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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 95
VII LEGISLATURA 1960
26 DE ABRIL
PARECER N.º 32/VII
Projecto de decreto-lei n.º 509
Emparcelamento da propriedade rústica
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei n.º 509, elaborado pelo Governo, sobre o emparcelamento da propriedade rústica, emite, pela secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça e Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pinto Veloso, António Júlio de Castro Fernandes, António Martins da Cunha Melo, António Pereira Caldas de Almeida, António Porto Soares Franco, António Trigo de Morais, Eduardo José Fins Pinto Bartilotti, Fernando Andrade Pires de Lima, Guilherme Braga da Cruz, João Valadares de Aragão e Moura, Joaquim Soares de Sousa Baptista, José Augusto Correia de Barros, José Pereira da Silva, José Pires Cardoso. Luís de Gonzaga Fernandes Piçarra Cabral, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente, o seguinte parecer:
SUMARIO
Emparcelamento da propriedade rústica
I
Apreciação na generalidade
Introdução.............................................. 1-4
§ 1.º
A Inserção do projecto em apreciação nos planai de reorganização agrária
A) A estrutura agrária nacional ......................... 5-6
B) A pulverização da propriedade rústica ................ 7-70
C) Inconvenientes da propriedade
microfundiária e dispersa ............................... 11-12
D) Oportunidade do projecto em estudo ................... 13-14
§ 2.º
Previdências legais destinadas a prevenir a fragmentação predial
A) Defesa da propriedade familiar ................ 15
B) O regime legal vigente sobre parcelamento ..... 16-17
C) A unidade de cultura .......................... 18
D) A unidade de cultura em Portugal .............. 10
E) A unidade de exploração nas zonas emparceladas:
1. A indivisibilidade da exploração agrícola...... 20-21
2. Manutenção, na transmissão por morte, das
explorações agrícolas resultantes
do emparcelamento ................................ 22-28
§ 3.º
O emparcelamento.................................. 24
1. Emparcelamento geral e emparcelamento
especial ......................................... 25
2. Emparcelamento da propriedade e
emparcelamento da exploração .................. 26
3. Reagrupamento predial e emparcelamento
integral ...................................... 27
4. Reconstituição económico-social ............ 28
5. Directrizes a seguir no caso português...... 29
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§ 4.º
Emparcelamento voluntário e emparcelamento coercivo............... 30-31
1. O sistema espanhol. Apreciação ................................ 32-38
2 O sistema do projecto governamental. Explanação................. 34-40
3. Exclusão do recurso no emparcelamento coercivo................. 41-43
§ 5.º
Resultado do emparcelamento....................................... 44
1. Recomposição predial ............ ............................. 44-47
2. Efeitos de natureza económica.................................. 48
§ 6.º
Perspectivas sobre o emparcelamento em Portugal................... 49-52
§ 7.º
Medidas destinadas a favorecer o reagrupamento predial............ 53
A) Assistência técnica............................................ 54
B) Concessão de direitos de preferência........................... 55-60
C) Concessão de benefícios de ordem fiscal........................ 61-64
§ 8.º
A exploração agrícola familiar
1. Dados gerais sobre o problema.................................. 65
2. O emparcelamento ao serviço da constituição
de empresas agrícolas familiares.................................. 66
3. A empresa agrícola familiar em Portugal........................ 67-68
4. A necessidade de aumentar a dimensão das
explorações agrícolas insuficientes............................... 69
Meios possíveis:
a) Expropriação de terras......................................... 70-73
b) Aquisição de terras oferecidas à venda......................... 74
c) Cedência de terras do domínio público ou comum................. 75
§ 9.º
Financiamento das operações de recomposição predial............... 76
II
Exame na especialidade
Artigo 1.º do projecto governamental.............................. 77
Artigo 2.º........................................................ 78
Artigo 3.º........................................................ 79
Artigo 4.º........................................................ 80
Artigo 5.º........................................................ 81
Artigo 6.º........................................................ 82-84
Artigo 7.º........................................................ 85
Artigo 8.º........................................................ 86
Artigo 9.º........................................................ 87-89
Artigo 10.º........................................................ 90-91
Artigo 11.º........................................................ 92-98
Artigo 12.º........................................................ 99
Artigo 13.º........................................................ 100-101
Artigo 14.º........................................................ 102-103
Artigo 15.º........................................................ 104
Artigo 16.º........................................................ 105-106
Artigo 17.º........................................................ 107-111
Artigo 18.º........................................................ 112
Artigo 19.º........................................................ 113
Artigo 20.º........................................................ 114
Artigo 21.º........................................................ 115
Artigo 22.º........................................................ 116
Artigo 23.º........................................................ 117
Artigo 24.º........................................................ 118
III
Conclusões......................................................... 119
I
Apreciação na generalidade
Introdução
1. O Decreto n.º 5705, de 10 de Maio de 1919, instituiu em Portugal o regime jurídico do emparcelamento da propriedade rústica.
A carência de possibilidades de empreendimento e realização com que o País nessa época se debatia impediu que esse diploma lograsse alcançar qualquer projecção prática. Nem sequer chegou a ser regulamentado.
2. Na sessão n.º 105, do dia 28 de abril de 1951 (V Legislatura), o Sr. Deputado José Gualberto de Sá Carneiro, impressionado com os inconvenientes de ordem económica resultantes da pulverização agrária, apresentou na Assembleia Nacional um projecto de lei em que, depois de articular alguns objectivos imediatos - concretamente limitados à faculdade concedida a proprietários rústicos de adquirirem, mediante imposições de trocas ou vendas, terrenos confinantes encravados ou de superfície muito inferior à dos seus próprios terrenos - concluía por recomendar ao Governo que fosse regulamentado, em curto prazo, o citado Decreto n.º 5705, de 10 de Maio de 1919.
3. Sobre tal projecto de lei emitiu a Câmara Corporativa o parecer n.º 26/V (in Diário das Sessões n.º 131, de 4 de Março de 1952), no qual, depois de desaconselhar as soluções preconizadas para o problema da pulverização agrária, reconhecia a necessidade de se enfrentar a questão através de determinadas medidas preventivas do fraccionamento de terrenos, e especialidades, e especialmente mediante operações visando o emparcelamento da propriedade rústica. Mas, em lugar de aceitar a sugestão contida no projecto de lei no sentido de se confiar ao Governo a regulamentação, num futuro próximo, do velho Decreto n.º 5705, a Câmara Corporativa entendeu que se impunha desde logo definir, à luz da evolução produzida desde aquela conturbada época de 1919, as novas bases jurídicas em que a realização do emparcelamento deveria assentar. E nesta conformidade a Câmara Corporativa, no exercício das suas atribuições regimentais, propôs a substituição do texto do projecto de lei submetido à sua apreciação por um novo articulado em que se enunciavam as medidas reputadas necessárias para prevenir e remediar a pulverização e dispersão da propriedade.
4. O projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro não teve seguimento, pelo que nem as medidas aí propostas nem as soluções preconizadas por esta Câmara lograram qualquer consagração legislativa.
Vê-se, por isso, o Governo forçado a promover agora a criação do instrumento jurídico necessário à realização das inadiáveis operações de emparcelamento previstas no II Plano de Fomento (1).
(1) O II Plano de Fomento visa o emparcelamento, até 1964, de 6000 ha, com o que se prevê um dispêndio da ordem dos 23 000 contos. Projecto bem modesto, correspondente a pouco mais do que uma experiência de emparcelamento, como se concluirá tendo em conta que em França a concentração predial está a fazer-se quase à média anual de 1 000 000 há e que em Espanha se conseguiu já emparcelar, só em 1956, cerca de 60 000 ha.
Note-se, de resto, que tendo o país vizinho iniciado os trabalhos de emparcelamento em 1952, através de um organismo especialmente criado para realizar tal tarefa, nos dois primeiros anos de actividade apenas se conseguiu emparcelar 10 000 há.
Assim, e não obstante a Junta da Colonização Interna Ter já ultimado inquéritos prévios, para fins de emparcelamento, em algumas zonas dos distritos de Braga, Porto, Coimbra, Bragança e Santarém, que totalizam 4000 há, dificilmente se concebe que, privada ainda neste momento da legislação indispensável e de uma organização em bom rendimento de trabalho, possa exceder a estimativa dos 6000 há inscrita no Plano de Fomento, especialmente tendo em consideração que a experiência estrangeira revela que a recomposição agrária de uma zona exige, mesmo a serviços bem treinados, um largo dispêndio de tempo e que a Junta dificilmente poderá dispor num futuro próximo, absorvida por tantas e tão díspares tarefas, de brigadas técnicas em número suficiente para se entregar, simultâneamente, a trabalhos de recomposição predial em muitos perímetros.
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Não foi, porém, baldado o esforço que a Câmara Corporativa despendeu na apreciação daquele projecto. Com efeito, no minucioso parecer então emitido, os problemas suscitados pela necessidade imperiosa de sustar, por um lado, e corrigir, por outro, a progressiva trituração do solo cultivado foram tratados nos seus diversos aspectos históricos, económicos-sociais e jurídicos com uma largueza que necessariamente facilitará u tarefa que a Câmara é de novo chamada a cumprir.
Por outro lado, bem merecedor de referência por revelar o apreço em que foram tomadas as sugestões legislativas então feitas pela Câmara Corporativa, acontece que o projecto governamental agora submetido a exame quase reproduz o esquema do articulado proposto no .referido parecer n.º 26/V e, de um modo geral, o próprio texto sugerido, com algumas alterações de natureza formal e. alguns desvios de princípios aconselhados, umas e outros, quer por um melhor amadurecimento dos temas à luz de achegas doutrinárias de diversa proveniência, quer par força de um mais amplo conhecimento dos resultados dos experiências empreendidas no estrangeiro.
Aliás, talvez no excessivo apego do projecto governamental ao texto proposto por esta Câmara, em 1952, à Assembleia Nacional, esteja uma das suas deficiências, que desde já se pode apontar. É que, tratando-se então da apreciação de um projecto de lei, a Câmara Corporativa teve em conta, ao deduzir um novo articulado, que este se deveria restringir, por imperativo constitucional, à enunciação das bases gerais do regime jurídico do emparcelamento e que os indispensáveis pormenores legislativos exigidos por esta tão complexa matéria deveriam relegar-se para ulterior regulamento.
Ora o projecto de decreto-lei agora em exame, embora valha a verdade, se não tenha limitado a articular o esquema fundamental do novo ordenamento jurídico-
agrário, pois em algumas matérias foi suficientemente minucioso, alheou-se da necessidade de definir, com o desejável pormenor, a natureza, conteúdo e condições de exercício de certos direitos, bem como, de maneira geral, o modo de funcionamento do sistema de soluções encontradas para diversos problemas que a realização prática do emparcelamento pressupõe.
É isto o que oportunamente melhor se verá.
§1.º
A inserção do projecto em apreciação nos planos de reorganização agrária
A) A estrutura agrária nacional
5. É um lugar-comum afirmar-se que a estrutura agrária portuguesa enferma de vícios fundamentais, que muito têm contribuído para o bem conhecido atraso económico-social da nossa população rural.
Nos pareceres do Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre o II Plano de Fomento sublinhou-se vigorosamente, a tal respeito, o «carácter insustentável da situação presente», só aceite como suportável pelos que estão ainda dominados por uma «mentalidade que parece desviada dos caminhos do Mundo, quase incompreensível, na Europa de hoje, que urge reformar».
A adaptação da agricultura às necessidades da época em que vivemos, a operar com o generoso concurso dos dinheiros públicos, «não é compatível com a benevolência de conservar situações cómodas, só porque são antigas, ou situações rotineiras, só porque são populares; se há que reorganizar a indústria -onde se levantam os mesmos ou semelhantes problemas -, não se vê que represente violência maior reorganizar a agricultura nos pontos onde não cumpre o seu dever para com o agregado nacional, nem parece razoável atribuir a essa reorganização intenções doutrinárias que não tem (').
Não é legítimo duvidar, considerado o teor de vida da grande massa dos nossos rurais, que a estrutura agrária portuguesa apresenta ' aspectos desmoralizado-res, «quer se olhem pela face do político, do social, do económico ou até do humanitário; é inútil articular palavras contra o evidente. Para mais. será muito difícil convencer os peritos dia O. E. C. E. que nos visitam, na tarefa comum de levantar a Europa, de que estamos seriamente empenhados num programa de valorização agrária se não seguirmos o único caminho que a ela conduz» (ut parecer N.º 3/VII, da Câmara Corporativa ) .
6. E esse caminho é o da introdução das necessárias correcções na nossa defeituosa estrutura agrária.
Num sistema jurídico-económico de base individualista, assente no princípio da propriedade privada, as possibilidades areais de acesso ao domínio da terra e as condições económico-jurídicas de que depende o regime de repartição, divisão e fruição do solo definem o esquema fundamental da estrutura agrária do respectivo país.
Ora quem estudar o regime legal de apropriação da terra portuguesa, ajustado por irreprimidas formas consuetudinárias aos. mal compreendidos (interesses ou desejos da gente dos nossos campos; quem atentar na distribuição das propriedades rústicas por categorias definidas em função da área respectiva e se aperceber, assim, do grau do concentração ou pulverização da propriedade e da dispersão das ínfimas parcelas resultantes a progressiva trituração do solo; quem se preocupar com os formou da exploração, designadamente com os termos das convenções outorgadas entre os que dominam juridicamente a terra e os que directamente a exploram, e investigue, em especial, a forma de repartição do produto da actividade agrícola e o modo de funcionamento prático dos contratos formados; quem pense nas condições de financiamento da actividade agrícola, nas possibilidades de recurso ao crédito, nos processos de comercialização dos produtos, nos formas de assistência à lavoura, na qualidade dos serviços públicos de que dispõem os meios rurais, etc., concluirá, necessariamente, que a estrutura agrária portuguesa exige enérgico trabalho de correcção, a empreender sem perda de tempo. Mostra-se o Governo decidido, em execução das directrizes- firmadas no II Plano de Fomento, a desenvolver a acção necessária para superar as deficiências estruturais das condições de exploração do agro lusitano. De tão louvável propósito é prova irrecusável o projecto de decreto-lei agora submetido a apreciação da Câmara Corporativa e que visa, precisamente, a correcção de um dos apontados vícios da nossa estrutura agrária, ou seja o da pulverização e dispersão da propriedade rústica, a combater por meio de operações de reconstituição fundiária, de que o emparcelamento é pedra de toque.
B) A pulverização da propriedade rústica
7. Encarada a propriedade rústica como o conjunto de prédios pertencentes à mesma entidade, dir-se-á que existe dispersão ou parcelamento, maior ou menor, sem-
(1) Palavras mais directamente relacionadas com o problema do parcelamento, mas que se ajustam perfeitamente ao toma aqui focado.
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pré que uma propriedade é constituída por diversas parcelas descontínuas (').
Em princípio, tanto podemos deparar com situações de propriedade parcelada nas regiões onde se operou a concentração da terra sob o domínio de poucos proprietários como naquelas em que a terra está muito repartida.
Com efeito, a grande propriedade pode ser constituída por muitas parcelas dispersas, tal como a pequena propriedade agrícola pode ser constituída por uma única peça de terra. Quer dizer: a concentração da terra pode não corresponder a concentração da propriedade.
Mas a regra em que a este respeito podemos assentar, quando encaramos a realidade portuguesa, é a de que a dispersão predial corresponda, praticamente, a situações de propriedade muito repartida.
O parcelamento ou dispersão da propriedade não é em si mesmo um vício. Tal como justamente se refere no relatório do projecto governamental, «existe uma fragmentação imposta por circunstâncias de ordem técnica que aconselham a formação de explorações agrícolas apoiadas em solos de diferente aptidão e em parcelas de diferente localização para se conseguir melhor equilíbrio para o conjunto».
Mas o conhecimento da realidade revela que não só por vezes é excessiva a dispersão das parcelas e considerável a distância, quer de uma para as outras, quer entre elas e a sede da exploração agrícola, como ainda que à acentuada dispersão corresponde, normalmente, a propriedade assente em parcelas minúsculas, verdadeiros átomos de terra, razão por que legitimamente se denomina essa situação agrária como de pulverização [...] atomização da propriedade.
Assim, propriedade muito repartida, grande dispersão das respectivas parcelas constitutivas e redução destas às dimensões de microfúndio são fenómenos agrários praticamente coincidentes.
8. A plena demonstração da afirmação feita ressalta convincente da análise do seguinte quadro:
[ver tabela na imagem]
Nota: Os números constantes deste quadro foram obtidos com base nos elementos contantes do primeiro e último volumes publicados do Anuário Estatístico dai Contribuições e Impostos, relacionados com a área agrícola de cada distrito.
No quadro antecedente repartem-se por dois grupos 14 dos 18 distritos do continente: num dos grupos figuram 10 distritos do Norte, no outro 4 distritos do Sul. Naqueles a propriedade acha-se sujeita a um regime de intensa repartição: para os 10 distritos considerados a média de superfície pertencente a cada proprietário não excede 2,4 ha. Nos 4 distritos do. Sul a área média de cada propriedade avizinha-se dos 17 ha, índice bem significativo do fenómeno de concentração que nesses distritos se verifica.
Enquanto aquela superfície média de 2,4 ha é preenchida no Norte por 5,2 parcelas, no Sul a área de 17 ha é ocupada por apenas 1,2 parcelas. Assim, a área média de cada parcela é nos 10 distritos nortenhos de 0,35 ha (l) e nos 4 do Sul de 14,5 ha - sinal evidente de que os microfúndios dispersos são a inevitável resultante de um condicionalismo histórico-jurídico que, acatando as sugestões ou imposições da própria natureza, não tem permitido travar os nefastos impulsos da vontade individual, dominada pela má compreensão dos próprios interesses (2).
O contraste entre duas regiões, uma de propriedade pulverizada, outra de propriedade concentrada, ressalta bem chocante quando se confrontam dois casos extremos: no distrito de Viana do Castelo a propriedade média de 1,7 ha é constituída por 6,1 parcelas de 0,2 ha; uma propriedade quase dez vezes maior é integrada no distrito de Setúbal por uma única parcela!
A irrisória superfície do microfúndio nortenho surge ainda- mais gritante quando se tem presente a circunstância de que a dimensão média das parcelas, variando no quadro supra entre 0,2 e 0,5 ha, corresponde à dimensão média do prédio rústico, seja este de bravio (sujeito a cultura florestal ou apenas ocupado por matos ou pastagens naturais) ou de lavradio. Tendo, porém, em conta que o terreno de bravio constitui normalmente em cada propriedade nortenha uma superfície igual ou pouco menor que a área submetida a cultura agrícola o que, em regra, a superfície afecta ao bravio é preenchida por um número de parcelas menor do que a aplicada em cultura agrícola, formar-se-á uma ideia mais aproximada da verdadeira área média da típica leira de lavradio nos distritos nortenhos (3).
9. Acentuámos o predomínio do microfúndio disperso no Norte do País. Não é sem interesse, porém, no âmbito dos objectivos, práticos deste estudo, frisar que a intensa repartição da terra, que se caracterizou como fenómeno coincidente com a profunda divisão e dispersão da propriedade, conduz a que no continente cerca de 94 por cento das explorações agrícolas entregues a culturas arvenses nua apresentam dimensão territorial média superior a 10 ha, ocupando apenas 32 por cento da área total afecta a tais culturas.
(') Segundo o Prof. LIMA BASTOS (in A Propriedade Rústica), entende-se por dispersão «o afastamento ou descontinuidade das parcelas que constituem uma propriedade» resultante da intercalação de outras parcelas de um ou mais diferentes proprietários».
(') Entre os países da O. E. C. E. só a Grécia apresenta, neste aspecto, uma situação mais desfavorável.
(2) V. no parecer n.º 26/V da Câmara Corporativa em que medida causas de natureza geográfica podem contribuir para a intensa divisão e dispersão da propriedade.
(3) À indicação da área media dos prédios rústicos, em certos distritos do País, deixa na sombra situações chocantes, que reclamam providências urgentes e enérgicas.
Foi por certo tendo presentes situações dessa natureza que o agrónomo e economista PATULO (cit. pelo engenheiro agrónomo LAGO DE FREITAS na conferência que recentemente pronunciou em Viana do Castelo - «Interesse Económico-Social do Emparcelamento da Propriedade Rústica») opinava, já em 1765, que sai terral de grande número de aldeia» estavam distribuídas de unia maneira tão desvantajosa para. as culturas que se não poderia ter feito pior se fosse de propósito»!
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Mas o domínio da pequeníssima exploração é ainda mais patente quando se verifica que cerca de 50 por cento das referidas explorações não dominam área superior a l ha, correspondendo-lhe menos de 4,5 por cento da área total, e que 80 por cento das mesmas explorações não excedem a área média de 3 ha, dominando apenas 16 por cento da superfície total do País entregue a culturas arvenses (1).
Daqui decorre o predomínio absoluto de explorações insuficientes, economicamente inviáveis, integrando uma situação de transcendente importância no momento em que por toda a Europa, na busca da satisfação dos melhores interesses das suas populações rurais, cada país envida os maiores esforços no sentido da constituição de empresas familiares capazes de satisfazerem adequadamente as necessidades do respectivo agregado.
A esta questão se voltará, porém, noutro momento.
10. Em 1950 pouco menos de 1500 000 pessoas (47 por cento da população activa) empregavam-se na agricultura, tendo a seu cargo 2 020 000 almas. Isto é: cerca de 3 500 000 indivíduos viviam do produto de uma terra escassa. No decénio que desde então decorreu aquela percentagem tora baixado alguma coisa, mas a população agrícola activa não diminui sensivelmente. Quer dizer: o processo de industrialização, traduzido na expansão da capacidade nacional de emprego noutras actividades, pouco mais terá logrado alcançar do que a absorção dos saldos fisiológicos anuais.
Num meio rural sujeito a intensa pressão demográfica, como a que se verifica na metade nortenha do País, a terra é objecto, por um conjunto de circunstâncias propícias, do já referido fenómeno de trituração ou atomização agrária, de que resulta inevitavelmente o apontado predomínio da propriedade microfundiária.
Ora é incontestável que a pequena propriedade tem vantagens. Na verdade, aumenta a classe dos proprietários, o que não só é extremamente conveniente sob o ponto de vista social (2) como se traduz mesmo em proveito económico na medida em que a torra do pequeno proprietário é submetida a uma mais intensa, embora prudente, e amorosa cultura, que conduz' à obtenção do máximo rendimento do capital fundiário.
Mas se o alcance de tais vantagens já é discutível quando se encara a pequena propriedade, seguramente que elas não existem quando a atomização da terra determina o predomínio da pequeníssima propriedade, integrada por irrisório microfúndio; ou, se em alguma medida tais vantagens se podem ainda escogitar, são profundamente ensombradas pelos inconvenientes de uma pequena exploração assento em exíguas parcelas dispersas.
C) Inconvenientes da propriedade microfundiária e dispersa
11. A pulverização da propriedade corresponde a um tipo de repartição da terra, que é em todos os países considerado muito defeituoso, altamente comprometedor da sanidade da estrutura agrária - e, por isso, toda a Europa Ocidental se lançou afanosamente, através de medidas preventivas e correctivas, na luta contra a desagregação predial.
Num momento em que Portugal se decide a percorrer o caminho em que outros, com largo proveito, se lançaram há muito, não será inoportuno acentuar as razões por que o devemos trilhar, insistindo em relembrar os graves inconvenientes geralmente imputados à dispersão parcelar, cujo exacto conhecimento pode contribuir para preparar o espírito com que se impõe encarar a necessidade do emparcelamento português e os esforços, sacrifícios e restrições de diversa ordem que a execução de um plano de recomposição agrária necessariamente comporta.
Impõe-se aqui uma tarefa de adaptação de sentimentos e até de certos princípios jurídicos tradicionais, a que por certo se não furtará quem ache que é mais razoável fazê-lo desde já voluntária e paulatinamente do que enveredar mais tarde, sob o império das circunstâncias, pelo caminho de precipitada recuperação.
12. Quais são, pois, os inconvenientes mais palpáveis da pulverização agrária e da dispersão da propriedade?
Passemo-los rapidamente em revista:
a) A propriedade muito dividida e dispersa, verdadeira manta de retalhos de tenra, implica um afastamento maior ou menor, por vezes considerável, entre cada uma dag parcelas e entre estas e a sede da exploração agrícola. Esse afastamento não só determina o prejuízo da indispensável vigilância, tão cómoda e eficaz quando toda a propriedade se desenvolve em volta da- casa de lavoura, sob os olhos atentos do empresário, como se traduz em consideráveis perdas de tempo e de esforço para os trabalhadores agrícolas e para os gados e em anormal desgaste do material agrícola utilizado - o que tudo determina um acentuado aumento do custo da produção (').
Porque assim é, muitos proprietários vêem--se, por vezes, forçados a arrendar as suas parcelas mais distantes, com prejuízo da exploração directa, normalmente mais lucrativa para si e mais rendosa para a colectividade ;
b) A produtividade do trabalho agrícola exige, cada vez mais imperiosamente, o recurso à mecanização e à motorização. Uma agricultura progressiva não pode dispensar já- hoje, e cada vez mais no futuro, a intervenção dos meios que a indústria, num incansável esforço que chega a ser de legítima defesa, põe à disposição da lavoura (2).
A propriedade anã, de dimensões por vezes inverosímeis, mão se limita, porém, a repelir, como economicamente intolerável, o uso da máquina: a máquina, frequentemente, não penetra na manta de terra, porque esta nem materialmente a comporta; o tractor não
(') Cf. o quadro inserto no n.º 54.
(2) A constituição da pequena propriedade vincula os rurais à terra, contribuindo para o afrouxamento da corrente emigratória e do êxodo para na cidades; funciona como complemento de salário e como único seguro contra o risco de desemprego, na velhice, do trabalhador do campo; impede que o rural crie espirito de proletário e fomenta as relações de vizinhança, estimulando os sentimentos de solidariedade.
(') Tais inconvenientes podem aferir-se pelas vantagens económicas resultantes do reagrupamento de parcelas, expressos na comprovada economia de sementes, de capiteis fixos e de mão-de-obra, no aumento da produção e na diminuição do custo da produção total, que melhor se avaliarão através dos exemplou referidos no n.º 48.
(2) A baixa capacidade de consumo de produtos manufacturados por parte da população rural constitui, segundo á geralmente reconhecido, um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento económico-industrial.
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pode manobrar onde mal cabe, quando cabe, a junta de bois e a charrua visigótica;
c) Consequentemente, num momento em que se sente já em muitos países, e começa a sentir-se noutros, a escassez de mão-de-obra agrícola, o excessivo parcelamento da propriedade apresenta-se como um embaraço grave ao êxito dos esforços de uma
agricultura que procure responder prontamente a crescente exigências da melhoria do nível quantitativo e qualitativo da produção e a constantes deslocações da procura de alimentos.
d) A multiplicação dos prédios e a irregularidade da sua distribuição no terreno implica a existência de uma extensa teia de caminhos vicinais delineados ao sabor das exigências de uma crescente dispersão predial e, portanto, rasgados sem obediência a existência técnicas, sem condições de boa utilização e sem possibilidades de económica conservação e que, além de tudo, representam um impressionante desperdício da área cultivável (1);
e) A necessidade, para cada prédio, de obter acesso à via pública exige, dado o embrechamento das parcelas- que a pulverização da propriedade determina, a constituição de numerosas servidões sobre os terrenos vizinhos, o que dá origem a prejuízos económicos consideráveis. Com efeito, ou se delimita sobre os prédios servientes uma faixa de terreno permanentemente afecta à passagem para os prédios dominantes, o que praticamente conduz à perda desse terreno para a exploração agrícola, ou o trânsito só se faz em certos períodos do ano, para que aquela faixa de terra possa ser agricultada, e cria-se então uma insuportável dependência económico-agrária entre os prédios que, por vezes, se encadeiam ao longo de uma extensa veiga, cada um deles dominante e serviente em relação aos prédios confinantes.
Essa dependência impõe limitações graves à iniciativa agrícola: cada proprietário não pode cultivar o que mais convenha às características do seu terreno ou à economia da sua exploração, antes tem de subordinar-se à rotina dos vizinhos e às culturas tradicionais, cujo ordenamento determinou uma forma típica de exercício da servidão; o momento da sementeira e da colheita não é livremente escolhido por cada agricultor, pois este tem de se conformar na prática de tais operações com as necessidades de todos os prédios servidos ou dominados pelo seu(2)
f) Mas n estes prejuízos de ordem económico-agrária que afectam os agricultores e a comunidade, outros se reflectem no património individual do dono de prédios sujeitos ao regime apontado. Com efeito, o prédio serviente é submetido a um desagradável devassamento, que o desvaloriza para além da própria desvalorização correspondente à quebra de rendimento resultante da sujeição ao trânsito alheio.
Na verdade, é muito sensível a diminuição no valor venal dos terrenos encravados ou sujeitos a dar passagem, dado que os interessados na aquisição de terra evitam comprar prédios em tais condições.
