O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 219

REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

VIII LEGISLATURA - 1962 12 DE DEZEMBRO

PARECER N.º 8/VIII

Projecto de proposta de lei n.º 522/VII

Saúde mental

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 522, elaborado pelo Governo sobre a saúde mental, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem espiritual e moral e Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), com os Dignos Procuradores agregados Guilherme Braga da Cruz, António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho, Mário dos Santos Guerra, Hildebrando Pinho de Oliveira, Joaquim Trigo de Negreiros e António Jorge Martins da Mota Veiga, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara o seguinte parecer.

I

Apreciação na generalidade

A) Introdução

1. A Câmara Corporativa é chamada a dar parecer sobre o projecto de proposta de lei n º 522, que trata da promoção da saúde mental.
Ao relatar-se o parecer, é justo pôr em evidência o sentido de oportunidade com que o problema foi encarado e a actualização de conhecimentos que orientaram o trabalho.
Na verdade, nenhum dos flagelos que perturbam o equilíbrio do Mundo necessita de ser tratado mais em profundidade e mais em extensão. Embora se não diga, depreende-se da largueza com que o assunto é cuidado que se pretende criar um armamento que actue, para já, com firmeza e segurança, em todo o território continental e insular.

2. Pareceu conveniente à Câmara, na apreciação na generalidade que fará do projecto, inserir um conjunto de notas, mais ou menos independentes, justificativas das modificações que entendeu dever propor.
Verificar-se-á que certas afirmações se repetem com frequência; procedeu-se assim muito propositadamente; há princípios em que é preciso insistir e adoptou-se a insistência como sinal de valorização; demais houve o propósito de, com simplicidade e clareza, sem exibicionismos de teorias nem ciência, elaborar um parecer que sirva a todos os sectores interessados.
Na elaboração deste parecer houve um pensamento dominante, ser prático, ser objectivo, viver na terra e só na terra; não desprender a imaginação querendo o que devia ter, mas encarando só o que pode ser. E até por isso a obra não saiu perfeita - de resto, a perfeição não e de«te inundo; mas julga a Câmara que o trabalho que produziu ajudará à realização e implantação do que se pretende seja executado com efi-

Página 220

220 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA A7 • 31

ciência e em curto prazo se houver os recursos indispensáveis e a tarefa foi dirigida por uma vontade firme, que saiba querer e que saiba o que quer.

3. Como adiante se verá, não houve a preocupação de defender um regime rígido, de aplicação igualmente rígida.
No mundo em activa revolução, pareceu-nos prudente adoptar directrizes assistências e propor normas legais, harmónicas e coerentes, conformes com a nossa organização social, mas com certa elasticidade, elasticidade que permita segui-lo nas suas mutações, evitando assim a discordância, em muitos países observada, onde a uma psiquiatria moderna e eficiente corresponde uma legislação atrasada, ultrapassada (...) e vice-versa!
Enfim, dar ao doente tratamento, conforme as suas necessidades médicas, dar ao doente protecção conforme a sua insuficiência social, tudo isto de uma maneira prática e realizável, apesar das dificuldades a vencer foi e é a finalidade deste parecer.

4. Quem conhece a evolução da psiquiatria através dos tempos e não desconhece a historia da assistência aos doentes mentais no nosso país, conclui que Portugal esteve sempre em dia com as práticas aceites nos meios civilizados.
Assim, em documento de Fevereiro de 1539 faz-se referência a nomeação de Pedro Fernandes de Gouveia para curar «todos os doentes fora do seu siso que no Hospital de Todos-os-Santos fossem recebidos para serem curados por ele disso ter muita experiência e os saber bem curar».
E quando, no limiar do século XVII, se procedeu a reconstituição daquele Hospital, que havia sido destruído por um incêndio, o mesmo foi ampliado com nove casas, sendo quatro destinadas aos doentes mentais do sexo masculino e cinco aos do sexo feminino.
Após o terramoto de 1755 os loucos estiveram algum tempo «por baixo das cabanas do Rossio», e mais tarde «nas cocheiras do conde de Castelo Melhor». mas em 1755 deram entrada no novo Hospital de S. José, onde passaram a ocupar as enfermarias n.ºs 13 (S. Teotónio) e 19 (Santa Eufemia).
Esta situação durou até Dezembro de 1848, em que, por iniciativa do duque de Saldanha, então Ministro do Reino foi instalado o Hospital dos Alienados no Convento de Rilhafoles ou se]a no edifício presentemente ocupado pelo Hospital Miguel Bombarda.
Três anos decorridos sobre a abertura do Hospital de Rilhafoles foi publicado o seu primeiro regulamento em que, pela primeira vez se previu não só «a ocupação, trabalho, instrução e recreio dos alienados» mas ainda o modo de «evitar os abusos que possam cometer-se na sua detenção».
A Lei de 4 de Julho de 1889 publicada de harmonia com o decreto das Cortes Gerais de 12 de Junho do mesmo ano, dividiu para o efeito do serviço de alienados, o continente e as ilhas adjacentes em quatro círculos, autorizou o Governo a construir diversos estabelecimentos e a dar novo destino ao Hospital de Rilhafoles e criou o fundo de beneficência pública dos alienados. Diploma notável, a que ficaram ligados os nomes de José Luciano de Castro, à data Presidente do Ministério e do médico António Maria de Sena, foi pena que não tivesse sido executado.
Em 1911 foi publicada uma nova reforma da assistência aos alienados (Lei Júlio de Motos), que tal como acontecera com a de 1889, não chegou a executar-se, salvo quanto ao ensino oficial de psiquiatria, que passou a realizar-se em Lisboa, no Manicómio Bombarda no Porto, no Hospital Conde de Ferreira e em Coimbra, no Hospital da Universidade.
Mas se as leis, no que respeita à sua projecção nos factos, quedavam inoperantes, a beneficência privada não esmoreceu no propósito de melhorar a assistência aos doentes mentais.
Assim, em 1883, a Santa Casa da Misericórdia do Porto dando cumprimento ao testamento do benemérito conde de Ferreira, mandou construir o primeiro hospital destinado exclusivamente à assistência aos alienados no nosso país.
Logo a seguir, um membro da ordem hospitaleira criada por S. João de Deus, o grande reformador e impulsionador da assistência psiquiátrica em Espanha, o P. Benito Menni, vem a Portugal e manda construir a Casa de Saúde do Telhal onde, a partir de 1893 a referida ordem começou a prestar assistência aos doentes mentais ali internados.
Passados dois anos em 1895, através da Casa de Saúde de Idanha (Belas) também aquela ordem hospitalar passou a assistir aos alienados do sexo feminino.
No que respeita à assistência pública em 1942 procedeu-se à inauguração do Hospital Júlio de Matos e, em 1943, à abertura do Manicómio Sena, em Coimbra.
Em 11 de Abril de 1945 é publicada a Lei n.º 2006, logo seguida da publicação dos Decretos n.ºs 34 502, 34 534, 34 547 e 36 049 que reformaram profundamente a assistência psiquiátrica.
A referida lei dá, e pela primeira vez, relevo à acção profiláctica e à terapêutica de ocupação e trabalho e estabelece novas normas de internamento, que inclui o regime aberto.
Ao contrário do que sucedera com as reformas anteriores, a Lei n.º 2006 entrou logo em execução e na sua vigência aumentaram e melhoraram as instalações hospitalares, de que é justo destacar o Hospital Sobral Cid, em Coimbra, criaram-se centros e dispensários, alargou-se a rede de consultas e completou-se a acção destas através de brigadas moveis, com vista ao tratamento precoce e por forma a obter-se a cura clinica e a readaptação social do maior número de doentes.
Pelo Decreto-Lei n.º 41 759, de 25 de Junho de 1958, foi criado o Instituto de Assistência Psiquiátrica, ficando a competir-lhe «o superior enquadramento dos estabelecimentos e serviços oficiais aos quais se atribuiu como fim a acção profiláctica e pedagógica no domínio das anomalias e doenças mentais, e, bem assim, a orientação e fiscalização das iniciativas particulares que se proponham o mesmo objectivo».

5. Também esta Câmara se tem ocupado dos problemas relacionados com a assistência psiquiátrica.
Assim, no parecer relativo à proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social apontou as suas deficiências, e referiu o armamento considerado indispensável a uma assistência eficaz.
A proposta de lei sobre a assistência psiquiátrica, que veio a converter-se na citada Lei n.º 2006, foi objecto de parecer desta Câmara, parecer em que foram sugeridas várias alterações e aditamentos que contribuíram para a melhoria da referida proposta.
Ainda recentemente, no parecer acerca do projecto de proposta de lei n.º 514, elaborado pelo Governo, sobre o Estatuto da Saúde e Assistência projecto em discussão na Assembleia Nacional, teve a Câmara oca-(...)

Página 221

12 DE DEZEMBRO DE 1962 221

sião de chamar a atenção para a gravidade do problema, «visto o estudo do mesmo haver levado à conclusão de que o aumento do número de doentes montais é constante de há um século a esta parte».
E, depois de referir as causas desse acréscimo - «traumatismos físicos e morais, hereditariedade, materialismo, desarmonia, inquietude, insegurança, fadiga, desconfiança, desadaptação e pessimismo» -, a Câmara sugeriu que, sem prejuízo da acção profiláctica, terapêutica e pedagógica, já prevista na Lei n.º 2006, se procurasse dar mais desenvolvimento à acção recuperadora à assistência psiquiátrica infantil, ao serviço social e ainda à coordenação dos serviços de assistência psiquiátrica com os outros serviços, designadamente com os hospitalares e de saúde pública.
Também «o grau de incidência do alcoolismo», segundo o referido parecer, justificava «a criação de serviços especiais de desintoxicação e de psicoterapia, os quais podem abranger outras toxicomanias» (Pareceres da Câmara Corporativa, ano de 1961, vol. II, p. 243).
Ainda que o projecto em apreciação se situe na linha de orientação preconizada e os organismos e serviços a criar ou a desenvolver sejam, de um modo geral, os sugeridos no parecer em referência nem por isto esta Câmara deixará de proceder ao seu estudo alento, em ordem a rever um ou outro aspecto ou definir, sendo caso disso, nova orientação ou rumo.

B) Apreciação do ponto de vista médico-psiquiátrico

6. A lição da nótula histórica aliás exporta, no n.º 4, é a seguinte Portugal muna descurou a assistência psiquiátrica e tem acompanhado desveladamente o curso das ideias que, nos outros países, vão regulando a assistência aos doentes mentais; é mesmo de prever que, transformado em lei o presente projecto sobre a promoção da saúde mental - desde que o diploma seja convenientemente regulamentado e alargados no futuro os meios de acção previstos -, Portugal irá ocupar a vanguarda do movimento, movimento que, em todo o Mundo, cresce e se avoluma no propósito de dar aos doentes mentais os cuidados e tratamentos de que precisam.
Da higiene mental se espera não só deter n marcha do desequilíbrio progressivo, que dá ao Mundo, por vezes, o aspecto de uma casa de orates, mas o renascer de uma nova época em que a cultura, a ciência e a fé o orientem para novos rumos.

7. Várias razões explicam este sinto de interesse pelos portadores de doenças e anomalias mentais, seja qual for o grau e tipo dessa diminuição. Em primeiro lugar, verifica-se que o seu número cresce assustadoramente, de modo a constituir hoje a profilaxia e tratamento das doenças do espírito forte preocupação dos Estados Portugal tem acompanhado e acompanha, este movimento de humanidade, e poder-se-á dizer mesmo que em breve ficará na vanguarda.
Não é muito distante o tempo em que, para uni louco conseguir internamento, era preciso praticar um crime; sem tal acto precursor, um psicopata aguardaria durante anos a admissão, que não chegava e, se chegava, recebia o doente já em estado de incurabilidade.
O conhecimento daquele facto, a melhor preparação dos médicos, a descoberta de um numeroso e rico arsenal de terapêutica e ainda a maior familiaridade que o dia a dia nos traz com os grandes e pequenos psicopatas contribuem para uma maior confiança na acção da psiquiatria; uma maior valorização dos psiquiatras um confiante interesse pela assistência dos perturbados da razão, permitem a sua descoberta precoce e em grande número. Daí a necessidade, cada vez mais premente e mais necessária, de se proceder a uma eficiente promoção da higiene mental.
Por outro lado, e colaborando no mesmo sentido, a medicina vai sendo orientada num rumo mais humano, tratando, sim, o corpo, mas procurando com igual ou maior interesse encarar os sofrimentos da alma e uma série de alterações de carácter, que levam à perversão, ao vício, ao crime.
Caminha-se no sentido de se fazer medicina de homens, praticada por homens, em substituição de medicina tecnificada, feita por técnicos, espécie de engenheiros do corpo humano.
Vai-se reagindo, felizmente, contra a medicina como simples ciência e arte em que se julga possível fazer diagnósticos sem conhecimento do doente, simplesmente à custa de um mundo de gráficos, análises, radiografias, microscópio, da química biológica e em que a própria terapêutica é feita automaticamente segundo a rotina, seja qual for o doente e independentemente da causa da doença.
Freud, com a psicanálise, veio demonstrar que o doente não é só um conjunto de órgãos, sistemas e aparelhos e que a enfermidade não é só o funcionamento anormal de uns e de outros mas sim um desequilíbrio do ser humano, perante si próprio e perante o ambiente, e veio dizer mais que toda a doença tem um componente psicológico, que é indispensável considerar e que todo o médico tem de conhecer.
Quer dizer, o médico moderno tem de se familiarizar com a medicina psicossomática e tem de ser médico integral, o que lhe permitirá um melhor e mais completo conhecimento do homem são e do homem doente.
O médico, deixando de conhecer o doente só por fora - vendo-o - e passando a ouvi-lo, isto é, a receber - ouvindo-o - informações que vem de dentro, age em mais largos horizontes - a intimidade- do homem, a sua humanidade. O médico revelará então maior capacidade científica e maior poder de actuação
A sua actuação sei á mais eficiente quando estiver certo de que não há doenças puramente orgânicas, nem puramente psíquicas, não se deve ser médico de órgãos, mas médico de homens.
Se ao médio não interessar apenas o conhecimento das funções cardíacas, renais, hepáticas e outras mas se, em face do doente, puder conhecer e compreender os seus pensamentos, os seus desejos, os seus temores, se a consulta não for somente um acto objectivo, que permita ver o doente num momento, mas tiver em vista conhecer a sua história, acompanhando no espaço e no tempo toda a sua vida, será possível descobrir mais e mais doentes, será possível surpreender a doença mais precocemente e portanto, o movimento psiquiátrico ir-se-á avolumando e, de certeza, assistiremos a um maior surto de doentes e de interesse no domínio da psiquiatria e em todos os seus aspectos.
Estas e outras razões tornaram premente a promulgação da nova lei sobre a promoção da higiene mental

8. As transformações precipitadas que a humanidade vai sofrendo nestes últimos anos, as numerosas descobertas com que a ciência vai enriquecendo o Mundo, a velocidade com que se vive e para a qual o homem não tem estrutura bastante, a inquietação e a angústia que o atormentam e o dominam deram

Página 222

222 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

lugar a que nenhum ramo da medicina se encontre em semelhante ebulição, de maneira que as doutrinas surgem, vivem e envelhecem em curto prazo.
Bem faz o Governo em querer acompanhar esse movimento progressivo, apresentando este projecto de proposta de lei. Sendo o primeiro diploma da nossa legislação que regula no seu conjunto a assistência aos alienados de 1889 (Lei Sena), o segundo de 1911 (Lei de Júlio de Matos) e o terceiro já de 1945 (Lei n.º 2006), tornava-se, na verdade, necessário seguir essa marcha acelerada das doutrinas sobre a saúde mental e actualizar a solução do nosso problema, de maneira a corresponder assim ao interesse que as gerações passadas sempre manifestaram pela defesa dos loucos.
Por outro lado, o conhecimento das estatísticas, a observação dos factos, a contemplação do que vai pelos outros países, o raciocínio sobre os acontecimentos que sobressaltam o globo dão-nos a certeza e a justificação do número, sempre assustadoramente crescente, de perturbados mentais e do aparecimento, igualmente crescente, de novas causas que alteiam o equilíbrio mental das gentes, por isso, prevê-se a impossibilidade de se conseguir o tratamento dos doentes por falta de instalações e de pessoal segundo as directrizes habitualmente usadas. Há, pois, que pensar em evitar a doença para não ter de a remediar ... Com o programa que o projecto enuncia procura-se organizar e pôr em marcha uma campanha de profilaxia psiquiátrica, preparar um equipamento que permita um maior rendimento, aproveitando instalações já em trabalho, organizando outras mais económicas, anexando algumas a serviços de saúde já instalados ou coordenando ainda a sua acção de maneira mais lógica e fomentando o tratamento dos doentes, sempre que possível, em consultas, em regime ambulatório, em regime domiciliário e em regime familiar. Não dissemos em regime asilar, porque entendemos que a palavra asilo deve desaparecer da nomenclatura dos estabelecimentos de assistência psiquiátrica, como já havia desaparecido o termo manicómio.
Asilos, hospícios, pressupõem a morte em vida, inactividade, quietação, quando é certo que hoje, em qualquer período de vida, mesmo para aqueles doentes crónicos, que outrora se atiravam para o esquecimento em estabelecimentos pouco cuidados, há indicações formais de os chamar à actividade, conseguindo-se muitas vezes, se não uma reabilitação suficiente, pelo menos condições humanas que lhes amenizem a vida.
Em sua substituição entende a Câmara que deve haver «centros de recuperação», ou, melhor, «centros de recuperação pelo trabalho»; sob esta rubrica englobam-se os antigos asilos centrais e regionais, as colónias agrícolas, os centros para anormais perigosos e associais, asilos para crianças ou adolescentes anormais e ainda as colónias e casas de recuperação para alcoólicos toxicómanos etc.
Com a recuperação pretende-se, à custa da medicina física de serviços psicossociais e de orientarão profissional, que o indivíduo se baste, se sustente e se respeite a si mesmo.
Quer dizer pretende-se restituir a um indivíduo incapacitado a sua utilidade óptima sob o ponto de vista físico, mental, social, profissional e económico.
Nos centros de recuperação trabalham, além do psiquiatra, do sociólogo e do antropólogo, do internista, do enfermeiro, dos fisioterapeutas ocupacionais e recreacionais, trabalhadoras sociais, psicólogos e mestres de oficinas. Por muito dispendiosa que pareça esta tarefa é fácil verificar que custa menos recuperar uma pessoa do que ficar toda a vida a assistir a um invalido, razão esta que leva a Câmara a considerar urgente a organização de estudos superiores, se possível integrados na Universidade portuguesa (1) e onde seja instruído e preparado todo o pessoal tão necessário, visto ser grande o número de crónicos incapacitados que têm vivido em albergues e que urge procurar recuperar.
Cada vez se considera de mais alto valor a terapêutica ocupacional e recreativa, a ponto de se dizer, em psiquiatria que, antes de se prescrever uma droga ou uma dieta, há que estudar e enfermo por forma integral, averiguar das suas necessidades de diversão e de ocupação e saber escolher as que mais convêm, pois entre os extremos de comportamento de uma pessoa solitária, silenciosa, deprimida, hipoactiva e um eufórico e hiperactivo há muitos graus de introversão e extroversão, depressão e exaltação, de reserva, timidez, agressividade, arrogância, etc., que costumam modificar-se profunda e rapidamente por actividades ocupacionais e recreativas.
É, pois, a enfermeira bem preparada que desempenha o papel predominante na recuperação do paciente, levando-o a reter ou recuperar a sua independência para comer, descomer, dormir, mover-se, vestir-se, comunicar e restabelecer relações humanas satisfatórias, isto é, executar as actividades comuns da vida diária.

9. Promover a saúde mental representa, no momento presente, um dever urgente e imperioso, pois, independentemente do valor intrínseco do problema, há que considerar a sua acuidade, visto as perturbações mentais entre nós, como em toda a parte, evoluírem em ritmo aceleradamente progressivo.
Em todos os países se vive sob a pressão, para não dizer a mais impressionante preocupação, do valor das alterações da razão que os povos vão apresentando através das diferentes classes, alterações desencadeadas por vários factores, alguns por enquanto inamovíveis e outros removíveis com grandes dificuldades e a largo prazo.
Há, pois, necessidade inadiável de prestar assistência aos grandes e pequenos alienados e bem assim proceder a defesa da sociedade no sentido de se obter uma profilaxia eficiente, uma terapêutica activa da loucura e uma reabilitarão tanto quanto possível perfeita das suas vitimas.
Correspondendo a estas três modalidades da actuação, há que organizar, na verdade, um arsenal numeroso e bem equipado, constituído por dispensários e serviço social; hospitais psiquiátricos para tratamento de casos agudos; centros de recuperação para os doentes de doença prolongada em regime de ergoterapia (colónias agrícolas, fábricas, oficinas, colocação familiar, etc. ), centros de educação e assistência para crianças anormais, centros de observação, hospitais de dia, hospitais de noite nos grandes meios, como instituições complementares de estudo e assistência.
Vive-se num mundo de angústia. A angústia dos homens já não é hoje uma modificação superficial e passageira dos seus sentimentos pessoais, afecta gravemente o equilíbrio individual, como transforma as suas reacções de conjunto, é, pois, uma fonte permanente de sofrimento.

(1) Assim à Universidade portuguesa fosse concedida a autonomia suficiente para, de moto próprio, responder às solicitações sociais criando os cursos e centros de investigação cada vez mais necessário.

Página 223

12 DE DEZEMBRO DE 1962 223

A aceleração das transformações técnicas e sociais inquieta-nos, aflige-nos (...) e a velocidade, as mudanças bruscas, o imprevisto, criam o desequilíbrio na vida e nas pessoas.
A própria juventude responde quase sempre com movimentos espontâneos, incompreensíveis e absurdos.
Olhando para o Mundo, sente-se pois que está doente. A doença chama-se angústia, medo, cólera, ódio, enjoo.
Ora «as tensões, as nevroses, os estados de loucura, são em grande parte o fruto da ansiedade, da insatisfação, do desvairamento, da desordem e da confusão da época que atravessamos» (1).
Semelhantes perturbações psicológicas vão-se agravando ao mesmo tempo que as dificuldades sociais aumentam.
E o mal será progressivo se se lhe não opuser uma terapêutica activa, enérgica, imediata.

10. A aplicação da lei sobre a promoção da saúde mental pressupõe um suficiente equipamento psiquiátrico e uma organização da assistência psiquiátrica, de molde a ir correspondendo as necessidades da Nação.
Terá de ser formado por:
1) Dispensários, cuja função consiste em dar consultas psiquiátricas gratuitas para:

a) Despistar as perturbações mentais, tão precocemente quanto possível, a fim de reduzir a duração do tratamento hospitalar quando o não puder evitar;
b) Manter em vigilância os doentes quando curados ou em licença de ensaio;
c) Fazer o tratamento dos doentes, toxicómanos e outros, em regime ambulatório;
d) Cuidar da educação sanitária, sob o ponto de vista de (...) mental;
c) Enquanto se não criar cobertura sanitária diferenciada para estas doenças, assistir a doentes de foro neurológico.

O funcionamento técnico deverá ser executado por um ou mais médicos psiquiatras e neurologistas e por um serviço social sempre que seja possível, pertencentes aos quadros de qualquer outra organização psiquiátrica superior da mesma região geográfica.
Quer dizer a assistência deverá ser feita por uma equipa composta por médico, psiquiatra, assistentes sociais, psicólogo e enfermeiras especializadas.
Há, pois, que integrar em cada região e numa mesma unidade a actividade destinada a promover, a manter e melhorar a saúde mental (higiene mental), dotando-a de meios para prevenir o aparecimento das doenças psíquicas (profilaxia mental) e de meios que permitam fazer diagnósticos certos e tratamentos eficazes, isto é realizar as funções tradicionais da antiga psiquiatria e ainda mais proceder ao diagnóstico e tratamento das afecções de foro neurológico.
2) Hospitais psiquiátricos e serviços neuropsiquiátricos, especializados para tratamento dos doentes mentais.
Os hospitais psiquiátricos serão autónomos sob a orientação do Instituto de Saúde Mental.
Os serviços neuropsiquiátricos podem ser autónomos podem fazer parte dos hospitais psiquiátricos ou mesmo dos hospitais gerais regionais, onde, obrigatoriamente, deverão vir a existir sempre que na sua área não haja outro serviço para tratamento desta espécie de doentes.
Nas três zonas, Lisboa, Porto e Coimbra, anexos aos hospitais psiquiátricos embora em instalações próprias, haverá serviços para doentes difíceis (doentes mentais perigosos e, particularmente criminosos).
Neles deverão ser admitidos doentes dotados de «personalidades psicopaticas» desequilibradas, perversos lúcidos, muitas vezes inteligentes, absolutamente inadaptados à sociedade e incompatíveis com a vida disciplinada de um hospital psiquiátrico.
O doente não pode ser tratado com resultado no dispensário deve nos primeiros tempos da sua doença passar ao hospital psiquiátrico, o que quer dizer terá o hospital psiquiátrico, como lhe é próprio de possuir todo o equipamento médico-cirúrgico para diagnóstico e terapêutica activa destes doentes (laboratórios, cura de insulina, cura de sono, etc., organizações para psicoterapia individual e colectiva, instalações para ergoterapia e socioterapia).
Mas o número sempre crescente de doentes mentais e doentes nevrosados, as condições de vida nos grandes centros populacionais, cada vez mais difíceis e perturbantes, as dificuldades cada vez maiores de internamento dos casos agudos, levam a aconselhar para já a criação e a instalação como já se fez em Lisboa e Coimbra, do chamado hospital de dia e do hospital de noite, que permitam ao doente, durante o dia ou durante a noite, o repouso e o isolamento de que necessitem, e bem assim receber a terapêutica psiquiátrica aconselhada.
O facto de o tratamento dos doentes mentais ser cada vez mais precoce, mais activo, mais racional e mais eficaz tem valorizado extraordinariamente o hospital psiquiátrico dar os êxitos obtidos, a atmosfera de simpatia e de optimismo junto dos doentes das famílias, do público e dos médicos não só da especialidade como dos médicos que trabalham em ciências afins (psicólogos, pedagogos, sociólogos , etc.).
Tudo isto contribui para que o hospital psiquiátrico possa e deva ser a base fundamental de toda a actividade preventiva e curativa das doenças mentais.
As consultas externas, o tratamento ambulatório e o serviço social dele dependentes são valiosas armas do arsenal contra o loucura pela rapidez e precocidade com que actuam, porque permitam embaratecer o tratamento dos doentes - e até dispensar o internamento de alguns cuja hospitalização se julgava outrora absolutamente necessária.
Por outro lado, sabe-se que é precisamente através das consultas externas (dependências do hospital psiquiátrico) que se torna possível um contacto mais directo com o público e fazer a sua educação no que se relaciona com a saúde mental. Indispensável se torna que haja uma perfeita comunicação entre o binómio hospital e seu pessoal e a colectividade, permitindo uma boa convivência entre os doentes e a sociedade donde vêm e aonde devem regressar.
O hospital psiquiátrico permitirá, pois um diagnóstico precoce, um tratamento activo e uma eficaz assistência pós-institucional, conseguindo assim reduzir o número de casos que evolucionaram para a cronicidade e evitar as recaídas após a saída do hospital. Nenhuma outra unidade do equipamento psiquiátrico pode Ter igual acção independentemente, como se verá da sua (...)

Página 224

224 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

posição e acção como escola de educação e preparação do pessoal técnico especializado - médicos, pessoal de enfermagem e auxiliar, trabalhadores sociais - e independentemente ainda do seu valor na educação sanitária, sob o ponto de vista de higiene mental do público.
Poderá parecer estranha a doutrina de colocar o hospital psiquiátrico à frente de toda a luta contra a loucura, mas de facto não é, pois caminha-se no sentido aconselhável, como se depreende da opinião expressa por autoridades bem qualificada.

«A concepção dualista da medicina preventiva e da medicina curativa está hoje ultrapassada; o hospital constitui o eixo da totalidade do armamento sanitário» - Dr. J. Joanay (presidente do Conselho Supremo de Hospitais de França).
«As funções do hospital moderno são inicialmente quatro a) tratar doentes, e sinistrados; b) instruir médicos, enfermeiras e outro pessoal; c) saúde pública (prevenção das doenças e promoção de saúde), d) fazer progredir a investigação da medicina científica» - Dr. Mac Eachern (médico e administrador dos hospitais).

E ainda.
«O hospital expressão única e, se possível, da medicina integral» - Dr. Osvaldo Queijada Cerda (cirurgião da Universidade do Chile e administrador de hospitais).
«O hospital não deve limitar as suas funções exclusivamente à esfera curativa; deve organizar-se antes, para atender também às necessidades da prevenção das doenças, ao ensino e à investigação» - Do relatório da Companhia de Técnicas de Organização da Assistência da Organização Mundial de Saúde.

Confirmam a orientação moderna de considerar o hospital o centro de uma actividade médica completa para a comunidade as palavras do Prof. A. Querido no discurso «A Evolução do Hospital - Um Mundo Que Evolui» pronunciado na inauguração do XII Congresso da Federação Internacional de Hospitais, em Veneza. Dizem assim.

Se o hospital baseia a sua importância no facto de ser o lugar da comunidade em que uma maioria de auxílios médicos se encontra reunida, não há razão para não saltar os seus limites e tornar acessíveis estas facilidades tanto aos que estão dentro como aos que estão fora das suas paredes.
Isto transformaria os nossos hospitais em centros médicos ou, ainda melhor, em centros de organização sanitária, que reunissem as actividades dos médicos na comunidade e suportassem estas actividades com os seus recursos coordenados e concentrados.
Deste modo, poder-se-á estabelecer uma cadeia contínua de cuidados médicos. Facilidades no diagnóstico, terapêutica, investigação e ensino, instrumentando e assistindo à prática médica. Uma cadeia que se inicia com a pura prevenção, procede ao diagnóstico e tratamento precoce e continua com a passagem do doente para o tratamento ambulatório, cuidados pós-cura, seguida de trabalho social em cooperação com o médico de família e coordenado com as demais instituições de sanidade e bem-estar.
Finalmente, a reforma hospitalar francesa, tão discutida na imprensa especializada e não especializada, apresenta o hospital como organismo de assistência à saúde diminuída ou ameaçada, local de ensino escolar e
pós-escolar, centro de investigação médica e social.
«É doutrina assente que o hospital moderno, como senhor único na parte assistêncial médico-sanitária, cujas funções básicas são curativa, profiláctica e social, há-de resultar da transformação dos velhos hospitais em centros sanitários (life-extension).
O hospital moderno é uma ideia e só poderá merecer esta denominação se estiver plenamente integrado na colectividade, desenvolvendo estudo e pesquisas sobre a comunidade, no propósito de servir, em todos os sentidos, o indivíduo e a população, vivendo dinamicamente os problemas da área onde actua, no firme propósito de curar, recuperar e reintegrar na sociedade o doente e auxiliar a manutenção da saúde e do bem-estar do são ».
Este o seu programa.
Diverso não é mesmo o concerto emitido pela própria Organização Mundial da Saúde, que define o hospital como sendo «uma entidade de diagnóstico e tratamento, que exerce a medicina curativa e preventiva da população e concorre para o bem-estar físico, mental e social dos indivíduos».
Sendo assim, o hospital, para ser considerado moderno, deve desenvolver dentro dos princípios técnicos e administrativos hospitalares actuais, as seguintes funções: função de diagnostico, função preventiva, função cientifica ou de pesquisa, função didáctica ou de ensino e função moral («Actividade da Saúde Pública do Hospital Dr. D. C. da Costa Alemão - Hospital de Hoje»).
Mais um depoimento autorizado a demonstrar que, ao pensar-se no equipamento em defesa da saúde mental, se deve instalar no hospital psiquiátrico o centro de todas as actividades.

11. Será fácil organizar instalações onde se internem os doentes de evolução prolongada.
Hoje não deve haver asilos, mas sim centros de recuperação. Todos os doentes podem e devem exercer uma certa actividade escolhida e regulada pelo psiquiatra.
O trabalho é remédio, é medicamento, aconselhado e doseado pelo médico.
A ergoterapia e a terapêutica recreativa proporcionam aos doentes um considerável bem-estar e representam importante benefício moral e material para a instituição para o doente e para o pessoal.
Em face disso, admite-se que uma grande parte dos crónicos hospitalizados deve ocupar empregos vigiados, viver em famílias próprias ou alheias sob vigilância de especialistas e de assistentes sociais, enfermeiras especializadas, visitadoras sociais, etc.
Admite-se no entanto que alguns terão necessidade, na verdade, de viver em instalações de internamento prolongado pois alguns deles como as estatísticas provam, lucram com um novo tratamento activo. Tem-se registado que 10 a 15 por cento desses doentes respondem muito bem a um segundo tratamento médico sistemático tratamento que lhes permite melhorar a sua vida no internamento. Um estabelecimento desta natureza praticamente não exige instalações especiais para diagnóstico e tratamento; mais não será preciso que as dos velhos asilos ou dos actuais albergues da policia completados com oficinas para recuperação e, se se atender a que a maioria dos doentes são antigos traba-(...)

Página 225

12 DE DEZEMBRO DE 1962 225

(...)lhadores rurais, o que mais interessa é que o centro de recuperação assim organizado fique instalado fora dos meios citadinos, numa grande área agrícola, que irá absorvendo a actividade dos doentes.
Prevê-se, pois, que é possível criar instalações para muitos centos de doentes, instalações simples, modestas, com higiene e limpeza, por baixo preço, e cuja manutenção - muito de atender - ficaria por baixo preço também.
Por outro lado, é de supor que o Hospital Sobral Cid, Lorvão, o Hospital Júlio de Matos, o Hospital Miguel Bombarda, o Hospital Conde de Ferreira e o futuro Hospital Magalhães Lemos, transformados em verdadeiros hospitais psiquiátricos, desembaraçados de crónicos, com apoio das clínicas psiquiátricas das Faculdades de Medicina e das formações neuropsiquiátricas dos hospitais regionais, permitam rapidamente uma cobertura do País sob o ponto de vista de assistência aos doentes mentais agudos.
Semelhante solução, a realizar em poucos anos, será bastante económica, visto as instalações caras na organização e manutenção já existirem em condições suficientes para bem cumprirem.
Mas há outro aspecto do problema a considerar.
O sucesso terapêutico, que geralmente se consegue nas formações psiquiátricas, constitui a principal razão do crédito e da confiança que o público tem na psiquiatria. Ora esse êxito depende, em grande parte, da qualidade e do número de elementos de trabalho. O pessoal tem de ser numeroso e bem categorizado, tanto sob o ponto de vista profissional como sob o ponto de vista de qualidades e de vocação.
Em nenhum outro ramo de medicina o problema da preparação do pessoal técnico tem tanta importância e influência como no caso da psiquiatria.
Fundamentalmente, é às Universidades que compete fazer o ensino da psiquiatria clínica, e da psiquiatria social, da psicologia médica e da psicoterapia.
Fundamentalmente, é às Universidades que compete despertar o interesse pelas doenças mentais nos médicos novos, atraí-los, e não aterrorizá-los. Às escolas de enfermagem especializadas compete a preparação conveniente das enfermeiras, auxiliares e do próprio pessoal auxiliar e pessoal menor, que precisa de ter uma formação e preparação bem especializada, tão grande e decisiva e a convivência deste pessoal com os enfermos agudos e crónicos e tão necessária é a organização de cursos de aperfeiçoamento e actualização dos conhecimentos de que este pessoal necessita.
A importância que desempenha na acção curativa e preventiva o trabalho do pessoal colaborante em toda a organização, a dificuldade em se encontrar pessoal de todos os graus com o conjunto de qualidades físicas e espirituais bastantes para um grande rendimento da sua acção, constitui, a nosso ver, o obstáculo maior à realização do plano que deixamos esboçado.
Ora, é precisamente naqueles hospitais psiquiátricos que se hão-de criar centros de ensino, centros de aprendizagem e centros de investigação que permitam resolver o nosso problema da assistência psiquiátrica e de higiene mental, dando assim satisfação à finalidade da lei sobre promoção da saúde mental.

12. Aprecie-se agora o problema das brigadas.
É bem fácil de compreender a pouca utilidade do estudo dos doentes feito pelas brigadas, em cujas consultas aparecem por vezes dúzias de doentes, muitos para primeiras consultas ...
O estudo consciente e completo de um enfermo desta natureza pode levar horas ...
O simples diagnóstico tem de assentar em causas físicas, psicológicas e sociais ou na combinação delas; terá de ser sujeito a uma minuciosa observação e a um estudo metódico em ambiente próprio; a decisão sobre a necessidade de internamento exige um estudo sobre o meio e as condições em que vive, como vive e com quem vive.
No diálogo, bem orientado, está muitas vezes a chave do diagnóstico.
Para eficiência do tratamento há que criar uma perfeita confiança e compreensão entre o médico e o doente; em muitos doentes não bastam os medicamentos e as boas palavras, mas é sempre necessário ter calma, afabilidade, serenidade, e não se impacientar mesmo perante grandes dificuldades; saber despertar no espírito do doente um optimismo fundamentado, como meio terapêutico. Ouvir o que o doente diz e como diz, inquirir das suas doenças, informar-se com os parentes, inquirir com habilidade; levá-lo a falar com sinceridade, averiguando com detalhe o que se passa no exercício da sua função, saber das suas relações e completar o exame com informações de outras pessoas, averiguar do que se passa com a família
Depois ... tem de se saber das preocupações que o atormentam, das dificuldades que o preocupam, das causas que o não deixam descansar, das esperanças que povoam a sua imaginação, dos factos da vida que mais decepções lhe causam ...
Se o doente se defende e não está sendo sincero, há que chegar a conclusões fundamentadas com factos observados no mundo exterior.
Se o doente divaga e se afasta do assunto, há que pôr fim ao monólogo.
O médico da brigada não deve contentar-se em fazer o diagnóstico clinico tem que fazer o diagnóstico etiológico. Não basta pois a exploração clínica, mesmo à custa dos novos métodos de investigação; o diagnóstico dado pelo laboratório, diagnóstico desumanizado, sem o estudo da personalidade do doente, nas doenças do espírito mais do que nas outras, não nos conduz a uma terapêutica adequada e eficiente. Há que voltar ao velho critério humanista, tomando em consideração, e em grande consideração, todos os factores que dizem respeito ao indivíduo, à família, actual e passada, ao meio e às condições em que o doente desenvolve a sua actividade.
E quantas vezes depois de um minucioso exame não se descobre causa agressiva que justifique o estado do doente ... É que a causa está na própria vida, e contra a vida dura e má não há remédios nas farmácias!
Ora, toda esta conversa médico-doente tem de ser necessariamente demorada, sem pressas nem precipitações, de modo que o doente se abra perante o médico, sinta que ele está interessado e que com paciência procura conhecer a doença e o doente. O exame exige pois um ambiente próprio de calma e tranquilidade que permita criar confiança. Mas a verdade é que não é principalmente perante doentes às dúzias, que aguardam a brigada, que muitas vezes chega tarde e em suspense perante tão elevado número de doentes, que se cria o clima indispensável a um bom exame, a uma boa terapêutica ...
Pelo contrário, estes factos agravam o estado de espirito dos doentes, pois poucas horas podem demorar a consulta porque outras consultas esperam noutra localidade, onde outros doentes já esperam ...

Página 226

226 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

Resultado em muitos casos não se faz diagnóstico ou faz-se um diagnóstico provisório; às vezes poderá etiquetar-se o doente com um diagnóstico
definitivo ...
Passadas semanas, nova brigada, mas com novos médicos; atendem-se, como é natural, as primeiras consultas; não há tempo de atender as segundas, as terceiras e todas as demais; não há pois possibilidade de completar ou rectificar as observações. E como observar os doentes em tratamento ambulatório antigo, os doentes em regime de ensaio e tantos outros? Como ouvi-los para alteração ou mudança de terapêutica? Como tomar conhecimento das modificações operadas, das intercorrências e de alterações ligadas à evolução da doença?
Qual a repercussão social e humana que se opera nos doentes e famílias que se deslocaram de longas terras, com dificuldades de toda a espécie, até mesmo ligadas às características do doente, e que têm de regressar a casa sem consulta, sem conselhos, sem tratamento e com despesas feitas?
Estes apontamentos, muito esquematizados, só servem para demonstrar que há necessidade de uma cobertura neuropsiquiátrica da Nação mais produtiva e de maior eficiência.

Como?

Criando:

1.º Dispensários centrais junto de cada hospital psiquiátrico;
2.º Dispensários regionais em algumas sedes de distrito;
3.º Dispensários sub-regionais nas cidades ou regiões de grande densidade de população.

O dispensário central, dispensário do hospital psiquiátrico, terá sob sua dependência e fiscalização os dispensários regionais, cada um dos quais superintenderia sobre um grupo de dispensários sub-regionais.
Em cada dispensário regional haveria um ou mais médicos psiquiátricos.
Exemplifiquemos:
Coimbra possuiria um hospital psiquiátrico com o seu dispensário central.
Na Covilhã haveria um dispensário regional, ligado ao dispensário central, e sob sua dependência dispensários sub-regionais em Castelo Branco e Guarda;
Em Viseu, um dispensário regional, ligado ao dispensário central, que teria sob sua orientação dispensários em Lamego e Aveiro;
Em Leiria, um dispensário regional com dispensários sub-regionais em Caldas da Bainha e Figueira da Foz;
Em cada dispensário haveria duas consultas semanais, sempre pelo mesmo psiquiatra, director do dispensário regional; quer dizer com três médicos-psiquiatras, independentemente do pessoal do dispensário central, é possível fazer na zona centro uma assistência psiquiátrica suficiente e dentro das exigências que a psiquiatria moderna recomenda.
Os dispensários poderão ter a sede própria, mas é de recomendar que vivam dentro do hospital local ou fazendo parte de qualquer outra organização de assistência neuropsiquiátrica. Não se deve adoptar uma norma rígida para a integração deste serviço de saúde mental nas instalações sanitárias locais, públicas ou particulares.
A única dificuldade a pôr à execução deste programa de assistência mental está certamente, na falta de pessoal de enfermagem convenientemente preparado sob o
ponto de vista técnico e social, pois é de absoluta necessidade que o serviço seja o mais aberto possível, de maneira que a osmose entre o serviço e a colectividade se torne permanente, obrigue a um contacto estreito e a uma supremacia efectiva sobre o público, de modo a conseguir-se, muitas vezes, a cura do doente sem o retirar do meio em que vive, podendo até actuar sobre esse mesmo meio e impedindo que o estado dos doentes evolucione de forma a tornar indispensável a hospitalização, impedindo as recaídas dos antigos hospitalizados ou procurando mesmo impedir que a doença evolucione até à cronicidade.
Ora estes objectivos não podem conseguir-se com as brigadas em passagem fugaz, mas sim com os postos de observação e tratamento psiquiátrico, onde deve actuar permanentemente o pessoal de enfermagem e do serviço social e, em dias alternados, o médico especialista, o qual tem de estar sempre presente. Só com semelhante organização os doentes serão observados e acompanhados psiquiàtricamente, como convém e o projecto aconselha, com regularidade e frequência.
É da maior importância realizar um certo número de averiguações sobre os doentes saídos dos hospitais psiquiátricos, a fim de inquirir a influência que tem na evolução de cada doença o sexo, a idade do doente, a duração da hospitalização, o tipo de tratamento aplicado, as condições sociais e o meio para onde o doente vai à saída do hospital e ainda a frequência das recaídas e remissões.
Há que averiguar, com relativa precisão, as doses dos medicamentos aconselhadas nas tratamentos extra-hospitalares e bem assim saber dos problemas que surgem para a família pelo uso daquela medicação; há que determinar também as instruções a fornecer à família e bem assim as medidas a adoptar pelos serviços públicos, a fim de serem vigiados convenientemente os doentes com alta, de modo a evitar complicações graves, evitar as presumíveis, proteger o doente, a família, a colectividade, e por fim facilitar a readaptação do doente à vida no exterior.
Ora estas e muitas outras questões de grande interesse para a compreensão e resolução de muitos problemas pelos psiquiatras não podem ser esclarecidas pelos médicos das brigadas, que, em marcha muito acelerada, percorrem em correria o País, sem aquele sossego, tranquilidade e ponderação que a importância dos assuntos exige (as brigadas gastam mais tempo nas viagens que em consultas e tratamentos). Mas todos estes problemas e outros estudos epidemiológicos, sociológicos e sociopsicológicos só podem ser enfrentados com consciência e sucesso através da organização dos dispensários regionais e sub-regionais, como fica preconizado.
E depois ... só com este equipamento e com esta organização será possível aplicar à psiquiatria as técnicas epidemiológicas, obtendo das doenças tratadas e não tratadas de uma determinada colectividade dados, na verdade indispensáveis, para instalar devidamente os serviços psiquiátricos, e bem assim inquirir certas características da população relacionadas com os costumes, a organização social, o ambiente, capazes de ter influência sobre o aparecimento e desenvolvimento das perturbações mentais, e ainda a acção de cada uma delas na sua estrutura etiológica.
As técnicas epidemiológicas constituem pois um instrumento indispensável para se julgar da prevalência e da incidência das perturbações mentais em determinados grupos de população, para se saber do uso que (...)

Página 227

12 DE DEZEMBRO DE 1962 227

eles fazem dos serviços existentes e se presumir do provável resultado das modificações ou alterações que forem sendo introduzidas na organização vigente.
Não é pois com as brigadas e nas brigadas que se podem seguir estes novos rumos da psiquiatria de hoje.
O estudo destes doentes exige cuidados muito particulares e o uso de uma táctica e de uma técnica bem especializada. O médico não pode limitar-se a conhecer o doente por fora; precisa de penetrar na sua alma e viver os seus problemas.
Não podem ser vistos cinematogràficamente, em desfile contínuo, por vezes em número de dezenas, em ritmo mais ou menos acelerado. Eles têm de ser vistos pelo médico, e não o médico visto por eles.
«Hay que seguir a los mismos enfermos - dizia Baruk - pues la experiência más fructuosa en psiquiatria es trabajar en profundidad y non en superfície. No se puede juzgar del valor psico-patologico de una vida por haberla observado durante un acto o un entreacto».
A observação do doente, a história clínica do doente, tem de ser completa e perfeita. A biografia incompleta e imperfeita leva certamente a um caminho errado; com ela não se chega à cura. Estes doentes são mais difíceis do que os doentes somáticos. Estes colaboram com o médico; os mentais muitas vezes procuram desorientar o médico. Mas é preciso conquistar o doente, para isso necessita de merecer a sua confiança; não basta estudá-lo e compreendê-lo, é preciso querer-lhe muito; necessita quase sempre mais de ternura do que de remédios. O espírito é o melhor instrumento para curar outro espírito.
Ora os métodos e a orientação de que depende um diagnóstico certo e uma terapêutica activa e eficiente não se podem conseguir no regime das brigadas a serem vistas ... pelos doentes ...
Só a criação sugerida de dispensários poderá conseguir uma assistência psiquiátrica no País com resultados seguros e em curto prazo; só assim se obterá uma obra de profilaxia que oporá um dique ao número crescente de doentes mentais e portadores de anomalias de carácter e de comportamento.
Esta a realidade dos factos, apesar do esforço enorme despendido pelo Estado e pelos médicos, que, com a consciência do dever cumprido, têm dedicadamente procurado vencer a insuficiência e deficiência da assistência psiquiátrica no País!
De quem a culpa?
Do grande número de doentes e do pequeno número de psiquiatras, além de outras razões, comuns em todo o Mundo.
Não vemos razões invencíveis que se possam opor, com resultado positivo, ao planeamento sugerido e a estudar que fica esboçado.
Cremos que nem o factor económico o poderá contrariar, pois a organização das brigadas como funcionam, não será muito menos dispendiosa do que a rede dos dispensários... De resto, o programa pode ser executado em fases, nada obriga a cumpri-lo de um jacto; o que interessa é aceitá-lo e estabelecer um ritmo de trabalhos de maneira a adquirir-se a certeza de que, dentro de um prazo - três ou quatro anos -, todas as cidades terão um estabelecimento de assistência neuropsiquiátrica ligado a uma rede de outros estabelecimentos, que permitam a cobertura suficiente e eficiente da nossa terra para se fazer a profilaxia das psicoses e o tratamento integral dos doentes do espírito.

13. Compreende a Câmara, no entanto, que provisoriamente a cobertura do País por meio de dispensários seja insuficiente. Para este período provisório - e só para ele - aceita a persistência das brigadas, com todos os seus inconvenientes.
Assim se justifica a base XVII do projecto da Câmara.

14. Cremos que a maior dificuldade em se conseguir para breve uma organização psiquiátrica suficiente e eficiente esteja na falta de pessoal técnico, maior e menor, necessário ao bom funcionamento das diferentes unidades psiquiátricas.
Uma enfermeira psiquiátrica não se improvisa, e em nenhum ramo da medicina o papel da enfermagem tem igual importância e exige tão complicada formação. Poder-se-á mesmo afirmar que o êxito do diagnóstico, mas sobretudo da terapêutica, depende da maneira, como a enfermeira souber cumprir.
Os métodos de educação da enfermeira psiquiátrica têm de seguir paralelamente a marcha das doutrinas e da técnica de diagnóstico e de tratamentos usados nas doenças do espirito.
A sua educação tem, pois de estar sempre actualizada.
Que distância da enfermeira simples guarda do doente mental as enfermeiras de hoje, sabedoras dos métodos terapêuticos a aplicar aos doentes, com conhecimentos, técnicos e práticos, da formação e desenvolvimento da personalidade, conhecedoras das técnicas da conduta humana, dos conceitos de angústia, dos aspectos sociológicos da assistência psiquiátrica, dos métodos de trabalho «em grupo», no propósito de se criar um ambiente da vida colectiva análogo ao ambiente para onde o doente há-de voltar!
E depois ... o problema do número de enfermeiras e de auxiliares é grave problema, que, em geral, as administrações não compreendem, podendo o facto originar sérias dificuldades e até impossibilidade de bons efeitos no tratamento dos doentes! Só a enfermeira com as habilitações referidas poderá conhecer perfeitamente os seus doentes e conhecer a sua personalidade, isto é, as suas particularidades, as suas excentricidades, qualidades e sintomas, a sua conduta, as suas conversações e actividade preferidas; só então a enfermeira compreenderá que é preciso respeitar o doente, considerando-o um ser humano, tratá-lo, acarinhá-lo, cuidá-lo com atenção e com interesse e não ... suportá-lo!
A enfermeira precisa, por consequência, independentemente de conhecimentos técnicos, de possuir um conjunto de predicados especiais, que formam a sua vocação, apropriada e destinada a tão delicada missão.
Em tais circunstancias e com tal pessoal, o doente encontra-se protegido, encontra-se acompanhado, e não repelido, como sucede quando, erradamente, se lhe mostra que é um ser à parte das pessoas normais! O doente, em muitos casos, procura refugiar-se e é para a enfermeira que apela nos momentos de maior perturbação.
A enfermeira ouvindo, falando, aconselhando, sugestionando, explicando, torna-se em sua confidente e consegue modificar as desordens de comportamento, as perturbações de conduta... E quantas vezes, inquirindo das causas no passado do doente, das suas relações e reacções com o meio social em que vivia e em que vive no próprio hospital, consegue uma série de dados da maior importância para ser regulado e ordenado o melhor tratamento contra o estado psíquico do doente!

Página 228

228 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

A enfermeira terá, pois, de viver com o doente, acompanhando-o e estimulando-o no trabalho; pacientemente procurar mesmo que o próprio doente tente solucionar por si os seus problemas; não o desamparar, nem deixar de ser a sua colaboradora fiel. Só assim conseguirá interpretar o espírito da terapêutica activa de Zeller - estimular o que há de são no doente e reprimir o que há de doentio.
A enfermeira terá de saber também trabalhar «em grupo», método a que, modernamente, se liga excepcional importância como complemento de assistência individual.
As enfermeiras têm de estar preparadas para dirigir discussões de grupos reduzidos de pessoas, método que os hospitais psiquiátricos usam com grande proveito, chegando alguns a considerá-lo elemento indispensável de tratamento e de administração. Nenhum hospital que haja posto em prática semelhante técnica volta a usar as antigas práticas administrativas.
Alguns estabelecimentos organizam mesmo essas reuniões com um escolhido e determinado programa. Evidentemente, uma boa enfermeira tem de possuir conhecimentos e aptidões que lhe permitam colaborar e, até, orientar e dirigir tal tipo de actividade.
Um dos maiores factores de cura no hospital psiquiátrico está precisamente no ambiente psicoterápico que nele exista. É criado à custa de um conjunto de condições fundamentais respeitar a personalidade do doente, mostrar confiança aos doentes, estimular a sua boa conduta, dar-lhes a impressão de que os julgamos capazes de tomarem iniciativas e responsabilidades, dar-lhes sempre uma actividade.
Pois bem, este conjunto de factores, de elevado valor terapêutico, é manejado pela enfermeira por meio da sua acção directa junto dos doentes, conversando, explicando, sugestionando, consultando-os até sobre todos os problemas de administração e, ainda mais, encarregando os doentes de actividades cada vez mais complicadas e mais difíceis, no propósito de os ir levando para uma vida normal.
A enfermeira, ligando-se ao doente, sabendo dos seus receios e das suas preocupações, conhecendo as incompatibilidades com as pessoas e com o ambiente em que o doente viva pode colaborar imediatamente e com proveito, mesmo nos casos agudos, embora muito delicados, na sua solução rápida!
A enfermeira, dentro de sua tríplice função - técnica, pessoal e pluripessoal -, pode e deve, na verdade, desempenhar a mais importante acção terapêutica.
A enfermeira junto do doente desempenhará, pois, um papel activo e permanente como observadora e como colaboradora; tem de acompanhar o paciente em todas as suas atitudes e reacções, saber registá-las, interpretá-las, fazer um relato, a transmitir ao médico em relatório, dos pensamentos, sentimentos e acções que descobriu e verificou no doente.
Todos estes pormenores, talvez excessivos e dispensáveis, servem sobretudo para mostrar a influência extraordinária que tem, na vida e nos êxitos dos estabelecimentos de assistência psiquiátrica, o pessoal de enfermagem, a sua vocação, a sua preparação, a sua formação; servem ainda para chamar a atenção sobre a grande necessidade de se proceder à instalação condigna e funcionamento perfeito das escolas de enfermagem psiquiátrica, mesmo que isso represente valioso encargo financeiro para a Nação.
Delas depende, em grande parte, o rendimento desta dispendiosa e complicada organização, que há-de ser a assistência psiquiátrica no nosso pais.

15. Vivemos numa sociedade em plena evolução, onde tudo muda, tudo se discute, de tudo se duvida, numa ânsia de mudança, de transformações, de novas soluções.
A própria criança surge no meio desta agitação, nesta inquietação, e hoje sabe-se bem da influência do ambiente na formação da sua personalidade.
Os conhecimentos modernos da pedagogia científica, a descoberta e a aplicação da psicanálise fizeram nascer novos métodos, novos sistemas de educação, que não pode ser a educação severa de outrora, por vezes autentica tirania, nem tão-pouco a educação amimalhada.
A educação cientifica, aconselhada, moderna, humanista, fundada nos conhecimentos da psicologia da criança, não fará dela nem um autónomo, nem um abúlico, nem um conformista, nem também um inconformista mas deve procurar formar os indivíduos com condições de vontade, de iniciativa e de compreensão - que os levam a trabalhar para um meio mais justo e mais humano.
Exprime-se no projecto em estudo o desejo, bem justificado, de que mereça um interesse muito especial o problema dos desadaptados sociais, problema que leva à delinquência juvenil, e bem assim de que se cuide da organização de um movimento, activo e intensivo, de modo a pôr cobro a certos excessos que parece quererem estender-se através do País, grave perigo do nosso tempo, que urge combater, ou melhor, remediar.
Reclama-se da higiene mensal que procure suprimir as causas, entre as quais se contam defeitos de educação e defeitos do meio social em que se vive.
Há que lutar contra a doutrina de respeitar em absoluto a personalidade da criança, deixando-a expandir e manifestar livremente as suas tendências e impulsos afectivos e instintivos sem qualquer interferência de direcção e orientação. Assim nasce na criança o espirito de rebeldia e assim se torna insociável.
Por outro lado, o abandono dos filhos pelos pais, o afastamento em que vivem, a desobediência e a falta de respeito pelos próprios pais, levam, necessariamente, a insubmissão e rebeldia que minam a juventude de hoje.
É preciso não esquecer que a formação dos homens de amanhã depende dos cuidados e da educação que se derem à juventude de hoje. É preciso não lhe dar tanto, é absolutamente indispensável pedir-lhe mais.
As crianças precisam de começar cedo a sentir a vida, a sentir a sua dureza; é preciso prepará-las para a suportar e prepará-las para enfrentar as dificuldades que ela traz. Sem tirania, mas sem maneirismos exagerados, há que agir através de todos os meios da lei e da higiene mental, no sentido de reprimir as aflorações anárquicas e de rebeldia que vão surgindo, desgraçadamente, num ou noutro ponto. É trabalho urgente a pôr em prática, porque os novos têm tendência sempre a copiar o que tem teatro, o que pode ferir a sensibilidade do público e causar escândalo ; trata-se, pois, de casos de profilaxia, resultantes da inadaptação social destes exibicionistas, obra das mais urgentes e mais precisas, por isso se exprime o desejo de que se encare com especial cuidado o problema da educação da mocidade, educando quem precisar de ser educado, castigando quem não for educável, responsabilizando quem tiver culpa, modificando as condições do meio.
É obra de educação nacional, a realizar com a colaboração de todos os organismos de saúde pública, de saúde escolar, de higiene mental.

Página 229

12 DE DEZEMBRO DE 1962 229

Há que cuidar também dos estudantes e crianças nas escolas, seja qual for o grau de ensino, há que educar os educadores, há mesmo que ter em conta o valor de factores culturais e sociais e apreciar a sua influência sobre a sanidade mental, utilizando a acção combinada do psiquiatra, do psicólogo e do antropólogo.
Não esqueçamos que do valor e da natureza dos cuidados prestados pelos pais nos primeiros anos depende, em grande escala, a saúde mental dos filhos, como o tem demonstrado o tratamento psicanalítico dos adultos, a psicanálise das crianças, e como é de concluir ainda dos trabalhos de psicólogos e psiquiatras especializados na protecção à infância.
A criança, desde os primeiros tempos, tem de viver e crescer numa atmosfera amorosa, e ligada à mãe por laços afectivos, íntimos e constantes, motivo de grande satisfação e alegria para os dois.
Graças a esse sentimento afectivo, os estados de angústia e culpabilidade, cujo desenvolvimento exagerado caracteriza a perturbação da saúde mental, serão disciplinados e ordenados. Da mesma maneira, as exigências características e contraditórias da criança - desejo de amor ilimitado da parte dos pais e desejo de vingança quando tem a impressão de que os pais não a amam bastante - manifestar-se-ão sob uma forma moderada e serão mais facilmente submetidas ao controle da personalidade que desperta.
A complexidade, a riqueza e os benefícios destes laços afectivos entre a mãe e o filho durante os primeiros anos presidem, segundo os psicólogos, ao desenvolvimento do carácter e da saúde mental.
A carência dos cuidados da mãe tem pois uma perigosa repercussão, criando perturbações da estrutura psíquica da criança, e mais tarde sobre o desenvolvimento do carácter.
É necessário, pois, sair do campo doutrinário e entrar activamente no campo das realizações. A palavra de ordem tem de ser acção; fala-se muito e faz-se pouco. Precisamos, como nunca, da acção dos higienistas da mente (psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos) sobre os pais, as famílias, os professores, as escolas, os médicos escolares, os chefes das oficinas e escritórios, no sentido de melhoria das relações humanas, da compreensão da personalidade, da adaptação à vida e da harmonia interna do próprio e de cada qual em relação aos outros.
«Criem-se centros de saúde, centros médicos, pedagógicos nas escolas, liceus e Universidades. Multipliquem-se os dispensários de higiene mental com a finalidade de dar consultas psicológicas e promulgar medidas profilácticas (do alcoólico, toxicomaniaco e outras) e do cultivo da saúde mental» (Prof. Baraona Fernandes).
Verificada a impossibilidade de conceder ao homem de hoje o bem-estar que deseja e para o qual lhe não foi dada formação bastante, há que orientar para a criança toda a actividade no sentido de a tornarmos feliz, com mens sana in corpore sano. É obra que pode começar, e deve começar, na primeira infância, continuar na adolescência e seguir através de uma rede de meios de acção e de prevenção durante toda a vida escolar, de modo a serem assistidos os próprios adolescentes em centros universitários e em centros das escolas técnicas, onde nada - nem instrumentos, nem especialistas - deverá faltar, de maneira a ser possível determinar até - com relativa exactidão - a orientação profissional, a vocação de cada um.
É preciso, por consequência, adquirir um equipamento eficiente que cuide e acompanhe, o mais cedo possível, a criança, observando e interpretando todas as suas manifestações, acompanhando a evolução da sua personalidade.
Sabe-se que, em higiene mental infantil, interessa sobretudo a despistarem precoce dos casos, indo ao seu encontro, e não aguardando que os casos vão ao encontro do médico.
Hoje, entre nós, este problema é de quase impossível solução; semelhante tarefa era, até há pouco tempo, como diz o Prof. Vítor Fontes, desempenhada pelo medico da família, personalidade que, infelizmente, tende a desaparecer.
«Conhecedor do organismo de todos os membros da família, dos seus factores hereditários, das condições e do ambiente da vida familiar, do passado psíquico, das reacções de cada um perante as próprias doenças e em face uns dos outros, o médico de família era o primeiro a surpreender as alterações psicológicas no comportamento da criança e era o primeiro a fazer a sua despistagem precoce». É bem que acabará em breve ... A satisfação das necessidades médicas elementares de uma família exige hoje os serviços de nada menos de seis médicos: um obstetra, um pediatra, um otorrinolaringologista, um cirurgião, um psiquiatra e um internista!
A doutrina em voga de que um mesmo médico não tem competência para tratar filhos, pais e avós dos dois sexos é inteiramente falsa e faz perder as vantagens que resultavam de o mesmo clínico conhecer e seguir, durante gerações, todos os membros do mesmo grupo familiar.
Daí a necessidade de o fazer substituir no futuro, sob o ponto de vista de higiene mental da criança, por pediatras que ainda, não existem, e cuja especialização terá de ser fortemente vincada por largos conhecimentos de neuropsiquiatria infantil, conhecimentos que os habilitem à descoberta precoce de todas as anomalias de ordem mental e ao seu envio imediato para os dispensários de higiene mental infantil, cuja criação se reputa da maior importância. Nada mais urgente que a campanha vigorosa a instituir a favor do futuro mental do nosso povo - começando pela despistagem precoce das crianças suspeitas de alteração mental. É pois por aqui que se tem de começar.
O rendimento previsto para já desta lei de promoção da saúde mental será bastante reduzido quando aplicada aos adultos; evidentemente, haverá doentes que hão-de melhorar, doentes que hão-de curar-se, doentes que hão-de reabilitar-se, mas a grande finalidade esperada e desejada - evitar a doença, evitar os doentes, enfim obra grande de profilaxia e de prevenção - só se obterá aquando da sua aplicação à criança.
Como proceder então?
No caminho da multiespecialização, que a medicina de hoje desorientadamente segue, constitui programa mínimo ter pediatras com uma boa formação neuropsiquiatra e encarregá-los de despistar as crianças anormais, embora semelhante função devesse pertencer verdadeiramente ao pedopsiquiatra.
Pretende-se por isso chamar a atenção, muito especial, para a instalação, sempre que possível, de dispensários de higiene mental infantil, destinados a essa profilaxia e despistagem precoce das perturbações mentais nas crianças durante todo o crescimento, indo ao encontro - repetimos, porque é fundamental - das crianças, e não esperando que elas lhe sejam entregues pêlos (...)

