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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 3

IX LEGISLATURA - 1965 2 DE DEZEMBRO

Reunião conjunta da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, sob a presidência de Sua Excelência o Presidente da República, para solene abertura da primeira sessão legislativa da IX Legislatura

Sob a presidência do S. Ex.ª o Chefe do Estado, Sr. Contra-Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás, que tinha à sua direita SS. Ex.ªs os Srs. Professor Doutor António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho, o Dr. Luís Supico Pinto, Presidente da Câmara Corporativa, e à esquerda SS. Ex.ª os Srs. Professor Doutor Mário de Figueiredo, Presidente da Assembleia Nacional, o Dr. António Lopes Vás Pereira, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, reuniram-se, na Sala das Sessões da Assembleia Nacional, no dia 30 de Novembro de 1965, a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa, para a solene abertura da 1.º sessão legislativa da IX Legislatura, nos termos do artigo 81, n.º 2.º, da Constituição Política da República Portuguesa.
Estavam presentes SS. Ex.ªs os Srs. Ministros de Estado adjunto do Presidente do Conselho, da Defesa Nacional, do Interior, da Justiça, do Exército, da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, das Obras Públicas, da Educação Nacional, da Economia, das Comunicações, da Saúde e Assistência e das Corporações e Previdência Social; Secretários de Estado da Aeronáutica, do Comércio, da Agricultura o da Indústria; o Subsecretários de Estado da Presidência do Conselho, do Tesouro, do Orçamento, do Exército, das Obras Públicas, da Administração Ultramarina, do Fomento Ultramarino, da Administração Escolar e da Juventude e Desportos.
Presentes, também, o Ex.mo e Rev.mo Sr. Cónego José Falcão, governador da Patriarcais de Lisboa, em representação de S. Ex. o Cardeal-Patriarca, ausente em Roma; a Senhora D. Gertrudes Rodrigues Tomás, Esposa do Chefe do Estado, e as esposas de SS. Ex.ªs os Srs. Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e de SS. Ex.ªs os Ministros, Secretários de Estado e Sub-secretários de Estado; o Corpo Diplomático acreditado em Lisboa, e Altas Autoridades.
Nas galerias reservadas estavam antigos Ministros e Secretários de Estado, governadores civis do continente e ilhas adjacentes, oficiais generais do Exército, Armada e Força Aérea, presidentes das câmaras municipais, adidos militares, navais, aeronáuticos e de imprensa estrangeiros, antigos Deputados e Procuradores e muitas outras pessoas do maior relevo na Sociedade portuguesa.
O Chefe do Estado, que fora aguardado à sua chegada ao Palácio do S. Bento pelos Srs. Costa Brochado e Dr. Emílio Patrício, respectivamente secretário-geral da Assembleia Nacional e chefe do Protocolo do Estado e recebido por SS. Ex.ªs os Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e pelas Delegações das duas Câmaras, constituídas poios Srs. Drs. José Soares da Fonseca e António Furtado dos Santos; Almirante Henrique dos Santos Tenreiro, e Drs. Fernando Cid de Oliveira Proença e Mário Bento Martins Soares, respectivamente 1.º, 2.º o 3.º vice-presidentes e 1.º o 2.º secretários da Assembleia Nacional,, e pelos Srs. Deputados Castro Fernandes, Barbieri Cardoso, D. Maria Ester de Lemos, Noto de Miranda e Gonçalo Mesquitela, e Professores Doutores Fernando Andrade Pires de Lima e António Manuel Pinto Barbosa, e Dr. Bento Mendonça Cabral Parreira do Amaral e Samwell Diniz, respectivamente 1.º e 2.º vice-presidentes e 1.º e 2.º secretários da Mesa da Câmara Corporativa, e ainda pelos Dignos Procuradores Aguindo de Carvalho Veiga, António Vitorino França Borges, Augusto de Castro, Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa, Hugo Mascarenhas e Laurindo Henrique dos Santos, deu entrada na Sala das Sessões da Assembleia Nacional às 17 horas. O cortejo abria com dois porteiros, seguidos por dois se-

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cretarias do Protocolo do Estado, polo secretário-geral da Assembleia Nacional e pelo chefe do Protocolo do Estado. Apôs S. Ex.º o Presidente da República, iam SS. Ex.ªs os Presidentes do Conselho e da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa o do Supremo Tribunal de Justiça. Finalmente, seguiam os membros das Casas Civil e Militar do Chefe do Estado. Outros dois porteiros encerravam o cortejo.
Às 17 horas e 5 minutos, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional, em nome de S. Ex.ª o Presidente da República, declarou aberta a reunião e acrescentou:

Vai usar da palavra, por direito próprio, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.