Por vezes, paradoxalmente, tais prédios atingem preços exorbitantes quando o respectivo dono tem ensejo de especular com a conveniência dos proprietários vizinhos, desejosos de pôr termo à desagradável situação de dependência predial determinada pelas existências da servidão- o que tudo contribui para artificial valorização ou desvalorização da terra, que se reflecte nocivamente no equilíbrio do respectivo preço;
g) A dispersão de microfúndios origina outros inconvenientes graves, designadamente a imprecisão dos limites ou estremas de certas parcelas resultantes de uma divisão artificial, feita por vezes sem obediência a quaisquer regras jurídicas, fruto de um precário e mal executado acordo entre os interessados. Esta imprecisão de limites, além dos conflitos imprecisão de limites, além dos conflitos sociais e litígios que as partes levam aos tribunais, desvaloriza inevitavelmente os terrenos que dela enfermam;
h) Os proprietários tentam evitar a apontada imprecisão de limites e o devassamento dos eus prédios mediantes sebes, muros ou valas ao longo das respectivas linhas divisórias.
Mas a exiguidade das parcelas e a irregularidade das respectivas estremas conduz a que uma apreciável percentagem da superfície cultivável, tanto maior, naturalmente, quanto menor for a parcela, fique assim perdida para a produção agrícola (1).
Acresce que a construção de muros, a implantação de sebes ou a abertura de valas representam um esforço e um dispêndio tais (2) que se pudéssemos alinhar o número de horas de trabalho ou a verba pecuniária a que corresponde a tarefa faraónica da vedação dos milhares de leiras de alguns concelhos do País, depararíamos necessariamente com cimos abismos;
(1) Segundo elementos fornecidos pelo Prof. Lima Bastos em escrito de 1941, a freguesia de Vale da Madre, no concelho de Mogadouro (Bragança), tem mais e 34 ha de vias públicas, enquanto na freguesia de Cabeça Gorda ( concelho e distrito de Beja), com uma área agrícola sete vezes maior , as vias públicas não chegam a ocupar 51 ha .(V. parecer n.º 26/V da Câmara Corporativa).
(1) Por vezes, numa cadeia de prédios , em que o primeiro confiante com a via pública, é serviente de todos os outros, a lavra e sementeira é feita naquele só depois de todos os outros terem sido agricultados, para que o trânsito de gados e alfaias para os restantes não prejudique a cultura já feita. Pois bem: é nesse prédio, semeado em último lugar, que primeiro é necessário fazer a colheita, para que a passagem dos produtos a colher o contrário com o prédio mais distante da via pública, dominante de todos os outros: é o primeiro a ser semeado e o último a ser ceifado...
Refere a este propósito o Prof. Castro Caldas que na freguesia de Lindoso ainda se observa uma disposição, expedida em 1850 pela Câmara Municipal de Ponte da Barca, cominando a imposição de multas aos que não «sementarem ou ceifarem o centeio nas propriedades tapadas em comum no dia em que a maior parte dos compossuidores concordarem» (cit. In parecer n.º 26/V da Câmara Corporativa).
(1) Supondo um muro divisório de 0,5 m de espessura distribuído em partes iguais por dois terrenos contíguos, ele ocupará, aproximadamente, 20m2 , 10 por cento se for de 100 m2 e 2 por cento se atingir 2500 m2. Em prédio diminutos a áreas perdidas com vedações é, pois, considerável (cf. parecer n.º 26/V as Câmara Corporativa).
(2) Um exemplo, extraído se um caso concreto: a duplicação da superfície de um prado (de 1,35 ha para 2,7 ha)reduziu o comprimento de uma sebe de 480m para 280 m por hectare (v. Henrique De Barros, Economia Agrária, III, p. 232).
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i) A própria justiça fiscal se ressente do predomínio dos microfúndios, pois é mais sujeito a confusões e erros, como reflexo das circunstâncias apontadas, o sistema de tributação da propriedade rústica assente em parcelas dispersas;
j) Aumentam para os agricultores as dificuldades em recorrer ao crédito, dada a dificuldade de uma justa avaliação e a imprecisão das garantias que a sua terra oferece;
l) A pulverização da propriedade cria uma dependência económico-jurídica entre os minifúndios dispersos, que está na base de mil dificuldades com que depara a exploração da terra.
Assim acontece em matéria de águas. Poucos suo os prédios, em algumas regiões do País, que não estão dependentes para sua irrigação de águas existentes em terrenos alheios ou sujeitos a algumas das servidões que para aproveitamento de águas a lei admite; ou ainda incluídos em sistemas de rega de funcionamento precário.
Ora todas as dificuldades que possam surgir nas relações suscitadas pela dependência eçonómico-jurídica em que, em matéria de irrigação e drenagem, os prédios se encontram, .não podem deixar de se reflectir no valor e rendimento das parcelas de terra;
m) Mas nem só prejuízos de urdem económica. Não são menos graves, com efeito, os inconvenientes sociais resultantes do embrechamento de parcelas. A referida dependência entre os prédios conduz a que as relações sociais entre os respectivos proprietários devam assentar em regras de boa vizinhança, de conteúdo ou alcance por vezes impreciso, de estabilidade precária e de tutela jurídica difícil. As divergências e conflitos são frequentes, por vezes extremamente graves, e a vida social em muitas aldeias está repassada de malquerenças e ódios, em cuja base se acham normalmente problemas ligados à posse e fruição da terra.
O funcionamento de alguns tribunais de comarcas rurais é mantido por questões suscitadas entre proprietários de terras, podendo afirmar-se que alguns dos capítulos mais delicados dos direitos reais - matéria de águas, servidões, demarcação e tapagem de prédios, plantação de árvores, etc. - não seriam tão importantes, nem tão delicados os problemas que deles reclamam solução, se a terra não estivesse repartida e dividida em condições tais que se torna uma fonte permanente de litígios graves.
Em que medida os factos apontados contribuem para minar o clima moral e social que deveria reinar nos aglomerados rurais é questão sobre a qual não terão dúvidas em pronunciar-se os que mais de perto contactam com as realidades do nosso campo.
D) Oportunidade do projecto em estudo
13. Apontaram-se os graves inconvenientes resultantes da situação de pulverização agrária que domina vastas regiões do País. E referir-se-á a forma de entravar, da futuro, o parcelamento de terrenos, através da fixação de unidades de cultura regionais de dimensões tecnicamente satisfatórias.
A nossa defeituosa estrutura fundiária não se contenta já, porém, com medidas preventivas do parcelamento.. Exige medidas específicas de combate, que em todos os países do Ocidente Europeu se reconhece só poderem ser eficazmente tomadas no âmbito de operações de emparcelamento da propriedade rústica.
Pode estranhar-se que uma situação agrária de que resultam tantos e tão graves inconvenientes, como os que foram referidos (supra, nos. 7 e 12), nào tenha sido já entre nós objecto de uma decidida intervenção estadual destinada, por um lado, a sustar a evolução espontânea do fenómeno de atomização da: propriedade e, por outra via, a corrigir, nas regiões em que mais se faz mentir a necessidade de pronta correcção, as nocivas consequências de pulverização agrária.
O atraso em que nesta matéria nos achamos, num momento em que por essa Europa se trabalha já há muito, activamente, no reagrupamento de prédios rústicos, é de certo motivo para tristeza nossa, se bem que algumas explicações se possam encontrar.
Com efeito, o reagrupamento ou emparceiramento predial é, indiscutivelmente, uma operação muito dispendiosa, sobretudo porque só reveste decisivo alcance económico e social quando realizada no âmbito de uma recomposição agrária de alcance mais vasto que a simples anexação de parcelas e quando estiver assegurada a possibilidade de ulterior conservação dos resultados positivos alcançados.
Sendo, como é, unia operação dispendiosa, não podia a respectiva execução ser imposta ou confiada aos próprios interessados, carecidos de meios técnicos e financeiros necessários para a realizar. Ao Estado ficou, pois, em Portugal, como de um modo geral no estrangeiro, reservado o encargo, do emparcelamento.
É evidente, porém, que o Estado só pode abalançar--se a um empreendimento desta natureza quando puder dispor dos indicados recursos financeiros e, mais do que isso, dos necessários meios técnicos, que são consideráveis. A envergadura de cada operação e o volume das operações necessárias para se verificar um efeito sensível no panorama agrário nacional exigem um elenco numeroso e qualificado de técnicos adequadamente treinados, de que só agora o País poderá começar a dispor para a organização de diversas brigadas, de trabalho.
Acresce que uma obra desta delicadeza não consente insucessos. Na verdade, a. execução de uma tarefa, de emparcelamento determina tais limitações ou restrições, algumas transitórias, mas outras permanentes, ao regime tradicional de disposição e divisão da terra, que se impõe um considerável e bem orientado esforço do reforma da mentalidade e hábitos das nossas populações rurais com vista ao ajustamento a novas realidades económicas. Tal esforço tem de ser realizado com' prudência, e na base do necessário êxito está o próprio sucesso das operações de emparcelamento que se forem realizando, porque, não haja dúvida, todos se adaptam facilmente àquilo que facilita a realização dos próprios interesses.
Ora a eliminação do risco de insucesso nas tarefas de recomposição agrária, a encetar exige uma preparação cuidadosa, que é sempre demorada.
14. Há, de resto, uma realidade que devemos encarar de frente, pois que, se de todos é conhecida, não é escondendo-a que a apoucamos:- a terra portuguesa da metrópole, racionalmente explorada, é escassa para a população que actualmente a trabalha. Ora o emparcelamento da propriedade rústica nem aumenta a terra disponível nem diminui a população que vive sobre ela. Apenas, se reflectirá, embora em medida notável, no melhoramento das condições de exploração do solo,
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numa economia de esforço e num sensível aumento do rendimento do trabalho. Estes resultados, porém, só contribuirão decisivamente para elevar o teor de vida das populações rurais se o esforço economizado puder utilmente ser aplicado noutras actividades ou em novas doses de terra postas à disposição dos agricultores.
Mas é bem sabido que a evolução da economia portuguesa não permitiu ainda criar condições satisfatórias a transferência para outros sectores de uma parte apreciável do excesso da população activa que se dedica à agricultura.
A elevada natalidade que se regista em Portugal revela, lamentavelmente, tendência para se reduzir. Mas, admitindo embora que tenha terminado para a nossa população a fase de grande expansão demográfica, a verdade é que a estrutura populacional por sexos e idade, o índice de nupcialidade e a fecundidade específica permitem assentar em que continuaremos a somar saldos fisiológicos anuais consideráveis, que é necessário colocar. O êxodo anual para as actividades industriais, para os serviços e para o ultramar e estrangeiro mal compensa ainda, actualmente, a chegada anual de dezenas de milhares de novos braços ao sector primário.
Ora enquanto assim acontecer serão sempre de alcance muito limitado os esforços feitos no sentido de corrigir os vícios estruturais de uma economia agrária.
Porém - e aqui se pretendia chegar -, num momento em que o Governo se lança afoitamente na realização do II Plano de Fomento e legitimamente se espera que venham a ser absorvidas em actividades a criar ou a ampliar apreciáveis massas da população activa, ao mesmo tempo que o aproveitamento das grandes obras de hidráulica agrícola vai permitir a constituição de novos e apreciáveis núcleos de colonização, legítimo é admitir que chegou o momento de se- pensar em sérias correcções da nossa estrutura fundiária e, nomeadamente, na execução das mais urgentes operações de emparcelamento.
§ 2.º
Providências legais destinadas a prevenir
a fragmentação predial
A) Defesa da propriedade familiar.
15. Resultando do excessivo parcelamento da propriedade tantos e tão graves inconvenientes como os que se referiram, de estranhar seria que em Portugal nunca se tivessem adoptado algumas cautelas no sentido de minorar a expansão do fenómeno de trituração do solo.
Ora a verdade é que já em recuados tempos os nossos legisladores se aperceberam dos perigos da desintegração da propriedade imobiliária, que tentaram evitar, quer dando consistência jurídica a foi-mas de tutela que surgiram como fruto espontâneo de necessidades reais [direito de avoenga, reserva hereditária e direito de troncalidade, prazos de vidas, instituição de morgadios e vínculos (')], 'quer promulgando medidas concretas destinadas a facilitar a concentração predial, como aconteceu na época pombalina com a Lei de 9 de Julho de 1773, a que noutro momento se fará mais minuciosa referência.
Pode dizer-se que jamais se calaram, no decurso dos séculos, os clamores contra a pulverização do solo pátrio e consequente destruição do bloco patrimonial, que em todas as épocas foi o mais sólido esteio económico da família portuguesa.
Nos fins do século passado ergueram-se, bem incisivas, as vozes de Oliveira Martins e Elvino de Brito, ambos acérrimos defensores da instituição do casal de família como forma de realização de uma propriedade familiar caracterizada pela indivisibilidade do respectivo fundo patrimonial.
Na mesma linha de pensamento se inserem os mais recentes e notáveis estudos de Xavier Cordeiro sobre o casal de família, que veio a ser instituído pelo Decreto n.º 7033, de 16 de Outubro de 1920.
Esto diploma e respectivo regulamento não se ajustavam, porém, aos fins que se tinha em vista nem ao pensamento vertido por Xavier Cordeiro num projecto de lei sobre casal de família apresentado ao Senado em 8 de Janeiro de 1919.
Este projecto foi retomado mais tarde, porém, pelo Governo, e com base nele se promulgou o Decreto n.º 18 551, de 3 de Julho de 1930, diploma em vigor sobre o casal de família (l).
Em 27 de Maio de 1946 foi promulgada a Lei n.º 2014, sobre aproveitamento de baldios a realizar por diversos meios, entre eles a instituição de casais agrícolas, que o Decreto-Lei n.º 36 709., de 5 de Janeiro de 1958, ao regulamentar a citada lei, define como «uma unidade económica perpétua, inalienável, indivisível e impenhorável ...», constituída por «casa de habitação, com dependências adequadas à exploração rural, e por terrenos de área suficiente para a mantença de uma família média de cultivadores» (artigos 5.º e 6.º do decreto-lei citado).
Como é geralmente subido, nem a instituição de casais de família nem a de casais agrícolas teve grande projecção prática.
No entanto, hoje em dia, entre nós como em toda a parte, dificilmente se encontrará algum estudioso dos problemas da terra disposto a negar que da constituição e explorações agrícolas de dimensão correspondente à plena capacidade do trabalho familiar dependa a estabilidade económica e social das populações rurais. Porém, a par de, uma necessidade especificamente económico-social de que a propriedade rústica seja constituída em condições de respeitar a dimensão óptima da empresa agrícola familiar, outra necessidade surge, esta de índole marcadamente técnico-económica (embora relacionada, como seria inevitável nesta matéria, com vastos interesses sociais): a de evitar que do fraccionamento da terra resultem parcelas cujas dimensões desçam abaixo do mínimo exigido por uma boa técnica cultural, sem a qual a economia agrária não pode evoluir satisfatoriamente.
B) O regime legal vigente sobre parcelamento
16. Por isso, em todas as legislações modernas se depara com regras tendentes a evitar a fragmentação predial em parcelas de área inferior a determinada superfície considerada como a mínima aconselhada por uma satisfatória técnica agrária.
É o que acontece em Portugal: o artigo 107.º do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929, fixou para todo o País aquela superfície mínima em 0,5 ha.
Esta disposição legal não bastou, porém, como é geralmente sabido, para travar o fenómeno da pulverização e dispersão da propriedade. Por um lado, não se
(') V. uma notícia suficiente destas curiosas instituições no parecer n.º 26/V da Câmara Corporativa.
(') É da justiça destacar, ao fazer referência ao casal de família, o estudo do Dr. JOÃO Assis PEREIRA DE MELO no 2.º suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, em que ao defende a revitalização dessa instituição.
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deparou com processo exequível de impedir que depois de operada por qualquer das várias formas legais a transmissão de partes alíquotas de um prédio rústico os proprietários entre si acordassem em concretizar ou definir no terreno, por meio de sinais apropriados, uma divisão material que a lei lhes não facultava; e a circunstância de ser flagrante a nulidade de tal acto de parcelamento não impedia que o decurso do necessário prazo fizesse, funcionar o instituto da prescrição no sentido de consolidar juridicamente uma situação inicialmente irregular. Por outra via, ludibriando a fiscalização cujo exercício a lei, em certos casos, confiava à secção de finanças e em todos as hipóteses aos notários, frequentemente os interessados formalizavam actos de divisão sob o falso pretexto de que se tratava da transmissão de uma área determinada para fins de construção urbana ou outros em que a lei permitia o fraccionamento do prédio. (Cf. § 2.º do artigo 107.º do citado Decreto n.º 16731).
Não faltaria, manifestamente, fundamento jurídico (designadamente a invocação da fraude à lei) para se decretar a nulidade de tal fraccionamento irregular. Mas não há notícia de caso algum em que o Estado, único requerente legítimo da declaração de nulidade, a tivesse obtido ou sequer pedido.
17. A verdade é que o disposto no citado artigo 107.º do Decreto n.º 16 731 é indiscutivelmente insatisfatório. Primeiro, porque a superfície mínima de 0,5 ha é fixada indistintamente para todo o País, sem se ter em conta a específica caracterização agrária de cada região: tal limite tanto se impõe para a planura alentejana, onde domina a cultura extensiva, como no ridente Minho, cujas veigas são sujeitas a uma exploração agrícola permanentemente intensa. Depois porque, mesmo dentro de cada região e até dentro da mesma zona agrícola, a dimensão mínima de um terreno de sequeiro não deverá normalmente coincidir com a fixada para um terreno irrigado. Finalmente, a densidade de população pode ainda pesar (e justamente deve ser tomada em conta) na definição da superfície mínima, em homenagem às vantagens políticas e sociais de favorecer a pequena propriedade, onde., sendo intensa a «fome de terra», os inconvenientes de ordem económica não sobrelevem aquelas vantagens - como por certo acontecerá nos perímetros altamente industrializados e nas cinturas urbanas, onde tanto convém facultar a todos a oportunidade, emocionalmente tão sadia, de dar expansão a ancestrais anseios que vinculam tantos de nós à terra, e economicamente tão compensadora de se dispor no pequeno quintal anexo à casa ou no hortejo próximo de um permanente subsídio alimentar.
C) A unidade de cultura
18. A superfície ou área mínima que deve ser respeitada na divisão predial é, em alguns países, considerada como uma unidade de cultura, válida para cada zona e como tal designada em vista da comodidade que representa a possibilidade de se utilizar nos textos de lei e na linguagem técnica a referência a uma unidade de conta.
Na Espanha a mínima superfície em que um prédio pode ser fraccionado é designada legalmente por unidade mínima de cultivo (ut artigo 1.º da Lei de 15 de Julho de 1954) e assim definida: en senecano, la suficiente para que las labores fundamentales, utilizando los medios normales de producción, puedam llevarse a cabo con un rendimiento satisfactorio, y en cuanto al regadio y zonas asimilables al mismo por su regimen de lluvias, el limite mínimo vendrá determinado por el que se señala como superfície del huerto familiar (1).
Nos perímetros submetidos a emparcelamento o Ministério da Agricultura de Espanha tem, porém, a faculdade de determinar a dimensão de uma unidade mínima de cultivo especial (artigo 32.º da Lei de 10 de Agosto de 1955).
A unidade de cultura é na Itália designada, por via legislativa, como mínima unidade cultural que o artigo 846.º do Código Civil de 1942, aplicando o princípio enunciado no artigo 722.º sobre a indivisibilidade dos bens que interessam à produção nacional, tutela e define nos termos seguintes: «si intende per minima imita colturale l'estensione di terreno necessário e suffi-ciente per il lavoro di una famiglia colonica e, se non si tratta di terreno appoderato, per esercitare una conveniente coltivazione secando lê regale delia buona técnica agraria».
E o artigo 847.º acrescenta que a extensão da mínima unidade cultural será determinada por zonas em atenção ao ordenamento produtivo e à situação demográfica local(2).
Abstraindo da hipótese de explorações agrícolas entregues a famílias de colonos e assentes em terreno appoderato, poda dizer-se que a noção italiana de unidade de cultura se não desvia substancialmente da definição da lei espanhola.
E isto porque em países que não podem, dada a «fome de terra» que domina as respectivas populações, fazer coincidir a unidade de cultura com a dimensão de terra que uma família-tipo de agricultores seria capaz de explorar em bom nível de técnica agrária, a luta contra o parcelamento não deve para já visar mais do que suster o fraccionamento em parcelas de superfície considerada inadmissível do ponto de vista técnico, ou seja, que não permitam uma exploração agrícola conforme às melhores práticas culturais com recurso aos meios técnicos postos à disposição de uma agricultura evoluída (3).
(') Nos termos do artigo 1.º do Decreto de 25 de Março de 1955, a unidade mínima de cultivo varia, quanto a terrenos de sequeiro, desde o limite mínimo de 0,5 ha ao máximo de 4 ha, segundo as províncias e a fixar concretamente dentro de cada uma delas segundo as características de cada uma das diversas zonas homogéneas. A unidade mínima de cultivo para terrenos de regadio ou assimiláveis pelo seu regime de chuvas, a fixar concretamente nas condições referidas, varia entre 0,2 ha e l ha. Estes limites mínimos, aliás, ainda podem ser reduzidos quando se trate de terrenos que, por estarem afectados a cultura arbórea, arbustiva ou de plantas especiais, hajam adquirido um valor excepcionalmente elevado em relação à respectiva superfície.
(2) Na Itália têm sido publicados muitos e valiosos estudos sobre a unidade de cultura. V. um dos mais recentes in Rivista di Diritto Agrário, ano 36.º (1957, fascículo 8.º, pp. 455 e seguintes, com copiosa citação bibliográfica).
(3) Não acontece assim, noutros países em que as condições demográficas e económicas, projectadas nas respectivas estruturas agrárias, permitiram adoptar mais ousadas e eficazes medidas. Assim:
Na Suíça as autoridades podem recusar autorização para que se transfiram propriedades rústicas com menos de 2 ha (limite que os cantões podem baixar até 0000 m2), desde que daí resultem novas unidades agrícolas sem condições técnicas ou fique comprometida a viabilidade da exploração agrícola em que se integra a parcela a alienar. .
Na Dinamarca desde 1925 que está proibida a alienação do qualquer parcela do terra, salvo quando a superfície restante corresponda a uma unidade económica suficiente para as necessidades da família: 7 ha em solos férteis e 14 ha nos restantes.
Na Suécia é vedado reduzir a dimensões insuficientes para uma exploração normal as propriedades cuja superfície permita manter explorações agrícolas racionais.
Na Inglaterra o Agricultura Act de 1947 habilita o Ministro da Agricultura a tomar medidas impeditivas da divisão da terra em unidades não económicas. (Cf. HENRIQUE DE BARUOS, in Economia Agrária, III, p. 226).
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D) A unidade de cultura em Portugal
19. Em Portugal, tal como em Espanha e na Itália, as circunstâncias já expostas e geralmente bem conhecidas; todas concorrentes nas zonas em que o emparcelamento se impõe como necessidade urgente a satisfazer ('), impedem também que possamos integrar no nosso ordenamento jurídico-agrário a ambiciosa regra de que a unidade de cultura deve coincidir, em cada zona agrícola, com a área de terra suficiente paru que uma família-tipo de trabalhadores rurais possa aí aplicar toda a sua capacidade de trabalho. Isso corresponderia a fazer coincidir a noção de unidade de cultura com o conceito de exploração familiar. Ora esta é nina realidade para que se deve tender, e não uma regra jurídica de que se deva partir. A coincidência entre unidade de cultura e exploração familiar só será possível nas hipóteses em que, sob o patrocínio do Estado, se constituam explorações de dimensão familiar informadas por um carácter de indivisibilidade.
Assim, tal como na Itália acontece com o terreno appoderato, entregue a uma família colonica, também entra nós a existência de tais explorações familiares tem de ser excepção em face da regra. E isto porque a nossa estrutura agrária não aconselha, mesmo tendo em conta as correcções que nela serão introduzidas no futuro, a fixação de um princípio diferente do que leva a fazer coincidir a unidade de cultura com a mínima superfície necessária para o exercício de uma actividade agrícola conforme às regras de uma boa técnica agrária - superfície a determinar com base em diversas circunstâncias respeitantes quer à natureza dos terrenos (terrenos aptos para a cultura agrícola, terrenos somente aproveitáveis para a cultura florestal, sequeiros e regadios), quer no regi-me de exploração determinado pelas condições do meio ou pela iniciativa dos agricultores (culturas arvenses habituais na região, exploração do pomares, cultura intensiva em hortejos para abastecimento familiar e de mercados), quer às condições demográficas locais relacionadas com a existência ou carência de actividades secundárias capazes de absorver mão-de-obra agrícola excedentária.
E) A unidade de exploração nas zonas emparceladas
1 - A Indivisibilidade da exploração agrícola
20. A fixação da unidade de cultura tem, porém, de ser feita em obediência n imperativo de outra natureza quando se trate de terrenos localizados no interior de um perímetro submetido a emparcelamento.
Consoante noutra oportunidade se explanará, as operações de recomposição agrária suo altamente dispendiosas, razão por que, em homenagem ao superior interesse nacional que o emparcelamento visa realizar, o financiamento respectivo é geralmente suportado pelo Estado.
Ora não há dúvida ide que a manutenção dos resultados alcançados mediante a realização de um projecto de emparcelamento é condição básica do êxito de uma política de recomposição agrária. Desta forma deverá considerar-se absolutamente desaconselhável que após um esforço Considerável desenvolvido no sentido de reagrupar parcelas, de eliminar servidões, de introduzir melhoramentos fundiários, de reinstalar proprietários rurais, etc., se permita a destruição gradual dos efeitos obtidos, consentindo o reaparecimento de situações de pulverização e dispersão predial contra as quais, precisamente, se travou dispendiosa luta.
É necessário, a este respeito, acentuar uma realidade que teima em andar arredada não só do espírito das pessoas que não se interessam pelos problemas da terra, mas até, lamentavelmente, de muitos que são directamente responsáveis pela condução da política agrária.
O equilíbrio da vida económica de um agregado familiar rural assenta no próprio equilíbrio da unidade agrícola sujeita à sua exploração.
O conjunto de bens integrantes de uma exploração equilibrada, economicamente viável, está ordenado e unificado com vista à realização do escopo comum de sustentar economicamente o agregado que sobre eles vive - por forma que a privação de uma das parcelas integrantes do conjunto não pode deixar de afectar o equilíbrio da exploração e o êxito da actividade dos que a mantêm com o seu trabalho.
Pode, pois, dizer-se que uma exploração agrícola assim estruturada se apresenta como um complexo orgânico e unitário, cujos elementos constituintes não podem ser distraídos- sem prejuízo da manutenção e equilibrado funcionamento do todo. Tal unidade é econòmicamente indivisível na medida em que a fragmentação do conjunto desvaloriza sensivelmente cada uma das suas partes integrantes, cujo valor de rendimento depende da solidariedade funcional do todo.
Ora a indivisibilidade legal não é mais, no fundo, que a aplicação da ideia de indivisibilidade económica, que tanto se verifica quando a coisa não pode, por sua natureza, ser dividida, como quando só pode ser dividida com detrimento (').
Por isso mesmo tem de causar estranheza a naturalidade com que geralmente se aceita a ideia de que uma exploração agrícola assente numa só peça de terra ou em diversas parcelas dispersos, mas economicamente complementares, é dotada do atributo de perfeita divisibilidade.
21. Por razões bem conhecidas e atrás apontadas, não se pode pretender desde já que legalmente seja imposta, para a generalidade dos casos, a indivisibilidade de explorações agrícolas economicamente satisfatórias. Não será, porém, exagerado prescrever que a divisibilidade das explorações situadas no interior de um perímetro submetido a uma operação de recomposição agrária fique dependente da verificação, por parte de um organismo idóneo, da possibilidade técnico-económica de se fraccionar, sem grave detrimento, qualquer das propriedades resultantes da realização do emparcelamento. Admitir o contrário é abrir o caminho à destruição dos resultados que, com grandes sacrifícios, designadamente financeiros, se logrou obter, o que não está conforme com o realismo das soluções impostas por uma conjuntura que não permite complacências nocivas nos interesses da colectividade e, no fundo, aos próprios interesses dos proprietários rurais.
Em resumo: sem prejuízo da fixação da unidade de cultura no interior de um perímetro emparcelado, deverá prever-se a indivisibilidade das explorações resultantes du operação dê emparcelamento sempre que o or-
(l) Intensa divisão predial, grande dispersão das parcelas constitutivas da propriedade, forte pressão demográfica, altas percentagens de terra cujos proprietários a não exploram directamente, etc.
(') Cf. parecer n.º 26/V, in Colecção de Pareceres da Câmara Corporativa, V Legislatura, vol. 1.º. p. 206.
Juridicamente consideram-se indivisíveis as coisas que só podem ser fraccionadas com prejuízo du sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que só destinam.
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ganismo competente para realizar as operações de recomposição agrária dê pareces desfavorável ao fraccionamento pretendido.
2-Manutenção, nas transmissões entre vivos e por morte, das explorações agrícolas resultantes do emparcelamento
22. Este problema du manutenção das unidades agrícolas, nomeadamente das resultantes de operações de recomposição agrária, é dos que, compreensivelmente, têm preocupado economistas e homens do direito.
O sistema jurídico português, como de resto o de outros países cuja lei civil entronca no código napoleónico, é grandemente responsável pela destruição de explorações organizadas por forma a servirem de base económica a famílias rurais. Na verdade, as unidades agrícolas surgem perante a lei civil, processual e fiscal como um patrimonial indiferenciado cujo preço é o do mercado -- um valor a repartir, com inteiro alheamento da sua natureza de meio de produção e das exigências da economia nacional, por herdeiros entre os quais a lei não estabelece distinção alguma.
Nesta ordem de ideias, determina a nossa lei que na sucessão mortis causa os quinhões sejam preenchidos com a maior igualdade, formando-se lotes integrados, na medida do possível, por bens da mesma espécie, dando-se assim plena liberdade de movimentos aos co-herdeiros, que, inconscientes dos seus melhoras interesses, se põem normalmente de acordo para destruir o conjunto, a unidade da exploração, e até a integridade de cada prédio, que dividem e subdividem arbitrariamente, igualando os lotes com partes alíquotas dos prédios quando estes não admitem divisão legal - o que tudo fazem até para evitar o pagamento de tornas e sisa em relação no excesso de imobiliários que porventura se note em qualquer dos quinhões...
E quando porventura não estão de acordo em praticar tal malefício, chegam a resultado igualmente funesto através de um sistema de licitação nos bens da herança.
Na generalidade dos casos, só através de vantagens de ordem fiscal e do recurso à fixação de unidades de cultura técnica e economicamente aceitáveis poderemos lutar contra a tendência para a pulverização da propriedade.
A realização do emparcelamento põe, como vimos, o problema específico da manutenção dos resultados alcançados. Mas a indivisibilidade das propriedades rústicas resultantes de operações de recomposição agrária, acima apontada como solução de tal problema, suscita agudas, questões.
A primeira a que cumpre fazer referência é, naturalmente, a sujeição, pelos interessados, a restrições graves aos poderes de disposição dos próprios bens em que ã apontada indivisibilidade se traduzirá. Na verdade, cada proprietário da zona emparcelada deixa de poder alienar partes certas e fisicamente determinadas da sua propriedade, restando-lhe somente a faculdade de dispor de partes alíquotas, o que não impede, nos termos da lei vigente, a sujeição do todo a uma exploração comum.
Embora esta situação implique alguns transtornos, há que aceitá-la em homenagem aos interesses superiores cia economia nacional e, no fim de contas, aos melhores interesses dos proprietários afectados.
23. A questão mais grave que aqui se levanta é, porém, a do destino da exploração quando haja vários interessados na respectiva partilha.
Como proceder, assente o princípio da indivisibilidade das unidades de exploração formadas mediante o recurso ao emparcelamento?
A primeira solução que ocorre é a de os interessados estarem de acordo em se manter todos, em regime de sociedade (familiar ou não), à frente da exploração agrícola, fruindo-a em comum. Esta solução é, porém, insatisfatória em muitos casos e, mesmo quando adoptada, sê-lo-á normalmente com carácter de provisoriedade. De qualquer forma, a lei admite já e regulamenta a solução apontada, não havendo necessidade de lhe fazer mais larga referência.
Qual a solução, porém, quando os interessados nào enveredam pelo apontado caminho?
Ao enfrentar esta questão, não deve pôr-se de parte a sugestão que decorre do sistema de soluções já firmado na lei vigente para casos paralelos.
Na verdade, também o prazo não pode dividir-se em glebas, salvo consentimento do senhorio; quando tal acordo não exista, poderá o prazo ser encabeçado num dos co-herdeiros, desde que nisso convenham; se não puderem acordar-se, será o prazo licitado; e se nenhum o quiser, proceder-se-á à venda do prazo e à repartição do preço (artigo 1662.º do Código Civil).
Também a impossibilidade da divisão poderá naturalmente, em muitos casos, levar, os interessados a chegar a acordo quanto à adjudicação da exploração agrícola a um deles, compondo este os restantes a dinheiro. Se tal acordo não for possível, resta o recurso à licitação (').
A dificuldade que neste domínio se pode levantar é a da falta de recursos, por parte do adjudicatário, para pagar as tornas devidas aos restantes interessados.
Esta dificuldade poderá ser resolvida, porem, em muitos casos, mediante a concessão de facilidades de recurso ao crédito em condições satisfatórias de prazo e de juro - domínio em que as, instituições de crédito agrícola devem ser chamados a, prestar um papel de relevo correspondente ao alto interesse económico-agrário e social de manter a integridade das unidades de exploração.
Suponhamos, porém, que os interessados também não chegam a acordo quanto à adjudicação e nenhum pretende licitar. Quid iuris ?
Nesta hipótese só resta o recurso à venda, particular ou judicial.
E não choca que assim se conclua, dado que é esse o desfecho de qualquer problema de com propriedade de coisa indivisível quando os consortes, não querendo manter-se na comunhão, também não chegam a acordo quanto à adjudicação a ura deles da coisa comum.
§3.º
O emparcelamento
24. U emparcelamento, também designado entre nós e no estrangeiro por emparceiramento, reagrupamento predial ou concentração parcelaria, pode definir-se como uma operação, integrada num plano de correcção da estrutura agrária, que visa eliminar os inconvenientes da pulverização fundiária, suprimindo ou, pelo menos, atenuando a dispersão das parcelas constitutivas- da propriedade ou da exploração agrícola. O objectivo do emparcelamento é, mais concretamente, a substituição de vários terrenos dispersos pertencen-
(') Domina hoje em diversos países (designadamente na Suíça, Franca e Alemanha) o sistema da atribuição unitária da exploração agrícola a um dos co-herdeiros, regulando a lei a designação do beneficiário de tal atribuição, em atenção a sua especial capacidade para manter a exploração em bom nível.
V. sobre este toma. O minucioso estudo de Bernardo de Queirós «La conservación de unidades agrarias», in Anuário da Derecho Civil, tomo XII, fascículo III, pp. 978 e seguintes.
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tes ao mesmo proprietário por um número mais restrito de prédios, e se possível por um só.
Esta noção de emparcelamento é, porém, insuficiente, já que não fornece o exacto sentido e alcance da específica operação cuja natureza se pretende estudar.
Convém, assim, carrear mais algumas achegas doutrinárias e o conhecimento dos resultados da prática do emparcelamento noutros países para melhor se apreender o conceito de emparcelamento, tal como modernamente é entendido.
25. Cumpre, por isso, e antes de mais, anotar que o emparcelamento pode representar a execução de uma operação geral de reagrupamento predial no interior de um perímetro demarcado, abrangendo todos os prédios nele incluídos (1) - ou limitar-se a combater certos aspectos ou efeitos particularmente nefastos da pulverização agrária, promovendo, por exemplo, a concentração de parcelas da área inferior a determinada superfície ou afectas a certos tipos de cultura, o desencrave de prédios, etc.
No primeiro caso estaremos em presença do emparcelamento geral, a que hoje normalmente se procede; na segunda hipótese é do emparcelamento especial que se trata.
26. Outra distinção é neste domínio possível fazer e ela faz-se sobretudo naqueles países em que a noção de exploração tende a sobrepor-se à de propriedade por vigor de certas realidades económico-jurídicas que, minando os poderes do proprietário de terra que outrem explora, enfraquecem o vínculo unificador dos vários prédios sujeitos ao domínio jurídico daquele, em benefício do reforço da nova unidade resultante da submissão das parcelas a uma exploração comum.
O emparcelamento pode assim visar, consoante os objectivos propostos e as realidades de que se parte, concentrar num só prédio os terrenos dispersos de um mesmo proprietário ou reagrupar, se possível num todo contínuo, os prédios pertencentes a mais do que um proprietário, mas sujeitos à exploração de um mesmo rendeiro ou parceiro agrícola.
27. Geral ou especial, dirigido à propriedade ou à exploração, o emparcelamento pode ter por objectivo lima simples concentração de parcelas baseada numa simultânea e mútua transmissão e aquisição de prédios.
Não obstante, porém, as inegáveis vantagens que dele resultam, tal reagrupamento, a que em alguns países já há séculos se vinha procedendo (2), só alcança verdadeira e duradoura, projecção no que respeita à correcção da estrutura agrária local e à valorização das condições técnico-económicas da exploração agrícola quando, com inteiro alheamento da divisão predial anterior, se procede a uma nova ordenação da propriedade, acompanhada da realização de melhoramentos fundiários, o que implica a atribuição a cada proprietário de um novo prédio que porventura não tem semelhança física com qualquer das suas primitivas parcelas.
Mais precisamente, a nova ordenação da propriedade liberto-se da preocupação de respeitar os limites ou a área dos primitivos prédios, a sua sujeição a culturas
tradicionais ou a consagrados regimes de irrigação ou drenagem e a antiga rede de caminhos: a superfície submetida ao emparcelamento é tomada no seu conjunto, retalhada em novas propriedades racionalmente ordenadas e servidas por novo sistema de caminhos, irrigadas segundo as respectivas necessidades e drenadas pela forma tecnicamente mais aconselhável.
Para tal efeito o organismo encarregado de proceder à operação em causa promoverá a realização dos necessários melhoramentos de interesse colectivo e até a execução de abras de interesse individual exigidas pela necessidade de corrigir possíveis injustiças resultantes da execução do projecto.
A recomposição não deverá implicar a diminuição da área ou, pelo menos, do valor de rendimento e troca das primitivas propriedades.
Evitando soluções que possam assemelhar-se a reformas agrárias de sentido perigoso, tentar-se-á, sempre que possível, melhorar as condições de exploração de unidades agrícolas que pela sua área insuficiente ou pela deficiente ou desequilibrada aptidão cultural das respectivas parcelas não possam reputar-se economicamente viáveis, recorrendo-se para tal à aquisição de terras e à incorporação nas explorações deficitárias de terrenos do domínio público ou comum de que seja possível dispor.
Aquela operação de concentração de parcelas aludida em primeiro lugar pode designar-se como simples reagrupamento predial. A operação de recomposição que a seguir foi mais detalhadamente descrita recebe modernamente a designação de emparcelamento integral ou, mais simplesmente, emparcelamento (1).
28. Sem prejuízo da realização de simples reagrupamentos prediais, nos países europeus que mais atenção têm dedicado ao emparcelamento da propriedade ou da exploração considera-se que a estrutura agrária que domina na Europa Ocidental exige vastas e profundas operações de emparcelamento integral. Mas o emparcelamento pode ainda ser considerado como uma operação de recomposição agrária que razões fortes, designadamente a necessidade de boa propaganda do sistema e o baixo nível de vida das populações rurais, aconselham a incluir num plano mais complexo de reconstituição económico-social, a alcançar mediante a simultânea realização de melhoramentos rurais (electrificação, abastecimento de águas, ligações rodoviárias e telefónicas, etc.) susceptíveis de, a par dos normais efeitos económicos que provocam, influírem favoravelmente no teor geral de vida e, nomeadamente, na valorização social dos trabalhadores do campo (2).
(1) Exceptuados apenas os terrenos que, por razões de natureza diversa a analisar oportunamente, não devam ser objecto de concentração.
(2) Em Franca, as primeiras «reuniões territoriais» de que há memória foram «realizadas pelos habitantes de Rouvres em 1697.
Já em 1540, porém, se havia procedido em Kemptem (Alta Suábia) a operações do emparceiramento. Igualmente no século XVI o cantão de Berna (Suíça) havia adoptado medidas que permitiram realizar alguns reagrupamentos prediais.
(1) É este emparcelamento integral o que JEAN MARIE SCHMERBER tem em vista ao descrever o reemparceiramento rural como uma operação de reconstituição fundiária correspondente a uma expropriação por utilidade pública das propriedades do uma zona determinada, realizada por forma que cada proprietário receba, como compensação, uma nova propriedade cuja exploração agrícola possa exercer tão satisfatoriamente quanto possível em parcelas que satisfaçam aos requisitos seguintes: serem suficientemente grandes e contínuas; revestirem uma configuração favorável à prática de operações culturais; estarem localizadas por forma a facilitar estas operações no que respeita à comodidade de acesso ao terreno o a facilidade de drenagem (Remembrement Rural, p. 116).
Não cuidando de discutir aqui a tese de que a operação de emparcelamento implica, quando efectuada em cortas circunstâncias, uma expropriação por utilidade pública, o mérito da definição de SCEMERBER reside no relevo que dá nos objectivos técnico-económicos do emparcelamento, cuja prossecução exige a realização dos melhoramentos fundiários a que no texto se foz referência.
(2) V. «Sobre o Emparcelamento da Propriedade Rústica», artigo do engenheiro agrónomo Vasco Leónidas, in Vida Agrícola, Março-Abril, 1959.
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29. Ora bem: o conhecimento das características da estrutura fundiária portuguesa permite-nos afirmar, sem necessidade de mais largas explanações, que embora se revele aconselhável estimular e facilitar, mediante a adopção de providências de ordem jurídico-fiscal e apoio técnico adequado, operações de emparcelamento especial ou limitado e de simples reagrupamento predial, em muitos casos se impõe a execução de planos de emparcelamento geral no interior de zonas previamente demarcadas.
Nesses casos em que se mostre ser necessário actuar mais directa e profundamente com vista a produção de um efeito bem marcado na estrutura- agrária local, e de um modo geral nas condições de vida da respectiva população rural; a operação que convém executar é a de emparcelamento integral, encarado como um conjunto de medidas de reconstituição económico-social da zona considerada.
Finalmente, impõe-se aqui consignar que sem prejuízo de, sempre que possível, se promover a concentração das parcelas sujeitas a uma exploração comum, o emparcelamento deve em primeira linha, na presente conjuntura económico-agrária nacional, visar o reagrupamento das parcelas constitutivas da propriedade.
§4.º
Emparcelamento voluntário e emparcelamento coercivo
30. Definido o emparcelamento, mediante a referência aos fins que visa, como operação integrada num plano mais ambicioso de recomposição agrária destinado a contribuir para a elevação do nível económico-social das populações rurais, ocorre agora versar um problema que nesta matéria é de fundamental importância.
O problema que aqui se põe é o de saber se a iniciativa da elaboração e execução do emparcelamento deve caber nos Poderes Públicos ou antes aos próprios interessados, isto é, se o emparcelamento deve resultar de uma actuação voluntária e espontânea dos proprietários locais ou ser decretado coercivamente pelo Estado.
Num sistema de emparcelamento genuinamente espontâneo caberia aos particulares não só o poder de desencadear o processo jurídico-administrativo respeitante à elaboração e execução dos projectos respectivos, como ainda a faculdade de, em qualquer momento, sustar a realização de uma operação cujo modus faciendi não lhes proporcionasse plena satisfação.
Ao contrário, num sistema de emparcelamento absolutamente coercivo pertenceria ao Estado a iniciativa de promover o emparcelamento, elaborando e executando os respectivos projectos, sem que os proprietários interessados fossem chamados a pronunciar-se sobre a conveniência da operação planeada ou sobre a forma de a realizar, muito embora não lhes fosse recusado socorrerem-se dos meios contenciosos legalmente instituídos para impugnar actuações concretas dos Poderes Públicos violadores da lei aplicável.
Qualquer destes sistemas puros tem inconvenientes sérios, que se evidenciarão através da exposição subsequente.
31. Cumpre, porém, acentuar desde já que a escolha entre o emparcelamento coercivo e o emparcelamento espontâneo depende de razões de conveniência em que se não pode abstrair das tradições históricas e sociais do País, bem como dos próprios hábitos, tendências e grau de cultura da respectiva população - em suma, da sua mentalidade e das reacções psicológicas previsíveis.
De qualquer modo, é unanimemente admitido que o êxito de um plano de emparcelamento depende muito do acolhimento que lhe reservem, os proprietários interessados, sendo em princípio desaconselhável que a respectiva execução seja decretada pelos Poderes Públicos contra a vontade expressa da maioria dos proprietários atingidos pela operação planeada.
Por isso mesmo, o processo jurídico-administrativo regulador da execução do emparcelamento tem sido adaptado em cada país ao respectivo condicionalismo social e agrário, por forma a suscitar um mínimo de reacções desfavoráveis e um máximo de colaboração útil por parte da população atingida.
32. Em países de estrutura agrária muito defeituosa e dotados de uma população relutante em tomar a iniciativa ou, pelo menos, em aderir prontamente a medidas destinadas a corrigir vícios estruturais, são os governos respectivos forçados a usar de métodos mais acentuadamente coercivos, pelo menos para enfrentar situações que, a semelhança do que acontece em matéria de emparcelamento, aconselham uma actuação expedita par parte dos Poderes Públicos.
Vejamos qual foi na vizinha Espanha a solução dada ao problema - o que para nós tem particular interesse, dadas as semelhanças entre a estrutura agrária dos dois países s entre o nível económico-social e a própria maneira de ser das populações peninsulares (1).
O emparcelamento em Espanha pode ser requerido por 60 por cento dos proprietários interessados, que simultaneamente dominem 60 por cento da área do perímetro a emparcelar, e pode também o Ministério da Agricultura promover o emparcelamento sempre que o considera muito conveniente ou necessário em face de razões graves de natureza económico-agrária ou social, ou ainda sempre que lho solicitem o «Catastro» os «Ayuntamientos», as «Hermandades de Labradores» ou as «Câmaras Oficiales Sindicales Agrarias» (v. artigos 1.º e 10.º, alíneas a) e b), da Ley de Concentración Parcelaria, texto refundido de 10 de Agosto de 1955).
Quer dizer: a lei espanhola admite o emparcelamento espontâneo e o emparcelamento coercivo.
Mesmo quando requerido pelos proprietários interessados, o emparcelamento só se fará, porém, se o organismo competente (Servicio de Coucentración Parcelaria), depois de inquéritos a que proceda, o reputar viável e conveniente.
Nesta hipótese, a concentração parcelaria será ordenada por decreto e o Servicio de Concentración estudará, seguidamente, as bases fundamentais a que deve obedecer a elaboração e execução do projecto de emparcelamento.
Tais bases são, depois, submetidas à apreciação dos interessados, aos quais é facultado apresentar as reclamações que entenderem. Julgadas estas, e fixadas as referidas bases, será elaborado, em conformidade com elas, o anteprojecto de emparcelamento, sujeito também a reclamações dos proprietários atingidos pela operação de emparcelamento.
O projecto definitivo a executar terá em conta o resultado das reclamações formuladas.
Do exposto resulta que em Espanha o emparcelamento espontâneo se torna praticamente coercivo logo que, apresentado o pedido pela maioria legal dos in-
(1) V. Visita, de Estudo aos Serviços de Emparcelamento da Propriedade Rústica de Espanha e França, valioso relatório elaborado em 1958 paia a J. C. I. pelos engenheiros agrónomos JOÃO D. VAZ PEREIRA, JAIME D. CONCEIÇÃO SILVA e AMADEU DA SILVA FERREIRA.
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teressados e julgada conveniente a realização da operação, o Governo a decreta. Na verdade, a partir desse momento a efectivação do emparcelamento não fica mais dependente do parecer dos proprietários afectados, os quais apenas poderão, pelos meios jurisdicionais próprios, reagir contra a actuação do serviço de concentração quando este se afaste das bases anteriormente furadas (').
33. Qual o sistema mais satisfatório para o nosso país no momento em que pretende iniciar-se a realização do emparcelamento e em que, portanto, e necessário actuar simultaneamente com decisão e prudência?
Conhecida a mentalidade da nossa população rural, caracterizada por um baixo nível de cultura, pelo seu apego à rotina, pelo seu entranhado amor à própria terra, não pode, manifestamente, enveredar-se em Portugal por um sistema de pura espontaneidade, confiando aos proprietários a iniciativa de solicitar o emparcelamento.
Também não se afigura conveniente optar por um sistema marcadamente coercivo, susceptível de provocar resistências ou reacções inconvenientes e de prejudicar, consequentemente, o clima propício à necessária colaboração.
Uma solução possível sem a de permitir que a iniciativa do emparcelamento partisse indiferentemente dos interessados ou dos Poderes Públicos, cabendo ao Estado a elaboração dos projectos de emparcelamento, que depois de concluídos seriam submetidos à aprovação dos interessados para se executarem apenas quando estes emitissem, em face do projecto ultimado, um voto favorável.
Contra um sistema assim delineado podem, porém, deduzir-se duas objecções: por um lado, tal sistema não permitiria a realização do emparcelamento quando os interessados não aprovassem o projecto elaborado, não obstante verificar-se na hipótese concreta um condicionalismo social e agrário de tal gravidade que o emparcelamento se apresentasse como medida necessária e urgente; por outra via, o sistema poderia conduzir a que o organismo encarregado de promover o emparcelamento realizasse um esforço considerável com vista à elaboração de um projecto e visse depois (em face de uma rejeição, porventura caprichosa, do resultado do seu esforço) reverter em pura perda um considerável dispêndio de meios técnicos e financeiros.
A estas dificuldades obvia, como se referiu, a lei espanhola.
Merecerá, por isso, o sistema espanhol ser acolhido entre nós?
A Câmara Corporativa inclina-se no sentido de que a solução espanhola não é satisfatória. Ela conduz, na verdade, a que a elaboração de um projecto de emparcelamento só tem lugar após a aprovação definitiva, com intervenção dos proprietários interessados, das bases em que o projecto assentará. Mas este sistema implica, por outro lado, a desagradável possibilidade de o emparcelamento vir a executar-se contra vontade dos interessados que embora subscrevendo inicialmente o pedido de emparcelamento e conformando-se depois com as bases fundamentais do projecto a elaborar, porventura não aprovariam o projecto de emparcelamento se este lhes- fosse submetido depois de ultimado. Quer dizer: o sistema espanhol pode vir a traduzir-se num processo coercivo, com todos os inconvenientes que lhe são inerentes.
É, com efeito, inegável que a sujeição à apreciação dos interessados das bases fundamentais referidas não dá plena satisfação aos interesses particulares em causa, porque os proprietários, ao apreciá-las, acham-se em presença de matéria necessariamente vaga, que não foca, concretamente, o caso particular de cada um. Só o projecto definitivo permite que os proprietários se apercebam claramente da medida em que são afectados pelo emparcelamento e só nesse momento poderão, consequentemente, ser chamados a dar uma aprovação consciente e operante.
34. Bem diverso do consagrado na lei espanhola é o sistema articulado no projecto em apreciação: iniciados, por iniciativa da Junta de Colonização Interna ou a pedido de algum, ou alguns dos proprietários interessados, os estudos necessários para fins de emparcelamento, os destinatários das medidas de recomposição agrária planeada só são chamadas a pronunciar-se sobre se a operação de emparcelamento deve ou não executasse, depois de ultimado o anteprojecto respectivo - num- momento, pois, em que já são colocados perante as soluções concretas, expostas com todos os pormenores, achadas para os diversos problemas que o emparcelamento suscita e para o caso particular de cada proprietário. É em relação a esse minucioso anteprojecto que os interessados vão pronunciar-se, aprovando-o ou rejeitando-a.
Ora afigura-se à Câmara Corporativa que, pelo menos na fase de arranque de um plano de recomposição agrária baseada no emparcelamento, o sistema consagrado no projecto governamental é superior à solução espanhola na medida em que permite enfrentar, com melhores probabilidades de êxito, as resistências que possam surgir no seio de populações rurais insuficientemente preparadas.
Para completo esclarecimento da matéria convém, porém, estudar com alguma largueza as bases em que assenta e as condições em que praticamente virá a funcionar o sistema articulado no projecto em apreciação para, respeitando-o embora, lhe serem introduzidas as correcções que se reputem necessárias.
35. Na elaboração e execução de um plano de emparcelamento distinguem-se nitidamente três momentos ou fases sucessivas:
a) Na primeira o organismo legalmente competente para realizar os trabalhos de recomposição agrária procederá a um inquérito acerca do ambiente económico-social dominante em determinada zona rural, destinado a estudar as vantagens que da realização de um plano de emparcelamento poderão resultar, a delimitar o perímetro da zona considerada, a fazer a estimativa do custo da realização do plano de emparcelamento, a determinar o grau de viabilidade técnico-económica da execução do projecto de reorganização agrária era função do custo respectivo e dos
(') Na Noruega a decisão quanto à realização do emparcelamento não é tomada pelos proprietários interessados e antes por um tribunal de emparcelamento, instituído para resolver as questões decorrentes da execução de operações de reconstituição fundiária e, designadamente, a referida questão prévia.
Na Irlanda a recomposição agrária é decidida, projectada e executada por um organismo criado para tal fim, único responsável pela realização do programa de emparcelamento, não tendo assim os proprietários interessados interferência decisiva a favor ou contra os projectos governamentais.
Na Bélgica os projectos de emparcelamento são submetidos a sufrágio dos interessados, distribuídos por dois grupos: o dos proprietários ou usufrutuários e o dos exploradores directos. Basta a simples maioria, em número e superfície de torras formada nos dois grupos, para decidir quanto à realização do emparcelamento, cabendo ao Governo resolver quando, formada tal maioria num dos grupos, a votação favorável ultrapasse no outro 25 por cento dos votantes e se esteja em presença de uma situação que imperiosamente exija medidas de emparcelamento.
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resultados previsíveis, a conhecer as dificuldades e resistências que poderão surgir no seio das populações afectadas pelo emparcelamento e os benefícios a conceder ou melhoramentos a introduzir no meio rural visado com vista a eliminar tais resistências ou dificuldades; .
b) Seguir-se-á depois, em face dos resultados favoráveis daquele inquérito, a elaboração do projecto de emparcelamento a submeter ulteriormente à apreciação dos interessados;
c) Finalmente, terá lugar a execução do projecto que, julgadas as reclamações apresentadas, se considere definitivo.
36. Ora bem: a efectivação do estudo ou inquérito preliminar não deve, em caso algum, ficar dependente da manifestação da vontade em tal sentido de um grupo mais ou menos numeroso de interessados, desde que n custo respectivo seja integralmente suportado pelo Estado.
Isto não significa que um certo número de proprietários ou mesmo um proprietário isolado, ou um organismo representativo de interesses da lavoura, não possam lembrar ou manifestar aos Poderes Públicos a necessidade ou, pelo menos, a conveniência de se proceder a uma dada operação de emparcelamento. Mas significa que o Estado se reserva a faculdade de dar ou recusar bom acolhimento às solicitações que em tal sentido lhe sejam dirigidas e, mesmo quando tais solicitações não existam, que o Estado não fica inibido de ordenar o aludido estudo ou inquérito preliminar.
37. Procedeu-se, porém, a tal inquérito e conclui-se que a operação de emparcelamento se reveste de interesse económico ou social que justifica o custo global respectivo.
Como vai dar-se o passo em frente que concluis a 2.º fase atrás discriminada?
Deverá o Estado, oficiosamente, iniciar a elaboração do projecto de recomposição agrária ou deverá aguardar que os interessados lho requeiram?
Importa ter bem presente, ao chegar a este ponto, que os mais graves problemas de ora em técnica, económico-agrária e social que a execução do emparcelamento comporta se inserem na fase de elaboração do respectivo projecto. É então que o Estado põe em campo todos os meios de que dispõe e que implicam o dispêndio de avultados recursos financeiros.
Assim, é manifesto que um governo dominado pela preocupação de aplicar criteriosa e utilmente os limitados recursos do Estado não pode correr o risco de esbanjar, em projectos de emparcelamento cuja execução só antolhe duvidosa, vultosos meios financeiros que melhor aplicação prática poderão ter quando encaminhados para operações de mais segura realização.
Quer dizer: quando, após um estudo preliminar de resultados animadores, o Governo decide abalançar-se à elaboração de um dispendioso projecto de emparcelamento, tem de partir desde logo de bases seguras:
Ou da convicção firme, fundada em razões sérias, de que um número legalmente suficiente de interessados aprovará no momento próprio o projecto de emparcelamento,
Ou da decisão prévia de impor coercivamente a execução do emparcelamento, aconselhada pela necessidade de acautelar altos interesses económico-sociais, no caso de o projecto respectivo não obter a aprovação da maioria bastante dos proprietários interessados.
Analisemos cada uma destas duas hipóteses consideradas.
38. Como é que o Governo pode adquirir a convicção segura de que o projecto de emparcelamento elaborado pelos respectivos serviços virá a merecer a aprovação os proprietários interessados?
Disse-se que o êxito de um plano de emparcelamento depende muito do acolhimento que lhe façam os agricultores da zona a valorizar e que, por consequência, não pode descurar-se o uso de qualquer dos meios conducentes a criar bom ambiente à recomposição projectada.
Ora convém a este respeito referir que durante a realização do inquérito preliminar deve ser desenvolvida uma intensa campanha para esclarecer a população local sobre as vantagens do emparcelamento, sobre os propósitos governamentais e processos a adoptai- na realização concreta dos planos de recomposição, sobre os melhoramentos a introduzir, por conta do Estado, na zona sujeita a emparcelamento, sobre a assistência técnica que porventura será prestada aos agricultores, sobre os beneficiou fiscais que terão conceda os e sobre o que se tenha já realizado noutras zonas, acentuando-se que nenhum desembolso será exigido dos proprietários afectados.
Para tal campanha deverá ser solicitado o concurso dos autoridades locais, dos grémios da lavoura e Casas do Povo, a colaboração dos párocos e professores e
geralmente de todas as pessoas mais ilustradas e capazes e exercer influência no espírito dos proprietários menos cultos ou mais desconfiados (1).
