrícola, levando a água àqueles terrenos que, pela sua constituição ou por serem susceptíveis de beneficiamento, dela podem tirar utilidade. Sendo obras de grande vulto e custo, necessário se torna que a água, conseguida com tanto esforço, seja totalmente aproveitada. As novas terras tornadas mais produtivas podem depois ser utilizadas para a colocação dos excessos demográficos. Assim se combate o urbanismo e se fixa o homem à terra. É a este fim que principalmente visa a colonização interna.
4. À diversidade de dimensões da propriedade rústica correspondem, de certo modo, os diversos tipos de empresa agrícola.
Embora não abundem os elementos estatísticos de que dispomos para estudos desta natureza, podemos, mesmo assim, chegar a determinadas conclusões, agrupando, como faz o Instituto Nacional de Estatística, as várias empresas agrícolas dentro das seguintes rubricas:
a) Empresas familiares, em que o capital, e o trabalho são predominantemente fornecidos pelo produtor autónomo e sua família. Se a exploração da propriedade chega para manter o proprietário e sua família, a empresa chama-se perfeita. Se o proprietário ou a sua família precisam de trabalhar parte do tempo fora da sua terra, a empresa toma. o nome de familiar imperfeita;
b) Empresa patronal, em que o proprietário tem de recorrer ao trabalho assalariado para explorar a sua terra. Este tipo de empresa pode ser individual ou societário, conforme o empresário é um indivíduo ou uma sociedade (em nome colectivo, por quotas, em comandita e anónima).
No relatório final preparatório do II Plano de Fomento (II Agricultura, Silvicultura e Pecuária), a p. 34, encontra-se o seguinte quadro referente à distribuição, no continente, destes tipos de empresa:
[Ver tabela na Imagem]
Vê-se assim que quase metade das empresas não é do tipo mais conveniente, dados os seus baixos índices de produtividade do trabalho e da eficiência, técnica e económica. Mas, além disso, também se verifica, que a maioria, das empresas familiares perfeitas não dispõe de áreas suficientes para que o trabalho seja exercido em boas condições de produtividade e para que seja assegurado um rendimento susceptível de garantir adequado nível de vida ao empresário e sua família. «Tanto umas como outras não dispõem dos recursos necessários para se adaptarem às exigências da técnica, em contínua evolução» - afirma-se no referido relatório.
Não é possível averiguar, com segurança, a área ocupada por cada tipo de empresa. Podemos, contudo, fazer uma ideia da área média das propriedades agrícolas, resumida no seguinte quadro:
[Ver tabela na Imagem]
A exploração agrícola de pequena extensão ocupa cerca de 83 por cento do território e abrange perto de 95 por cento do número de explorações.
As explorações médias, que são as mais equilibradas e socialmente as mais úteis, apenas representam cerca de 5 por cento do total e menos de 30 por cento da área do País.
Uma percentagem mínima das explorações agrícolas do País domina a forte percentagem de 39 por cento da superfície cultivada.
Já se disse que a pequena propriedade domina ao norte e a grande ao sul do rio Tejo. Mas em toda a parte a estrutura é defeituosa.
Para verificar que assim é transcreve-se o quadro inserido na p. 38 do referido relatório.
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[Ver tabela na Imagem]
Comentando o quadro escreveu-se no relatório citado: «Com efeito, é impressionante o grande predomínio do número de pequenas explorações nas diferentes províncias. Atendendo a que se considerou pequena exploração aquela que não garante independência, económica à família, que a cultiva, conclui-se que a esmagadora maioria dos empresários agrícolas portugueses (mais de 80 por cento) ou tem de recorrer a outras actividades complementares (à prestação de trabalho assalariado, regra, geral), ou se sujeita a um nível de vida baixíssimo.
Por outro lado, aquele predomínio é um obstáculo poderoso de cuja remoção depende o avanço técnico da agricultura, visto que tais empresas não podem, facultar uma base económica que permita a aquisição de máquinas, de fertilizantes, de sementes seleccionadas, etc., nem preparam ambiente favorável à criação de uma classe camponesa capaz de se impor pela sua formação técnica e posição social.
Nas províncias do Norte o problema é ainda agravado, porque estas explorações microfundiárias ocupam parcela importante do território, não existindo praticamente grandes e muito grandes explorações.
No Sul verifica-se idêntico predomínio quanto ao número de explorações deficientes, mas que ocupam reduzida superfície, visto que o essencial da área está, pelo contrário, entregue a um número insignificante de grandes e muito grandes explorações».
No maior número de explorações agrícolas do continente predomina a conta própria, mas a parceria e o arrendamento representam uma forte percentagem, que andará por cerca, de 40 por cento da superfície cultivada.
Verifica-se, assim, que a nossa estrutura agrária não é a mais conveniente e que se torna imperativo procurar alterá-la. De resto, trata-se de um problema que não pode, no seu fundo, discutir-se, tão evidente é ser manifestamente defeituosa a estrutura agrária portuguesa.
Nos pareceres da Câmara Corporativa acerca do II Plano de Fomento aludiu-se .ao «carácter insustentável da situação presente» e disse-se que a adaptação da agricultura às necessidades da época «não é compatível com a benevolência de conservar situações cómodas, só porque são antigas, ou situações rotineiras, só porque são populares; se há que reorganizar a indústria - onde se levantam os mesmos ou semelhantes problemas -, não se vê que represente violência, maior reorganizar a agricultura nos pontos onde não cumpre o seu dever pura com o agregado nacional, nem parece razoável atribuir a essa reorganização intenções doutrinárias que não tem».
5. O II Plano de Fomento visa aos seguintes fins:
a) Aceleração do ritmo de incremento do produto
nacional;
b) Melhoria do nível de vida da população;
c) Ajuda à resolução do problema do emprego;
d) Melhoria da balança de pagamentos.
Para que seja possível atingir o que se pretende é óbvio que se torna necessário alterar a, estrutura-agrária, de forma que ela possa dispensar braços para as indústrias que deles vão necessitar, sem, com isso, diminuir a sua eficácia. A técnica e a produtividade têm de aumentar muito e rapidamente e torna-se necessário que os atractivos da vida rural sejam de molde a impedir o êxodo da parte da população que é mister conservar na faina da lavoura. Para tanto, o nível de vida tem de subir, colocando-se sensivelmente a par do das gentes da cidade.
Embora a agricultura nunca «e possa libertar dos efeitos do clima e das variações do tempo, que terão sempre repercussão sobre o nível de vida do agricultor, quer ele seja proprietário ou assalariado, a verdade é que não faltam meios para atenuar aquelas circunstâncias desfavoráveis. As grandes obras de hidráulica, permitindo armazenar a água nos momentos em que sobra para os momentos em que falta, a sua distribuição eficiente, as melhores técnicas de trabalho na agricultura, o emprego de sementes seleccionadas, de fertilizantes e fitofármacos são outras tantas maneiras de ajudar ao incremento da produção e à melhoria do nível de vida. Mas é condição essencial que a estrutura agrária se adapte às novas condições e que os proprietários disponham de meios e de cultura que possibilitem o emprego das novas técnicas e o aproveitamento dos recursos postos à sua disposição. Foi com este objectivo que se criou a Junta de Colonização Interna, acerca da qual diremos agora algumas palavras.
6. A Junta de Colonização Interna foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 27 207, de 16 de Novembro de 1937.
Os seus fins principais eram três:
I) Instalar casais agrícolas nos terrenos que lhe fossem entregues pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola;
II) Efectuar o reconhecimento dos baldios e realizar a colonização dos que dela fossem susceptíveis;
III) Efectuar, quando superiormente autorizada, a aquisição de terrenos postos à venda e que devessem ser aproveitados para colonização.
O primeiro trabalho a que se abalançou a Junta foi o do reconhecimento dos baldios existentes. Verificou, depois de árduo trabalho, que de cerca de 400 000 ha
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apenas 30 500 ha foram inicialmente respirados, mas somente 4284 ha se revelaram susceptíveis de serem colonizados.
Iniciou a seguir as obras de reorganização da Colónia Agrícola dos Milagres e de colonização dos baldios do Sabugal, o que permitiu a colocação de 52 famílias. Depois, prosseguindo no estudo das terras susceptíveis de colonização, principalmente nas áreas ao sul do Tejo, colonizou a Herdade de Pegões, nos terrenos legados ao Estado pelo benemérito Rovisco Pais. Nesta herdade colocaram-se cerca de 200 famílias. Os seus terrenos, onde predomina o sequeiro, não são dos mais aptos para a colonização, tendo-se conseguido, apesar de tudo, bons resultados no aspecto social da criação de empresários agrícolas a partir de simples trabalhadores assalariados.
Em 1942 foi publicado o Decreto-Lei n.º 32 439, que alargou a competência da Junta de Colonização Interna, dando-lhe novas funções. Foram elas:
I) Promover e orientar a melhor distribuição da população rural;
II) Estudar e propor as providências necessárias ao melhor arranjo da propriedade rústica, tendo em conta ao mesmo tempo o aspecto económico e social;
III) Empreender obras fundiárias de que resulte incremento de produção ou melhoria das instalações rurais.
Os meios postos à disposição da Junta para a realização dos seus fins foram reduzidos e a sua acção fez-se sentir, principalmente, através da obra de fomento realizada nos termos da lei dos melhoramentos agrícolas. O auxílio dado para a realização de obras fundiárias, pela concessão de empréstimos a juro baixo e longo prazo, tem sido notável, assim como a assistência prestada pelos técnicos da Junta aos proprietários interessados no melhoramento das suas propriedades.
Pode-se resumir a acção da Junta de Colonização Interna dizendo que ela fixou 13 colonos na Colónia Agrícola dos Milagres e, 39 na do Sabugal, que são as obras já concluídas.
Em Novembro de 1959 estava em curso a instalação dos seguintes casais agrícolas:
Pegões - 229.
Baroso - 132.
Alvão - 25.
Boalhosa - 30.
Gafanha - 75.
Além disso, a Junta dividiu 13 500 ha de baldios em cerca de 7400 glebas, que vieram beneficiar perto de 6600 famílias.
A fixação de 543 famílias em 20 anos, mesmo se se lhe adicionar a divisão em glebas atrás referida, é contributo sem relevo para a obra de colonização que é mister prosseguir. A Junta, porém, não pode ser responsabilizada pela insignificância dos resultados, nem destes podem tirar-se conclusões, fundadas na experiência, no sentido de se condenar a política de colonização interna. Na verdade, há que ponderar a incerteza legislativa destes anos no tocante à matéria em causa. Não pode ser invocada a insuficiência das verbas, mas somente a falta de um pensamento e orientação firmes quanto aos caminhos a seguir em ordem à realização os fins cometidos à Junta.
Façamos agora um ligeiro bosquejo acerca do que se fez nos dois países mais afins no nosso sobre este aspecto: Itália e Espanha.
7. Na Itália a situação apresenta certos paralelismos com a nossa. Ao norte domina também a pequena e média propriedade e ao sul a grande propriedade.
Mesmo antes do império romano procuraram os Poderes Públicos obviar nos inconvenientes deste estado de coisas. Não vamos fazer aqui a história dos esforços feitos nesse sentido através dos grandes períodos da história, dado que ao terminar o primeiro quartel do século XX a situação se mantinha ou se agravara.
Os trabalhos de enxugo, o combate à malária pela drenagem dos pântanos - a bonifica - acabaram sempre por ser derrotados, ou pelo desleixo dos homens (quando ocupados em guerras), ou pelas forças da natureza.
Mussolini resolveu sanear o Agro Pontino, mesmo às portas de Roma. Com visão ambiciosa, lançou-se no que chamou a bonifica integrale, ou seja a preparação a terra para a cultura e para aquilo a que chamamos a colonização interna.
Feito o enxugo das terras, construídas obras de hidráulica, instalações e cidades, tentou fixar as populações excedentes nas áreas outrora impossíveis de habitar devido às suas condições de insalubridade e esterilidade.
Terminada a guerra de 1939-1945 procuraram os governos cristãos-sociais que têm ocupado o Poder na Itália retomar os trabalhos tendentes a fixar os excessos demográficos. Perdidas as colónias - e'l Impero -, não se encontrou para o efeito outra solução que não fosse a do aproveitamento das terras existentes na península, expropriadas e divididas por meio de reformas agrárias. À bonifica integrale foi posta de lado, ou, melhor, foi ultrapassada. Organizaram-se novos programas, como o da colonização, no qual se prevê a constituição de propriedades a distribuir por pequenos agricultores. As novas áreas devem destinar-se à cultura intensiva.
Embora a nova lei agrária ainda não esteja discutida, o Parlamento aprovou, em Outubro de 1950, as leis actualmente em vigor, Lei n.º 230 (Lei Sila) e Lei n.º 841 (Lei Stralcio).
Por elas podem os grandes proprietários latifundiários ser expropriados em medida variável entre 15 e 95 por cento da extensão das suas terras, conforme o seu cultivo for mais extensivo e maior o seu rendimento. A propriedade é avaliada e paga em títulos do Estado, que vencem o juro de 5 por cento e são amortizáveis em 25 anos.
Depois de parcelada, a terra é distribuída por colonos, que ficam com a obrigação de pagar em 25 anos o preço da expropriação e também dois terços das benfeitorias feitas pelo Estado. Este toma para si o encargo das obras hidráulicas, a construção de casas, a urbanização das áreas, os transportes rodoviários e ferroviários, etc.
A lei de 1950 destinou para a reforma agrária cerca de 29 375 000 contos, importância esta reforçada em 1957 com mais 6 915 000 contos.
Para execução da reforma agrária foi publicado um decreto da Presidência da República que definiu nove perímetros de colonização «compressórios». A superfície total abrangida é de 8 141 658 ha. Para cada «compressório» foi criado um organismo encarregado de dar execução à reforma - o ente. Existem, pois, actualmente, nove entes, a saber: Delta Padano, Marema, Fucino, Garigliano e Volturno, Sila, Campânia, Calábria, Sicília e Sardenha.
Além de se ocupar do parcelamento, das obras necessárias e da distribuição dos terrenos expropriados pelos trabalhadores rurais, deve cada ente dar assistência técnica, económica e financeira aos colonos e promover a constituição de cooperativas.
As chamadas aziende-modelli, ou sejam propriedades em regime de exploração intensiva considerada eficiente, foram excluídas da expropriação, desde que a sua pro-
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dução média unitária exceda em 40 por cento a média das produções da zona. Além disso, terão de empregar mão-de-obra à razão de 0,3 unidades de trabalho por hectare, dando nos trabalhadores vantagens nitidamente superiores às condições médias da zona.
Em qualquer caso pode o proprietário expropriado conservar um sexto da propriedade, desde que se comprometa a realizar as transformações fundiárias indicadas pelos serviços técnicos do ente num terço da superfície em risco de ser expropriada. A parte conservada será perdida em favor do Estado, sem qualquer indemnização, se as obras não forem realizadas.
Nos anos que decorreram entre 1950 e 1960 grande número de propriedades foram expropriadas e são importantíssimas as obras hidráulicas levadas a cabo.
Mas é ainda cedo para avaliar os resultados económicos, sociais e agrícolas da reforma.
Como é natural, têm sido dirigidas críticas às leis agrárias actualmente vigentes em Itália. Mário Bandini 1 resume-se assim:
a) O parcelamento das propriedades agrícolas eficientes, não foi seguido pela criação de unidades igualmente eficientes;
b) O custo da reforma é por si mesmo excessivo;
c) O custo da reforma é excessivo em consequência da administração, dos desperdícios e das dívidas dos entes;
d) Os investimentos sociais e económicos da reforma não correspondem ao seu custo;
e) A política económica italiana deve seguir o caminho fundamental do progresso industrial e é, por isso, errado distrair meios para a colonização agrária;
f) A reforma faliu nos seus princípios inspiradores e na sua aplicação prática. Há que voltar à velha concepção da bonifica, com ou sem oportunas inovações legislativas.
Mário Bandini analisa depois cada uma destas críticas e conclui: «as polémicas desenvolvidas e os argumentos trazidos contra a reforma tendem a dar a impressão de que a reforma custa muito e a bonifica muito pouco. Nada, porém, é mais erróneo. A bonifica, devido tio lento procedimento, somente em alguns territórios deu origem a obras de satisfatórios resultados económicos e sociais.
A clara maturidade dos rurais italianos, a vantagem da rápida obra de colonização efectuada pela reforma, colocam-na acima e ao abrigo de paixões tendenciosas. A grande demonstração que a reforma deu à política agrária italiana chama a atenção para a necessidade cada vez maior de uma colonização agrícola para a fixação de famílias cultivadoras.
Podemos assim fechar estas considerações - afirma Bandini -, ditadas por tudo o que sentíamos em face das críticas e das incompreensões que a reforma vai suscitando nalguns ambientes e pela necessidade de restabelecer a verdade. Cada vez mais ficamos, portanto, com a opinião de que a reforma italiana, concebida como vasta obra de colonização e melhoramento agrário e social de terras extensivamente cultivadas, representa uma das páginas mais luminosas da nossa história agrária».
8. Também a Espanha teve de enfrentar o problema agrário desde os princípios da sua história. O latifúndio é a forma predominante da propriedade, principalmente nas regiões da Andaluzia, Estremadura e Castelãs.
Alguns esforços feitos por Carlos III e outros governantes no sentido de obstar à demasiada concentração fundiária não tiveram qualquer êxito.
À data da proclamação da República o problema agrário constituía uma das questões exploradas pelos adversários do regime vigente para atingirem o seu desiderato. Tão depressa assumiram o Poder procuraram os governos republicanos promover a reforma agrária, baseada na expropriação das grandes propriedades, na sua divisão em glebas e distribuição por colonos. As vicissitudes políticas durante a II República Espanhola impediram a execução da lei e só depois de finda a guerra civil e de consolidado o regime do generalíssimo Franco foi possível enfrentar a sério o difícil problema.
Começou-se por criar o Instituto Nacional de Colonização, com autonomia económica e administrativa, dotado de meios suficientes para adquirir e possuir as propriedades rústicas julgadas necessárias à consecução dos seus fins.
Em 26 de Dezembro de 1939 foi publicada a Lei de Colonização das Grandes Zonas, destinada principalmente a promover a utilização das grandes obras de hidráulica agrícola já executadas. Esta lei inspirou-se na reforma agraria italiana. «As grandes zonas» são afinal os «compressórios» italianos.
O Estado, pelo Ministério das Obras Públicas, ficou incumbido de realizar as obras de interesse geral, como albufeiras, canais principais, colectores de drenagem, meios de comunicação, etc. Estas obras são realizadas totalmente à custa do Estado ou com a comparticipação dos proprietários até 50 por cento do seu custo. Nas chamadas obras de colonização, ou seja na construção de instalações agro-pecuárias, pode o Estado comparticipar até 40 por cento.
Mais tarde recebeu o Instituto Nacional de Colonização autorização para conceder créditos e assistência técnica aos proprietários rurais para a realização de melhoramentos fundiários de interesse privado.
Porque a execução da lei de 1939 foi na prática quase nula e dado que a pressão de ordem, social e política se tornava cada vez maior, foi aprovada pelas Cortes, em 21 de Abril de 1949, a Ley sobre colonización y distribuición de la propriedad de las zonas regables.
Por esta nova lei, quando uma zona seja declarada de salto interesse nacional* e uma vez aprovado, o plano geral para a sua colonização, pode o Instituto Nacional de Colonização expropriar os latifúndios nela existentes. A área a expropriar deve destinar-se ao regadio.
O número de explorações a constituir, os aldeamentos a formar, o grau de intensificação cultural exigido, o preço dos terrenos e a superfície máxima que cada proprietário pode cultivar directamente constarão do plano geral de colonização.
A área constituída pelas «terras em excesso» será expropriada pelo seu justo valor e parcelada em casais agrícolas.
O Estado suporta integralmente o custo das obras de interesse geral e subsidia com 30 por cento as de interesse privado e com 40 por cento as que digam respeito às regas.
Em execução destas leis e respectivos regulamentos inúmeras foram os propriedades expropriadas e as obras de hidráulica levadas a cabo.
Bem perto da fronteira portuguesa, na província de Badajoz, situa-se uma das mais interessantes zonas de colonização, baseada na regularização e aproveitamento do caudal do Guadiana, na irrigação dos campos aráveis e na industrialização subsidiária da zona. Também, ainda é cedo para podermos julgar dos resultados
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desta obra encetada com grande amplitude, mas são já muito vastas as regiões de Espanha em vias de transformação, que se abrem como pólos de desenvolvimento económico e social, designadamente no campo da indústria.
II
Exame na especialidade
BASE I
9. A Câmara Corporativa não se convence de que a acção da Junta de Colonização Interna se deva estender, pelo menos desde já, a todo o território nacional.
A obra da colonização ainda não deu frutos palpáveis que permitam caminhar-se com segurança em determinado sentido, com amplitude demasiadamente ambiciosa.
Parece, deste mudo, prudente que, em matéria de realizações, a acção da Junta se circunscreva aos terrenos pertencentes às autarquias locais, aos que adquirir ou lhe forem entregues pelo Estado e aos beneficiados e a beneficiar pelas obras de fomento hidroagrícola ou que com estes confinem. Mesmo assim, deixa-se à
Junta largo campo para a sua actividade executória, permitindo-se que colha a experiência necessária e se acredite para obra ainda de mais largo fôlego. Ir-se mais para além seria inconveniente, independentemente de outras razões, até mesmo porque se dispersariam esforços, o que comprometeria a boa execução do que se reconhece poder caber uns possibilidades dos quadros técnicos que será viável organizar e nas verbas com que é legítimo contar-se.
As considerações que precedem não tem que ver com a competência da Junta para a realização de quaisquer estudos em matéria de colonização. Na verdade, a elaboração de estudos com vista à correcção da estrutura agrária e melhoramento do nível de vida das populações rurais pode ser levada a cabo sem receio, abrangendo todas as zonas do País.
Embora a Câmara entenda que os terrenos de sequeiro pertencentes a particulares devem, de uma maneira geral, ser exceptuados dos planos e projectos de colonização, reconhece, porém, haver necessidade de considerar desde já certos casos que, por imperativas razões do ordem social, merecem correcção imediata. Trata-se de obviar à impossibilidade em que presentemente se encontram alguns agregados populacionais que, por se encontrarem rodeados de terrenos em regime de grande propriedade, não podem ter um desenvolvimento natural, nem consentir aos seus habitantes, por carência de terras que possam adquirir, condições de vida aceitáveis.
Nestes casos verdadeiramente excepcionais justifica-se que a Junta estude e proponha superiormente a forma mais conveniente de aproveitar os terrenos em causa, os quais deverão ser expropriados, se outra solução não puder ser encontrada para conseguir a necessária transmissão. Trata-se de casos em que a expropriação se justifica por nítida utilidade pública e a que, por isso, convém atender.
BASE II
N.º 1
10. A Câmara nada tem a objectar ao que é proposto neste número. É certo que o problema habitacional [alínea c)] encontra-se regulado noutros diplomas em vigor. Até aqui tem pertencido ao Ministério das Obras Públicas e às câmaras municipais ocuparem-se do aspecto técnico deste problema.
Ao Ministério das Corporações Previdência Social, em estreita cooperação com os organismos corporativos (especialmente as Casas do Povo) e instituições de previdência, tem cabido a regulamentação da parte administrativa, financeira e social.
