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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 98
VII LEGISLATURA 1960
17 DE MAIO
RARECER N.º 33/VII
Plano de povoamento florestal do distrito autónomo de Angra do Heroísmo
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos da base II da Lei n.º 1971, de 15 de Junho cie 1938, acerca do plano de povoamento florestal do distrito autónomo de Angra do Heroísmo, emite, pelas suas secções de Lavoura- (subsecção de Produtos florestais) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores José Martins de Mira Galvão, Luís de Castro Saraiva, António Sebastião Goulard e Manuel Nunes Flores Brasil, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
§ l.º
Considerações gerais
1. O plano de povoamento florestal do distrito autónomo de Angra do Heroísmo é o terceiro plano de povoamento florestal elaborado para o arquipélago dos Açores.
Foi recentemente submetido à apreciação desta Câmara o plano de povoamento florestal do distrito autónomo da Horta, em. relação ao qual foi elaborado o parecer n.º 7/VII, de 21 de Janeiro de 1959.
Neste parecer foram abordados problemas genéricos respeitantes ao conjunto das ilhas Atlântidas, onde as três ilhas que constituem o distrito autónomo de Angra do Heroísmo - Terceira, Graciosa e S. Jorge - se integram. Porque não teria interesse repetir as considerações já feitas no estudo comparativo das características principais das 31 ilhas do grupo das ilhas Atlântidas, faz-se referência ao parecer n.º 7/VII; indicando apenas a feição particular das 3 ilhas agora em estudo em relação às restantes.
2. A localização geográfica das três ilhas concede-lhes o favor de um clima euro-atlântico onde se adapta a exploração agro-pecuária, de acordo com o evidente condicionalismo de altitude característico do meio insular e onde não existem limitações sérias para a criação de um povoamento florestal dotado de convenientes condições económicas.
As ilhas são bastantes acidentadas, apresentando a Terceira e S. Jorge altitudes máximas superiores a 1000 m, o que tem grande importância do ponto de vista orográfico, dada a reduzida extensão territorial. Mesmo a Graciosa, apenas com 61 km2, tem a altitude máxima de 398 m. No que se refere à altitude, que proporciona notáveis variações climáticas, muito bem marcadas nas 31 ilhas Atlântidas, as 3 ilhas consideradas no plano de povoamento florestal em estudo estão muito longe da imponente orografia da grande ilha de Tenente ou das ilhas de extensão equivalente do Pico (2284 m), nos Açores, Ou do Fogo (2829 m), em Cabo Verde; e da mesma forma se distanciam das ilhas rasas do Sal, do Maio ou da Boa Vista, do arquipélago de Cabo Verde.
No que se refere às condições demográficas, a pequena ilha Graciosa é das mais povoadas do Atlântico, apresentando a densidade de 156,1 habitantes por quilóme-
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tro quadrado, só ultrapassada pela Gran Canária, S. Miguel e Madeira, esta última a mais povoada. A ilha Terceira é, da mesma forma, muito povoada, com 152,7 habitantes por quilómetro quadrado, densidade só ultrapassada por Tenerife, nas Canárias, e as outras ilhas anteriormente referidas.
A ilha de S. Jorge tem uma densidade média' de povoamento - 68,9 habitantes por quilómetro quadrado --, havendo 13 ilhas das 31 do Atlântico com densidade superior.
3. O povoamento florestal constitui nas três ilhas um imperativo urgente, não só para garantia da conservação da natureza, como também para conseguir a boa estruturação das actividades económicas num meio insular, mau do que qualquer' outro limitado no que se refere a espaço produtivo.
Como em todas as ilhas Atlântidas, o problema é de conservação do que resta, depois de ter sido feita a destruição sistemática de preciosas reservas acumuladas pela natureza antes da ocupação humana, e de reconstituição de um património que foi destruído sem que se tivesse em conta o seu valor e significado como fonte de produção dê matérias-primas de fundamental interesse económico.
4. O plano em estudo respeita somente a terrenos baldios que têm sido usufruídos pelos povos de acordo com regras tradicionais, aliás nem sempre respeitadas, o que permitiu a redução da superfície florestal motivada não só pela colheita imoderada de lenhas e madeiras, como também pela necessidade de abrir pastagens destinadas a uma exploração pecuária feita de acordo com as vocações naturais do meio.
A densidade demográfica, que impunha também o alargamento da superfície entregue não só a culturas alimentares, como à pecuária, conduziu naturalmente à substituição progressiva da área florestal pelas pastagens, de tal forma que os baldios se apresentam hoje, em face das técnicas dominantes, como base de manutenção de efectivos pecuários de que não pode prescindir-se sem colocar em risco a economia dominante de numeroso estrato da população. Esta ideia, firmemente arreigada nos espíritos, não .deixará de estabelecer obstáculo, pelo menos psicológico, em face do propósito, contido no plano, de ampliar a utilização florestal.