A indispensável, propaganda deverá ser realizada mediante a utilização de cariasses apropriados, de folhetos elucidativos, de filmes, emissões radiofónicas, palestras ou simples trocas de impressões directas com os agricultores e também - o que é muito importante - mediante a organização de excursões a zonas onde o emparcelamento tenha sido já realizado com êxito.
O emparcelamento faz a sua própria propaganda quando estudado com prudência e sentido das realidades e realizado com prontidão e generosidade.
O nível de cultura das populações directamente visadas peio emparcelamento, as tradições da região, o ambiente económico e social da zona a reconstituir e outros diversos factores exercem uma influência fundamental na qualidade das reacções que o emparcelamento pode provocar.
Mas não é legítimo duvidar de que, com maiores ou menores exigências de esclarecimentos e compreensão, quase todos acabam por apreender o sentido dos seus próprios interesses e conveniências.
Os serviços competentes a percebem-se facilmente, desde que os norteie tal preocupação, da reacção produzida pelos planos de recomposição anunciada. E podem assim formar uma convicção que lhes permitirá arrancar para a elaboração dos projectos de emparcelamento com a fundamentada expectativa de uma adequada compreensão e colaboração popular e, portanto, com uma tranquilizadora segurança quanto à aprovação final do projecto a elaborar.
39. Ultimado o projecto, é este submetido, com todos os necessários pormenores, à apreciação dos interessados. Surgem reclamações, que são atendidas ou desatendidas; recebem-se aprovações formais de alguns; outros não se pronunciam.
(') V. sobre esta matéria Le Remembrement dos Exploilations Agrícolas- [...]. fls. 38 e seguintes e O Emparcelamento da Propriedade em França. - Relatório do uma visita de estudo, pelo engenheiro agrónomo ALBERTO JOSÉ LAGO DE FREITAS.
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Impõe-se admitir que o projecto é aprovado por aqueles, proprietários cujas reclamações foram atendidas e rejeitado pelos que não obtiveram satisfação para as suas.
Quanto aos que nada disseram è geralmente aceite a orientação de os considerar como favoráveis ao projecto de emparcelamento. Aplica-se aqui o velho aforismo: qui tacet assentit.
É certo que muitas vezes quem cala nem diz que sim nem diz que não. Mas, na hipótese em apreciação, é razoável concluir que consente quem se cala, pois o agricultor que, em face de um projecto de emparcelamento, pelo qual é directamente atingido, não reclama nem protesta, naturalmente o aceita, com maior ou menor entusiasmo, ou, pelo menos, não tem razões para o rejeitar. Pode pois, legitimamente, ser considerado, aderente (1).
40. Feitas as contas finais, apurou-se se o projecto foi ou não aprovado.
Mas qual a maioria de votantes necessária para haver aprovação?
Tem-se exigido em alguns países maiorias até dois terços dos proprietários interessados.
A tendência geral é, porém, para restringir tal maioria qualificada, admitindo-se que uma maioria numérica simples, que simultaneamente seja representativa da maioria do rendimento colectável ou de mais de metade da área dos prédios a emparcelar, é suficiente para determinar a realização do emparcelamento. E, na verdade, não só tal maioria se afigura satisfatória, como se impõe reconhecer que a sua existência pressupõe um interesse digno de prossecução, de que o Estado se não deve alhear.
E a este respeito não interessará fazer mais larga explanação, porquanto já no parecer da Câmara Corporativa emitido em 1952 se entendeu ser exagerada a maioria de dois terços exigida no Decreto n.º 5705, de 10 de Maio de 1919, como condição da realização do emparcelamento.
Aí ficou escrito: «a dupla maioria de dois terços do número dos proprietários e de dois terços da superfície dos prédios respectivos como condições da exequibilidade do emparcelamento é muito alta: dificulta grandemente a operação. Há que minorá-la, para que esta possa tornar-se realidade prática ...».
E, em plena conformidade com o pensamento informador destas palavras, consignou-se na base IX do articulado sugerido à Assembleia Nacional que «o projecto de recomposição elaborado pela Junta fica dependente de aprovação da maioria dos proprietários com a maioria de rendimento colectável».
Não tem a Câmara Corporativa razões para alterar o que então se considerou razoável.
41. Não obstante, porém, a expectativa que esteve na base do esforço considerável despendido na elaboração do projecto de emparcelamento, um conjunto de reacções imprevisíveis pode conduzir a maioria dos interessados, por razões julgadas improcedentes pelos organismos encarregados de apreciar as reclamações apresentadas, a rejeitar o projecto de emparcelamento.
Tendo em conta que o emparcelamento é planeado e executado em toda a Europa, tal com deve ser em Portugal, por razões de utilidade pública manifesta e que em nenhum país se justifica mais do que no nosso o recurso a processos expeditos, embora prudentes, de avançar na realização de uma obra que há muito se impõe, afigurou-se defensável a tuna parte da Câmara a concessão no Estado, quando reafirmada pela Administração a imperiosa necessidade económico-social da recomposição agrária, projectada, do poder de decretar o emparcelamento coercivo.
A decisão do Estado de impor o emparcelamento a uma maioria relutante em aceitá-lo poderia, na verdade, em certas hipóteses, apresentar-se como particularmente aconselhável.
Assim aconteceria, por exemplo, quando o estabelecimento de um indispensável sistema de irrigação ou drenagem em determinada zona só pudesse considerar-se economicamente viável após a realização de operações de emparcelamento susceptíveis de permitir um traçado de canais ou drenos tecnicamente racional; quando a maioria hostil ao emparcelamento fosse notoriamente escassa; quando a minoria favorável excedesse certos limites (fosse, por exemplo, superior a 25 por cento) e simultaneamente representasse a maior parte da área de terras afectadas pela operação ou do respectivo rendimento colectável; quando o pedido de emparcelamento tivesse sido inicialmente subscrito pela maioria legal dos proprietários interessados e estes, mais tarde, por razões julgadas improcedentes, acabassem por se pronunciar contra o projecto de emparcelamento, frustrando assim a formação da necessária maioria.
42. Apesar do mérito das razões expostas a Câmara Corporativa inclina-se no sentido de que não se afigura conveniente, por sérias razões de ordem político-social, impor o emparcelamento nos casos em que a maioria dos interessados o haja rejeitado.
Na verdade, se, apesar da promessa de melhoramentos fundiários e rurais a realizar, o esforço de propaganda e captação desenvolvido junto da população local se revelou, em última análise, improfícuo, isso significa que a hostilidade ao emparcelamento é tão viva que não poderá deixar de se considerar perigosa qualquer tentativa no sentido de impor a operação recusada.
De resto, é legítimo esperar que a modificação de algumas condições locais, conjugada com a evolução que inevitavelmente se processará no mundo circundante, acabará por determinar os proprietários de uma zona a aprovar amanhã, sem pressão dos Poderes Públicos, o projecto que agora rejeitaram, bastando para tanto que alguns exemplos felizes se lhes possam oferecer em abono do emparcelamento proposto.
A concessão ao Governo da faculdade de decretar o emparcelamento coercivo só seria admissível, de qualquer modo, em casos excepcionais, e pode considerar-se seguro que o Governo acabaria, em atenção a razões válidas, por não usar do seu poder de coacção, recorrendo antes a meios suasórios, com vista à modificação gradual do clima local desfavorável.
Assim, afigura-se inconveniente consagrar uma excepção de carácter um tanto odioso, susceptível só por si de envenenar a expectativa favorável com que naturalmente será recebida pelo País a legislação sobre emparcelamento.
43. Uma solução possível, partindo do princípio da inconveniência político-social de o Estado decretar o emparcelamento nas hipóteses em que a maioria dos interessados o rejeitasse, seria a de conceder à minoria vencida a faculdade de recorrer para o Governo do resultado da votação, com base em razões abonatórias da necessidade económico-social do emparcelamento.
Mas não só uma actuação desta natureza poderia determinar a eclosão de graves litígios entre grupos locais, susceptível de adulterar profundamente as relações de vizinhança e, de um modo geral, o clima social da respectiva comunidade rural, como poderia condu-
(1) Assim se entende na Holanda e na Suíça, pelo menos.
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zir, em última análise, á desaconselhável imposição pelo Estado do emparcelamento recusado. E não se vê a razão por que, a admitir-se o emparcelamento, coercivo, o Estado não haveria du só determinar logo, por sua iniciativa, em tal sentido.
§ 5.º
Resultados do emparcelamento
44. Feito o balanço du que anteriormente se explanou com certa largueza, os objectivos do emparcelamento podem esquematizar-se assim: entrega, a cada proprietário - tendo em couta as necessidades e conveniências da respectiva exploração-, de um único prédio ou de um número mínimo de prédios com uma superfície, qualidade de terra, classes de cultura e valor de rendimento equivalentes aos que anteriormente possuía; estabelecimento de uma rede de comunicações rurais adequadas a satisfazer as exigências locais de transporte cómodo e rápido e a permitir a eliminação de encraves prediais; ampliação das dimensões de parcelas insuficientes sob o ponto de vista técnico-agrário; localização conveniente, em relação à sede da exploração, das parcelas constitutivas da propriedade, ou instalação de novos centros de lavoura, por forma a permitir ao empresário rural uma direcção e fiscalização conveniente das actividades agrícolas; realização de melhoramentos fundiários, designadamente o estabelecimento de uma conveniente rede de irrigação e drenagem da zona em parcelada; concentração, sempre que não se firam os legítimos interesses dos proprietários, das parcelas cultivadas pelo mesmo arrendatário e cuja exploração conjunta convém facilitar.
E tudo isto tem em vista, no fim de contas, o incremento da produtividade do trabalho agrícola e o integral aproveitamento do capital fundiário, sob o signo de uma agricultura tecnicamente evoluída, capaz de enfrentar mercados de concorrência e de proporcionar aos que nela labutam um padrão de vida satisfatório.
1 - Recomposição predial
45. Alcançar-se-ão na prática, porém, os ambiciosos resultados que através do emparcelamento se pretende obter? O que nos diz a este respeito a experiência dos países em que o emparcelamento tem sido executado?
Pelo que respeita concretamente à correcção dos mais graves vícios inerentes a situações de pulverização agrária (alto grau de dispersão da propriedade, exiguidade cias respectivas parcelas e grande número de prédios encravados), afiguram-se inteiramente satisfatórios os resultados da recomposição predial empreendida mediante o recurso ao emparcelamento.
Vejamos, em face do quadro que se segue, o que aconteceu em Espanha - dado que a experiência espanhola se reveste paru nós de interesse especial, além de que os números apresentados não diferem, sensivelmente, dos respeitantes ao emparcelamento noutros países europeus.
[ver tabela na imagem]
Fonte: «Visita du Estudo aos Serviços de Emparcelamento da Propriedade Rústica de Espanha o França» - Relatório leito em 1959 para a Junta de Colonização Interna pelos engenheiros agrónomos Vaz Pereira, Conceição Silva e Silva Ferreira.
46. Em 1944-1945 a Junta de Colonização Interna elaborou na freguesia de Vale da Madre, concelho de Mogadouro, Trás-os-Montes, já então submetida a cadastro geométrico, um projecto de emparcelamento visando fins de estudo e preparação de técnicos.
Os resultados teóricos, no que respeita à recomposição fundiária visada, resultam do quadro seguinte, bem expressivo, não obstante as dificuldades com que os serviços da Junta de Colonização Interna tiveram de lutar, das possibilidades de imprimir à propriedade uma melhor ordenação.
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[ver tabela na imagem]
Fonte: «O Emparcelamento da Propriedade Rústica - O Caso Português» - Projecto do um trabalho a apresentar à reunião da F. A. O., pelo engenheiro agrónomo Cândido Ferreira, 1956.
47. «A excessiva fragmentação da propriedade imprime à paisagem um tipo correspondente a um ordenamento que se afasta do racional aproveitamento dos recursos naturais» - diz-se, fundadamente, no relatório do projecto governamental.
O efeito de recomposição predial que o emparcelamento normalmente produz surge, expressivamente documentado, nos mapas que seguidamente se apresentam. Neles se espelha, por forma impressionante, a transformação da paisagem rural que o emparcelamento sempre produz.
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Resultados do emparcelamento
Emparcelamento da zona de [...] (Sorla-Espanha)
Superfície total do perímetro - 670 ha.
Superfície concentrada - 634 ha.
Número de proprietários - 56.
Coeficiente de concentração obtido - 97,2 por cento.
Índice
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[ VER IMAGEM]
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2-Efeitos da natureza económica
48. Em que medida, porém, se traduzirá em vantagens de ordem económica a recomposição fundiária resultante do emparcelamento?
Tais vantagens são, necessariamente, as correspondentes à eliminação dos inconvenientes oportunamente apontados (supra n.ºs 11-12) da pulverização agrária, e que em resumo, se produzem numa apreciável economia de mão-de-obra, de capitais fixos, de transportes, de sementes (l) e de vedações. E notável o aumento do produção alcançado (2) nas zonas submetidas ao emparcelamento e a diminuição das despesas da exploração, que, nalguns casos é de cerca de 30 por cento, o que tudo conduz a um apreciável aumento do rendimento do empresário agrícola e do próprio valor venal e locativo das explorações resultantes do emparcelamento (3).
Num relatório internacional, a que por diversas vezes se fez já referência, consignou-se, tendo em conta os resultados do emparcelamento nos diversos países da Europa, que em toda a parte onde foi executada aos cultivadores colheram grandes benefícios da reorganização agrária. Uma exploração mais intensiva e a baixa dos custos de produção aumentaram acentuadamente a rentabilidade das explorações agrícolas e melhoraram o nível de vida.
Uma análise cuidada da documentação fornecida mostra que se os resultados diferem muito de caso para caso, sempre o emparcelamento se repercute por forma altamente favorável no volume da produção e no padrão de vida das populações rurais.
Com todas as reservas justificadas pela existência de casos especiais, pode afirmar-se que em condições médias:
1. O rendimento bruto da exploração pode ser acentuadamente aumentado, presumivelmente de 20 a 70 por cento, segundo a importância da operação do emparcelamento;
2. Os métodos de trabalho serão profundamente modificados em consequência das correcções estruturais alcançadas, eliminando os esforços não produtivos.
(1) a) Economia de sementes: segundo um estudo efectuado em Franca, numa região em que foram emparcelados 549 ha, pertencentes a 118 proprietários, obtiveram-se as seguintes economias nos gastos de semente: grande exploração, 1,6 por cento; média exploração, 2,8 por cento, e pequena exploração, 5,8 por cento;
b) Economia de capitais fixos (gados e máquinas): segundo o mesmo estudo, a grande exploração pôde dispensar três cavalos (catorze em vez de dezassete); a média exploração dois cavalos; a pequena exploração continuou com os mesmos dois cavalos, mas estes permitiriam cultivar uma área maior. Segundo outro estudo, o reagrupamento de parcelas de uma propriedade com 160 ha permitiu economizar cinco cavalos, duas charruas e 25 por cento do restante material agrícola;
c) Economia de mão-de-obra: na Suíça está oficialmente calculado que a economia de mão-de-obra nas propriedades emparceladas atinge 20 por cento. (V. HENRIQUE DE BARROS, Economia Agrária, vol. III, pp. 230 e seguintes).
(2) Num caso concreto (emparcelamento, em França, de 549 ha) verificou-se que a grande exploração produziu, globalmente, mais 10 por cento; a média exploração registou os seguintes acréscimos: trigo, +16 por cento; aveia, +28 por cento, e beterraba, +20 por cento; a pequena exploração beneficiou do um aumento não inferior, em média, a 25 por cento. (Cf. HENRIQUE DE BARROS, ob. cit., vol. III, p. 282).
No mesmo sentido, e para mais completa informação, v. Remembrement on Europe, p. 41, e LAGO DE FREITAS, «Interesse Económico-Social do Emparcelamento da Propriedade Rústica», conferência proferida em Viana do Castelo, 1960.
3) De acordo com um inquérito feito em França e abrangendo 78 comunas esses aumentos foram, respectivamente, da ordem dos 25 e 40 por cento.
Cf. LAGO DE FREITAS. «Interesse Económico-Social do Emparcelamento da Propriedade Rústica», conferência citada.
3. As necessidades de mão-de-obra serão sensivelmente reduzidas» (1).
§ 6.º
Perspectivas sobre emparcelamento em Portugal
49. Quando se procure apurar quais poderão ser, no nosso país, os resultados práticos do emparcelamento, algumas realidades há de que convém partir para não sermos vítimas de perigosas ilusões.
Antes de mais note-se que as regiões de propriedade pulverizada apresentam -normalmente, em consequência da cultura amorosamente intensiva a que têm sido sujeitas ao longo dos séculos, um aspecto muito peculiar que em muitos casos contra-indica, ou pelo menos pode dificultar gravemente, a execução do emparcelamento. Quem percorrer algumas dessas regiões, designadamente o Minho, deparará por toda a parte com prédios altamente valorizados por benfeitorias agrícolas (muros e outras construções rústicas, ramadas em ferro, sistemas próprios de irrigação e drenagem) e sujeitos a culturas (vinha, pomar, olival) que tornam particularmente difícil a execução de uma operação colectiva de trocas.
O projecto governamental não se alheou desta realidade, ao proceder à enumeração dos terrenos que, salvo acordo dos interessados, deverão ser excluídos das operações de recomposição agrária. Pode, porém, dizer-se que abstraindo de algumas manchas de reduzida área, nas regiões de propriedade pulverizada a proporção de terrenos passíveis de operação de emparcelamento é notavelmente reduzida.
Tais manchas existem, porém, sobretudo em zonas de planura, por via de regra na orla costeira - predominando nelas a terra de qualidade homogénea, afecta a culturas do mesmo tipo e pouco benfeitorizada (2). Para tais regiões estarão reservadas, naturalmente, as primeiras operações de emparcelamento a realizar, tal como o estarão depois naquelas zonas em que o emparcelamento é, de certo modo, condição prévia do estabelecimento de sistemas de irrigação e drenagem que muito podem contribuir para melhorar a produtividade do solo (3).
50. Mas o problema agrava-se quando dos vales se vai subindo para os terrenos montanhosos, característicos de vastas regiões do País. As apontadas dificuldades do emparcelamento também aí se verificam, agravadas por acidentes naturais do terreno, que por via de rega não permitirão mais do que alguns limitados reagrupamentos prediais. Tais regiões são, porém, normalmente, das mais carecidas de melhoramentos fundiários e, sobretudo, de melhoramentos rurais - isto é, daquelas em que o emparcelamento, proporcionando resultados mais -escassos, implicaria um custo particularmente elevado.
Pode pois dizer-se que tais regiões exigem uma actuação directa dos Poderes Públicos, com vista a melhorar as condições de vida das respectivas populações - que são das mais propensas à emigração. Dificilmente se concebe, porém, que tal intervenção possa cingir-se à execução de operações de emparcelamento.
(1) Remembrement on Europe, pp. 41 e 42.
(2) Assim acontece, por exemplo, nas veigas de Afife, Carroço e Areosa (Viana do Castelo) e na várzea de Cabanelas (Vila Verde-Braga), onde a Junta de Colonização Interna já procedeu a estudos para fina de emparcelamento.
(3) Em Espanha, o Serviço de Concentração Parcelaria só há pouco começou a proceder a emparcelamentos na Galiza, depois de obtida experiência em operações mais fáceis realizadas em zonas de planície, caracterizadas pela falta de arborização de irrigação e de apreciáveis benfeitorias.
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51. A grande dificuldade que sé opõe à realização de um vasto plano de emparcelamento integral resulta, entre nós, da forte pressão demográfica a que estão sujeitas em Portugal as regiões de propriedade fortemente pulverizada.
Os países da Europa em que mais se tem trabalhado a favor do emparcelamento lutaram com um problema específico: o da falta de mão-de-obra agrícola, resultante de um- êxodo em larga escala para outros sectores de economia em que aos trabalhadores eram oferecidas mais aliciantes condições de vida. A preocupação era, pois, a de economizar mão-de-obra, aumentando, até ao limite do possível, a produtividade do trabalho agrícola.
Mas o problema, põe-se, no nosso país, em termos muito diversos.
Noutro momento (supra, n.os. 13 e 14) se salientou já que a nossa população agrícola é, pelo menos em algumas regiões (designadamente nas de propriedade pulverizada), largamente excedentária. É-0 neste momento, em que fortes massas de trabalhadores agrícolas vivem em regime de subemprego, ou de desemprego oculto, e mais o seria se a exploração da terra fosse objecto da aplicação de meios técnicos que, aumentassem fortemente a produtividade do trabalho - como aconteceria se se fizesse mais largo apelo à mecanização e à motorização.
Ora acentuou-se já que o emparcelamento nem aumenta a área das terras disponíveis para a cultura agrícola nem directamente provoca a transferência de massas rurais para outros sectores da actividade económica (1).
Assim, nas zonas em que se regista alto grau de pulverização agrária, a simples concentração das exíguas parcelas constitutivas de cada propriedade não implica o estabelecimento de explorações dotadas de área suficiente para te poderem considerar economicamente viáveis. O mesmo é dizer que o emparcelamento, para além dos resultados positivos que sempre propiciará (eliminação de encraves, correcção da rede das comunicações, aumento da produtividade do trabalho e melhoria geral das condições da exploração), não conduz a uma reorganização económico-agrária de importância proporcionada ao respectivo custo.
Quer dizer: a obtenção de todos os possíveis resultados favoráveis visados pelo emparcelamento pressupõe a execução de uma operação de recomposição agrária conducente ao estabelecimento de empresas agrícolas de dimensão correspondente à plena capacidade de trabalho de agricultores servidos por uma técnica evoluída.
É isto mesmo o que se afirma com perfeita segurança, ao abordar a questão dos resultados económicos do emparcelamento, no relatório já por diversas vezes citado do Institut International pour l'Amélioration et la Mise em Valeur des Terres:
«Combinado com uma diminuição das necessidades de mão-de-obra, o aumento da produção terá por resultado duplicar a produtividade do trabalho agrícola, ou mesmo de a triplicar nos casos de transferência da sede da exploração.
Alcançar-se-á, assim, uma subida nítida do nível de vida dos agricultores - sob condição de que as dimensões da empresa, agrícola sejam convenientemente adaptadas à capacidade de trabalho da família de cultivadores e ao padrão de vida que se pretende atingir. Os programas de reforma agrária que atribuem mais importância à colocação do número máximo de pessoas na exploração da terra do que ao teor de vida terão incidência miais restrita saibre o nível social da
população agrícola» (1)
52. Assim sendo, parece não oferecer dúvidas que, sob pena de nos lançarmos na realização de operações de emparcelamento integral de custo desproporcionado nos resultados previsíveis, as tarefas de recomposição agrária deverão ser integradas num conjunto articulado de providências destinadas a corrigir as nossas estruturas económicas.
O aumento da produtividade do trabalho agrícola e a consoante diminuição das necessidades de mão-de-obra resultantes da execução do emparcelamento conduzem a que operações desta natureza só sejam plenamente eficazes quando se verifique a possibilidade de colocar noutros sectores os excedentes da mão-de-obra agrícola que venham a ser libertados.
É oportuno, por isso, relembrar aqui o que se escreveu no n.º 14 deste parecer: «O êxodo anual para as actividades industriais, para os serviços e para o ultramar e estrangeiro mal compensa ainda, actualmente, a chegada anual de dezenas de milhares de novos braços ao sector primário».
«Ora enquanto assim acontecer serão sempre de alcance muito limitado os esforços feitos no sentido de corrigir os vícios estruturais de uma economia agrária».
Não esquecendo o que, neste domínio, é legítimo esperar da execução do II Plano de Fomento, tem cabimento deixar aqui consignada a advertência de que a realização do emparcelamento deveria ser conjugada, na medida do possível, com o estabelecimento, nas zonas visadas, de unidades industriais capazes de ocupar os braços que a recomposição agrária inevitavelmente permitirá dispensar.
E isto sob puna de se correr o risco de subversão de estruturas estabelecidas, sem plena compensação (2).
§7.º
Medidas destinadas a favorecer o reagrupamento predial
53. O simples reagrupamento predial ou emparcelamento em sentido estrito, mesmo quando não efectuado no âmbito de uma mais profunda operação de recomposição agrária, tem indiscutível interesse, na medida em que permite corrigir muitas das nefastas consequências da pulverização fundiária.
Através do reagrupamento predial pode pôr-se termo a encravamentos, extinguir servidões, aumentar a área. de parcelas insuficientes, etc.
Por isso, ruão deve enjeitar-se nenhuma possibilidade de favorecer o reagrupamento ou reemparceiramento, criando condições técnico-jurídicas em que ele surja como fruto espontâneo da iniciativa particular ou de actuações individuais ajustadas a um condicionalismo predeterminado.
A) Assistência técnica
54. Nesta ordem de ideias, e a par da promoção do emparcelamento integral, afigura-se extremamente conveniente que o Estado faculte aos particulares interessados, quando solicitado por estes, os meios técnicos necessários para a execução de um reagrupamento predial circunscrito às parcelas que os mesmos particulares desejem sujeitar a essa específica operação de correcção fundiária.
(1) Isto só não seria assim desde que só recorresse a expropriação de terras com vista a constituição de explorações agrícolas de maiores dimensões.
(1) Remembrement en rope, pp. 42 o 48.
(2) V., neste sentido, «Os Problemas de Estrutura Fundiária na Itália e nos Falses da Europa Mediterrânica», pelo Prof. Daniele Pranzi, in Revue Fatis - Food and Agrículture Technical Information Service, vol. VI, n.º 4, 1959.
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b) Concessão de direitos de preferência
55. Admite a nossa lei, em diversas disposições, direitos de preferência instituídos para pôr termo a certas situações jurídicas que sujeitam o domínio e fruição da terra a formas pouco adequadas a uma conveniente exploração. É o que acontece uns hipóteses previstas nos artigos 1678.º a 1681.º e 1703.º do Código Civil, que prevêem a extinção do emprazamento e do subemprazamento; no artigo 2195.º, que visa pôr termo ao quinhão; nos artigos 1566.º e 1854.º, que permitem dissolver a compropriedade; no § 1.º do artigo 2309.º, que faculta a aquisição de prédios encravados ou onerados com a respectiva servidão, etc. Esta última disposição citada é, no entanto, a única que de certo modo se pode entender como conducente à realização de fins de emparcelamento. Só de certo modo, porque o prédio adquirido mediante o exercício do direito de preferência pode não confinar com o prédio já pertencente ao preferente e ainda porque o emparcelamento assenta numa operação de troca que não afecta as dimensões reais da propriedade, enquanto que o exercício do direito de preferência aludido conduz à ampliação de uma propriedade à custa de outra.
56. Mas não há dúvida de que o direito de preferência que no § 1.º do artigo 2309.º se prevê alcança ã realização de certos fins também visados pelo emparcelamento da propriedade.
No entanto, os resultados alcançados através do funcionamento dessa disposição são manifestamente insatisfatórios, porque o exercício efectivo do direito aí consagrado depende da verificação de um conjunto de circunstâncias que na prática não é difícil neutralizar.
Com efeito, o texto legal só permite o exercício da preferência em certas hipóteses em que o objecto de um negócio jurídico é um prédio encravado ou onerado com a respectiva servidão - entendendo-se geralmente que para fazer vingar a opção é necessário demonstrar, num ou noutro caso, a existência jurídica da servidão de trânsito (1). Quer dizer: não basta provar a situação material dó encrave de um prédio ou o facto da passagem através de prédio vizinho: é necessário que esta situação esteja juridicamente consagrada, isto é, que o direito a servidão tenha sido adquirido por qualquer dos meios que a lei considera legítimos.
Ora, sabido que raras são as servidões de trânsito constituídas por título que não assente na mera posse; que só em casos excepcionais pode, ainda hoje, a posse conduzir à prescrição; que sempre a existência de uma servidão com base neste título estará sujeita a larga controvérsia, e que através da simulação do negócio jurídico realizado ou do preço acordado não é difícil prejudicar o funcionamento da opção - bem se comprenderá, sabido tudo isso, como o direito de preferência, ao abrigo do § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil, é frequentemente posto em dúvida, constantemente frustrado e raras vezes efectivamente exercido.
Acresce, além do mais, que o sistema legal de atribuição do direito, no coso de serem vários os proprietários a poder em princípio exercê-lo, assenta numa licitação aberta entre os que se propõem optar, o que não só determina um aumento do preço primitivamente ajustado (e, consequentemente, uma sobrevalorização artificial da terra, económica e socialmente nociva),
(1) É neste sentido a jurisprudência dominante. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Maio de 1055, que dela se desviou, foi objecto de vivas críticas que de todos os lados lhe foram dirigidas.
como, sobretudo, pode conduzir à adjudicação do terreno a proprietário diferente daquele que melhor realizaria um fim de emparcelamento.
Impor-se-ia, assim, uma revisão do direito de preferência previsto no § 1.º do artigo 2309.º à luz das muitas críticas que justamente lhe têm sido dirigidas. Não é, porém, aqui, e sobretudo no momento em que se trabalha na reforma do Código Civil, que tal revisão se deve operar.
Isto não significa, porém, que não se admita a possibilidade de instituir um novo direito de preferência mais directamente dirigido à realização dos objectivos que pelo emparcelamento se pretende alcançar.
É do que seguidamente se vai tratar.
57. O emparcelamento visa, como melhor se disse noutro momento, a substituição de vários parcelas dispersas por uma só ou por um número mínimo de parcelas. Esta operação de concentração parcelaria pode ser realizada por vigor de uma intervenção do Poder Público (destinada a impô-la ou, pelo menos, a efectivá-la) ou espontaneamente, através do recurso pelos particulares interessados às diversas formas legais previstas na lei (contratos de troca, compra e venda, etc.).
Tendo em conta os interesses agrários a acautelar, conviria que a transmissão de qualquer terreno implicasse a sua aquisição por um proprietário confinante, e, havendo vários, por aquele que mais benefícios alcançasse e mu is vantagens oferecesse, sob o ponto de vista da estrutura agrária local, com a ampliação da sua propriedade.
O expediente prático a adoptar com vista a promover o reagrupamento espontâneo consistirá na concessão de um direito de preferência aos proprietários confinantes com a parcela alienada.
Qual desses proprietários?
Sabido que um dos objectivos fundamentais visados pelos projectos de recomposição agrária é o de promover o desaparecimento de prédios com área inferior à unidade de cultura, desde já se deverá assentar na conveniência em que o direito de opção seja atribuído àquele dos proprietários preferentes que, exercendo-o, melhor realize o apontado fim, obtendo através da aquisição e subsequente anexação de parcelas um novo prédio cuja área se aproxime o mais possível da referida unidade de cultura.
Este novo direito de preferência deverá ser confrontado com o previsto no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil, para se assentar em qual dos dois deve prevalecer a hipótese de alienação de um prédio encravado ou onerado com a respectiva servidão que, simultaneamente, confine com parcelas de outros proprietários.
Ora já se referiu que nem sempre o prédio encravado confronta com aquele que lhe dá passagem, como acontecerá normalmente na hipótese de serem vários os prédios onerados com a servidão de trânsito. E não há duvida de que a atribuição efectiva do direito de preferência a um proprietário não confinante não realiza o pretendido objectivo de reagrupamento predial.
Nestas condições, o direito de opção conferido no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil só deverá prevalecer sobre o novo direito de preferência quando o titular daquele direito for simultaneamente proprietário confinante - porque o exercício do direito de preferência garante nesta hipótese, seja qual for a área das parcelas que se pretende anexar, a produção de dois desejáveis resultados: a eliminação de um encrave e a concentração de duas parcelas.
58. Referiu-se acima que na prática é fácil frustrar o exercício do direito de preferência através da simulação do negócio jurídico ou do preço da transacção.
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Convém fixar medidas específicas destinadas a evitá-lo, já que os meios processuais comuns se revelam insatisfatórios, e a impedir simultaneamente que através de trocas, embora verdadeiras, de terrenos se prossiga na realização de transacções imobiliárias que, quando nau agravam, pelo menos contribuem para manter ou abe consolidar situações de pulverização agrária a que urge pôr cobro.
59. A simulação do negócio jurídico de compra e venda opera-se, normalmente, mediante o recurso ao contrato de troca, pelo que se impõe determinar que u permuta de terrenos só é admissível, fora das hipóteses em que as parcelas a permutar tenham ambas área superior à unidade de cultura, quando, tendo um ou ambos os prédios superfície inferior à mínima, a menor parcela não seja inferior a metade da área da maior e através da troca um dos permutantes adquira terreno confinante com prédio seu, do que resulte uma nova parcela com área igual ou superior à unidade de cultura; ou quando, seja qual for a superfície das parcelas a permutar, ambos os outorgantes adquiram terreno contíguo a prédio seu.
Mas a observância destes preceitos não pode ficar dependente, dada a complexidade que se introduziria no comércio jurídico imobiliário, de outra fiscalização que não seja a dos próprios particulares interessados na nulidade da troca realizada. Nesta conformidade, deve atribuir-se legitimidade aos proprietários preferentes para promoverem a anulação de permuta ilegal realizada e adquirirem a parcela a que respeita o seu direito de preferência pelo preço judicialmente fixado.
60. A simulação do preço é na prática muito difícil de demonstrar, razão por que dela frequentemente se socorrem os interessados na compra o venda de terrenos sujeitos a um direito de preferência.
Hoje, que a sisa é paga em função do preço declarado (se superior ao valor matricial do prédio), a simulação do valor determinado pelo intuito de frustrar o direito de preferência representa normalmente um encargo para os interessados. Em prédios de reduzido valor, porém, um pequeno agravamento do preço mal se repercute no montante do imposto e basta, no entanto, para afugentar o preferente; e, de qualquer modo, o comprador pode estar disposto a suportar um encargo fiscal mais pesado para realizar a operação que lixe interessa sem o risco de ser afectado pelo exercício da opção.
Não deve em tal hipótese o preferente ficar desarmado, nem ver-se forçado à demonstração da simulação do preço pelos meios comuns. Isto na prática equivaleria a denegar-lhe o exercício do seu direito.
A solução pode residir na concessão ao preferente da faculdade de, sem prejuízo da acção de simulação, demonstrar que o preço declarado excede em 25 por cento o valor venal do imóvel, a apurar em avaliação judicial, e de optar pelo valor assim determinado, salvo se for demonstrada a seriedade do preço declarado no contra tu de compra e venda.
Tal solução pode, além do mais, contribuir para a repressão de tentativas de especulação que afectam o justo preço da terra
C) Concessão de benefícios de ordem fiscal
61. À luz do que precedentemente foi referido, impõe-se reconhecer que o Estado não só pode como tem toda a conveniência em fomentar o reagrupamento predial espontâneo e em obstar à indesejável fragmentação da propriedade, mediante a concessão de benefícios fiscais que, no fim de contas, se traduzem num encargo menos pesado para a colectividade do que o resultante do financiamento de onerosas operações de recomposição fundiária.
Em que hipóteses se justificam os benefícios fiscais?
Antes de mais, em todas as transacções imobiliárias susceptíveis de favorecer o reagrupamento predial e de que resultem novas parcelas de superfície igual ou não muito superior à unidade de cultura (1); depois, em todos os casos em que a aquisição de bens seja condição de manutenção de uma unidade predial ou mesmo de uma exploração agrícola familiar de dimensões satisfatórias, o que acontecerá, por exemplo, na divisão de prédios e na partilha de uma herança quando um dos interessados adquirir a totalidade da coisa comum ou a massa dos prédios rústicos que constituem a herança. Naturalmente que esta isenção só deverá ser concedida quando se entenda, que a exploração agrícola transmitida por herança é economicamente viável, pois não interessa favorecer a manutenção de empresas insuficientes, que num regime de tributação normal se fragmentariam e, porventura, acabariam por contribuir para melhorar u dimensão de outras explorações deficitárias. Igualmente não deverá ter lugar a isenção quando a exploração familiar possa fraccionar-se sem prejuízo dia viabilidade técnico-económica da exploração agrícola de cada uma das parcelas.
Em qualquer dos casos, a isenção deverá ficar dependente de um parecer favorável a emitir pelo organismo com competência legal para executar as tarefa» de emparcelamento.
62. Não há dúvida de que o regime jurídico vigente tem fomentado a pulverização da propriedade rústica ao determinar que .na partilha, da herança os quinhões dos co-herdeiros devem ser, quanto possível, compostos com bens da mesma espécie e ao impor o pagamento de sisa pela aquisição de imobiliários que excedam o quinhão de cada co-herdeiro.
E este um regime que importa corrigir, pelo menos no que respeita à mencionada tributação fiscal, já que o princípio jurídico-processual da repartição da herança em substância pode ser afastado pelos próprios interessados através de licitação.
63. No que respeita ao emparcelamento, entendido e executado quer como operação de recomposição agrária global no interior de uma zona, quer como simples reagrupamento predial, não é sequer admissível que as operações de troca ou venda em que a concentração parcelaria assenta possam ser objecto de qualquer tributação. Com efeito, a sujeição ao imposto de sisa de actos que de um modo geral deixam sem modificação n situação patrimonial de um indivíduo, determinando apenas uma alteração na localização dos seus bens (modificação horizontal), representaria um intolerável aspecto de sofreguidão fiscal.
64. Inclina-se a. Câmara Corporativa no sentido de considerar aconselhável outra isenção: a da contribuição predial durante um certo período ulterior à execução do emparcelamento ou simples reagrupamento predial. Esta medida vale sobretudo como meio de propaganda do sistema, muito contribuindo para facilitar a iniciativa ou a mera aprovação e aceitação dos projectos dê recomposição agrária, que, como se referiu, exigem uni ambiente de compreensão e colaboração da parte dos respectivos destinatários que muito concorre, segundo é geralmente reconhecido, para o êxito de um plano de reconstituição fundiária em larga escala.
(1) O Código da Sisa em vigor não se alheou da de favorecer tais formas de emparcelamento. Cf. o artigo 37.º do referido código.
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§8.º
A exploração agrícola familiar
1. Dados gerais sobra o problema
65. Aflorou-se j ti em diversos momentos uma questão que hoje, par toda a parte, está na ordem do dia. - a da criação cie explorações agrícolas capazes de assegurar à família que as explore em conformidade com as regras de uma boa técnica agrária um nível de vida satisfatório.
Em todos os países de forte densidade de população, em que a falta de uma indústria suficientemente desenvolvida não permitiu a absorção da mão-de-obra agrícola excedentária, o fenómeno da pulverização da propriedade atingiu proporções inquietantes. Era esta, de resto, a situação existente, em determinada época não muito distante, em quase todos os países da Europa Ocidental. O progresso económico, expresso numa intenso industrialização que se verificou nas últimos décadas em alguns desses países, permitiu o emigração para os centros industriais dos braços que o cultivo da terra já não podia ocupar rendosamente - e assim a viciosa divisão da terra em parcelas insuficientes foi sustada e começou mesmo a observar-se a formação espontânea de unidades agrícolas mais viáveis, mediante operações isoladas de concentração predial.
Este esforço foi largamente coadjuvado pela acção estadual, e ao longo dos últimos cinquenta anos, graças a uma persistente e bem orientada acção, facilitada por uma evolução económica favorável, operaram-se grandes transformações, em diversos países europeus, no que respeita ao número e à dimensão das parcelas de terra e das próprias explorações agrícolas. Nesses países a tendência é para a diminuição do número dos grandes domínios e para a absorção das parcelas exíguas pela média exploração. Assim, na Europa Ocidental, n número de explorações de dimensão compreendida entre os 10 ha e os 50 ha tem aumentado, enquanto que as propriedades mais vastas ou mais exíguas revelam nítida tendência para diminuir.
No entanto, a estrutura da exploração agrícola continua a não corresponder, de um modo geral, às possibilidades das modernas técnicas culturais (1).
Consequentemente, o rendimento das explorações e o nível de vida dos proprietários e dos trabalhadores rurais podem considerar-se insuficientes, na medida em que a população agrícola não goza, normalmente, dos benefícios decorrentes do progresso económico e social em pé de igualdade com o resto da população.
O êxodo que de tal estado de coisas resulta e a terra que, em proporções consideráveis, inevitável e aceleradamente se tem libertado, vão tornando possível a formação progressiva de propriedades de dimensões compatíveis com o pleno emprego do moderno arsenal de maquinaria agrícola e com o custo de apuradas técnicas culturais, de que resulta uma produção de alto nível qualitativo e quantitativo. Esta evolução da estrutura agrária revela tendência para se processar através da constituição de empresas agrícolas de dimensões correspondentes à plena capacidade de trabalho de uma família de agricultores que, possuidores de uma boa formação profissional e utilizando os meios postos à disposição de uma técnica cultural evoluída, logre obter um rendimento que permita a remuneração do capital, do trabalho e da gerência da exploração a nível correspondente ao que se alcança para os mesmos factores noutros ramos de actividade equiparáveis (3).
(1) Remembrement en Europa, p. 14.
(2) V. A criação de unidade» agrícolas economicamente viáveis pelo emparcelamento das terra» e aperfeiçoamento na estrutura agrária, minucioso relatório feito para a Junta de Colonização.
Tanto basta para afirmar que a dimensão da exploração agrícola familiar varia consideravelmente em função da preparação profissional dos que nela trabalham e do grau de mecanização e motorização alcançado.
2. O emparcelamento ao serviço da constituição de empresas agrícolas familiares
66. Tendo um couta a noção apresentada, não podem, evidentemente, ser consideradas explorações agrícolas familiares aquelas cujo rendimento não basta para a satisfação das necessidades da família, cujos membros se vêm forçados a ir procurar noutras actividades a necessária cobertura para as despesas totais; nem sequer como tais podem qualificar-se as empresas agrícolas exploradas por uma família que vive exclusivamente do trabalho agrícola mas em situação económica precária.
A noção de exploração agrícola familiar corresponde, assim, a um ideal a prosseguir e já efectivamente realizado em escala limitada nalguns países europeus.
É com efeito grande, por essa Europa fora, o esforço que se tem feito com vista à constituição de tais empresas familiares rurais, o que está em perfeita conformidade com o lema que norteia a política dos responsáveis pela orientação da actividade agrícola, ou seja o de «assegurar a todos os que nela trabalham as vantagens materiais e morais que lhes permitam permanecer na sua profissão e no seu meio» (1).
Dado que a inviabilidade económica dos explorações, assentava, fundamentalmente, na insuficiência das respectivas dimensões, a preocupação estadual, nos países europeus que mais se interessaram pelo problema, foi exactamente a de aumentar a área das unidades agrícolas, quer através da concessão de créditos aos agricultores para a compra de parcelas provenientes de outras explorações (2), quer através da venda de terrenos do domínio público recuperados paia a exploração agrícola, ou de terrenos adquiridos pelo Estado por compra ou expropriação aquando da execução de planos de emparcelamento.
Foi, sobretudo, através do emparcelamento que os governos do Ocidente Europeu procuraram enfrentar o problema da melhoria da produtividade agrícola, condição indispensável da promoção económico-social dos trabalhadores do campo.
Com efeito, em países cuja mão-de-obra rural tendia a diminuir vertiginosamente e em que se impunha fazer subir constantemente o nível quantitativo e qualitativo da produção, a preocupação dominante era a de melhorar as condições de utilização da mão-de-obra disponível e, portanto, o rendimento do trabalho. Ora já foram referidas, e são geralmente conhecidas, as vantagens em que se traduz, sob tal ponto de vista, o reagrupamento predial, sobretudo quando acompanhado, como geralmente se pratica, da realização de melhoramentos fundiários que muito favorecem as condições de prestação do trabalho e o aumento da produtividade do solo.
A realização dos projectos de emparcelamento foi, porém, aproveitada para a revisão do regime de repar-
Interna pela delegarão portuguesa ao Seminário de Zurique, constituída pelos engenheiros agrónomos ARMANDO OSCAR CÂNDIDO FERREIRA e HENRIQUE A. P. MASCARENHAS, 1958.
(1) Suo bem conhecidas, do resto, as vantagens sociais e políticas da instituição de sólidas empresas rústicas, que, segundo Disraeli, «desafiam simultaneamento os demagogos e os déspotas».
(2) Explorações insuficientes (normalmente negligenciadas pelos seus proprietários ou cedidas pelos que, seduzidos por outras natividades, só retiraram da agricultura), ou propriedades latifundiárias cujos titulares, privados de mão-de-obra abundante e barata, se viram coagidos a parcelá-las.
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tição da terra nos perímetros sujeitos a emparcelamento, do que resultou a eliminação, por expropriação, de muitas explorações insuficientes, que, conjuntamente com terras pertencentes ao domínio público, melhoradas ou recuperadas para a cultura agrícola, permitiram aumentar a área de outras explorações e contribuir para a constituição de empresas familiares economicamente viáveis.
Hoje o emparcelamento é geral e fundadamente considerado como condição indispensável e prévia de todas as medidas tendentes a aumentar a produção e a melhorar a condição dos que vivem da exploração da terra em regiões de propriedade pulverizada.
Desta forma, não pode estranhar-se que os países europeus se tenham lançado afoitamente na realização do emparcelamento, conseguindo resultados que são o justo prémio do largo esforço despendido, como o quadro que se segue expressivamente documenta.
Parcelamento e emparcelamento em alguns países europeus (1957-1958)
[ver tabela na imagem]
(a) Norte de Schluswig - 5.
(b) Números um tanto flutuantes.
(c) A executar.
(d) Solicitado.
Fonte: Bemembrement en Europe, publicação do Institut International pour l'Amélioration et la Mise cn Valeur des Terres.
3-A exploração agrícola familiar em Portugal
67. E quanto a Portugal?
O problema do revigoramento, em Portugal, da empresa agrícola familiar põe-se, necessariamente, por razões óbvias, na primeira linha das preocupações governamentais - embora em termos um tanto diversos daqueles que, noutros países, dominam os esquemas de solução do problema agrário.
Com efeito, não se põe em Portugal, nem poderá infelizmente pôr-se tão cedo, a questão da insuficiência da mão-de-obra agrícola: esta é, pelo menos em algumas regiões, largamente excedentária. Consequentemente, a utilização dessa mão-de-obra só deverá ser gradualmente dispensada em proveito do recurso a mecanização na medida em que o exija uma baixa do custo de produção imposta por exigências dos mercados de concorrência externa e na medida em que o permita a capacidade de absorção da mão-de-obra dos restantes sectores da economia.
Com esta ressalva é pertinente, em relação a nós, tudo quanto acima foi afirmado, isto é, impõe-se aumentar a produção e baixar simultaneamente o respectivo custo, melhorando as condições de prestação do trabalho rural no sentido de aumentar o seu rendimento e de o privar, na medida do possível, do carácter profundamente penoso que o distingue.
O emparcelamento, na sua modalidade mais convincente de- melhoramento integral, encarada como operação de reconstituição económico-social, é a forma mais promissora de influir na estrutura agrária.
Tal como noutros países europeus, o emparcelamento, para além do reagrupamento das parcelas e da introdução dos melhoramentos fundiários e rurais indispensáveis, deverá visar a correcção das deficiências mais graves na dimensão das explorações agrícolas, com vista à constituição de unidades susceptíveis de proporcionar ao agregado familiar que as explora um nível de vida aceitável, embora modesto.
68. Empresa agrícola familiar é aquela cujo chefe é um produtor autónomo que entra predominantemente com trabalho seu, com o de seus familiares e com capitais próprios.
Se o empresário e a família conseguem viver exclusivamente do rendimento da exploração, a empresa familiar diz-se perfeita.
Em conformidade com a classificação adoptada pelo Instituto Nacional de Estatística, haveria no nosso país cerca de 276 000 empresas familiares perfeitas (32 por cento do total), enquanto as familiares imperfeitas perfariam o mínimo de 425 812 (49,8 por cento do total).
Pode, porém, assentar-se em que uma grande parte das empresas qualificadas como perfeitas não dominam uma superfície de terra suficiente apara absorver o trabalho familiar em boas condições de produtividade e para assegurar um rendimento susceptível de garantir adequado nível de vida ao empresário e família. Além disso, não dispõem de recursos necessários para se adaptarem às exigências da técnica, em contínua evolução» (1).
ão é possível indicar a área ocupada por cada uma daquelas classes de empresas familiares. Mas é conhecido o agrupamento das 801 432 explorações agrícolas do País recenseadas por classes de extensão da cultura arvense.
(l) Relatório Final Preparatório do II Plano de Fomento - II. Agricultura, Silvicultura o Pecuária, Lisboa, Imprensa Nacional, 1058, p. 84.
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[ver tabela na imagem]
Fonte: Relatório Final Preparatório do II Plano de Fomento.
As conclusões a que se chega, em face do mapa antecedente, suo verdadeiramente desoladoras: cerca de 50 por cento das explorações afectas a culturas arvenses não dominam área superior a 1 ha, correspondendo-lhes menos de 4,5 por cento da área total; 80 por cento não excedem a área média dos 3 ha, ocupando apenas cerca de 16 por cento da área total; da dimensão técnica e. economicamente aceitável de 5 a 20 ha apenas são dotadas cerca de 10 por cento das empresas agrícolas...(1).
E, entretanto, menos de 1 por cento das empresas ocupam cerca de metade da área total afecta a culturas arvenses - o que tudo é bem expressivo dos já denunciados vícios básicos da estrutura agrária nacional.
4-A necessidade de aumentar a dimensão das explorações agrícolas Insuficientes
69. Ora, consoante se afirmou já (supra n.º 20) e é geralmente sabido, o emparcelamento não aumenta
(1) Vejamos qual a situação que se oferece em alguns países em que mais se tem trabalhado no sentido da correcção das respectivas estruturas agrárias.
[ver tabela na imagem]
Fonte: Remembrement en Europe.
a área agrícola disponível em cada zona nem diminui a população que vive sobre ela. Mas também ninguém pode duvidar de que o emparcelamento, mesmo acompanhado do aperfeiçoamento de processos técnicos e, consequentemente, de uma maior produtividade do trabalho e dos capitais, não pode produzir os frutos correspondentes ao alto custo financeiro que representa, se cada família de agricultores não puder dispor da área mínima suficiente à aplicação da sua plena capacidade de trabalho. Impõe-se, assim, promover, na medida do possível, a ampliação da área de cada exploração agrícola como condição indispensável à melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais.
Como consegui-lo, se o emparcelamento não aumenta - repete-se - a área agrícola disponível?
O processo poderia ser aquele de que noutros países se tem usado, e que se reconduz ao uso dos meios seguintes:
a) Eliminação de unidades vincadamente insuficientes, na medida em que os agricultores que sobre elas vivem estejam dispostos a abandoná-las e a ser transferidos para outras zonas de colonização onde seja possível instalados (1), ou na medida em que os respectivos proprietários possam ser privados das suas terras por meio de expropriação - o que, a verificar-se, só poderia ter lugar quando daí não resultassem inconvenientes graves, sob o ponto de vista social, como aconteceria, porventura, em relação a proprietários absentistas que mantêm o que é seu, por vezes bem pouco, disperso e mal explorado, em regime de arrendamento;
b) Recuperação e inclusão nos planos de recomposição agrária de terras do domínio público
(1) É isto o que tem sido feito na Holanda, com os apreciáveis resultados sobre ta dimensões da propriedade que o quadro seguinte documenta.
[ver tabela na imagem]
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e comum de que ainda seja possível dispor do nosso país, e beneficiação de outras já consideradas aptas para a cultura agrícola, acompanhada do melhoramento de pastagens em terrenos comuns (empreendimento este cie grande interesse económico num país tão. carecido de desenvolver a exploração pecuária);
c) Compra, pelo Estado, de terrenos oferecidos u venda para os adicionar às explorações deficitárias.
Analisemos cada um dos referidos meios.
a) Expropriação de terras
70. A possibilidade da expropriação por utilidade particular não repugna à nossa tradição legislativa, pois tem sido consagrada em diversos casos em que se descortina um marcado interesse público subjacente.
A nossa lei vigente prevê algumas hipóteses em que é exactamente o fim de valorização da terra que se tem um vista, quer ao permitir-se a criação de condições de boa exploração agrícola, quer ao facultar-se a extinção de- encargos ou vínculos que oneram a terra. É o que acontece, por exemplo, com o artigo 2309.º do Código Civil, onde se prevê a possibilidade da expropriação por utilidade particular de terrenos encravados e a constituição forçada de servidões de passagem, com o artigo 114.º, § único, do Decreto n.º 5787 - IIII, de 10 de Maio de 1919, em que se faculta a constituição de servidões de aqueduto para condução de águas) com o artigo 2308.º do Código Civil, que prevê a alienação forçada de árvores existentes em terreno alheio, e com outras disposições que admitem a constituição de servidões (de presa e escoamento), a extinção de servidões, de encargos censíticos e enfitênticos, da compropriedade de coisa indivisível, do compáscuo, etc., e que se traduzem, substancialmente, numa verdadeira expropriação de direitos.
E note-se que algumas das disposições legais citadas foram promulgadas numa época em que não era ainda abertamente exaltada entre nós a função social que à propriedade incumbe desempenhar.
71. De resto, a tradição da expropriação por utilidade particular, embora subordinada sempre à existência de um interesse público subjacente, vem de mais longe. Já a Lei de 9 de Julho de 1773, completada pelo alvará de 14 de Outubro do mesmo ano, a par de outras providências destinadas a obstar à excessiva fragmentação da propriedade, previa n possibilidade da expropriação por utilidade particular de terrenos encravados em quintas muradas ou vaiadas ou u elas contíguos, contanto que as quintas valessem, pelo menos, seis vezes mais do que os terrenos a expropriar (l).
Em relação a essa legislação pombalina, o artigo 2309.º do Código Civil, já referido, marca um nítido retrocesso.
72. Demonstrado que a expropriação por utilidade particular não repugna à nossa tradição legislativa, resta acrescentar que o meio de expropriação a que se vem fazendo referência, como instrumento ao serviço da recomposição agrária e, designadamente, da constituição de explorações agrícolas economicamente viáveis, de tipo familiar, não visa em primeira linha a satisfação de um mero interesse particular projectado no pano de fundo do interesse público. A expropriação surge untes como expediente aconselhado por uma imperiosa e inadiável necessidade económica e social que incorpora um interesse público fundamental - sem prejuízo, como é manifesto, do próprio benefício em que a recomposição agrária se traduzirá no seio da região directamente visada.
Em tese não seria lícito, pois, pôr em dúvida a legitimidade do recurso pelo Estado à expropriação por utilidade pública com vista à realização do apontado fim
Nem, de resto, tal meio foi recusado ao Estado noutros países europeus que se lançaram decididamente na realização do emparcelamento.
Assim, na vizinha Espanha, além de outras hipóteses em que lhe é facultada a expropriação de terras (1), o Governo tem o direito de expropriar terrenos situados em zonas submetidas a emparcelamento, com área inferior à da unidade mínima de cultivo e que se adiem arrendados, a fim de serem incluídos na recomposição agrária a efectuar (v. artigo 39.º da lei de 10 de Agosto de 1954).
O mesmo acontece noutros países, tais como a Irlanda, a Dinamarca, a Holanda, a Alemanha, a Suécia, cujos Governos dispõem dos poderes necessários para o apontado fim.
Admitindo provisoriamente que seria de enveredar pelo caminho da expropriação com vista ao melhoramento das dimensões de unidades agrícolas insuficientes, que terras poderiam ser expropriadas?
A expropriação só deveria incidir, naturalmente, solíre aqueles terrenos que não desempenhando no interior do perímetro a emparcelar uma função útil, poderiam ser aplicados na constituição de unidades de cultura ou mesmo de explorações familiares que por toda a Europa se reconhece serem de alto rendimento económico-social. É o caso, por exemplo, de parcelas isoladas, por vezes encravadas, de área inferior à unidade de cultura, pertencentes a proprietários absentistas, muitos deles instalados no ultramar ou no estrangeiro em condições que contra-indicam o seu retorno.
73. Mesmo assim limitada a possibilidade de recurso à expropriação, predominou na Câmara Corporativa a opinião de que não se mostra aconselhável recorrer-se a ela.
As correcções a introduzir na estrutura agrária nacional não devem revestir o carácter de reformas agrárias susceptíveis de concitar a hostilidade daqueles proprietários que não desejam ser privados das pequenas courelas, por via de regra herdadas dos seus maiores, a que têm compreensível amor.
O proprietário absentista, instalado no País ou no estrangeiro, acalenta frequentemente o sonho de poder passar os últimos dias da vida no seu torrão natal. A sua pequena propriedade representa assim um vínculo que ele não veria, sem desgosto ou mesmo revolta, ser destruído. Esse proprietário (modesto operário, pequeno comerciante ou funcionário que se viu forçado a abandonar a sua terra) não é, muitas vezes, um desinteressado da pequena propriedade que teimou em conservar, por vezes com sacrifício, através da vida - como o revela a circunstância de ter renunciado a. aliená-la, não obstante o magro rendimento que normalmente dela aufere. Ora a necessidade de rodear a legislação sobre a reorganização agrária, de um adequado ambiente de compreensão e simpatia aconselha a
(1) A aplicação dos dois citados diplomas foi suspensa, porém, logo em 17 de Julho de 1778. E, porque jamais tal suspensão foi levantada, perdeu-se uma louvável iniciativa destinada a favorecer o emparcelamento da propriedade.
(1) V., por exemplo, os artigos 12.º, alínea c). 14.º o 38.º da lei de 10 de Agosto de 1955.
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que se tomem em conta e respeitem os sentimentos legítimos daqueles que dela podem ser vítimas.
É certo que para além dos sentimentos desses pequenos proprietários absentistas contam as reais necessidades daqueles que, forçados a viver do amanho da temi, têm o direito de pretender que lhes sejam proporcionadas condições de sobrevivência económica.
Mas parece não ser legítimo pôr o problema do sacrifício de sentimentos respeitáveis quando se considere que a expropriação de algumas pequenas parcelas, afinal, não iria resolver grande coisa, repercutindo-se por forma bem pouco sensível na reorganização agrária de regiões que suportam grande pressão demográfica, como são aquelas em que domina a propriedade microfundiária.
Entende assim a Câmara Corporativa que é de rejeitar o recurso à expropriação como meio de constituir reservas de terra para fins de emparcelamento.
b) Aquisição de terras oferecidas à venda
74. A possibilidade da compra pelo Estudo, através do organismo incumbido da realização do emparcelamento, não deve limitar-se ao período em que o projecto de recomposição agrária é elaborado e executado. O uso de tal faculdade deve anteceder esse período e projectar-se para além dele com vista a melhor alcançar ou consolidar os resultados do emparcelamento e a reforçar as condições de exploração de certas empresas agrícolas, mesmo quando estas dominem área superior à unidade de cultura que houver sido fixada. É que a aspiração fundamental nesta matéria deve ser, como se referiu, a de constituir explorações familiares viáveis.
A concessão ao Estado da faculdade de adquirir terras só terá sentido útil se, simultaneamente, o Estado, dispuser das facilidades de que os próprios particulares dispõem para realização de fins que se não avantajam aos interesses gerais que o Estado visa satisfazer. Tais facilidades deverão traduzir-se, pelo menos durante o período de elaboração e execução dos projectos de emparcelamento, na concessão ao Estado de um direito de opção na alienação de terrenos. A ideia nem sequer é original, pois foi consagrada, em idênticas circunstâncias, na legislação sueca, dinamarquesa e doutros países (1).
A realização do emparcelamento deveria, por outro lado, ser aproveitada para promover, na medida do possível, uma transferência da agricultores-proprietários de explorações insuficientes para zonas onde, simultaneamente, o Estado promovesse a criação de novos núcleos de colonização através de operações de parcelamento - o que lhe permitiria dispor das terras daqueles agricultores para a consecução dos objectivos apontados (2).
a) Cedência de terras de domínio público ou comum
75. Quando, após o reconhecimento dos baldios do continente pela Junta de Colonização Interna, se verificou que os tão falados incultos do País passíveis de cultura agrícola a muito pouco se limitavam, ficou destruída uma lenda que embalou muitas gerações. Os escassos baldios aptos para cultura estão, de um modo geral, já aproveitados e parcelados em glebas entregues a famílias de colonos.
A pouco se reduzem, pois, as nossas possibilidades actuais em tal domínio. Mas algumas existem (1) e afigura-se extremamente conveniente que, recuperados para a exploração agrícola ou melhorados, quando seja coso disso, os terrenos disponíveis do domínio público e comum sejam utilizados, aquando da execução de projectos de emparcelamento, na ampliação de explorações agrícolas insuficientes.
§ 7.º
Financiamento das operações de recomposição agrária
76. Os países europeus que decidida e afanosamente se lançaram na realização do emparcelamento põem normalmente a cargo do Estado, total ou parcialmente, o financiamento das operações projectadas, entendendo-se que assim tem de ser não só por força do alto interesse nacional dependente- da recomposição agrária, que não permite as delongas ou insuficiências inerentes a outro sistema de financiamento, como ainda porque os agriculturores não estão, de uma maneira geral, em situação económico-financeira que lhes permita suportar os encargos resultantes da execução do emparcelamento.
Na generalidade dos países, porém, o Estado, mesmo quando suporta o financiamento integral do emparcelamento, não prescinde de exigir dos interessados alguma contribuição; quer imediata, geralmente sob a forma de prestação de certos serviços (como acontece na Irlanda e na Noruega), quer a longo prazo, em prestações anuais e a juro baixo (como se pratica na Holanda). Noutros países, como a Dinamarca, o Estado suporta integralmente os encargos de natureza técnica e administrativa, limitando-se, porém, a conceder subsídios para a realização dos trabalhos de interesse colectivo e créditos aos agricultores para melhoramento das suas explorações. Noutros países ainda o Estado limita-se a comparticipar no financiamento dos projectos, devendo os particulares interessados contribuir imediatamente com a parte que lhes cabe, proporcionalmente aos benefícios quo lhes advirão das operações planeadas (2).
Na Espanha, o Estado suporta a totalidade dos encargos, lançando porém sobre os interessados, durante vinte anos, um adicional de 5 por cento ao montante da respectiva contribuição predial.
A natureza, o quantitativo e as modalidades na prestação da contribuição dos proprietários rurais para as despesas ocasionadas pela execução dos planos de reconstituição agrária dependem naturalmente, de razões de ordem financeira (possibilidades dos particulares e do Estado), de ardem jurídica e, sobretudo, de ordem psicológica. Na verdade, tendo em conta, a necessidade de criar bom ambiente, junto das populações visadas, aos projectos governamentais de emparcelamento, pode o Estado ver-se forçado, no que respeita ao financiamento de tais operações, a proceder com generosidade que o leve mesmo a pôr de parte o sentido de justiça estrita.
Conhecidas, na verdade, as vantagens que para os exploradores fia 'terra, deverão resultar da realização do emparcelamento, não seria ilegítimo pôr a seu cargo
(1) V. Remembrement en Europa, p. 58.
(2) Assim se procede em alguns países, designadamente na Holanda e Suécia. V. Remembrement en Enrope, p. 89.
(1) É o caso, por exemplo, das arcias de Mira, que a Junta de Colonização Interna pensou em utilizar para instalação de colonos, mas que, dentro dos objectivos aludidos no testo, pensa agora incluir, segundo parece, em projectos do recomposição agrária com vista a melhorar as dimensões de explorações agrícolas deficitárias.
(2) Para maiores explanações v. Remembrement en Europa, pp. 159 e seguintes.
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a parte mais substancial das despesas de execução dos projectos, a liquidar embora em condições suaves de prazo e juro, tomando o Estado sobre si apenas a missão de fornecer, ao nível do custo, os necessários meios técnicos e a indispensável organização administrativa e judiciária, bem como. uma comparticipação financeira correspondente aos benefícios que para a colectividade poderão advir da realização dos planos de recomposição agrária.
Mas a falta de possibilidades materiais por parte dos interessados e o correspondente estado de espírito com que seria recebido um projecto novo, um tanto nebuloso, de efeitos económicos concretos dificilmente previsíveis, mas portador da certeza de novos encargos financeiros, imediatos ou futuros, podem conduzir a que, por razões de conveniência e boa política agrária, o Estado decida assumir, em certos casos ou em deu terminada fase da evolução do processo de emparcelamento do País, encargos financeiros de volume superior ao que justamente lhe deveria caber.
Na hipótese de emparcelamento coercivo parece que ao Estado não restaria mesmo outra solução que não fosse a de tomar sobre si o custo integral da execução das medidas impostas (1).
O problema tem, pois, cabimento apenas para as hipóteses de emparcelamento voluntário pretendido pelos proprietários interessados. Numa conjuntura em que os proprietários de uma região, cônscios dos seus melhores interesses, se mostram dispostos a realizá-lo com a ajuda do Estado, não se vê a razão por que a colectividade haja de suportar os encargos de realização de uma tarefa de que só alguns beneficiam directa e imediatamente à prestação de um serviço, que o Estado está em condições particularmente favoráveis de proporcionar, deverá corresponder para os beneficiários a obrigação de contribuir com uma taxa proporcional aos serviços recebidos, por forma que a actuação do Estado não represente um encargo ilegítimo para os restantes membros da comunidade nacional.
Isto é que seria justo.
Foi, porém, já posta em relevo, por diversas vezes, a circunstância de que muito convirá fomentar, em relação aos projectos de recomposição agrária, um clima de entusiasmo que anime os proprietários a pedir e a aprovar os projectos de emparcelamento, por forma a evitar-se a necessidade de recorrer no futuro ao emparcelamento coercivo.
Ora necessariamente que a generosidade com que o Estado se conduza na fase em que a execução de projectos de emparcelamento é encarada ainda com desconfiança e pessimismo facilitará a tarefa dos serviços de emparcelamento e reforçará a confiança na acção e nos propósitos do Governo, permitindo que rápida e seguramente se alcancem resultados práticos susceptíveis de fazer a justa propaganda do sistema e de despertar, consequentemente, o interesse de outros proprietários.
Quando, mais tarde, os interessados espontaneamente reclamarem a concentração das suas parcelas conjugada com a realização dos indispensáveis melhoramentos rurais e quando o volume das operações solicitadas já exceda as possibilidades do Estado em meios técnicos e financeiros, então sim, justifica-se e impõe-se até que o Estado determine qual o montante e a modalidade da contribuição dos interessados para a realização do emparcelamento pretendido.
(1) Salvo, naturalmente, a possibilidade de ser promulgada a legislação necessária para impor aos cidadãos encargos, com a natureza de taxas, correspondentes a serviços não reclamados.
II
Exame na especialidade
ARTIGO 1.º
77. O disposto no artigo 1.º do projecto visa dois objectivos que se devem considerar fundamentais no âmbito dos interesses que se tem em vista acautelar: o de travar a pulverização e consequente dispersão da propriedade rústica e o de conservar, na medida em que tal é jurídica e socialmente aconselhável, os resultados alcançados por meio dos trabalhos de emparcelamento.
À luz do que no momento próprio foi dito, impõe-se introduzir algumas alterações no texto dos referidos artigos. Vejamos quais devam ser.
a) Não basta fixar os dimensões da unidade de cultura em cada zona do País, pois no interior de cada zona .deve a respectiva área variar em função da natureza dos terrenos, das culturas para que estes são mais aptos e de outras circunstâncias oportunamente referidas (supra, n.º 19).
b) Afigura-se que não foram caracterizadas com suficiente rigor jurídico as causas directas ou indirecta da operação material do fraccionamento que se pretende evitar. Refere-se, com efeito, o projecto a fraccionamento proveniente de divisão, transmissão e constituição de propriedades imperfeitas ou ónus reais. Conviria, antes de mais, fazer uma alusão expressa a actos de partilha, que não é propriamente uma divisão de coisa comum, e antes a designação técnica da operação de repartição dos valores integrantes de uma universalidade.
Impõe-se, seguidamente, eliminar a menção - que se reputa descabida - a propriedade imperfeita e ónus reais.
E isto porque a figura da propriedade imperfeita não tem qualquer actualidade. O novo Código do Registo Predial não lhe faz já, intencionalmente, qualquer referência, e o futuro Código Civil não deixará de consagrar, segundo é legítimo presumir, o desaparecimento de uma categoria jurídica contra a qual sempre a doutrina Be tem insurgido.
O confronto do artigo 949.º do Código Civil com o artigo 2.º do Código do Registo Predial vigente igualmente evidencia a preocupação do legislador em evitar a referência a ónus reais, optando por fazer menção expressa dos direitos reais de garantia e de alguns ónus sujeitos a registo.
De qualquer forma, afigura-se possível afirmar que não se descobre nenhuma hipótese em que a constituição daqueles direitos que a nossa lei tem designado por propriedades imperfeitas ou ónus reais (v. artigos 949.º e 2189.º do Código Civil) possa conduzir ao fraccionamento de terrenos. O que pode conduzir, isso sim, é a, um parcelamento de poderes- correspondente à constituição de encargos sobre a propriedade.
c) Em conformidade com a explanação feita no n.º 16, conviria consignar no artigo 1.º a proibição da prática de actos de que resultasse a constituição da compropriedade de terrenos insusceptíveis de divisão em substância, bem como de direitos reais de garantia sobre partes alíquotas dos mesmos terrenos, já que pela normal aplicação e funcionamento do respectivo regime jurídico tais situações podem culminar, e frequentemente culminam, num indesejável fraccionamento material da propriedade.
Assim, por exemplo, a transmissão por qualquer forma legal de uma parte alíquota da propriedade de
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um terreno não implica a fragmentação material deste: os comproprietários podem manter-se na indivisão. Mas o que normalmente farão, na impossibilidade de uma legal divisão em substância, é concretizar no terreno a área correspondente aos seus quinhões ideais, operando um fraccionamento ilegal, que, como se demonstrou, é largamente responsável pela pulverização da propriedade rústica no País.
Igualmente a constituição de uma hipoteca sobre uma quota-parte ideal de um prédio não determina imediatamente qualquer fraccionamento material ou ideal da propriedade. Mas o funcionamento dessa garantia real, por via judicial, pode conduzir à venda, em processo de execução, da quota-parte hipotecada - e de novo nos encontraremos perante a hipótese anteriormente focada.
Inclinasse a Câmara Corporativa, porém, no sentido de que se não afigura possível proibir desde já a constituição da compropriedade de terrenos legalmente indivisíveis. Admite-se, com efeito, que tal com propriedade está normalmente ligada a um regime do fruição familiar da terra que não convém prejudicar.
d) Ainda quanto ao n.º l, convirá fazer referência expressa à unidade de cultura, espécie de unidade de conta que, por razões de comodidade, se deve introduzir na linguagem jurídico-agrária, à semelhança do que, com vantagens notórias, se faz na legislação doutros países.
e) A necessidade de evitar a constituição de novas servidões de trânsito deve conduzir a que se proíba o fraccionamento quando, embora respeitada a dimensão mínima das parcelas, daí resulte a situação material de encrave de qualquer delas.
f) Não basta cominar a nulidade para os actos que conduzam a um fraccionamento ilegal. Tal sanção será, na prática, pouco eficaz se nenhum particular tiver interesse em a denunciar. Assim, deverá conceder-se ao proprietário a quem a lei confere o direito de preferência a faculdade de adquirirem, pelo preço resultante de uma avaliação judicial, os terrenos que tenham sido fraccionados contra o disposto na lei.
ARTIGO 2.º
78. As alíneas a) e b) do artigo 2.º do projecto exigem uma leve correcção formal que melhor adapte o respectivo contexto à doutrina que se pretendeu firmar, tal como se impõe o aditamento de uma alínea destinada a furtar ao regime previsto no artigo 1.º o fraccionamento para os fins previstos no § 2.º do artigo 107.º do Decreto n.º- 16 731 (nomeadamente para construção urbana), já que o n.º l do artigo 2.º, ao referir-se a terrenos «destinados a algum fim que não seja a cultura», não acautela essa hipótese, pois se refere ao terreno a fraccionar, e não às parcelas resultantes do fraccionamento.
Convém, porém, evitar que o parcelamento se faça com o referido fundamento quando os interessados não têm a intenção séria de edificar ou construir. A garantia da observância da letra e do espírito da lei estará em se cominar a nulidade do acto para os casos em que, decorrido o prazo suficientemente largo de três anos, a edificação não tenha sido iniciada.
A lei espanhola (artigo 2.º da Lei de 15 de Julho de 1964) fixa para o início da construção o curto prazo de um ano, passado o qual os proprietários confinantes com o terreno fraccionado podem exercer o direito de opção. É de acolher esta solução, melhorada em conformidade com o regime fixado nos artigos 2.º, n.º 3 e seguintes do novo texto sugerido neste parecer para o exercício do direito de preferência ou de transmissão coerciva.
ARTIGO 3.º
79. O texto do artigo 3.º do projecto apenas reclama alguns leves retoques formais e uma pequena alteração no n.º 2, já que o fraccionamento pode ter lugar em outros processos judiciais que não sejam de divisão de coisa comum ou partilha - nomeadamente em todos aqueles em que as partes transijam na base de uma divisão do terreno litigioso, a efectuar por termo nos próprios autos.
ARTIGO 4.º
80. O artigo 4.º do projecto necessita, em face do que foi dito ao apreciar-se na generalidade o papel que o direito de preferência pode desempenhar com vista a facilitar o reagrupamento predial, de ser inteiramente refundido. O respectivo texto não satisfaz, com efeito, nem quanto à forma nem quanto à doutrina.
a) Não tem cabimento, na verdade, estender aos proprietários confinantes o direito de preferência estabelecido no artigo 2309.º (aliás no § 1.º deste artigo) do Código Civil.
O artigo 4.º consigna um direito de preferência novo, conferindo-o aos proprietários confinantes com vista a facilitar o reagrupamento predial espontâneo, enquanto o direito de opção previsto no § 1.º do artigo 2309.º respeita aos proprietários de prédios encravados ou onerados com, a respectiva, servidão e visa por termo ao encrave de prédios, mediante a extinção de servidões de trânsito.
b) Por outro lado, o artigo 4.º não regula a hipótese de haver vários proprietários com direito de preferência, interessados em usar dele. Poderia dizer-se que tratando-se, em face do texto do projecto, de uma simples extensão do direito de preferência reconhecido no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil,- o caso estaria regulado nos §§ 3.º e 4.º do mesmo artigo. Mas assente que não tem razão de ser a invocação, no artigo 4.º do projecto, do citado artigo 2309.º, impõe-se também concluir que não satisfaz o possível recurso à aplicação analógica dos remédios contidos naqueles §§ 3.º e 4.º, por serem manifestamente inconvenientes (V. supra, n.º 56).
Nada obsta, porém, ao estabelecimento de um regime de prioridade que dispense licitação entre os proprietários preferentes. O funcionamento de tal sistema deverá conduzir a que, pelo exercício da opção, o terreno disputado venha afinal a ser adquirido pelo proprietário que melhor realize os fins visados pela concentração parcelaria.
Ora, na base das operações de emparcelamento está, como se evidenciou noutro momento, a preocupação de constituir prédios cuja área não seja inferior à unidade de cultura. Assim sendo, deverá ter prioridade no exercício do direito de preferência aquele dos proprietários confinantes que, com a aquisição da parcela a que respeita a opção, perfaça uma área que mais se aproxime da unidade de cultura.
Na legislação espanhola contém-se uma disposição de alcance análogo (1), embora se afigure que mais per-
(') «Si vários colindantes munifestasen en igual tiempo su voluntad de ejercitar el derecho que les concede este articulo y no llegaren a un acuerdo será preferido entre ellos el que fuere dueflo de la finca colindante de menor extension ...» (artigo 3.º da, Lei de 15 de Julho de 1954).
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feita, sob o ponto de vista dos interesses agrários a acautelar, é a solução aqui apontada (1).
c) Também o artigo 4.º do projecto não prevê a hipótese de se apresentarem a optar titulares de diferentes direitos de preferência - o reconhecido no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil e o conferido pelo artigo 4.º em apreciação.
Quid iuris.
Pelas razões já apontadas, convém também aqui evitar a licitação entre os preferentes, atribuindo a prioridade no exercício do direito àquele que melhor realize os fins de emparcelamento e que será um dos proprietárias de terreno confinante com a parcela a transmitir, individualizado segundo o critério acima referido.
d) Mas pode acontecer que um dos preferentes invoque um duplo direito de preferência, apresentando-se como proprietário de terreno confinante, que é, simultaneamente, ou dominante ou serviente da parcela disputada. Nesta hipótese, a aquisição dessa parcela permitiria ao referido proprietário realizar dois fins que a lei pretende favorecer: o reagrupamento predial e o desaparecimento de um encrave.
Tanto bastará para que a esse proprietário se atribua prioridade no exercício da opção - seja qual for a extensão da sua parcela.
Se houver - o que será hipótese mais rara - dois proprietários nas mesmas condições, aplicar-se-á o critério já exposto, ou seja, o de saber qual dos dois aproxima mais a área do novo prédio a constituir da unidade de cultura que tiver sido fixada para a respectiva zona.
e) Convém fazer menção, no texto do artigo 4.º, do direito à opção no caso de em processo de execução ser adjudicado um terreno ao credor (artigo 874.º do Código de Processo Civil), hipótese que se não reconduz rigorosamente às figuras da venda judicial ou da dação em pagamento referidas no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil. Igualmente se impõe, aludir à transmissão de domínio útil, que não é prevista naquele preceito, e eliminar a referência ao arrendamento, manifestamente descabida.
f) A exclusão pura e simples, do elenco dos proprietários preferentes, dos donos de prédios com área superior ao dobro da unidade de cultura da zona respectiva afigura-se inconveniente.
Na verdade, a nossa estrutura agrária não permitirá a fixação de unidades de cultura muito abonadas, podendo mesmo afirmar-se que dificilmente poderá, nas regiões dominadas pelo microfúndio, exceder-se em tal fixação a actual marca do meio hectare. Por outro lado, a circunstância de só ficarem legalmente sujeitas a opção parcelas com área inferior à unidade de cultura afasta o perigo da formação de grandes prédios.
Assim, e conhecidas as enormes vantagens da concentração parcelaria, não se vê grave inconveniente, em admitir os proprietários de terrenos cuja área exceda a da unidade de cultura a usar do direito de preferência em relação- a parcelas confinantes, designadamente quando tal direito só possa ser exercido nos casos em que outros proprietários confinantes, mais favorecidos pelo regime legal instituído, não pretendam optar.
De resto, na atribuição do direito de preferência consignado no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil não se exclui qualquer proprietário dominante ou serviente, seja qual for a área do próprio terreno - e, no entanto, o interesse em pôr termo a situação de encrave não se avantaja, sob o ponto de vista económico-agrário, à promoção do reagrupamento predial.
ARTIGO 5.º
81. Não suscita o artigo 5.º do projecto qualquer observação de monta, dado o que ficou escrito no local próprio sobre o papel das operações de recomposição predial na correcção de certos vícios da estrutura agrária. Somente, por uma questão de rigor doutrinário e de conformidade com observações que ulteriormente se farão, convirá retocar a redacção do preceito.
ARTIGO 6.º
82. De acordo com a moderna orientação sobre a matéria, o emparcelamento da propriedade não pode confundir-se, como mais largamente se referiu noutra oportunidade (supra, n.º 27) com simples reagrupamento predial.
Assim, a expressão a «emparcelamento» deve corresponder, no âmbito deste diploma, à própria recomposição agrária de que o reagrupamento de parcelas é apenas um dos objectivos fundamentais.
A realização do emparcelamento coincide normalmente com um esforço de valorização social da zona visada, até por razões de boa propaganda do sistema.
É isto mesmo o que se afirma no n.º l do artigo 6.º do projecto, sem que, no entanto, seja fornecida qualquer directriz quanto à forma por que a valorização se fará.
Na verdade, as obras de rega e enxugo e a construção de vias de comunicação só indirectamente, através da própria valorização económica, contribuem para a promoção, social das populações rurais.
Outros melhoramentos há, porém, que, repercutindo-se favoravelmente no sector económico, contribuem imediatamente para a melhoria das condições gerais de vida de um meio rural: electrificação, abastecimento de água para usos domésticos, lavadouros públicos, ligações telefónicas, instalação de postos sanitários e de centros cívicos, etc.
Naturalmente que a realização de um programa desta natureza não pode ser da responsabilidade exclusiva do organismo encarregado da operação de emparcelamento. Outros departamentos estaduais devem, em tal conjuntura, dar o seu concurso para a execução de uma tarefa cujos pormenores devem ser prévia e criteriosamente planeados e submetidos às entidades competentes, com vista a obter-se daqueles departamentos uma colaboração efectiva no sentido apontado.
De qualquer forma, parece preferível não fazer referências concretas a espécies de melhoramentos a realizar em regiões de necessidades díspares. Uma fórmula vaga, bastante compreensiva, será plenamente satisfatória na medida em que confira ao organismo encarregado de efectuar o emparcelamento a desejável liberdade de acção.
83. A redacção do n.º 3 do artigo 6.º não satisfaz inteiramente. Com efeito, não parece feliz a enunciação do princípio contido na sua primeira parte. Desviou-se aí o projecto governamental do texto sugerido na base VI do articulado proposto pela Câmara Corporativa no seu parecer n.º 26/V - e parece que se des-
(') Que a solução da lei espanhola não é inteiramente satisfatória resulta de um exemplo corrente: o terreno X, com a área de 1000 m2, é circundado por dois outros prédios, um com 4000 m2 e outro com 1500 m2. A unidade do cultura foi fixada para a zona respectiva em 5000 m2. A atribuição da prioridade no exercício do direito de preferenciar a um dos proprietários permitir-lhe-ia perfazer a unidade de cultura, enquanto que atribuí-lo ao outro, como prescreve a lei espanhola, conduziria à manutenção do duas parcelas técnica e economicamente insuficientes.
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viou sem vantagem. Esse texto afigura-se mais expressivo, pelo que é de manter.
84. A doutrina dos n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 6.º não suscita reparos.
ARTIGO 7.º
85. Nada a observar.
Apenas um pequeno aditamento se impõe para que não fique vedado operar a rectificação de limites ou arredondamentos de estremas dos terrenos excluídos da recomposição predial, o que muito poderia prejudicar a ordenação da propriedade na zona a emparcelar.
ARTIGO 8.º
86. Reveste-se de grande interesse o disposto neste artigo, em que se permite ao Estado adquirir terrenos, no interior dos perímetros a emparcelar, com vista à criação, de unidades de cultivo de dimensões suficientes sob o ponto de vista técnico-económico.
Pode, no entanto, afoitamente afirmar-se que em relação à magnitude do objectivo visado há excessiva timidez na escolha dos meios destinados a alcançá-lo.
Não é manifestamente satisfatório que o Estado «procure adquirir» terrenos. O Estado deveria adquirir, socorrendo-se dos processos jurídicos que lhe são facultados para a realização de um alto interesse publico, aqueles terrenos que não desempenhando, no interior do perímetro a emparcelar, uma função útil, no entanto poderiam ser aplicados na constituição de unidades mínimas de cultura ou mesmo de explorações familiares que por toda a Europa se reconhece serem de alto rendimento económico e social.
Não pode legitimamente duvidar-se de que se apenas «procurar, adquirir» terrenos (que os particulares ponham à venda por preços correspondentes a uma valorização da terra que não é, normalmente, função do seu rendimento real, o Estado acabará por não comprar grande coisa.
São, na verdade, apertados os requisitos de que dependeria a compra: oferta de terra, especial localização da mesma, dada a necessidade de a ligar àquelas parcelas com área inferior à mínima (1), e exigência de preço conveniente, tanto sob o ponto de vista do Estado como dos possíveis destinatários do terreno.
Não haja dúvida: o Estado acabará por não comprar quantidades apreciáveis de terra.
De resto, a disposição é praticamente inútil, tal como se acho redigida. Com efeito, ninguém se lembrará de negar ao Estado capacidade para comprar e revender imóveis.
Ora os altos interesses visados têm de ser alcançados em termos de eficiência e com perfeita noção das realidades - nunca se perdendo de vista a circunstância de que é geralmente reconhecida como condição muito importante do pleno êxito de um projecto de reorganização agrária a existência de uma reserva de terras de mie o Estado possa dispor para melhorar a área de unidades agrícolas insuficientes.
Esta reserva de terras poderia ser constituída em princípio, consoante foi dito no momento oportuno, mediante o recurso a três processos diferentes:
a) Expropriação de terras;
b) Compra de terrenos oferecidos à renda e aquisição de terras de agricultores que estejam dispostos a abandoná-las e a ser transferidos para outras zonas de colonização (na metrópole ou no ultramar), onde seja possível instalá-los;
c) Cedência de terras do domínio publico ou comum depois de recuperadas para a exploração agrícola ou valorizadas através da aplicação de meios que os particulares não estejam em condições de utilizar.
Excluída, porém, pelas razões já expostas (supra, n.º 73), a possibilidade de recurso à expropriação por utilidade pública, só restará ao Estado lançar mão dos outros meios apontados, procurando garantir-se-lhe a possibilidade prática du aquisição de terras postas à venda através da- concessão do direito de preferência nas transmissões operadas no interior da zona a emparcelar.
ARTIGO 9.º
87. É oportuno chamar a atenção, ao apreciar-se o artigo 9.º, para o que ficou dito nos n.ºs 36 e seguintes da apreciação na generalidade.
Convém, no entanto, acrescentar que o pedido de elaboração dos projectos de emparcelamento também poderá ser dirigido à Junta de Colonização Interna por organismos representativos de interesses da lavoura, e não se poderá, dizer que um grémio da lavoura, por exemplo, não seja mais qualificado para o fazer do que qualquer dos proprietários interessados no emparcelamento.
Quando a execução do emparcelamento voluntário assenta numa base de pura espontaneidade, o pedido inicial deverá logo ser subscrito por proprietários que representem a maioria exigida por lei.
Em Espanha o emparcelamento espontâneo tem na sua origem uma petição firmada por 60 por cento dos proprietários de uma zona determinada que simultaneamente dominem 60 por cento da área a emparcelar. Aceite tal pedido e decretado o emparcelamento solicitado, os proprietários da zona referida são chamados a apreciar as bases em que o emparcelamento deverá fazer-se, tudo se passando, ulteriormente, como se de um emparcelamento coercivo se tratasse. Quer dizer: os proprietários locais não podem, depois de aprovadas as bases fundamentais, rejeitar o projecto elaborado sobre elas, apenas lhes sendo facultado dar seguimento a reclamações pelas vias contenciosas instituídas para tal efeito.
Diverso é, como se viu (supra, n.º 34), o sistema previsto no articulado do projecto em apreciação. A elaboração dos projectos de emparcelamento não depende de qualquer iniciativa dos particulares interessados. Mesmo quando estes o solicitem, a Junta de Colonização Interna só elaborará o projecto respectivo se assim o achar conveniente; por outro lado, não necessita a Junta de tal solicitação para se abalançar à elaboração do projecto.
Assim, o pedido dos particulares1 interessados não desempenha outro papel que não seja o de lembrar ou recomendar à Junta de Colonização Interna a conveniência de se procederá recomposição agrária numa zona determinada. Nestas condições, o pedido tanto poderá ser subscrito por um único proprietário como por um
(1) Pelo menos ultrapassada a execução do emparcelamento. Antes da execução do emparcelamento a localização seria indiferente, dadas as possibilidades de troca no âmbito da recomposição agrária, mas seriam mínimas os possibilidades de, no curto espaço de tempo da elaboração do anteprojecto de emparcelamento, aparecer à venda terreno em quantidade apreciável.
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grupo mais ou menos numeroso de interessados que não ficam, em consequência de tal subscrição, vinculados a aprovar o projecto que a Junta venha a elaborar. E, se o não o provarem, o projecto não poderá executar-se.
88. Do exposto resulta:
a) Que, dada a função do pedido de emparcelamento, nada impede que um único proprietário solicite á elaboração de ura projecto de recomposição agrária;
b) Que, porém, os organismos representativos da lavoura se revelam mais qualificados para deduzir esse pedido inicial;
c) Que é manifesta a vantagem de que tal pedido seja subscrito pela maioria dos proprietários interessados, representando a maioria do rendimento colectável, dado que a Junta de Colonização Interna pode logo partir do confortável certeza de que o seu trabalho encontrará um ambiente propício ao êxito final.
Do que se referiu na precedente alínea c) decorre, naturalmente, que deve ser concedida prioridade à elaboração e execução de projectos de emparcelamento que haja sido solicitado pela maioria dos interessados.
Poderá argumentar-se em contrário afirmando que um emparcelamento urgente, exigido por razões graves de ordem social e agrária, não deve ser prejudicado por outra operação menos urgente, só porque esta foi solicitada pela maioria dos proprietários.
Mas o argumento não é decisivo, porque a Junta de Colonização Inferna saberá usar dos meios necessários par» despertar o interesse dos proprietários das zonas em que o emparcelamento se imponha com carácter de urgência, convencendo os a deduzir o pedido respectivo. Esta será uma magnífica oportunidade de a Junta evidenciar a sua comprovada capacidade para captar a simpatia e confiança das populações rurais.
Se, contra o que é de esperar, a Junta não conseguir, em dado caso concreto, realizar tal objectivo, melhor será aguardar, enquanto outras operações se desenvolvem, uma modificação do ambiente local - porque nada se apresenta como mais desaconselharei do que empreender uma tarefa, delicada que desde o primeiro momento concita a declarada hostilidade dos respectivos destinatários (1).
89. O disposto no n.º 3 do artigo 9.º não suscita qualquer reparo em face das conclusões a que se chegou ao fazer-se o exame na generalidade d0 projecto governamental (supra, n.º 76).
A questão do financiamento do emparcelamento não fica, doutrinàriamente, bem resolvida, podendo taxar-se de injusta a solução consagrada no n.º 3.
Mas, numa conjuntura em que as correcções estruturais que se projectam devem iniciar-se com todas as garantias de êxito junto das populações rurais, interessa grandemente despertar o interesse e até o entusiasmo dos beneficiários do emparcelamento, isentando-os de qualquer encargo - pelo menos até que a obra tenha feito à sua própria propaganda e os proprietários comecem a reclamá-la, sujeitando-se voluntariamente a contribuir para o financiamento dos projectos- de recomposição agrária.
Enquanto tal momento não chega, impõe-se o sacrifício de toda a comunidade era benefício directo de alguns, que ainda não têm perfeita consciência dos interesses que se procura realizar.
ARTIGO 10.º
90. A. Câmara Corporativa nada tem a objectar ao disposto no artigo 10.º.
É a Junta de Colonização Interna um organismo a que o País deve já relevantes serviço», que a têm acreditado como uma instituição vigorosa, dotada da experiência necessária para enfrentar os problemas do agro-português.
Os trabalhos preparatórios de operações de em parcelamento já efectuados (1), as missões de estudo cumpridas em diversos países (designadamente na Espanha, França, Suíça, Bélgica e Itália) com vista ao conhecimento minucioso dos princípios e técnicas do emparcelamento, os valiosos relatórios elaborados, os artigos, publicados, as conferências pronunciarias, a ampla discussão dos temas a que se têm entregado, qualificam, especialmente os técnicos da Junta de Colonização Interna para a realização das tarefas de emparcelamento que se pretende confiar-lhes.
Poderia dizer-se que a multiplicidade e disparidade, das atribuições da Junta de Colonização. Interna aconselharia a não ampliar o seu domínio de acção e, antes, a criar um novo organismo incumbido da missão específica de executar o emparcelamento.
Na generalidade dos países europeus constituíram-se, efectivamente, organismos próprios para o realizar (2).! Assim aconteceu na vizinha Espanha, que instituiu o seu Serviço de Concentración Parcelaria.
Não necessitamos, felizmente, em Portugal de criar um novo organismo oficial, para o qual de resto teriam de ser deslocados os próprios técnicos da Junta de Colonização Interna, dada a impossibilidade actual de noutro sector recrutar pessoal competente e experimentado. A Junta de Colonização Interna, após a reorganização que nela se projecta operar, apresentar-se-á como um organismo plenamente capaz, de dar boa conta da nova missão. Aliás, no que respeita à correcção da estrutura-agrária nacional, as medidas a adoptar inserem-se todas num dispositivo de combate a situações interdependentes, pelo que é legítimo afirmar que só podem resultar vantagens de se confiar a um mesmo organismo a realização de objectivos que, exigindo por vezes soluções de sinal contrário, se completam e integram todos num. plano unitário de valorização do solo pátrio.
91. Além das comissões locais de recomposição predial, com funções específicas, necessitará a Junta, à semelhança do que acontece com m organismos congéneres que no estrangeiro têm por missão executor o emparcelamento, da colaboração directa e permanente de subcomissões de trabalho, constituídas sobretudo por proprietários locais cujo conhecimento da zona, da natureza e valor de coda terreno, da personalidade de cada interessado no emparcelamento, etc., muito pode facilitar o trabalho dos técnicos da Junta de Colonização Interna.
É, assim, de prever a existência de tais subcomissões, de trabalho, cujas funções e constituição deverão ser assinadas em regulamento a publicar.
(1) V., sobre esta matéria, O Emparcelamento da Propriedade Rural em Pratica. - Relatório de uma visita de estudo - 1959, p. 90, pelo engenheira agrónomo LAGO DE FREITAS.
(l) Cf. O Emparcelamento da Propriedade Rústica.- O Caso Português, projecto de um trabalho a apresentar à reunião da F. A. O., pelo engenheiro agrónomo ARMANDO OSCAR CÂNDIDO, FERUBIBA, 1956, p. 58.
(2) V. uma ampla informação sobre esta matéria in Remembrement en Europe, pp. 73 e seguintes, 83-85 e 155.
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ARTIGO 11.º
92. O n.º l do artigo 11.º deve ser refundido. Por um lado, não regula a notificação dos proprietários com residência fora da zona a emparcelar. Depois, admite a hipótese do emparcelamento coercivo que a Câmara Corporativa repudiou (supra, n.º 42) - idêntico reparo podendo, aliás, ser feito em relação ao n.º 2 do artigo 11.º
Convém, finalmente, assinalar com mais rigor o critério aplicável, na fase de apuramento dos resultados da apreciação do anteprojecto de emparcelamento, à
determinação de quais os interessados que devem considerar-se como partidários do emparcelamento.
93. No n.º 3 deveria indicar-se o praxe para a interposição do recurso, similarmente ao que no n.º 3 se faz quanto ao prazo para reclamar.
Também não é de aplaudir a ideia de se constituírem tribunais arbitrais de âmbito distrital, como mais largamente se dirá na apreciação do artigo 17.º do projecto.
94. O contexto dos n.ºs 4 e 5 não suscita quaisquer reparos.
95. O disposto no n.º 6 do artigo 11.º do projecto governamental levanta um grave problema, que não foi abertamente encarado e que, por isso, não obteve a necessária solução. O problema é este:
A elaboração do projecto de recomposição agrária parte de uma situação real (número, extensão, situação Jurídica, etc., das parcelas integrantes de uma propriedade ou exploração agrícola).
Evidentemente que qualquer alteração introduzida nessa realidade material e jurídica após o início da elaboração do projecto de emparcelamento não pode deixar de complicar, ou até de comprometer, o trabalho em curso. Com efeito, visando o emparcelamento a substituição de vários prédios dispersos, pertencentes ao mesmo proprietário, por uni número mais restrito de prédios, e se possível por um só - operação esta feita com base no critério enunciado no n.º 3 do artigo 6.º do projecto -, as transacções imobiliárias realizadas no interior da zona a emparcelar provocarão normalmente uma modificação na situação de que partiram os serviços incumbidos de realizar o emparcelamento: a compra e venda de uma parcela, aumentando e diminuindo concomitantemente a extensão de terras dos proprietários outorgantes e modificando globalmente a composição das respectivas explorações agrícolas, não pode deixar de exigir a correspondente correcção nos lotes que lhes devam ser atribuídos ou, pelo menos, dos estudos já feitos para a constituição dos mesmos lotes.
Assim, é indubitável que a liberdade contratual dos proprietários interessados na operação de emparcelamento não pode deixar de ser restringida, quando não anulada, na pendência do processo da recomposição agrária planeada.
E não chocará concluir desta fornia desde que se parta do indiscutível princípio de que, sendo embora a recomposição ditada por uma razão de interesse público de primeiro plano, os grandes e imediatos beneficiários dela são os proprietários da zona a emparcelar. Legítimo é, pois, impor-lhes algumas limitações temporárias dos seus direitos, na medida em que as restrições opostas à sua liberdade de contratar suo condição de viabilidade prática da execução do emparcelamento planeado.
96. A verdade, porém, é que para os fins em vista não será necessário fulminar de nulidade os actos de disposição praticados pelos proprietários da zona a emparcelar. Bastará, para acautelar os interesses em causa, decretar a ineficácia, para efeitos de emparcelamento, dos referidos actos. Quer dizer: sem prejuízo da produção dos efeitos possíveis entre as partes, os contratos celebrados não devem afectar de modo algum o curso dos trabalhos de reorganização agrária. Para efeitos de emparcelamento é como se não tivessem sido praticados.
Mas pode ainda atenuar-se um pouco esta restrição ao direito de disposição.
Os prejuízos mais graves que poderiam ter de suportar os proprietários atingidos pelo bloqueio negocial descrito verificar-se-iam, não no momento em que lhes fosse vedado dispor de uma parcela isolada do seu património mas, antes, quando se vissem impedidos de operar a alienação de todos os seus bens, ao tentarem proceder a uma liquidação da sua exploração ou empresa agrícola para se transferirem para outra região ou para outra actividade. E seria, na verdade, violento que um proprietário efectivamente desinteressado dos resultados do emparcelamento planeado tivesse de aguardar a execução dessa operação para poder alhear validamente o que é seu.
Ora a venda em bloco de todos os bens de um proprietário não prejudicará normalmente a elaboração do projecto de emparcelamento se todos os bens do proprietário alienante forem adquiridos por um único comprador: o esforço despendido pelos serviços aproveitará inteiramente ao referido comprador, a quem será assinalado um lote representativo dos bens adquiridos, salvo se o mesmo comprador já for proprietário na zona, pois, nesta hipótese, se os serviços não tiverem dificuldade, na fase de trabalho em que se acharem, de entrar em couta com a transacção realizada, poderão toma-la em consideração com vista ao reagrupamento de toda a área de que o adquirente ficou a dispor.
Para este efeito é necessário, evidentemente, que aos serviços de emparcelamento seja dado conhecimento da transmissão realizada.
E mais: conveniente é que lhes seja dada notícia de todas as transacções sobre terrenos, pois, embora estas sejam era princípio ineficazes, nada impede que os serviços respectivos as tomem em consideração na medida em que possam facilitar a solução de problemas concretos suscitados.
97. Um outro problema surge aqui: em que momento deve iniciar-se a vigência do especial regime apontado para as transacções sobre terrenos incluídos na zona a emparcelar?
Dispõe-se já dos elementos necessários para enfrentar tal questão: esse momento será aquele em que, iniciada a elaboração do projecto de emparcelamento, este possa começar a ser prejudicado pelas alterações introduzidas pelos proprietários locais na situação jurídica e material de que os serviços competentes partiram.
Tal momento não coincidirá, pois, com a data em que se inicia a elaboração do projecto, antes se reportará a data ulterior, a partir da qual as referidas alterações começarão a afectar, cada vez mais gravemente, a boa marcha dos trabalhos de elaboração do projecto.
A data certa, porém, só os próprios serviços a poderão assinalar formalmente por meio de avisos a fazer aos interessados.
Resta acentuar que a compressão dos interesses ou limitação dos direitos dos proprietários deverá manter-se apenas durante o mínimo período de tempo indispensável. A elaboração do projecto, uma vez iniciada,
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deve prosseguir - em ritmo intenso - por todas as razões.
98. [...] fala em transmissões V, sem fazer qualquer distinção, mas é evidente que apenas de «transmissões entre vivos» se pode tratar.
ARTIGO 12.º
99. À matéria versada no artigo 12.º do projecto, não se reveste de autonomia que justifique a sua inserção numa disposição própria.
O n.º l visa acautelar a realização de alguns dos objectivos normais do emparcelamento: o desencrave e a extinção de servidões.
Ora já no n.º l do artigo 6.º se consigna que o emparcelamento tem em vista a melhor ordenação da propriedade pelo desencravamento.
Quanto à extinção de servidões, a ser admissível fazer-lhe referência expressa, tem ela perfeito cabimento no artigo 6.º, sem que haja necessidade de aludir à forma técnica de operar tal extinção, que é possível realizar por meios diferentes da reunião dos dois prédios, dominante e servente, sob o domínio do mesmo proprietário (2).
O disposto no n.º 2 do artigo 12.º não tem alcance útil. E manifesto que um prédio [...] com uma servidão não pode ser valorizado como se fosse livre.
ARTIGO 13.º
100.º Não há reparos a fazer ao texto do artigo 13.º do projecto, que corresponde, com ligeiros desvios formais, ao da base XI do articulado sugerido no parecer n.º 26/V da Câmara Corporativa.
A sub-rogação real pode definir-se como a instituição jurídica por virtude da qual, praticando-se ou ocorrendo um acto ou facto jurídico que importe, simultaneamente, perda de um valor e aquisição de outro, este se substitui no primeiro, tomando o seu lugar e fazendo as vezes dele(3).
Trata-se, pois, de uma modalidade de modificação objectiva nas relações jurídicas, correspondentes a uma verdadeira - sucessão de coisas que não repugna aceitar no âmbito da matéria em estudo, dado que a sub-rogação real surge como uma exigência de ordem prática e jurídica do instituto do emparcelamento da propriedade.
Perante a definição dada será legítimo pensar que o n.º 2 ao artigo 13.º se apresenta, em face do n.º l, como uma disposição redundante. A Câmara Corporativa, no seu referido parecer n.º 26/V, mostrou ter-se apercebido desse risco, a que procurou obviar antecedendo o actual texto do n.º 2 da locução por conseguinte, que bastava para lhe imprimir um inequívoco carácter de uma explanação do princípio inserto no n.º 1.
De qualquer forma não há dúvida de que a explanação, no n.º 2 do artigo 13.º, das consequências jurídicas do reconhecimento, no domínio do emparcelamento.
(2) A celeridade na execução do emparcelamento é, de facto, uma exigência do êxito da operação. Com efeito, a experiência alheia aconselha a trabalhar velozmente, a fim de eliminar a fadiga que se apodera de todos quando os trabalhos se eternizam. Assim tudo deve ser preparado para que as tarefas se cumpram com compassos de esfera que desalentam e desprestigiam os serviços - Cf. LAGO DE FREITAS: O Emparcelamento da Propriedade Rural em França - Relatório de uma visita do estudo, 1[...]9.
(3) De resto, a operação de emparcelamento integral, de que no âmbito deste diploma se trata, não visa a reunião dos prédios, mas, antes, a constituição de um prédio novo ou de um número mínimo de novos prédios.
(4) Prof. GALVÃO TELES, Das Universidades, p. 188.
[...]mento, do apontado princípio da sub-rogação real tem interesse na medida em que evita dúvidas e resolve problemas que seria legítimo suscitar.
E, assim, de manter o n.º 2 do artigo 13.º, embora com profundas alterações no respectivo contexto.
Já se salientou, no exame feito ao artigo 1.º do projecto governamental (supra, n.º 77), que é hoje descabida a referência, num texto legal, a propriedades imperfeitas e [...] reais.
Tal referência deve, pois, ser substituída pela menção expressa dos direitos reais de gozo e de garantia e pela indicação dos ónus que a nossa lei considera (cf. artigo 2.º do Código do Registo Predial) como susceptíveis de transferência de um prédio para outro.
101. A redacção do n.º 4 não é de manter. Os princípios jurídicos são [...] e testam ente forçados, em homenagem à necessidade de evitar situações muito embaraçosas, quando se exclui a intervenção activa, em fase de discussão do projecto de emparcelamento, dos titulares dos direitos enumerados no n.º 2 do artigo 13.º.
Mas se isto ainda pode aceitar-se, é de todo «admissível que a esses interessados apenas só se dê conhecimento» do plano definitivo.
Impõe-se antes que se lhes confira a faculdade de reclamar pelo menos quanto à forma por que tenha sido cumprido o disposto no n.º 3.
ARTIGO 14.º
102. O disposto no n.º l do artigo 14.º não satisfaz.
Não convém, com efeito, que seja lavrado um único auto, mas sim tantos quantos os proprietários atingidos pela operação de emparcelamento, devendo fazer-se menção era cada um deles das diversas operações efectuadas em relação a cada proprietário e ainda a descrição pormenorizada, para efeito de inscrição matricial e registo predial, do prédio ou prédios que fiquem a pertencer-lhes e dos termos em que se operou a transferência dos direitos e encargos que sobre as primitivas parcelas incidam.
Interessa, na verdade, que cada proprietário disponha de um título autónomo que não seja uma simples certidão narrativa, como necessariamente aconteceria se um único auto fosse lavrado.
Não se diga que a solução proposta origina maior dispêndio de esforço, porque a redacção de vários autos apenas obrigará a repetir em cada um o cabeçalho ou intróito que figuraria no auto único, pequeno embaraço que se resolve adoptando um adequado modelo impresso.
Ultimada a redacção dos autos, poderão estes ser emaçados, constituindo um processo, dossier ou livro para efeito de conservação em cartório notarial ou arquivo distrital, nas condições legalmente prescritas para os livros notariais.
De resto, a elaboração de autos independentes simplificará a passagem de certidões integrais ou de teor e até a extracção de fotocópias devidamente autenticadas, como se usa fazer em alguns países, com vantagem notória.
103. Não se refere o artigo 14.º em nenhum dos seus números às alterações a introduzir nas matrizes prediais. Importa corrigir a lacuna, o que se deverá fazer ao refundir a redacção de todo o artigo 14.º.
ARTIGO 15.º
104. É muito importante o preceituado no artigo 15.º. Com efeito, é geralmente reconhecido que a existência de um cadastro geométrico da propriedade rústica é condição básica não só da correcta elaboração de um projecto de emparcelamento, como, sobretudo, da faci-
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lidade e brevidade com que a operação deve ser realizada.
É evidente que a existência do cadastro liberta os serviços incumbidos do emparcelamento de uma multiplicidade de delicadas e demoradas tarefas de reconhecimento da propriedade rústica, diminuindo consideravelmente o custo da execução do emparcelamento. Assim, há toda a vantagem em que a recomposição agrária se vá efectuando no interior de zonas cadastradas.
No nosso país acontece, porém, que o cadastro geométrico abrange apenas, neste momento, alguns distritos do Sul e raros concelhos do Norte.
Quer dizer: as regiões do País em que mais se faz sentir a necessidade do emparcelamento ainda não foram submetidas ao cadastro geométrico da propriedade rústica.
Tem a Junta de Colonização Interna de colmatar a lacuna, efectuando os necessários levantamentos, salvo quando o Instituto Geográfico e Cadastral, devidamente solicitado, puder incumbir-se de tal tarefa, a realizar em curto prazo, compatível com a necessidade da realização dos emparcelamentos projectados.
Assim, nada há a objectar quanto ao artigo 10.º, impondo-se no entanto consignar, por razões óbvias, que os levantamentos de que Junta de Colonização Interna venha a encarregar-se deverão ser feitos sob a superintendência do Instituto Geográfico e Cadastral.
ARTIGO 16.º
105. As comissões locais de recomposição predial têm por missão, nos termos dos artigos 10.º, 11.º, 13.º, e 14.º do projecto, coadjuvar a Junta de Colonização Interna na elaboração e execução dos projectos de emparcelamento, decidir as reclamações que contra estes deduzam os proprietários interessados, formalizar juridicamente as operações realizadas, etc.
São assim postas a cargo das comissões locais funções importante e delicadas, pelo que convém constituí-las com um elenco qualificado, em que estejam incluídos técnicos agrónomos e jurisperitos - dada a qualidade das questões de ordem técnico-jurídica que lhes serão submetidas -, e ainda representantes dos proprietários locais.
Tendo em vista garantir uma eficaz colaboração à Junta de Colonização Interna, conviria que das comissões locais fizesse parte, além do conservador do registo predial, um notário que, pela sua formação profissional, está particularmente indicado para a preparação e redacção dos instrumentos jurídicos a lavrar na fase final da execução do emparcelamento e ainda para, juntamente com o conservador, prestar a comissão local respectiva a assistência jurídica tão necessária quer durante a elaboração do projecto de emparcelamento, em que se levantam os melindrosos problemas da verificação ou definição de direitos, quer na apreciação e decisão das reclamações deduzidas contra o projecto elaborado.
Também a intervenção nos trabalhos da comissão local do chefe da secção de finanças seria muito útil, dada a necessidade de um estreito contacto entre esta repartição e aquela comissão, com vista a perfeita.
1 Esta a razão por que em França, por exemplo, os serviços de emparcelamento trabalham em ritmo tão intenso que lhes seria possível, eliminadas dificuldades do financiamento, emparcelar l milhão de hectares em cada ano.
2. Visita do Estudo ao «Serviço» de Emparcelamento da Propriedade Rústica em Espanha e França, relatório elaborado para a Junta de Colonização Interna pelos engenheiros agrónomos VAZ PEREIRA, CONCEIÇÃO SILVA e SILVA FERREIRA, pp. 82 e seguintes, conjugação entre a realidade fundiária resultante do emparcelamento e as matrizes prediais.
A inclusão na comissão local de um técnico nomeado pela Junta de Colonização Interna justifica-se pela conveniência de estabelecer entre este organismo e aquela comissão a ligação indispensável.
106. O artigo 16.º do projecto não refere a quem deve ser atribuída a presidência das comissões locais. Deveria, em princípio, caber a presidência ao conservador do registo predial, primeiro substituto do juiz de direito da respectiva comarca ou juiz efectivo nos julgados municipais. Pode, porém, acontecer que o conservador, não seja, na hipótese concreta, pessoa especialmente indicada para o exercício daquelas funções, a que é necessário imprimir um ritmo que não entrave a celeridade exigida pelo bom desempenho da missão das comissões locais. Assim, a presidência de cada comissão local deve ser conferido o pessoal nomeado pelo Secretário de Estado da Agricultura.
ARTIGO 17.º
107. Impõe-se, antes de mais, consignar uma prevenção acerca do artigo 17.º do projecto governamental. Por força do artigo 13.º da Constituição Política,
constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a aprovação das bases, gerais sobre: «A organização dos tribunais».
Desta forma, a inserção no projecto governamental, de uma disposição que visa a criação e organização de um tribunal arbitral, é de molde a ferir de inconstitucionalidade um decreto-lei que porventura venha a ser promulgado - e o projecto governamental surge nesta Câmara como um [...] de decreto-lei. Posto isto, nada impede o exame do contexto do artigo 17.º.
108. Do artigo 17.º do projecto, conjugado com o n.º 3.º do artigo 13.º, resulta que se previu a constituição dos tribunais arbitrais de âmbito distrital.
Embora seja de louvar a preocupação de furtar aos tribunais comuna o julgamento das questões que se suscitem em matéria de emparcelamento, não se afigura conveniente a solução inserta no artigo 17.º
Com efeito, dificilmente se concebe que se realizem simultaneamente no mesmo distrito diversas operações de emparcelamento sincronizadas por forma a justificar a constituição de um tribunal de âmbito distrital - ao qual haveria que impor uma constante deambulação pelos diversos concelhos ou comarcas, já que o julgamento de reclamações, baseados essencialmente em razões de facto, imporia o conhecimento da realidade material a que tais reclamações respeitassem.
A criação de um tribunal com tão largo raio de acção exigiria a nomeação de um juiz sem jurisdição comarca, pois o volume normal de serviço a cargo de um juiz de 1.º instância não comporta tarefas que o forcem a abandonar frequentemente a sua comarca 1.
A constituição de tribunais arbitrais, tal como se afigura mais conveniente, não deve exigir deslocações, que, além do mais, representariam apreciável encargo financeiro. E porque convém que os membros do tribunal tenham satisfatório conhecimento da zona a emparcelar, deverá ser criado para cada zona um tribunal
1 Mesmo que os tribunais arbitrais fossem de âmbito distrital, não seria possível, sem grave prejuízo do serviço que normalmente lhes cabe, confiar a respectiva presidência aos corregedores dos círculos judiciais, cuja área, de resto, pode não coincidir com a circunscrição distrital.
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arbitrais cujo volume de serviço permita, salvo casos excepcionais a considerar, que a respectiva presidência seja confiada, ao juiz da respectiva comarca.
Poderá dizer-se que é manifesta a inconveniência de serem destacados dois engenheiros agrónomos para exercerem, junto de um tribunal de jurisdição tão restrita, uma missão necessariamente limitada. Mas o argumento não [...], porque nada impede que esses dois técnicos qualificados e experimentados façam parte de outros tribunais arbitrais, cujo serviço se poderá conciliar por forma a não prejudicar a sua intervenção em todos eles.
Contrariamente ao que acontece em relação ás comissões locais, não se afigura conveniente que do tribunal arbitral faça parte um engenheiro agrónomo nomeado pelo próprio organismo a quem está confiado o planeamento e execução dos trabalhos de emparcelamento. É mais curial que a nomeação pertença ao Secretário de Estado da Agricultura.
110. Criado um tribunal arbitral para cada perímetro de emparcelamento, deverá a presidência caber ao [...] de direito da comarca respectiva ou, se o volume e serviço - o exigir,- a um magistrado judicial nomeado ad hoc, que, nessa hipótese, poderá presidir a outros tribunais arbitrais.
111. 0 projecto, não refere, contrariamente ao que se afigura conveniente, qual á sede e regime de funcionamento do tribunal arbitral, matéria que, pela sua importância, merece uma referência no articulado.
ARTIGO 18.º
112. O artigo 18.º comporta uma única observação. Prevê-se uma gratificação mensal para os membros das comissões locais que não forem funcionários públicos.
Não se afigura justa nem conveniente a excepção aberta para os funcionários. Com efeito, o cabe o desempenho da missão em que são investidos exigirá um esforço de adaptação a tarefas diferentes das habituais, que implicam estudo, integração em novos métodos de trabalho, modificação de hábitos e abandono de ocupações, ou preocupações estranhos à função pública, mas compatíveis com esta, etc.
Ora não é legítimo esperar que um funcionário encare gostosamente a nova situação que lhe é criada se hão lhe for atribuída uma remuneração que de algum modo o compense do esforço suplementar que lhe é pedido. Essa gratificação não terá, porém, de ser fixada em montante igual à atribuída aos membros das comissões locais que não sejam funcionários.
ARTIGO 19.º
113. Deverá, em princípio, considerar-se excessiva a isenção de contribuição predial durante seis anos.
Não é, com efeito, legítimo pôr em dúvida que os prédios sujeitos a recomposição predial ficarão, ultimada esta, a valer mais do que valiam - e a render mais com menor dispêndio de esforço e de dinheiro.
Por outra via, os melhoramentos fundiários de que será dotada a zona emparcelada e os próprios benefícios de outra ordem que as circunstâncias porventura imponham ou aconselhem (electrificação, abastecimento de águas e outros melhoramentos rurais) traduzir-se-ão numa sensível melhoria das condições de vida da população local e mima generosa compensação de quaisquer sacrifícios ou, limitações, que os proprietários locais sejam porventura forçados transitoriamente a suportar.
Assim, a isenção de contribuição durante seis anos não corresponderia a qualquer necessidade de razoável compensação nem poderia por isso considerar-se- determinada por razões de boa justiça. Até se deveria, considerar injusta, tal isenção, na medida em que o encargo financeiro do emparcelamento, posto a cargo da comunidade nacional, só não é suportado pelos próprios beneficiários directos das operações a empreender. Inclinou-se porém a Câmara Corporativa no sentido e que concorrem, neste domínio, razões específicas que aconselham a instituição da isenção referida, nomeadamente a necessidade de rodear o emparcelamento de uma intensa propaganda favorável à criação de um ambiente propício ao recebimento de medidas susceptíveis de provocar reacções inconvenientes se não forem planeadas com generosidade e compreensão, e a própria circunstância de que a realização do emparcelamento exige dos proprietários afectados um esforço de adaptação a uma nova situação agrária que pode implicar sacrifícios financeiros para os quais, de um modo geral, os agricultores não estarão preparados.
ARTIGO 20.º
114. Salvas algumas alterações formais, o disposto no artigo 20.º é de manter.
ARTIGO 21.º
115. O n.º l do artigo 21.º apenas exige uma ligeira alteração: os emolumentos não pertencem hoje aos notários ou aos conservadores. Estes funcionários apenas têm direito a uma participação nos emolumentos contados na respectiva repartição e cuja maior parte, depois de deduzidos certos encargos, reverte a favor do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça.
O n.º 2 do artigo 21.º necessita de ser alterado no sentido de se prever o pagamento do material de expediente e do trabalho de elaboração do extracto aí referido. É que o número de prédios existentes na zona a emparcelar e de registos que lhes respeitam, pode ascender a alguns milhares e ser apreciável o custo do material de expediente, bem como do trabalho que porventura não possa ser realizado pelo pessoal auxiliar das conservatórias, não sendo justo que se imponha aos conservadores suportar o encargo pecuniário que a elaboração do extracto possa representar.
ARTIGO 22.º
116. A matéria do artigo 22.º está prejudicada, pelo disposto no artigo 7.º, em que se referem os terrenos excluídos do âmbito da recomposição agrária. Refere-
se, com efeito, a alínea d) dessa disposição aos «terrenos que, pela sua situação, devam ser considerados terrenos para construção». Ora, necessariamente se acharão nessas condições os «terrenos compreendidos em planos de urbanização aprovados». De resto, o disposto no artigo 22.º estaria sempre deslocado.
ARTIGO 23.º
117. O artigo 23.º do projecto governamental consigna uma declaração de intenções que se afigura perfeitamente, impertinente num diploma desta índole.
O Governo remodelará quando o achar conveniente os serviços da Junta de Colonização Interna, sem que
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necessite de que fique expressa no diploma projectado qualquer autorização em tal sentido. O artigo 23.º deve, pois, ser eliminado.
ARTIGO 24.º
118. Nada a objectar.
III
Conclusões
l19. - a) A Câmara Corporativa é de parecer que o projecto de decreto-lei n.º 509 merece ser aprovado na generalidade.
a) O exame na especialidade, conjugado com as observações feitas ao longo da apreciação na generalidade, permite concluir que, o articulado do projecto reclama profundas alterações de ordem formal e substancial que aconselham a dedução de um novo texto, constante do articulado seguinte:
ARTIGO 1.º
1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente a uma unidade de cultura que será fixada pelo Governo para cada zona do País, podendo variar, no interior de cada zona, em atenção às exigências de uma boa técnica de cultivo e às condições locais de natureza económico-agrária e social.
2. São nulos os actos de divisão, partilha ou transmissão de que resulte a violação do disposto no n.º l, bem como a constituição contratual de direitos reais de garantia sobre partes alíquotas de terrenos insusceptíveis de fraccionamento.
3. Não será de igual modo admitido o fraccionamento quando, embora respeitado o disposto no n.º l, dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas.
4. O disposto nos números anteriores abrange qualquer terreno contínuo pertencente ao mesmo ou mesmos proprietários, ainda que não esteja inscrito na matriz ou descrito no registo predial ou lhe correspondam aí várias inscrições ou descrições.
ARTIGO 2.º
1. O artigo precedente não se aplica aos terrenos que, segundo a legislação tributária, constituam simples partes componentes de prédios urbanos ou sejam destinados, a algum fim que não seja a cultura.
2. O fraccionamento também não está sujeito às prescrições do artigo anterior nos casos seguintes:
a) Se o adquirente de qualquer parcela resultante do fraccionamento for proprietário de terreno contínuo ao adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado corresponda pelo menos a uma unidade de cultura;
b) Se o fraccionamento tiver por fim a desintegração de parcelas destinadas a construção, à rectificação de estremas ou arredondamentos de uma das propriedades;
c) Se do fraccionamento resultar uma parcela que se encontre em regime de colónia, na ilha da Madeira, e a respectiva transmissão se operar a favor do próprio colono.
3. Serão nulos os actos de fraccionamento praticados por particulares ao abrigo da alínea a) do número anterior se, decorridos três anos, não tiver sido iniciada a construção.
ARTIGO 8.º
1. Não pode realizar-se o fraccionamento de terrenos sem que a secção de finanças verifique, a observância do preceituado nos artigos anteriores.
2. Quando a verificação não possa fazer-se perante os elementos constantes da matriz, será efectuada pela Comissão Permanente de Avaliação, excepto havendo processo judicial pendente, caso em que compete aos peritos pronunciar-se sobre a possibilidade, legal do fraccionamento.
3. Nos casos de intervenção da Comissão Permanente de Avaliação, as respectivas despesas correm por conta dos interessados.
ARTIGO 4.º
1. A troca de terrenos referidos no artigo 1.º, de superfície inferior à da unidade de cultura, só é admissível nos casos seguintes:
a) Quando, tendo uma ou ambas as parcelas área inferior à unidade de cultura, a superfície da maior não exceda o dobro da menor e da permuta resulte para um dos proprietários a aquisição de terreno contínuo a outro que lhe pertença e permita constituir um novo prédio com área igual ou superior àquela unidade;
b) Quando, seja qual for a área das parcelas a trocar, ambos os permutantes adquiram terreno confinante com prédio seu.
2. São nulos os actos de troca praticados com violação do disposto neste artigo.
ARTIGO 5.º
1. A nulidade dos actos praticados contra o disposto nos artigos anteriores pode ser declarada a pedido do Estado, por intermédio da Junta de Colonização Interna, ou de algum dos proprietários a quem a lei confere o direito de preferência, individualizado nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, que pretenda adquirir qualquer dos terrenos a que o acto nulo respeita pelo preço resultante de uma avaliação judicial.
2. A acção destinada a fazer valer o direito conferido neste artigo seguirá os termos do processo comum. Mas a sentença declamatória da nulidade do acto, em que se adjudicará ao autor o terreno em causa, não será proferida antes de se ter procedido à avaliação judicial e estar feito o depósito do preço assim determinado.
ARTIGO 6.º
1. Nos casos de transmissão por venda particular ou judicial, adjudicação em processo de execução, darão em pagamento ou aforamento a proprietário não confinante, da propriedade ou do domínio útil de prédios rústicos, encravados ou não, com área inferior à unidade de cultura, os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência.
2. O exercício do direito, conferido no n.º l tem prioridade sobre o exercício do direito de preferência de que trata o § 1.º do artigo [...] do Código Civil.
3. Havendo diversos terrenos confinantes, o exercício do direito de preferência é facultado aos respectivos proprietários pela ordem seguinte:
a) Tratando-se de terrenos encravados, ou legalmente sujeitos à obrigação de dar passagem, ao proprietário do terreno confinante que for, simultaneamente, ou dominante ou servente do terreno a que o direito de preferência respeita;
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l) Nos outros casos, ao proprietário que, exercendo o direito de preferência, perfaça a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona. Em igualdade de condições, terá prioridade o proprietário que exceda a unidade de cultura.
4. Havendo mais de um proprietário nas condições 'previstas na alínea a) do n.º 3 deste artigo, observar-se-á o disposto o a alínea b).
5. O proprietário que pretender exercer o direito de preferência deverá, mo prazo de três meses, a contar ido conhecimento da prática dos actos referidos no n.º l, notificar judicialmente os restantes preferentes para declararem se pretendem optar, o que será consignado na certidão da notificação. Se vários preferentes se propuserem exercer o seu direito, a acção respectiva deverá ser instaurada no prazo de 30 dias por aquele a quem a lei conferir prioridade, sob pena de esta se deferir no imediato, que disporá de igual prazo.
6. Sem prejuízo da alegação da simulação do valor, sempre que o preço declarado no contrato por que se haja operada transmissão exceda em 25 por cento o valor venal que for apurado em avaliação judicial requerida na acção de preferência, tem o preferente o direito de obter a adjudicação do terreno mediante o depósito do preço resultante da avaliação, salvo se a parte contrária demonstrar que o preço declarado é o verdadeiro.
ARTIGO 7.º
Nas regiões onde a fragmentação e a dispersão da propriedade rústica determinem inconvenientes de carácter económico-social poderão realizar-se operações de emparcelamento, com vista ao melhoramento das condições técnicas e económicas da exploração agrícola.
ARTIGO 8.º
1. O emparcelamento consiste numa operação de recomposição predial que tem por finalidade a concentração de vários terrenos dispersos integrantes da mesma propriedade no menor número possível de prédios acompanhada da realização de obras de valorização económica e social da zona respectiva, nomeadamente de melhoramentos rurais e fundiários de carácter colectivo.
2. A concentração dos terrenos terá por base uma operação colectiva de trocas e visará alcançar melhor ordenamento da propriedade através da rectificação de
estremas e arredondamento de prédios, bem como da eliminação de encraves e extinção de servidões prediais.
3. A concentração deve efectuar-se por forma que os terrenos adquiridos por cada um dos proprietários contenham parcelas equivalentes à dos terrenos alienados em qualidade de terra, classe de cultura e valor de rendimento, tendo em conta o valor dos terrenos que vierem a ser ocupados por novos caminhos, obras de rega e enxugo ou outras obras de carácter colectivo, e o valor dos terrenos que tenham sido desafectados de tais utilizações.
4. Só se recorrerá a vendas ou deixará de observar o disposto no número anterior se os interessados nisso convierem.
5. Na recomposição procurar-se-á, tanto quanto possível, aproximar os novos prédios das sedes das respectivas explorações, podendo prever-se n criação de novos centros de lavoura com casas de habitação e respectivos anexos.
6. Para os efeitos declarados neste artigo, o foreiro, em caso de enfiteuse, e o colono, na ilha da Madeira, serão considerados como proprietários.
7. O emparcelamento visará ainda, sem prejuízo do objectivo de concentração da propriedade, o reagrupamento de parcelas que, pertencendo embora a .diversos proprietários, sejam exploradas em conjunto.
ARTIGO 9.º
1. Os terrenos adquiridos por cada um dos proprietários ficam sub-rogados no lugar dos terrenos alienados.
2. Deste modo, os direitos reais de gozo que possam ser transferidos, nomeadamente a propriedade e a posse, a enfiteuse e a subenfiteuse, o censo, o usufruto e o uso, os direitos reais de garantia, os ónus de que tratam as alíneas m), n) e o) do artigo 2.º do Código do Registo Predial, os arrendamentos, mesmo que não tenham esta qualificação, e as parcerias agrícolas, transferem-se dos terrenos alienados para os adquiridos; mas os arrendatários e os parceiros cultivadores podem rescindir os respectivos contratos.
3. Quando os direitos, ónus ou contratos referidos no número anterior não respeitarem a todos os terrenos do mesmo proprietário, delimitar-se-á a parte em que ficam a incidir, igual ao seu primitivo objecto em qualidade, classe de cultura e valor.
ARTIGO 10.º
1. Sem prejuízo do disposto neste diploma quanto à unidade de cultura, a divisão em substância, entre vivos ou por morte, das propriedades rústicas situadas nas zonas submetidas a emparcelamento só poderá realizar-se, seja qual for o número de prédios integrantes da propriedade, quando a Junta de Colonização Interna emitir, a requerimento de qualquer interessado, parecer favorável à divisão pretendida.
2. Requerida a divisão, ou partilha de universalidade de que faça parte alguma propriedade de que trata o número, anterior, observar-se-á o seguinte:
a) Se os interessados nisso convierem, será a propriedade adjudicada a algum deles pelo preço entre todos acordado ou, na falta de acordo, pelo preço resultante de avaliação judicial;
b) Não conseguindo os interessados acordar-se quanto à adjudicação, será a propriedade sujeita a licitação e, se nenhum quiser licitar, vendida e repartido o preço.
3. O Governo providenciará no sentido de que através das caixas de crédito agrícola ou de instituições congéneres seja concedido crédito, em condições convenientes de prazo e de juro, às pessoas que, tendo adquirido propriedades indivisas, sejam forçadas a pagar tornas.
ARTIGO 11.º
Ficam excluídos da recomposição predial, salvo acordo dos interessados e sem prejuízo da rectificação de limites ou arredondamento de estremas:
a} Os terrenos pertencentes ao domínio público;
b) Os terrenos em que existam construções, incluindo muros de vedação, que não sejam de pedra solta, a não ser que em troca se adquiram terrenos com construções equivalentes ;
c) Os terrenos grandemente valorizados por benfeitorias de interesse agrícola, desde que, na troca, não seja possível obter terrenos equivalentes ;
d) Os terrenos que, pela sua situação, devam ser considerados terrenos para construção;
e) Os terrenos afectos a exploração mineira, industrial ou comercial.
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ARTIGO 12.º
1. O Estado promoverá a constituição de uma reserva de terras no interior rio perímetro a emparcelar, de que a Junta de Colonização Interna poderá dispor para aumentar a extensão dos terrenos cora área inferior à unidade de cultura e melhorar as condições técnicas e económicas das explorações agrícolas de dimensões insuficientes, quando os proprietários respectivos assim o desejarem.
2. Os terrenos adquiridos pelos particulares nos termos do número anterior serão pagos ao Estado segundo o sistema de amortização estabelecido na lei para a concessão de glebas agrícolas.
3. Para a constituição da reserva de terras referida no n.º l, poderá o Estado:
a) Incluir na recomposição agrária planeada terrenos do domínio público ou privado do Estado e dos corpos administrativos e ainda do domínio comum, mediante acordo a realizar com os corpos administrativos competentes, promovendo, quando seja caso disso, a recuperação de uns e outros para a exploração agrícola ou a sua valorização, com vista a um adequado aproveitamento, quando os melhoramentos necessários não possam ser convenientemente realizados pelos respectivos destinatários;
b) Comprar quaisquer terrenos postos à venda nas zonas a emparcelar e adquirir por compra ou troca as terras pertencentes a agricultores que, não dispondo nessas zonas de área suficiente para a constituição de uma exploração agrícola economicamente viável, aceitem a transferência paira, outras regiões em que seja possível reinstalá-los.
4. Desde a data do despacho que ordene os estudos preliminares necessários para fins de emparcelamento até se ultimar a execução do plano respectivo, o Estado goza do direito de preferencia, em primeiro lugar, na transmissão de terrenos situados no perímetro a emparcelar.
ARTIGO 18.º
1. A preparação- e execução das operações de emparcelamento ficam a cargo da Junta de Colonização Interna.
2. Sem prejuízo da realização do emparcelamento, a Junta de Colonização Interna poderá prestar assistência técnica gratuita na realização de operações de simples reagrupa mento de prédios quando os respectivos proprietários a solicitem. O pedido a dirigir à Junta descreverá os prédios que os interessados desejam sujeitar ao reagrupamento e os objectivos concretos que pretendem alcançar.
ARTIGO 14.º
1. A Junta de Colonização Interna será coadjuvada, na realização. de operações de emparcelamento, por comissões locais de recomposição predial e por subcomissões de trabalho.
ARTIGO 15.º
1. Das comissões locais de recomposição predial farão parte, além de qualquer outra pessoa que o Governo designe, o conservador do registo predial, o notário e o chefe da secção de finanças do concelho em cuja área se situar o perímetro submetido a emparcelamento, dois proprietários de terrenos incluídos na recomposição a efectuar, designados pelo grémio ou grémios da lavoura, e dois engenheiros agrónomos, um designado pela Junta de (Colonização Interna e outro pelo Instituto Geográfico e Cadastral.
Quando a área a emparcelar pertencer a mais do que um concelho, ou existir no concelho mais de um notário, farão parte da comissão local os conservadores do registo predial e os chefes das secções de finanças de todos os concelhos atingidos e um notário designado pelo director-geral dos Registos e do Notariado.
2. A comissão será presidida pela pessoa designada pelo Secretário de Estado da Agricultura, à qual incumbe orientar os trabalhos da comissão.
3. Os membros da comissão local tomarão posse perante o magistrado judicial que deva presidir ao tribunal arbitrai de que trata o artigo 17.º
4. Além das funções que neste diploma lhes são expressamente assinadas, compete às comissões locais julgar em 1.ª instância, com recurso para os tribunais arbitrais, todas as reclamações que lhes sejam dirigidas sobre questões suscitadas pela execução do emparcelamento.
ARTIGO 16.º
As subcomissões de trabalho terão a constituição e desempenharão as funções que lhes forem assinadas em regulamento.
ARTIGO 17.º
1. Serão constituídos tribunais arbitrais com competência exclusiva para julgar em definitivo os recursos interpostos das decisões proferidas pelas comissões locais de recomposição predial.
2. Os tribunais arbitrais serão presididos pelo juiz de direito da comarca a cuja área pertencer a zona a emparcelar ou, quando esta zona se situe na área de diversas, comarcas, por aquele dos respectivos juizes que for designado pelo Ministro da Justiça, sobre proposta do Conselho Superior Judiciário.
Poderá, porém, o Ministro da Justiça nomear um magistrado judicial sem jurisdição comarca, se o presumível volume das questões afectas ao tribunal arbitrai ou o movimento norma] do juízo ou juízos de direito com jurisdição sobre u zona a emparcelar não permitirem que aquelas questões sejam prontamente julgadas.
3. Fazem parte dos tribunais arbitrais, além do respectivo presidente: dois engenheiros agrónomos, um nomeado pelo Secretário de Estado da Agricultura e outro pelo Instituto Geográfico e Cadastral; e dois delegados da direcção do grémio ou grémios da lavoura em cuja área se situe a zona submetida a emparcelamento.
4. O tribunal arbitrai instalar-se-á na sede da comarca ou julgado em que exercer jurisdição o juiz que deva presidir ou, quando tiver sido designado um magistrado sem jurisdição-comarca, na sede da comarca ou julgada que for indicado pelo Ministro da Justiça.
5. Será objecto de regulamento o funcionamento dos tribunais arbitrais.
ARTIGO 18.º
1. O membros dos tribunais arbitrais têm direito ao pagamento de senhas- de presença pelas sessões realizadas, no montante que for fixado em despacho do Secretário de Estado da Agricultura, com o acordo do Ministro das Finanças.
2. Aos membros das comissões locais de recomposição predial poderá ser arbitrada uma gratificação mensal durante os períodos de trabalho efectivo das comissões.
3. Os membros das comissões locais de recomposição e dos tribunais arbitrais, incluindo os que não sejam funcionários públicos, terão direito ao pagamento das
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despesas de transporte e ajudas de custo, quando houverem de se deslocar do local da sua residência.
4. As gratificações e abonos a que se referem os n.ºs 2 e 3 serão fixados nos termos da parte final do n.º l deste artigo.
ARTIGO 19.º
1. A Junta de Colonização Interna, quando o julgue conveniente, procederá, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer proprietário interessado ou dos organismos representativos dos interesses da lavoura, aos estudos preliminares necessários para fins de emparcelamento.
2. Tais estudos visarão os objectivos seguintes:
a) O conhecimento do ambiente económico-social de determinada zona e das vantagens que da realização de um plano de emparcelamento poderão resultar para a zona visada;
b) A delimitação do perímetro interno e externo da zona a emparcelar;
c) A estimativa do custo da realização do plano de emparcelamento;
d) A determinação do grau de visibilidade técnico-económica da execução do plano de emparcelamento em função do custo respectivo e dos resultados previsíveis;
e) O conhecimento das dificuldades e resistências que poderão, surgir no seio das populações afectadas pela emparcelamento planeado e dos benefícios a conceder ou melhoramentos a introduzir na zona visada, com vista a promover a melhoria das condições de vida do respectivo meio rural e a eliminar tais resistências ou dificuldades.
ARTIGO 20.º
1. Em face dos resultados dos estudos preliminares realizados, o Secretário de Estado da Agricultura poderá ordenar a elaboração de um anteprojecto de emparcelamento da zona estudada.
2. Terá prioridade a elaboração dos anteprojectos de em parcelamento que haja sido solicitado cela maioria dos proprietários, representando a maioria do rendimento colectável, de uma zona determinada.
ARTIGO 21.º
1. Nos concelhos onde ainda não se encontre organizado o cadastro geométrico da propriedade rústica, a Junta de Colonização Interna dará conhecimento ao Instituto Geográfico e Cadastral, com a possível antecedência, do perímetro das áreas onde se forem realizar os trabalhos de recomposição predial e das datas em que conviria que os levantamentos estivessem concluídos.
2. Se o Instituto Geográfico e Cadastral não tiver possibilidades de executar os trabalhos dentro do tempo conveniente, os levantamentos poderão ser efectuados
pela Junta de Colonização Interna segundo as normas o cadastro geométrico e sob a superintendência do Instituto Geográfico e Cadastral, cabendo-lhe, e aos seus
funcionários, para esses efeitos, competência e direitos iguais aos concedidos por lei ao Instituto Geográfico e Cadastral e respectivos funcionários para execução do trabalho preparatório da execução do cadastro.
ARTIGO 22.º
1. Iniciada a elaboração do anteprojecto, são ineficazes, para efeitos do emparcelamento, as transmissões entre vivos de terrenos sujeitos à recomposição predial planeada, bem como, para efeito de avaliação, os melhoramentos fundiários realizados sem autorização das comissões locais.
2. Tais actos poderão, porém, ser considerados plenamente eficazes quando a Junta de Colonização Interna reconhecer que não prejudicam a elaboração do anteprojecto de emparcelamento. E sê-lo-ão ainda os actos que impliquem a transmissão global das parcelas constitutivas de uma propriedade para um único adquirente.
3. Incumbe aos outorgantes dos actos ou contratos pelos quais se transfira a propriedade de terrenos sujeitos ao emparcelamento dar deles notícia pormenorizada à Junta de Colonização Interna.
ARTIGO 23.º
1. Em qualquer fase da elaboração do anteprojecto de emparcelamento ou da execução do plano de recomposição agrária é facultado à Junta de Colonização Interna e ti comissão local de recomposição predial notificar os proprietários interessados para comparecerem perante os funcionários daquela Junta ou perante o 'presidente cia comissão local, u fim fie prestarem os esclarecimentos necessários à boa verificação dos direitos e ao perfeito conhecimento das realidades em que deve assentar o estudo e a execução do emparcelamento.
2. A notificação pode ser feita pessoalmente ou por meio de postal registado, incorrendo na multa de 100$ a 500$, a aplicar pelo juiz de direito da comarca da sua residência, o proprietário que não acatar .1 notificação que lhe houver sido regularmente feita.
3. Quando o proprietário não residir na zona a emparcelar, poderá ser notificado para comparecer perante o presidente da câmara do concelho da sua residência.
ARTIGO 24.º
1. Ultimada a elaboração do anteprojecto de emparcelamento, deverá a Junta de Colonização Interna submetê-lo à apreciação dos proprietários interessados.
2. Cada proprietário será notificado do local, dias e horas em que poderá examinar o anteprojecto e advertido de que lhe é facultado apresentar por escrito, no prazo de vinte dias, as reclamações que entender.
Os proprietários domiciliados fora da zona a emparcelar serão avisados por carta-postal registada. Serão também avisados por carta registada, expedida, por via aérea, os proprietários residentes nas ilhas, nas províncias ultramarinas ou no estrangeiro, os quais poderão reclamar no prazo de 30 dias, contados sobre a data da expedição da carta. Os proprietários cuja residência não for conhecida poderão igualmente reclamar no prazo de 30 dias, a partir da publicação de um aviso a fazer em todos os jornais locais.
3. O anteprojecto de emparcelamento será também dado a conhecer nos titulares dos direitos e aos beneficiários dos ónus a que o n.º 2 do artigo 9.º se refere, os quais poderão reclamar, dentro dos prazos marcados no número anterior, da forma por que tenha sido dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
ARTIGO 25.º
1. As comissões locais de recomposição predial decidirão todas as reclamações apresentadas, com recurso, a, interpor no prazo de oito dias, para os tribunais arbitrais constituídos nos termos do artigo 14.º, cujo julgamento será definitivo.
2. Se as decisões sobre reclamações ou recursos implicarem alterações no anteprojecto de emparcelamento, far-se-ão as indispensáveis correcções, sendo
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ouvidos sobre estas os proprietários directamente interessados, os quais, no prazo de oito dias, poderão apresentar as reclamações que entenderem.
ARTIGO 26.º
1. Decididas todas as reclamações e feitas as correcções u que houver lugar, o anteprojecto transformar-se-á em projecto de emparcelamento no caso de ter obtido a aprovação da maioria dos proprietários com maioria do rendimento colectável, entendendo-se que o aprovam os proprietários que não tenham apresentado qualquer reclamação ou cujas reclamações hajam sido atendidas.
2. Se o anteprojecto não for aprovado, poderá a Junta de Colonização Interna modificá-lo, submetendo-o de novo à apreciação dos interessados quando o considere conveniente.
ARTIGO 27.º
1. O projecto de emparcelamento será apresentado em Conselho de Ministros acompanhado de uma informação completa das reclamações e recursos que não tenham sido atendidos.
Se for aprovado, transformar-se-á em plano de recomposição agrária da zona considerada, devendo a respectiva execução ser ordenada por despacho a publicar no Diário do Governo.
2. O despacho do Conselho de Ministros facultará a expropriação por utilidade pública urgente dos terrenos que seja necessário expropriar para execução dos melhoramentos fundiários de carácter colectivo ou rurais previstos no plano e determinará a inclusão na recomposição planeada dos terrenos do domínio público que haja sido decidida.
ARTIGO 28.º
1. Ultimados todos os trabalhos de execução do plano de recomposição agrária, será lavrado, em relação a cada proprietário que haja sido afectado, um auto em que se fará meação das diversas operações efectuadas quanto aos seus bens e a descrição pormenorizada, para efeitos de inscrição matricial e de registo predial, do prédio ou prédios que lhe ficaram a pertencer e dos termos em que se operou a transferência dos direitos e encargos que sobre as suas parcelas primitivas incidiam e que devam subsistir.
2. Tal auto, bem como as certidões ou fotocópias, devidamente autenticadas, que dele forem extraídas, constituirão documento legalmente suficiente para a prova dos actos ou factos que dele constem.
3. Com base em tal auto se fará na conservatória competente a descrição e o registo da aquisição do prédio ou prédios resultantes do emparcelamento, bem como dos direitos ou encargos que devam ser transferidos dos primitivas parcelas.
Na descrição de cada prédio far-se-á menção da unidade de cultura fixada para a zona submetida a emparcelamento e da característica de indivisibilidade das propriedades situadas no interior da mesma zona.
4. Igualmente se farão nas matrizes prediais as inscrições e alterações a que haja lugar em consequência da recomposição agrária efectuada.
ARTIGO 29.º
1. São isentas de sisa:
a) As transmissões que se operarem para fins de emparcelamento ou de simples reagrupamento predial realizado sob a orientação técnica da Junta de Colonização Interna, nos termos do artigo 13.º deste diploma;
b) As transmissões de terrenos confinantes com prédio do adquirente, se da reunião resultar uma parcela de terreno apto para cultura cuja superfície não exceda o dobro da unidade fixada para a respectiva região;
c) As aquisições de bens que excedam o quinhão ideal do adquirente em actos de partilha ou divisão de coisa comum, quando dessa aquisição resulte a manutenção de uma unidade predial ou de uma exploração agrícola economicamente viável, que não possam fraccionar-se sem detrimento.
2. A verificação do condicionalismo a que fica subordinada a concessão da isenção prevista na alínea b) da n.º l deste artigo incumbe à secção de finanças ou, quando perante as matrizes não seja possível fazer tal verificação, a um vogal da Comissão Permanente de Avaliação designado pelo chefe da secção de finanças. O reconhecimento das isenções previstas na alínea a) para as hipóteses de simples reagrupamento predial, e na alínea c), ficará dependente de parecer favorável da Junta de Colonização Interna, requisitado pela secção de finanças, nos termos du artigo 37.º e seu § único do Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958.
ARTIGO 30.º
Os prédios resultantes das operações de emparcelamento ficam isentos de contribuição predial durante os primeiros seis anos, contados da data em que for lavrado o auto a que se refere o artigo 26.º
ARTIGO 31.º
1. São isentos de imposto do selo todos os actos e contratos relativos à realização das operações de emparcelamento e reagrupamento predial previstas no artigo 13.º deste diploma e reduzidos a metade os emolumentos devidos pela prática dos necessários actos notariais ou de registo predial.
2. Pela conservatória do registo predial será fornecida, a solicitação da Junta de Colonização Interna, a: descrição doa prédios sujeitos a emparcelamento, bem como um extracto dos registos subsistentes que a tais prédios respeitem.
Apenas será abonado à conservatória o custo do material de expediente e do trabalho despendido quando este não possa ser prestado pelo pessoal auxiliar da, conservatória.
ARTIGO 32.º
1. Fica revogado o Decreto n.º 5705, de 10-de Maio de 1919.
2. A partir da publicação dos regulamentos previstos nó artigo 1.º do presente decreto-lei, ficam igualmente revogados, em relação às áreas abrangidas pelos referidos regulamentos, os artigos 106.º e 107.º do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929.
Palácio de S. Bento, 21 de Abril de 1960.
José Augusto Voz Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Adelino da Palma Carlos.
Eugênio Queirós de Castro Caldas.
Francisco Pereba de Moura.
João Faria Lapa
Afonso de Melo Pinto Veloso.
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António Martins da Cunha Melo.
António Pereira Caldas de Almeida.
António Porto Soares Franco.
António Trigo de Morais.
Eduardo José Fins Pinto Bartilotti.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
João Valadares Aragão e Moura.
Joaquim Soares de Sousa Baptista.
José Augusto Correia de Barros.
José Pereira da Silva.
José Pires Cardoso.
Luís Gonzaga Fernandes Piçarra Cabral.
João Mota Pereira de Campos, relator.
IMPRENSA NACONAL DE LISBOA.