Página 230

230 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

pais já depois de suspeita ou de declaração confirmada de alterações mentais. Não esquecer que os benefícios da terapêutica psicopedagogica dependem da precocidade da sua aplicação.
Dispensários onde se trabalhe em equipa, com a colaboração de um pedopsiquiatra, de um pediatra, de assistentes sociais especializadas de um psicólogo, de um pedagogo, de um policlínico.
Poder-se-á dizer que neste pensar há muito de teoria e pouco de objectivismo de possibilidades. Não temos, presentemente pessoal formado, nem condições de o formar com brevidade. É certo, mas poder-se-ão organizar outros grupos de trabalho, mais modestos, mas bastante eficientes também, em que actuem sobretudo assistentes sociais competentemente especializados e pedagogos.
Na acção das assistentes sociais observando muitas vezes a criança e sabendo registar o que houver de estranho, conhecendo e vivendo o meio familiar, resolvendo os problemas e conflitos sociais que formam o clima em que a vida decorre, se encontrará a peça fundamental sobre a qual têm de raciocinar o pedagogo, o médico e o psicólogo.
Dentro desta, orientação, é possível realizar já uma obra, embora modesta, mas de resultados garantidos, que amanhã terá glande e benéfica influência sobre o estado mental do nosso povo.
Comecemos pois, mas já pelo princípio e segundo as nossas possibilidades [...] que são estas.

16. Das toxicomanias, o alcoolismo constitui para nós o perigo social mais importante, importante como gerador de loucos, gerador de criminosos, gerador de acidentes de trabalho e de viação, gerador e impulsionador de doenças graves que levam a hospitalização e frequentemente à morte.
Não contando com a sua influência na origem de atrasados e de delinquentes juvenis - «quand les parents boivent, les entants trinquent» (Villemot).
A verdade indiscutível e que o alcoolismo, causa ou afeito de doenças mentais, representa um grave perigo nacional, que a lei de promoção da saúde mental precisa de encarar de frente e tentar resolver. Problema deveras difícil no nosso país em que os trabalhadores - homens e mulheres - exigem litros de vinho por dia como complemento de salários; no nosso país, em que a taberna é o casino dos pobres e os negócios se tratam entre dois copos.
O problema da luta contra o alcoolismo é ainda difícil pelo tipo do nosso bebedor; bebe todos dias, bebe muitas vezes por dia e o uso e abuso do vinho nestas condições, criando intoxicações crónicas, gera muito mais o aparecimento de cirroses, de delírio, de psicoses alcoólicas.
Em todos os países, e em especial na Suíça, se procura estabelecer uma frente contra este flagelo social.
Medidas de rigor, e por vezes violentas, estão em uso no sentido de evitar mesmo levíssimas de embriaguez: as autoridades estão habilitadas e apetrechadas para o diagnóstico da intoxicação alcoólica, provada e comprovada por vários meios e reacções vulgarizadas no seu emprego até [...] pela policia de trânsito habilitada a [...] a alcoolemia pelo metodo colorimétrico ou a colher e enviar o sangue para dosear a taxa do álcool nele existente.
È de louvar o propósito verdadeiramente patriótico de fazer a prevenção e a cura do alcoolismo como flagelo social, flagelo digamos generosamente tolerado e até aceite pela nossa população. A psiquiatria, adoptando a sua técnica, tem de organizar o combate, tem de provar que é falso o conceito de que « quem bebe beberá» [...] e que é igualmente falsa a afirmação de que a campanha a encetar terá «aussi peu d influence sur un alcoolique qu,un astronome sur les cours des autres»
Não basta um centro de desintoxicação, útil e mesmo indispensável, para os casos graves e perigosos, há que considerar dispensários com o respectivo serviço social, ujas vantagens são reconhecidas pela facilidade de prestar serviços nas curas ligeiras e ainda pela assistência psicológica e psiquiátrica que podem prestar, visto o alcoólico ser sempre um fraco, que perdeu a liberdade de se abster do álcool e que necessita em primeiro lugar de fazer a sua desintoxicação mental.
Parece-nos, pois, que o programa a estabelecer terá de enfrentar o alcoolismo [...] através de uma lei que permita a captura de todo o individuo que na via pública se apresente em estado de embriaguez, e [...]quanto ao alcoolismo[...], hospitalização obrigatória tal como as doenças venéreas em período de contágio(Estados Unidos e Suíça).
Em França, nos casos de periculosidade de alcoólica, há obrigação para o doente de se submeter e suportar a cura, com a existência de sanções penais para os casos de recusa.
A alta é concedida depois de declaração por escrito, feita pelo doente de que não voltará a beber.
Em caso de [...], há lugar a hospitalização prolongada depois da cura, e no caso de incorrigibilidade do bebedor, a segregação.
Poderão parecer violentas estas medidas, mas não o são de vicidade, se entendermos e nocividade do alcoólico.
O alcoólico e prolífico e nas piores condições. A taxa da mortalidade infantil é considerável. Segundo elementos estatísticos suíços entre os sobreviventes há apenas 13 a 2 por cento de crianças normais.
Nos restantes atraso mental, epilepsia, perversão etc.
Criminalidade infantil entre 338 crianças delinquentes 117 heredo-alcoólicas.
Família de alcoólicos dramas, crianças mártires, contaminação alcoólica.
Abandono moral das crianças vagabundas, vadiagem, manifestações patologias variadas, progressivas prolongadas, conduzindo e demência.
Há ainda um problema grave, que poderiamos intitular alcoolismo e segurança.
Nas causas dos acidentes provocados pelos automobilistas é considerado o número das que são imputáveis ao estado de imbibição alcoólica dos condutores ou de verdadeira embriaguez.
A maior frequência dos acidentes regista-se aos sábados e aos domingos .
Nos serviços de cirurgia de urgência verifica-se muitos casos de acidentes - 33 por mil - incidem em indivíduos em estado de embriaguez ou de imbibição alcoólica.
Em 11 acidentes hospitalizados, 7 apresentavam alcoolemia superior a 2,5 por mil.
Nos traumatizados cranianos alcoolemia superior a 1 por cento em 58 por mil.
Em outros traumatizados, idêntica a taxa de alcoolemia em 38 por mil.
A mortalidade nos traumatizados cranianos alcoolizados é duplo da que se regista nos traumatizados não alcoolizados.

Página 231

12 DE DEZEMBRO DE 1962 231

Em vários países existe legislação que institui de forma sistemática e obrigatória a verificação da alcoolemia, não só para os casos de acidentes de circulação, mas também quando não há acidente (delito de condução em estado de embriaguez)
Muitos outros problemas referentes no alcoolismo e aos alcoólicos (indemnização nos casos de acidente de trabalho, capacidade civil do alcoólico e outros) devem ser estudados em colaboração com a psiquiatria.
17. É axiomático que tem de fazer parte da educação sanitária do público a higiene mental.
Reconhece-se que a acção educativa é sobretudo eficiente quando prestada ao indivíduo isoladamente, ou a pequenos grupos de indivíduos, e quando o educador conhece o meio e o meio o conhece a ele.
Pelo contrário, a colectividade reage e a acção torna-se inoperante ou mesmo perigosa se aparece um desconhecido a querer orientá-la.
Compreende-se, portanto, que a função educativa sobre higiene mental lucra em ser exercida pelo pessoal de saúde pública, aquando do seu trabalho diário na solução de problemas individuais, na discussão dos problemas de grupos enfim em todos os casos em que tenha de actuar. Quando o agente de saúde pública é sabedor , está dentro dos assuntos e da técnica, possui conhecimento de princípios de pedagogia e tem uma clara noção dos mecanismos psicológicos fundamentais que presidem à aceitação ou à recusa das doutrinas ensinadas, notável e muito eficiente pode ser a sua acção a respeito da higiene mental.
Por outro lado, não se podem descurar as relações que devem existir entre a organização da higiene mental e a administração dos serviços de saúde pública
A Administração não pode desinteressar-se dos problemas essenciais da higiene mental e tem de os integrar no seu trabalho administrativo.
A Organização Mundial da Saúde formulou mesmo recomendações concretas sobre a introdução dos princípios de saúde mental na prática dos serviços de saúde pública.
Presentemente dá-se grande incremento ao tratamento dos doentes de doença prolongada, em regime ambulatório ou em regime familiar, sob o controle de um psiquiatra e com a ajuda da enfermeira de saúdo pública e das enfermeiras visitadoras sociais. Estas e outras razões justificam o desejo da Câmara, expresso mais adiante (1) de que faça parte do conselho técnico do Instituto de Saúde Mental um representante da Direcção-Geral de Saúde e outro da Direcção-Geral dos Hospitais.
Acresce outra ordem de considerações
A função base de qualquer hospital é o tratamento dos doentes.
O hospital psiquiátrico distingue-se do hospital geral simplesmente porque se especializa no tratamento das neuroses e das psicoses
A experiência colhida no tratamento dos enfermos tem provado que há necessidade de uma estreita ligação entre os hospitais e os serviços de saúde pública, para vantagem mútua, e mais tem provado que aos hospitais gerais se devo atribuir uma função preventiva; e, pelo que diz respeito aos hospitais psiquiátricos, é necessário que, diz a Organização Mundial da Saúde, «não limite as suas actividades à acção terapêutica, mas que as actividades preventivas façam parte integrante das suas funções normais, como centro de protecção, que é, da saúde mental no sentido mais amplo da palavra»

18. Quem conhece a evolução da psiquiatra através dos tempos e não desconhece a história da assistência aos doentes mentais no nosso país conclui que Portugal esteve sempre em dia com ai doutrinas e as práticas aceites nos meios mais civilizados.
Também temos uma galeria de psiquiatras muito ilustres, de larga nomeada, mesmo para além das nossas fronteiras; psiquiatras que dedicaram a sua inteligência ao estudo dos problemas da psiquiatria e entregaram o coração a resolver com humanidade, os graves problemas destes pobres enfermos. Em nenhum ramo de medicina se tem manifestado maior inquietação e mais instabilidade; vive-se verdadeiramente em terreno movediço; doutrinas que pareciam ter atingido a verdade foram de repente projectadas a distância, restando delas apenas fraca, (...) quando não triste lembrança, para serem substituídas, em cinto prazo, por ideias antípodas. Haja em vista o passado no Congresso de Amiens, onde, em verdadeira batalha, os anti-isolacionistas foram completamente derrotados pelos isolacionistas que se limitaram, a maneira de condescendência, a decimar que a «cuia livre» em certos casos, pode ser útil... mas só em certos casos! Pois hoje o problema rodou 180 graus; só em casos muito excepcionais se vai para a reclusão
A psiquiatria, durante séculos sem categoria de ciência, prepara-se hoje para ser a base de toda a ciência médica. E talvez tenha razão
Os psiquiatras têm sempre um diagnóstico a pôr a tudo e a todos...
«La escuela psico-analitica considera a todo o indivíduo más o menos neurótico ...» Ou, como dizia Dudrene «Cette extension abusive du rôle du psychiatre qui aboutit à proposer pour tout conflit de groupe, que ce soit un conflit économique ou politique, que ce soit un conflit national ou international, une interprétation psychopathologique et une solution psyclioterapique . »
É bem a desforra de quando eram mal tratados e, no conceito dos povos, se dizia «La psychratrie c'est la medicine dês fous prodiguée par d´autres fous».
Fechado este parêntesis anedótico, todos recordam, com elevada admiração, os grandes psiquiatras Miguel Bombarda, Júlio de Matos e Sobral Cid. o mestre orientador dessa plêiade brilhante de psiquiatras novos sôfregos de estudo e de trabalho, a quem se pode confiar, com fé e segurança, a moderna e activa assistência psiquiátrica de absoluta necessidade no nosso país.
Por isso bem fez o Governo em aproveitar o entusiasmo vitalizante da actual geração, factor fundamental para triunfo do seu pensamento, trazendo à discussão um conjunto de bases para a nova lei sobre promoção da saúde mental.
E fê-lo, como já se disse, no momento mais oportuno; a urgência é bem justificada, pois nunca, como agora, se tomou tão premente ir ao encontro da onda. da nova vaga, de perturbações mentais, que agridem no Mundo todos os povos e em todas as idades, dando lugar a gravíssima epidemia, que ameaça destruir as doutrinas, os conceitos as bases da própria Humanidade e pretende até criar um novo mundo sobre moldes que não podemos compreender, nem mesmo prever.
Eis pois a grandeza da obra a realizar e a maior urgência em a realizar, visto que a rápida transformação que se vai operando por todo o Globo leva, necessária-
(1)Base V, n.º 2 alíneas h) e (...) da proposta da Câmara

Página 232

232 ACTAS DA CAMARÁ CORPORATIVA N.º 31

mente e em breve, a novas formas de existência á custa de modificações nos problemas humanos, pessoais, familiares e educativos.
Importância que, no nosso país, deve revestir ainda aspectos de excepcional grandeza, mercê do Plano de Fomento em curso, no qual esta incluída a transformação da estrutura agrária, o emparcelamento da propriedade, intensa e extensa industrialização e tantas outras modificações profundas a perturbar o quietismo em que se tem vivido.
À apresentação do projecto para a promoção da saúde mental, trazido a estudo e a apreciarão, surge no melhor momento; pois aparece quando se sente, em todas as nossas classes, uma ânsia de colaboração na resolução dos problemas da higiene mental, como acaba de provar o entusiasmo de raia intensidade em que decorreu o I Congresso Nacional de Higiene Mental, de frequência multiprofissional, em que colaboraram 2352 congressistas!
O problema é, na verdade, da maior urgência e da maior gravidade, mas estamos certos de que, por mais prodigiosas que sejam as possibilidades de realização e por mais rasgadas que fossem as condições económicas nos difíceis momentos que vivemos não é possível proceder já à total e completa cobertura neuropsiquiatra do Pais, de modo a obter-se um rendimento substancial e com o maior aproveitamento.
O programa que se apresenta defino de facto obra de vulto, grande em extensão e em profundidade, de que virá a beneficiar de certeza o Pais interno, mas exige tantos e tantos requisitos, encontra para já tantos e tantos obstáculos, que só uma vontade forte, e apaixonada pelo ideal que a lei de promoção da saúdo mental prossegue, poderá levar a cabo, trabalhando fervorosamente.
Julgamos indispensável, feito o planeamento dos estudos, adoptar um certo método, uma certa ordenação na sua execução, de maneira a não haver perdas do tempo, esforço ou rendimento, e de maneira a não se perderem esforços alguns. Por isso e para isso, entende a Câmara que se devia estudar uma zona do nosso pais onde se encontrassem já condições materiais e funcionais que permitissem e até facilitassem um ensaio, tão completo e rápido quanto possível; zona que representasse verdadeiro laboratório experimental da aplicarão ao caso português das técnicas, dos métodos, dos meios, e das instalações consideradas as melhores. Esta medida seria do mais alto relevo.
E como, sob o ponto de vista orgânico, o Centro do País tem mais condições materiais e de fácil coordenação, poder-se-á localizar aqui essa experiência, formando uma cona-piloto modelo a adoptar depois, feitas as necessárias modificações, ao resto do País. Acresce a estas razões o aspecto misto da população, em que se não observam com grande frequência os factores acusados correntemente de provocarem maior frequência das manifestações de desorganização da personalidade e da colectividade.
Até há meia dúzia de décadas de anos as doenças mentais não eram perturbadas na sua evolução natural; muitas levavam à demência, que é crónica, irreversível, incurável. Só havia uma preocuparão isolar os doentes e proteger a sociedade
Em nenhum ramo de medicina, em tão pouco tempo, se operou tão profunda remodelação de doutrinas, conceitos e orientação!
Tudo mudou, tudo é diferente; os psiquiatras realizaram a mais profunda e extensa revolução no campo da investigação, no domínio da ciência. E obra de uma
geração as prisões para os doentes, os «depósitos» dos alienados, foram substituídos por clínicas psiquiátricas, de portas abertas como qualquer cutro hospital. O alienado ascendeu à categoria de doente e deixou de ser prisioneiro.
O conceito de incurabilidade sumiu-se e foi substituído por uma regia, talvez e demasiadamente optimista - em geral, todas as psicoses são curáveis.
Portugal tem acompanhado com dignidade o progresso deste ramo de medicina; pode mesmo afirmar-se, sem meio de contestação, que no nosso país se cultiva e se pratica u psiquiatria, acompanhando os seus progressos, os seus triunfos Portugal, pelos seus técnicos e pelos serviços de especialidade do que dispõe, está europeizado; simplesmente há que os multiplicar, e há que despeitar nos médicos novos o interesse pela psiquiatria, de maneira a possuirmos um maior número de técnicos.
Logo que as circunstâncias o permitam, devem ser criadas nos hospitais regionais clínicas - psiquiátricas, onde o regime aberto de admissão de doentes constitua, sob o ponto de vista assistencial, umas das características mais marcadas, de molde a receber os casos agudos de doença mental e a intervir nas situações de urgência.
Assim, grande número do casos seriam sem demora tratados nas clinicas distritais (psicoses infecciosas, delírios mentais, excitação maníaca, depressão melancólica, etc. )
Paralelamente seriam (liados na sede dos distritos, como o projecto governamental prevê [base XI, alínea h)], os serviços aberto, destinados ao tratamento dos psicóticos, tratamento que e de desaconselhar seja levado a efeito em clínica psiquiátrica.
Embora pareça de carácter regulamentar, convém sugerir que em todos os estabelecimentos e serviços destinados ao tratamento com internamento de doentes agudos exista uma secção especial de acolhimento ao doente. Esta destina-se a amor tecer ou neutralizar o choque moral provocado pela separação do meio habitual (sentimento do abandono tem de isolamento, etc ) que experimente o doente. A acção de acolhimento tem eleito psicologia positivo no plano de tratamento do doente.
O pessoal que tenha a seu cargo o acolhimento deve ser constituído por enfermeiras ou assistentes sociais dotadas de especial vocação para a recepção e nesta cuidadosamente instruídas.
19. Xá reorganização dos serviços de assistência psiquiátrica pretende dar-se maior relevância - e bem - à profilaxia das doenças de espirito, em obediência ao axioma de que a medicina preventiva vale bem mais que a medicina curativa.
Dentro desta orientação, aconselha-se uma grande actividade em defesa da higiene mental, actividade em que deve intervir toda a gente - especialista e não especializada - , seja qual for o seu campo de acção. Há que utilizar todos os modernos métodos de propaganda de educação sanitária, por mais variados que possam ser. Mas todos ainda são poucos para os muitos preconceitos a destruir, para as muitas noções a ministrar, para as muitas medidas a pôr em prática.
Todos os meios de higienizarão da vida e dos costumes, todas as medidas de protecção do corpo e da alma, são armas de incalculável valor para evitar as perturbações do espírito que podem levar à loucura. Não é. pois, tarefa a desempenhar somente pelos psiquiatras, mas sim por todos os trabalhadores da saúde

Página 233

12 DE DEZEMBRO DE 1962 233

e por todos que sejam capazes de compreender e viver a magnitude de tão importante missão. É obra que exige a mobilização do País; há, pois, necessidade e urgência de a pôr em marcha.
Oremos bem que, mais por educação através dos ser viços de saúde pública do que por imposição, há-de ser possível melhorar o nível sanitário e mental da nossa gente e reduzir assim o número de candidatos às perturbações mentais.
E os casos que se não puderem evitar serão descobertos no início da doença, tornando possível um tratamento precoce - da precocidade da terapêutica depende a maior eficácia.
Há que contar, pois, com uma apertada organização que permita - ou, melhor, facilite - as melhores condições de tratamento em instalações próprias e adequadas.
Com esse propósito se sugere que em cada zona haja um dispensário central e se instalem dois ou três dispensários regionais, correspondendo cada um destes dispensários a um grupo de distritos vizinhos, o qual terá, sob a sua dependência, um dispensário em cada região ou cidade de grande densidade de população, dispensário sub-regional (local ou citadino).
Através de semelhantes unidades assistenciais será possível fazer uma eficiente acção educativa de higiene mental, obra intensa de profilaxia das doenças mentais, tratamento activo dos doentes mentais em regime ambulatório, uma mais segura e apertada vigilância dos doentes em regime domiciliário e dos doentes em licença de ensaio.
A cada dispensário regional corresponderão um ou dois médicos neuropsiquiatras, conforme a importância da respectiva região, importância averiguada por meio de inquérito.
Estes serviços poderão ser independentes ou anexos a outros estabelecimentos destinados a tratamento de doentes com perturbações mentais ou mesmo a hospitais gerais.
A assistência será prestada por médicos especialistas sob a orientação e fiscalização do dispensário de zona, que deve funcionar no hospital psiquiátrico da respectiva zona.
Semelhante organização substituirá as brigadas com grande vantagem, pela sua acção mais directa, mais activa e mais assídua e, consequentemente, pela sua maior e mais perfeita eficiência.
Exprime-se o desejo de que dentro de cinco anos se instale nos hospitais regionais um serviço alerto para hospitalização livre de doentes agudos, portadores de perturbações psicopáticas não perigosas para a ordem pública e segurança das pessoas e que não exijam condições especiais de vigilância.

20. A palavra loucura foi substituída por alienação mental para indicar as alterações do psiquismo, que colocam o indivíduo na impossibilidade de se adaptar à vida social, por haver perdido o contacto, inteligente e vital, com a realidade, o indivíduo é um estranho no seu meio e um estranho a si mesmo; passou a ser outro e, em geral, sem a consciência da transformação sofrida. Na definição de Bali, o alienado é um homem que sonha com os olhos abertos; é estranho à realidade das coisas; estranho a si mesmo. Perdeu a liberdade moral porque, como o homem dominado por um sonho, é incapaz de se socorrer das faculdades intelectuais para deliberar sobre as impressões que recebe, razão por que, até certo ponto, deixou de ser responsável pelas suas acções perante a sociedade.
Mas tanto a palavra loucura como a expressão alienação mental traduziam estados de espírito caracterizados pela perda definitiva da liberdade moral do doente e marcavam o doente para sempre.
Hoje tudo se passa de maneira diferente.
As palavras louco e alienado, que estigmatizam o doente, devem ser suprimidas da linguagem oficial e substituídas por doente do espírito, doente mental, doente da mente, psicótico ou por qualquer outra expressão semelhante, mas que não desvalorize o indivíduo, pois ele hoje, na medicina, tem um lugar semelhante ao doente de outro órgão, do coração, do estômago, etc.
A precocidade com que se surpreendem estas doenças nervosas, a rapidez com que se lhes acode, a brevidade com que muitas vezes se curam (e tantas vezes sem quaisquer sequelas), dão origem a que a sociedade as arranque da posição degradante que ocupavam no quadro nosológico e as situe na medicina ao lado das doenças dos outros órgãos. E, precisamente por essa compreensão, a sociedade já se não defende dos seus portadores, vai mesmo ao encontro deles procura descobri-los muito cedo, dá-lhes o auxilio mental de que necessitam, coopera com humanidade no seu tratamento, não os marca para a sua vida futura; e, mantendo-os, sempre que possível, no seu ambiente, procura modificá-los para mais facilmente conquistarem o equilíbrio que perderam, e procura reintegrá-los numa vida normal.
Para quê estigmatizar pois estes doentes com o nome de alienados se, em poucos meses, as suas perturbações podem desaparecer por completo e para sempre? Para quê comprometer para sempre a sua situação na sociedade, na sua vida profissional, no seu futuro?
Cada vez é mais necessário organizar a psiquiatria social, despistando os propensos às doenças do espírito e os portadores de doenças mentais para os integrar na sociedade no uso de uma vida normal.
E o problema tem actualidade e é urgente porque as transformações sociais, a industrialização crescente a que assistimos, a fuga da gente dos campos para os grandes centros, a ambição insatisfeita de outras situações, a dispersão frequente dos membros da família, a mecanização da vida, são pausas permanentes e torturantes que actuam malèficamente sobre o espírito dos indivíduos, que, arrancados ao seu meio e à sua vida, se tornam nuns inadaptados ao novo meio e à nova vida.
Se se adoptasse o tratamento clássico do isolamento, impossível seria conseguir condições que pudessem receber trio grande número de doentes; mas, felizmente, a ciência, a investigação, a observação, conseguiram romper o mistério e a magia que envolviam as doenças do espírito e abrir novos horizontes, a permitir compreender parte do muito de incompreensível que neles havia. Assim nasceram doutrinas e técnicas, que, em renovação constante, vão aumentando os conhecimentos, que a medicina vai utilizando, a ponto de já haver hoje uma orientação, bastante segura, quanto ao estudo dos doentes, estudo que leva ao conhecimento da doença e do seu tratamento mais apropriado.
Desta forma, a sociedade vai-se familiarizando com estes doentes e consegue-se, na frase do Prof. Baraona Fernandes, a desalienação da psiquiatria, permitindo a clínica de muitos doentes de espírito no seu ambiente e em condições semelhantes às dos doentes da medicina geral.

Página 234

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31 234

Os médicos têm mudado de opinião, através dos tempos, sobre o valor relativo dos factores somáticos, sociais e psicológicos na génese da doença.
Cremos aproximar-se o fim da época em que se atribuía a principal importância as causas e efeitos somáticos e em que os médicos deixavam nu sua acção de considerar o homem integral, para o tratarem apenas como conjunto de órgãos e aparelhos, à maneira de peças articuladas de um mecanismo bem estruturado.
Para essa orientação contribuir fortemente o grande desenvolvimento das ciências físicas e da biologia experimental, com as suas grandes, descobertas e com as suas inovações surpreendentes.
Mas, apegar de tudo isso, sentia-se que o problema da saúde do homem não estava completamente esclarecido nem compreendido, e procurou-se encontrar melhor explicação para as relações complexas entre os factores somáticos. sociais e psicológicos.
Assim nasceu a medicina psicossomática, que no seu avanço e aperfeiçoamento, vem explicando o que parecia inexplicável, vem abrindo caminho a novas e novas doutrinas, que rasgam largos horizontes a medicina preventiva dos males que atormentam sobretudo os países de maior nível, sob o ponto de vista cultural e económico - as doenças mentais.
Tais doenças constituem, na verdade, problema grave de legitima preocupação dos listados basta considerai que a taxa da alienarão mental é da ordem de porcento da população e que a percentagem das nevroses consideradas a partir do momento em que a começam da provocar incapacidade parcial - é de cerca de 10 por cento
Se atendermos a que o factor económico tem porventura a maior responsabilidade em tais números, e se é de prever o seu agravamento com o progresso da chamada civilização actual, compreende-se bem a importância da lei que procura prevenir e tratar as doenças, mentais.
Mantendo-se o ritmo de agravamento das perturbações mentais, é legítimo concluir que, em breve, não seria possível ter pessoal nem adquirir material suficiente para tratar as suas vitimas. Quer dizer que, em breve, a medicina curativa seria insuficiente para dominai a mal; o problema está pois em o evitai, isto é, em fazer a profilaxia das doenças mentais. Para isso o médico teve de mudar de direcção no exercício da sua arte, teve de cuidar do homem completo, olhando o corpo sim, mas tendo também o espirito; estudando o homem isolado, estudando o homem onde o, homens e em sociedade: cuidando o homem doente, encarando o homem são e examinando-o no seu ambiente.

C) Apreciarão do ponto de vista Jurídico

21. Do ponto de vista jurídico, o projecto em análise levanta problemas vários, alguns dos quais de gravidade e melindre.
De entre as questões jurídicas que um projecto de lei sobre saúde mental suscita, destacamos como mais importantes as três seguintes (1).

A coordenação dos serviços psicossanitários dependentes do Ministério da Saúde e Assistência com os dependentes do Ministério da Justiça,
A gestão do património dos doentes mentais não feridos de incapacidade jurídica,
A protecção da liberdade individual, em face da possibilidade de aplicação, contra vontade do paciente, de medidas de tratamento psiquiátrico.

22. Destes três problemas, o primeiro é afastado, pelo projecto em análise, dos limites do ser objecto. Com efeito, no n.º 3 da base IV exclui-se qualquer intromissão nos domínios reservados aos serviços do Ministério da Justiça (prisionais e de menores).
A zona de competência reservada em princípio ao Ministério da Justiça - delinquentes e menores - interfere com a zona de competência reservada, em princípios, ao Ministério da Saúde e Assistência - doentes mentais -, uma vez que pode haver delinquentes que sejam doentes mentais (não falando já da escola criminologia positiva que pretendia que todos o eram) e menores atingidos igualmente por esse mal.
Que os primeiros permaneçam sob a alçada do Ministério da Justiça, justifica-se inteiramente pela ideia, salientada pelo Prof. Cavaleiro de Ferreira, de que, quanto a eles, ao interesse da cura se sobrepõe, em virtude do perigo criminal, o interesse da defesa social (1).
Já quanto aos menores - em que o interesse dominante é, evidentemente, o da promoção da sua saúde mental -, parece que em caso de anomalia mental, devia caber ao Ministério da Saúde e Assistência prover sobre a situação, até porque a promoção da saúde mental infantil é lhe confiada, pelo projecto, com particular interesse (base I, n.º 2, designadamente). Parece à Câmara Corporativa, na verdade, que, em face de um menor psiquicamente anormal, a função dos serviços tutelares dependentes do Ministério da Justiça se devia limitar a promover o seu internamento em estabelecimento oficial ou particular de assistência psiquiátrica, dependente do Ministério da Saúde e Assistência - nos termos da alínea h) do artigo 21.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44 288, de 20 de Abril de 1962.
O regime jurídico em vigor não é totalmente este, devido a integração no Ministério da Justiça de um estabelecimento ele fronteira (cuja competência se encontra no limite da que devia, ao rigor dos princípios, ser atribuída ao Ministério da Justiça, invadindo já a do Ministério da Saúde e Assistência) Referimo-nos ao Instituto Navarro de Paiva, pelo corpo do artigo 2 º do Decreto-Lei n.º 40 701, de 23 de Julho de 1956, destinado «a observação médico-psicológica e ao internamento dos menores delinquentes e indisciplinados do sexo masculino, mentalmente deficientes ou irregulares, sujeitos à jurisdição do tribunal de menores».
Mesmo aqui, porém, a distinção permanece, pelo menos em teoria. A lei distingue entre serviços médico-psicológicos [alínea l) do artigo 21.º da Organização Tutelar de Menores] e servidos de assistência psiquiátrica propriamente dita. Os primeiros podem considerar-se como uma forma-limite de educação correctiva, mais do que uma forma que rigorosamente se deva considerar de tratamento psiquiátrico próprio sensu. Quando este é necessário, o § 2.º do artigo 2.º do atrás citado Decreto-Lei n.º 40 701 dispõe que «os menores cujas anomalias mentais exijam tratamento incompatível com as possibilidades do Instituto serão internados em estabelecimentos psiquiátricos adequados».