Pode confiar-se, no entanto, nos novos recursos da técnica de exploração de pastagens cultivadas, que, especialmente num clima favorável como o dos Açores, pode conduzir ao acréscimo de produção unitária que permita um melhor ordenamento na utilização do solo, dando lugar às culturas florestais, sem afectar, ou melhorando mesmo, o sector pecuário.
Confia-se na experiência já obtida pelos serviços florestais, que, noutras condições, já têm sabido demonstrar aos povos que usufruem baldios que os sistemas de utilização baseados numa exploração pecuária mal conduzida, com pastagens naturais progressivamente diminuídas no seu potencial produtivo, podem ser substituídos pelo sistema silvo-pastoril orientado no sentido de conseguir novo equilíbrio bioecológico e maior interesse económico e social pela diversificação das produções e melhoria das condições de emprego dos trabalhadores.
É por todos estes motivos que a Câmara Corporativa considera extremamente oportuna e urgente a iniciativa do Governo de alargar aos baldios do distrito autónomo de Angra do Heroísmo a obra do povoamento florestal já em curso de realização noutros baldios do continente e das ilhas adjacentes e aprecia no seu real valor o alto nível técnico do plano que lhe foi apresentado para estudo, e em relação ao qual vai emitir, depois das considerações já feitas, o seu parecer.
5. Embora o plano, que aliás diz respeito apenas aos baldios, não faculte informação numérica quanto à situação florestal das ilhas, pode depreender-se que esta situação florestal não corresponde às exigências da economia regional ou do bom ordenamento cultural das ilhas. Apenas na ilha Terceira os baldios apresentam relativa importância, ocupando 20 por cento da superfície total, Na Graciosa e em S. Jorge ocupam apenas 5,2 e 2,48 por cento, respectivamente, da superfície das ilhas. Isto significa que o plano nunca poderá proporcionar condições satisfatórias para a resolução do problema florestal das ilhas e ocorre a esta Câmara sugerir que se estude a eventual necessidade de colocar à disposição dos proprietários as facilidades concedidas pela Lei n.º 2069, respeitante ao povoamento florestal nas propriedades particulares.
Para melhor orientar os trabalhos a empreender nos baldios e para preparar uma assistência mais vasta na propriedade privada, tem especial importância a sugestão feita no plano, que esta Câmara aprova inteiramente, da criação de uma estação de ecologia ou experimentação florestal dos Açores, com sede na cidade e Angra do Heroísmo e com o âmbito de acção abrangendo todas as ilhas adjacentes. Esta estacão é indispensável para estudar problemas ligados não só à introdução de espécies florestais exóticas, o que é fundamental, no aspecto económico, como também os problemas das pastagens permanentes e introdução de novas espécies forrageiras de valor reconhecido.
§ 2.º
A concepção geral do plano
6. O plano apoia-se em determinados princípios. O primeiro refere-se à necessidade de estabelecer e «reservas de vegetação». A este respeito escreve-se:
A vegetação lenhosa indígena das ilhas açorianas está absolutamente condenada a uma destruição integral. De facto, nem a lentidão do crescimento ou o reduzido valor económico dos povoamentos puderam reduzir o interesse dos particulares, nem a acentuada falta de lenhas ou os excessos dos povos permitirão a sobrevivência das manchas vegetacionais ainda existentes nos terrenos baldios. Impõe-se portanto, visto o grande interesse botânico e florístico das reservas de vegetação, preservar certas zonas onde a vegetação lenhosa indígena se mantém com certa compacidade e onde o solo, por demasiado ou exclusivamente pedregoso, não permite outro aproveitamento de acentuado interesse económico.
O princípio é rigorosamente certo. Nas relações entre o homem e o meio deve existir sempre a atitude inteligente de conservar o que se não pode reconstituir uma vez destruído, sempre que a destruição se apresente inútil ou destituída de finalidade económica e social. As reservas de vegetação propostas no plano não levantam problemas, visto que se referem a parcelas de nula aptidão agrícola.
No que se refere à protecção da avifauna, parece existir problema não somente para as aves sedentárias, como também para as aves migratórias. As primeiras são um problema das ilhas, as segundas representam um problema mais vasto. Propõe-se no plano o estudo mais atento desta questão e é parecer desta Câmara que só venham a ser tomadas decisões em face do que se concluir do estudo cuidado do assunto. O equilíbrio bioecológico deve ser mantido tendo em atenção as exigências de cada espécie e a defesa que deve ser estabelecida para as culturas e também o partido que se pode
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tirar dessas, espécies no combate a pragas que reduzem a produção agrícola. No entanto, a protecção à galínhola e codorniz deve ser desde já encarada. Quanto a outras espécies, de entre as cinegéticas, o coelho constitui um problema muito particular. O que se preceitua quanto ao seu controle deverá ser tomado em imediata consideração, dados os gravíssimos estragos que a sua presença em excesso determina.
7. O segundo princípio que orienta o plano é o de conseguir o a fomento florestal».
Reconhece-se a existência de condições físicas favoráveis, mas discute-se, e bem, a forma como o aspecto económico se deve inserir nessas condições.
É por isso que se conta no fomento florestal com essências notáveis da flora lenhosa insular, como o teixo e o vinhático e ainda como a faia e o pau-branco, mas dentro de limites razoáveis que possam dar lugar à introdução de espécies exóticas.
Estas poderão constituir a base de um fomento florestal dotado de valor económico, mas, infelizmente, não existe nas ilhas a experimentação de essências florestais suficiente para atribuir ao plano as informações de base indispensáveis.
Reconhece a Câmara que, nesta matéria, é perfeitamente aceitável que se dê prioridade aos estudos de adaptação como se propõe no plano, criando com a maior urgência a estação de ecologia ou de experimentação florestal dos Açores a que já se fez referência.
8. O terceiro princípio a que se submete o plano em estudo é o de estabelecer um adequado equilíbrio entre o fomento florestal e o melhoramento de pastagens.
Afirma-se no plano que ao estudo das pastagens permanentes, uma vez estabelecido o valor forraginoso das espécies que aã constituem, é exclusivamente de carácter ecológico, e tem de assentar fundamentalmente no estudo dos problemas de ordenamento do pascidio. O comportamento da pastagem sob pascidio e a determinação da forma do pascidio que conduza ao melhor aproveitamento económico da pastagem e à sua conservação em condições vegetacionais óptimas são escopos que apontamos à experimentação neste campo; a introdução de novas espécies forrageiras de valor reconhecido em condições idênticas de meio é ainda de considerar».
A necessidade de manter e melhorar o sector pecuário apresenta-se como basilar, dada a importância deste sector no conjunto das actividades económicas da população. Mas afigura-se como indiscutível a importância do melhoramento da produção de forragens como ponto de partida do melhoramento pecuário. A necessidade imperiosa de corrigir deficiências mais do que evidentes na exploração pecuária - correcção que não depende, como é evidente, da acção directa dos serviços florestais - impõe uma prévia transformação técnica dos métodos de exploração de pastagens, dependentes do sistema silvo-pastoril que for possível adoptar.
II
Exame na especialidade
9. Do estudo minucioso do meio a que se procede no I volume do plano, abordando-se aspectos geográficos, climáticos, sociais e económicos, não se depreende claramente se os baldios poderiam servir para instalar população fora da orla das ilhas hoje povoada. Pode, na verdade, estabelecer-se essa dúvida, que bem poderia ter ficado esclarecida. Existe, porém, um «Estudo das possibilidades da fixação humana nas regiões elevadas do arquipélago dos Açores», realizado pelo engenheiro agrónomo José Gabriel Correia da Cunha, onde o problema é amplamente abordado. Embora o referido técnico da Junta de Colonização Interna não tivesse incluído no seu estudo as três ilhas a que o plano agora em apreciação se refere, as conclusões mostram, que os obstáculos oferecidos à fixação humana nos baldios parece serem muito sérios.
Supõe-se, portanto, quê vai mesmo ser difícil estabelecer nos baldios casas para os guardas florestais e que não há motivo para recear que a utilização florestal dessas áreas possa vir a impedir qualquer iniciativa que porventura se tome para melhorar as condições de ocupação das ilhas.
10. O plano em estudo não faculta informações satisfatórias no que se refere aos solos dos baldios. Julga a Câmara Corporativa que será necessário proceder a estudos agrològicos suficientemente pormenorizados para que o novo ordenamento cultural a projectar permita aproveitar o mais possível a vocação pascigosa que caracteriza o meio, marcando, pelas indicações da capacidade de uso do solo, limites correctos para implantação de manchas florestais protectoras e de outras dotadas de indiscutível interesse económico.
Prende-se a este aspecto a circunstância de se terem tomado para avaliação dos efectivos pecuários números respeitantes a 1940. É de estranhar a inexistência de arrolamento mais recente, parecendo que a ele se deverá recorrer para projectar o esquema do aproveitamento, tendo em conta os efectivos pecuários actuais, que interessa não ver diminuídos. Conforme se acentuou já, não pode haver esse receio, dada a possibilidade de conseguir bons resultados no melhoramento das pastagens, mas bom seria verificar até que ponto se alteraram os apuramentos de 1940.
11. Quanto, ao destino a dar aos baldios existentes, a Câmara Corporativa reconhece a vantagem de conceder a alguns um regime especial que atenda às situações já criadas.
A este respeito conviria definir que a Mata das Veredas, a Mata da Serrota e os baldios recuperados pela Junta Geral por força do Decreto-Lei n.º 36 363, de 21 de Junho de 1947, o campo de golf das Queimadas e baldios da Feteira, embora sujeitos ao regime florestal, ficassem sob a jurisdição e fruição da Junta Geral. No entanto, não poderá deixar de se acentuar que d regime florestal tem de salvaguardar as finalidades que lhe são próprias.
Embora respeitando o espírito do Decreto-Lei n.º 36 363, deve evitar-se que os trabalhos que eventualmente se possam empreender nas zonas até agora simplesmente vedadas limitem a necessidade de proceder ao revestimento florestal das encostas e picos que não devam ter outro aproveitamento, e não atendam à urgência de intensificar o aproveitamento das parcelas aptas para pastagem cultivada.
12. O problema da ilha de S. Jorge é fundamentalmente um problema de melhoramento de pastagens. Dada a reduzida importância do baldio, pouca influência pode determinar o plano em estudo na economia da ilha. Afigura-se à Câmara que parece urgente estudar medidas que permitam o melhoramento das pastagens na propriedade particular, para encontrar as bases indispensáveis para promover o melhoramento pecuário, fundamental para o fortalecimento da economia da ilha.
13. A exemplo do que foi sugerido pela Câmara Corporativa no parecer n.º 7/VII respeitante ao plano de povoamento florestal do distrito autónomo da Horta, observa-se que as matas a formar podem permitir, assim como o povoamento florestal na propriedade privada, a
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criação de indústrias, como a de painéis de aglomerados de aparas de madeiras, que se mostra com amplas perspectivas futuras e para a qual a madeira branda da Cryptomeria apresenta notáveis qualidades. Este problema deverá merecer adequado estudo.
É ainda um ponto fundamental para se poder encarar o desenvolvimento económico das ilhas fomentando a produção florestal, não só nos baldios, como na propriedade particular, aproveitando os auxílios da Lei n.º 2069, o da construção de instalações portuárias convenientes e estabelecimento de adequados meios de transporte.
14. O período de realização do plano, de 24 anos, afigura-se bem estabelecido. A descrição orçamental e as bases orçamentais não oferecem qualquer reparo e merecem inteira aprovação. Julga a Câmara Corporativa que o investimento de cerca de 194 000 contos no período referido, que representa a média anual de perto de 5600 contos, virá a ter larga repercussão na economia das ilhas, influindo portanto no seu necessário desenvolvimento.
III
Conclusões
15. A Câmara Corporativa, depois de ponderar as valiosas informações contidas no plano que lhe foi apresentado para estudo, é de parecer que:
a) O plano deverá ser executado de acordo com os objectivos gerais da sua concepção, que consistem no aumento da taxa de arborização das ilhas do distrito, feito em conjunto com o melhoramento das pastagens;
b) Na montagem dos serviços indispensáveis para execução do plano devem ser completados os estudos técnicos e económicos indispensáveis para definir os capacidades de uso do solo, de forma a esclarecer melhor as opções que devem ser feitas na altura da realização dos projectos de arborização;
c) Será indispensável acompanhar a execução do plano com estudos e realizações em matéria e melhoramento pecuário e de indústrias de aproveitamento e transformação dos produtos florestais;
d) Atendendo a que, especialmente nas ilhas Graciosa e de S. Jorge, a superfície de baldios representa pequena percentagem, da superfície total, deverá estudar-se a possibilidade de recorrer às disposições contidas na Lei n.º 2069 para auxiliar p povoamento florestal na propriedade particular, sempre que se revele conveniente e tendo em conta a necessidade de aumentar efectivamente a taxa de arborização das ilhas.
Palácio de S. Bento, 2 de Maio de 1960.
António Pereira Caldas de Almeida.
José Infante da Câmara.
Luís Gonzaga Fernandes Piçarra Cabral.
João Custódio Isabel.
José de Mira Nunes Mexia.
Francisco Pereira de Moura.
João Faria Lapa.
José Martins dê Mira Galvão.
Luís de Castro Saraiva.
Manuel Nunes Flores Brasil.
Eugênio Queirós de Castro Caldas, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA