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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º90

VIII LEGISLATURA - 1965 7 DE JANEIRO

Projecto de proposta de lei n.º 508/VIII

Defesa da concorrência

1. Esta proposta de lei insere-se num movimento de definição e reajustamento dos quadros gerais da actividade económica, ao qual o Governo vem dedicando particular atenção, tanto por exigências de lógica interna do sistema económico como por conveniência de adaptação em face dos novos arranjos dê cooperação europeia
Em todas as circunstâncias se tem reafirmado oficialmente o respeito pelo principio fundamental que informa n nossa Constituição em matéria de organização económica e social o princípio da iniciativa privada. Acontece, porém, quê o funcionamento e progresso de uma economia, e designadamente o seu desenvolvimento acelerado, aconselham frequentemente o recurso a modalidades diversas, mas sempre relevantes, de intervenção do «sector público», apesar disso, continua o Governo a defender e salvaguardar uma participação tão ampla quanto possível do sector livre ou da economia de empresa privada, por entender que nessa atitude consubstancia uma opção valorativa básica da comunidade nacional.
Tem de ponderar-se, todavia, que a filosofia contemporânea dos sistemas de empresa apenas postula a liberdade de iniciativa e actuação económica, porque admite ser esse um dos elementos essenciais ao «mecanismo» de conjugação' e ligação entre as necessidades da comunidade, os seus recursos potenciais e as suas estruturas e decisões de produção. O outro aspecto, tão fundamental como a liberdade da iniciativa individual, é a independência e a capacidade de determinação de umas empresas ou iniciativas em relação a outras complementares ou concorrentes, reais ou potenciais. Quando se olvida este aspecto e se torna clara a desigualdade do poder empresarial em presença, encontra-se aberto o caminho para, em nome da liberdade, praticai atentados a própria liberdade económica e à justiça social.

2. E conhecida a tendência do progresso tecnológico conduzir a formação de grandes fábricas e empresas Contrariar cegamente essa tendência pode acarretar a ineficácia dos processos, com elevados custos e preços e importantes prejuízos no campo social.
São, por essa razão, múltiplos os exemplos da vida económica quotidiana, mesmo para além das meras operações da transformação material e fabricação, em que se colhem benefícios de custos e preços mais reduzidos e de melhor qualidade dos produtos, mediante fórmulas de cooperação, acordos e arranjos entre fábricas, empresas e indústrias autónomas, a normalização de produtos e a especialização de fabricos, como a realização em comum de tarefas de comercialização, de análise de mercados - designadamente externos - e de investigação, constituem prova bastante divulgada da realidade da afirmação. Mas em todos estes casos haverá que ter em conta eventuais prejuízos sociais derivados da acumulação do poder privado e da redução da concorrência. A orientação a seguir na política económica, designadamente na definição dos quadros, concorrenciais, consistirá em aceitar (ou promover até) a formação de unidades e agrupamentos relevantes, sujeitando-os, porém, a esquemas de vigilância e fiscalização suficientes para corrigir ou atenuar as consequências, na hipótese de se manifestarem abusos de poder ou injustificadas práticas restritivas nos arranjos entre empresas. As entidades detentoras de poder económico, que dele não abusem contra outras empresas ou em prejuízo do interesse geral, e as coligações ou arranjos que se mantenham dentro de normas aceitáveis e úteis não chegarão a tomar contacto com limitações e sanções legais, exclusivamente dirigidas a correcção de situações abusivas.

3. Pouco se conhece em matéria de situações de poder ou de preponderância, por parte de empresas, grupos e coligações, na economia portuguesa, e acredita-se, mesmo, que a extensão e as manifestações do fenómeno da concentração e coligação não assumem entre nós a dimensão e a gravidade que o caracterizam em outros países

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Mas, estando o Governo empenhado em um intenso esforço de desenvolvimento económico, a acelerar ainda necessariamente nos próximos decénios, reveste-se do maior interesse a lição da experiência alheia, tal como se nos apresenta por observação atenta do processo histórico, e dela se infere que o crescimento da economia portuguesa há-de continuar a significar a formação de empresas poderosas em todos os ramos de actividade, bem como o estabelecimento ou o reforço de relações entre tais entidades, mesmo quando juridicamente separadas Mais ainda há elementos da nossa actual política de industrialização que significam a defesa da concentração - o que é ilustrado por medidas de reorganização de indústrias existentes e pelo fomento de algumas novas produções Nem se alinham palavras a defender, uma vez mais, esta política, tão evidente se deve considerar a sua necessidade. Tem, simplesmente, de enfrentar-se uma das suas consequências inevitáveis E a previsão serena e objectiva das consequências implícitas numa orientação é condição de êxito e eficácia em toda a acção política.
Acrescenta-se, no momento presente, outro argumento a justificar a expectativa de reforço do poder privado na economia nacional. Avoluma-se, efectivamente, a exigência de fortalecer a nossa estrutura industrial, paia resistir ao embate aberto no espaço europeu, mas essa estrutura é, afinal, composta pelas múltiplas empresas e o alargamento delas equivale a consolidar-se ou reforçar-se um poderio ainda incipiente. É certo que esse poder significa capacidade concorrencial em face de forças opostas, vindas do exterior, mas fica sempre entreaberto o caminho para abusos lesivos de interesses nacionais, por exemplo, quando não se manifeste, por qualquer razão, concorrência externa compensadora, ou quando seja dirigida contra outras empresas nacionais- concorrentes. E não deve esquecer-se, por último, quanto à unificação dos espaços económicos europeus, que mesmo os maiores estímulos à formação de sólidos grupos ou empresas na economia nacional poderão revelar-se incapazes de lhes conferir resistência suficiente para, por si só, suportarem o embate e a luta com interesses alheios que resolvam eliminá-los ou subjugá-los no nosso mercado
Todos os argumentos conduzem a aconselhar a promulgação de uma lei nacional destinada a prevenir eventuais abusos de poder económico. Sempre ela se justificaria, para benefício dos consumidores, para defesa das pequenas e médias empresas e como salvaguarda das condições de eficácia e de estimulo ao progresso, que se costumam designar por interesse geral, mas à luz das novas perspectivas de abertura comercial ao exterior, bem se pode dizer que também a legislação que se propõe assume um sentido de sobrevivência para todos os interesses da produção nacional, mesmo os de maiores proporções. Para defesa de todos haverá que coarctar e evitar os abusos de alguns.

Proporia de lei de defesa da concorrência

BASE I

O Governo providenciará no sentido de defender a concorrência e o seu exercício, em condições normais, na economia nacional, quer pela supressão de eventuais abusos de empresas em posição preponderante e de práticas restritivas prejudiciais resultantes de acordos entre empresas ou de regulamentações sectoriais ou profissionais, quer pela correcção de situações concorrenciais excessivas.

BASE II

São puníveis, nos termos da regulamentação a publicar pelo Governo, os actos que possam intencionalmente impedir ou limitar o exercício da concorrência, em condições normais, na economia nacional.

BASE III

Considera-se que uma restrição à concorrência, derivada de acordo ou de posição de poder, produz efeitos prejudiciais quando influi indevidamente na fixação dos preços e outras condições de comercialização, quando limita a produtividade, ou quando, por recurso a práticas irregulares, torna impossível a normal actividade económica de outrem

BABE IV

Devem assimilar-se às situações contempladas na base anterior, podendo até tornar-se particularmente condenáveis, os sistemas de imposição vertical de preços mínimos, a recusa de fornecimento ante uma procura normal, a exclusão do seio de uma associação profissional e o acordo antecedente a apresentação de propostas não comuns a um concurso.

BASE V

Constituem atenuantes aos abusos de poder e restrições à concorrência e podem significar, mesmo, condição para impor ou generalizar práticas limitativas
a) Os excessos de concorrência suscitados por estruturas industriais e comerciais pulverizadas, sem qualificação técnica nem capacidade administrativa;
b) A defesa de uma nova indústria, empresa ou produção, perante abusos dos competidores estrangeiros, directamente ou através dos seus representantes no País;
c) A circunstância de as limitações representarem a criação de um poder compensador perante outros acordos ou posições abusivas,
d) As dificuldades temporárias de feição conjuntural, quer de carácter geral, quer abrangendo apenas certas actividades ou algumas regiões, designadamente em relação com as exportações
e) As dificuldades estruturais em determinada região do País

BASE VI

São absolutamente nulos quaisquer acordos entre empresas que ofendam o determinado por esta lei.

BASE VII

As disposições desta lei não são aplicáveis ao Estado, nem as questões referentes ao trabalho e sua remuneração

BASE VIII

Será criada, sob a dependência directa do Ministro da Economia, uma «Comissão de Defesa da Concorrência», à qual competirá, em geral, velar pelo regular cumprimento das disposições desta lei e em especial.

a) Manter um sistema de vigilância sobre as condições de concorrência na economia, em particular sobre a formação e actuação dos coligações, a elaboração de códigos ou regulamentos da execução de actividade profissional ou sectorial, a conduta das empresas em posição

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preponderante e os excessos de competição em estruturas de mercado defeituosas,
b) Proceder aos inquéritos e estudos necessários ao esclarecimento das situações1 de concorrência, designadamente para instrução dos processos que forem organizados,
c) Promover a correcção das situações de abuso de poder económico e de indevida restrição da concorrência, mediante intervenção persuasiva junto das entidades em causa,
d) Propor ao Ministro da Economia, como conclusão de cada processo organizado, as medidas convenientes para sanar as situações irregulares encontradas, quando resultar infrutífera a intervenção persuasiva e ainda a aplicação das sanções penais ou disciplinares que sejam justificadas e resultarem da regulamentação a publicar.

BASE IX

A fim de habilitar a Comissão de Defesa da Concorrência com os elementos necessários para o desempenho das funções que lhe são cometidas, e independentemente de quaisquer diligências ou informações que as circunstâncias de cada caso possam aconselhar, definem-se a seguir os princípios fundamentais quanto à colaboração devida a esta erítidade.

a) Será obrigatória a apresentação anual à Comissão de um relatório esclarecedor por parte das empresas em posição preponderante Entender-se-á que ocupa posição preponderante a empresa ou Agrupamento de empresas cuja participação no mercado nacional ou em zona relevante dele seja suficientemente vasta para lhe permitir uma conduta autónoma quanto a preços e a outras condições de comercialização, bem como uma influência marcada no que respeita aos investimentos no seu sector,
b) Os departamentos competentes facultarão à Comissão, imediatamente após a sua recepção, cópia de todos os relatórios, informações, extractos de actas e outros documentos emanados dos delegados e comissários do Governo ou administradores por parte do Estado, relacionados com a actuação destes junto das empresas,
c) Só terão efeitos legais os acordos ou regulamentos para o exercício de actividades económicas que estejam registados na Comissão. Esse registo é público, ressalvando-se, todavia, os segredos de carácter técnico ou de negócios, quando a Comissão assim o entender e a pedido dos interessados,
d) A Comissão poderá editar regularmente um boletim onde se reproduzem os textos legais referentes à sua esfera de competência, as decisões tomadas nos processos concluídos e todas as informações julgadas de interesse sobre a actividade de apreciação de casos e de intervenção persuasiva, bem como de estudo ou inquérito Quando assim o determinar o Ministro da Economia, também serão aí publicados resumos ou extractos de relatórios referentes às empresas em posição preponderante e elementos do registo dos acordos e regulamentos profissionais

BASE x

O Ministro da Economia decidirá por despacho os problemas que lhe forem submetidos pela Comissão de Defesa da Concorrência, competindo-lhe para tonto não só determinar as medidas de natureza económica que se mostrem adequadas como aplicar as penas que venham a ser estabelecidas.
Quando os problemas interfiram com questões dependentes de outros Ministérios, o despacho dos processos em causa pertencerá conjuntamente ao Ministro da Economia e ao Ministro ou Ministros das respectivas pastas.

BASE XI

Dos despachos que decidirem cada processo cabe recurso, nos termos legais, para o Supremo Tribunal Administrativo.

BASE XII

Sempre que os factos apurados configurarem infracções criminais, a Comissão de Defesa da Concorrência enviará ao tribunal competente os elementos julgados necessários a organização do respectivo processo.

BASE XIII

A lei será regulamentada dentro de seis meses após a data da sua publicação
Ministério da Economia, 23 de Dezembro de 1964 - O Ministro da Economia, Luís Maria Teixeira Pinto

IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA

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