(1)A ordem por que se indicam não é necessariamente a da sua importância.

(1) Despacho de S Ex.ª o Ministro da Justiça de 15 de Agosto de 1946, in Boletim Oficial do Ministério da Justiça, ano VI, n.º 37, p 463. O artigo 124.º da Constituição Política subordina a readaptação social do delinquente, como fim da pena, à defesa da sociedade.

Página 235

12 DE DEZEMBRO DE 1962 235

A separação que o projecto faz entre os serviços dependentes do Ministério cia Saúde e Assistência e os serviços dependentes do Ministério da Justiça tem assim plena justificação, bem como a restrição aos primeiros do campo do aplicação do projecto (base IV, n.º 3). Mas este principio, por um lado, deverá ser levado aos seus justos limites (reconhecendo-se que no campo da saúde mental nem toda a acção do Estado é exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, havendo uma parte que, por lazões especiais, é atribuída a outros cívicos- este ponto envolvera a revisão que faremos aquando da apiedarão na especialidade, da base III, n.º 1); por outro lado, não deve ser levado longe de mais- devem multiplicai-se os meios de coordenarão entre as actividades dos dois Ministérios, e nesse sentido propomos uma alteração a base V, n.º 2, do projecto em análise.

23. A administração dos bens dos doentes mentais é problema que tem merecido ultimamente, na doutrina estrangeira, um trabalho de revisão.
Às novas orientações que se têm desenhado procura corresponder no projecto governamental a base XXIV. E como apenas de uma base se trata pareceria que a questão seria de encarar e estudar mais adiante, no exame do projecto na especialidade. No entanto, a sua importância justifica que seja estudada agora em profundidade, como um dos mais importantes pontos da reforma proposta pelo Governo.
Antes de se introduzir qualquer alteração no sistema vigente, comem ver quais os meios que este oferece para assegurar a gestão dos interesses de uma pessoa que esteja por razão de anomalia psíquica incapaz de a ela proceder pessoalmente.
O meio central previsto na lei é a interdição por demência, regulada nos artigos 314.º e seguintes do Código Civil e nos artigos 944.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Independentemente desta, o Código Civil permite que, sendo o demente casado, a mulher assuma, a administração do património do casal enquanto durar o seu impedimento (artigos 1117.º, § único e 1189.º). Para certos actos, permite-se a nomeação do um curador especial - assim, para se defender em acção contra ele proposta em juízo (artigos 14.º e 236.º do Código de Processo Civil). E, é claro, enquanto o demente não for interditado, poderá sempre conferir a outrem mandato para gerir os seus negócios.
O sistema da lei é portanto o de só substituir outra pessoa ao interessado na gestão dos seus negócios, sem consentimento deste, mediante intervenção judicial. Só se exceptua o caso da mulher, a excepção compreende-se dadas as relações que a ligam àquele que é destituído da administração dos seus interesses.
Simplesmente, a interdirão tem sido vivamente criticada, considerando-se meio moroso, impopular e caro.
Moroso, antes de mais: moroso quer na sua aplicação, quer no seu Santamente (*), cercada como é das cautelas necessárias em medula de tal melindre. Essencialmente é esta a característica que salienta o relatório (n.º 9), como fundamento para propor uma alteração do regime vigente, através da base XXIV do projecto.
Note-se que a lei se preocupa em evitar os pericula in mora, os prejuízos que advém da morosidade do processo. Logo após o requerimento da interdição e constituição de defesa do arguido, «o representante do arguido no processo pode ... promover a nomeação judicial de um tutor provisório» (artigo 946.º n.º 3, do Código de Processo Civil). Em momento mais adiantado do processo de interdição, o juiz pode decretar, a titulo provisório, a própria interdição «se reconhecer que há necessidade de providenciar imediatamente quanto à regência da pessoa e administração dos bens do arguido» (artigo 953.º n.º 1, do Código de Processo Civil).
Em todo o caso, a critica permanece o processo de interdição demora, é lento e moroso. Além disso, diz-se que a interdirão é tombem um meio impopular - receiam as famílias a sua publicidade e o estigma que uma sentença judicial de interdirão acarreta. Por último afirma-se a interdição é uma medida cara, o que a possibilidade de assistência judiciária pouco atenua.
E fora de dúvida que todos os inconvenientes apontados se fazem sentir, embora todos tenham causa justificativa. A morosidade resulta de, neste domínio a celeridade se procurar, e bem, contrapor a ponderação, a impopularidade resulta do facto de o interesse de terceiros exigir que se exponha a público uma situação que a família preferiria ocultar; por último, a onerosidade do processo - aliás neutralizavel através do instituto da assistência - resulta da necessidade de prover o órgão jurisdicional com os meios necessários
a uma decisão conscienciosa e ponderada sem isso vir injustamente a pesar sobre a colectividade.
A única alternativa a este regime (no sistema da nomeação de um tutor ou curador, nomearão que só se pode defender seja feita pelo tribunal) que a Câmara reputa digna de atenção é a da constituição da tutela ou curatela ipso jure -isto é sem intervenção do tribunal ou de qualquer entidade - daqueles que se colocarem em situação de dela necessitarem por virtude de certo facto - sujeição a tratamento psiquiátrico, internamento.
A ordem jurídica francesa oferece-nos um sistema deste tipo. O Código Civil apenas previa, como o nosso, a interdição judicial. Mas uma lei do 30 de Junho de 1838 (artigo 31.º) veio estabelecer que, quanto aos estabelecimentos públicos, o internamento dava ipso facto origem a uma situação de representação legal do internado, cuja esfera patrimonial seria gerida por um administrador provisório, escolhido entre os membros da comissão administrativa do estabelecimento. O sistema não se aplica aos doentes internados nos estabelecimentos particulares, nem quanto aos não internados. Quanto nos primeiros (além sempre claro, da interdição) pode-se requerer a nomeação judicial de um curador (administrateur judiciaire) quanto aos segundos, em rigor apenas a interdição é possível, embora a jurisprudência admita por vezes também a possibilidade de nomeação judicial de um curador provisório (1).
Simplesmente, não parece à Câmara de aplaudir o sistema segundo o qual se permita, sem precedência

(1) Artigo 958.º do Código de Processo Civil «Sabe-se como é complicado, demorado e custoso o processo de interdição. Sabe-se que não o é menos o processo de levantamento . são designadamente reuniões do conselho de família, intervenções de peritos, interrogatórios pelo tribunal , notificações e publicações. Não se pode pensar em submeter o doente curado, após a sua alta, a um tal regime» («Projet de texte présenté par le Ministère de la Justice Concernant l'Àdministration des Biens des Malades Mentaux», in L Information Psychiatrique, 1961, p 24).

(1) Lauzier «La Protection des Biens de Certaines Catégories d'Hospitalises», in L'information Psychiatrique, 1959, pp. 171 e segs.

Página 236

236 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

das diligências probatórias necessárias para apurar a verdadeira situação (substituídas por uma presunção - verdade formal - resultante do internamento e durando o que este dura), a nomeação ipso jure como uma medida normal, destinada a estabelecer o regime da gestão dos interesses do internado, enquanto o for. Podem diminuir-se as formalidades da interdição, aumentar-se a celeridade à custa da ponderação, mas só para estabelecer um sistema provisório de gerência dos interesses do demente em face da urgência em o fazer, do periculum in mora. Não se pode assentar numa summaria cognitio, num procedimento célere e por isso pouco seguro, uma deslocação para outrem do poder de gerir o próprio património, deslocação essa a título definitivo, ou pelo menos por tempo indeterminado, sem a justificação da urgência e a garantia de que a situação será apreciada mais detidamente. Crê a Câmara que tal possibilidade representaria uma violação grave das garantias da pessoa, sujeita a ver-se privada da gestão do seu património, com todos os perigos e prejuízos materiais que tal acarreta, sem um exame atento e profundo das circunstâncias, feito ou a fazer no mais curto possível espaço de tempo.

A imposição da curatela ipso jure, sem a intervenção judicial, sem um exame do caso concreto (que só em tribunal se concebe) (1), traz necessàriamente casos de injustiça, ainda mesmo que se excluam (como é devido) os casos em que o internado se mostre apto a continuar a gerir o seu património (que ele melhor quo ninguém conhece e poderá manejar) (2), os casos em que, sendo o internado casado, a mulher assegure a gestão dos seus interesses e os casos em que o internado constitua representante voluntário (como pode fazer enquanto não for interdito, assim como destituí-lo).
Por outro lado, sujeito o internado a um regime de curatela in abstracto, há o problema da determinação do curador in concreto.
Essa determinação pode ser feita também ipso jure - por exemplo o director do estabelecimento onde alguém fosse internado seria ipso jure seu curador. Esta solução é referida só como exemplo, para esclarecimento do sistema que se analisa, porque as suas desvantagens são patentes não parece conveniente sobrecarregar uma pessoa que é - normalmente pelo menos - técnico em psiquiatria, com funções de administração patrimonial, que não terá interesse, tempo, ou competência especial para desempenhar.
O sistema da lei francesa em Portugal não seria possível sem uma profunda reforma da orgânica dos nossos hospitais de psiquiatria, cuja direcção clínica e administração estão confiadas a órgãos singulares (um director clínico e um administrador, por vezes com um adjunto).
Foi propositadamente guardada para último lugar a apreciação do sistema da lei civil quanto à interdição por demência, sistema que consta do artigo 320.º do Código Civil. Aplicando-o à matéria em causa, poderia estatuir-se que internado o doente num estabelecimento de saúde mental, automaticamente ficaria investido nas funções do seu curador de bens o cônjuge (1), na falta, o pai; na falta de ambos, a mãe, e assim por diante, pela ordem do artigo 320.º do Código Civil Simplesmente, a determinação no caso concreto da pessoa que fica investida na curatela, a comunicação a essa pessoa das suas funções, a solução das múltiplas questões que neste domínio se podem levantar, como escusas, remoções, reunião do conselho de família, etc. . , tudo são factores que aconselham a intervenção do tribunal e apoiam o sistema da jurisdicionalização.
Acresce que, nas hipóteses em que «a evolução da doença nem já terá duração suficiente para permitir recorrer à interdição do doente» (relatório, n.º 9), nesse tempo diminuto pode uma pessoa que pretenda desempenhar-se das suas funções conscienciosamente não ter tempo para se habilitar a bem gerir um património que desconhecia. Uma doença mental fulminante e rápida do seu titular representará sempre, na gestão do património, um mal inevitável - não há sistema que possa evitar neste caso que sobrevenham prejuízos. E há sempre ainda que recear o perigo da desonestidade de qualquer substituto do titular do património para a sua gerência e administração.

24. Estudado o problema em abstracto aprecie-se agora a solução que lhe dá o projecto governamental, na sua base XXIV.
Por mais estranho que pareça, parece poder afirmar-se que lhe não dá nenhuma. A base XXIV contém dois números o n.º 2 é uma mera remissão para a lei civil; o n.º 1 ajusta-se sem dificuldade ao sistema vigente, com a única ressalva da substituição da palavra curador pela palavra tutor.
E nem se pense que esta diferença terminológica tem valor relevante. A interpretar a palavra pelo rigor dos princípios, a palavra curador restringira os poderes do representante legal a esfera jurídica patrimonial (tutor datur personae, curator bonis). No entanto, por um lado, isso não se justifica para um doente tempoiàriameute incapaz de reger a sua pessoa; por outro lado, esta diferença não é levada pelo projecto governamental às suas consequências lógicas, dado que se atribuem ao curador poderes no hemisfério pessoal - o de exigir a alta do doente [base XIX, n.º 1, alínea a)], o de tomar conta da sua correspondência (base XX n.º 2). Aliás, se o fundamento do regime proposto no projecto é a conveniência de se nomear uma pessoa com poderes «penas para gerir e administrar o património do doente, deve então notar-se que o § 1.º do artigo 314.º do Código Civil permite, sem sombra de dúvida, uma nomeação de tutor assim restrita.
É pois já válida no direito português a norma segundo a qual poderá ser nomeado curador às pessoas maiores ou emancipadas (deveria aliás dizer-se capazes), hospitalizadas ou não, que por motivo de doença ou anomalia mental, bem e como de toxicomania, se mostrarem temporàriamente (2) incapazes ou estejam

------------
(1) Que o director do estabelecimento, ou do centro, por exemplo, on do Instituto de Saúde Mental, resolva, se há-de constituir-se curatela ou não, é sistema de repudiar em absoluto. O único órgão que tal pode fazer é o tribunal
(2) E quem julgaria dessa aptidão? Teria de se admitir de novo a intervenção do tribunal.

(1) Salvo nos caso, do artigo 120.º, n.º 1, do Código Civil, aos quais se devem juntar os do artigo 234.º, por forca do artigo 321.º Note-se que, no impedimento do marido, o cônjuge administra os bens do casal; neste ponto, o sistema em vigor não carece de ser alterado.
(3) Fundamento da interdição por demência (artigo 314.º do Código Civil) é o estado de mentecapto, ou qualquer estado anormal de faculdades mentais, seja temporário (só se devendo ressalvar o que seja de considerar acidental - artigo 353.º do Código Civil) ou permanente, provenha ou não de toxicomania ou alcoolismo

Página 237

12 DE DEZEMBRO DE 1962 237

impedirias (1) de reger a sua pessoa e administrar seus bens.
Se a base XXIV não traz ao sistema vigente modificação de vulto, não parece curial deixá-las para decreto regulamentar-suprindo neste designadamente o agente da passiva, ausente da oração principal da base XXIV, n.º 1, do projecto.

25. Parece à Câmara que o problema se põe desta forma.
Há que gizar dois tipos de regimes de suprimento do impedimento dos diminuídos mentais

A) Regimes provisórios,
B) Regimes definitivos

Os primeiros destinam-se a solucionar os problemas urgentes e imediatos que a doença mental acarreta, e ainda os problemas mais simples da sua gestão patrimonial (mera guarda de valores, por exemplo). É este carácter de urgência ou de simplicidade que justifica que, nestes regimes, a ponderação se substitua a celeridade. Nestes problemas, demorar para resolver bem é já de se resolver mal, pelo que se procura estabelecer um sistema que permita resolvê-los o mais depressa que seja possível.
Os segundos destinam-se a dar ao problema da administração do património do diminuído mental enquanto ela estiver vaga em virtude da própria anomalia, uma solução definitiva - solução por tempo indeterminado e sem restrição a tipos de questões de administração (mais urgentes, mais simples), embora, claro, não necessàriamente perpétua.
Ora, como regime definitivo de administração dos bens do incapacitado por anomalia mental parece à Câmara que só e de encarar a interdição judicial, ponderadamente julgada e, portanto, necessàriamente um tanto lenta. As soluções alternativas - melhor a solução alternativa - oferecem os inconvenientes enunciados há pouco, e por esse motivo se rejeitam.
E sendo esta matéria de direito privado, e estando em estudo e preparação um novo Código Civil - para o qual, em última análise, a base XXIV, n.º 2 remete -, parece que será neste que, após um estudo aprofundado e ponderado, tomando em conta os pareceres e leis mais recentes, sopesando todos os interesses em causa e harmonizando o regime jurídico da matéria, cabe a disciplina jurídica da tutela dos dementes. Não parece curial nem sequer a recomendação programática contida na parte final do n.º 2 da base XXIV.
Poderá o regime da interdição simplificar-se? Talvez. Deixou-se já até passar uma oportunidade em que tal revisão teria cabimento - a reforma do Código de Processo Civil, concluída há pouco pela publicação do Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961. Contudo, está em preparação o Código Civil: o anteprojecto referente às incapacidades, da autoria do Dr. Américo de Campos Costa foi oferecido já a apreciação e crítica pública (2) e revela-se nele a preocupação de afastar a nossa lei civil da rotina de formas clássicas e acolher novas técnicas e classificações (1). Pois bem, parece que será aos membros competentes da comissão preparadora do novo Código Civil que a psiquiatria deverá levar quanto a este ponto, as suas sugestões e os seus anseios, a fim de que às novas técnicas de tratamento psiquiátrico correspondam novas técnicas de disciplina jurídica dos doentes mentais.

26. Teia cabimento, porém, na Lei de Saúde Mental o delineamento de um regime [...] de administração de bens dos doentes mentais, regime esse que permita
suprir os inconvenientes do regime definitivo em casos em que estes se façam sentir com particular acuidade casos urgentes, em que é extremamente nociva a morosidade do processo de interdição, casos mais simples, para os quais um processo caro e estigmatizante se apresente como odiosamente inútil.

27. Parece à Câmara que, destes casos, há a separar uma primeira categoria nitidamente diferenciàvel a dos valores que se encontram na dependência imediata do demente aquando do seu internamento. Esses valores consistirão normalmente em roupas, valores de carteira e objectos de uso pessoal, mas podem também citar-se em bens diferentes - um caso houve em que um internado de urgência conduzia um veiculo carregado com animais vivos.
O problema que estes valores levantam não é específico dos hospitais e estabelecimentos psiquiátrico- - diremos mesmo que é quanto a estes que menos frequentemente levantará dificuldades. Cabe mais a uma lei sobre organização hospitalar em geral que a um estatuto particular do domínio psico-sanitário. Uma vez porém que não existe dispositivo que discipline a matéria em tal plano de generalidade, parece à Câmara ficar mais completo o projecto de estatuto inserindo uma base (a base XX proposta) a consagrar o que já é rotina nos regulamentos hospitalares que os valores que se encontrem na detenção de qualquer demente que venha a e internado fiquem confiados à guarda de direcção (2) do respectivo estabelecimento, acrescentando que só poderão ser entregues a qualquer outra pessoa (que não o internado após a alta) que os exija e invoque direito a eles em autorização do curador do doente mentais (entidade a que mais adiante só fará desenvolvida referencial, e acrescentando ainda que os órgãos de assistência psiquiátrica (scilicet o director do estabelecimento, ou o menino curador) poderão, sempre que se trate de bens perecíveis ou que pela sua natureza não possam ser guardados no hospital, depois de fazerem o possível por os entregar à pessoa com direito à recebê-los (o seu proprietário por exemplo, quando não seja o internado) ou dever de os guardar (o tutor ou representante do internado, por exemplo, quando haja), depositá-los em lugar idóneo à custa do seu proprietário ou mesmo em caso de serenidade absoluta, dispor deles, cosignando em depósito o que por eles porventura hajam recebido.
Este quadro de disposições deve claro, ser completado com as do Código Civil relativas ao depósito

------------
(1) A possibilidade de curatela, em eixo de impedimento fazendo diferença entre este e a incapacitação, é que poderia considerar-se uma inovação de base XXIV. Bastaria que o tratamento exigisse o afastamento dos negócios embora não incapacitando para os reger. Neste caso porém não parece aconselhável a tutela ou curatela, mas a representação voluntária, tal como em caso de qualquer outra doença.
(2) «Incapacidades e Formas do seu Suprimento - Ante-projecto do Código Civil» in Boletim do Ministério da n.º 111, pp 195 e seguintes.

(1) Sianantes a importantíssima distinção entre interdição e inabilitação, distinção que se baseia na profundidade do mal, não na sua duração.
(2) Direcção, lato scnsu: - em regulamento só especificará se cabe ao director, ou à tesouraria, ou a outro órgão em especial

Página 238

238 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

[entre as quais o artigo 1450.º (1)], e ainda com algumas disposições regulamentares, designadamente sobre n forma de se proceder u disposição dos bens quando esta se torne necessária, ou sobre o processo através do qual o curador de doentes mentais se certificará de que a pessoa que exige a entrega de bens do internado tem realmente direito a essa entrega, recursos possíveis da sua recusa, etc.
A disposição referida, dado que apenas pode dizer respeito a internados, parece à Câmara dever colocar-se entre as normas que regem o internamento.

28. Fora destes casos, é possível encontrar uma solução para os problemas de administração do património dos dementes que se compadeçam mal com a morosidade do processo de interdição por serem urgentes ou que se compadeçam mal com a sua impopularidade e o seu preço por serem relativamente simples.
Notem-se antes de mais dois pontos.
Em primeiro lugar, urgente e simples são palavras a entender aqui em termos hábeis - designadamente em sentido relativo e não absoluto. Urgente não é a questão a solucionar em horas ou de um dia para o outro é a questão cuja solução não permite aguardar a cura do doente ou o resultado de um processo de interdição. Simples, por seu turno, é a questão cujos termos tornam o recurso ao pesado processo interditório um dispêndio inútil de energia processual.
Em segundo lugar, as questões para que a Câmara propõe um regime inovador revestir-se-ão em regime normalmente das duas características. É o caso do pagamento da renda da casa do doente sujeito a tratamento, pagamento que, se negligenciado, envolverá a possibilidade de despedimento deste; é o caso do levantamento do vencimento ou pendão do mesmo muitas vezes único sustento de todos os seus dependentes familiares; e hipóteses semelhantes. Hipóteses humildes - não será frequente verificarem-se acerca de grandes fortunas -, mas hipóteses que poderão comparativamente trazer mais dano aos pequenos patrimónios (a que o Estado deve particular atenção, Constituição Política, artigo 6.º, n.º 3.º) do que a transitória paralisação da administração de uma grande riqueza.
Sobre estas questões debruçou-se a Câmara com especial carinho, procurando um regime com as seguintes características facilidade de ser constituído e facilidade de ser levantado (pedia-se que se cingisse estreitamente a situação de necessidade, sem hiato entre a constituição ou a cessação do estado psicológico e a do estado jurídico de demência) e ausência ou pelo menos carácter diminuto do perigo de injustiças.
Em virtude da primeira exigência, pôs a Câmara de lado qualquer regime judicialmente constituído. Repita-se que a morosidade é uma constante judicial, resultante já do assoberbamento normal dos nossos tribunais, já da necessidade de exigir das suas decisões a devida e necessária ponderação, incompatível com a celeridade.
E assim foi a Câmara levada a considerar a única alternativa (ao sistema da instauração da tutoria ou curadoria pelo tribunal) que, como se diz atrás, a Câmara considera digna de atenção a instauração dessa tutoria ou curadoria ipso jure, pelo simples facto da sujeição a tratamento - e, repita-se sempre, para o âmbito restrito dos problemas urgentes e mau simples, compatíveis com uma solução meramente provisória do problema da administração de um património deixado vago pela doença do seu titular.
A questão que imediatamente então se levantou foi a da designação do curador ipso jure nomeado.
E nesse ponto, ponderadas as diversas, soluções possíveis, parece à Câmara de propor um sistema que, inovador embora (1), lhe parece prático e eficaz.
O sistema que parece à Câmara preferível é o da criação, junto de cada centro de saúde mental, de um órgão novo, a que são atribuídas funções de curadoria dos bens dos doentes mentais tratamento, sempre que tal curadoria se monte necessária e conveniente.
Esse órgão - a que a Câmara dá o nome de curador de doente mentais (2) - é pelo projecto regulado nas suas grandes, linhas gerais, primeiro porque assim deve ser numa lei de bases (Constituição Política, artigo 92.º), segundo porque se pretende conservar neste campo uma certa elasticidade, permitindo ao Governo amoldar a instituição, através de regulamentos, às necessidades sentidas.
Fundamentalmente definem-se na lei - além da denominação, da integração administrativa e da necessidade de provimento em licenciado em Direito (1) - as funções dos curadores, que são bàsicamente e cinco função de habilitação, função de administração, função de promoção do processo interditório, função de protecção e função de esclarecimento e conselho.
A primeira função exerce-se caso o doente mental tenha administrador que o supra no seu impedimento - designadamente esposa (artigos 1117.º, $ único e 1189.º). Nessa altura o problema com que se debate o administrador legal é sempre o da prova desta qualidade. Essa prova será feita por certificado do curador, certificado esse que habilitará o administrador a praticar qualquer acto de administração, inclusivamente receber qualquer vencimento, pensão ou quantia devida a qualquer título.
A segunda função - que só será exercível quando o não for a primeira - é a mais delicada de traçar. Incumbe-se ao curador, não havendo administrador legal ou voluntário, praticar os actos de administração dos bens do doente mental que este não possa praticar e ou sejam urgentes (por a sua não realização causar ao doente prejuízo de outra forma evitável, como seja o despedimento do prédio que habita, a caducidade de uma compra a prestações por falta de pagamento de uma prestação, a perda de bens perecíveis, etc. ) ou se traduzam apenas ou muito prevalentemente em proveito do doente (como recebimento de uma dívida, pensão ou vencimento, a ser depositado em nome do doente) ou se destinem a prestar alimentos que o doente deva (sustentar os filhos, ou parentes a cargo deste)
Quando o curador seja da opinião que o património do doente e a duração provável da sua doença exijam

------
(1)O depositante tem obrigação de indemnizar o depositário de todas as despesas que haja feito na conservação da coisa depositada ou por coisa depositada.
(2)Poderá haver se como provisório ou experimental em relação ao futuro Código Civil - então se colherão os frutos da experiência do sistema que, a ser acolhida a proposta da Câmara, ora se estabelece
(2) Em rigor deveriaser curador de dementes não (judicialmente) interditos, para o distinguir do curador de dementes (judicialmente) interditos que é o Ministério Público (artigos 187.º, 220.º e 321.º do Código Civil).
(3) Omitem-se, note-se, pontos de importância, como o carácter gratuito ou oneroso da intervenção do curador, a responsabilidade deste, etc.

Página 239

12 DE DEZEMBRO DE 1962 239

que se recorra ao processo de interdição, assim o comunicará ao Ministério Público, bem como ao cônjuge, se o houver, e aos parentes sucessíveis do desassisado (cf artigo 315.º do Código Civil) cuja identidade possa descobrir. Parece à Câmara que nisto se deve cifrar a função de promoção do processo interditório confiada ao curador. Não lhe deve ser licito propor ele tal processo, já que este é predominantemente de natureza pessoal, ao passo que as funções atribuídas ao curador são de natureza exclusivamente patrimonial.
Por último, caberá ao curador uma função de protecção do doente mental. Nesta ordem de ideias, sempre que venha ao conhecimento do curador que certa pessoa tira ou pretende vir a tirar vantagens da situação mental do doente, deverá, além de comunicar o facto ao Ministério Público, se foi caso disso comunicar oficialmente à pessoa em causa o estado mental do doente. Com isso preencher-se-á uma condição de que o artigo 335.º do Código Civil faz depender a possibilidade de anulação futura de actos e contratos celebrados por demente não interdito - ser o estado de demência conhecido da outra parte. Se o recipiente da comunicação persistir em praticar o acto e se dele resultar grave prejuízo patrimonial para o demente, atribui-se ao curador legitimidade para, em nome do doente, propor a acção de anulação.
Por último, a função de esclarecimento e concelho traduz-se (como a designação indica) no poder-dever de esclarecer e aconselhar todos aqueles a quem certo caso de doença mental levanta problemas de carácter jurídico patrimonial ou pessoal (e esperamos mesmo que problemas de carácter moral se aqueles que forem investidos nestes cargos de curador cuja criação a Câmara ora propõe entenderem a sua função como verdadeiramente um múnus público).
Restringe-se porém a legitimidade para pedir esclarecimento ou concelho àqueles que não possam recorrer a outro consultor as pessoas cujos meios habilitem a recorrer a um advogado, ou aqueles que se possam dirigir a um consultor jurídico qualquer não parece justo que tomem o tempo do curador como os desamparados e pobres para quem ele se pretende seja o conselheiro natural.
Assim se pretende que este órgão se integre por conseguinte na rede de para-assistência (ou peri-assistência) social que deve acompanhar e rodear. Toda a assistência psico ou somático-sanitária.
Convém ainda registar que o curador pode, se o considerar conveniente, delegar as suas funções num parente próximo do doente mental desde que este se apresente como idóneo, poderia então exigir-lhe a prestação de caução (ou dispensá-la, a seu critério) e em qualquer dos casos esta delegação será sempre revogável.
Em regulamento se disciplinarão os aspectos menos importantes, aí se estabelecerão os quadros do órgão ora citado permitindo-se designadamente ao curador ter delegados sob as suas ordens nos estabelecimentos mais importantes. Por isso na base XII n.º 1, proposta pela Câmara se fala das funções de curadoria e não do curador.
Esta é a posição que a Câmara entende dever tomar quanto ao segundo dos problemas jurídicos fundamentais eliminados, o da gestão do património dos doentes mentais não feridos de incapacidade jurídica.

29. Passamos assim ao terceiro e último dos referidos problemas, que pelo seu carácter fundamental serão tratados na apreciação na generalidade - o da protecção da liberdade individual em face da possibilidade de aplicação, contra vontade do paciente, de medidas de tratamento psiquiátrico.

30. A protecção da liberdade das pessoas contra a aplicação irregular de medidas de assistência psiquiátrica consagra o projecto uma série de disposições que pretendem, segundo diz o relatório (n.º S), «reforçar o regime de defesa dos direitos individuais, particularmente delicada no caso dos internados em regime fechado».
Estas disposições são bastante particularizadas e incidem sobre diversos pontos. Regulam antes de mais com certo pormenor as formalidades de admissão, exigindo a sua justificação. E consagram o direito, para qualquer pessoa ou entidade de requerer que o tribunal do comarca conheça da legalidade da admissão em regime fechado, o direito para o tribunal, de ordenar a alta de hospitalizados (podendo fazê-lo sobre recurso interposto da recusa do director do estabelecimento onde a pessoa em causa está internada), o direito para o hospitalizado de manter contacto com o exterior e o dever, para o procurador da República, de zelar pela salvaguarda da liberdade individual nos casos de hospitalização.
Os pontos em que este regime se afasta do actualmente vigente (contido na Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, e no Decreto-Lei n.º 34 502, de 18 de Abril do mesmo ano) são, de resto - com uma única excepção, discutível e criticável - de pormenor. Assim, no referente à legitimidade para requerer que o tribunal conheça da legalidade de certa hospitalização, pela lei vigente essa legitimidade só cabe a quem justifique interesse (base XVII, n.º 8, da Lei n.º 2006), hoje cabe a quem quer que seja, regulou-se também de maneira diferente o direito de contacto e introduziram-se outras alterações puramente de forma (1).
A diferença mais importante está na supressão, no projecto, da base XIX da Lei n.º 2006, segundo a qual «o internamento nos asilos para anormais perigosos ou anti-sociais carece de confirmação judicial», dada através do processo a que se refere o artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 34 502. Embora a expressão da referida base possa, dar lugar a dúvidas, o Prof. Cavaleiro de Ferreira faz equivaler o internamento nela previsto ao internamento em regime fechado, definido no artigo 52.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 34 502 (2), e essa interpretação parece demonstrar-se pela comparação entre ou artigos 12.º e 16,º do referido decreto-lei.

31. A tutela da liberdade pessoal contra a aplicação ilícita de medidas psicossanitárias pode confiar-se fundamentalmente a duas ordens ou categorias de órgãos, os órgãos judiciais, os órgãos administrativos de saúde mental. A estruturação da intervenção de uns e outros neste problema exige uma delicada ponderação de vantagens e inconvenientes.

-------------
(1) Assim, pela base XX, n.º 2, da Lei n.º 2006, o Procurador da República «poderá promover quaisquer diligências necessárias para salvaguarda da liberdade individual», pela base XXIII do projecto, a ele «incumbe zelar pela salvaguarda da liberdade individual». A diferença e só de forma trata-se juridicamente de um poder dever.
(2) Curso de Processo Penal, II, p 462. A base XIX da Lei n.º 2006 foi substituída pela base XXI do projecto. Aparentemente semelhantes, as disposições são profundamente diferentes, e a segunda parece inteiramente de suprimir, como se dirá quando do seu exame na especialidade

Página 240

240 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

32. Vejamos antes de mais qual o papel reservado aos primeiros órgãos judiciais.
Meio fundamental de defesa da liberdade individual em matéria de assistência psiquiátrica será sempre a intervenção de órgãos judiciais (juizes ou magistrados do Ministério Público).
Esta intervenção - destinada sempre, claro, a combater possíveis irregularidades neste domínio - pode ser estabelecida e disciplinada na lei primordialmente como preventiva ou primordialmente como repressiva. Será preventiva se se destinar prima ordine a evitar as situações ilegais de privação de liberdade no internamento, tornando este dependente (na sua licitude) de autorização de um órgão judicial; será repressiva se tender prima ordine a fazer cessar quaisquer situações ilegais que porventura se verifiquem (mas após a sua verificação).
A intervenção preventiva é necessária a todos os casos são examinados por um órgão judicial, que se assegura da legalidade do internamento; e de forma alguma exclui - embora, como é evidente, reduza em muito -- a necessidade de intervenção repressiva, nos casos de ilegalidade superveniente, e ainda nos casos em que o exame judicial haja conduzido a conclusão inexacta (sem falar no caso em que tenha sido ilicitamente pretendo). A intervenção repressiva é eventual verifica-se apenas nos casos em que qualquer irregularidade chegue ao conhecimento do órgão judicial.
A intervenção preventiva pode ser ainda anterior ao internamento (regime de autorização} ou posterior a ele [regime de aprovação ou confirmação, que é o actualmente vigente (1)]. A intervenção repressiva é, como é óbvio, necessàriamente ex post facto. Uma e outra têm vantagens e inconvenientes.
A primeira constitui uma garantia sólida de respeito por um direito da relevância do direito de liberdade: direito originário, natural, fundamental, primitivo ou pessoalíssimo, no dizer dos civilistas, direito e garantia individual do cidadão português, pelo artigo 8.º da Constituição Política. Tem porém a desvantagem de acarretar uma maior massa de trabalho aos já sobrecarregados órgãos judiciais, e de complicar em extremo os processos de administração, não podendo ser, na maioria dos casos, já devido à massa de trabalho que impende sobre os juizes, já devido à sua falta de preparação técnica neste sector, mais do que uma vigilância meramente formal, diremos mesmo aparente (e perigosa então porque acobertadora de responsabilidades), do cumprimento dos pressupostos do internamento.
Por isso parece à Câmara que as vantagens de uma intervenção judicial necessária - mesmo segundo o regime da legislação actualmente em vigor, de confirmação se post facto (que em qualquer dos casos não livra o abusivamente internado dos vexames do internamento em si) - não superam nem igualam, pelo menos no caso de internamento em estabelecimentos públicos, os inconvenientes. E propõe por conseguinte para este caso, um regime de mera intervenção judicial repressiva, moldado sobre as disposições do projecto que a regulavam já (designadamente bases XVIII, n.º 6. XIX, n.º 2. XXIII, etc.).
Ver-se-á adiante que se contrabalança esta diminuição de garantias por uma providência que parece à Câmara largamente superá-la: a imposição da necessidade de uma periódica inspecção, por parte das autoridades psicossanitárias, à legalidade da situação e condições de internamento dos hospitalizados e internados.
Por último, comem afastar um argumento que prima facte se poderia invocar contra o regime defendido pela Câmara Corporativa o argumento segundo o qual o regime de intervenção judicial necessária seria imposto pelo § 4.º do artigo 8.º da Constituição Política (na tradição do artigo 333. º do Código Civil).
O problema, aliás, note-se, só se poria quanto ao internamento em regime fechado, o qual, privando o doente [segundo a base VIII da Lei n.º 2006 e o artigo 52.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 34 502] «das garantias dos assistidos em hospitais comuns», designadamente do direito de saída (1), bem poderia considerar-se verdadeira detenção para efeito de aplicação do § 4.º do artigo 8.º da Constituição Política, e bem se compreenderia exigir autorização judicial preventiva.
Mas, lendo-se com atenção a referida disposição constitucional, chega-se à conclusão que ela impõe apenas e ùnicamente que «a detenção em estabelecimento de alienados» se leve a efeito sòmente «mediante ordem por escrito da autoridade competente», a qual parece à Câmara poder ser uma autoridade administrativa, e não necessàriamente jurisdicional.

33. Quanto à intervenção dos órgãos ou autoridades administrativas de saúde mental, ela deve ser preventiva e repressiva.
O primeiro ponto, estreitamente ligado ao regime jurídico das formalidades de internamento, será tratado com o necessário detalhe num momento ulterior.
Quanto ao segundo, propõe a Câmara o restabelecimento de um regime que já tem entre nós a adições, pois constava já do artigo 7.º do regulamento do antigo Hospital de Alienados de Rilhafoles, regulamento aprovado por Decreto de 7 de Abril de 1851 (2) o regime de inspecção periódica obrigatória da situação jurídica e condições de internamento dos internados nos diferentes estabelecimentos de saúde mental, públicos ou privados.
Esta inspecção periódica é confiada às direcções dos centros de saúde mental (base X, alínea f), do projecto da Câmara)]. Para além desta atribuição de competência (à direcção, note-se, e não ao director), parece à Câmara que, numa lei de bases, convém apenas consagrar o princípio, numa regra flexível e maleável, deixando deliberadamente para regulamento os pormenores da sua concretização.

-----------
(1) O regime de aprovação posterior ao inteiramente, apresenta já de certo modo também natureza repressiva. No entanto o seu espírito é de evitar que os abusos, embora tenham começo de execução, sejam «levados a efeito», como diz o artigo 8.º § 4.º da Constituição Política. Por esse motivo, prefere-se a sistematização apontada.
(1) Por direito de saída entende se aqui o direito de abandonar o estabelecimento, não evidentemente o de saída transitória. Sobre estes pontos, cf Prof Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II p 462.
(2) «Para evitar os abusos que possam cometer se na detenção dos alienados, assim como para obstar a que se atente contra a liberdade e segurança pessoal dos indivíduos dando os como alienados, ou seja no acto da sua admissão ou durante a sua permanência no Hospital, são incumbidos os membros da administração superior do Hospital de fiscalizar a admissão dos doentes e de visitar, en officio, de três em três meses pelo menos, o mesmo Hospital fazendo os convenientes, investigações para conhecerem a verdadeira posição e estado de cada alienado, e recebendo as reclamações que em todo o tempo lhes queiram dirigir, a respeito de qualquer alienado, os seus parentes ou amigos». Vide também artigo 16.º, § 17.º

Página 241

12 DE DEZEMBRO DE 1962 241

Igual dever de inspecção parece dever impor-se - mas sem periodicidade - ao próprio Instituto de Saúde Mental, para os doentes de todo o País [vide base IV, alínea f), da proposta da Câmara].

34. Como ficou dito, o regime do projecto quanto à protecção da liberdade individual é sensivelmente o da Lei n.º 2006 e Decreto-Lei n.º 34 502.
Este regime tem de ser harmonizado com os princípios gerais adoptados, e pode além disso ser esclarecido e aperfeiçoado.
Para ser examinado em detalhe, comem fazer prèviamente duas ordens de distinções, cujos termos servirão de material conceptual para a análise subsequente,

A) Distinção de tipos de admissão;
B) Distinção de momentos em que interessa prover à defesa da liberdade individual.

35. A) Distinção de tipos de admissão - O artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 34 502 estabelece três classificações de admissão de doentes mentais em regime de internamento,

a) Em regime aberto ou em regime fechado,
b) Ordinária ou de urgência;
c) Particular ou oficial.

A mais importante classificação é sem dúvida a primeira, que o mesmo decreto-lei (no seguimento, aliás, da base VIII da Lei n.º 2006) resolve pelo critério um tanto vago da atribuição ou não atribuição ao internado das garantias dos admitidos em hospitais comuns (1).
Na admissão em regime aberto não há qualquer perigo de restrição abusiva do direito de liberdade doente submete-se a ela, voluntariamente (no sentido pelo menos de «sem oposição manifestada»), e permanece nela voluntàriamente, dado que conserva o direito de saída, tal como os doentes «admitidos em hospitais comuns» (2).
A admissão em regime fechado caracteriza-se essencialmente pela irrelevância da vontade do internado ou hospitalizado - este será internado querendo ou não querendo, e manter-se-á internado queria ou não queria.
Assim a admissão e internamento em regime aberto é dependente da vontade do admitido e internado; a admissão e internamento em regime fechado é independente da vontade do admitido e internado. Esta a distinção essencial entre as duas formas (3).
Note-se que parece à Câmara dever especificar-se na lei os motivos que podem justificar a admissão e internamento em regime fechado, e que parece à Câmara igualmente útil que, a par do internamento em regime fechado - internamento compulsivo - se fale de duas outras matérias afins o tratamento domiciliar compulsivo, ou em regime fechado e a chamada compulsiva para tratamento ambulatório ou observação.
Convém apreciar todos estes pontos com alguma demora.

36. Comecemos pelo primeiro fundamentos legais de internamento em regime fechado.
A Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, actual Estatuto da Assistência Psiquiátrica submete a internamento em regime fechado os «anormais perigosos ou anti-sociais» a que se refere a base XIX (1). Efectivamente, quanto a estes, em face da sua perigosidade ou anti-socialidade, o interesse público justifica que se não atenda para os internar à sua vontade o interesse público supre o consentimento do doente (2).
Simplesmente, não se deverá ir mais longe?
É certo que o direito de liberdade exige que seja licito ao doente recusar-se a tratar-se (embora já seja difícil compatibilizar esta ideia com a licitude do suicídio, quando a recusa acarreta necessariamente a morte, de outra forma evitável). Mas entende-se que o médico pode tratar o doente (do corpo) sem o seu consentimento quando este o não possa prestar, por estar inconsciente, por exemplo. Ora, os casos de anomalia mental têm anuidade com os casos de inconsciência - são hipóteses em que o doente não pode exprimir uma vontade nacional e esclarecida.
Não segue a Câmara esta ideia até ao ponto de entender legítima a imposição do tratamento, invito patiente em todos os casos de doença ou anomalia mental. Entre ambos os extremos - respeito absoluto pela vontade, ainda que desrazoável, do doente ou desrespeito absoluto pela sua liberdade - escolhe a Câmara um terceiro caminho, médio e balizado.
Só será lícito internar em regime fechado o doente verificando-se cumulativamente os seguintes requisitos,

1.º Provável oposição futura do doente, durante o tratamento. Caso o doente se não oponha (consentindo ou nada fazendo) o regime deve ser aberto. Se desrazoavelmente o doente quiser então sair, poderá a todo o tempo pedir-se a paisagem para regime fechado - ingente, se tal for o caso.
2.º Injustificabilidade dessa oposição. É preciso que o doente não dê razão alguma da recusa, ou dê razões claramente privadas de validade.
3.º Ser o tratamento presumivelmente eficaz para a cura ou melhoria do doente
4.º Tratar-se de doença grave e prejudicial ao próprio doente, quer actualmente grave e prejudicial, quer na sua provável evolução

--------------
(1) Das outras classificações feitos pelo artigo 52.º alínea a), a distinção entre admissão ordinária e de urgência explica se por si (a elaborada definição do § 1.º do mesmo artigo diz respeito ao regime e não ao conceito) e a distinção entre admissão particular e oficial, por natureza de entidade requerente, não tem importância de maior. Outras classificações se podem, aliás, fazer da admissão e do internamento, e em algumas delas serão mais tarde baseadas diferenças de disciplina legal, assim, a admissão e o internamento podem ser em estabelecimento oficial ou particular provisória ou definitiva para observação ou para tratamento, etc.
(2) Referir-nos-emos sempre aos doentes jurìdicamente capazes - quanto aos outros, a sua vontade e de jure substituída pela do seu representante legal. E nos «doentes admitidos em hospitais comuns» não contarmos os de internamento obrigatório atingidos por doença com «grave perigo de contágio» [base III, alínea d), e base V, n.º 3, da Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949], em especial por lepra contagiosa (artigo 2.º, § 3.º, do Decreto-Lei n.º 36 430, de 2 de Agosto de 1947) ou tuberculose que ofereça «perigo grave para a saúde pública» (artigo único do Decreto-Lei n.º 44 439 do 30 de Junho do 1962).
(3) Esta e só esta a distinção entre os dois regimes é pois de carácter jurídico o não material. Nada tem portanto com a existência ou inexistência de cadeados nas portas, guardas e baixas nas janelas.

(1) Embora a lei possa suscitar neste ponto algumas dúvidas esta e a solução que parece certa V Prof Cavaleiro de Ferreira Curso de Processo Penal, II, p 462.
(2) O interesse público é mais relevante que a vontade, mas não que o interesse do doente, e por isso o internamento em regime fechado permanece medida de assistência e não de segurança

Página 242

242 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

Cumulando-se estes requisitos, parece à Câmara lícito sacrificar a vontade do indivíduo, a sua liberdade, ao seu próprio interesse, inteirando-o contra vontade.
Ou em nome da defesa social, ou em nome do próprio interesse do internado, a admissão em regime fechado caracteriza-se, portanto, em face da admissão em regime aberto, pela irrelevância da vontade do internado, que pode até, se fugir, ser reconduzido ao estabelecimento manu militari (base XXXVII proposta).

37. Vejamos agora os outros pontos assinalados.
O projecto governamental (base I n.º 3) prevê quatro regimes de tratamento dos doentes mentais ambulatório, domiciliário, de colocação familiar e de hospitalização.
Só este último porém - ao qual prefere a Câmara denominar internamento, porque por hospitais só são referidos os estabelecimentos previstos nas alíneas i) e j) do n.º 1 da base XI do projecto governamental - é regulado em detalhe. Os outros são pura e simplesmente omitidos.
Ora, quanto a eles põem-se da mesma forma problemas de equilíbrio entre a tutela da liberdade pessoal e a necessidade de a restringir em tratamento psicossanitário. Isto mesmo revela a Constituição Política da República Portuguesa quando no seu artigo 8.º § 4.º. equipara, para o efeito de exigir «ordem por escuto da autoridade competente», a «detenção em estabelecimento de alienados» a «detenção em domicílio privado».
Abordado o problema parece à Câmara, antes de mais, que o esquema de formar de tratamento constante do n.º 3 da base I do projecto governamental é na realidade susceptível de esquematização e simplificação. O doente ou vive e é tratado em casa (sua ou de outrém) - tratamento domiciliário, ou vive em casa e é tratado em serviço ou estabelecimento próprio - tratamento ambulatório, ou vive e é tratado em estabelecimento de saúde mental (oficial ou particular) - internamento (1).
Em qualquer dos casos, pode ser retido e tratado à força, se preciso for, ou retido e tratado sem oposição sua. O tratamento domiciliário, designadamente, pois dele cometamos por tratar, pode ser do tipo do regime fechado (e então exige a Constituição «ordem por escrito da autoridade competente») ou do tipo do regime aberto (cometendo quem retenha o doente - quando capaz de jure - contra sua vontade, o crime de cárcere privado nos termos do artigo 330.º do Código Penal.
O doente tem de ser protegido contra possíveis abusos no tratamento domiciliário como no hospitalar.
Numa lei de bases, parece só caber a equiparação em princípio do tratamento domiciliário em regime fechado ao inteiramente em regime fechado em estabelecimento particular; criando-se para o primeiro a figura do responsável pelo tratamento, que será em princípio o requerente do mesmo (que por esse motivo não poderá ser um órgão público).
Em princípio, portanto, deveria como orientação de base nesta matéria bastar a base XXIII, n.º 2, proposta. Quis-se, no entanto, fazer aflorar essa equiparação em pontos especiais sempre que se fez sentir uma razão convincento. Assim, pelo facto de a necessidade de autorização superior para que tal situação jurídica se constitua ser disposição constitucional (artigo 8.º, § 4.º, da Constituição Política), é a Câmara conveniência em afirmar tal necessidade na base X, alínea e); como tal autorização levanta problemas particulares, são estes resolvidos na base XXIX proposta; a tripartição de formas de tratamento tem refluxo na repressão penal dos abusos neles cometidos (base XXXVI proposta), e na base XXXVII convém indicar todos os casos em que certa pessoa capaz pode por virtude de tratamento psiquiátrico, ser compelida a manter-se em certo local a fim de permitir a contrario sensu qualificar de ilícita a retenção em qualquer outro caso.
Mas estes afloramentos do princípio geral já contido na referida base XXIII, n.º 3, não podem significar a contra que se não aplicam as restantes regras referentes ao internamento em regime fechado - como as da base X proposta, alínea f) ou da base XXXVIII como meros exemplos (e sem contar com as bases redigidas em termos amplexivos, como o base XXXIX, n.º 1).
É possível que esta jurisdição de uma matéria que tem sido tradicionalmente confiada ao bom senso das famílias e autoridades administrativas e policiais traga consigo um retraimento das pessoas e ocuparem-se de dementes, ainda que seus familiares quando necessitem de os submeter a regime fechado o entanto, as regias que a Câmara propõe parecem lhe necessárias para evitar que com o pretexto da incapacidade mental (não oficialmente verificada), se coarcte a liberdade dos indivíduos. E o inconveniente apontado não é grande, pois tais dementes estarão sempre melhor em estabelecimentos próprios do que em casas de família (1).
A lei nesta matéria, tem ser sempre muito melhores que os factos.

38. Parece à Câmara, no entanto, que a este princípio da equiparação do doente em tratamento domiciliário em regime fechado ao internado no mesmo regime se deve introduzir uma excepção importante.
Se o internamento em regime fechado em serviços do Estado oferece garantias que justificam a dispensa de uma necessária autorização judicial, contentando-se a Câmara com a proposta de uma necessária autorização administrativa, repugna no entanto mais que mediante simples acto da Administração, se vergue a liberdade de um particular pondo-a a mercê de outro particular.
A situação é demasiado parecida com um cárcere privado para a Câmara não sentir que exige cautelas especiais. E assim, o internamento em regime fechado em estabelecimento particular e a sujeição do doente a tratamento ambulatório em regime fechado são regulados na proposta da Câmara de harmonia com o sistema da autorização judicial (intervenção judicial necessária preventiva en ante facto).
O pedido de tal internamento ou sujeição a tratamento será sujeito a aprovação por parte do Centro de Saúde Mental, que o enviará seguidamente ao tribunal competente. Só depois da autorização deste o doente poderá ser internado.
Quaisquer pormenores do sistema poderão ser desenvolvidos em regulamento.

-----------
(1) Ainda claro que o estabelecimento seja dos referendos na alínea h) da base XV ou «lares educativos, ainda que seja ainda que semi internamento (internamento de dia ou de noite).

(1) Poderia até pensar-se em proibir o tratamento domiciliário em regime fechado. Não parece porém a Câmara aconselhável privar parentes e amigos da faculdade de zelarem, em condições de especial sacrifício, por um doente mental

Página 243

12 DE DEZEMBRO DE 1962 243

39. Resta o problema da legitimidade de submissão compulsivo, de alguém a tratamento ambulatório.
Aqui há distinguir o tratamento propriamente dito e a observação.
Quanto ao primeiro, parece aconselhável submetê-lo ao mesmo condicionalismo do internamento em regime fechado - nesse sentido se propõe a base XXXI, n.º 1. Só poderá ser portanto sujeito a tratamento ambulatório compulsivo o demente anti-social (este excepcionalmente, pois normalmente deverá ser internado) e o demente a respeito do qual se verifiquem os requisitos anteriormente apontados. Fora disso, não é lícito impor a ninguém, contra sua vontade (ou de quem o represente), tratamento psiquiátrico, se algum funcionário o fizer, incorre nas penas do crime de violências (artigo 299.º do Código Penal, tem algum alargamento do tipo, base XXXVI, n.º 3, proposta), se o fizer algum particular, incorrerá sempre pelo menos nas penas do artigo 329.º do Código Penal, que não parece necessário repetir nesta lei.
A entidade competente para determinar este tratamento parece dever ser a mesma do que depende o internamento em regime fechado, o director do centro de saúde mental quando o tratamento, deva ser feito em serviços públicos; o tribunal, quando em instituições particulares (1).
Quanto à observação compulsiva, parece à Câmara só dever impor-se se houver fortes indícios de que os requisitos atrás referidos se verificam.
Mas aqui parece dever alargar-se a competência paia determinar a mera observação compulsiva a qualquer director de estabelecimento ou serviço de saúde mental - isto para evitar que uma brigada móvel, por exemplo, tenha de aguardar licença do centro para observar doentes renitentes (e nas condições referidas). Neste sentido se propõem os n.ºs 2 e 3 da base XXXI.

40. Convém intercalar neste momento o seguinte reparo.
Procura a Câmara com o projecto que apresenta regular com justiça certa matéria, e não acudir a certo estado de coisas. A lei que propõe não é ocasional ou de emergência, é um estatuto, regime estável e tanto quanto possível completo de determinada zona de relações sociais. Pelo que é evidente que qualquer disposição que à Câmara pareça justo incluir nunca pode ser tomada como significando que, na opinião da Câmara, se tem procedido em Portugal contràriamente, sendo preciso um remédio legislativo para o que se vem praticando.
Assim como a projectada reforma do Código Penal não pode ter como significado a verificação de qualquer surto anormal de criminalidade, avim a estruturação de todo um regime de garantias no estatuto de assistência psiquiátrica não pode levar a concluir que em Portugal se repetem - ou esperam - abusos e prepotências. Que nenhum se tente sequer verificar, a existência, de uma lei completa e ponderada só prestigia o sistema jurídico nacional; que um se tenha evitado, e a lei está amplamente justificada.

41. B) Distinção de momentos de necessidade de defesa.
Convém encarar agora a segunda ordem de distinções que anteriormente foi enunciada.
Para esclarecimento do regime a fixar, interessa distinguir três momentos em que cabe prover à defesa da liberdade individual em face de possibilidade de abusos no internamento (1).
São eles os seguintes;

a) Início do internamento;
b) Decisão do internamento,
c) Termo do internamento

42. a) O início do internamento aquilo a que se chama admissão (em regime de internamento).
O início de certo tipo especial do internamento pode verificar-se também por passagem de outro tipo àquele.
Primeiro apreciar-se-á o regime de admissão e seguidamente o da passagem.
Dentro da admissão interessa considerar três submomentos;

1) Pedido de admissão;
2) Processo de admissão,
3) Decisão da admissão

Esta análise é válida qualquer que seja o tipo de admissão que se considere
1) Quanto ao pedido de admissão, interessa considerar a pessoa ou entidade que o faz (legitimidade para formular o pedido) o a entidade que o receite (competência para aceitar o pedido).
O primeiro ponto é regulado pelo projecto na base XVIII, n.º 1, em termos extremamente amplos e sem qualquer distinção do regimes consoante os vários tipos de admissão e internamento.
Este regime parece de criticar.
Quanto a admissão em regime aberto, dado que não oferece perigo para a liberdade individual compreende-se que se ligue a legitimidade para requerer o internamento (não sendo o próprio) a qualquer vínculo familiar ou à mera responsabilidade pelos encargos que o mesmo internamento acarreta.
Não assim, porém, na admissão em regime fechado.
Legitimidade para pedir a admissão em regime fechado deve ter antes de mais o próprio, evidentemente (2). Mas já não concorda a Câmara com a atribuição de legitimidade para este efeito a toda a extensa e indeterminada série de pessoas a que se refere a base XVIII, n.º 1.
É que, no caso da admissão em regime fechado, está em jogo muito mais do que a responsabilidade por despesas de tratamento, está em jogo a liberdade pessoal do indivíduo, e só se deve admitir que peçam a sua restrição pessoas e entidades que dêem suficientes garantias de que este pedido é feito realmente no interesse do alienado.
Não propõe a Câmara um regime tão estreito como o do artigo 27.º do Mental Health Act inglês, de 29 de Julho de 1959 segundo o qual «os pedidos de admissão de um doente para observação ou tratamento podem ser formulados ou pelo seu parente mais próximo ou por um funcionário da assistência aos doentes mentais»,

------------
(1)Deverá a autorização judicial para tratamento domiciliário em regime fechado implicar automática e necessàriamente autorização para tratamento ambulatório compulsivo. Parecem à Câmara inconvenientes automatismos nesta matéria. O que nada impede é que sejam pedidas, e concedidas simultaneamente ambas as autorizações, a usar na medida do necessário.

(1) Só do internamento se falará, porque os tratamentos domiciliário e ambulatório se regulam afinal por remissão para este.
(2) Admite-se que o próprio preveja, que de futuro se oporá injustificada e prejudicialmente a continuação do seu próprio tratamento (sobretudo no caso dos toxicómanos)

Página 244

244 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

gozando neste último caso o parente mais próximo de um direito de veto ou oposição. Mas não se considera conveniente um regime tão lato como o de Marrocos, em que (nos termos do artigo 9 do Dahir n.º 1-58-295, de 30 de Abril de 1959, publicado no Boletim Oficial de 15 de Maio de 1959) «a hospitalização pode verificar-se a pedido do doente ou de qualquer pessoa pública ou privada agindo no interesse do doente, dos seus parentes próximos ou da ordem pública».
Em princípio, a legitimidade para requerer o internamento em regime fechado deve coincidir com a legitimidade para requerer a interdição por demência; ou seja, deve ser atribuída ao cônjuge do desassisado, ou a qualquer parente sucessível (artigo 315 º do Código Civil) e ainda ao Ministério Público, em casos especiais, que convém regular ex novo, abandonando o preceito antiquado do artigo 316.º do Código Civil (1). A esta enumeração deve juntar-se o próprio doente e o seu tutor, quando o tenha.
O Ministério Público deve intervir no caso de falta ou desconhecimento de qualquer outra pessoa legítima, no caso de a inacção destas resultar manifestamente de negligência ou má vontade, no caso de o doente mental ser tratado com negligência ou crueldade e ainda no caso previsto na parte 2.º do n.º 1 da base XVIII (às autoridade policiais só deverá ser reconhecida competência para promover a admissão urgente).
O decreto regulamentar desta lei deverá determinar qual o agente do Ministério Público competente; e convém que afirme expressamente o direito de qualquer pessoa ou entidade particular se dirigir a ele, comunicando-lhe quaisquer casos de doentes mentais que conheça nas condições acima referidas, e o dever de as entidades de direito público assim procederem igualmente.
Convém ainda especificar sanções contra todas as pessoas que requererem a admissão em regime fechado de outra, quando esta se encontre isenta do qualquer anomalia mental que o justifique, nos casos em que o requerimento seja formulado dolosamente (com perfeito conhecimento da sanidade mental do requerido) ou com negligência (falta de cuidado na averiguação dos fundamentos do requerimento). A sanção deve ser uma indemnização no requerido, que abranja os danos morais por este sofridos. No caso de dolo - uma vez que aquele que requerer a admissão de outrem em regime fechado, pelo menos implicitamente, afirma a sua convicção de que o requerido o necessita -, parece justo submeter ainda o requerente às penas do artigo 242.º do Código Penal.
Também podem os tribunais ordenar a admissão em regime fechado, mas só nos casos em que a lei expressamente o preveja, como nos dos artigos 951.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, 132.º e 629.º do Código de Processo Penal, ou no do artigo 6.º da Lei de 3 de Abril de 1896. A respeito deste último caso - internamento para exame da integridade mental do arguido em processo-crime - não vê a Câmara senão vantagens em colmatar uma lacuna do nosso direito processual penal, estabelecendo que este internamento para exame - que é, em todo o caso, uma retenção do arguido - só seja licito quando o seja a prisão preventiva daquele.
Quanto à competência para receber o pedido de admissão, deve caber em regra aos centros de saúde mental, onde o processo correrá, nos termos da alínea b) do n.º 3 da base VII. Exceptuam-se apenas os processos de admissão em regime aberto em estabelecimentos particulares, que parece poderem correr no próprio estabelecimento, embora devam ser posteriormente remetidos ao centro de que o estabelecimento dependa, para serem por aquele centro visados, assim se assegurando a sua regularidade e o cumprimento pelo centro das funções de registo e estatística que lhe são atribuídas pelas alíneas d) e c) do n.º 3 da base VII. A admissão em regime aberto em estabelecimento particular não é mais do que um contrato de direito privado, em benefício de um dos contraentes ou de terceiro, e como tal deve em princípio, ser tratado.
O centro de saúde mental a estabelecer como competente deve ser o do domicílio do internando, ou, na sua falta, o da residência, excepto quando razões ponderosas, devidamente especificadas no requerimento de admissão, justifiquem que seja outro o centro escolhido.
Quando o pedido se refira a internamento em estabelecimento oficial, é o centro que o escolhe entre aqueles que dele dependem, quando julgar mais adequado um estabelecimento dependente de outro centro, admiti-lo-á provisoriamente num dos seus e remeterá o processo, com a sua proposta fundamentada, ao delegado de zona ou, quando este não exista (zona sul) ou o estabelecimento a outra zona pertencer, ao Instituto de Saúde Mental.
Nada parece opor-se, porém, a que no pedido de admissão se especifique um estabelecimento oficial preferido; esta especificação não deve, porem, vincular o centro, que a tomai ú em atenção se os interesses do doente e as conveniências do serviço o permitirem. Parece também conveniente estatuir expressamente que os estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde e Assistência, bem como as autoridades judiciais, administrativas e policiais, deverão encaminhar aqueles que se lhes dirijam e informá-los das formalidades necessárias para conseguir a hospitalização em estabelecimentos psiquiátricos.
Mas os últimos pontos referidos parece dever em ser reservados para decreto regulamentar.
2) Convém agora fixar os princípios referentes ao processo de admissão em regime fechado.
A base XVIII, n.º 3, do projecto exige que o pedido de admissão seja instruído por «atestados, válidos por dez dias, passados por dois médicos, sempre que possível psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado».
Ora, para assegurar o esclarecimento da autoridade psicossanitária, ou desta e da judicial, em ajunto de tal gravidade, convém frisar que os atestados médicos não se devem limitar a atestar cruamente a doença ou anomalia, mas devem descrever os fundamentos das suas conclusões.
Neste sentido se pi opõe a base XXVI, n.º 3.
3) A admissão em regime aberto envolve uma dupla decisão a do estabelecimento oficial ou particular (ou serviços de que estes dependam) em aceitar internar, e sempre a do doente em aceitar ser internado, dado que ao doente (nesta forma de admissão) se reconhece o direito de saída. A admissão em regime aberto é voluntária.

--------------
(1) Pelo anteprojecto da parte do futuro Código Civil referente às incapacidades, artigo 3.º (Boletim, do Ministro da Justiça n.º 111, p 219), a legitimidade do Ministério Público deixa de estar sujeita a quaisquer condições O anteprojecto baseia esta solução no facto de a interdição ter em vista sobretudo o interesse do próprio incapaz (além de em razões de direito comparado), o que, se justifica a legitimidade do Ministério Público, não justifica que ela não seja subsidiária, como no Código Civil e no projecto proposto pela Câmara.

Página 245

12 DE DEZEMBRO DE 1962 245

E por isso a admissão em regime aberto não é tão estreitamente regulada como a admissão em regime fechado. Em regulamento se poderão suprir as lacunas neste ponto deixadas.
Mais ainda,
A admissão em regime aberto deve poder ser feita em regime de aprovação ou confirmação. Quem se dirija a um estabelecimento psiquiátrico solicitando admissão deve poder ser logo internado. Se se tratar de um estabelecimento particular o seu processo será visado pelo centro de saúde mental, se se tratar de um estabelecimento oficial, o internamento seja confirmado pelo mesmo centro, o qual, se for caso disso, desempenhará a sua função de distribuição dos doentes mentais da sua zona pelos vários estabelecimentos aí existentes mediante uma transferência.
A decisão sobre a admissão em regime fechado pode caber ao tribunal (no caso de internamento em estabelecimento particular) ou ao centro de saúde mental (no caso de internamento em estabelecimento oficial). No primeiro caso o centro de saúde mental ajuíza da necessidade e o tribunal da legalidade do internamento; no segundo caso, a decisão compete ùnicamente ao director do centro de saúde mental, que ajuizará da necessidade e legalidade do internamento e assumirá a responsabilidade respectiva.
A decisão de internamento em regime fechado é proferida em regime de autorização, ou seja precedendo o efectivo internamento - excepto em caso de admissão de urgência.
Com efeito, tudo quanto ficou dito refere-se à admissão ordinária. A admissão de urgência justifica o desvio estabelecido no n.º 5 da base XVIII e ainda o alargamento da legitimidade para requerer a admissão às autoridades policiais.

43. Convém deixar assente na lei o princípio de que a admissão em regime de internamento, como aliás todo o tratamento psiquiátrico, só pode ser motivada, em qualquer hipótese, pelo estado mental do internado. O próprio internamento em regime aberto em estabelecimentos particulares não deve ser consentido por pura, excentricidade ou brincadeira, ou - como já tem acontecido -, para fins de reportagem jornalística ou outros. Todos os estabelecimentos dedicados primàriamente à promoção da saúde mental devem concentrar-se nesta finalidade, não são hotéis ou casas de aberrante diversão.
A admissão em regime fechado deveria considerar-se provisória nos primeiros três meses de internamento, carecendo para se converter em definitiva, de confirmação do director do estabelecimento, devidamente justificada e comunicada, ao centro de saúde mental (ou a este e ao tribunal, no caso de o estabelecimento ser particular). Na verdade a primeira fase de hospitalização em regime fechado será necessàriamente (apesar dos atestado») fase de obstinação, que pode conduzir à conclusão de que não é necessária. Este ponto, porém, pode ser reservado para o decreto regulamentar (1).

44. A passagem do internamento em regime aberto para regime fechado é, e muito bem, sujeita pelo projecto às formalidades da admissão pelo menos quanto a justificação (base XVIII, n.º 4). Na realidade, deve ser sujeita ao regime da admissão, com a única ressalva de se alargar a legitimidade para a requerer ao director do estabelecimento onde o doente se encontra internado.
A passagem do regime fechado ao regime aberto parece deverem aplicar-se as regras referentes u alta dos hospitalizados; nesse ponto o projecto é omisso.

45. b) No decurso do internamento - além da mudança de regimes a que se refere o n.º 4 da base XVIII do projecto e que já foi apreciada - há que regular as seguintes matérias,

1.º Fiscalização da sua legalidade;
2.º Direitos inamovíveis ao hospitalizado,
3.º Possibilidade de transferência

1) O projecto estabelece um sistema bastante completo e satisfatório de normas tendentes u fiscalização da legalidade da continuação do internamento. Esse sistema conota fundamentalmente das bases XVIII, n.ºs 6 a 9, e XXIII.
Os aperfeiçoamentos que a Câmara crê propor a este sistema, além daqueles que decorrem das considerações já feitas (muito designadamente o que decorre do princípio da inspecção periódica obrigatória) serão referidos aquando do exame dessas disposições na especialidade.
2) Convém numa lei de bases estabelecer o princípio geral de que o internamento só pode acarretar as restrições dos direitos e liberdade do internado necessárias ao tratamento deste e ao bom funcionamento dos serviços
Seguir-se-á a disciplina de alguns direitos especial do internado, entre os quais avulta, como necessitando na lei clara formulação e disciplina, o direito de contacto com o exterior, designadamente por via epistolar.
O regime do projecto a este respeito consta da base XX, que igualmente será analisada em pormenor posteriormente, aquando do exame do projecto na especialidade.
3) Não contém o projecto, sobre a possibilidade de transferência do doente entre os vários estabelecimentos existentes, senão a particularíssima disposição da base XIII, n.º 3.
Propõe a Câmara Corporativa por isso que entre as disposições que correspondem no projecto às bases XVIII e XIX figure uma outra do seguinte teor,

1. A transferência de um doente internado de um para outro estabelecimento só poderá fazer-se por determinação ou mediante autorização do centro de saúde mental, do delegado de zona ou do director do Instituto de Saúde mental, consoante os estabelecimentos entre quais se opera a transferência dependam ou não do mesmo centro.
2 Exceptua-se a transferência entre estabelecimentos particulares de internados em regime aberto, a qual só deterá ser comunicaria ao centro ou centros de saúde mental de que os mesmos estabelecimentos dependam.
3 A transferência de internados em regime fechado entre estabelecimentos particulares, ou do oficial para particular, carece de autorização judicial

----------
(1) V no já citado Regulamento do Hospital de Alienados de Rilhafoles, Decreto de 7 de Abril de 1851, artigo 32 «admitido o doente, será posto em observação por tantos dias quantos forem bastantes para se formar juízo serão do seu estado mental, contanto porém, que não excedam quinze», artigo 33 «a definitiva admissão será precedida de verificação da efectiva alienação mental do doente pelos médicos do hospital, e, no caso de duvidas, precederá também despacho da administração superior»

Página 246

246 ACTAS DA CAMARÁ CORPORATIVA N.º 31

Às funções dos centros na transferência de doentes parece convir fazer referência na base VII, n.º. A [base X, alínea g), proposta].

46. c) Quanto ao termo ou fim do internamento (alta), regula a base XIX do projecto. A ela nos referiremos quando do exame na especialidade.

47. Parece ainda caber numa lei de bases a indicação, como direito subsidiário dos processos referidos neste projecto, das regras que disciplinam o processo de jurisdição graciosas artigos 1409.º e seguintes do Código de Processo Civil. Entre essas normas se conta, a do artigo 1411.º, n.º 2, do mesmo diploma das decisões (resoluções) do tribunal cabe recurso para a Relação, mas não para o Supremo Tribunal da Justiça. Neste sentido propõe a Câmara a base XIII, n.º 2. Uma lei completa deveria conter ainda duas normas mais.
Primeiro uma disposição revogatória da legislação anterior, a fim de explicitar revogações, que de outra forma são tácitas e portanto menos claras [como a da alínea e) do n.º 1 do artigo 91.º do actual Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 278, de 14 de Abril de 1962, pelo regime proposto de intervenção judicial repressiva} e a fim de conter a revogação expressa em bloco de diplomas como a Lei n.º 2006 e o Decreto-Lei n.º 34 502, evitando o problema, sempre difícil, da sobrevivência de alguma disposição isolada destes diplomas não incompatível com as disposições da presente lei.
Em segundo lugar, uma disposição regulando expressamente a entrada em vigor de lei - remetendo-a, como parece melhor, para a data da entrada em vigor do respectivo regulamento. Isto para evitar o problema, que se tem vindo tomando clássico, da entrada em vigor das leis de bases.
No entanto, o Governo nada propõe sobre estes pontos; não parece a Câmara dever supri-los. Se a regulamentação deste projecto (se convertido em lei) for feita - como vem sendo costume - em decreto-lei, as poderão inserir as disposições respectivas.

48. As 25 bases do projecto podem distribuir-se para 3 capítulos.
Disposições gerais - bases I e II,
Estabelecimentos serviços e instituições particulares de saúde mental - bases III a XV,
Tratamento e internamento dos doentes mentais - bases XVI a XXIV.

A Câmara propõe a sujeição do projecto a esta sistematização

II

Exame na especialidade

Base I do projecto

49. Neste ponto, parece convir introduzir-se (além de algumas modificações do forma e redacção) a sistematização que atrás ficou exposta quanto aos tipos do tratamento psiquiátrico.
E dado que as medidas de higiene são também em em rigor medidas preventivas, e que parece não dever uma lei fixar o grau de interesse com que serão encarados pela administração pública problema desta gravidade, a Câmara Corporativa propõe a seguinte redacção da base I

1 A promoção da saúde mental visa a assegurar ou a restabelecer o equilíbrio psíquico da pessoa humana e abrange a acção profilática, a acção terapêutica e a acção recuperadora.
2 A acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo, designadamente pedagógicas e de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências concernentes à saúde mental da infância e da adolescência devem ser consideradas como de importância primordial.
3 A acção terapêutica consiste no tratamento das doenças e na correcção das anomalias mentais, bem como tratamento das toxicomanias, em regime ambulatório, domiciliário, ou de internamento,
4 A acção recuperadora realiza-se pela aplicação de medidas psicopedagógicas, sociais e de outra natureza, destinadas à readaptação dos portadores de doenças e anomalias mentais, bem como de toxicomanias, com vista à sua integração no meio social.

Base II do projecto

50. Nada tem a Câmara a observar

Base III do projecto

51. A acção do Estado, no campo da saúde mental, é também exercida pelo Ministério da Justiça, quanto aos delinquentes. Só que neste ponto o Ministério da Justiça não prossegue primàriamente a promoção da saúde mental, mas sim a defesa social, e só secundàriamente, aquela.
O mesmo se verifica quanto ao Ministério da Educação Nacional, em que há serviços que prosseguem primàriamente funções de investigação e ensino, mas secundàriamente promoção da saúde mental (« as clínicas psiquiátricos das Faculdades de Medicina», a que se refere a base XIII) Isto sem contar com o Ministério do Ultramar.
Torna-se assim necessária uma correcção restritiva a introduzir no n.º 1 da base III.
Nesta ordem de ideias, e tomando em linha de conta certas alterações de forma que parecem e convenientes, a Câmara propõe que a base III tenha a seguinte redacção,
1 A acção do Estado destinada primàriamente à promoção da saúde mensal será exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, por intermédio do Instituto de Saúde Mental,
2 Como está
3 O director do Instituto será um psiquiatra
4 A direcção será assistida de um conselho técnico de saúde mental

Base IV do projecto

52. O [...] do n.º 1, pelas razões aduzidas acerca da base anterior, devia ter redacção mais restrita.
Neste n.º 1 refere-se a competência do Instituto de Saúde Mental, em globo, e não a da direcção do mesmo Instituto. Fica assim havendo uma certa lacuna quanto à competência do órgão especial que, dentro do Instituto de Saúde Mental, é a sua direcção [em face da formulação expressa da competência do conselho técnico (base V, n.º 1), ou das direcções dos centros (base VII, n.º 3)] Mas a Câmara não vê neste defeito

Página 247

12 DE DEZEMBRO DE 1962 247

do pormenor inconveniente bastante para justificar a sua sanação através de uma algo profunda modificação das bases do projecto.
Convém impor ao Instituto de Saúde Mental a criação e manutenção de um boletim, sobretudo como arquivo de trabalhos de investigação científica.
Às alíneas do n.º 1 da base em análise conviria acrescentar

i) Dar parecer, sob o aspecto psiquiátrico acerca dos projectos de construção, grande ampliação e remodelação dos edifícios dos estabelecimentos e serviços psiquiátricos.

53. O n.º 2 desta base levanta o problema da colaboração entre os serviços públicos.
Cremos que a regra aí expressa (restrita aos serviços de saúde, hospitalares e assistenciais em relação ao Instituto de Saúde Mental) vigora de jure condito (embora sem expressão constitucional, consoante deveria), como princípio fundamental de relação entre todos os serviços públicos em geral. Todos os serviços públicos deverão prestar-se entre si, dentro das suas possibilidades colaboração. Pelo que a Câmara considera este n.º 2 inútil (1) (e prejudicial, na medida em que pode inculcar que os serviços não abrangidos não têm qualquer dever de colaboração) e propõe a sua supressão (2).

54. O n.º 3 desta base, muito importante, foi já examinado nas suas implicações quando da apreciação na generalidade.

55. Pelas razões expostas, e julgando úteis outras alterações de forma, a Câmara propõe a seguinte redacção da base IV.

1 Compete ao Instituto de Saúde Mental dar execução, em geral, as funções do Estado enumeradas na base II e exercidas pelo Ministério da Saúde e Assistência, e designadamente,
a) Fixar procedendo parecer do respectivo conselho técnico, as condições de funcionamento dos estabelecimentos, e serviços destinados a localização de qualquer das modalidades de promoção da saúde mental;

b) Como está
c) Como esta,
J) Como está
e) Fomentar a investigação científica e prestar a assistência técnica que no campo da saúde mental lhe for solicitada.
f) Inspeccionar a situação e conduções de internamento e tratamento dos doentes mentais designadamente para verificar a sua localidade,
g) Como a alínea f) da base IV do projecto,
h) Manter em dia o registo dos doentes admitidos em estabelecimentos oficiais e particulares e elaborar as estatísticas aos serviços de saúde mental;
i) Dar parecer, sob o aspecto psiquiátrico, acerca dos projectos de construção grande ampliação e remodelação dos edifícios dos estabelecimentos e serviços
j) Publicar periodicamente um boletim de estudos psiquiátricos e relacionados
2 Suprimir
3 Passa a n.º 2.

Base V do projecto

56. O princípio da coordenação dos serviços psicossanitários dependentes dos Ministérios da Justiça e da Saúde e Assistência devia reflectir-se aqui através da presença no conselho técnico do Instituto de saúde Mental, de um criminologista que representasse o Ministério da Justiça.
Afigura-se além disso excessiva a representação dos directores e chefes de serviços de saúde mental do distrito de Lisboa [alínea c) do n.º 2], sendo mais equilibrado com o princípio contido na alínea d) do n.º 2 que - na falta de uma delegação do Instituto de Saúde Mental na zona sul (base VI, n.º 2, do projecto governamental) - os directores dos hospitais e dispensários de saúde mental da zona sul se façam representar no conselho por uma única pessoa.
Parece também a Câmara ser de dar representação no conselho à Ordem dos Médicos, ao director-geral de Saúde ao director-geral dos Hospitais e à previdência.
Por último o n.º 3 desta base pode ser simplificado sem alteração de sentido.

Base VI do projecto

57. Porque se entende que a matéria da base XXV do projecto melhor se situa a seguir à base V (conforme se demonstrará aquando do exame da referida base XXV),
a base VI deverá tomar o n.º VII passando a base XXV a ser a base VI.
O último período da base VI do projecto parece além disso, dever autonomizar-se como seu n.º 3.

Base VII do projecto

58. A base VII pelas razões atrás aduzidas passará a VIII.
Como melhor técnica de redacção legislativa, e a fim do facilitar a citação e referência de pontos do texto dispositivo (finalidade principal da articulação dos diplomas legais), parece à Câmara conveniente que os números de cada base não possam abranger mais do que um parágrafo gramatical (excepto quando contenham uma enumeração de alíneas, números ou trechos semelhantes).
Assim, a parte final do n.º 2 desta base, que começa em «A sede dos centros . ». deve ser transformada em n.º 3.
Ainda nesta grupo de modificações - de mera forma e técnica legislativa - , a Câmara propõe que o n.º 1 da base VIII constitua uma base autónoma com o n.ºIX. E para esta deposição propõe-se a seguinte redacção

Os centros de saúde mental serão dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência e deverão dispor de serviços diferenciados, se possível independentes para crianças, adolescentes e adultos.

Justificação convém não insistir no erro que representa a instalação, no mesmo hospital psiquiátrico, de clínicas psiquiátricas e secções asilares infantis, em intimo contacto com os serviços destinados aos adultos.
Julga-se de grande vantagem manter o serviço das crianças e adolescentes em hospital psiquiátrico pró-

Página 248

248 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

prio, deslocando-os do meio e ambiente hospitalar actual.

59. Propõe-se a divisão desta base em três, uma sobre a estrutura dos centros de saúde mental, outra fundamentalmente sobre a direcção e uma ainda sobre as suas funções Esta última corresponde ao n.º 3 da base VII do projecto governamental, com as seguintes modificações.
Na alínea a), acrescentando, para maior clareza, a expressão «. . e estabelecimentos neles integrados»;
Nas alíneas b) a g), esclarecendo melhor quais as funções dos centros na admissão e, além disso, na transferência de doentes.
Numa alínea h), estabelecendo o princípio da inspecção periódica obrigatória.
Seguindo-se, como alíneas i), j) e l), respectivamente, as alíneas c), d) e e) do n.º 1 da base VII do projecto governamental.

60. Em face destas considerações, e da conveniência de outras alterações de redacção, a Câmara propõe a seguinte redacção para a base em exame

BASE VIII

1 O serviço do Instituto é assegurado, em cada zona, por um centro de saúde mental.
2 Os centros gozarão de autonomia técnica e administrativa e a sua área de actuação será fixada de acordo com as necessidades específicas dos agrupamentos populacionais.
3 A sede dos centros será, de preferência, na sede dos distritos ou das regiões hospitalares. Os centros funcionarão em ligação com os restantes serviços de saúde e assistência, de modo a constituírem com eles centros médico-sociais locais.

BASE IX

Os centros de saúde mental serão dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência e deverão dispor de serviços diferenciados, se possível independentes, para crianças, adolescentes e adultos.

BASE X

À direcção dos centros de saúde mental compete
a) Orientar, coordenar e fiscalizar as actividades dos centros e estabelecimentos neles integrados ;
b) Distribuir os doentes mentais pelos estabelecimentos oficiais da sua zona, de acordo com as indicações médicas e sociais;
c) Aprovar a admissão de doentes em regime aberto, internados nos estabelecimentos da sua zona;
d) Autorizar a admissão de doentes em regime fechado, a internar em estabelecimentos oficiais da zona, bem como a sujeição a tratamento ambulatório compulsivo nos mesmos estabelecimentos,
e) Dar parecer sobre os pedidos de admissão em regime fechado, ou de sujeição a tratamento ambulatório compulsivo, em instituições particulares, bem como sobre os pedidos de sujeição a tratamento domiciliário em regime fechado, enviando-os, quando o parecer for favorável, ao tribunal de comarca competente, a fim de este dar a necessária autorização;
f) Visar o processo de admissão de doentes em regime aberto, em estabelecimentos particulares;
g) Determinar, autorizar ou tomar conhecimento das transferências de doentes, nos termos da base XXXII;
h) Inspeccionar periodicamente a situação e as condições de internamento de todo e qualquer internado em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular, da sua área, designadamente para fiscalizar a sua legalidade,
i) Como a alínea c) do n.º 3 da base VII,
j) Manter em dia o registo dos doentes em estabelecimentos oficiais e particulares da sua zona e elaborar as estatísticas referentes à respectiva área

Base VIII do projecto

61. Esta base passa a ter o n.º XIII, dado que antes se inserem as disposições que consagram a curatela de doentes mentais, estruturada e justificada quando da apreciação na generalidade.
Desloca-se também paia a base anterior, como ficou dito, o n.º 1 desta base VIII (do projecto).
Quanto ao n.º 2 º, a sua parte 2.ª (a qual traduz uma quebra das boas regras de articulação, quebra que desaparecerá na redacção proposta pela Câmara) levanta várias questões de natureza jurídica
Assim.
1.ª Tratando-se de uma qualidade de direito público, atribuída a órgãos desprovidos de personalidade jurídica (os estabelecimentos oficiais de saúde mental - parece que a personalidade jurídica é atribuída apenas ao Instituto de Saúde Mental cf base III , n.º 2, em comparação, designadamente, com a base VII, n.º 2, do projecto), a expressão «capacidade jurídica» deve ser substituída pelo termo «competência».
2.ª Fará acautelamento dos interesses dos estabelecimentos referidos e do Instituto em que se integram, convém:

Que as heranças só possam ser aceites a benefício de inventário;
Que só as doações não onerosas (sejam, aliás, puras, condicionais ou remuneratórias - cf. artigo 1454.º do Código Civil) sejam livremente aceitáveis pelos estabelecimentos oficiais de saúde mental, devendo a aceitação de doações onerosas ser superiormente autorizada pelo director do Instituto de Saúde Mental - em idade que em última análise suportará o encargo;
Que o mesmo se estabeleça quanto aos legados e outros actos a título gratuito.

Quanto ao n.º 4 da base em análise, nela se deverá fixar a percentagem mínima do produto líquido do trabalho remunerado do assistido, que deve reverter em favor do próprio assistido ou de sua família. Parece justo que esse mínimo seja o de um terço desse produto.
Essa percentagem destina-se primàriamente ao pecúlio ou subsídio de alta
Esclarece-se que o pecúlio ou subsídio de alta é uma soma destinada a ser recebida pelo internado normalmente após a alta, se o internado do mesmo pecúlio carecer.

62. Em harmonia com estas observações, a Câmara propõe para esta base a seguinte redacção

1 Os estabelecimentos oficiais de saúde mental integrados nos centros terão receitas próprias, pó-

Página 249

12 DE DEZEMBRO DE 1962 249

dendo ser-lhes concedida autonomia técnica e administrativa.
2 É da competência dos meamos estabelecimentos,
a) Aceitar legados, doações e outras liberalidades não onerosos, e ainda onerosos precedendo automação do director do Instituto de Saúde Mental;
b) Aceitar heranças, a benefício de inventário,
c) Receber pensionistas, competindo ao Ministério da Saúde e Assistência aprovar as tabelas das respectivas pensões e honorários clínicos;
d) Tirar proveito do trabalho realizado pelos seus internados ou assistidos em harmonia com o seu tratamento, devendo reverter a favor dos mesmos ou de sua família uma quota-parte não inferior a um terço do produto liquido desse seu trabalho.
3 Com as somas que, nos termos da alínea d) da base anterior, reverterem em favor do internado, e constituir-se-á para ele um pecúlio que lhe será entregue quando o internado dele necessitar para refazer a sua vida.

Bases IX e X do projecto

63. A base IX pode chamar a si a base X que igualmente se ocupa de aspectos da promoção da saúde mental infantil, e que pagará a constituir nesta base um n.º 2.
A ausência nesta base IX, de disposição semelhante a do n.º 2 da base XI, leva a crer ser intenção do Governo vedar em absoluto, no campo da saúde mental infantil, «o funcionamento de instituições particulares com finalidades semelhantes às dos serviços e estabelecimentos oficiais» Não é a Câmara o que possa justificar semelhante dureza de regime, se o campo da psiquiatria infantil oferece particular melindre e importância (cf parte final do n.º 2 da base I) isso só será razão para tomar particular cuidado na concessão de autorizações - nada mais.
A tradução desta ideia far-se-á, porém, mais tarde, pelo deslocamento do n.º 2 da base XI (alterado na sua redacção) para n.º 1 da base XIV.
Deve substituir-se a designação dispensário de higiene e profilaxia mental por
dispensário de higiene e profilaxia mental infantil neuropsiquiátrica, visto nele deverem funcionar consultas de neurologia, tão frequentes são as perturbações de natureza neurológica (motoras, etc.), que andam associadas. Por outro lado, os métodos de diagnóstico e tratamento em psiquiatria recorrem actualmente a intervenção do neurologista (electroencefalografia, pneumografia e pneumoterapia cerebrais, psicocirurgia).
Para o seu funcionamento perfeito, além do médico especializado em neuropsiquiatria infantil, outros colaboradores médicos (ortofomistas electroencefalografistas, etc ) serão precisos.
Deve, além disso, fazer-se referência ao carácter provisório das brigadas móveis [alínea. b], as quais serão extintas logo que possível e substituídas por consultas de neuropsiquiatria infantil a funcionar periòdicamente e com regularidade nos hospitais psiquiátricos, hospitais gerais e nos dispensários de higiene mental. Neste ponto, porém, dado que a orientação é semelhante em relação aos adultos propõe a Câmara uma única base, que se inserirá após a base XVII do projecto governamental (base XVII do projecto da Câmara).
Os serviços de psicotécnica e orientação profissional encontram-se sob a dependência do Ministério da Educação Nacional. Não se compreende que o Ministério da Saúde e Assistência não possa dispor de tais meios de estudo.
Insiste-se em que os estabelecimentos destinados às crianças e adolescentes devem localizar-se fora dos estabelecimentos destinados a adultos, mesmo de acordo com o n.º 1 da base VIII do projecto (n.º 4 da base VIII proposta pela Câmara).

64. Nestes termos, a Câmara propõe que as matérias das bases IX e X do projecto se agrupem numa só base assim redigida, o que tomará o n.º XIV,

1 São especialmente destinados à promoção da saúde mental infantil os seguintes estabelecimentos e serviços
a) Os dispensários de higiene e profilaxia mental infantil neuropsiquiátricos, destinados à prevenção, tratamento e recuperação dos menores que não necessitem de ser hospitalizados;
b) Como a alínea c) da base IX do projecto,
c) Os hospitais psiquiátricos infantis, para tratamento das perturbações psíquicas agudas e das anomalias de comportamento,
d) Como a alínea e) da base IX do projecto,
e) Como a alínea f) da base IX do projecto,
f) Como a alínea g) da base IX do projecto,
g) Como o alínea h) da base IX do projecto,
h) Como a alínea i) da base IX do projecto,
i) Os serviços de psicotécnica e orientação profissional
2 Como a base X do projecto.

Base XI do projecto

65. Acerca desta base, a Câmara propões,
A supressão da parte final da alínea h) do n.º 1, dado que os serviços destinados a delinquentes, dependentes do Ministério da Justiça, não se destinam especialmente à promoção da saúde mental, mas primàriamente à defesa social e só secundàriamente aquela finalidade.
O deslocamento do n.º 2 desta base para o n.º 1 da base XIV, a fim de o converter numa disposição geral também aplicável nos estabelecimentos e serviços previstos na base IX do projecto.
Além disso, e pelos motivos já expostos todo o equipamento assistencial neuropsiquiátrico dos adultos deve girar em torno dos hospitais psiquiátricos, onde funcionará o dispensário central que deve comandar todos os outros dispensário distritais e outros, criados em agrupamentos populacionais, que justifiquem a sua criação.

66. Por consequência, quanto a enumeração dos estabelecimentos e serviços especialmente destinados à promoção da saúde mental dos adultos, há que observar
a) Devem substituir-se por hospitais psiquiátricos, com uma rede de dispensários e serviço social especializado, destinados aos casos agudos;
b) Das brigadas trata-se em base autónoma;
c) Estes estabelecimentos passam, como se disse, a constituir a base do sistema [e por isso devem constar da alínea a)]; mas, a par deles e dos dispensários neles integrados prevêem-se dispensários e postos de consulta autónomos.
d) Suprimem-se as clínicas, cuja função é exercida pelos hospitais psiquiátricos;
c) Mantêm-se os serviços de recuperação para doentes de evolução prolongada;

Página 250

250 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

f) Mantêm-se as secções psiquiátricas em asilos gerais, e mesmo prevê-se que se possam constituir em hospitais gerais (com ou sem autonomia);
g) Subentende-se que são estabelecimentos destinados a recuperação e tratamento de casos crónicos, pois os casos agudos podem ser tratados nos hospitais psiquiátricos; o período de desabituação do doente é demorado e exige meios especiais de terapêutica (acção psicológica e educativa a fazer por palestras, colóquios, filmes, etc.) ;
h) Suprime-se a parte final, como ficou dito.
Os estabelecimentos destinados ao tratamento e correcção dos portadores de anomalias mentais (neuróticos) devem funcionar no sistema chamado "serviço aberto". Os serviços de medicina geral e os serviços neurológicos não os aceitam - também a sua entrada não é aceite nos hospitais psiquiátricos para não contactarem com doenças nas fases mais exuberantes das manifestações mórbidas e ainda para fugirem ao labéu de louco, alienado, etc.
Por outro lado, o número de neuróticos, pelas razões já apontadas, cresce assustadoramente e continuará a crescer até que se possam conseguir resultados apreciáveis das medidas de higiene mental e da terapêutica que se preconizam.
Razão por que se aconselha a organização de um serviço funcionando como serviço aberto (admissão e alta normalmente a pedido do doente, condições psicológicas especiais para a cura, etc.).
i) De manter-se a alínea i), embora seja de prever que, presentemente, bastem as instalações já feitas nos hospitais psiquiátricos, uma vez que as estatísticas acusam uma diminuição substancial - 8 por cento nas estatísticas de Passy. Uma vez desnecessários, os pavilhões feitos têm fácil e útil aplicação até como estabelecimentos de desabituação dos alcoólicos, toxicómanos, etc.
j) É de manter;
l) É de manter;
m) Passa a ser um caso especial numa alínea mais genérica;
n) É de manter;
o) Parece de suprimir em absoluto.

67. Propõe-se a criação, para além dos "serviços oficinais adequados (oficinas protegidas)" previstos na alínea m), e abrangendo-os, de serviços livres, agrícolas, artesanais ou mistos, em que os doentes viverão em regime de comunidade, percebendo uma remuneração pelo trabalho que executam.
Da remuneração (salário) e do produto de venda dos artigos manufacturados ou colhidos da terra, uma parte é aplicada às despesas gerais do serviço (alimentação dos assistidos, roupas, etc.); outra, a benefícios de conforto (rádio, televisão, etc.); outra, a aquisição de artigos para manufacturas, ferramentas, etc.
O restante constitui o capital do serviço. No estudo óptimo do seu funcionamento, o serviço vive dos recursos próprios, dispensando qualquer subsídio ou comparticipação do Estado.
O serviço permite a reinserção social dos assistidos.

68. Propõe-se ainda uma outra alínea: lares educativos, cuja instalação será do tipo do serviço de reinserção social, para os casos em que não seja aconselhável o reingresso do assistido no meio familiar ou se haja de evitar o seu isolamento, devendo manter o assistido em actividade profissional e social de nível normal.
No lar, o assistido encontra uma atmosfera familiar e de revalorização social, tanto mais que custeará as suas despesas (quarto, alimentação, etc.).
A actividade do assistido não deve ser exercida no lar.
Propõe-se, por último, uma nova alínea: serviços de reintegração.

69. Em face destas observações, a Câmara propõe a seguinte redacção para a base XI (que passa a base XV):

São especialmente destinados à promoção da saúde mental dos adultos os seguintes estabelecimentos e serviços:
a) Hospitais psiquiátricos, com uma rede de dispensários e serviço social especializado;
b) Dispensários e postos de consulta autónomos;
c) Serviços de recuperação, para doentes de evolução prolongada;
d) Secções ou serviços psiquiátricos funcionando em hospitais ou asilos gerais, com ou sem autonomia;
e) Estabelecimentos para tratamento e recuperação de alcoólicos e outros toxicómanos;
f) Estabelecimentos destinados ao tratamento e correcção dos portadores de anomalias mentais sem psicose;
g) Como a alínea i);
h) Como a alínea j);
i) Como a alínea l);
j) Como a alínea n);
l) Serviços livres, agrícolas, artesanais ou mistos, como as oficinas protegidas, em que os doentes viverão em regime de comunidade, percebendo uma remuneração pelo trabalho que executam;
m) Lares educativos, para reinserção social do ex-doente, que custeará pelo seu trabalho exterior as despesas que no lar fizer;
n) Serviços de reintegração.

70. Não vê a Câmara conveniência na disposição constante do n.º 2 da base XI do projecto governamental, pelo que propõe a sua supressão.

Base XII do projecto

71. É de manter - como base XVI - com uma pequena alteração de redacção. A doutrina do n.º 2 só será exequível fazendo viver em torno do hospital psiquiátrico toda a rede assistencial neuropsiquiátrica, como se propõe.
Entre esta base e a seguinte inserir-se-á a que diz respeito às brigadas móveis, a qual tomará o n.º XVII e conterá a doutrina anteriormente justificada (1).

Base XIII do projecto

72. A integração das clínicas e serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra - integrada no Ministério da Educação Nacional - distinta daquela a que pertence o Instituto de Saúde Mental assegura-lhes, em face deste, autonomia tanto no plano técnico como no administrativo. É isto que importa frisar, não a dispo-

(1) Em rigor é uma disposição transitória, pelo que não devia ser colocada no meio do articulado; mas a sua importância justifica que assim se proceda.

Página 251

12 DE DEZEMBRO DE 1962 251

sição algo vaga da base xiii n.º 1 ( autonomia em relação a quê? Até a própria Faculdade em que se integram?)

O n.º 1 desta base levanta o problema do modo como se efetivará ou assegurá a coordenação aí prevista. Sendo os serviços das Faculdades de Medicina integrados no Ministério da Educação Nacional, em rigor só ao nível ministerial se poderia estabelecer contacto entre eles e os serviços de saúde mental. Para poderem contactar directamente, como a coordenação exige, é necessário que isso expressamente se permita por lei O estabelecimento de contactos directos tem, não deixe de se assinalar, a desvantagem de atingir a subordinação dos serviços e clínicas nesta base previstos ao director da Faculdade de Medicina, ao reitor da Universidade e orgãos superiores ainda.

Parece à Câmara que a solução deste problema deve ter cabimento em regulamento, ouvidas as entidades interessadas, e não em lei emanada superiormente da Assembleia Nacional. No n.º 1 da base xiii só se necessita salientar os dois grandes principios da autono-mia e coordenação dos serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina em face dos do Ministério da Saúde e Assistência.

Quanto ao n ° 3, a requisição aí permitida, não deve poder alargar -se aos estabelecimentos particulares.

73. Em face destas observações e da conveniência de outras alterações que se justificam por si mesmas a Câmara propõe a seguinte redação da base xiii do projecto (a qual tomará o n.º xviii)

l. As clínicas e os serviços, psiquiátricos das Faculdades de Medicina gozam de autonomia perante o Instituto de Saúde Mental, mas deverão na medida do possível coordenar as actividades com as do tenho de saúde mental da área respectiva.
2 Como o primeiro período do n.º 2 da base xiii,
3 As clínicas e os serviços psiquiátricos universitários poderão solicitar dos serviços de saúde mental, sem prejuízo dos interesses dos doentes ou da actividade dos mesmos serviços, os doentes e elementos necessários ao ensino e a investigação.
4 Como o n.º 6 da base xiii do projecto.

Base XIV do projecto

74. Esta base deverá, a fim de conter a regulamentação unitána do que respeita as instituições particulares, de saúde mental, começar por disposicão moldada sobre a do n.º 2 da base xi do projecto.

Pelo contrário, parece de suprimir o n.° l da mesma base (xiv do projecto) A referência aí contida à autonomia administrativa é absolutamente dispensável, já que se trata de instituições particulares, não integradas na hierarquia administrativa do Instituto de Saúde Mental A referência à autonomia técnica é fortemente restringida no seu alcance pelos poderes de orientação e fiscalização concedidos ao Instituto de Saúde Mental pelo n.° 2 da base em estudo

A respeito do n.° 2 parece que só o primeiro período cabe numa lei de bases A especificação contida no segundo período fica melhor, parece, em decreto regulamentar.

A disposição do n.° 3 desta base também pode ser remetida para decreto regulamentar, pelo processo de remissão, para o artigo 19 ° do Decreto-Lei n.° 32 171 , de 29 de Julho de 1942, com alterações (à Direeção-Geral de Saúde, mais que uma participação, dirige-se um pedido de autorização, também ao Instituto de Saúde Mental deve caber formular o requerimento a que a disposição se refere).

75. Nestes termos, a Câmara propõe para a base xiv do projecto a seguinte redação.

BASE XIX

1 A constituição e o funcionamento de institui-ções particulares com finalidades semelhantes às dos estabelecimentos e serviços previstos nas bases xiv e xv ficam dependentes de automação do Ministério da Saúde e Assistência.

2 O Instituto de Saúde Mental exercerá sobre estas instituições acção orientadora e fiscalizadora nos termos a estabelecer em regulamento.

Base XV do projecto

76. O n.º 2 desta base suscita quatro observações

1.ª A palavra não técnico-juridíca «cabe» deve ser substístuida por «compete»
2.ª A referência ao contrato como meio necessário de recrutamento de pessoal especializado estrangeno (a contrato necessáriamente celebrado pelo Ministro) deve ser substituída pela forma mais genérica admissão (pelo Ministro autorizada)
3.ª Não vê a Câmara motivo válido para não confiar ao critério do Ministro da Saúde e Assistência o ajuizar da necessidade de admissão de pessoal especializado estrangeiro restringindo-o ao caso único da inexistência (e não mera insuficiência, por exemplo ou outra razão atendível) de pessoal português.
4.ª Esta disposição parece reservar para o Ministro da Saúde e Assistência a competência exclusiva para conceder bolsas de estudo «para praticar em quaisquer serviços de saúde mental de outros serviços», dado que a esta competência, se refere uma das partes do n.° 2 da base xv do projecto, sendo que a outra parte nitidamente se reporta a um caso de competência exclusiva o contrato de pessoal especializado estrangeiro.
Ora, não vê a Câmara razão para cercear neste ponto a competência do Instituto para a Alta Cultura, com-petência que nenhum inconveniente parece haver em que seja atribuída cumulativamente a um e outro dos órgãos em causa.
Embora o problema se não tenha posto na vigência do n.° 2 da base xiv da Lei n.° 2006, semelhante ao que está em análise, convém evitá-lo por uma redacção mais clara do preceito em causa.

77. E assim propõe-se para a base xv do projecto governamental - base xv do projecto da Câmara — a seguinte redacção:

1 Como está.

2 Compete ao Ministro da Saúde e Assistência autorizar a admissão de pessoal especializado estrangeiro, bem como conceder bolsas de estudo, sem prejuízo da competência neste ponto de outras entidades

Bases XVI e XVII do projecto

78. A base xvi marca o início do capítulo III da proposta (tratamento e internamento dos doentes mentais), tal como se sugeriu atrás (n.º 48 do parecer) Ora parece justificar-se mal que se comece este capítulo por

Página 252

252 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

uma base referente a um caso particular: a admissão de menores pára observação (1).
A primeira base do capítulo deve marcar p seu objecto: formas possíveis de tratamento (algo da ordem da base XVII do projecto), formas de tratamento reguladas na lei (algo da ordem da base XXII do projecto). A Câmara propõe assim três bases, que tomariam os n.ºs XXI, XXII e XXIII:

BASE XXI

1. O tratamento dos afectados de doença ou anomalia mental, ou toxicomania, pode fazer-se em regime ambulatório, domiciliário ou de internamento em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular.
2. Qualquer tratamento ou internamento regulado nesta lei só é admissível quando corresponda a necessidade real do que a ele se sujeita, em atenção ao seu estado mental, e deve prosseguir primordialmente a sua cura.

BASE XXII

As normas que se seguem aplicam-se, salvo reserva em contrário, ao internamento em qualquer estabelecimento de saúde mental, seja oficial, seja particular.

BASE XXIII

1. O internamento pode ser em regime aberto ou fechado, consoante sejam ou não reconhecidas ao internado as garantias normais dos admitidos em hospitais comuns, em especial o direito de saída.
2. O tratamento domiciliário pode ser igualmente em regime aberto ou em regime fechado, aplicando-se a este último, na medida do possível, as normas que regem o internamento em regime fechado em estabelecimento particular.

Base XVIII do projecto

79. A Câmara não pode concordar com a redacção dada à base XVIII do projecto, que se lhe afigura defeituosa. Além disso, a mesma deverá ser sistematizada e dividida segundo os princípios formulados aquando da apreciação na generalidade.
Sob reserva de serem explicadas e justificadas à frente, em confronto com o sistema constante do projecto, a Câmara propõe a seguinte sequência de bases:

BASE XXIV

1. A admissão em regime aberto poderá ser pedida pelo próprio doente, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa ou entidade a quem incumbam os encargos com esta admissão, ou por eles se responsabilize, ainda que temporàriamente.
2. A admissão em regime fechado só poderá ser pedida pelo próprio doente, pelo seu representante legal, por qualquer pessoa com legitimidade para requerer a sua interdição, pelas autoridades administrativas e policiais no caso de admissão de urgência ou pelo Ministério Público.
3. O Ministério Público poderá requerer a admissão em regime fechado apenas em algum dos seguintes casos:
a) Falta ou desconhecimento da existência ou paradeiro de qualquer pessoa prevista no número anterior;
b) Resultar a não actuação das pessoas previstas no número anterior manifestamente de negligência ou má vontade;
c) Ser o doente, mental tratado com negligência ou crueldade;
d) Ocorrerem razões graves de ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública.
4. O tribunal pode determinar de ofício a admissão em regime fechado nos casos expressamente previstos na lei; mas para exame da integridade mental do arguido em processo-crime só quando seja legal a prisão preventiva.

BASE XXV

1. O pedido de admissão para internamento em regime fechado deverá ser dirigido ao centro de saúde mental do domicílio do internando, ou, na sua falta, da residência, excepto quando razões ponderosas, devidamente comprovadas, justifiquem ser outro o centro escolhido.
2. Quando o pedido diga respeito a estabelecimento oficial, o centro autorizará o internamento, quando o entender justificado; quando o pedido diga respeito a estabelecimento particular, o centro dará o seu parecer, e, se este for favorável, remeterá o processo ao tribunal de comarca a fim de este conceder a necessária autorização.
3. O pedido de admissão para internamento em regime aberto poderá ser dirigido ao director do próprio estabelecimento hospitalar onde o internamento se pretende, devendo ser então aprovado pelo centro de saúde mental, ou a este centro, aplicando-se então o n.º 1 e a primeira parte do n.º 2 deste artigo.
4. O pedido de admissão para internamento em regime aberto em estabelecimentos particulares correrá os seus termos no próprio estabelecimento, sendo posteriormente o respectivo processo visado pelo centro de saúde mental.

BASE XXVI

1. Como o n.º 2 da base XVIII do projecto.
2. A justificação para admissão em regime fechado será feita por atestados, válidos por vinte dias, passados por dois médicos, sempre que possível psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado.
3. Os atestados previstos no número anterior conterão descrição dos exames feitos ao doente e conclusões daí tiradas, e devem certificar não só a doença ou anomalia mental, mas também a necessidade de imposição do regime fechado, pelo carácter perigoso ou anti-social do internando, ou pela sua actual ou eventual oposição injustificada a um internamento que se apresente como meio presumìvelmente eficaz de debelar um estado anormal de espírito grave e prejudicial ao doente, actualmente ou na sua provável evolução.

BASE XXVII

1. À passagem do regime aberto para o regime fechado aplicam-se as formalidades previstas na lei para a admissão em regime fechado.
2. À passagem do regime fechado para o regime aberto aplicam-se as normas referentes à alta dos internados.

(1) Grande parte desta base caberia até melhor em decreto regulamentar, designadamente o n.º 2.

Página 253

12 DE DEZEMBRO DE 1962 253

BASE XXVIII

l Como o n º 3 da base XVIII do projecto.
2 Para requerer a admissão de urgência em regime fechado tem legitimidade além das pessoas e entidades referidas na base XVII, qualquer autoridade administrativa ou policial.
3 A passagem do regime aberto a fechado também pode ser requerida como urgente, sendo então competente para tal também o director do estabelecimento onde o doente está internado.

BASE XXIX

l A autorização para tratamento domiciliar em regime fechado poderá ser pedida, nos termos da base XXV, n º 2, ao tribunal através do centro de saúde mental, por qualquer das entidades referidas no n º 2 da base XXIV, com excepção do Ministério Público, e não pode ser requerida como urgente.
2 O requerente assume a posição de responsavel pelo doente e seu tratamento
3 Esta posição caduca com a morte ou interdição do requerente, com a nomeação de representante legal ao doente ou com o seu internamento, e pode ser levantada, ocorrendo razões ponderosas, pelo tribunal que a instituiu.

BASE XXX

l Os valores que, no momento do internamento, se encontrem na detenção imediata do internado, serão conservados em depósito pela direcção do respectivo estabelecimento.
2 A direcção só poderá entregá-los a pessoa que invoque direito a eles, não sendo o internado quando obtiver alta, por determinação do curador de doentes mentais.
3 Quando se trate de bens perecíveis ou que pela sua natureza não possam ser guardados no estabelecimento em que o demente se encontra internado, os órgãos de assistência psiquiátrica procurarão entregá-los a pessoa com direito a recebe-los ou dever de os guardar, não o conseguindo, poderão a seu critério, depositá-los em lugar idóneo, a custa do proprietário, ou mesmo, em caso de absoluta necessidade dispor deles, consignando em depósito o que por eles porventura hajam recebido.

BASE XXXI

1 A sujeição compulsiva a quaisquer medidas de tratamento psiquiátrico não psiquiatrico nas bases anteriores só pode ser determinada com os mesmos fundamentos e, na medida do possível, com o mesmo condicionalismo que legitima o internamento em redime fechado.
2 A sujeição compulsiva a consulta para observação só pode ser determinada se houver fortes indicios de que tais fundamentos se verificam.
3 É competente para determinar sujeição compulsiva a consulta para observação, qualquer director de estabelecimento ou serviço oficial de saúde mental.

BASE XXXII

l A transferência de um doente internado de um para outro estabelecimento só pode fazer-se por determinação ou mediante autorização do centro de saúde mental, do delegado de zona ou do director do Instituto de Saúde Mental, consoante os estabelecimentos entre os quais se opera a transferência dependente ou não do mesmo centro ou zona.
2 Exceptua-se a transferência entre estabelecimentos particulares de internados em regime aberto, a qual só carece de ser e comunicada ao centro ou centros de que os mesmos estabelecimentos dependem.

3 A transferência de internados em regime fechado entre estabelecimentos particulares ou de oficial para particular carece de autorização judicial.

80. Comparando agora esta serie de bases com a base XVIII do projecto, o que há de mais importante a observar é o seguinte:
A legitimidade para requerer a admissão, disciplinada nº 1 da base XVIII do projecto em termos de que ficou feita a critica na apreciação na generalidade, é regulada pela forma que então foi fundamentada (base XXIV proposta). Segue-se a competência para receber o pedido de admissão e organizar o respectivo processo (base XXV proposta), ponto a que só fazia alusão a alínea b) do n º 3 da base VII do projecto.
Os n.ºs 2 e 3 da base XVIII do projecto parecem de poder manter-se como n.ºs l e 2 da base XXVI proposta, aumentando-se para vinte dias o prazo previsto na 2ª disposição acrescentando-se algumas normas cuja justificação foi estabelecida aquando da apreciação na generalidade.
Na base XXVII proposta integra-se reduzido aos seus termos essenciais o n º 4 da base XVIII do projecto. O n º 3 passa [...] a ser o n º l da base XXVIII proposta.
A matéria de custas processuais (base XVIII, n º 9, do projecto) e sanções por irregularidades e abusos (base XVIII, n º 8, do projecto) e deslocada para o fim assim se evitando as remissões da base XIX, n. os 5 e 6.
Como igualmente e remetida para o fim a matéria de fiscalização da legalidade da admissão e internamento (base XVIII, n. os 6 e 7, e XXIII do projecto).
Por fim, as últimas bases propostas correspondem a pontos cuja inserção foi justificada aquando da apreciação do projecto na generalidade disciplina do tratamento domiciliário em regime fechado (base XXIX proposta) guarda dos valores na detenção do internado (base XXV proposta), regime do tratamento ambulatório compulsivo (base XXXI proposta) e, por último, transferência de doentes internados (base XXXII proposta).

Base XIX do projecto

81. A matéria referente à alta de internados também carece de uma revisão.
Quanto a competência para a conceder, deduz-se da base XIX do projecto que cabe ao director do estabelecimento onde o internado se encontra. Tal orientação não merece reparo, só podendo desejar-se que estivesse mais claramente expressa.
E também não merece reparo que a alta possa parecer da livre iniciativa do director (sempre) ou de ordem judicial ou hierarquia - só não se compreendendo por que motivo esta deva emanar necessàriamente apenas da Inspecção Superior de Saúde e Assistência e não da direcção dos centros de saúde mental, das delegações de zona ou do próprio Instituto da Saúde Mental, por intermédio do qual se exerce toda a acção do Estado neste dominio (base III, n º 1).
Quanto, porém, aos poderes de pessoas particulares, é que o regime do projecto governamental - expresso

Página 254

254 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

na alínea b) do n º l e nos n.ºs 2 e 3 da base XIX - parece merecer criticas.
Há que distinguir o direito do pedir a alta e o direito de exigir a alta.
O primeiro - direito de pedir a alta, que será concedido ou recusada, primeiro pelo director do estabelecimento, em segundo lugar pelo órgão de recurso ou reclamação hierárquica - não tem relevância ou importância de maior. Traduz-se numa mera sugestão, quando muito num meio de fiscalização como o que a base XVIII, n º 6, atribui - e bem - a «qualquer pessoa e entidade». Somente, como se traduz no pedido de uma medida concreta, pedido que pode não ter por base suspeita de erro, legalidade ou abuso que o justifique, parece à Câmara dever restringir-se este direito (usando o sistema do n º 8 da base XVII da Lei n º 2006 para o pedido de fiscalização judicial, paralelo ao do n º 6 da base XVIII do projecto) a quem «justifique interesse» no pedido que deve ser fundamentado.
Não assim o direito de corrigir a alta, não sendo licita a recusa ou sendo-o só restritamente.
O direito de exigir a alta pressupõe um poder sobre a pessoa do internado, de cuja situação pessoal se dispõe, possìvelmente até contra o interesse dele em prosseguir o tratamento. Não pode, por isso, ser atribuído largamente às entidades a que se refere a alínea b) da base XIX (a qualquer membro de família a um parente em 5 º grau), mas a sua atribuição carece de ser fundamentada.
No internamento em regime aberto, dado que este repousa no consentimento do internado, deve conceder-se direito de exigir a alta ao próprio internado ou seu representante legal (1). E esta alta só pode ser recusada se o director do estabelecimento simultâneamente requerer a passagem urgente de regime aberto para fechado.
No internamento em regime fechado, a vontade do doente é irrelevante. Só pode então exigir a alta quem tenha o poder do determinar ou fixar a situação pessoal do doente, ou seja, o seu tutor. E como este actua no interesse do doente parece bem conservarem-se os fundamentos de recusa previstos no n º 2 da base XIX.
A um outro ponto se deve fazer referência expressa no projecto à proibição de recusar a alta por falta de pagamento de qualquer prestação ou quantia (recusa que se traduziria numa verdadeira prisão) por direitos que o nosso sistema juridico repele).

82. Com base nestes pontos, a Câmara propõe as seguintes bases em substituição da base XIX do projecto.

BASE XXXIII

l A alta dos internados num estabelecimento sera dado pelo respectivo director por sua determinação ou por ordem judicial ou hierárquica sendo imediatamente comunicada ao centro de saúde mental, e no caso de internamento em regime fechado, por este centro ao tribunal que o autorizou.
2 A alta de certo internado pode ser pedida ao director do estabelecimento por quem justifique interesse e fundamente o pedido.
3 A alta de certo internado em regime aberto pedida pelo próprio ou seu representante legal só.

(1) E quem suporte as despesas do internamento, se o fizer voluntàriamente o não por dever? Este poderá retirar o seu auxílio, mas não exigir a alta a direcção do estabelecimento resolverá. Está é justificado era pedir a alta.

pode ser recusada havendo motivo para a passagem urgente para regime fechado, e requerendo-se tal nos cinco dias seguintes a recusa.
4 A alta nunca pode em caso algum ser recusada com o fundamento de falta de pagamento de qualquer quantia ou prestação.

BASE XXXIV

1 Da recusa em conceder a alta cabe recurso judicial ou reclamação hierárquica.
2 Se a recusa for confirmada, não se admitirá recurso ou reclamação de um nova recusa de alta antes decorridos três meses sobre a confirmação.

BASE XXXV

Se o director do estabelecimento a quem for ordenada a alta a reputar perigosa para o próprio hospitalizado ou para a ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública assim o representará ao autor da ordem e comunicará mediatamente o facto as autoridades policiais podendo nesse caso reter o hospitalizado pelo prazo mínimo de oito dias improrrogáveis.

BASE XXXVI

l Os directores de estabelecimentos oficiais que admitirem ou mantiverem um internamento contra os termos estabelecidos nesta lei, violando o direito de liberdade do intentado ou as garantias de que a lei o cerca, incorrerão nas penas do artigo 291 do Código Penal.
2 Os directores de estabelecimentos particulares e responsaveis por tratamento domiciliario que procederam nos termos do número anterior incorrerão nas penas do artigo 330 do Código Penal.
3 Todo o funcionário dos estabelecimentos e serviços de saude mental que sujeite compulsivamente alguma pessoa a tratamento psiquiátrico, fora dos casos em que a lei o permite, incorre nas penas do artigo 299 do Código Penal.
4 Nenhuma destas disposições impede a aplicação de pena mais grave, se os actos praticados cairem sob a alçada de lei que a imponha.

BASE XXXVII

l O internado em regime fechado que, sem alta nem licença, se ausente do estabelecimento em que se encontra pode ser compelido a regressar a ele.
2 Igual disposição se aplica ao doente sob tratamento domiciliário em regime fechado.

83. Pelo perigo particular que apresenta em materia de saúde mental for considerada a hipótese de in[...]minar e sancionar penalmente a medicamentação abusiva ou seja a manifestação de qualquer droga ou medicamento não tendo como finalidade a cura, melhora, bem-estar ou defesa do doente ou quando muito a defesa das pessoas que o rodeiam.
No mesmo plano se deveria considerar a cirurgia abusiva, e mesmo qualquer forma de tratamento igualmente doloso ou desviado dos seus fins (por exemplo a psicanálise).
Dada a dificuldade e melindre da materia pareceu a Câmara Corporativa não dever sobre ela inovar. Não quis porém deixar de registar este ponto importante

Página 255

12 DE DEZEMBRO DE 1962 255

Base XX do projecto

84. A base XX do projecto governamental regula o que se pode chamar direito de contracto.
O direito de contacto desdobra-se fundamentalmente em direito de visita, e direito de correspondência, e ainda em direito de contacto activo (direito a fazer visitas, a enviar correspondência) e direito de contacto passivo (direito a receber visitas e correspondência). Nesta lei e encarado primordialmente do ponto de vista do doente e a luz do seu interesse, mas isso não quer dizer que do direito de contacto ora regulado seja sempre titular o doente. Interessa, numa lei de assistência psiquiatrica, determinar ainda em que medida pessoas titulares de interesses especialmente relevantes - o seu curador, o seu cônjuge, o seu advogado - se pode considerar terem o direito de visitar o doente ou de lhe enviar correspondência, sem que a direcção do estabelecimento em que o mesmo doente está internado possa a isso opor-se.
A Lei n º 2006 consagra ao direito de contacto uma disposição única e breve, a do n º l da base XX, que diz:

É assegurado ao internado, em qualquer regime, o direito de se corresponder livremente com o director do estabelecimento, a Inspecção da Assistência Social e o Ministério Público.

A disposição e por um lado insuficiente (trata apenas do direito activo de correspondência do doente, e entre as entidades que refere falta flagrantemente o seu tutor); por outro lado, é demasiado rígida. São concebiveis casos em que o exercicio deste direito de livre correspondência prejudica o tratamento do doente sem que a isso se possa opor o director do estabelecimento mesmo assegurando de outro modo (visita, por exemplo) a fiscalização das conduções da sua situação.
O projecto consagra ao assunto uma disposição bastante extensa a da base XX, ora em análise.
O direito de correspondência e regulado em pormenor embora por vezes talvez não com o melhor critério quer do ponto de vista da forma [não havia necessidade de uma tão detalhada enumeração de pessoas nas alineas a), b), c) e d) do n º ] dado que a parte final da alinea a) - «pessoa que por ele relevem interesse» - engloba toda a gente ], quer do ponto de vista do conteúdo (a correspondência não entregue ao hospitalizado deve ser remetida ao seu tutor ou representante legal e não devolvida ou arquivada).
O direito de visita e englobado num direito de contacto com o exterior (que permite abranger os telefonemas), e este submetido ao mesmo regime «na parte aplicavel» - forma que parece incorrecta quando um dos pontos fundamentais do regime (termos de proibição do exercicio do direito n º 2 e 3) não pode ser aplicado por natureza - não só pode devolver ou arquivar ou remeter uma visita ou um telefonema - pelo que a aplicação dos referidos n. os 2 e 3 seria sempre por semelhança quase por metafora.
Parece a Câmara de novo oportuno lembrar a disposição do artigo 92º da Constituição Politica - «as leis votadas pela Assembleia Nacional devem restringir-se às bases fundamentais dos regimes jurídicos» - como um dos fundamentos, do regime que passara a propor
As bases gerais do regime juridico desta matéria parecem dever ser os seguintes:

Manutenção, como princípio do direito de liberdade do internado - em qualquer regime -, só sendo licitas as restrições impostas pelo tratamento do doente, pelo bom funcionamento dos serviços e pela ordem e segurança públicas (restrições aliás que - é ponto a incluir em regulamento - deverão, sempre que possível, ser sujeitas a um prazo certo;
Aplicação expressa do mesmo principio ao direito de contracto com o exterior, acrescentando-se que e proibido o regime que por completo o tolha,
Possibilidade de recurso judicial ou de reclamação hierárquica a qualquer pessoa ou entidade injustificadamente afectada, nas suas relações com o internado, pelas restrições impostas.

Tudo o mais sera desdobramento destas bases gerais do regime jurídico. a fixar - com cuidado e pormenor aliás, dada a importância e melindre da matéria - em regulamento.

85. E assim a Câmara propõe a seguinte redacção para a base XX a qual passaria a ter o n º XXXVIII.
1 A liberdade do internado só pode ser restringida na medida em que o justifiquem o seu tratamento, o bom funcionamento dos serviços ou a ordem e segurança publicas.
2 Este principio é aplicável ao contacto do internado com o exterior, sendo proibido o regime que em absoluto o tolha.
3 Toda a pessoa ou entidade injustificadamente afectada, nas suas relações com o internado por qualquer restrição imposta, pode dela recorrer ou reclamar hierarquicamente.

Base XXI do projecto

86. Como ficou justificado quando da apreciação na generalidade a Câmara propõe que o internamento em regime fechado (que não é, aliás uma medida de segurança, mas uma medida de assistência) seja objecto de autorização, [...]ante facto rejeitando o sistema que o sujeita a aprovação ou confirmação [...].
Aliás, este preceito merece o seguinte reparo sendo a intervenção judicial uma garantia garantia de liberdade individual contra medidas abusivas de tratamento
psiquiátrico tomadas na maioria dos casos pelas entidades a que a base se refere não se compreende que fique dependente da vontade destas (como o dá a entender o termo poderão) a efectivação da mesma garantia. A antecessora desta base XXI do projecto a base XIX da Lei n º 2006, se pouco clara também, é no entanto de melhor técnica, pois diz:

O internamento nos asilos para anormais perigosos e anti-sociais carece de confirmação judicial.

Por estes motivos a Câmara propõe a supressão da base XXI do projecto

Base XXII do projecto

7. A base XXII com alterações, foi deslocada para lugar anterior (base XXII proposta pela Câmara).

Base XXIII do projecto

88. A base XXIII e a peça mais importante do sistema de fiscalização do respeito pelos direitos e garantias consignados na lei. Cabe agora justificar a sequência de bases com a qual, segundo a proposta da Câmara Corporativa, se devera encerrar o projecto. Estas bases dizem respeito justamente a tal sistema de fiscalização

Página 256

256 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA Nº 31

e, além disso, às custas dos processos judiciais e administrativos (recursos hierárquicos) previstos no projecto.
Parece inteiramente de aplaudir a atribuição ao Ministério Púbico em geral (talvez melhor que só aos três procuradores da República de Lisboa, Porto e Coimbra) da incumbência (poder-dever) de zelar pela salvaguarda da liberdade individual. Pode deixar-se para decreto regulamentar a pormenorização desta incumbência e dos meios de a concretizar direito a receber cópia dos registos a que se reterem as bases IV, n º l, alínea g), e VII, n.º 3, alínea d), do projecto e a ser informado dos factos mais importantes relativos a internados; direitos de inspecção, visita e correspondência; direito de ordenar exames, etc.
Entre as disposições que procuram igualmente tecer uma rede de meios de protecção aos internados e que a Câmara Corporativa propõe concentrarem-se neste ponto, a final, depois da enumeração dos direitos e garantias que protegem, figura o n º 6 da base XVIII do projecto, com ligeiras alterações, e o n º 7 da base XVIII do projecto, amputado da sua parte final, algo vaga, e acrescentado da possibilidade de pedir - o doente, seu tutor ou qualquer parente sucessível (cf artigo 946 º, n º 2, do Código de Processo Civil) - a nomeação de advogado à respectiva Ordem.
Por último, figura a matéria de custas processuais, bem como a das sanções aos requerentes de má fé. Nesta base se integra o n º 9 da base XVIII do projecto, substituindo-se a expressão extremamente vaga «penas e responsabilidades estabelecidas na lei» pela ideia concreta de multa e indemnização por litigância de má fé, possível em jurisdição voluntária e regulada nos artigos 456 º e seguintes do Código de Processo Civil. Só parece dever-se alargar esta sanção (como faz o projecto) aos casos, não de dolo, mas de negligência grave, esta era no Código do Processo Civil de 1939 (artigo 465 º) fundamento de condenação como litigante de má fé não o sendo hoje em face do artigo 456 º, n º 2, do vigente Código de Processo Civil (solução que de jure condendo não e de aplaudir).

89. E assim, a Câmara Corporativa propõe a substituição da base XXIII pela seguinte sequência de bases:

BASE XXXIX

l Qualquer pessoa ou entidade poderá requerer ao tribunal de comarca que conheça de abusos que se suspeitem em alguma admissão internamento ou sujeição a qualquer tipo de tratamento psiquiátrico e providencie no sentido da sua cessação. Poderá também dirigir-se às autoridades competentes no Ministério da Saúde e Assistência.
2 Incumbe especialmente ao Ministério Público zelar pela salvaguarda da liberdade individual em todos os casos referentes a pessoas tratadas como feridas de doença ou anomalia mental.
3 Os agentes do Ministério Público devem designadamente intervir sempre que suspeitem de que indevidamente se mantém o internamento ou isolamento de qualquer doente, ou que este é tratado com negligência ou crueldade.

BASE XL

1. O internado tem o direito a escolher advogado que vele pela legalidade do regime que lhe é aplicado, ou a pedir a nomeação de um à Ordem dos Advogados.
2. Pode pedir também tal nomeação à Ordem dos Advogados o representante legal, cônjuge ou qualquer parente sucessível do internado ou custodiado.
3 O advogado constituído goza, para os efeitos da presente lei, de todos os poderes do representante legal.

BASE XLI

Aquele que de outra pessoa requerer o internamento ou tratamento domiciliário em regime fechado, quando se venha a verificar que o requerido manifestamente se não achava em estado de saúde mental que o justificasse, pagará uma indemnização de perdas e danos, incluindo danos morais, ao requerido, se agiu com negligência grave ou com dolo, neste último caso é passivel ainda das penas do artigo 242 º do Código Penal.

BASE XLII

Os processos e recursos hierárquicos e contenciosos previstos nesta lei são isentos de custas mas os requerentes podem ser condenados em multa e indemnização se procederem do má fé ou com negligência grave.
2 Os processos judiciais previstos nesta lei regem-se, em tudo que for omisso, pelas normas que regulam o processo civil de jurisdição voluntária.

Base XXIV do projecto

85. Dada a importância do problema que contempla (cf. relatório, nº 9), foi examinada durante a apreciação na generalidade, justificando-se então a proposta da sua supressão.

Base XXV do projecto

86. A matéria desta base deve passar para a zona do projecto onde se disciplinam os órgãos centrais de promoção da saúde mental. Assim, porque a base XXX regula um desses órgãos, deve passar para alta, tomando o n º VI.
O n º l da base não oferece reparo. Mas o n º 2 já se não encontra nas mesmas condições.
Com efeito, a composição deste órgão de «estudo e informação» oferece o flanco à seguinte critica compõe-se de representantes, o que é mais normal num órgão de decisão que de estudo. E de representantes dos mais variados Ministerios, desde o do Ultramar (cuja organização de saúde mental não pode estar em causa neste projecto) até ao das Corporações e Previdência Social e diferenciadamente do Exército Marinha e Secretaria de Estado da Aeronáutica.
A Câmara propõe a supressão deste n º 2 e a determinação dos vogais e componentes da comissão nesta base referida através de decreto regulamentar, até para ter a flexibilidade que uma fixação por lei impediria.

87. E assim propõe a Câmara a seguinte redacção da base XXV do projecto, a qual passaria a ser a base VI.
1 Como o n º l da base XXV do projecto,
2 A composição e funcionamento desta serão fixados em regulamento.

III
Conclusões

88. A Câmara Corporativa tendo em atenção as considerações gerais e especiais produzidas no decorrer

Página 257

12 DE DEZEMBRO DE 1962 257

deste parecer, sugere que o projecto de proposta de lei sobre a saúde mental tenha a seguinte redacção e sistematização:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

BASE I

1 A promoção da saúde mental visa a assegurar ou a restabelecer o equilíbrio psíquico da pessoa humana e abrange a acção profiláctica a acção terapêutica e a acção recuperadora.
2 A acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo, designadamente pedagógicas e de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências concernentes à saúde mental de infância e da adolescência devem ser consideradas como de importância primordial.
3 A acção terapêutica consiste no tratamento das doenças e na correcção das anomalias mentais bem como no tratamento das toxicomanias, em regime ambulatório, domiciliário, ou de internamento.
4 A acção recuperadora realiza-se pela aplicação de medidas psicopedagógicas, sociais e de outra natureza, destinadas a readaptação dos portadores de doenças e anomalias mentais, bem como de toxicomanias, com vista à sua integração no meio social.

BASE II

No campo da saúde mental, incumbe ao Estado
a) Orientar, coordenar e fiscalizar a acção profiláctica, terapêutica e recuperadora no domínio das doenças e anomalias mentais, bem como das toxicomanias;
b) Estimular e favorecer as iniciativas particulares que contribuam para a realização de qualquer das formas de actividade que promovam a saúde mental, autorizando o funcionamento de estabelecimentos adequados e aprovando os respectivos regulamentos gerais;
c) Criar e manter os serviços considerados necessários a promoção da saúde mental.

CAPÍTULO II

Estabelecimentos, serviços e instituições particulares de saúde mental

BASE III

1 A acção do Estado destinada primàriamente a promoção da saúde mental será exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, por intermédio do Instituto de Saúde Mental.
2 O Instituto terá sede em Lisboa e gozará de personalidade juridica e de autonomia técnica e administrativa.
3 O director do Instituto será um psiquiatra.
4 A direcção será assistida de um conselho técnico de saúde mental.

BASE IV

1. Compete ao Instituto de Saúde Mental dar execução, em geral, às funções do Estado enumeradas na base II e exercidas pelo Ministério da Saúde e Assistência, e designadamente.
a) Fixar, precedendo parecer do respectivo conselho técnico, as condições de funcionamento dos estabelecimentos e serviços destinados à realização de qualquer das modalidades de promoção da saúde mental;
b) Intensificar a colaboração entre estabelecimentos e serviços já existentes ou que venham a criar-se;
c) Cooperar com os organismos que se ocupem da higiene mental no estudo dos problemas relativos às condições económico-sociais e de trabalho e aos factores sanitários que influam na morbilidade das doenças e anomalias mentais, bem como das toxicomanias;
d) Promover a preparação e o aperfeiçoamento do pessoal médico psicológico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar técnico necessário ao funcionamento dos serviços de saúde mental e de outros correlativos;
e) Fomentar a investigação cientifica e prestar a assistência técnica que no campo da saúde mental lhe foi solicitada;
f) Inspeccionar a situação e condições de internamento e tratamento dos doentes mentais, designadamente para verificar a sua legalidade;
g) Proceder aos exames medico-legais que lhe sejam requisitados pelas entidades competentes, nos termos da lei e sem prejuízo dos recursos nela estabelecidos;
h) Manter em dia o registo dos doentes admitidos em estabelecimentos oficiais e particulares e elaborar as estatísticas relativas aos serviços de saúde mental;
i) Dar parecer, sob o aspecto psiquiátrico, acerca dos projectos de construção, grande ampliação ou remodelação dos edificios dos estabelecimentos e serviços psiquiátricos;
j) Publicar periodicamente um boletim de estudos psiquiátricos e relacionados.
2 As funções atribuídas ao Instituto de Saúde Mental não prejudicam as que por lei competirem aos serviços prisionais e jurisdicionais de menores.

BASE V

1 Ao conselho tecnico incumbe emitir parecer sobre os assuntos relativos a promoção de saúde mental e, obrigatoriamente, sobre:
a) Os planos de saude mental;
b) As medidas destinadas ao aperfeiçoamento da formação do pessoal médico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar bem como acerca das providências destinadas a promover o aumento do seu numero e a melhoria das suas condições de trabalho;
c) Os programas de investigarão cientifica a realizar e financiar pelo Instituto ou com a sua colaboração.
2 O conselho técnico será presidido pelo director do Instituto e constituido pelos seguintes vocais:
a) Os professores de Psicologia e de Psiquiatria das Faculdades de Letras e de Medicina;
b) Um professor universitário de Sociologia;
c) O director do Instituto António Aurelio da Costa
d) Os delegados do Instituto nas zonas norte e centro;
e) Um representante dos directores dos hospitais e dispensários de saúde mental da zona sul;
f) Um representante da Ordem dos Médicos,
g) Um criminologista designado pelo Ministerio da Justiça e que o representará.
h) Um representante do director-geral de Saúde,
i) Um representante dos director-geral dos Hospitais;
j) Um representante da previdência, designado pelo Ministério das Corporações e Previdência Social
l) Um representante da Igreja Católica,
3 Podem ser convidados a participar nas reuniões do conselho, para exame de questões que interessem às suas funções ou serviços, outros médicos ou funcionários estabelecimentos oficiais ou particulares

Página 258

258 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA Nº 31

BASE IV

l Junto do Instituto de Saúde Mental funcionara uma comissão para estudo e informação sobre o alcoolismo e outras toxicomanias, à qual compete, neste assunto:

a) Organizar programas de lutas profilácticas;
b) Orientar campanhas educativas;
c) Submeter a aprovação do Ministro da Saúde e Assistência as medidas convenientes para melhor combater os referidos males sociais.

2 A composição e funcionamento desta comissão serão fixados em regulamento

BASE VII

1 Para efeitos da organização dos serviços de saúde mental, o País é dividido em três zonas, correspondentes as zonas hospitalares, do Norte, Centro e Sul, com sedes, respectivamente, no Porto, Coimbra e Lisboa.
2 Com superintendência na respectiva zona, funcionarão no Porto e em Coimbra delegações do Instituto as quais especialmente incumbirá orientar e coordenar os respectivos centros de saúde mental.
3 Nos distritos onde existam serviços previstos nesta lei poderá haver subdelegações.

BASE VIII

1 O serviço do Instituto é assegurado, em cada zona, por um centro de saúde mental.
2 Os centros gozarão de autonomia técnica e administrativa e a sua arca de actuação será fixada de acordo com as necessidades especificas dos agrupamentos populacionais.
3 A sede dos centros será, de preferência, na sede dos distritos ou das regiões hospitalares. Os centros funcionarão em ligação com os restantes serviços de saúde e assistência, de modo a constituirem com eles centros médico-sociais locais.

BASE IX

Os centros de saúde mental serão dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência e deverão dispor de serviços diferenciados, se possivel independentes para crianças adolescentes e adultos.

BASE X

A direcção dos centros de saúde mental compete:

a) Orientar, coordenar e fiscalizar as actividades dos centros e estabelecimentos neles integrados;
a) Distribuir os doentes mentais pelos estabelecimentos oficiais da sua zona, de acordo com as indicações médicas e sociais;
a) Aprovar a admissão de doentes em regime aberto internados nos estalecimentos da sua zona;
d) Autorizar a admissão de doentes em regime fechado a internar em estabelecimentos oficiais da sua zona, l em como a sujeição a tratamento ambulatório compulsivo nos mesmos estabelecimentos;
e) Dar parecer sobre os pedidos de admissão em regime fechado, ou de sujeição a tratamento ambulatório compulsivo, em instituições particulares, bem como sobre os pedidos de sujeição a tratamento domiciliário em regime fechado, enviando-os quando o parecer for favorável ao tribunal de comarca competente, a fim de ele dar a necessária autorização;
f) Visar o processo de admissão de doentes em regime aberto, em estabelecimentos particulares;
g) Determinar, autorizar ou tomar conhecimento das transferências de doentes, nos termos da base XXVII;
h) Inspeccionar periodicamente a situação e as condições de internamento de todo e qualquer internado em estabelecimento de saúde mental oficial ou particular, da sua área, designadamente para fiscalizar a sua legalidade;
i) Propor a concessão de subsidios;
j) Manter em dia o registo dos doentes em estabelecimentos oficiais e particulares da sua zona e elaborar as estatisticas referentes a respectiva área.

BASE XI

1 Junto de cada centro de saúde mental funcionará uma curadora de doentes mentais.
2 A curadoria sera dirigida por um curador licenciado em Direito.

BASE XII

1 Compete a curadora de doentes mentais:
a) Habilitar os administradores legais ou voluntários dos bens de qualquer doente mental durante o seu impedimento a praticar os necessários actos de administração incluindo o recebimento de pensões vencimentos ou quaisquer quantias devidas ao mesmo doente, mediante a passagem de atestados de se encontrarem efectivamente investidos em tal administração.
b) Praticar quaisquer actos de administração de bens do doente mental que este ou seu representante não possam praticar e sejam urgentes, se traduzam apenas ou muito prevalentemente em proveito do doente, ou se destinem a prestas alimentos por este devidos;
c) Quando entenda que o património do doente e a duração provável da doença exijam que se recorra ao processo de interdição, comunicá-lo ao Ministério Público e a qualquer pessoa que conheça com legitimidade para propor o mesmo processo;
d) Comunicar ao Ministério Publico os actos de conteúdo criminal de que tenha conhecimento, em defrimento de doentes mentais;
e) Comunicar oficialmente o estado mental do doente a qualquer pessoa que dele pretenda tirar proveito se entender necessário, a fim de tornar possivel nos termos da lei civil, a anulação dos actos e contratos pelo mesmo doente celebrados anulação que terá legitimidade para pedir judicialmente,
f) Aconselhar e esclarecer os interessados que se lhe dirijam e que não disponham por outro modo de consultor quanto aos problemas de caracter juridico emergentes de doença mental ou com ela relacionados;
g) Exercer quaisquer outras funções que lhe sejam atribuidas.
2 A competência nesta base atribuída abrange apenas os doentes mentais juridicamente capazes em tratamento na área do respectivo centro de saude mental internados ou não.
3 O curador de doentes mentais pode delegar as suas funções ou alguma delas em parente próximo idóneo do doente mental exigindo-lhe ou não a prestação de caução. Esta delegação e livremente revogável.

BASE XIII

l Os estabelecimentos oficiais de saúde mental integrados nos centros terão receitas próprias podendo ser-lhes concedida autonomia tecnica e administrativa

Página 259

12 DE DEZEMBRO DE 1962 259

2 É da competência dos mesmos estabelecimentos:
a) Aceitar legados doações e outras liberalidades não onerosas e ainda onerosos precedendo autorização do director do Instituto de Saúde Mental;
a) Aceitar heranças, a benefício de inventário;
a) Receber pensionistas, competindo ao Ministerio da Saúde e Assistência aprovar as tabelas das respectivas pensões e honorários clinicos;
d) Tirar proveito do trabalho realizado pelos seus internados ou assistidos em harmonia com o seu tratamento devendo reverter a favor dos mesmos ou de sua familia uma quota-parte não anterior a um terço do produto liquido desse seu trabalho.
3 Com as somas que nos termos da alínea d) da base anterior, reverterem em taxa do internado, constituir-se-a para ele um peculio que lhe será entregue quando o intentado dele necessitar para refazer a sua vida.

BASE XIV

1 São especialmente destinados a promoção de saúde mental infantil os seguintes estabelecimentos e serviços:
a) Os dispensários de higiene e profilavia mental infantil neuropsiquiátricos destinados a prevenção, tratamento e recuperação dos menores que não necessitem de ser hospitalizados;
b) Os serviços especializados do psicoterapia e psicopedagogia infantil;
c) As clinicas e os hospitais psiquiátricos infantis para tratamento das perturbações psiquicas agudas e das anomalias de comportamento;
b) Os serviços destinados ao tratamento de menores epilépticos, com perturbações motoras ou com deficiencias sensorais;
e) Os estabelecimentos destinados a recuperação de menores educáveis;
f) Os estabelecimentos destinados a educação e tratamento de menores dependentes e treináveis;
g) Os serviços de colocação familiar e de assistência domiciliaria;
h) Os Lares educativos;
i) Os serviços de psicotécnica e orientação profissional;
2 Incumbe ao Instituto Antonio Aurelio da Costa Ferreira a orientação psicopedagogica dos serviços de ensino destinados a reeducação dos menores com anomalias mentais e a preparação do pessoal docente e técnico necessario aos mesmos serviços.

BASE XV

São especialmente destinados a promoção da saúde mental dos adultos os seguintes estabelecimentos e serviços:
a) Hospitais psiquiátricos com uma rede de dispensarios e serviço social especializado;
b) Dispensarios e postos de consulta autonomos,
c) Serviços de recuperação, para doentes de evolução prolongada;
d) Secções ou serviços psiquiatricos funcionando em hospitais ou asilos gerais com ou sem autonomia;
e) Estabelecimentos para tratamento e recuperação de alcoolicos e outros toxicomanos;
f) Estabelecimentos destinados ao tratamento o correcção dos portadores de anomalias mentais sem psicose;
g) Serviços destinados ao tratamento dos doentes mentais tuberculosos em hospitais psiquiátricos ou em sanatórios;
h) Hospitais de dia e hospitais de noite, em ligação com os hospitais psiquiátricos ou com os hospitais gerais;
i) Serviços de dia destinados especialmente a assistência dos doentes [...] e dos deficientes mentais;
j) Serviços de colocação familiar e de assistência domiciliaria;
l) Serviços livres, agrícolas, artesanatos ou mistos, como as oficinas protegidas em que os doentes viverão em regime de comunidade, percebendo uma remuneração pelo trabalho que executam;
m) Lares educativos para reinserção social do ex-doente, que custeará pelo seu trabalho exterior as despesas que no lar fizer;
n) Serviços de reintegração.

BASE XVI

1 Os serviços referidos nas bases anteriores deverão tanto quanto possivel funcionar agrupados, para garantia da unidade da promoção da saúde mental atraves da concorrencia das actividades profilácticas terapêuticas e de reabilitação.
2 Deverá procurar conseguir-se que o portador de doença ou anomalia mental ou de toxicomania seja acompanhado na respectiva evolução pelo mesmo médico ou pela mesma equipa clinica.

BASE XVII

Enquanto e na medida em que não puderem ser substituidas pelos tipos de estabelecimentos e serviços previstos nas bases anteriores havera brigadas moveis.

BASE XVIII

l As clinicas e os serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina gozam de autonomia perante o Instituto de Saúde Mental mas deverão na medida do possivel, coordenar as actividades com as do centro de saude mental da área respectiva.
2 Quando se mostrar conveniente, as Faculdades de Medicina poderão exercer a sua actividade pedagógica e cientifica nos serviços independentes do Instituto de Saude Mental.
3 As clinicas e os serviços psiquiatricos universitarios poderão solicitar dos serviços de saúde mental sem prejuízo dos interesses dos docentes ou da actividade dos mesmos serviços os doentes e elementos necessarios ao ensino e a investigação.
4 As Faculdades de Medicina deverão participar activamente na preparação do pessoal medico especializado nos serviços de saúde mental.

BASE XIX

l A construção e o funcionamento de instituições particulares com finalidades semelhantes as dos estabelecimentos e serviços previstos nas bases XIX e XX ficam dependentes de autorização do Ministerio da Saúde e Assistência.
2 O Instituto de Saúde Mental exercera sobre estas instituições acção orientadora e fiscalizadora nos termos a estabelecer em regulamento.

BASE XX

l Ao Instituto de Saúde Mental ou nos estabelecimentos e serviços dele dependentes poderão funcionar cursos e estágios para formação, especialização e aper-

Página 260

260 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N º 31

feiçoamento do pessoal medico, do serviço social e de enfermagem e dos outros técnicos que se tornem necessários.
2. Compete ao Ministro da Saúde e Assistência autorizar a admissão de pessoal especializado estrangeiro bem como conceder bolsas de estudo, sem prejuízo da competência neste ponto de outras entidades.

CAPÍTULO III

Tratamento e internamento dos doentes mentais

BASE XXI

1 O tratamento dos afectados de doença ou anomalia mental, ou toxicomania pode fazer-se em regime ambulatório, domiciliário ou de internamento em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular.
2 Qualquer tratamento ou internamento regulado nesta lei só é admissível quando corresponda a necessidade leal do que a ele se sujeita em atenção ao seu estado mental, e deve prosseguir primordialmente a sua cura.

BASE XXII

As normas que se seguem aplicam-se, salvo reserva em contrário, ao internamento em qualquer estabelecimento de saúde mental, seja oficial, seja particular.

BASE XXIII

1 O internamento pode ser em regime aberto ou fechado, consoante sejam ou não reconhecidas ao internado as garantias normas dos admitidos em hospitais comuns, em especial o direito de saída.
2. O tratamento domiciliário pode ser igualmente em regime aberto ou em regime fechado, aplicando-se a este último, na medida do possível, as normas que regem o internamento em regime fechado em estabelecimento particular.

BASE XXIV

1 A admissão em regime aberto poderá ser pedida pelo próprio doente, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa ou entidade a quem incumbam os encargos com esta admissão, ou por eles se responsabilize, ainda que temporàriamente.
2 A admissão em regime fechado só poderá ser pedida pelo próprio doente, pelo seu representante legal por qualquer pessoa com legitimidade para requerer a sua interdição pelas autoridades administrativas e policiais no caso de admissão de urgencia ou pelo Ministério Publico.
3 O Ministério Público poderá requerer a admissão em regime fechado apenas em algum dos seguintes casos:
a) Falta ou desconhecimento da existência ou paradeiro de qualquer pessoa prevista no número anterior,
b) Resultar a não actuação das pessoas previstas no número anterior manifestamente de negligência ou má vontade,
c) Ser o doente mental tratado com negligência ou crueldade,
d) Ocorrerem razões graves de ordem, tranquilidade segurança ou moralidade pública.
4 O tribunal pode determinar de oficio a admissão em regime fechado nos casos expressamente previstos na lei, mas para exame da integridade mental do arguido em processo-crime só quando seja legal a prisão preventiva.

BASE XXV

1 O pedido de admissão para internamento um regime fechado deverá ser dirigido ao centro de saude mental do domicilio do internando, ou, na sua falta, da residência, excepto quando razões ponderosos, devidamente comprovadas, justifiquem ser outro o centro escolhido.
2 Quando o pedido diga respeito a estabelecimento oficial, o centro autorizará o internamento quando o entender justificado, quando o pedido diga respeito a estabelecimento particular, o centro dava o seu parecer e, se este for favorável, remeterá o processo ao tribunal de comarca a fim de este conceder a necessária autorização.
3 O pedido de admissão para internamento em regime aberto poderá ser dirigido ao director do próprio estabelecimento hospitalar onde o internamento se pretende, devendo ser então aprovado pelo centro de saude mental, ou a este centro aplicando-se então o n º l e a primeira parte do n º 2 deste artigo.
4 O pedido de admissão para internamento em regime aberto em estabelecimentos particulares correrá os seus termos no próprio estabelecimento, sendo posteriormente o respectivo processo visado pelo centro de saude mental.

BASE XXVI

1 A justificação para admissão em regime aberto será feita pelo médico do dispensário ou do estabelecimento em que deva fazer-se a hospitalização.
2 A justificação para admissão em regime fechado será feita por atestados, válidos, por vinte dias passados por dois médicos, sempre que possivel psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado.
3 Os atestados previstos no número anterior conterão descrição dos exames feitos ao doente e conclusões dai tiradas, e devem criticar não só a doença ou anomalia mental, mas também a necessidade de imposição do regime fechado, pelo carácter perigoso ou anti-social do internando, ou pela sua actual ou eventual oposição injustificada a um internamento que se apresente como meio pre[...]velmente eficaz de debelar um estado anormal de espirito grave e prejudicial ao doente, actualmente ou na sua provável evolução.

BASE XXVII

1 A paisagem do regime aberto para o regime fechado aplicam-se as formalidades previstas na lei para a admissão em regime fechado.
2 A. passagem do regime fechado para o regime aberto aplicam-se as normas referentes à alta dos internados.

BASE XXVIII

1 Em caso de admissão de urgência, reconhecida pelo director do estabelecimento, a justificação de hospitalização deverá ser feita no prazo máximo de oito dias, a contar da admissão, prorrogável por igual periodo se o director do estabelecimento reputar a alta perigosa para o proprio doente ou para a ordem segurança e tranquilidade pública. Mas, passada essa prorrogação, a situação do doente terá de estar regularizada nos termos gerais estabelecidos.
2 Para requerer a admissão de urgência em regime fechado tem legitimidade, além das pessoas e

Página 261

12 DE DEZEMBRO DE 1962 261

entidades referidas na base XVII, qualquer outra idade administrativa ou policial.
3 A passagem do regime aberto e fechado também pode ser requerida como urgente, sendo então competente para tal também o director do estabelecimento onde o doente está internado.

BASE XXIX

l A autorização para tratamento domiciliário em regime fechado poderá ser pedida, nos termos da base XXV, nº 2, ao tribunal, atraves do centro de saúde mental, por qualquer das entidades referidas no n º 2 da base XXIV, com excepção do Ministério Público, e não pode ser requerida como urgente.
2 O requerente assume a posição de responsável pelo doente e seu tratamento.
3 Esta posição caduca e um a morte ou interdição do requerente, com a nomeação de representante legal ao doente ou com o seu internamento; e pode ser levantada, ocorrendo razões ponderosas, pelo tribunal que a institui.

BASE XXX

1 0s valores que, no momento do internamento, se encontrem na detenção imediata do internado, serão conservados em depósito pela direcção do respectivo estabelecimento.
2 A direcção só poderá entregá-los a pessoa que invoque direito a eles, não sendo o internado quando obtiver alta por determinação do curador de doentes mentais.
3 Quando se trate de bens perecíveis ou que pela sua natureza não possam ser guardados no estabelecimento em que o demente se encontra internado os órgãos de assistência psiquiátrica procurarão entregá-los a pessoa com direito a recebê-los ou dever de os guardar, não o conseguindo, poderão a seu critério, depositá-los em lugar idóneo, a custa do proprietário ou mesmo, em caso de absoluta necessidade, dispor deles, consignando em depósito o que por eles porventura hajam recebido.

BASE XXXI

l A sujeição compulsiva a quaisquer medidas de tratamento psiquiátrico não previstas nas bases anteriores só pode ser determinada com os mesmos fundamentos e, na medida do possível, com o mesmo condicionalismo que legitima o internamento em regime fechado.
2 A sujeição compulsiva a consulta para observação só pode ser determinada se houver fortes indícios de que tais fundamentos se verificam.
3 É competente para determinar sujeição compulsiva a consulta para observação qualquer director de estabelecimento ou serviço oficial de saúde mental.

BASE XXXII

l A transferência de um doente internado de um para outro estabelecimento só pode fazer-se por determinação ou mediante autorização do centro de saúde mental, do delegado de zona ou do director do Instituto de Saúde Mental, consoante os estabelecimentos entre os quais se opera a transferência dependam ou não do mesmo centro ou zona.
2. Exceptua-se a transferência entre estabelecimentos particulares de internados em regime aberto, a qual só carece de ser comunicada ao centro ou centros de que os mesmos estabelecimentos dependem.
3 A transferência de internados em regime fechado entre estabelecimentos particulares, ou de oficial para particular, carece de autorização judicial.

BASE XXXIII

1 A alta dos internados num estabelecimento será dada pelo respectivo director, por sua determinação ou por ordem judicial ou hierarquica, sendo imediatamente comunicada ao centro de saúde mental, e, no centro de internamento em regime fechado, por este centro tribunal que o autorizou.
2 A alta de certo internado pode ser pedida ao director do estabelecimento por quem justifique interesse e fundamente o pedido.
3 A alta de certo internado em regime aberto pedida pelo próprio ou seu representante legal só pode ser recusada havendo motivo para requerer a passagem urgente para regime fechado, e requerendo-se tal nos cinco dias seguintes a recusa.
4. A alta nunca pode em caso algum ser recusada com o fundamento de falta de pagamento de qualquer quantia ou prestação.

BASE XXXIV

1 Da recusa em conceder a alta cabe recurso judicial ou reclamação hierárquica.
2 Se a recusa for confirmada não se admitirá recurso ou reclamação de nova recusa de alta antes de decorridos três meses sobre a confirmação.

BASE XXXV

Se o director do estabelecimento a quem for ordenada a alta a reputar perigosa para o próprio hospitalizado ou para a ordem, tranquilidade, segurança em moralidade publicar, assim o representará ao autor da ordem e comunicará imediatamente o facto às autoridades policiais, podendo nesse caso reter o hospitalizado pelo prazo máximo de oito dias improrrogáveis.

BASE XXXVI

1. Os directores de estabelecimentos oficiais que admitirem ou mantiverem um internamento contra os termos estabelecidos nesta lei. violando o direito de liberdade do internado ou as garantias de que a lei o cerca, incorrerão nas penas do artigo 291º do Código Penal.
2. Os directores de estabelecimentos particulares e responsáveis por tratamento domiciliário que procederem nos termos do número anterior incorrerão nas penas do artigo 330º do Código Penal.
3 Todo o funcionário dos estabelecimentos e serviços de saúde mental que sujeite compulsivamente alguma pessoa a tratamento psiquiátrico, fora dos casos em que a lei o permite, incorre nas penas do artigo 299 do Código Penal.
4 Nenhuma destas disposições impede a aplicação de pena mais grave se os actos praticados cairem sob a alçada de lei que a imponha.

BASE XXXVII

1 O internado em regime fechado que, sem alta nem licença, se ausente do estabelecimento em que se encontra, pode ser compelido a regressar a ele.
2 Igual disposição se aplica ao docente sob tratamento domiciliário em regime fechado.

Página 262

262 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA Nº 31

BASE XXXVIII

1 A liberdade do internado so pode ser restringida na medida em que o justifiquem o seu tratamento, o bom funcionamento dos serviços a ordem e segurança públicas.
2 Este principio é aplicável ao contacto do internado com o exterior, sendo proibido o regime que em absoluto o tolha.
3 Toda a pessoa ou entidade injustificadamente atestada, nas suas relações com o internado, por qualquer restrição imposta, pode dela recorrer ou reclamar hieràrquicamente.

BASE XXXIX

l Qualquer pessoa ou entidade poderá requerer ao tribunal de comarca que conheça de abusos que se suspeitem em alguma admissão, internamento ou sujeição a qualquer tipo de tratamento psiquiatrico ou providencie no sentido da sua cessação. Poderá também dirigir-se as autoridades competentes no Ministério da Saúde e Assistência.
2 Incumbe especialmente ao Ministério Público zelar pela salvaguarda da liberdade individual em todos os casos referentes a pessoas tratadas como feridas de doença ou anomalia mental.
3 Os agentes do Ministerio Público devem designadamente intervir sempre que suspeitem de que indevidamente se mantém o internamento ou isolamento de qualquer doente, ou que este é tratado com negligência ou crueldade.

BASE XL

1 O internado tem o direito a escolher advogado que vele pela legalidade do regime que lhe é aplicado, ou a pedir a nomeação de um a ordem dos Advogados.
2 Pode pedir também tal nomeação à Ordem dos Advogados o representante legal, cônjuge ou qualquer parente sucessivel do internado ou custodiado.
3 O advogado constituido goza, para os efeitos da presente lei de todos os poderes do representante legal.

BASE XII

Aquele que de outra pessoa requerer o internamento ou tratamento domiciliário em regime fechado, quando se venha a verificar que o requerido manifestamente se não acha em estado de saúde mental que o justificasse, pagará uma indemnização de poderes e danos, incluindo danos morais, ao requerido, se agiu com negligencia grave ou com dolo; neste último caso é passivel ainda das penas do artigo 242 do Coligo Penal.

BASE XIII

1. 0s processos e recursos hierárquicos e contenciosos previstos nesta lei são isentos de custas, mas os requerentes podem ser condenados em multa e indemnização se procederem de má fé ou com negligência grave.
2 Os processos judicais previstos nesta lei regem-se, em tudo que foi omisso, pelas normas que regulam o processo civil de jurisdição voluntária.

Palácio de S Bento, 29 de Novembro de 1962

António dos Reis Rodrigues.
António da Silva Rego.
Domingos Cândido Braga da Cruz.
João de Castro Mendes.
José Alberto da Veiga Leite Pinto Coelho.
José Augusto Vaz Pinto.
Jose Damasceno Campos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma Carlos.
Mário dos Santos Guerra.
Hildebrando Pinho de Oliveira.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Antonio Jorge Martins da Mota Veiga.
Fernando Baeta Bissara Barreto Rosa, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×