Ainda há bem pouco tempo, em 9 de Abril de 1958, fui promulgada a Lei n.º 2052, com que o Governo procurou enfrentar o momentoso problema da crise de habitação. Nela se preconiza o princípio de que a construção de habitações económicas nos meios, rurais deve fazer-se através da participação das instituições de previdência e Casas do Povo. Se não fora defender a Câmara o ponto de vista de que a acção da Junta se deve circunscrever a zonas limitadas do País, nomeadamente aos terrenos beneficiados pelas obras de fomento hidroagrícola, seria caso de pôr reservas a esta forma de competência especializada que a alínea c) do número em apreciação confere à Junta de Colonização Interna. Mas, dada a limitação que se defendeu a propósito da base I, reconhece a Câmara que há vantagem em concentrar num só organismo o comando e resolução dos múltiplos problemas que a colonização de uma determinada zona necessariamente põe. E porque este comando não exclui a colaboração dos Ministérios e serviços especializados, conforme é previsto no n.º 3 desta base, aceita-se o critério que consta da alínea c) em causa.
N.º 2
11. Desde que a acção da Junta, conforme é parecer da Câmara, não deve ser tão extensa como vinha proposto no texto em apreciação, há que fazer certas alterações, à redacção do n.º 2 da base II. Ter-se-á, assim, que eliminar a referência a perímetros. Os planos gerais, consequentemente, abrangerão apenas os terrenos sob a acção da Junta.
Entende a Câmara Corporativa que se não deve fixar qualquer limite máximo à área que cada proprietário pude reservar para si nas áreas consideradas nos planos. Ao fazer-se a apreciação da base VII desenvolver-se-ão as razões que justificam a posição da Câmara acerca deste problema, que de perto se liga com o da expropriação.
N.º 3
12. Não tem a Câmara Corporativa objecções a formular quanto a este número, pelas razões que deixou esboçadas a propósito do n.º 1, mas entende que a respectiva redacção deve ser modificada em ordem a não poder ser dispensada a audiência dos serviços competentes dos Ministérios interessados.
N.º 4
13. Esto número deve ser eliminado, uma vez que a Câmara é de parecer que convém que se confine a acção da Junta a determinadas áreas. Neste n.º 4, com efeito, admitia-se a possibilidade de as questões relativas ao problema da habitação poderem ser objecto de estudos e projectos não integrados em planos gerais de colonização, designadamente nas zonas em que se não reconheça a necessidade de correcção da estrutura agrária.
N.º 5
14. Parece à Câmara que os planos gerais devem ser aprovados pelo Conselho de Ministros, depois de ouvida a Câmara Corporativa, conforme, de resto, é preceito da legislação vigente.
BASE II
15. Esta base reproduz o que está contido no artigo 5.º da Lei n.º 2072, de 18 de Junho de 1954.
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Não se vê inconveniente em que seja mantida, suprimida que seja a referência aos «perímetros respectivos».
BASE IV
16. Nada tem a Câmara a objectar quanto aos quatro números (...) que se decompõe esta base, salvo quanto à alínea a) do n.º 2 e alínea c) do n.º 3.
Na verdade, parece à Câmara haver interesse em fazer intervir as associações de regantes na fixação dos índices de intensificação a que se refere a alínea a) do n.º 1 desta base. Por outro lado, n redacção da alínea c) do n.º 3 carece de ser modificada, principalmente para prever também a distribuição de terrenos em favor das Federações das Casas do Povo.
BASE V
17. Esta base deve desaparecer do projecto. De facto, deixou de ter razão de ser, uniu vez que a Câmara sugere seja eliminada a referência a perímetros de colonização e sustenta que todas as obras projectadas pela Junta devem constar de planos gerais aprovados pelo Conselho de Ministros.
BASE VI
18. A Câmara dá o seu acordo a esta base e aplaude o que dela consta. Ali se prevê o não reembolso integral do custo da realizarão dos projectos de colonização e se admite que o Estado conceda comparticipações não reembolsáveis até 50 por cento do custo das obras de interesse individual para a instalação dos casais agrícolas. Por outro lado, dispõe-se no sentido de as obras de interesse geral, bem como as de interesse cultural, espiritual, social e desportivo, constituírem encargo exclusivo do Estado.
BASE VII
19. Nesta base admite-se a possibilidade do recurso à expropriação, a fim de permitir que o Estado realize a obra de colonização e de parcelamento que urge iniciar, em termos de se recuperar o tempo perdido, mas excluem-se da medida, e muito bem, os prédios rústicos que sejam explorados de forma que se atinjam os índices de intensificação cultural previstos nos projectos. Estes prédios não poderão ser expropriados nem utilizados para colonização.
O direito de propriedade, que o direito romano considerava absoluto, tem sofrido muitas modificações e limitações no decorrer dos séculos. Hoje todos estão de acordo em que a propriedade desempenha uma «função social», e existe para uma melhor realização do bem comum, resultado máximo a atingir pelo princípio do interesse privado que move a iniciativa e faz jogar as leis económicas em todos os estados não marxistas.
A propriedade privada é considerada como direito natural pelas encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno, publicadas pelos Pontífices Leão XIII e Pio XI; nelas se diz que é direito natural do homem manter e adquirir o que é essencial à sua vida e à realização dos seus fins sobre a terra.
O direito de propriedade abrange a possibilidade de fruição, isto é, tirar do objecto apropriado todas as suas utilidades. Existe, também, o direito de acesso à propriedade, ou seja a possibilidade que todo o homem deve ter de se tornar um dia proprietário.
O dono da terra não só não tem qualquer direito de usar a sua propriedade com o fim de prejudicar os outros proprietários, como também lhe incumbe a obrigação de tirar da propriedade todo o rendimento possível, dada a sua função de «gestor social» do que excede o mínimo necessário à conservação da sua existência e à possibilidade de um nível do vida conforme aos deveres do seu estado.
O direito de expropriação pode ser admitido, mas é essencial que a propriedade seja cercada de uma série de garantias, e só nos casos de absoluta necessidade, para realização de um superior interesse público, deverá ser coercivamente retinida do seu legítimo titular.
O preceito em exame pode merecer aceitação, tanto mais que se sugeriu a eliminação da alínea d) do n.º 2 da base II, onde se estabelecia que o proprietário não poderia reservar para si uma área superior a 100 ha.
Deste modo, segundo o ponto de vista da Câmara, ficará livro ao proprietário explorar directamente as terras que lhe pertencem e se encontrem abrangidas pelos projectos de colonização, mas para as conservar será indispensável que tire delas o aproveitamento que comportem. A expropriação só é possível quando assim não aconteça, mas então há razões sociais e económicas que plenamente justificam a expropriação.
O preceito, de resto, limitada a acção da Junta, quanto aos terrenos dos particulares, aos beneficiados pelas obras de fomento hidroagrícola conforme defende, a Câmara, não constitui inovação, pois o artigo 77.º do Decreto-Lei n.º 42 665.º de 20 de Novembro do ano findo, que promulga o regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola, dispõe ser obrigatória a utilização da água de rega nas áreas dominados pelos canais, em funcionamento e bem assim a exploração adequada das terras defendidas e enxutas, ficando o Governo, na falta de cumprimento destas obrigações, com a faculdade de expropriar as terras por utilidade pública.
Estabelece também o referido diploma as condições em que a expropriação pode ser feita, os critérios de fixação do respectivo preço e que ao Conselho de Ministros compete declarar a utilidade pública.
Não julga a Câmara que seja de alterar a doutrina de base em apreciação, a qual teve, conforme se frisou, recente consagração legislativa. Haverá, no entanto, que corrigir ligeiramente a sua redacção, eliminando-se a referência a perímetros de colonização.
O recurso à expropriação, mesmo nos casos em que se justifique, deve, porém, ser feito com cautela e desde que dela resulte a possibilidade de uma efectiva e proveitosa reestruturação agrária.
Convém, na verdade, ponderar que a expropriação só por si não resolve o problema da fixação dos colonos á terra. Há elementos Humanos a considerar e razões de natureza financeira que não podem ser desprezadas. Com efeito, nem sempre o acesso à terra, nas condições focadas, desperta o imediato interesse das populações e também é certo que, a não ser com um dispêndio incomportável para o Tesouro, não será viável fixar a curto prazo um número apreciável de colonos. Os exemplos da Itália e da Espanha mostram bem que assim é.
Por outro lado, é indispensável que os nossos excessos demográficos procurem de preferência o caminho das províncias ultramarinas, se quisermos ver os territórios de além-mar economicamente desenvolvidos e portugueses. Lá existem milhares e milhares de hectares que não precisam de ser expropriados, mas que podem, uma vez beneficiados por obras de hidráulica convenientes, permitir a fixação de muitos milhares de colonos e suas famílias.
Quanto à redacção da base, pensa a Câmara que haverá vantagem em fundir os seus dois números actuais num só, que passaria a ser o n.º 1. Num outro número deveria ficar prevista a possibilidade de o Governo poder declarar a utilidade pública para a expropriação dos terrenos a que se refere a nova alínea d) que se propõe para a base I.
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BASE VIII
2O. O disposto nesta base resultaria altamente perturbador da vida do País e seria na prática de impossível execução, por não dispor n Junta de serviços que pudessem assegurar u execução do preceito. Desde que
problema idêntico se põe no projecto de decreto-lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica, em aprecia cão lia Câmara, mas confinado às zonas nele consideradas, e desde que, quanto à proposta em exume, a Câmara é de parecer que a acção da Junta deve limitar-se fundamentalmente aos terreno» beneficiados
pelas obras de fomento hidroagrícola, relativamente nos quais a legislação em vigor já contém regras impeditivas de um parcelamento injustificado, é se de opinião que esta base VIII: deve ser eliminada.
BASE IX
21. A Cântara está de acordo com a criação de uni fundo de fomento de cooperação, mas parece-lhe que o montante da dotação mio deve constar das bases da lei, que convém dar ao novo fundo a denominação de Fundo de Fomento da Cooperação Rural e que a delimitação da área de acção das cooperativas deve ficar ao critério da Junta de Colonização Interna.
22. Julga a Câmara conveniente prever a possibilidade de as Casas do Povo virem a beneficiar da concessão de créditos quando sejam elas a promover a instalação e funcionamento das cooperativas.
BASE x
23. A Câmara Corporativa atribui excepcional importância aos princípios contidos nesta base. O propósito de desenvolver rapidamente as regiões menos evoluídas do ultramar obriga a valorizar as iniciativas de povoamento, dando aos colonos a preparação técnica e humana indispensável para gerirem as empresas agrícolas que l lies vão ser entregues, constituindo comunidades (pie possam manter o prestígio da civilização criada pelos Portugueses 110 Mundo. Afigura-se a esta Câmara que constitui grande risco enviar colonos para o ultramar sei n que se l li es concedam os meios espirituais, intelectuais e técnicos indispensáveis para acrescentarem o que possa acrescentar-se às tradições portuguesas.
BASE XI
24. Parece-nos bem que se reorganize a Junta, mas sem lhe mudar o nome.
A alteração supunha uma extensão de competência que a Câmara não perfilhou. Por outro lado, foi como Junta de Colonização Interna que o País se habituou a conhecer e a respeitar o organismo. Mais uma razão a desaconselhar a modificação proposta.
III Conclusões
25. A Câmara Corporativa, tendo em. atenção as considerações produzidas no decorrer deste parecer, entende ser de aprovar o projecto de proposta de lei n.º 510, salvo no que diz respeito às disposições quê lhe mereceram reparo no exame na especialidade que fez do mencionado projecto.
As sugestões da Câmara concretizam-se assim:
BASE I
A do projecto.
a) A do projecto.
b) Elaborar planos gerais para a colonização dos terrenos pertencentes a autarquias locais, dos que adquirir ou lhe forem entregues pelo Estado, e bem assim do» beneficiados e a beneficiar pelas obras de fomento hidroagrícola, os quais devem abranger não só as superfícies dominadas pela rega, como os terrenos confinantes que se julguem necessários à criação das novas explorações agrícolas, considerando o seu equilíbrio no que respeita a regadio e sequeiro.
c) A do projecto.
d) Propõe-se uma nova alínea d), com a seguinte redacção:
Elaborar e propor para aprovação superior, ((liando excepcionais circunstâncias de ordem social o aconselhem, os planos de colonização dos terrenos de sequeiro situados junto dos agregados populacionais, na medida em que sejam necessários para facultar aos seus habitantes a construção de casas, com suas glebas complementares.
BASE II
A do projecto.
a) A do projecto.
b) A do projecto.
c) A do projecto.
d) A do projecto.
2. O n.º 2 do projecto com supressão de a referente a cada perímetro».
a) A alínea a) do projecto com supressão «do perímetro».
b) A do projecto.
c) A do projecto.
d) Suprimida.
3. Para o efeito da elaboração dos planos referidos no n.º l desta base, os serviços competentes dos Ministérios das Obras Públicas, das Corporações e Previdência Social e da Economia serão sempre ouvidos e prestarão à Junta de Colonização Interna a colaboração que se tornar necessária.
4. Suprimido.
5. Os planos gerais serão aprovados pelo Conselho de Ministros, depois de ouvida a Câmara Corporativa.
BASE III
1. O n.º l do projecto com a supressão das palavras com indicação dos perímetros respectivos».
2. A do projecto.
BASE IV
1. A do projecto.
2. Independentemente dos elementos que vierem a ser estabelecidos no respectivo regulamento, do projecto de colonização constará:
a) O estudo do aproveitamento existente e dos índices de intensificação, devendo sobre estes ser ouvida a respectiva associação de regantes.
b) A do projecto.
c) Ou planos de electrificação e da industrialização e comercialização d u* produtos agrícolas.
d) A do projecto.
e) A do projecto.
f) A do projecto.
g) A do projecto.
h) A do projecto.
i) A do projecto.
3. A do projecto.
a) A do projecto.
b) A do projecto.
c) Distribuição às autarquias locais e às Casas do Povo e suas federações, ou para fins de carácter cultural, espiritual, social, económico e desportivo.
4. A do projecto.
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Base V
Suprimida
Base VI
Passa a v.
1. A do projecto.
2. A do projecto.
3. Deverão ser construídos os edifícios necessários à instalação de serviços de assistência técnica, assistência médica e social, escolas e outros melhoramentos indispensáveis ao bem-estar social e espiritual é aã progresso 'dos novos núcleos populacionais.
Os serviços de assistência técnica deverão manter explorações piloto instaladas em casais agrícolas.
BASE VII
Passa a VI.
1. Os terrenos, edifícios e quaisquer direitos a eles inerentes, situados nas áreas consideradas na alínea b) da base i, poderão ser expropriados por utilidade pública, na medida em que sejam necessários à execução dos projectos de colonização aprovados, mas os prédios rústicos que sejam explorados de forma que se atinjam os índices de intensificação cultural previstos nos projectos não poderão ser expropriados nem utilizados para colonização.
2. O Governo pode declarar de utilidade pública a. expropriação dos terrenos a que se refere a alínea d) da base I
Base VIII
Eliminada
BASE IX
Passa a VII
1. É criado um Fundo de Fomento da Cooperação Rural, que gozará de autonomia administrativa e financeira e será constituído, além de outras receitas, por força de dotações orçamentais a inscrever anualmente no orçamento da Secretaria de Estado da Agricultura. O Fundo será gerido pelo conselho administrativo da Junta de Colonização Interna, que o destinará exclusivamente à concessão de crédito para instalação e funcionamento de cooperativas com sede em aldeamentos construídos peja mesma Junta e cuja área cie acção será por esta delimitada.
2. Eliminado.
3. As Casas do Povo poderão beneficiar da concessão de créditos sempre que exerçam as funções previstas na parte final do n.º l desta base.
BASE X
Passa VIII
1. A do projecto.
2. A do projecto.
3. A do projecto.
BASE XI
Passa, a IX.
A base XI do projecto suprimindo as palavras que passará a denominar-se Instituto d« Fomento Agrário».
26. Nestes termos, a Câmara Corporativa, procurando manter-se dentro da ordenação da proposta do Governo, propõe para esta a seguinte redacção:
BASE I
Com vista ,à correcção da estrutura agrária e melhoria do nível de vida das populações rurais, compete à Junta de Colonização Interna, em matéria de colonização:
a) Efectuar o estudo das possibilidades de colonização dos terrenos pertencentes a autarquias locais, dos que adquirir ou lhe forem entregues pelo Estado, dos beneficiados e a beneficiar pelas obras de fomento hidroagrícola e o de todas as zonas onde se justifique a sua actuação no sentido de criar as condições necessárias para que a agricultura se reestruture e se adapte às exigências técnicas e sociais do desenvolvimento da economia portuguesa í
b) Elaborar planos gerais para a colonização dos .terrenos pertencentes a autarquias locais, dos que adquirir ou lhe forem entregues pelo Estado, e bem assim dos beneficiados e a beneficiar pelas obras de fomento hidroagrícola, os quais devem abranger não só as superfícies dominadas pela rega, como os terrenos confinantes quê se julguem necessários à criação das novas explorações agrícolas, considerando o seu equilíbrio no que respeita a regadio e sequeiro;
c) Elaborar e executar os projectos de colonização, de acordo com as directrizes constantes dos planos gerais aprovados;
d) Elaborar e propor para. aprovação superior, quando excepcionais circunstâncias de ordem social o aconselhem, os planos de colonização dos terrenos, de sequeiro situados junto dos . agregados 'populacionais, na medida em que . sejam necessários para facultar aos. seus habitantes a construção de casas com suas glebas complementares.
BASE II
1. Com os planos gerais de colonização procurar-se-á, especialmente:
a) Corrigir a estrutura agrária, pelo parcelamento e emparcelamento;
b) Planear as obras de melhoramento fundiário que possibilitem a correcção da estrutura agrária ou contribuam para a valorização da terra e do trabalho;
c) Preconizar as soluções do problema da habitação das populações rurais, de modo que as mesmas sejam as mais adequadas às características de cada região;
d) Planear a rede de comunicações necessária à valorização regional e escoamento dos produtos.
2. Do plano geral de colonização, além de outros elementos que se reconheçam necessários, constarão obrigatoriamente:
a)O estudo da situação económico social e a indicação das soluções gerais a adoptar no sentido da sua melhoria pela constituição de novas explorações agrícolas;
b) A relação das obras a realizar, períodos necessários à sua execução, estimativa do custo total do empreendimento, planos de financiamento é de reintegração dos capitais;
c) A previsão dos resultados de ordem económica, social e financeira da colonização;
3. Para o efeito da elaboração dos planos referidos no n.º l desta base, os serviços competentes dos Ministérios das Obras Públicas, das Corporações e Previdência Social e da Economia serão sempre ouvidos e prestarão à Junta de Colonização Interna a colaboração que se tornar necessária.
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4. Os planos gerais serão aprovados pelo Conselho de Ministros, depois de ouvida a Câmara Corporativa.
BASE III
1. Publicada no Diário do Governo a aprovação dos planos gerais, ficam proibidas as transmissões inter vivos de que resulte o parcelamento ou divisão dos prédios nele incluídos.
2. Esta proibição cessa, após a aprovação dos projectos referidos na base seguinte, para os prédios não incluídos nas zonas a parcelar ou a emparcelar.
BASE IV
1. Publicada a aprovação dos planos gerais, proceder-se-á à elaboração dos respectivos projectos de colonização, com observância do que dispõe o n.º 3 da base u em relação à elaboração dos planos gerais.
2. Independentemente dos elementos que vierem a ser estabelecidos no respectivo regulamento, do projecto de colonização constará:
a) O estudo do aproveitamento existente e dos índices de intensificação, devendo sobre estes ser ouvida a respectiva associação de regantes;
b) O projecto das obras de transformação fundiária a executar;
c) Os planos de electrificação e da industrialização e comercialização dos produtos agrícolas;
d) O estudo das possibilidades futuras e dos índices de intensificação, depois de realizados o projecto e os planos referidos. nas alíneas b) e c);
e) A. indicação das superfícies a colonizar, com delimitação das zonas destinadas a emparcelamento e a parcelamento,- e pormenores relativos às soluções preconizadas;
f) Os projectos das obras de interesse geral, tais t como estradas, caminhos vicinais, abastecimento de água, escolas, centros de assistência técnica, médica, social e outros necessários ao desenvolvimento económico e . bem-estar social e espiritual da zona;
g) O orçamento parcial de cada tipo de obra, com discriminação das verbas reintegráveis e não reintegráveis;
h) O escalonamento da execução das obras e respectivos prazos, com indicação dos organismos que nelas, superintenderão;
i) A previsão dos resultados económicos e sociais, planos de investimentos e de reintegração de capitais.
3. As superfícies a colonizar referidas na alínea e) podem ser destinadas a:
a) Instalação de explorações familiares que constituam unidades economicamente viáveis;
b) Constituição de glebas, com casa de habitação ou sem ela, subsidiárias do salário rural ou complementares de explorações que não atinjam a unidade económica;
c) Distribuição às autarquias locais e às Casas do Povo e suas federações, ou para fins de carácter cultural, espiritual, social, económico e desportivo.
4. Os projectos de colonização serão submetidos à aprovação do Governo.
BASE v
1. Para a instalação de casais agrícolas a Junta de Colonização Interna realizará as obras de melhoramento fundiário e as construções indispensáveis à mais económica e eficiente exploração dos terrenos que os constituem.
2. As obras de interesse geral, bem como as de interesse cultural, espiritual, social e desportivo, previstas nos projectos, constituirão encargo exclusivo do Justado; para a realização das de interesse individual, o Estado concederá comparticipações não reembolsáveis, variáveis consoante a natureza das mesmas, não podendo exceder o limite de 50 por cento do custo orçamentado.
3. Deverão ser construídos os edifícios necessários u instalação de serviços de assistência técnica, assistência médica e social, escolas e outros melhoramentos indispensáveis ao bem-estar social e espiritual e ao progresso dos novos núcleos populacionais.
Os serviços de assistência técnica deverão manter explorações piloto instaladas em casais agrícolas.
BASE VI
1. Os terrenos, edifícios e quaisquer direitos a eles inerentes situados nas áreas consideradas na alínea b) da base i poderão ser expropriados por utilidade pública, na medida em que sejam necessários à execução dos projectos de colonização aprovados, mas os prédios rústicos que sejam explorados de forma que se atinjam os índices de intensificação cultural previstos nos projectos não poderão ser expropriados nem utilizados para colonização.
2. O Governo pode declarar de utilidade pública a expropriação dos terrenos a que se refere a alínea d) da base I
BASE VII
1. É criado um Fundo de Fomento da Cooperação Rural, que gozará de autonomia administrativa e financeira e será constituído, além. de outras receitas,, por força de dotações orçamentais a inscrever anualmente no orçamento da Secretaria de Estado da Agricultura. O Fundo será gerido pelo conselho administrativo da Junta de Colonização Interna, que o destinará exclusivamente à concessão de crédito para instalação e funcionamento de cooperativas com sede em aldeamentos construídos pela mesma Junta e cuja área de acção será. por esta delimitada.
2. As Casas do POVO poderão beneficiar da concessão de créditos sempre que exerçam as funções previstas na parte final do n.º l desta base.
BASE VIII
1. A Junta de Colonização Interna instalará centros de preparação de colonos para o ultramar, nos quais deverão permanecer, .por períodos a estabelecer em regulamento, os candidatos a colonos, bem como os membros da família que devem acompanhá-los.
2. Os programas da instrução a ministrar aos candidatos a colonos para o ultramar, bem como o regime em que deverão permanecer nos centros' de preparação de colonos, constarão de regulamento a publicar em portaria do Ministério do Ultramar e da Secretaria de Estado da Agricultura.
3. O Secretário de Estado da Agricultura fica autorizado, sob proposta da Junta de Colonização. Interna, a subsidiar instituições particulares que se dediquem à preparação e educação profissional de rurais e que com ela possam colaborar na 'preparação de colonos,
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quer para o ultramar, quer para ocuparem aldeamentos instalados na metrópole.
BASE IX
Será reorganizada a Junta de Colonização Interna, a fim de dar cumprimento às novas tarefas que lhe foram atribuídas pelo II Plano de Fomento.
Palácio de 8. Bento, 24 de Março de 1960.
João Mota Pereira de Campos (com a declaração de que não subscrevo a orientação, perfilhada neste parecer expressa nas modificações introduzidas no articulado do projecto, de restringir a liberdade de acção que entendo dever ser concedida sem reservas ao Governo numa conjuntura em que se impõe actuar, com incisiva energia, em todo o território metropolitano, por forma a alcançar-se a produção de um efeito bem marcado na estrutura agrária nacional que importa corrigir sem tardança, em homenagem aos superiores interesses do País)
José Augusto Voz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva [votei, relativamente às zonas beneficiadas pelas obras hidroagrícolas , que ao Estado se reconhecesse a faculdade de expropriar os terrenos necessários à execução de projectos de colonização, como se prevê na base vil da proposta de lei, com a ressalva do disposto no n.º 2 dessa base e na alínea a) do n.º 2 da base n, por não me convencer o argumento de que a expropriação seria, em tal caso, contrária ao direito da propriedade, e antes me parecer que ela pode ser indispensável para a consecução dos fins superiores a que se destina a hidráulica agrícola. E, porque a questão é delicada e grave, permita-se que aqui deixe expresso, com algum pormenor, os fundamentos deste voto.
1) A propriedade é, decerto, imposta pelo direito natural, não, porém, em razão da mera utilidade material das coisas tomada como valor absoluto, mas sim em virtude de a disponibilidade e o uso exclusivo de bens exteriores ser , garantia imprescindível da realização da personalidade humana.
O homem é um ente racional e livre destinado a fins superiores é transcendentes que tem de atingir pelo esforço e mérito próprios e, portanto, autonomamente; mas não contém em si mesmo todas as condições necessários para alcançar esses fins e, pelo contrário, concebe a cada passo finalidades intermédias que ultrapassam enormemente as suas força naturais - o drama e, ao mesmo tempo, a grandeza do homem residem, precisamente, em grande parte, nesta desproporção entre . as alturas a que o eleva o espírito e as minguadas possibilidades que lhe oferecem as suas faculdades físicas.
Pela inteligência e pela vontade é dado ao homem, todavia, aproveitar os bens exteriores como meios para conseguir aquilo que por si não 'pode produzir e transformá-los, por conseguinte, em verdadeira ampliação e complemento da personalidade própria. E como aquelas finalidades intermédias não se restrigem às necessidades imediatas, antes se escalonam no tempo e abrangem as necessidades futuras da família, e como o homem, para agir autonomamente, precisa de traçar ele próprio os seus rumos e ter a segurança de dispor dos meios necessários para atingir o objectivo visado, tem de fazer seus certos bens materiais determinados e possuir a certeza de os utilizar quando e como quiser. Nisto consiste a propriedade.
Esta é, portanto, condição imprescindível da livre autuação da personalidade e da dignidade do viver próprio do homem. Sem ela será mero joguete das circunstâncias e cairá forçosamente na dependência daqueles que lhe possam prover às necessidades instantes da vida; a falta da propriedade é, por isso, causa de aviltamento e de revolta, que verdadeiramente poderá fazer do homem lobo para com o homem: na frase célebre que serviu de leitmotin a Wevridge para a defesa dos seus planos de segurança social, «a miséria gera o medo e o medo gera o ódio».
Se tal é, pois, o fundamento da' propriedade, facilmente se compreende que ela não é imposta pela natureza apenas enquanto se apresente como direito já subjectivado em relação a certos bens, como direito adquirido, antes é exigida também, ainda numa fase anterior, como possibilidade real e efectiva de se adquirirem os bens necessários para a vida condigna. "Não basta ao homem dispor e usar livremente dos bens adquiridos: é mister, antes de mais, que tenha a possibilidade de adquirir esses bens e lhe esteja, portanto, assegurado o acesso à propriedade. "É, acima de tudo, vista assim como direito de apropriação que o Código Civil encara a propriedade como direito originário ou resultante da natureza humana, conforme se infere dos artigos 359.º e 366.º
Não é suficiente, por conseguinte, garantir-se o direito de propriedade: é indispensável ainda assegurar-se como realidade efectiva, e não mera possibilidade teórica, o direito à propriedade. Reconheça-se e proteja-se, pois, o direito daqueles que adquiriram bens, mas organize-se também a sociedade por forma que, pela justa repartição da riqueza, todos estejam em condições reais de ascender à propriedade.
Num e noutra aspecto, porém, a propriedade não tem simples finalidades egoístas. Dissemos que ela se destina a garantir a independência as pessoas na realização de seus fins superiores, e entre estes conta-se, por natureza, a actuação do bem alheio, o cumprimento do dever fundamental de amar o próximo e de lhe proporcionar todo o bem possível. Por isso, na doutrina social católica sempre se distinguiu entre a posse e o uso que o proprietário faz do seu direito.
A propriedade é de direito natural diz-nos Leão XIII na Encíclica Rerunh Novarum - e o uso dela é não só legítimo, mas necessário. Em que consiste, todavia, esse uso? A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim. por comuns; de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. E por isso que o Apóstolo disse: «Ordena aos ricos do século ... dar facilmente, comunicar as suas riquezas».
Ninguém certamente é obrigado, a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do quê as conveniências ou decência impõem à sua pessoa. Ninguém com efeito deve viver contrariamente às conveniências. Mas, desde que haja
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suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres. (In A Igreja e a Questão Social, 1945, União Gráfica, Lisboa, p. 47)».
A propriedade é um direito exclusivo que existe para garantir autonomia humana. Mas tem por fim, como se vê, a consecução do bem comum, porque essa autonomia não se destina ao deleite egoísta de cada homem, mas sim a permitir-lhe que, com responsabilidade e com mérito, atinja o bem, do qual é condição essencial concorrer com todas as suas forças para a realização e a felicidade dos seus semelhantes. Neste sentido se diz que o proprietário é simples depositário dos seus bens, e afirmam as nossas leis que a propriedade desempenha uma função social.
2) Destinada assim a realizar o bem comum pela actuação autónoma de cada homem, a propriedade não pode ser suprimida nem esvaziada de conteúdo pela sociedade em que este se encontra enquadrado.
Todavia, aqueles a .quem incumbe velar por esse bem comum não podem sei- indiferentes u fornia por que a propriedade se encontra jurídica e economicamente estruturada e ao uso que lhe é dado pelos seus titulares; pelo contrário/na medida em que estes não possam ou não queiram tirar da propriedade as vantagens indispensáveis à comunidade, devem os Poderes Públicos, no exercício da sua função supletiva, intervir para corrigir e remediar as deficiências daí resultantes.
Tal é a origem das limitações e encargos que podem pesar sobre a propriedade.
Por uma parte pode a lei estabelecei- normas sobre a forma de adquirir e usar a propriedade. Neste particular ainda nos encontramos perante a utilização directa das coisas pelo proprietário, e apenas se lhe demarca a actividade, procurando encaminhá-la para o bem comum.
Por outra parte, o proprietário deve aplicar uma parcela dos rendimentos extraídos dos seus bens em sustentar aquelas actividades de interesse, comum que só podem ser exercidas pela própria colectividade; é esta outra limitação de propriedade que se traduz no imposto. Neste aspecto o proprietário é despojado de parte dos seus bens, sem qualquer contrapartida; mas j porque se trata de um contributo para o bem comum, directamente resultante da relação deste com a propriedade, deve ser' distribuído por todos os proprietários em harmonia com o- justiça distributiva e social.
Finalmente, pode acontecer que, pelo carácter limitado dos bens materiais, certas coisas que se encontram no domínio privado sejam indispensáveis para a realização do bem colectivo. Neste caso é legítimo que a sociedade exija aos possuidores de tais bens que lhos cedam para serem aplicados a objectivos de interesse comum. A privação desses bens é nova fornia de contributo exigido ao proprietário, mas o sacrifício que ela representa não pode recair apenas sobre este, visto não haver qualquer relação especial entre esse proprietário e o fim que se tem em vista; por isso esse contributo já não pode ser gratuito, antes implica o pagamento do justo valor dos bens e de outros prejuízos sofridos, por forma que o encargo respectivo venha, através do imposto, a difundir-se por toda n comunidade interessada; é assim que surge a expropriação por utilidade pública, condicionada pela justa indemnização do proprietário.
Para a expropriação sei- legítima é necessário que, na realidade, o fim demandado seja superior àqueles interesses que por ela são sacrificados; não bastaria o sacrifício imposto a uns para simples bem privado de outros, por forma que apenas se procedesse a simples inversão de situações ou condições dos vários homens, sem real ampliação do bem comum.
A expropriação há-de implicar portanto um fim de utilidade pública suficientemente merecedor de protecção e de sacrifício por parte dos membros da sociedade, e, por outro lado, o pagamento da indemnização justa.
A regulamentação da aquisição e do nosso da propriedade, o imposto e a expropriação por utilidade pública são restrições da propriedade que, necessariamente, devem ter o carácter de excepcionais, pois assentam na função supletiva dos Poderes Públicos e nunca podem ser tão amplas que, sequer no aspecto prático, eliminem a propriedade ou a esvaziem de conteúdo. Mas, guardados estes limites e utilizadas com fim legítimo, enquadram-se plenamente na natureza daquele direito, pois "todas são meio de contribuir para que o -proprietário exerça, na realidade, a sua missão social, em prol do bem comum.
3. Quando se contempla a agricultura no nosso país, verifica-se que, em certas regiões, a terra se acha reunida em grandes latifúndios aplicados a culturas cujo rendimento é inferior às necessidades e que exigem o recurso a grande número de trabalhadores assalariados.
Resulta este mal muito menos da culpa do conjunto dos proprietários do que das próprias condições espontâneas da natureza, que só permitem culturas extensivas em regime de sequeiro e que por isso só são praticáveis em grandes unidades económicas e com o apoio de crédito ou capital avultado. Daí a concentração da propriedade e a necessidade de fixar na terra numerosíssimos trabalhadores assalariados, com remunerações médias muito exíguas e emprego instável.
Para se sair desta situação têm-se apresentado, como principal correctivo das condições naturais, as obras de fomento hidroagrícola, as quais permitiriam cultivar a terra por forma intensiva e mais remuneradora e, a par disto, tornam necessária a assistência mais efectiva por parte do proprietário e por tal motivo, conduzem naturalmente à necessidade de limitar as dimensões de cada empresa agrícola.
Por este modo, a hidráulica agrícola parece constituir remédio, simultaneamente, contra os dois males acima apontados, e por isso as leis que se lhe referem têm colocado sempre ao lado do objectivo de intensificar o rendimento da agricultura o de dividir a propriedade e fomentar a colonização interna. E por este modo se atingiriam dois aspectos primordiais da propriedade: o acesso de maior número de pessoas à condição de proprietários e o fomento da riqueza comum.