O Chefe do Estado leu,- então, a sua mensagem, que era do teor seguinte:

SRS. DEPUTADOS E DIGNOS PROCURADORES À CÂMARA CORPORATIVA:

Tenho a honra de inaugurar a IX Legislatura ao abrigo da Constituição de 1933, e a primeira do novo mandato que a mim próprio foi conferido há poucos meses para a Presidência da República; e quero em primeiro lugar saudar todos os que mereceram ser escolhidos para uma e outra Câmara, com o fim de nelas desempenharem as altas funções que constitucionalmente lhes incumbem. Penso que nos devemos felicitar não só pela correcção com que decorreram todos os actos eleitorais como pela normalidade verificada na constituição e funcionamento das instituições nos últimos decénios. Devemo-lo à fidelidade do sentimento popular para com o regime constitucional vigente, sem dúvida revigorada pela consciência das especiais dificuldades que o Pais atravessa, e por outro lado também à progressiva organização das corporações, que vai permitindo mais autêntica representação das actividades nacionais. Se em breve prazo for possível criar as Corporações de Assistência, dos Desportos e das Ciências, Letras e Artes, a intervenção do Governo na designação de Procuradores ficará reduzida aos que hão-de constituir a secção da Câmara representativa da Administração Pública. Teremos compreendido e até desculpado a morosidade da evolução operada, lembrando-nos de que, na base deste processo, se encontra a necessidade de prévia organização das mais diversas actividades económicas e morais, a adopção de princípios não integralmente experimentados em parte alguma o até a dificultosa adaptação do nosso individualismo a novos valores e formas de convivência social.
Não há-de estranhar-se que o Estado Português da Índia continue presente na Assembleia Nacional. A ocupação dos territórios por forças estrangeiras contra a decisão do Tribunal- Internacional de Justiça, contra os- preceitos da Carta/das Nações Unidas, contra o mesmo Conselho de Segurança, embora paralisado pelo veto russo, não invalidou o direito inerente à soberania portuguesa. O mero estado de facto o legitimou o tempo decorrido e muito o deixam supor legitimo os veementes protestos das consciências na própria Goa e os dos goeses espalhados pelo Mundo. Não podendo os primeiros pronunciar-se, nem desejando nós criaras menores dificuldades a terceiros Estados fizeram-no apenas os goeses residentes em todos os territórios de Portugal. E ninguém duvidará da autenticidade desta representação, símbolo de um protesto que não se calará enquanto encontrar eco nas consciências amantes da justiça e crentes da sua necessidade- nas relações entre os povos.
Os grandes problemas a encarar na próxima Legislatura continuarão a ser a defesa da integridade nacional e o desenvolvimento do espaço português: o primeiro nos especialmente imposto pelas circunstância» adversas dos tampos que correm; o segundo não só deriva da necessidades vitais da grei como se apresenta essencial à garantia da sua mesma defesa. Ambos merecem uns momentos de reflexão.
Reli as consideração produzidas neste mesmo lugar e em idênticas circunstâncias há quatro e há oito anos e, no referente à vida internacional, pasma-se de quão* pouco se haja progredido na solução dos problemas que são o maior desassossego dos povos e constituem o maior poso doe suas economias. A verdade e que o fim do segundo conflito mundial não só não trouxe consigo a paz, mas encontra-se na origem das guerras actuais a das que enfrentaremos no futuro. E tal a complexidade das condições resultantes das situações militares no fim das hostilidades e de outras que puderam ser criadas no seu rescaldo, pelo cansaço de uns e a imprevidência de outros, que é hoje a todos evidente ter sido mais que inútil o esforço de guerra: não só enfraqueceu e dividiu a Europa como não permitiu até hoje definir em termos jurídicos o estado de paz entre alguns dos contendores. Os que puderam preservar os recursos da sua ideologia, ainda lucraram com a expansão desta; os que trouxeram à guerra apenas ideias negativa, ou de certo modo ultrapassadas, empobreceram e diminuíram-se. O pior é que, se a recuperação das nações se verifico; muitas vezes na História, a civilização que as gerou e as congregou em grandes espaços com certa homogeneidade de espirito, essa está sujeita a desfalecimentos mortais.
A Europa foi o berço, o centro de irradiação da, maior o mais elevada civilização que o Mundo viu; transplantou-a para muitos continentes; vivificou-a em numerosas nações. A questão é saber se está ainda em condições de garantir a sua sobrevivência. Os que acreditam na superioridade dos seus princípios têm motivos de sobra para a si próprio e formularem a interrogação. O suporto de uma civilização- é o território e a alma das nações que a criaram ou em que fé implantou, e no fundo, bem no fundo, a existência de um poder político que- perfilha e por esse mesmo facto a valoriza e impõe. Não se pode dizer que o problema, se sentido, tenha sido devidamente enfrentado e a necessidade da nossa própria defesa responde negativamente a esta dúvida.
Por nossa parte, temos a consciência de ser um povo que, se a História pode ainda ser validamente invocada, nalguma coisa contribuiu para a expansão da civilização ocidental. Tendo ao lado a Espanha em estimulante competição, realizámos essa expansão com esforço penoso, persistente, continuado por séculos, e pode afoitamente afirmar-se que sem compensação material. Outros mais poderosos e ricos não se encontraram ao tempo em condições de dar dos povos descobertos essa iniciação civilizadora. Somos sem dúvida uma Nação pacífica, menos por fraqueza do que pela Índole natural do povo, e por essa espécie do cosmopolitismo vivido em contacto com raças e nações estranhas, que lhe permitiu apreciar o valor relativo das terras e doe gentes. Sempre tem sido traço da nossa vida de relações transmitir aos outros povos em bom entendimento os ele. mentos da nossa cultura e receber dele os elementos, válidos da sua. Em relações de vizinhança bastas provas temos dado de nos preocuparem interesses alheios as vetes mais que os própria. Por isso, se não fosse estar

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moa bem cientes das paixões incontroladas e dos interesses que inspiram as decisões dos organismos internacionais, havíamos de estranhar que a sério nos considerem perigo para a paz e a segurança internacional, e, partindo de bases que não são as nossas, pretendam impor-nos condutas que a sarem, seguidas não lograriam salvar nem a presença, nem a influência, nem os interesses de Portugal nos territórios ultramarinos, antes forçariam à desintegração da Nação Portuguesa o às eventuais consequências de tão grave diminuição.
Começa o Mundo, e o que no Mundo há ainda de mentalmente independente e sério, a dar-se conta da falta de verdade das acusações formuladas e da incoerência nos propósitos afirmados contra nós, pois, sendo tão visíveis os catastróficos resultados de uma política seguida na última vintena, não está dentro da razão se pretenda ainda agravá-los e em enormes proporções. Mas seja como for e soja qual for a atitude de países enleados nas contradições dos nossos actos e dos seus desígnios, colocada a Nação Portuguesa no trágico dilema de ser ou não ser, de continuar a sua vida ou sofrer profunda viragem na sua história, não temos outra escolha que não a de empenhar-nos, como temos feito, na intransigente defesa da integridade pátria, em qualquer ponto onde tentem atacá-la. Se alguma dúvida pode assaltar certos espíritos perplexos ante a grandeza e o peso da tarefa, bastar-lhes-ia atentar na explosão do sentimento pátrio, em todos os recantos de todas as províncias portuguesas, quando se pensou poder ainda discutir-se a integridade da Nação. Eis porque no actual momento, e não pode prever-se durante que lapso de tempo ainda, tem de ser considerada a defesa dos territórios ultramarinos e das suas populações como a tarefa fundamental de todos os portugueses e a preocupação máxima dos órgãos superiores do Estado.

A muitos parecerá estranho que, a par desta preocupação, se enuncie a do desenvolvimento e progresso do espaço português, pois que, quer no domínio da lógica, quer no das realidades práticas, se afigurará serem os dois fins incompatíveis ou pelo menos prejudicarem-se mutuamente. E no entanto temos necessidade de jazê-los coincidir e vingar. É sem dúvida esforço de admirar o que até agora tem podido ser realizado e acredita a nossa Administração - gastar milhões na defesa ultramarina e outros no desenvolvimento económico, tanto na parcela europeia como nas terras dos outros continentes. E, embora parte do esforço económico caiba à iniciativa privada e aos capitais que por seu intermédio são mobilizados, certo é competir ao Estado parte importante no empreendimento global cujo encargo recai directamente no orçamento e por intermédio deste, por empréstimos ou impostos, nos rendimentos particulares. Ao contrário do que poderia pensar-se como forma mais razoável de proceder - fazer a defesa ultramarina e tratar depois da vida das populações -, deve entender-se ser mais conforme a prudência e às necessidades procurar fazer crescer a riqueza colectiva, para ficar assegurada a defesa por todo o tempo que o desconcerto do Mundo no-la quiser impor.
A dupla tarefa que assim nos atribuímos requer, porém, a observância de certo numero de condições. Não parece possível obter dentro da nossa própria economia todos os meios necessários, pelo que o recurso ao crédito externo para fins de desenvolvimento se tornará necessário. Mas porque é essencial à salvaguarda dos interesses económicos e até políticos da colectividade nacional que esse recurso seja moderado e isento na maior medida possível, devemos orientar a nossa vida no duplo sentido de economizar o máximo nos gastos e seriar os que hajam de fazer-se pelo critério da mais rápida e da maior reprodutividade. Não pode esta orientação agradar a todos nem de modo algum dar satisfação aos nossos desejos e mesmo a aspirações legitimas e absolutamente rascáveis. Ela baseia-se e marca o acento tónico mais na restrição dos consumos improdutivos que numa economia de aumentos indiscriminados da produção. Mas depois das experiências de expansão indefinida a que temos assistido e dos riscos que comporta e outros têm suportado, cremos ser essa orientação a mais prudente e ao fim mais eficiente também. Como em muitos outras situações da vida, também nesta é preciso escolher.

Esta linha de conduta deve transparecer aos olhos das Câmaras na organização dos orçamentos e nela deve sobretudo basear-se p III Plano de Fomento, em que já se trabalha e há-de ser examinado na segunda sessão legislativa. Foi-se obrigado a inserir um plano intercalar para os anos de 1965 a 1967 por causa da incerteza das condições gerais - políticas e económicas - em que seriamos obrigados a trabalhar. Mas a partir de 1968 pensa-se que muitos problemas e situações estarão mais simplificados ou resolvidos, o estará por outro lado mais adiantada a integração económica de todo o espaço português.
É para lamentar que o preceito da Constituição segundo o qual a organização económica do ultramar devia integrar-se na organização económica geral da Nação Portuguesa não tenha tido, embora gradualmente mas logo a partir da sua promulgação, a execução que o legislador constitucional previra. Pode dizer-se que contribuíram para isso não tanto dificuldades da política interna como as vicissitudes da vida mundial de que sofremos as repercussões. Com a publicação das múltiplas previdências decretadas, especialmente desde 1961 ate ao presente momento, e com as salvaguardas conseguidas nos organismos internacionais interessados, deve considerar-se largamente aberto o caminho para a integração do espaço português. Há mesmo para tanto melhor compreensão que dantes da parte dos territórios ultramarinos, nos quais se tornou nítido que, nesta época de grandes espaços e afinidades de cultura, a integração em vasto espaço português é ao mesmo tempo garantia de progresso, de segurança e de integridade desses territórios. Isto significa que o próximo Plano de Fomento pode e deve ter características muito diversas e compreender estímulos muito mais fortes que os anteriores para a unidade nacional.

No próximo ano terão passado 40 anos sobre o Movimento de 28 de Maio. E estando prevista para então a inauguração de algumas grandes realizações que foram o sonho e a ambição de gerações sucessivas, pensou-se em enquadrá-la em manifestações mais vastas, que celebrassem condignamente o 40.º aniversário do que se tem chamado a Revolução Nacional. De modo algum se trata de estadear serviços prestados nos múltiplos campos em que se actuou; mas a nós próprios, que vemos o tempo correr e com ele desvanecer-se a memória dos eventos passados, interessará dispor de meios de confrontação entre o que se prometeu e o que se realizou, entre as necessidades do povo e os empreendimentos que o servem, entre o ponto de partida e as estações de chegada em tudo o que interessa à vida dos indivíduos e da colectividade. O tempo dilui o peso dos esforços e transforma em habitual e corrente aquilo que na época em que se fez se pensou ser excepcional e custoso. Mas as gerações

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que deixaram muito poro trás as reclamadas obras ao regra do Sorraia e se lançaram ao trabalho da irrigação do Alentejo; que puderam transpor o Tejo em obra sem dúvida grandiosa em todos os tempos e a maior dos nossos dias; que se mostram ao menos iguais as de há um século na estruturação em novo Código das normas do direito civil; as gerações que engrandeceram a Nação, tornando-a mais próspera, e defenderam a sua unidade, tornando-a mais sólida; essas gerações, trabalhando, lutando, sofrendo, se não devem ambicionar louvores, têm legitimo direito a que se lhes permita afirmar terem cumprido o seu dever. E se tiver de concluir-se que os princípios morais e políticos que professam foram havidos na ordem que usufruímos e no progresso de que as outras gerações gozarão mais do que nós, pode ser que ainda aqui tenhamos contribuído para reabilitar dois conceitos envilecidos - o da política e do Governo - que, ao menos entre nós, o povo tem tendência a não prosar, pelos muitos enganos que em seu nome se lhe têm servido. E se, por fim, à volta das estruturas, sociais que esses princípios permitiram criar, se fortalecer a unidade e solidariedade dos Portugueses, ter--se-á atingido o que há de essencial à obra que têm de prosseguir em comum. Assim a Providência abençoe e faça frutificar esse trabalho.

(A assistência, de pó, aplaudiu calorosamente a mensagem presidencial e aclamou o Chefe do Estado, o Sr. Presidente do Conselho e a Pátria).

O Sr. Presidente da Assembleia Nacional: - Em nome do Chefe do Estado, tem a palavra o Sr. Deputado António Manuel Gonçalves Rapazote, para, em nome das duas Câmaras, responder à mensagem presidencial.

O Sr. Deputado António Manuel Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente da República: Começo por pedir vénia aos Srs. Deputados desta cidade de Lisboa a quem costume antigo, de muitos séculos, concedia o privilégio de responder à chamada «Oração de proposição» em Cortes.
Eu não tenho privilégio nenhum.
Sou um Deputado como outro qualquer - da bancada geral-, que sobe a esta tribuna carregado do pesado e honrosíssimo mandato de traduzir os sentimentos e os propósitos da Representação Nacional em momento de graves preocupações.
Tenho alguma esperança de o poder cumprir porque vou falar a única linguagem que aprendi - a nossa - directa, por artigos definidos, sem conjunções adversativas.

Os grandes problemas que nos são postos na mensagem que acabamos de receber revertem e defesa do território, ao desenvolvimento e integração económica do espaço português, à normalidade, estabilidade e continuidade das instituições, mas todos Têm ordenados à compreensão de uma realidade que nos precede e nos transcende e que a presença do Chefe do Estado testemunha - a intangibilidade da unidade portuguesa.

Colocada a Nação no trágico dilema de ser ou não ser, de continuar a vida ou sofrer profunda viragem na sua história ...,

eu creio que devo situar-me no ângulo das instituições políticas para dominar o valor e o sentido profundo da mensagem, projectando-a, com os nossos anseios mais veementes, no plano da actividade dos órgãos da Representação Nacional.
Desse ângulo posso verificar se as instituições serão bastante fortes e suficientemente ágeis para suportar as duríssimas provas a que se encontra submetido o agregado nacional; avaliar da sua aptidão para resolver as equações políticas de uma evolução vertiginosa e cósmica; e considerar o comportamento do homem português e da comunidade em que se encontra plasmado e inserido.

Quero faze-lo sereno como quem medita e determinado como quem está em vigília.

Às nossas instituições tradicionais sofreram ventos agrestes de vários quadrantes e resistiram sempre, na sua essencialidade, ao malefício dos temporais.
O material e a fábrica confundem-se com a robustez da nossa comunidade e os alicerces suportam a imortalidade da raça.
Quarenta anos de restauração e de limpeza a fundo - esses que serão solenemente comemorados - puseram & vista o traçado inconfundível das estruturas que vamos aperfeiçoando o completando com a cadência dos passos seguros e firmes.
O absolutismo, no seu exacto conteúdo, não desapareceu com o vendaval gaulês de 89.
Transitou do rei - erigido em Estado - para o povo soberano; e, daí, que os portugueses agitados por essa terrível tempestade - tanto os da Monarquia Nova como os da República Velha- procurassem legitimar seus generosos anseios de renovação com as bênçãos da História.
Lembro que João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett mergulhava a sua Constituição na pia das Cortes de Lamego.
E tinha as suas razões - eram as mais velhas da Europa.
Expressão natural do nosso viver, as instituições têm a marca da cordura que se desprende da fácil comunhão dos sentimentos; o escudo da fidelidade, que é o brasão da raça; e a segurança da lealdade sem limites, que é o cimento mais forte do próprio poder político.
No quadro dessas instituições, a mensagem do Chefe do Estado e a resposta da Representação Nacional constituem acto da maior transcendência, diálogo que se desenvolve perante a Nação, portas e janelas abertas, interessado mas franco, com a naturalidade e a seriedade das falas familiares.
Creio que nunca terá tido maior ressonância do que nesta hora crucial em que, mercê de Deus, se reúne, no colorido das gentes e no mais vivo recorte do seu escol do pensamento e da acção, o Portugal multirracial e pluricontinental que construímos e somos.
Províncias portuguesas de aquém e de além-mar, poros livres, terras taladas e terras cativas, todas recolhem, comovidamente, nesta abertura solene, a palavra do Chefe do Estado.
Do Chefe do Estado revestido de toda a sua autoridade, assente em juramento soleníssimo, autoridade visível, concreta, personalizada.
Os consagrados manipuladores da pobre razão humana que, sufocados pela estreiteza das suas filosofias, sobrecarregaram o povo de tremendas alienações e são capazes de alienar a própria soberania, nunca poderão entender a naturalidade e a humanidade da relação de quem manda e de quem deve obedecer.
Sem o licor capitoso das abstracções, sem a acrobacia dos sofismas, nós nos conformamos com o singelo e claro assentimento do povo, a devoção e a inteireza do governante.

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O funcionamento das nossas instituições tem o selo da maturidade política e assenta nesta primeira realidade, que, só por si, assegura a definição de uma verdadeira política nacional, a regularidade da delicada administração de um- Estado moderno, a ordem e a unidade portuguesa.

O meu precioso manual de política pura começa por configurar a sede do poder; por indicar o assento da autoridade e da decisão.
Diante do Chefe do Estado estamos, realmente, perante o poder.
Da sua palavra depende a legitimidade do Governo e do Governo - bem o sabemos - o futuro da comunidade nacional.
Esta nota de plenitude, que é da essência do mesmo poder, tem sido enriquecida no contacto permanente do Chefe do Estado com a Nação, tornando mais forte a sua força e mais consentido b nosso consentimento.
Nem vulgarizado nem divinizado, revestido de prudência política e da experiência humana, o almirante Américo Deus Rodrigues Thomaz não deixa brilhar na sua farda a glória de mandar para nos vincular ao seu admirável exemplo de servir.

Julgo que das nossas instituições políticas se pode dizer quanto o clássico dizia da língua portuguesa - aconteceu-lhe como os rios que vêm de longe e tomam a cor e o sabor das terras por onde passam.

om o rodar dos séculos, guardámos a frescura das nascentes, fomos afeiçoando o carácter e os modos, aprendemos a conviver com todas as raças e em todos, os climas, trocámos valores culturais e criámos uma consciência tão forte que os traços de fractura só podem verificar-se a golpes de catana e sob a demoníaca excitação das drogas infernais.
A lealdade dá-se bem entre nós, vem de longe e cresceu por toda a parte.
Enriquecendo este cimento precioso com uma boa armadura de autoridade, em jeito de favorecer a realização das formas de liberdade que o nosso engenho e a variedade das circunstâncias solicita e requer, podemos completar, sobre o granito antigo, agora em betão ciclópico, um grandioso edifício que não o haverá parelho no Mundo.
Do Tejo ao Zaire e do Zaire ao rio dos Bons Sinais, abraçando as províncias do Oriente e estendendo a mão amiga, para o outro lado do Atlântico - quase ali na outra banda -, a nossa comunidade terá a exacta dimensão da alma lusíada.
E esta especial dimensão, aferida pelos padrões da História, é irreversível e inalterável.

O nosso esforço criador tem um sentido universal, o que vale dizer que nele se contém a unidade na variedade.
Para o preservar, a Nação nunca comungou no processo de corrupção da autoridade; nunca consentiu na deterioração das suas liberdades; sempre guardou e defendeu a terra e as gentes combatendo, sofrendo, rezando.
Desde o «Manifesto do Reino de Portugal no qual se declara o direito, causas e modo que teve para eximir-se da obediência ao rei de Castela e tomar a voz de D. João IV» até ao discurso de 12 de Agosto de 1963, onde se declara o direito, causas e modo por que, SOO anos passados, Portugal se havia de eximir à obediência do Governo Universal que abusivamente se pretendeu instalar na O. N. U., a Nação tomou uma só voz.
Quando os estranhos, mascarados de duvidosa legalidade ou adornados de gestos delicados e falas subtis, se intrometem nos problemas da nossa comunidade, desafiam descaradamente a nossa ordem ou afrontam o património formado e conformado no esforçado trabalho de gerações, todo o português, onde quer que tenha descansado das suas aventuras, trocando franciscanamente com seus irmãos o pão e o vinho da tebaida, a alegria do coração e a sabedoria dos costumes, todo o português tomará a voz da autoridade que proclama e defende a sua liberdade e, consequentemente, a autodeterminação que na mesma liberdade se contém.
Estamos bem advertidos das muito graves dificuldades que atravessamos - «quase ao nível da resistência total da Nação» - só para que sejam ouvidas e entendidas umas singelas verdades sobre o que somos e o que queremos, sobre o que não somos e não queremos.
Estamos bem advertidos das muito graves dificuldades que vivemos só porque ao programa das independências em série, e ilusão dos plebiscitos, queremos substituir a «saudável evolução» da nossa comunidade, desta comunidade sacrificada à defesa do seu direito a vida - «a ser ou não ser» -, curvada sob o peso das grandes tarefas do desenvolvimento, mas aberta a mais amorável convivência.

Seguros do nosso direito e dos nossos caminhos, sem o «enleio das contradições» que comprometem a verdade e a justiça, não podemos consentir que alguém nos dê lições de liberdade, da autêntica liberdade, dessa que não pode confundir-se com a liberdade planificada.
O Estado Português da Índia e a resistência dos seus naturais constitui a mais clamorosa acusação da refalsada má fé desses pretensos libertadores.

Falemos agora das nossas liberdades, dessas que temos tanto gosto em favorecer e outros tamanho empenho em iludir ou deturpar.
O homem que é capaz deste esforço gigantesco, conjugando ao mesmo tempo muitos verbos, tem de ritmar os tempos da acção e os seus íntimos anseios hão-de eleger o que for mais conforme à sua natureza.
Esta primeira escolha entre os muitas apetecidas liberdades, é uma primeira limitação.
E, quando se limita, logo o homem livre afirma a autoridade do uma determinação, tanto mais discreta quanto mais respeitável.
É assim que cada um de nós conquista, ordenadamente, ia a dizer aristocraticamente, as suas liberdades.
O aparelho coercivo do Estado nunca poderá ter a sensibilidade necessária para abarcar a delicadeza e a exuberância do processo desta explosão de liberdades.
À conta e a medida da sua expressão é obra de educação e de cultura.
As soluções legais seroo sempre grosseiras e há-de ser num outro plano - no da surpreendente e maravilhosa intuição política do nosso povo, há muito desenganado -, no plano das regras de convivência social, que serão enriquecidas e exaltadas.
A ordem política que servimos tende à eliminação da luta pelo poder, liberta a Nação das toxinas da revolução permanente, inutiliza as fórmulas partidárias, excomungadas pela unidade nacional e já receitadas, por isso mesmo, em papel timbrado da O. N. U., pelos inimigos da mesma unidade.
Essa ordem política confiou à Assembleia Nacional a efectiva fiscalização, no plano constitucional, político e administrativo, do exercício dos direitos e das liberdades fundamentais asseguradas aos Portugueses.

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Será no salutar exercício dessa actividade e na luta pela limitação do poder que se há-de revelar a vitalidade política da Nação aqui representada, assegurando o crescimento equilibrado e a floração natural das liberdades que favoreçam a plena realização do homem português desde a radiosa promessa da sua generosa juventude.

Se conservarmos a frescura das nascentes e não deixarmos turbar as aguas lustrais em que fomos sagrados homens livres, as estruturas serão suficientemente válidas para continuar a garantir a ordem, guardando exemplar compostura e serenidade no desconcerto do Mundo, e terão a agilidade precisa para resistir a análise económica e à teoria das forças globais, resolvendo a nossa equação política de fazer de cada português uma sentinela da Nação.

A mensagem presidencial conjura-nos a estimular, a engrandecer e a sublimar o esforço de uma geração que não dá sinais de cansaço e se inquieta e se consome com os temas de um mundo novo e melhor.
Habituada a abrir caminho por terrenos difíceis e inçados de emboscadas, a geração mais nova irá ainda mais longe se souber recolher o facho e correr a fundo com a lucidez bastante de não se arriscar a parar por excesso de velocidade.

Sr. Presidente da República: acaba V. Ex.ª de inaugurar a IX Legislatura e a primeira do seu movo e renovado mandato.

Os nossos propósitos convergem na definição das linhas de maior resistência da Nação.
As nossas opções vão fixar-se na defesa do homem que é o próprio limite da mesma resistência.
As nossas ansiedades concentram-se todas na homem português, português inteiro, de todas as latitudes- e de todas as raças, que trabalha e sua, que reza e chora, que luta e sangra, mas ainda tem tempo para sonhar ...
... Quero dizer mo homem bem ligado & berra para poder captar as ondas do infinito ...

Neste espírito queremos atingir o objectivo clara e precisamente definido na mensagem presidencial - «fortalecer a unidade e a solidariedade dos Portugueses».

Recebida a soleníssima mensagem de V. Ex.ª, reconhecidas as balizas da nossa caminhada secular, experimentadas as estruturas .que suportam a comunidade nacional, confessados os nossos propósitos, as nossas opções e as nossas ansiedades, permita-me, Sr. Presidente, que termine prestando uma singela homenagem a quem olhou os estrelas, marcou o rumo, segurou o leme e continua ... aguentando as tempestades tropicais.
Estamos todos a vê-lo, firme, na proa da Europa.
Entendo que já não podemos discuti-lo nem reclamado- «a reputação começa no ruído; a glória, no silêncio».

O orador foi vibrantemente aplaudido.
Terminado o discurso do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional disse:

Em nome de S. Ex.ª o Presidente da República, declaro inaugurada a IX Legislatura da Assembleia Nacional é da Câmara Corporativa. E, ainda «m nome de S. Ex.ª, declaro encerrada a sessão.

Eram 18 horas o 25 minutos.

O TÉCNICO - Augusto de Moraes Sarmento.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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