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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 101
VII LEGISLATURA
1960 5 DE JULHO
AVISO
Convoco o Conselho da Presidência para o próximo dia 11, pelas 15 horas, a fim de dar parecer sobre a distribuição de diplomas pendentes.
Palácio de S. Bento, 5 de Julho de 1960.
O Presidente,
Luís Supico Pinto
Projecto de decreto-lei n.º 515
Arborização rodoviária
l. Desde longa data que as plantações das estradas são objecto de reclamações por parte de proprietários confinantes, que, alegando prejuízos para as construções ou para as culturas e terrenos vizinhos, pretendem conseguir a remoção de arvoredo rodoviário ou, pelo menos, baseados por vezes nos preceitos restritivos estabelecidos quanto é existência e plantio de árvores à margem das propriedades em geral, o corte dos ramos que pendem, sobre as suas propriedades. Poderá referir-se, por exemplo, que, já em 1874, um despacho régio determinava à Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas que se pronunciasse sobre um ofício do director de Obras Públicas de Aveiro propondo que fossem cortados e substituídos por oliveiras os álamos de diversas estradas, por assim o solicitarem vários proprietários confinantes, com o fundamento de que taiss árvores prejudicavam os seu terrenos. Aquela Junta Consultiva manifestou-se então desfavoravelmente, emitindo longo e fundamentado parecer sobre arborização rodoviária, cujas recomendações foram mandadas observar por Portaria de 1.9 de Fevereiro de 1875.
2. Acerca do condicionamento da existência e plantio de arvoredo à margem das propriedades em geral, estabelece o nosso Código Civil, mo artigo 2317.º, ser lícito plantar árvores a qualquer distância da linha divisória das propriedades, mas o proprietário vizinho poderá fazer o corte das raízes que se introduzirem no seu terreno e o dos ramos que sobre este penderem, embora sem ultrapassar a linha perpendicular divisória, se o dono das árvores, sendo rogado, o não fizer no prazo de três dias.
Até à promulgação do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei n.º 2037, de 19 de Agosto de 1949, a doutrina daquele artigo nunca foi aplicável às estradas por parte dos proprietários confinantes, pois os regulamentos destas incluíam disposições proibitivas, e restritivas da sua aplicação nas proximidades da faixa do domínio público de tais vias de Comunicação.
Para prevenir quaisquer possíveis inconvenientes para a estrada ou para o trânsito, aqueles, regulamentos previam a possibilidade de supressão dos ramos de arvoredo particular que se estendessem sobre o leito das estradas,
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ultrapassando o plano vertical correspondente à linha divisória do chão do domínio público. E o que se conclui do § 2.º do artigo 157º do Regulamento da Conservação, Arborização e Polícia das Estradas, aprovado por Decreto de 21 de Fevereiro de 1889; do § 2.º do artigo 67.º do Regulamento da Conservação, Arborização, Polícia e Cadastro das Estradas, aprovado por Decreto de 19 de Setembro de 1900, e do § 3.º do artigo 88.º do Regulamento das Estradas Nacionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36 816, de 2 de Abril de 1948, que estabeleci-a textualmente:
Se houver árvores que, embora situadas fora da faixa referida no corpo deste artigo, estendam os seus ramos sobre a zona da estrada definida no artigo 10.º e desse facto possam resultar quaisquer inconvenientes para a mesma ou para o trânsito, poderão ser cortados, pelo pessoal dos serviços de estradas, os ramos que ultrapassarem o plano vertical que passa pela linha limite da referida zona, se o dono dessas árvores, sendo avisado, o não fizer no prazo de três dias.
Nenhum daqueles regulamentos reconhecia, porém, aos proprietários confinantes a faculdade de poderem exigir ou fazer o corte de ramos de arvoredo das estradas que pendessem sobre as suas propriedades, certamente por se reconhecer não deverem aplicar-se ao domínio público as disposições do artigo 2317.º do Código Civil. Semelhante critério corresponde, aliás, ao interesse geral e, no aspecto jurídico, ao espírito da lei e à jurisprudência consagrada pelos tribunais relativamente aos bens públicos, u qual considera não serem aplicáveis ao domínio público, mas somente às relações entre propriedades de domínio privado, os preceitos estabelecidos por aquele Código ao tratar das restrições impostas à propriedade em defesa da propriedade alheia.
3. O caso da situação jurídica das plantações das estradas nacionais francesas tem sido e continua a ser considerado de modo mais ou menos semelhante. Por alturas de 1934, com o propósito de codificar e modernizar a legislação correspondente, o Governo Francês nomeou uma comissão composta de mais de vinte membros, escolhidos entre o alto funcionalismo das finanças, serviços florestais e obras públicas, e representantes das belas-artes e das associações de agricultores e viveiristas. Depois de dois anos de aturados estudos daquela comissão, foram aprovadas, com data de 16 de Junho de 1936, e sob o título «Règles concernant lês plantations sur lês Routes Nationales», novas regras que representam ainda hoje, sob os aspectos técnico e administrativo, a base da codificação relativa às plantações das estradas nacionais francesas. O capítulo dessas regras relativo à situação jurídica das plantações das estradas chama a atenção para os direitos mútuos do Estado e dos particulares, pondo em evidência o aparente desacordo entre o Código Civil e a legislação referente ao assunto; nele se expendem também as opiniões dos altos organismos administrativos franceses sobre o problema, em termos que a seguir se resumem.
De acordo com o Código Civil francês, não é permitido ter árvores a menos de 2 m das estremas dos vizinhos e estes poderão exigir o arranque das plantadas contra essa disposição legal. Importa, no entanto, ter presente que, convidado a apreciar reclamações de proprietários sobre plantações a menos de 2 m do limite da estrada, o Conselho Superior de Obras Públicas (Conseil General des Ponts et Chaussées) foi de parecer, largamente justificado, de que aos referidos preceitos do Código Civil se não aplicavam às relações entre o Estado e os proprietários confinantes com as estradas nacionais. Por sua vez, o Supremo Tribunal (Cours de Cassation) afirmou a mesma doutrina, dizendo que os artigos 671.º e 672.º do Código se não aplicam, nem pelo texto nem pelo espírito da lei, senão a árvores plantadas junto das estremas de propriedades privadas (Acórdão de 16 de Dezembro de 1881).
O Estado tem, por isso, o direito de fazer plantações nas estradas nacionais a qualquer distância das propriedades vizinhas, embora deva usar com moderação deste direito. Segundo a jurisprudência consagrada pelo citado Supremo Tribunal, não se poderão invocar os referidos artigos do Código Civil para exigir o arranque de plantações rodoviárias situadas a menos de 2 m da estrema. Também o artigo 673.º do mesmo Código, modificado pela Lei de 20 de Agosto de 1881, se não pode aplicar contra a administração pública, que, por consequência, não pode ser obrigada a cortar ramos ou raízes que avancem sobre as propriedades vizinhas, nem o proprietário marginal tem o direito de os cortar.
4. Entre nós, porém, aconteceu que, submetido à Assembleia Nacional, o citado Decreto-Lei n.º 36 816, de 2 de Abril de .1948, que aprovava e mandava pôr em execução o Regulamento das Estradas Nacionais, foi convertido em proposta de lei e baixou assim à Câmara Corporativa, que emitiu o respectivo parecer n.º 36/IV, de 21 de Abril de 1949, sugerindo nele diversas modificações àquele regulamento, que passou a designar-se por Estatuto das Estradas Nacionais. Embora o antigo critério, até então usado, tivesse sido mantido por aquela Câmara, a Assembleia Nacional, ao discutir e votar a referida proposta de lei, aprovou um aditamento ao § 3." do artigo 88.º, dispondo que igual direito (o concedido nos serviços das estradas sobre desramação de arvoredo particular) é reconhecido nos proprietários interessados em, relação às árvores existentes na área das estradas, o que, afinal, vem a situar no campo do domínio público doutrina do artigo 2317.º do Código Civil, aplicável ao domínio privado.
A doutrina correspondente ao uso do referido direito está em desacordo com o espírito e á letra das demais disposições sobre protecção da riqueza florestal do País e sobre os direitos e obrigações do público e dos proprietários confinantes, quanto à existência e exploração e árvores à margem e nas proximidades das estradas nacionais. De tais disposições, poderão destacar-se as correspondentes ao artigo 10.º do Regulamento da Protecção das Árvores Nacionais, aprovado pelo Decreto n.º 682, de 23 de Julho de 1914; ao artigo 6.º do Decreto lei n.º 13 658, de 20 de Maio de 1927; ao artigo 7.º do Decreto n.º 20 827, de 27 de Janeiro de 1932; ao artigo 1.º e seus parágrafos do Decreto-Lei n.º 38 271, de 26 de Maio de 1951, e Portaria n.º 13 733, de 7 de Novembro de 1951; e, ainda, do Estatuto das Estradas Nacionais, as correspondentes no artigo 82.º, n.º 3.º, aos artigos 87.º e 127.º, ao artigo 88.º, ao artigo 133.º, § , e ao artigo 138.º.
5. Não pode, na verdade, considerar-se razoável que os proprietários confinantes com as estradas nacionais, contrariando, aliás, outras disposições legais, possam, ao fim de três dias, fazer o corte de ramos de arvoredo rodoviário, quando a poda profunda das suas próprias árvores, radicadas na faixa do seu próprio terreno que se estende até 5 m além da linha limite da zona da estrada, lhes pode ser negada pelos serviços de estradas ou ter de aguardar a necessária autorização dentro de um prazo de 30 dias sobre a entrega da correspondente participação. De resto, na prática, seria manifesta a desigualdade de tratamento em desfavor do Estado e do interesse geral, pois para as estradas apenas poderão
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representar inconvenientes os ramos demasiado baixos que porventura invadam o espaço correspondente à faixa de rodagem ou à plataforma, de que as árvores particulares estarão em regra afastadas pelo menos uns 2 m a 3 m. No caso inverso, o interesse dos particulares seria, em geral, se tanto lhes fosse permitido, o de fazer desaparecei totalmente as árvores do Estado que frequentemente se localizam muito próximo da linha divisória do chão do domínio público.
6. Com o propósito de se evitarem decotes, mutilações, (...) profundas s podas intensivas, absolutamente condenáveis .tanto sob o aspecto biológico, como cultural e estético, torno-se necessário que, por motivo de manifestos prejuízos para a estrada, para o trânsito ou para os prédios confinantes, a poda do arvoredo que margina as estradas nacionais se reduza essencialmente, como norma, à supressão ou ao encurtamento dos ramos demasiado baixos ou muito desgarrados, mas apenas na medida estritamente indispensável para, acordo com semelhante propósito, se evitarem ou r miarem aqueles prejuízos dentro do possível e razoável.
Semelhante desiderato impõe que se defina com reza a situação jurídica do arvoredo do domínio público rodoviário nacional e se evite o absurdo resultante contradição das diversas disposições vigentes, abordo-se para tanto a parte final do § 3.º do artigo 88.º Estatuto das Estradas Nacionais.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela l.ª parte n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo, creta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte
Artigo único. £ suprimido o último período do § do artigo 88º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei n.º 2037, de 19 de Agosto de 1949.
O Ministro das Obras Públicas, Eduardo de Arou e Oliveira.
Reuniões da Câmara Corporativa no mês de Junho de 1960
Dia 6. - Comissão de Verificação de Poderes:
Presidência do Digno Procurador Presidente José Gabriel Pinto Coelho.
Presentes os Dignos Procuradores: Adolfo Alves Pereira de Andrade,
Afonso de Melo Pinto Veloso,
Joaquim Moreira da Silva Cunha,
José Augusto Vaz Pinto
Samwell Dinis.
Acórdão reconhecendo os poderes do Digno Procurador Albano do Carmo Rodrigues Sarmento.
Dia 8. - Projecto de proposta .de lei sobre o plano de construções para o ensino primário (actualização do Plano dos Centenários):
Secções consultadas: Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino), Interesses de ordem administrativa (subsecção de Obras públicas e comunicação e Autarquias locais, com agregados.
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores: Mário dos Santos Guerra, Manuel Gonçalves Martins, Armando Está da Veiga, Luís Gordinho Moreira, Luís de Castro raiva, José Seabra Castelo Branco, Francisco Man Moreno, João Militão Rodrigues, Henrique Schre José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich e, agregr João Faria Lapa e José Augusto Vaz Pinto.
Apreciação do projecto de parecer. Foi aprovado. O TÉCNICO - Augusto de Moraes Sarmento.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA
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