Tal é motivo por que logo na Lei n.º 1949, de 15 de Fevereiro de 1937, se previu, na base XIV , a faculdade de expropriação para o fim de parcelamento das terras. E a Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952, que aprovou o I Plano de Fomento, estabeleceu, na base vi, que, antes de se proceder a novos empreendimen-
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tos hidroagrícolas, seria revisto o regime da colonização internarem cumprimento deste preceito foi promulgada a Lei n.º 2072, de 18 de Junho de 1954, a qual se tomou obrigatório, para os proprietários de terrenos irrigados, o parcelamento destes em casais distintos e a cedência de parte desses casais a nutrem, por aforamento, arrendamento ou parceria agrícola, e se previu a expropriação como providência complementar. Finalmente, a Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, que aprovou o II Plano de Fomento, preceituou, na base X, que a execução das obras e hidráulica agrícola ficaria dependente da revisão do regime jurídico de exploração e amortização das obras s de colonização interna. Em todos estes diplomas se associou a colonização interna às obras de fomento hidroagrícola; pelo contrário, a orientação agora aprovada por maioria na Câmara Corporativa admite que os proprietários reservem para si toda a terra irrigada e só permite a expropriação, para fins de colonização interna, no caso de aqueles não atingirem nas suas culturas os índices de rendimento fixados para cada hipótese.
4. Por esta orientação, a hidráulica agrícola passou a ter como objectivo imediato e quiçá exclusivo o fomento da produtividade da propriedade rural.
Não nos parece aceitável esta orientação.
Intensificar-se o rendimento da agricultura é, de certo, um objectivo desejável e de interesse geral. Mas não pode esquecer-se que são os proprietários que beneficiam directamente com ele, e, tendo em vista o elevado custo das obras (que, pelo imposto, vem a recair sobre a restante população) e as expropriações impostas aos proprietários dos terrenos alagados ou necessários para as instalações de rega - os quais nem sequer participam na mais-valia conferida aos beneficiários -, parece-nos muito, discutível se esta vantagem que imediatamente apenas beneficia os particulares e aquela que indirectamente pode resultar para a sociedade serão suficientemente justificadas perante os princípios atrás defendidos acerca da propriedade.
Por outro lado, segundo técnicos competentes, a propriedade latifundiária não pode ser exploraria, em regime de regadio, em termos de prestar todo o rendimento possível, e a prática já o tem demonstrado em alguns casos. E ainda que se admita a hipótese de vir a ser aplicada a expropriação como penalidade - o que nos parece muito pouco provável -, sempre se verificaria um atraso muito danoso na resolução de um problema que, mesmo do ponto de vista económico, reclama resolução urgentíssima.
Mas queremos, sobretudo, acentuar que nos parece inteiramente desaconselharei o abandono da colonização como objectivo directo da hidráulica agrícola.
E para todos notória a situação gravíssima das multidões de assalariados da agricultura, sujeitos a nível de vida baixíssimo e a condição social e moral extremamente grave -disso são exemplo típico os conhecidos ranchos do arroz - e reduzidos a situação de proletários, sem efectiva possibilidade de ascender a propriedade. A estes males alia-se, do ponto de vista da colectividade, o desperdício de muitos milhares de braços que podiam ser aplicados em outras actividades mais produtivas, se o regime da exploração permitisse diminuir o número de assalariados. Situação grave e injusta, pois, como se acentuou, a propriedade deve desempenhar uma função social, e não o faz quando reduz milhares de pessoas à condição de proletários e deixa de produzir o rendimento económico reclamado pelo bem comum. E o acesso à propriedade é um direito natural do homem, direito que é violado quando, pela concentração exagerada da propriedade, a terra se torna de tal modo cara que só grandes capitalistas a podem alcançar.
E não se afirme ser injusto privar um proprietário das suas terras para as distribuir por outros. Além de se permitir a cada proprietário reservar uma parcela, talvez quase tão produtiva, depois das obras de irrigação, como o era o conjunto anteriormente, e de se proibir a expropriação dos terrenos cultivados por forma a produzirem um máximo de rendimento, trata-se de aumentar sensivelmente o número de proprietários e de, através da multiplicação de empresas agrícolas de trabalho intensivo, atrair muitas outras actividades complementares e fomentar, polo exemplo e pela concorrência, a melhoria das demais propriedades. Isto se conseguiria mediante a justa indemnização do proprietário, na qual, em nosso parecer, se deveria incluir certa participação na mais-valia dos terrenos irrigados, por isso que a propriedade tem um valor intrínseco sem o qual não poderiam fazer-se as próprias obras de hidráulica agrícola.
A colonização interna operada pela distribuição de terras irrigadas constituiria assim um importante correctivo de males graves de ordem económica e social e, ao mesmo tempo, um incentivo paru o melhor aproveitamento da riqueza nacional.
E que esses objectivos são justos e importantíssimos, melhor do que ninguém o disseram dois grandes pontífices: Leão XIII e Pio XI.
Escreveu o primeiro, na encíclica Rerum Novarum (loc. cit., pp. 67 e 68):
«Já vimos que a presente questão não podia receber solução verdadeiramente eficaz, se se não começasse por estabelecer como princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade particular.
Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito de propriedade, o reanimem e desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares. Uma vez obtido este resultado, seria ele a fonte dos mais preciosos benefícios e, em primeiro lugar, de uma repartição dos bens certamente mais equitativa.
A violência das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes e cavou entre elas um imenso abismo. De um lado, a omnipotência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, torce o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais, facção que, aliás, tem na sua mão mais de um motor da administração pública. Do outro, a fraqueza, na indigência: uma multidão com a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem.
Ah! Estimule-se a industriosa actividade do povo com a perspectiva da sua participação na propriedade do solo e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria e operar-se a aproximação das duas classes.
Demais, a terra produzirá tudo em maior abundância, pois o homem é assim feito: o pen-
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samento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não só o estritamente necessáaio, mas ainda uma certa abastança. Nào há quem nào descubra sem esforço os efeitos desta duplicação da actividade sobre a fecundidade da terra e sobre a riqueza das nações».
E Pio XI proclamou na encíclica Quadra-gésimo Anno (loc. cit., p. 157):
" ... desde que as artes mecânicas e a indústria moderna em pouquíssimo invadiram com-pletamente e dominaram regiões inumeráveis, tantas as terras chamadas novas, como os reinos do remoto Oriente cultivados já na antiguidade, cresceu sem medida o número dos proletários pobres, cujos gritos bradam aos céus. Acresço o ingente exército dos jornaleiros relegados à ínfima condição e sem a mínima esperança de se verem jamais senhores de um pedaço de terra: se não se empregam remédios oportunos e eficazes, ficarão perpetuamente na condição de proletários.
É verdade que a condição proletária não se deve confundir com o pauperismo; contudo, basta o facto de a multidão dos proletários ser imensa, enquanto as grandes fortunas se acumu lam nas mãos de poucos ricos, para provar à evidência que as riquezas, produzidas em tanta abundância neste nosso século de industrialismo, não estão bem distribuídas pelas diversas classes da sociedade.»
A colonização interna, remédio directo para este mal, fomento de novas utilidades e riqueza, pelo desdobramento das empresas agrícolas, e incentivo da transformação do regime de outras terras, pelo efeito do exemplo e da concorrência económica, parece-nos ser objectivo de primordial importância que amplamente justifica os encargos das obras hidroagrícolas e as expropriações impostas aos proprietários dos terrenos -sacrificados por essas obras.
Tudo isto se abandonou pelo sistema votado na Câmara e apenas se prevê a colonização no caso de a cultura nào atingir, dentro de um prazo determinado, os índices de produtividade previstos para cada hipótese. Assim se protela a solução de um problema urgentíssimo e — o que é mais grave — estabele-se uma condição que antecipadamente se sabe ser quase impossível, em virtude de a grande propriedade nào permitir alcançarem-se aqueles índices; e é óbvio que, a verificar-se a deficiência da exploração, os proprietários nào deixarão de usar de todos os argumentos para se eximirem das culpas e de mover todas as influências para se subtraírem ao rigor da lei. Mesmo, porém, que se chegue à expropriação — aplicada então como penalidade imposta por uma falta que os proprietários não poderão evitar, o que tudo constitui grave desvio do próprio instituto —, o unis que se conseguirá é estabelecer casais agrícolas sobre as ruínas da exploração empreendida pelos proprietários, e, portanto, em péssimas condições psicológicas, económicas e técnicas.
Demais, é para nós incompreensível que só aceitem como bons e naturais os encargos e expropriações acima mencionados para benefício directo de outros proprietários e pôr forma que a sociedade só colherá vantagens das obras através deles e na estrita medida da sua vontade e capacidade e se condene como «socialismo» o fomentar-se o acesso à propriedade quando ele é uma imposição grave da própria natureza. E nào menos incompreensível se nos afigura que se aceitem, como coisas naturais, as numerosíssimas limitações à. propriedade urbana, as expropriações, a baixíssimo preço, de terras destinadas à instalação de fábricas, .de hotéis de turismo e de ... campos de jogos o se repudiem estas, que se prevêem na proposta do Governo com o fim de tirar da situação do proletários muitos homens válidos e de se lhos proporcionar a forma de contribuírem, pelo seu trabalho, para melhorar a condição das próprias famílias e aumentar o rendimento nacional.
Condena-se aquele «socialismo» em nome dos princípios cristãos que infundem as nossas leis. Mas nunca deve esquecer-se que, em obediência até a um princípio elementar de direito, quem pretende os cómodos de uma coisa deve suportar-lhe os incómodos e que, aqui, na defesa justíssima do direito de propriedade iluminada por aqueles princípios, os incómodos estão nas restrições impostas a esse direito, e nomeadamente na necessidade da justa repartição da riqueza, pelo acesso legítimo de maior número de homens — mas acesso real o efectivo — à condição de proprietários]. António Jorge Martins da Motta Veiga. Eugénio Queirós de Castro Caladas ('justifico o meu voto de vencido pela forma seguinte:
1) A proposta do Governo tem de ser interpretada como constituindo um dos instrumentos jurídicos indispensáveis para tornar possível a execução do II Plano de Fomento no que se refere à reorganização agrária e à hidráulica agrícola.
Nos termos da base x da Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de l938, que aprova o Plano de Fomento, a revisão do regime jurídico da colonização interna tem de preceder o início do programa de obras de fomento hidroagrícola estabelecido para o sexénio de l959-1964. Esta circunstância parece significar que se pretende nào perder a oportunidade da realização de obras de hidráulica agrícola para preencher a exigência de política económica e social em face dos vícios da estrutura agrária, largamente reconhecidos nos trabalhos preparatórios do Plano de Fomento. No mesmo esquema de política econónica e social figuram os projectos referentes ao emparcelamento e ao arrendamento da propriedade rústica, simultâneamente submetidos à apreciação da Câmara Corporativa.
Embora discorde da técnica usada de reduzir um problema complexo a disposições genéricas, presto homenagem ao espírito que informa a proposta que deu origem ao presente parecer. Nas suas linhas gerais o projecto de proposta de lei contém disposições que bem poderiam abrir melhor futuro para a população agrícola portuguesa, gravemente afectada no seu nível de vida pelas condições estruturais que ensombram o seu futuro, dado o gravíssimo predomínio de assalariados em situação de subemprego o desemprego estacional ou periódico e a importância do grupo de pequenos empresários familiares sofrendo também de subemprego nas explorações agrícolas de dimensão económica deficiente.
Além de abordar o problema social da agricultura, a proposta do Governo contém medidas fun-
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(lamentais para se conseguir acelerar o crescimento económico português através de adequadas providencias de reorganização, agrária previstas no II Plano de Fomento, que condicionam a expansão de outros sectores da economia e da vida social no âmbito das interdependências.
Entendo que a proposta do Governo não foi submetida a análise suficientemente esclarecedora e tào minuciosa quanto o problema a que dix respeito em boa verdade merecia.
A finalidade de política social de medidas propostas, tendo em vista a reorganização agrária, apenas foi aceite pela Câmara para conseguir a criação de glebas junto de aldeamentos rodeados de grande propriedade. Reconheço que a possibilidade conferida à Junta de Colonização Interna de expropriar terrenos nestes casos nunca virá a modificar a essência dos vícios da nossa estrutura agrária, podendo mesmo agravar os desequilíbrios ao serem criados mais microfúndios no momento em que os países que dispõem de agricultura evoluída tentam, por todos os meios, eliminar as empresas sem viabilidade económica da essência das suas estruturas. Se pode reconhecer-se algum mérito social à medida em referência, não é legítimo, no entanto, aceitá-la como o próprio esquema de reorganização agrária, adaptado a imperativos de política económica e mesmo social na agricultura.
2) Relativamente às zonas beneficiadas pelas obras de fomento hidroagrícola, deixa o parecer claramente expresso que a expropriação pura correcção de estrutura apenas será de aceitar na hipótese de os proprietários não reservarem a totalidade das terras beneficiadas ou, reservando-as, não utilizarem a água de rega ou não realizarem «uma exploração adequada», conforme dispõe o artigo 77.º do Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, que estabeleceu o regime jurídico da hidráulica agrícola.
Isto significa que o parecer da Câmara Corporativa perfilha, ao contrário da proposta do Governo, dois pontos de vista que interessa destacar e com os quais não posso estar de acordo:
a) Sendo evidente que as obras de fomento hi-droagrícola dão origem a um investimento público que, de acordo com o novo regime jurídico, é reembolsado apenas em «50 por cento do custo total suportado pelo Estado, sem juros e num prazo de 50 anos», aceita-se que constituem problema de predominante interesse privado para os proprietários beneficiados. Não se procura tirar partido social desse investimento, nem do facto de o subsidiar largamente, nem do regime muito excepcional de amortização da parte a reembolsar, criando as condições para conseguir melhor repartição social da riqueza criada.
b) Aceita-se como razoável e justo que os proprietários beneficiados se apoderem integralmente da mais-valia resultante dos investimentos e da iniciativa do Estado, podendo mesmo aliená-la, vendendo ou arrendando os terrenos, tirando evidente proveito económico de circunstâncias em que não influíram. Esta posição doutrinária parece-me nova, uma vez que, em 1937, a base xiv da Lei n.º 1949 permitia «reduzir ao domínio privado do Estado, para colonização, as superfícies beneficiadas sempre que, «por motivos superiores de ordem económica e social, o Governo reconhecer a necessidade de modificar o regime de exploração, para seu parcelamento ou em parcelamento, mediante justa indemnização».
Em 1953 a base vi da lei que aprova o I Plano de Fomento previa, como a base x da lei do II Plano de Fomento, a revisão do regime jurídico da colonização interna, inscrevendo-se no programa de investimentos do I Plano 240 000 coutos para cobras de colonização nas áreas beneficiadas pelas obras de fomento hidroagrícola». Nesse sentido o Governo enviou, em 1954, à Assembleia Nacional a proposta de lei «da colonização nas áreas beneficiadas pelas obras do fomento hidroagrícola». que previa a expropriação de terrenos beneficiados e sequeiros confinantes, para colonização, garantindo-se, no entanto, aos proprietários uma reserva que só seria expropriada se a água de rega não fosse utilizada. Esta proposta foi grandemente modificada e deu origem à Lei n.º 2072. que impede a expropriação para colonização, mas admite o princípio do parcelamento fora da reserva, preceituando que a instalação dos colonos sé faça por inciativa dos proprietários, que teriam de recorrer ao arrendamento, parceria ou aforamento. A Lei n.° 2072 não foi aplicada, em resultado de o estudo a que se procedeu quanto às suas possibilidades ter mostrado ser inexequível. E o investimento previsto no I Plano de Fomento para colonização nas áreas beneficiadas não foi cumprido.
3) O grande, o fundamental desvio do presente parecer, em face da evolução dos conceitos de fomento hidroagrícola na legislação portuguesa, resulta des«e contestar agora que essas obras devam servir de base a uma política de reorganização agrária ou de correcção de estruturas que se enquadre em programas de desenvolvimento regional e nacional. Pretende-se que a adaptação estrutural só venha a ser processada quando se confirmar a falência das estruturas actuais, isto é. os pioprietários vão ser submetidos u dura prova de regar e de explorar os regadios «de forma adequada» e, se o não fizerem, serão expropriados. Será sobre as ruínas de iniciativas frustradas, talvez depois de erosionadas ou.de esterilizadas algumas terras, tornados inú-teis preciosos recursos de investimento privado ou de crédito, depois de consumidos prazos de tempo de fundamental importância para a adaptação dos recursos potenciais do País ao novo tipo de economia nacional e europeia onde procuramos integrar-nos; será depois de tudo isto que se recorrerá à expropriarão.
Recuso-me aceitar como defensável que seja justo aplicar sanções a quem não realiza o impossível. Tudo está em saber até que ponto é possível cumprir o que se pede aos regantes: «regar» e regar de «forma adequada», dispondo apenas de barragens e de canais. Uma obra de fomento hidroagrícola desdobra-se em fases sucessivas, de que a primeira não pode ter maior virtude do que ser o ponto de partida: a água dominando terra regável. Nas fases seguintes tem de recorrer-se a outros condicionalismos extremamente complexos, de entre os quais figura a técnica que mantém todos os equilíbrios biológicos necessários para garantir a explorarão agro-pecuária. E porque tudo tem de ser feito para enfrentar exigências concretas das actividades humanas, torna-se imperioso articular o quadro onde essas actividades se desenvolvam, caindo-se no âmbito das estruturas que condi-
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cionam o dimensionamento das explorações agrícolas, o equipamento e preparação profissional, o que constitui o quadro capaz de influir na produtividade do trabalho e na boa gestão das empresas.
4) Toda a doutrina exposta no parecer me parece inadequada como esquema de política económica para os regadios no momento em que se pretende acelerar o desenvolvimento económico do País, para que se adapte às dificuldades e às possibilidades do novo mercado europeu.
Como força inspiradora do processo de transformação do sequeiro em regadio existe, com é óbvio, o mercado. Não resta dúvida que o mercado interno apresenta potencialidades e exigências já concretizadas, a que a estrutura da nossa produção agrícola não pode corresponder. O acréscimo do nível de vida previsto no II Plano de Fomento deverá estimular a procura de produtos que somente o regadio bem estruturado pode proporcionar em condições económicas. Por outro, lado, se a estruturação nos regadios for conduzida no sentido de melhorar a situação dos assalariados rurais, que nas regiões abrangidas pelo plano de rega constituem a esmagadora maioria da população activa, elevando os mais aptos à categoria de empresários, ter-se-ão criado os indispensáveis pólos de desenvolvimento regional. E não resta dúvida de que a estrutura agrária nos regadios do Sul constitui um limiar intransponível para todos os esforços de uma política de modernização da agricultura e de crescimento económico.
As perspectivas oferecidas pelo mercado externo, que na política económica do II Plano de Fomento figuram como objectivo vital, obrigam à estruturação de sistemas de produção orientados no sentido de produzir a baixo custo em condições competitivas. Isto impõe fatalmente uma reorganização agrária, visto que a inadaptação das estruturas aos modernos métodos de produção - racionalização do trabalho, mecanização, especialização Cultural - constituem um «gargalo de estrangulamento» para a expansão regional.
Em face da tendência dos novos regadios para o recurso quase exclusivo à cultura do arroz e em certos casos, do milho, estabelecem-se críticas à política de preços, que não permite outras especulações. A questão está em saber até que ponto uma política de preço» consegue suprir defeitos de estrutura. Que uma política favorável de certos preços -como os do arroz- consolida certo tipo de estrutura, é questão mais do que evidente e temos de tudo isso larga experiência. Mas dependera do Governo, para além do que possa conseguir em acordos internacionais, todo o preço que corresponde às colações no mercado externo? Poderá o Governo, de quem a iniciativa privada nos novos regadios reclama insistentemente intervenção, endossar ao consumidor o encargo de um arranque nos regadios feito à base de produtos tradicionais? Não pudera esse arranque destruir equilíbrios existentes nos regadios antigos?
O mercado externo é só em muito pequena parte um problema do Governo. Depende aviais das nossas estruturas e da iniciativa dos agricultores. Podem o Governo negociar, nas mesas onde se elaboram e discutem os tratados, produções que não existem? Produções que não existem e que bem poderiam existir se a nossa agricultura fosse diferente do que é.
5) Toda a experiência mundial em matéria de regadio mostra insofismavelmente que se não pode obter a intensificação desejável sem que previamente se proceda à criação de uma estrutura capaz de acolher todos os recursos da técnica e da organização indispensáveis para montar um bom sistema de regadio.
Em toda a parte - e são particularmente elucidativos os exemplos da Espanha, Itália e América do Norte - as obras que hão-de permitir a instalação de empresas familiares e os capitais que têm de facultar-se aos novos empresários são de tal forma avultados que tornam o empreendimento incompatível com os recursos, e até com o interesse, dos proprietários.
Daqui a inadequação da Lei n.º 2072, que foi entendido dever ser revista. Esta lei não atendia aos problemas técnicos e humanos que estão na base da instalação de empresas familiares e que tornam o empreendimento irrealizável pelos proprietários, que, muito legitimamente, desejam auferir lucros compensadores e imediatos para os investimentos.
A colonização não é negócio que possa interessar os proprietários e exige, para ser levada a bom termo, muita fé, muita dedicação, muito bom senso e muito apoio da entidade que terá de recrutar e acompanhar a vida dos colonos.
Tudo continua a ser tal como foi sempre, no tempo dos reis povoadores e dos monges agrónomos de Alcobaça: não pode nem deve exigir--se de proprietários dominados pela ideia de que a propriedade lhes confere o direito de conduzirem tudo pelos seus interesses privados, além de sacrifícios financeiros, uma dedicação total a uma obra que, embora de interesse nacional, os não beneficia mais do que à generalidade dos portugueses.
Com base nas disposições da Lei n.º 2072 nada se realizou, por impraticável, tal como havia sucedido noutros países com disposições semelhantes. E quando a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional aceitaram a doutrina constante da base X do II Plano de Fomento não estava, decerto, no seu pensamento que essa revisão se fizesse no sentido de arrepiar caminho e fixar orientação que representa um retrocesso em relação aos regimes jurídicos de 1954 e mesmo de 1937.
6) Portugal aderiu à Convenção da Associação Europeia do Comércio Livre. Teremos de adaptar-nos às consequências dessa adesão para explorar com êxito as perspectivas que o acordo oferece.
No momento em que a Câmara Corporativa sugere alterações à proposta que, em minha opinião, equivalem a uma recusa ao Governo de um dos fundamentais instrumentos jurídicos para execução do esquema de política económica e social, na agricultura, consignado no II Plano de Fomento, sinto a gravidade da decisão e assino vencido o parecer onde ela fica expressa ou implícita).
Francisco Pereira de Moura (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Eugênio de Queirós de Castro Caldas; mas sobre alguns aspectos, daqueles que mais particularmente prenderam a minha atenção e determinaram as
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atitudes assumidas nas longas e densas discussões havidas na Câmara, entendo dever juntar uma palavra:
Assino, vencido quanto a um ponto que considero essencial, o da imposição de um limite superior par» a área :i .reservar pelos proprietários nas zonas sujeitas á obras de hidráulica agrícola, limite esse que o Governo propunha fosse de 100 ha na base II, § 2.º, alínea d), do projecto. Pois a anulação desta cláusula aparece-me como um total cerceamento prático à política de fixação de colonos; mau dou as razões desta minha convicção.
Existe no País um gravíssimo problema social e económico, que é o das deficiências de estrutura agrária; e olhando particularmente à grande região a lente j a u», esses vícios de estrutura traduzem-se por baixos salários, instabilidade de emprego e elevadíssimo grau de proletarização para os trabalhadores rurais, a par de grande concentração da propriedade, muitas vezes aliada a absentismo ou a formas recentes de capitalismo agrário. Ora se é certo que este problema anda desde Lá decénios a preocupar o pensamento e acção dos Portugueses, só nos nossos dias se tornou evidente -e assim q ensinam os técnicos de agronomia, aliás, fundando-se nas experiências de tantos outro» países- que é problema susceptível de solução, aparecendo como ultrapassadas ns concepções fatalistas da terra pobre e sem água a impôr uma cultura extensiva, portanto com o aludido cortejo de inevitáveis malefícios sociais. Mas ao mesmo tempo que se aponta solução, também se considera indispensável a correspondente aplicação, sob pena de ficar entravado todo o processo de crescimento económico em que o País anda vivamente empenhado. Estes, pois, os pontos básicos do argumento: gravidade e premência da questão social-ecónómica do «agros» latifundiário do Alentejo, possibilidade técnica de a resolver.
Os objectivos a atingir na solução desdobram-se em dois planos: um eminentemente social, o acesso à propriedade pára muitas famílias de assalariados rurais, designadamente de outras regiões do País sujeitas a tremenda pressão, demográfica sobre uma terra pobre e escassa, e outro, mais declaradamente económico, consistindo em criar condições de meio para que possam subsistir propriedades e explorações mais pequenas do que as actuais em razoável nível técnico e com boa produtividade. Sempre será defeituosa a política que atenda apenas ao progresso económico das explorações sem realizar fixação de gente à terra, como aquela outra acção colonizadora que não cuide de dar bases económicas às novos explorações. A hidráulica agrícola surge, assim, inseparável da colonização, tudo se traduzindo, no plano estrutural, por parcelamento da grande propriedade e reconversão cultural assentando na rega.
É altura de olhar às experiências alheias - e não se depara com orientação diferente da que ficou exposta nos países com problemas e condições semelhantes aos nossos. E é também oportuno relembrar a experiência portuguesa: por um lado, magníficas obras de hidráulica, que não foram, todavia, acompanhadas de um esforço paru reajustamento cultural e conduziram, por isso, à consolidação da grande propriedade sobre sistemas monoculturais de arroz e milho, com perigo para o equilíbrio económico de outras regiões, e, por outro lado, louváveis tentativas de colonização, mas erigidas sobre terra escassa e desprovida de um mínimo de aptidões agrícolas. Era esta desconexão que conviria evitar na nova arrancada.
Mas como preencher o duplo objectivo proposto ?
Uma primeira hipótese consistirá em realizar o Estado os aproveitamentos hidroagrícolas apenas em suas obras de engenharia civil, esperando que a água divida as terras segundo «uma lei natural». Ora nem há u certeza de se cumprir essa esperança, até porque sê não trata de nenhuma lei natural, bem podendo unia política de sustentação de preços agrícolas, por exemplo, fazer perdurar u estrutura latifundiária; como não se vê a razão de entregar aos vagares do acaso uma tarefa que se- reputa urgente e necessária quando se conhecem meios concretos para a levar a bom termo. Acresce que o tal jogo da «lei natural» significa a venda ou o arrendamento das terras irrigadas, portanto por bons preços e por vastos lucros para os proprietários dos antigos sequeiros, sem estes haverem contribuído para essa valorização, antes se limitando a aceitar beneficiações realizadas com os dinheiros públicos; há exemplos do caso mesmo entre nós, e vale a pena reparar que a esta nota de injustiça social se acrescenta outra, de ineficiência económica, quando pretenda fundar-se a colonização espontânea nessa terra muito cara para o colono. Em resumo: nem se colhem os benefícios sociais, nem se levam a seu termo as possibilidades económicas criadas com a rega.
A segunda hipótese, que tem sido proposta, corrige um defeito dos que se apontaram: entrega o Estado aos lavradoras, juntamente com as albufeiras e os canais de rega, um plano integral de aproveitamento económico - com culturas e produções taxativamente indicadas, ao mesmo tempo que os mercados assegurados, as fábricas montadas pana consumir os produtos industrializáveis, os preços garantidos, etc. Parece haver aqui certa dose de «socialismo», e não se vê como ficariam preenchidos os objectivos sociais propostos, a menos que do almejado plano constasse o confisco e redistribuição das terras!
Uma terceira solução poderá ser a do parecer da Câmara: efectuar as obras, de engenharia e deixar aos grandes proprietários a faculdade de reservarem para si toda a área que lhes pertence, sem qualquer limite; mas impor determinadas exigências na rentabilidade, abrindo-se o caminho da expropriação quando os indicadores fixados pelo Estado ao bom aproveitamento da terra não fossem atingidos. Foi opinião da Câmara que esta fórmula não diferia, essencialmente, em seus efeitos da outra que a seguir exponho, e que me aparece como a, única autêntica resposta ao problema; mas que se apresentaria. superior a ela na medida em que não levantava resistências, por os proprietários não sentirem directamente posto em causa o seu direito de propriedade, mediante uma expropriação. Ora, com todo o respeito pela opinião da Gamara, e realçando que foi manifestada a maior confiança na eficiência deste método, quer dizer, em que a grande propriedade; uma vez regada, forçosa-
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mente tenderá a dividir-se, por ser impossível atingir nela os índices de intensidade cultural que o Estado fixará e que será rigoroso a exigir: ainda assim não vejo como ficará preenchido o u objectivo social da colonizarão, que se transformou em mero «subproduto» da. melhoria de condições económicos. Parece-me, portanto, mais uma pseudo-solução.
Resta quarta hipótese, aquela que o próprio Governo propunha: dos planos de valorização agrária constariam obrais de engenharia, a par dos elementos necessários de reestruturação das explorações e de divisão da propriedade, mediante certa reserva de terras para o proprietário de sequeiro e expropriação da restante extensão a atribuir depois aos colonos. Mas como se elevam vozes contra esta política, e invocando lauto o direito de propriedade, como a feição não socializante da nossa organiza cão económica, uni e outro ponto, dado o seu melindro e ale certa característica de falto, devem ser encarados de frente.
Quanto ao direito de propriedade: é, sem dúvida, um direito natural, e assim afirmado no ensino da Igreja, onde encontra fundamento toda a nossa orgânica social. Simplesmente, sem entrar em grandes qualificações doutrinárias, im; porta recordar que a justificarão desse direito de propriedade, segundo o pensamento actual, radica muito mais na defesa da pessoa humana e sua independência ou segurança do que em velhos argumentos de eficiência e produtividade. Ora a esta luz a propriedade deverá estender-se a todos, ou ao maior número possível de homens, precisamente em defesa dos valores personalistas; a grande concentração latifundiária aparece como um autêntico atentado ao direito de propriedade, assegurando o seu exercício a alguns privilegiados, mas negando-o a muitos outros homens; e a expropriação constitui um instrumento de salvaguarda da tal ordem social «cristã e portuguesa» que se diz defender.
Mais ainda: se acontecer que os assalariados alentejanos manifestem, pela voz de seus representante corporativos, que não querem a propriedade, a solução não está em conformarem-se os grandes lavradores a essa recusa, antes se impondo a todos que têm responsabilidades sociais e políticas promover a educação desses homens desenraizados, fixando-os à «sua» terra, até para evitar estados de proletarização sempre tão perigosos.
E quanto à nossa organização económica não-socializante: levanta-se o problema de distinguir entre funcionamento e estrutura do sistema de economia de empresa livre, sendo opinião pacífica que tal sistema pode «funcionar» sobre estruturas diversas - nós diremos à luz de certa doutrina que algumas delas são bons e outras inaceitáveis; e essa diversidade respeita a alguns aspectos, designadamente a concentração do poder económico. Quer isto dizer que não se defende a economia de livre empresa deixando perdurar estruturas de exagerado poderio, seja na agricultura, ou na indústria, ou na banca; antes a correcção dessas concentrações, tornando as forças em presença no mercado mais equilibradas, contribui para assegurar o correcto funcionamento dos mecanismos de preços e de todo o sistema económico. Também a esta luz o parcelamento do latifúndio, sobretudo se repararmos em que se esgotam rapidamente as vantagens de dimensão e escala ,na actividade agrícola, aparece como condição de saneamento da nossa economia e como poderoso elemento contrariando tendências que bem poderão acabar em soluções socializantes).
João faria Lapa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
António Maria Pinto Castelo Branco.
António Pereira Caldas de Almeida.
António Trigo de Morais.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga de Cruz (votei contra o projecto do Governo e contra o presente parecer «na generalidade»; não tanto pelo que um e outro dizem, mas justamente pelo que em ambos irão vejo dito, nem previsto, nem devidamente tratado.
Das soluções preconizadas pelo Governo ou sugeridas pela Câmara, umas merecem a minha concordância, outras a minha discordância e outras ainda a minha perplexidade, pois não vejo que tenham sido suficientemente explanadas as razões que podem justificá-las ou devem condená-las. Não fiquei esclarecido; e não desejo comprometer nessas soluções o meu voto nem um estudo mais aprofundado dos problemas.
Mas o que fundamentalmente me parece de lamentar é que não se lenha aproveitado o ensejo para proceder a um estudo, em profundidade, das causas jurídicas, económicas e sociais que historicamente determinaram entre nós n concentração fundiária; e que, em consequência disso, lenha ficado igualmente por fazer o estudo dos meios jurídicos, económicos e fiscais que importaria adoptar para produzir uma evolução natural das nossas estruturas latifundiárias no sentido do parcelamento e da colonização. Por muito grandes que sejam a boa vontade e a competência técnica da Junta de Colonização interna, a tarefa do parcelamento e da colonização é de tal magnitude que hão-de decorrer muitas dezenas de anos primeiro que possa levá-la a cabo, mesmo depois de a Junta ser autorizada a sair do âmbito restrito do regadio, onde agora - por meras considerações de prudência- a Câmara resolveu propor que ficasse limitada a sua acção. E, nesse meio tempo -nesse longo meio tempo -, todas as extensas áreas que ficam fora da acção da Junta continuarão submetidas ao mesmo regime jurídico, económico e social que hoje lhes é aplicável, sem nada evolucionarem no sentido do parcelamento e da tão louvada exploração em regime de empresa familiar).
José Bulas Cruz.
José Infante da Câmara.
José Joaquim Frasquilho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pires Cardoso (convenci-me de que não é necessário ou conveniente, até pelo escasso alcance prático nesta fase do problema da nossa colonização interna, ampliar às terras de sequeiro a acção da Junta, salvo em casos excepcionais. Já não pude concordar, porem, em que se não facultasse àquele organismo a competência para intervir, activamente nas áreas sujeitas a obras da hidráulica agrícola, exactamente aquelas em que o Estudo se propõe fazer vultosos investimentos da utilidade geral e onde, portanto, sem esquecer o interesse privado dos proprietários abrangidos e beneficiados, se suscita o direito
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e o dever de alcançar outros objectivos, de interesse público.
O interesse público, aqui, insere-se nos dois domínios, económico e social. Realmente, se existe unanimidade quanto à urgência na reestruturação do agro português - para respondermos ao imperativo do nosso crescimento económico, ganharmos o atraso que tanto nos distancia da generalidade dos países europeus e nos adaptarmos às exigências de um ,novo condicionalismo de mercado livre em largos espaços económicos-, também não é menos premente a tarefa de elevação, dignificação e plena realização do homem, de que é condição imprescindível o «acesso à propriedade», ao menos dentro da principiologia que norteia o Estado Português, assente num ideal corporativo que vai bem mais longe do que muitos querem supor.
Por estas razões, tão concisa mente expostas, votei com a proposta do Governo [base II, n.º 2, alínea d)] e, portanto, pela fixação de um limite quanto à «reserva de terras» nas zonas beneficiadas ou a beneficiar por aproveitamentos hidroagrícolas, embora admitisse a possibilidade de se introduzir naquela alínea qualquer medicação que não frustrasse a sua doutrina, reduzindo a esfera da Junta de Colonização Interna a uma acção pouco mais do que passiva).
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Manuel Ramalho Ribeiro.
José Augusto Carreia de Barros, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA