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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 41

IX LEGISLATURA - 1966 26 DE NOVEMBRO

REUNIÃO PLENÁRIA N.º 2, EM 25 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr Luís Supico Pinto

Secretários: Exmos. Srs.
Bento de Mendonça Cabral Parreira do Amaral
Samuell Diniz

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 39 minutos.

Antes da ordem do dia. - Feita a chamada, foi lida a acta da 2.ª reunião preparatória, que, com o numero das Actas da Câmara Corporativa relativo à mesma reunião, foi aprovada.
O Sr Presidente referiu-se à actividade da Câmara Corporativa e à instituição das corporações morais Homenageou os Procuradores falecidos e propôs que se exarasse na acta um voto de pesar. Referiu-se às comemorações do 40.º aniversario da Revolução Nacional e aos dois principais acontecimentos do ciclo comemorativo a publicação do Código Civil e a inauguração da Ponte de Salazar. Manifestou ao Governo e às forças armadas o reconhecimento da Câmara pela intransigente defesa dos valores portugueses no Mundo.
O Digno Procurador Luís Maria Teixeira Pinto evocou a vida e obra dos falecidos Procuradores Trigo de Morais e Ferreira Dias Júnior.
O Digno Procurador Álvaro Vieira Botão referiu-se aos problemas da rentabilidade do trabalho nacional, à publicação da nova regulamentação do contrato individual do trabalho, ao IV Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa, e da Segurança Social, à instituição das novas corporações morais, e a alguns dos problemas do sector do trabalho que deveriam ser solucionados.
O Digno Procurador Manoel Alberto Andrade e Sousa recordou a sua passagem pela Mesa da Câmara Corporativa, como 1.º Secretário, desde a V Legislatura, referiu-se a actividade da Câmara Corporativa, as corporações e a organização corporativa, às funções que devem caber aos organismos de coordenação económica, a necessidade de um «Estatuto do Comerciante», à realização do IV Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Segurança Social, à província de Angola, à acção das forcas armadas e às comemorações do 40.º aniversario da Revolução Nacional. Prestou homenagem ao Sr Presidente do Conselho.
O Digno Procurador Mano Júlio Brito de Almeida Costa referiu-se ao significado do novo Código e aos grandes monumentos legislativos do passado.

Ordem do dia. - Fez-se a eleição do 1.º e 2.º Vice-Presidentes para a 2.ª sessão legislativa.
O Sr Presidente encerrou a reunido às 17 horas e 55 minutos.

O Sr Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Dignos Procuradores:

Adelino da Palma Carlos.
Adolfo Santos da Cunha.
Afonso de Oliveira Rego.
Afonso Rodrigues Queiró.
Agostinho Pereira de Gouveia.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alexandre Gomes de Lemos Corrêa Leal.
Álvaro da Costa Pimpão.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Álvaro Vieira Botão.
Américo José Cardoso Fonseca.
Aníbal David.
Aníbal José Mendes Arrobas da Silva.
Aníbal de Sousa Azevedo.
António Aires Ferreira.
António Bandeira Garcez.
António Carvalheira.
António Costa Silva Carvalho.
António Ferreira Plácido.
António da Graça Mira.
António José de Sousa.
António Júdice Bustorff Silva.
António Manuel Pinto Barbosa.

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António Martins da Cunha e Melo.
António Martins Morais.
António Nascimento Pinto de Sousa.
António Pereira Caldas de Almeida.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Pinto de Sousa.
António Silva Carvalho.
António da Silva Rego.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Artur Sampaio.
Armando Correia Mera.
Armando Gouveia Pinto.
Armando Jorge Coutinho.
Armando Manuel Bettencourt Rodrigues.
Armando Pires Tavares.
Armando Rasquilha Tello da Gama.
Armando Saraiva de Melo.
Arnaldo Irio Marques Sequeira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Campos Figueira de Gouveia.
Artur Patrocínio.
Augusto de Castro.
Augusto de Sá Viana Rebello.
Augusto Victor Sepúlveda Correia.
Basílio Caeiro da Matta.
Bento de Sousa Amorim.
Bento de Mendonça Cabral Parreira do Amaral.
Bernardo Viana Machado Mendes de Almeida.
Cândido Adelino Falcão Guia de Magalhães.
Carlos Augusto Farinha.
Carlos Figueiredo Nunes.
Carlos Garcia Alves.
Carlos Kruz Abecasis.
Carlos Saraiva de Campos.
Custódio Ferreira de Figueiredo.
Domingos da Costa e Silva.
Duarte Pinto Basto de Gusmão Calheiros.
Durando Rodrigues da Silva.
Elisiário Monteiro.
Ernesto Cardoso de Paiva.
Fausto José Amaral de Figueiredo.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Fernando Augusto Serra Campos Ferreira.
Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa.
Fernando Brito Pereira.
Fernando Emygdio da Silva.
Fernando José Martins de Almeida Couto.
Fernando Pereira Delgado.
Fernando Pinto de Almeida Henriques.
Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge
Filipe César de Góes.
Francisco Alberto Fortunato Queiroz.
Francisco José Vieira Machado.
Francisco de Mello e Castro.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Francisco Pereira da Fonseca.
Francisco Pereira Freixo.
Guilherme Moreira Ferreira.
Guilherme Pereira da Rosa.
Hugo Mascarenhas.
Humberto Albino das Neves.
Inácio de Oliveira Camacho.
João Afonso Ferreira Diniz.
João Baptista de Araújo.
João Carlos de Sá Alves.
João Faria Lapa.
João Henrique Dias.
João José Lobato Guimarães.
João Manuel Branco.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
João Pedro da Costa.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Jorge Albano de Almeida Ferreirinha.
Jorge Dias Pereira.
Jorge Sequeira.
José Abel e Lemos Pedroso de Saphera Costa.
José de Almada Negreiros.
José Alfredo Soares Manso Preto.
José de Almeida Ribeiro.
José Augusto Vaz Pinto.
José Bulas Cruz.
José Filipe Mendeiros.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
José Gabriel Pinto Coelho.
José Hermano Saraiva.
José Maria Caldeira Castel-Branco Mesquita e Carmo.
José Maria de Morais Lopes.
José Marques.
José Mercier Marques.
José de Mira de Sousa Carvalho.
José Nicolau Villar Saraiva.
José de Oliveira Marques.
José Pires Cardoso.
José Rodrigues Pedronho.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José da Silva Baptista.
José de Sousa Dias.
Júlio de Araújo Vieira.
Júlio Augusto Massa.
Laurindo Henriques dos Santos.
Leopoldo de Morais da Cunha Matos.
Lourenço Batista Lopes Mendonça.
Lourenço Varella Cid.
Luís Eduardo Braga Borges de Castro.
Luís Manuel Fragoso Fernandes.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Luís Quartin Graça.
Luiz Supico Pinto.
Manoel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos.
Manuel Almeida Ferreira.
Manuel Alves da Silva.
Manuel António Fernandes.
Manuel António Lourenço Pereira.
Manuel Cardoso.
Manuel Casimira de Almeida.
Manuel da Conceição Mineiro Pessoa.
Manuel Domingues Heleno Júnior.
Manuel Jacinto Nunes.
Manuel de Jesus Selôres.
Manuel Joaquim Fernandes dos Santos.
Manuel José Dias Coelho da Silva.
Manuel José de Moura.
Manuel Mendes Leite Júnior.
Mano Arnaldo da Fonseca Roseira.
Mário Coelho.
Mário Dias Pereira de Lemos.
Mário Júlio Brito de Almeida Costa.
Mário Luís Correia Queiroz.
Mário Malheiro Reymão Nogueira.
Mário Pedro Gonçalves.
Mário dos Santos Guerra.
Nuno Maria de Figueiredo Cabral Pinheiro Torres.
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha.
Paulo de Barros.
Pedro Mário Soares Martinez.
Rafael da Silva Neves Duque.

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Raul Lino.
Rodrigo Ferreira Dias Júnior.
Salvador Gomes Vilarinho.
Samwell Diniz.
Sebastião Maria Vaz Lousada.
Ubaldo Alves.
Vasco Lopes Alves.
Vasco dos Santos Almeida.

O Sr Presidente: - Estão presentes 169 Dignos Procuradores. Está aberta a reunião.

Eram 15 horas e 39 minutos.

Antes da ordem do dia.

O Sr Presidente: - Vai ler-se a acta da reunião anterior.

Foi lida.

O Sr Presidente: - Como os Dignos Procuradores sabem, a acta lida representa o resumo do que se passou na segunda reunião preparatória, o relato integral foi publicado nas Actas da Câmara Corporativa n.º 2, de 30 de Novembro de 1965. Oportunamente foi distribuída pelos Dignos Procuradores.
Submeto-os à votação da Câmara.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhuma objecção foi feita, considero-os aprovados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Dignos Procuradores Iniciamos hoje uma nova sessão de trabalhos da Câmara Corporativa e já faz parte das tradições desta Casa que o seu presidente profira, em tal ensejo, algumas considerações sobre as actividades do ano legislativo que termina e sobre as perspectivas do que vai seguir-se.
Na última sessão legislativa, a Câmara exerceu com a maior regularidade a sua normal competência. Os Dignos Procuradores conhecem bem o trabalho que foi feito, pelo que não me parece necessário demorar-me na sua análise. Apenas cabe uma referência de agradecimento a todos, e em especial àqueles que, na mais árdua posição de relatores, mais decisivamente contribuíram para que a colaboração da Câmara na feitura das leis fosse de uma qualidade que não desmerece das suas tradições e do seu prestígio.
Não posso fazer previsões sobre o que t ai ser a nossa actividade neste novo ano, pois, como se sabe, a nossa intervenção depende fundamentalmente das iniciativas legislativas que venham a ser tomadas pelo Governo e pela Assembleia Nacional Devo, porém, referir que entre as próximas tarefas da Câmara estará certamente a da apreciação do novo Plano de Fomento, a entrai em vigor em 1 de Janeiro de 1968, e que se seguirá ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, cujo objectivo principal, que estou convencido será alcançado, foi a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional acompanhado de uma repartição mais equilibrada dos rendimentos formados, sem prejuízo da coordenação com o esforço de defesa, da manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior da moeda nacional, e do equilíbrio do mercado de trabalho.
A vastidão e a inevitável complexidade dos problemas versados num plano de fomento exigirão da Câmara um trabalho cuja dificuldade e responsabilidade não preciso realçar, se aludo à tarefa em perspectiva, é apenas para exprimir a convicção em que estou de que possamos dispor do tempo conveniente para uma análise tão completa quanto possível, porque só assim a nossa contribuição poderá ter a utilidade que desejamos realmente tenha.
De entre os acontecimentos políticos directamente relacionados com a vida da Câmara Corporativa que ultimamente ocorreram, devo salientar a publicação dos Decretos n.º 47 213, que cria a Corporação das Ciências, Letras e Artes, n.º 47 214, que cria a Corporação da Assistência, e n.º 47 215, que institui a Corporação da Educação Física e Desportos, todos datados de 23 de Setembro, aniversário da publicação do Estatuto do Trabalho Nacional, diploma que muito justamente já foi proclamado a Magna Carta do Corporativismo Português.
Trata-se de três importantes instrumentos jurídicos, através dos quais se completa a fase de cúpula da nossa organização corporativa.
A criação das corporações morais e culturais tem um significado que julgo oportuno sublinhar o de que a ideia corporativa realiza plenamente aquela essencial dimensão que se põe em relevo quando se alude ao carácter integral do corporativismo português. Este não se satisfaz com constituir uma estrutura orgânica das actividades económicas, e se foram estas as que mais cedo atingiram a fase de institucionalização integral, a natural explicação para o facto não está em quaisquer razões de prioridade valorativa, mas em motivos de maior urgência do sector económico e no facto de se entender conveniente recolher a experiência do funcionamento das corporações económicas antes de criar os organismos corporativos de grau superior das actividades desinteressadas.
Com razão se afirma no relatório do primeiro dos referidos decretos que «as novas corporações morais e culturais são a expressão viva e real da comunidade, contribuindo por forma eficiente nos domínios que lhes suo próprios para a efectiva concretização do ideal corporativo de autodirecção da vida nacional».
A constituição das novas corporações terá alguma incidência sobre a composição das duas primeiras secções da Câmara Como se sabe, os membros dessas duas secções eram já na sua quase totalidade designados por eleição dos entes que agora se integram institucionalmente. A intervenção do Conselho Corporativo já estava, no entanto, tão reduzida que a modificação que se irá verificar é mais de ordem técnica que de fundo, visto que incidirá principalmente sobre a forma ou o lugar da eleição.
Durante o último ano legislativo perdeu a Câmara dois dos seus membros mais ilustres, ambos vultos da mais larga projecção da vida nacional e ambos também nobres exemplos de dedicação desinteressada e incondicional à causa pública os Dignos Procuradores António Trigo de Morais e José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.
O Digno Procurador Trigo de Morais fez parte da Câmara na III, IV, VI, VII, VIII e IX Legislativas e teve larga e eficiente intervenção nos seus trabalhos, sendo de realçar os notáveis parecei es de que foi relator referentes ao regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola, ao fomento piscícola nas águas interiores do País e a parte ultramarina do II Plano de Fomento e do Plano Intercalar de Fomento de 1965-1967.
Por seu turno, o Digno Procurador Ferreira Dias teve assento na Câmara na III, IV, V, VI, VII e IX Legislaturas e foi relator do diploma relativo à reforma do ensino técnico profissional e à pai te metropolitana do II Plano de Fomento Exerceu, também com grande competência e brilho, as funções de 2.º e de 1.º vice-

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- presidente na VII Legislatura, tendo igualmente dirigido a Câmara nessa Legislatura, como seu presidente em exercício, durante o interregno que decorreu entre a nomeação do Doutor Marcello Caetano para o Governo e a eleição do Doutor Costa Leite para a presidência efectiva.
O desaparecimento destas duas figuras ímpares, homens de alta virtude pelos seus méritos e pela obra que realizaram, deixou um grande vazio não só na nossa Câmara, mas também no País, que tanto honraram pelo seu saber, pela sua inteligência e pelo seu exemplo de dedicação e de sacrifício pelos altos ideais que prosseguiram e foram lema e objectivo da sua abnegada e frutuosa vida.
Lamento também ter de informar a Câmara de que desde a última reunião plenária faleceram o Procurador em exercício Armando Pedrosa da Silva e os antigos Procuradores Eng.º Duarte Abecasis, Prof Doutor Ruy Ennes Ulrich, Eng.º Henrique Schereck e os Srs Manuel Augusto José de Mello, Mário Luís de Sampayo Ribeiro e Tomás de Aquino da Silva.
A Câmara ficou-lhes devendo muito. Recordá-los neste momento com a maior saudade é homenagear quem tanto ilustrou esta Casa.
Interpretando o sentimento da, Câmara, renovo às famílias enlutadas a expressão do nosso desgosto e proponho se exare na acta um voto de pesar. Aos Dignos Procuradores Carlos Kruz Abecasis e José Manuel da Silva José de Mello desejo endereçar uma palavra muito especial de conforto pela grande perda que sofreram com a morte de seus ilustres pais, os antigos Procuradores Duarte Abecasis e Manuel de Mello.
De entre os factos exteriores a vida da Câmara, mas que dominam o ano político, há dois que julgo devem merecer uma referência muito especial.
O primeiro diz respeito à realização das comemorações do 40.º aniversário da Revolução Nacional.
Que a comemoração desta data era necessária e oportuna, penso ser verdade que se impõe por si mesma. O que me parece devei sei salientado é a forma como as comemorações foram delineadas e têm decorrido. Não era sem dificuldade o problema que se punha de comemorai essa grande data nacional num plano que, por um lado, fosse festivo, como todas as comemorações têm necessariamente de o ser, e por outro fosse digno da gravidade das preocupações de uma nação cuja juventude se bate na defesa da integridade do território nacional, num momento em que critérios de apertada austeridade administrativa devem, se possível ainda mais do que em épocas normais, presidir à vida do Estado e à realização das despesas públicas.
A solução encontrada não podia ter sido mais feliz e deve salientar-se que o ciclo das comemorações tem decorrido com a maior elevação e sentido das responsabilidades.
A ideia que presidiu ao plano comemorativo foi a de celebrar o passado e construir o futuro. E é simbólico que os dois actos de maior transcendência das comemorações tenham visado o futuro a publicação do novo Código Civil e a inauguração da Ponte de Salazar.
O Código Civil é o diploma fundamental das relações de direito privado, e é, portanto, o principal estatuto das relações pessoais e patrimoniais que os homens quotidianamente mantêm entre si. O Código que tem vigorado data de há cem anos. No espaço de um século, que passou veloz, operou-se tão grande transformação das coisas e das ideias, que as realidades, os factos, os sistemas que serviram de base às concepções e às soluções jurídicas do Código de 1867 modificaram-se profundamente. E para o futuro que a lei nova se faz, e a inclusão da publicação do novo Código Civil no ciclo das comemorações tem a maior oportunidade dentro do espírito de celebrai o passado construindo o futuro.
A Ponte de Salazar é a maior obra até hoje executada em Portugal. Ela constitui a realização de uma aspiração já antiga, o sonho do passado que o presente converte em realidade e oferece ao futuro. E também essa comemoração está cheia de simbolismo, pois mós ti a como, no respeito de valores seculares, é possível dar satisfação a aspirações já sonhadas e ambicionadas pelas gerações que nos precederam.
A segunda ordem de factos que não podem passar sem uma referência muito especial é a que se refere ao prosseguimento da nossa luta pela defesa dos valores que estão na base da presença civilizadora de Portugal no Mundo. Vimos que os manejos e as tentativas hostis prosseguiram e não devemos supor que esses ventos adversos, a inveja, a incompreensão ou a cupidez, acalmem ou desapareçam em tempo próximo. Não há dúvida, porém, que uma progressiva compreensão da posição portuguesa se vai acentuando no Mundo e que se começa a distinguir, sob a poeira de falsos humanitarismos e de ideologias passageiras, que é do nosso lado que estão os interesses autênticos da civilização, do progresso e da paz.
A este respeito penso que cabe à Câmara Corporativa exprimir dois votos de gratidão. Um para o Governo, que com energia, dignidade e firmeza sempre atentos tem sabido expor as nossas razões e defender as províncias ultramarinas em todos os casos em que a aleivosia ou a agressão se fizeram sentir. O outro, para as forças armados, que estão cumprindo o seu dever com uma nobreza e uma abnegação que não poderiam ser excedidas e nos enchem de orgulho.
Resta-me, Dignos Procuradores, apresentar a todos os meus cumprimentos e desejar que seja fecunda a acção da nossa Câmara nesta 2.ª sessão legislativo da IX Legislatura, que hoje se inicia.

O Sr. Teixeira Pinto: - Sr Presidente, Dignos Procuradores: Na cerimónia de abertura desta sessão legislativa, quis o Sr Presidente referir-se com piedoso sentimento à memória dos que foram Dignos Procuradores e nossos colegas, Duarte Abecasis, Ruy Ulrich, Henrique Schereck, Manuel de Mello, Tomás de Aquino da Silva, Manuel Sampayo Ribeiro, António Trigo de Morais e José Ferreira Dias. Não poderia eu, como nenhum de nós, ficai indiferente a esta evocação.
Dignos Procuradoras Se as palavras pudessem ti aduzir a mágoa que sentimos, ter Ta certamente de as comedir para não parecer exagerado o meu discurso, mesmo se todos peidemos igualmente nestas perdas, ainda que por diferentes razões.
Não se podem, pois, reduzir a esta expressão nem a virtude nem a riqueza dos espíritos de tais homens, escassearia o tempo, faleceria o engenho pura descrever as razões, dos benefícios que o País a todos deve o magistério do professor, o talento do técnico, as realizações do empresário, a criação do artista e a mestria das artes gráficas são simples facetas da actividade de quem for ímpar nas suas funções.
Só o facto de dois vultos de entre aqueles serem membros da actual Câmara Corporativa nos faz distinguir onde a mágoa e a saudade não reconhecem diferenças.
Foram os Eng.ºs Ferreira Dias e Trigo de Morais apaixonados sacerdotes da engenharia - já por alguns designada como a poética do mundo moderno - e quando particularmente os consideramos, cada um decerto nos pa-

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recerá maior. Outros seguramente - e em especial da profissão que engrandeceram - se poderão pronunciar com maior saber sobre as grandes virtudes do engenheiro e caber-me-á, espero, o prelúdio de uma homenagem em que penso não confundir o dever com os meus sentimentos.
Foram os Eng.ºs Ferreira Dias e Trigo de Morais grandes como as suas realizações. E quem olhar o leito sinuoso dos rios portugueses, o fragor rápido dos caudais, a calma superfície das represas, o tecido laborioso dos canais de rega, a teia (...) dos condutores de energia, o colorido das terras cultivadas e das fábricas, em muito certamente encontrará o esforço entusiástico dos homens, a razão esclarecida dos estadistas, a audácia de concepção dos engenheiros, a perseverança dos realizadores ao longo da terra portuguesa deixaram marca indelével do seu génio. E se tivéssemos de os julgar pelos seus feitos, são eles tão dignos de admiração que por vezes não sei como lhes havemos de exprimir o nosso reconhecimento e que sempre nos restará o pêsame de nos haverem chegado tão tarde e deixado tão cedo.
Está a obra tão próxima de nós que por vezes o julgamento se pode obliterar, mas o homem cuja personalidade se realiza na acção, mesmo de juizes injustos ganha o respeito.
O tempo da engenharia e da economia, que por vezes parece infinito, viu as palavras serem realizações e os actos falarem por si. Quando gentes despreocupadas viviam um céu azul, um belo clima e uma felicidade amadurecida, víamos os homens baterem-se pelo ideal de permitir a prosperidade prodigiosa de novos desenvolvimentos. A luta não foi breve nem nunca terminaria, mas a confiança imensa e experiência dos múltiplos combates permitiram animar e orientar seguramente as formas de progresso. Um combate que se viveu em paz e de que saíram vencedores na memória dos homens e no campo da natureza.
E se abandonarmos o terreno e nos recolhermos na meditação e leitura dos seus escritos - e, em particular, os pareceres da Câmara Corporativa de que foram relatores -, quantas lições e exemplos não colhemos, a par do entusiasmo que nos assalta e das certezas que nos tomam. Nesses escritos, a lucidez, o rigor, o conhecimento profundo encontram-se ao serviço do raciocínio como intérprete da imaginação, da sensatez como condutor da audácia. Pois se Portugal tem homens que podem imaginar e conceber tantas e tão grandes tarefas não podemos duvidar do seu futuro. E em matéria de tantas dependências como a obra de engenharia ou a realização económica, encontramos nos seus escritos a via luminosa da sugestão segura ou da opção concreta - aí vemos claramente emergir as figuras dos homens públicos que souberam escolher e vieram a realizar.
Esta foi a sua vida trabalho de pela manhã até à noite; este foi o seu exemplo servir do início até ao termo. E se estas palavras não podem ressuscitar os mortos poderão alentar os vivos a venerar o seu exemplo e a não regatear elogios aqueles a quem devem benefícios.
Uma profunda saudade, uma pungente mágoa, uma prece murmurada seria deixar falar os sentimentos. Na razão encontramos lenitivo, ao apreendermos a lição de humanidade que os Eng.ºs Ferreira Dias e Trigo de Morais deram na construção do bem-estar do povo português. Que este rasgar de horizontes, este enfrentar doloroso do futuro, essa luta ingente contra a incompreensão, ou crítica, esse vencer do passado, esse transformar da natureza, possam manter-se como elementos do progresso e do porvir português.
Alguma consolação posso ter hoje, Dignos Procuradores, ao dirigir-me a esta Câmara enaltecendo méritos ímpares a memória dos vivos de todas as gerações reconhece o que há de permanente no exemplo dos Eng.ºs Ferreira Dias e Trigo de Morais, porque não se pode duvidar nem do seu saber, nem da sua bondade, nem da sua grandeza Graças a Deus por nos haver dado homens de tantos méritos e exortação aos vivos para serem dignos de tal exemplo. Assim, serão melhores os Portugueses.

O Sr. Vieira Botão: - Sr. Presidente, Dignos Procuradores Desejo em primeiro lugar cumprimentar V Ex.ª, Sr Presidente, e agradecer a oportunidade que me foi dada de fazer algumas breves considerações sobre o sector do trabalho que, como muitos outros colegas, represento nesta Câmara.
Ao pretender dar alguma arrumação às minhas palavras, julguei necessária uma sistematização que mostrasse a óptica pela qual o trabalhador vê a situação actual do seu sector no País, as mais recentes realizações nesse sector e as suas aspirações futuras.
Ao situarmos o trabalho na orgânica geral do País não esquecemos que ele deve ser encarado parte de um todo e considerado sob vários aspectos, tais como económicos, políticos, jurídicos, humanos e sociológicos. Todos eles, na realidade, se interpenetram e o que procuramos sobretudo é vincar uma realidade, ou seja a importância fundamental que o sector do trabalho representa no contexto geral da Nação e verificar se para essa importância existe a contrapartida adequada.
Podemos dizer que, num país, mais do que as suas riquezas naturais vale o que valem as pessoas que o constituem e a sua vontade e capacidade para o trabalho. Este, o trabalho, no seu sentido genérico, englobando todas as actividades racionais No seu sentido comum, ou seja no do trabalho aliado ao capital para o desenvolvimento económico e social do País, continua válida esta afirmação, pois o trabalho constitui ainda a sua maior riqueza. É, portanto, justo que a essa riqueza seja atribuído o verdadeiro valor.
Segundo uma publicação do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra intitulada. A Repartição ao Rendimento em Portugal Continental, a percentagem do rendimento do trabalho em relação ao rendimento nacional em vários países é variável, situando-se acima dos 70 por cento na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, entre os 60 por cento na Alemanha e na França e um pouco acima dos 40 por cento em Portugal e na Grécia.
Verifica-se, assim, que a posição do rendimento do trabalho em Portugal é fraca quando comparada com os outros rendimentos e sobretudo em comparação com as percentagens de outros países.
Não há dúvida, portanto, que se torna necessária, sob todos os pontos de vista, uma repartição mais equitativa do rendimento nacional, conduzindo a uma melhoria na percentagem do rendimento do trabalho No momento em que o País está empenhado numa profunda renovação económica, parece-nos ser a altura ideal de conseguir essa melhoria. Ao desenvolvimento económico verificado deveria corresponder uma diferenciação progressiva na repartição do rendimento no sentido do aumento da percentagem correspondente no sector do trabalho.
Não esquecemos, no entanto, o princípio de que a evolução do rendimento desse sector terá de ter uma contrapartida na evolução da produtividade conseguida.
Atendendo, porém, ao desfasamento existente entre as diferentes formas de rendimento, não parece haver dú-

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vidas de que havei á que efectuai primeiro uma correcção, embora não mantendo aquele princípio, até que a repartição atinja as proporções consideradas justas.
Embora existam certas meios legais de redistribuição, tais como impostos e encargos sociais, teia de ser em parte à custa da redução do autofinanciamento das empresas ou de uma menor distribuição de resultados que essa correcção deverá ser feita Só então se poderá manter o necessário equilíbrio entre o capital e o trabalho, dando a este o sou justo valor.
Essa correcção dentro da nossa organização corporativa, de que esta Câmara é expressão máxima, deverá, ser solucionada sobretudo através da contratação colectiva, tal como se assinala na referida publicação.
A preocupação fundamental do trabalhador ao escolher uma profissão, em qualquer ramo da actividade económica do País, deverá ser a da bua educação e preparação técnica. Factores de vária ordem não permitem que esta educação básica esteja simplesmente dependente da sua vontade.
Compete por isso ao Estado a difusão de escolas técnicas e a obtenção de um nível económico que permita a todos os que ingressam no sector do trabalho a sua preparação básica.
Ao escolher a sua profissão, o trabalhador ingressará no sector para que foi preparado ou para que sente propensão e certamente seleccionará dentro desse sector a actividade que melhor remuneração ou melhores regalias sociais lhe ofereça. Daí a desigualdade de distribuição da mão-de-obra pelos vários sectores da economia nacional e até a rarefacção actual em alguns desses sectores. Por outro lado, o trabalhador menos qualificado terá de procurar exercer a sua profissão em actividades menos remuneratórias. Temos por tanto, no conjunto económico geral do País, empresas de margens reduzidas que não permitem uma adequada remuneração aos seus colaboradores e outras empresas que a permitem. Acrescem ainda aquelas empresas que permitindo-o não o fazem por falta de espírito social e corporativo.
A situação desejável seria portanto que o sistema económico do País fosse constituído por empresas que produzissem margens de lucro suficientes para compensar equitativa e justamente o capital e o trabalho (e assim o fizessem), empresas essas servidas por um conjunto de trabalhadores verdadeiramente qualificados dentro da sua função.
A reorganização económica do País, no sentido de se caminhar para uma verdadeira economia desenvolvida à escala das nossas necessidades, a mentalização dos detentores do capital, para essa reestruturação económica e para a justa repartição do rendimento, são elementos fundamentais que deverão estar na base da orientação governamental, dentro da nossa orgânica corporativa. O sector do trabalho só deseja que essa orientação se acelere o mais possível, quer através dos planos de fomento em execução, quer através de acções de carácter legislativo ou outras.
Em contrapartida, o sector do trabalho ,terá também de estar consciente da missão que lhe compete neste desenvolvimento global, por forma que as remunerações e regalias consideradas justas lhe não sejam concedidas por favor, mas por direito natural.
Da sua acção individual e sobretudo da acção conjunta que a lei lhe faculta pela sua associação em organizações de classe e da representação destas em organismos de carácter superior, dentro da organização corporativa, muito poderá ser feito em benefício do seu sector, a fim de conquistar aquele direito.
Diz-se que entre nós os sindicatos têm pouca força, quando comparados os seus meios de acção com outros utilizados noutros países.
Duvido um pouco dessa fraqueza quando penso nu acomodação e no desinteresse que muitos dos associados dos sindicatos mostram na resolução dos seus problemas de classe Se todos colaborassem num esforço comum, seria mais fácil vencer barreiras que por vezes parecem intransponíveis Certo é que a extrema pulverização de sindicatos, muitos dos quais de fracos recursos económicos, não poderá conduzir a uma eficiente acção da sua parte. A representação destes organismos, quer directamente, quer através das suas federações, junto das corporações é outro elemento valioso que muito poderá contribuir para o seu fortalecimento, sobretudo se as corporações tiverem junto do Poder Executivo aquela audiência a que a sua condição de organismos básicos de um Estado corporativo lhe confere direito.
Postos portanto em face os dois sectores que não devo chamar opostos, mus complementares - o capital e o trabalho -, sucede que, em virtude dos actuais defeitos que apresenta a realidade prática económica e funcionai de ambos, compete ao Estado a sua orientação, coordenação e consequentemente a sua correcção.
Se muito falta realizar para que se possa atingir um dm o sistema da perfeição, se algo de perfeito poderá vir alguma vez a ser atingido, em sectores humanos, é inegável que no sector do trabalho, com os seus reflexos em ou ti os sectores, tem sido verdadeiramente notável a acção do Governo através do Ministério das Corporações e Previdência Social.
Desde a criação da apropriada legislação do direito e condições do trabalho, aos meios práticos existentes para defesa desse direito e condições, desde o campo da previdência e outras realizações sociais, ao campo da formação profissional, muito tem ficado o sector do trabalho a dever ao seu Ministério.
A publicação e entrada em vigor, neste ano, do Código do Trabalho, que substitui a desactualizada Lei n.º 1952, veio criar novos condições à regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho, abundo novos horizontes a contratação colectiva.
Deu esta Câmara também o seu parecer àquela regulamentação jurídica que tinha sido apresentada sob proposta do Governo à Assembleia Nacional em 1960.
Dela destacamos um facto que nos parece da maior relevância o da consagração do princípio de que o trabalhador e a entidade patronal são mútuos colaboradores na empresa Com efeito, na medida em que o trabalhador, pelo aperfeiçoamento constante dos seus conhecimentos profissionais, vai hoje cada vez mais integrando-se na direcção da empresa em que colabora, e que o empresário também, mercê das novas formas de educação e formação, está a encarar essa colaboração como essencial, fácil será vir a proceder-se à justa distribuição de rendimentos de que atrás falámos Consigna-se também, no Código, que n entidade patronal pagará ao trabalhador uma retribuição que, dentro das exigências do bem comum, seja justa e adequada ao seu trabalho.
Assim, se o trabalhador consciente da sua missão e profissionalmente valorizado (e compete aos sindicatos e serviços competentes do Ministério ajudá-lo neste sentido) não encontrar do empresário a justa retribuição do seu trabalho, mal avisado andará este, pois em breve se encontrará sem colaboradores qualificados.
De certo modo, o problema da emigração da mão-de-obra que hoje se está a acentuar no País, com todas as suas vantagens e inconvenientes, conduz à realidade desta afirmação.

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Terão, assim, as empresas deficientemente marginais e aquelas que, fortemente lucrativas, não concedam uma justa retribuição ao seu pessoal, de rever os seus métodos, sob pena de não encontrarem quem as sirva.
Outras normas consignadas no Código do Trabalho nos parecem de maior interesse para o sector do trabalho, tais como o abandono da distinção tradicional entre empregados e assalariados, as disposições sobre prescrições de créditos, trabalho extraordinário, férias e feriados, trabalho de mulheres e menores, formação profissional, etc.
Pena é que alguns sectores do trabalho, tais como o trabalho rural e o serviço doméstico, fiquem, por enquanto, fora desta regulamentação, mas esperamos que não se demorem a encontrar as soluções para estes sectores, que, como qualquer outra forma de trabalho nacional, necessitam de desenvolvimento, a bem de todo o progresso do País.
A realização do IV Colóquio Nacional do Trabalho, em Luanda, foi outra iniciativa levada a efeito este ano pelo Ministério das Corporações, em conjunto com o Ministério do Ultramar, que não pôde deixar de encontrar a maior repercussão na classe trabalhadora, quer pelas conclusões do referido Colóquio, quer pelas perspectivas de alargamento que abriu a uma política comum do trabalho para todo o espaço português.
Para além das conclusões destes colóquios, que são sempre da maior importância, embora algumas delas ainda não tenham tido o seguimento de ordem prática que mereciam, estes colóquios valem sobretudo pela fiança discussão de pontos de vista postos em comum pelos sectores que constituem as corporações e pelos que representam o Ministério responsável por esses sectores. Fazemos votos para que as conclusões deste Colóquio sejam em breve uma realidade e se concretizem os novos horizontes que se abrem a todo o trabalho em qualquer ponto do território português, seja qual for a sua localização Não esquecemos que todos somos portugueses, seja qual foi a ponta do globo onde esteja localizada a nossa acção, a que há portanto que conferir a todos os mesmos direitos, independentemente do local onde se realize o nosso trabalho.
Com a publicação de três decretos emanados do Ministério das Corporações e Previdência Social completou-se este ano a cúpula natural da organização corporativa portuguesa, criando-se as corporações de ordem cultural e moral que faltavam na construção do edifício corporativo nacional. Foram, assim, criadas a Corporação das Ciências, Letras e Artes, a Corporação da Assistência e a Corporação da Educação Física e Desportos O sector do trabalho saúda a criação destas Corporações, que, como as de ordem económica em que se encontra integrado, vêm enriquecer a composição desta Câmara.
Assim, e para falarmos só em algumas realizações levadas a efeito neste ano, em que se comemoram os 40 anos do regime actual, não pode o sector do trabalho deixar de manifestar no Ministro das Corporações e Previdência Social quanto a sua obra continua a ser apreciada e reconhecida.
Como dissemos, e o próprio Governo é o primeiro a reconhecer, nem tudo está feito, e aproveitando esta oportunidade que me foi concedida enumerarei alguns pontos que o sector do trabalho desejaria ver solucionados.

1.º No sector da contratação colectiva de trabalho, uma vez estabelecidas as condições básicas do contrato individual do trabalho, que se criem normas obrigatórias de contratação geral sempre que haja organismos representativos, para evitar a situação actual de sindicatos aguardando por longo tempo, às vezes muitos anos, a possibilidade de negociação e revisão de contratos colectivos, ou se emitam pelo menos tabelas de salários mínimos para trabalhadores ao serviço das actividades económicas, quando não haja organismos representativos.
2.º No sector da formação profissional, que seja ampliado e acelerado o programa em curso para a criação de novas escolas técnicas e revisão dos seus programas. Que essa aceleração se dê de modo idêntico no plano de formação profissional já posto em prática pelo Ministério das Corporações e se fomente o seu apoio e desenvolvimento nos sindicatos e corporações, criando-se centros de formação e gabinetes de estudos apropriados.
3.º Que seja aperfeiçoado e desenvolvido o esquema da previdência social que completa o plano geral de acção a favor do trabalhador. Espera-se que com a nova Caixa Nacional de Pensões se possam melhorar e até ampliar os esquemas de reformas por invalidez e velhice, quer através de uma técnica que permita apurar um salário médio mais próximo daquele que o trabalhador tinha à data da reforma, quer através da revisão das próprias taxas de reforma, o que iria indirectamente beneficiar as pensões de sobrevivência, recentemente previstas Que este esquema se possa estender num futuro próximo a todos os sectores do trabalho ainda não beneficiados, como o do trabalho rural.
4.º Que o Governo continue os seus programas de renovação da economia nacional, quer através dos Planos de Fomento em curso, quer através de outras formas que venham, a permitir uma distribuição mais equilibrada do rendimento nacional ao sector do trabalho, evitando a drenagem de mão-de-obra nacional para o estrangeiro e aproveitando devidamente a existente. Que na elaboração desses planos e reformas a efectuar estejam sempre presentes as corporações e com elas o sector que representamos, porque só da conjugação total de esforços se poderá conseguir o que todos pretendemos a elevação do nível do País em todos os seus sectores.

Estas são as palavras e considerações que zoe pareceu oportuno produzir nesta ocasião. Outras teriam certamente a dizer os meus colegas aqui presentes e que representam dentro do sector do trabalho as mais variadas classes Que me perdoem se não pude exprimir a opinião geral ou lembrar outros pontos porventura dá maior interesse.
Se presto acentuado relevo ao plano do desenvolvimento económico e geral do País, parece-me ser essa a melhor forma de elevação do nível que todos pretendemos Aliás, esta é a orientação fomentada pela Organização Internacional do Trabalho, a que estamos ligados, e que, a parte certo factores de natureza política que hoje imperam dentro destas organizações internacionais, nos pode prestar valiosos elementos de auxílio no que de mais avançado em matéria de trabalho é feito noutros países.
Parece-me injusto terminar estas considerações, que não terão sido tão breves como o desejava, sem uma palavra de agradecimento do sector que represento pela acção que esta Camará e o Governo têm desempenhado em favor do desenvolvimento progressivo do trabalho

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Nacional. Que o muito que se tem feito e que representa sempre pouco quando se atenta no muito que há a fazer constitua um incentivo paira que todos juntos dentro desta Casa e sob a orientação económica e social dos nossos governantes possamos contribuir para situar o nosso país, apesar de todas as vicissitudes que lhe têm sido impostas, no lugar dianteiro a que os seus títulos históricos de nação progressiva e civilizadora lhe dão direito.

O Sr Manoel de Sousa: - Sr Presidente, Dignos Procuradores Agradeço a V. Ex.ª, Sr Presidente, o ter-me dado a palavra nesta «reunião plenária, pois, para além da honra concedida, permitiu-me saldar hoje uma dívida de gratidão ha muito contraída nesta mesma sala agradecer publicamente aos Presidentes desta Câmara, Srs Profs Marcello Caetano, João Pinto da Costa Leite (Lumbrales) e Dr. Luís Supico Pinto, as muito bondosas referências que aqui me fizeram no decorrer de cerca de dezasseis anos, durante os quais desempenhei o cargo de 1.º Secretário da Mesa da Câmara Corporativa, para que fui eleito pelos Dignos Procuradores.
Creiam, Sr Presidente e seus ilustres antecessores, que o sentir das referências que sempre me fizeram me acompanha no decorrer dos meus labores, e se me for permitido usar o pensamento de que se cria amizade pelo abstracto, humildemente declaro que recordo com muita saudade as funções que desempenhei de 1.º Secretário da Mesa da Câmara Corporativa.
Aos meus pares, que nesta Câmara têm ou tiveram assento a partir da V. Legislatura, cumpre-me também agradecer as muitas atenções dispensadas Aqueles que o seu passamento levou do nosso convívio, recordo-os com o maior respeito e saudade.
Sr Presidente, Dignos Procuradores: Iniciam-se hoje os trabalhos da 2.ª sessão legislativa da IX Legislatura da Câmara Corporativa e sem dúvida que no decorrer dela muitos diplomas lhe serão enviados para emitir parecer, salientando desde já aquele que tratará do III Plano de Fomento.
Não será de mais repetir quantas tradições tem esta Câmara, por onde têm passado muitas das figuras de maior relevo e projecção na vida nacional.
Reuniu pela primeira vez em 10 de Janeiro de 1935, como órgão constitucional ligado à organização corporativa, fundamentalmente técnico, que o Governo consulta directamente e a quem a Assembleia Nacional pede sempre parecer acerca de todas as propostas e projectos de lei, convenções ou tratados internacionais que lhe são presentes.
A Câmara Corporativa emitiu, desde que (...) os seus trabalhos até hoje, 391 pareceres, que representam obra valiosa Como elemento orientador pré-legislativo, esses pareceres contêm matéria que permite ao Governo colaboração eficiente na feitura da maioria das leis, através das quais a Nação se tem vindo a reger.
Entre os elementos formativos da Câmara, as corporações já nela dispõem de larga representação e mais ampla será no futuro, o que determina maior responsabilidade aos representantes das corporações que hoje já têm e aos que virão a ter assento na Câmara Corporativa.
Cabe aqui dizer que o corporativismo português, que se filia nas primeiras corporações fundadas no nosso país na era de Quinhentos, é um corporativismo sui generis, que atingiu a sua plenitude institucional com a recente criação das Corporações das Ciências, Letras e Artes, da Assistência e da Educação Física e Desportos.
Bem-vindas sejam as novas Corporações, que, com as oito já existentes da Lavoura, Indústria, Comércio, Transportes e Turismo, Crédito e Seguros, Pesca e Conservas, Imprensa e Artes Gráficas e dos Espectáculos, elevam, o seu número a onze, completando-se agora dentro do plano previsto a organização corporativa das actividades nacionais.
Assim, no futuro, as representações das actividades nacionais na Câmara Corporativa serão realizadas através das corporações, passando o Conselho Corporativo a designar somente os representantes à secção de Interesses de ordem administrativa, exceptuando aqueles a quem, por inerência de cargo, compete por lei representação na referida secção, tais como os da defesa nacional.
Porque já se pode dizer que as actividades nacionais têm as suas corporações, é oportuno lembrar o que disse o Sr Presidente do Conselho, quando da sessão inaugural do I Congresso da União Nacional, em 26 de Maio de 1984, ao referir-se especialmente ao Estado Corporativo, não só de corporações económicas, mas de corporações morais.

Na organização das corporações económicas deve ter-se em vista que os interesses por elas prosseguidos ou, melhor, os interesses da produção têm de subordinar-se não só aos da economia nacional mo seu conjunto, mas também à finalidade espiritual ou destino superior da Nação e dos indivíduos que a constituem. Por outro lado, para mais perfeita realização da nossa fórmula de Nação organizada, hão-de ter-se ainda em conta as corporações morais, como as das artes, da ciência, de assistência e solidariedade, que por uma evolução adequada devem vir a pertencer à organização corporativa. Estas, por maioria de razão, têm de estar sujeitas a mesma finalidade espiritual e ao mesmo interesse da Nação que dominam as primeiras.

Compete os corporações representar e defender, nesta Câmara, e junto do Governo e dos órgãos da Administração, à escala nacional, os interesses de todas as actividades privadas. São grandes, por isso, as responsabilidades que pesam sobre os seus presidentes, facto para que chamo a sua melhor atenção, responsabilidade de que comparticipam os suas direcções e conselhos.
Por tudo, torna-se indispensável que a organização corporativa primária se aperceba também dessas responsabilidades, que por reflexo lhe cabem, deixando a apatia em que têm vivido desde há muitos anos, a fim de que cada uma das corporações bem possa participar com maior interesse e mais actividade na vida pública.
Por vezes relembrar o passado evidencia as necessidades do presente, pelo que tem oportunidade fazer-se um pouco de história acerca dos métodos e princípios corporativos seguidos no sector do comércio, quando se iniciou a aplicação desses mesmos métodos e princípios.
A organização corporativa do comércio, quando adoptada em Portugal, teve como principal intento evitar um maior enfraquecimento das actividades mercantis, pela concorrência desregrada que então se verificava nos seus vários sectores, concorrência de aviltamento de preços que não só se fazia sentir nos mercados internos como tinha grande incidência na desorientação dos mercados externos onde se ofereciam os produtos nacionais.
A defesa impunha-se já não só quanto à qualidade dos artigos oferecidos, mas também quanto à necessidade de evitar a continuação da luta comercial através de uma concorrência sem método.
Foi neste ambiente que nasceram os primeiros grémios e sindicatos e os primeiros organismos de coordenação económica.

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Com a sua instituição vieram as medidas de disciplina que se impunham, bem como aquelas fiscalizadoras para se evitar a todo o transe a prática de operações comerciais a preços de compra e venda inferiores aos fixados.
Verificou-se então um certo atrito entre a organização e os comerciantes, dificulta do a boa compreensão dos fins que impunham a prática dos preços mínimos fixados, indispensáveis para regularizar a vida das actividades empresariais, com o consequente reflexo na melhoria da posição das classes trabalhadores.
Neste ambiente de dificuldades ia crescendo entre nós a influência da organização corporativa, que entretanto ia avançando, embora lentamente.
Quando já eram prometedores os frutos do trabalho realizado, embora estivéssemos ainda longe de se completar a obra, rebentou em Setembro de 1939 a segunda guerra mundial e, com ela, surgiram as dificuldades consequentes dos ambientes conturbados.
A força das circunstância logo obrigou a uma mudança rápida de cenários, passando uma organização inicialmente criada para evitar o aviltamento dos preços a impor princípios e formas de distribuição, a fixar quotas à importação e à distribuição e a tabelar preços fiscalizados para evitai abusos.
Passou, pois, a ser nos vau os elementos constituídos da organização corporativa que se debatiam os melindrosos problemas do abastecimento, e esta a ver os seus vários sectores corporativos, de trabalho e acção, a transformarem-se em secções, repartições e direcções-gerais de um hipotético «Ministério de Abastecimentos».
As circunstâncias de ocasião foram obrigando a Administração a alterar, não só por diplomas, mas até por despachos, as normas fundamentais a seguir por muitos dos organismos já criados, levando alguns, contrariamente à sua função, à prática de operações que por tradição competiam às actividades comerciais.
Outros, ainda, pasmaram a ter funções distribuidoras em lugar de coordenadoras da distribuição, como lhes determinavam inicialmente os seus estatutos.
A estas anomalias acresceram, por vezes, os defeitos dos homens; e como o campo se tornava aberto aos oportunistas e à especulação, por conveniência própria os intrusos faziam a propaganda da falência dos princípios de uma nova organização que foi surpreendida no começo da sua vida.
Entretanto, verifica-se a sobrevivência dos sãos e racionais princípios a toda a espécie de atropelos, e a comprová-lo ficaram os benefícios inicialmente semeados no campo económico e social, cujos resultados são bem palpáveis e se espalharam por todo o País.
O que se apontou feriu, apesar de tudo, a nossa organização corporativa primária, criando a muitos dos seus monitores a dúvida acerca da sua total recuperação.
Os reflexos deste pensamento têm-se vindo a projectai no decorrer dos anos, mas já é tempo de tudo ter passado. Aqueles que se encontram agora à frente dos destinos da organização corporativa primária devem compenetrar-se do valor actual dessa organização, que tem na posição cimeira as corporações.
As directrizes que têm vindo a ser tomadas pelo Governo quanto à participação das corporações, representantes das actividades privadas como elementos colaborantes da Administração, proporcionaram que se desse mais um passo em frente quando da última reunião havida, em que estiveram presentes os Srs. Ministros de Estado e das Corporações e Previdência Social, os presidentes de todas as corporações, bem como funcionários superiores da Presidência do Conselho e do Ministério das Corporações e Previdência Social, pois ficou ali definida e assente a posição das corporações quanto ao interesse da sua directa e mais íntima colaboração com o Governo.
Tem sido já notória a colaboração das corporações nos trabalhos preparatórios do III Plano de Fomento e continuai á a ser, acompanhando até final esses mesmos trabalhos, bem como intervindo na execução do previsto no referido Plano e no Plano Intercalar de Fomento, já em curso.
Sempre que o Governo diga, nos diplomas publicados, que determina o cumprimento da lei ouvida a Câmara Corporativa ou ouvidas as corporações, cumpre-se o determinado pela Constituição Política da Nação e pelo Estatuto do Trabalho Nacional, mas o facto mais responsabiliza as corporações para que essa colaboração seja cuidadosa e fundamentada nos princípios que realizam o bem comum.
Constituídas as últimas corporações, parece ter chegado a oportunidade de se fazer referência quanto ao manter ou não manter a actual actividade exercida pelos organismos de coordenação económica.
Considerando o espírito que levou o legislador a redigir a base IV da Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, parece ter chegado a altura de rever a competência, no que toca ao futuro dos organismos de coordenação económica. Tudo aconselha que a sua acção se limito apenas às funções que competem ao Estado, confiando-se à organização corporativa todas as demais, porquanto estas só lhes foram confiadas transitoriamente, enquanto a organização corporativa não atingisse a sua própria maturidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para além de outras consequências que viriam a ter a maior relevância, sem dúvida que a alteração de competências atrás apontada conduziria, desde logo, a uma redução ou até a uma eliminação de taxas ou sobretaxas que presentemente oneram as mercadorias afectos à disciplina de certos organismos de coordenação económica, ónus que já não são só em relação ao mercado interno, como também a algumas exportações, se pode afirmar não ter muitas vezes razão de existência.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -Referindo-me especialmente às actividades do comércio exportador, impõe-se obter por todos os meios a redução de encargos para se conseguir um menor custo dos produtos, pois, por força dos acordos da E F T. A e de outras, circunstâncias, temos necessidade de concorrer com o comércio dos outros países.
O problema que se foca quanto à posição dos organismos de coordenação económica em relação às corporações constituídas encontra-se tratado em toda a sua extensão, com saber, pelo Digno Procurador José Pires Cardoso, no parecer n.º 42/VI, dado por esta Câmara em 6 de Junho de 1956 acerca da proposta de lei que tratava das corporações, através do expresso nos n.º 64 a 72 do referido parecer, e no seu capítulo III - quando, concluindo, propôs no n.º 1 da base IV a seguinte redacção.

1.º É estabelecido o período máximo de dois anos para a subsistência dos organismos de coordenação económica, o qual se contará a partir da data em que for constituída cada corporação integradora das actividades económicas coordenadas por esse organismo.

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Para que as actividades mercantis possam eficientemente colaborar com o sector administrativo, falando como presidente da Corporação do Comércio, chamo novamente a atenção do Governo para a necessidade premente da publicação da lei respeitante ao «Estatuto do Comerciante» ou «Estatuto Económico-Corporativo do Comércio», a fim de se elaborarem e porem em prática os regulamentos económicos e deontológicos, de âmbito sectorial, como elemento necessário para uma sã organização das várias actividades do comércio nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Para que a boa acção colaborante das corporações se faça melhor sentir e os resultados sejam palpáveis, como o momento determina, é indispensável que o Governo resolva aqueles óbices que elos têm vindo a apontar, afigurando-se não ser difícil chegar a bom termo, desde que exista o desejo da Administração e manifesta diligência dos seus serviços.
Não quero deixar de fazer referências à realização em Angola do IV Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Segurança Social, no qual tomei parte como presidente da Corporação do Comércio, expressando o voto de que a semente corporativa levada até às terras angolanas produza os seus frutos, pois estou convencido de que o nosso sistema corporativo, adaptado ao ambiente local daquela e das outras nossas províncias ultramarinas, seria mais um elemento valioso para demonstrar àqueles que de fora para dentro nos atacam quanto vale o nosso esforço e a nossa política económica-corporativa aplicada em todos os territórios da Nação portuguesa.
Referindo-me à minha estada em Angola, não posso deixar de apontar o que naquelas terras portuguesas me foi dado observar.
Notei a sua valorização económica e apego ao trabalho daqueles portugueses que ali vivem, sem distinção de raça ou de cor, o seu portuguesismo e vontade firme de vencer.
Estive no interior da província, contactando com soldados, graduados e oficiais que ali se batem pela defesa do que é português, impressionou-me o seu entusiasmo e certeza de vencerem Mocidade fulgurante que se bate sem reservas, vi ali alguns jovens que tiveram na sua vida estudantil fases de irrequietismo, mas que lá só têm um desejo firme o de defenderem aquilo que é seu, as terras da pátria que lhes deu a nacionalidade, cuja tradição através dos séculos jamais se apagará da história.
Para essa juventude dirijo, como português, o meu melhor obrigado, porque defendendo as terras portuguesas do ultramar, quer estejam em Angola, Moçambique ou Guiné, defendem a nossa sobrevivência no Mundo!

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Festeja-se o 40.º ano da Revolução Nacional: As corporações têm comparticipado em muitos actos comemorativos, não podendo deixar de salientar quanto através deles se mostrou à Nação o muito realizado no decorrer dos anos vencidos, passados em paz, salientando-se nas dimensões próprias o notório progresso da Nação.
Para terminar a minha intervenção nos trabalhos desta reunião plenária, desejo salientar quanto tem sido clara a visão do Sr Presidente do Conselho, que superiormente orienta e comanda a intervenção que fomos forçados a tomar na defesa dos nossos legítimos direitos, que, aliada à firme vontade daqueles que se batem nas frentes de batalha, nos levará a poder perpetuar um dos maiores feitos da Nação portuguesa, feitos que já assumiram projecção universal, ultrapassando todas as fronteiras da actualidade política.

Vozes: -Muito bem!

O Sr Almeida Costa: - Sr Presidente, Dignos Procuradores: Cabe-me a honra de depor, perante VV. Ex.ªs, nesta reunião plenária da Câmara Corporativa, sobre o futuro Código Civil Português E as palavras que imediatamente me ocorrem são de respeito e de admiração. Direi respeito pelo esforço e entusiasmo de todos os que interferiram na sua elaboração, respeito pelas intenções e processos de trabalho que presidiram a essa obra, e respeito ainda pela importância dos resultados obtidos. A tal propósito, já a crónica do nosso tempo deixou a história um testemunho exacto sobre as pessoas, as datas e os factos ligados ao empreendimento.
Acresce a minha admiração pela obra. Como acredito na lição da história, sinto-me primeiro inclinado ao comparatismo no tempo e a pensar as dificuldades que sempre rodearam e rodeiam a elaboração de um diploma desta magnitude Pois sou levado a concluir que o novo Código é verdadeiramente digno das nossas tradições legislativas que, desde as velhas e rudimentares compilações locais, desde as Ordenações, desde o importantíssimo movimento codificador dos tempos modernos, nunca desmereceram no confronto com o estrangeiro.
Creio que valerá a pena chamar brevemente a atenção de VV. Ex.ª para o significado e circunstâncias que acompanharam os nossos grandes monumentos legislativos do passado. Essa retrospectiva inculca a transcendente importância de que sempre se revestiu entre nós a actividade codificadora.
Tivemos uma primeira colectânea jurídica oficial nos meados do século XV as Ordenações Afonsinas Iniciadas a instante solicitação das cortes, no tempo de D. João I, portanto em época muito próxima da crise de independência, elas representaram a definitiva individualização e emancipação do direito português. Seguiram-se as Ordenações Manuelinas, ligadas ao nome de um rei que assistiu ao período mais espectacular da gesta dos Descobrimentos. E não menos excepcional foi a situação histórica que envolveu a promulgação das Ordenações Filipinas quando um monarca estrangeiro, definindo à obra uma típica índole portuguesa, procurou fazer dela a pedra angular e o símbolo de um política marcadamente conciliadora.
Na segunda metade do século XVIII inaugura-se o ciclo de formação do moderno direito português. E se quisermos acompanhar toda a linha evolutiva, desde então até à hora que passa, será forçoso reconhecer que esse processo genético se desdobra em duas fases bem diferenciadas, cada uma delas tendo como ponto culminante a elaboração de um Código Civil - que se reconhece como o mais grave e complexo dos empreendimentos legislativos. Cerca de cem anos separam a chamada Lei da Boa Razão do Código de 1867 e outro tanto tempo decorre daí à presente reforma. Ao justificar a periodificação que aponto, chegarei rapidamente, conforme interessa, ao enquadramento do futuro Código Civil.
A história do direito privado português da Idade Moderna tem como ponto de partida tangível as directrizes marcadas à ciência do direito pela legislação pombalina, concretamente, pela já referida Lei da Boa Razão e pelos estatutos universitários que se lhe seguiram em 1772. Com uma tal base, primeiro sob o signo do jusnaturalismo e depois da corrente individualista, a jurisprudência e a doutrina desenvolveram nos cem anos subsequentes uma

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extraordinária acção criadora. O nosso património jurídico tradicional, de vincado matiz escolástico-romanista, sofreu uma profunda transformação enquanto se preparava espontaneamente o campo adequado para uma síntese oficial representou-a o Código Civil de 1867.
Convém lembrar que o desejo de reforma do nosso direito privado vinha já dos começos do último quartel do século XVIII, portanto do período jusnaturalista. Avivou a preocupação, bem dúvida, o ambiente de entusiasmo codificador, do Estado liberal. Mas não devo pormenorizai aqui esses vários esforços, para cujo inêxito concorreu a instabilidade política da primeira metade do século XIX. Apenas advertirei que de tais insucessos resultou também um certo efeito positivo, efeito comparável - permita-se-me intercalar esta nota - ao que se assinala, a propósito da feitura tardia do Código Civil alemão, à fecundidade do pensamento de Savigny, que, refreando tendências codificadoras imaturas, possibilitou à ciência pandectística a formação de tradições doutrinais de, índole nacional.
Na realidade, a forçada contenção codificadora deu tempo a que muitas importações de última hora se radicassem entre nós sem os inconvenientes das mudanças bruscas, não raro se articulando no património tradicional com apurado sentido prático, enquanto, simultaneamente, proporcionou à ciência jurídica portuguesa da época, a par do estágio e amadurecimento das soluções, aquele mínimo de apuro técnico capaz de fazer obra que fosse algo mais do que uma pura e simples cópia servil do modelo napoleónico, paradigma de todos os legisladores individualistas.
Mas nem por isso o notável Código de 1867 - do mesmo modo que as restantes codificações que seguiram o modelo francês - deixou de significar em grande parte um acto de transformação revolucionária. Digamos não se limitou a ser, à maneira tradicional, uma simples compilação ou actualização do direito existente, antes revestiu uma feição programática ao conceber e planear a estruturação da sociedade com estatuições conformes à ideologia do tempo Redigido numa altura em que o liberalismo económico e o liberalismo político tinham assentado amplos arraiais na sociedade portuguesa, o Código não foi considerado somente como um corpo de legislação civil, mas como o fulcro de todo o sistema jurídico nacional.
Cumpre reconhecer, porém, que os ideais liberalistas foram recebidos no Código, as mais das vezes, com prudente moderação, toda ela inspirada - repita-se - por um apurado sentido prático e por um grande apego à moralidade e à justiça. Aconteceu assim, principalmente, quando não se equacionaram puros interesses económicos, mas, fora ou acima deles, interesses de outra índole, sobretudo de natureza familiar. O Código reflecte, em última análise, uma tentativa do equilíbrio entre sistemas de valores que não poderiam fundir-se na sociedade portuguesa do século XIX prevalece, indubitavelmente, a imagem jurídica do liberalismo, mas ao lado desta alinham-se alguns princípios conservadores e balbucia-se mesmo um ou outro raro elemento de índole social.
Todavia, ainda não se pode reconhecer aí, nessa heterogeneidade, especialmente nessas muitíssimo esporádicas e leves gotas de «óleo social», qualquer prenúncio de uma nova transmutação nos destinos do direito privado português. No clima de justificado entusiasmo que envolveu a promulgação do Código, voz autorizada prognosticava-lhe a vigência do séculos. E «algumas das reformas posteriores (a partir de 1910) mantiveram ou prolongaram até» o seu acentuado carácter liberal e individualista.
Aquela etapa do nosso direito privado contemporâneo que havia de justificar um novo Código Civil não apresenta sinais visíveis antes de dobrado o primeiro quartel do século em curso. A observação pertence a Manuel de Andrade, ao inventariar em 1946 a recente evolução do direito privado português. Como escreveu o insigne Mestre, só por então se começa a fazer alguma coisa «no sentido de limitar aquela feição típica do nosso direito civil, comunicando-lhe um certo matiz social», ao modo do que ia acontecendo na evolução legislativa privatista dos outros países de civilização europeia. As linhas de rumo que Andrade diagnostica podem resumir-se da seguinte forma um propósito de fortalecimento da instituição familiar, e um propósito de conferir um posto de relevo à preocupação social, particularmente na protecção dispensada ao trabalho e na organização da disciplina da propriedade. E de todos sabido que essa evolução não estancou, e que prosseguiu dentro da concepção orgânica que informa a actual sociedade portuguesa.
Sem dúvida, as tendências do novíssimo direito privado enraízam, antes de tudo, na mudança de concepções e de estruturas económico-sociais que resultou da crise do liberalismo clássico, como se apresentam bem diversos dos anteriores os pólos de gravitação das mais autênticas aspirações individuais e colectivas do nosso tempo.
Um sentido de democratização económica e o intervencionismo da legislação do Estado, a limitar os excessos dos anteriores dogmas da autonomia da vontade e da liberdade contratual, determinaram por toda a parte - não se ignora - a edificação de um direito social, ou, se preferirmos, de uma tendência social do direito, com implicações e neoformações jurídicas que se foram desenvolvendo em múltiplos sectores. Bastará pensar no que sucedeu no domínio das relações de trabalho, do instituto da propriedade, do direito económico e industrial, do contrato de arrendamento e do direito agrário. Quanto à inspiração última do fenómeno - aliás, comum à generalidade dos países da nossa civilização- pode dizer-se esquematicamente que ela partiu, como também se não ignora por um lado, das doutrinas socialistas, que subordinam os interesses individuais aos colectivos, por outro lado - e é a fonte que toca directamente ao espírito do direito português - da doutrina social cristã, que propõe a consecução do bem individual através da coordenação deste com os interesses da sociedade Ao mesmo tempo que o próprio Estado procurava também por si aumentar os poderes e impor-se ao individualismo neutralizador da sua acção.
Com tais transformações que se têm operado no âmbito do direito privado coincidem muito naturalmente viragens da ciência que o cultiva e do pensamento filosófico-jurídico. Entraram na ordem do dia expressões como a de si «renascimento do direito natural» e a de «retorno à justiça material» O renovado direito natural católico, o neokantismo e suas correntes concomitantes, o neo-hegelianismo ou a fenomenologia vêm sendo todos eles, por essa Europa adiante, caminhos diversos de superação das perspectivas positivistas - sem embargo dos enormes serviços que a escola positiva, a seu turno, prestou à ciência jurídica.
Os tópicos que mal me limitei a alinhar mostrarão que os códigos individualistas encerraram a missão que lhes competia e que tendem a constituir em nossos dias apenas relíquias veneráveis. Destino impiedoso a que não escapa o mais representativo de todos - o Código Napoleónico George Ripert denuncia o facto de não terem sido festejados os seus cento e cinquenta anos «Em 1904 -escreve Ripert - o centenário do Código Civil foi celebrado com

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grande brilho. Mas os seus cento e cinquenta anos não foram sequer lembrados, pelo menos em França. Parece que uma nova geração experimenta certo desprezo, ou pelo menos certa indiferença, para com a legislação do passado» Jacques Ellul chama a atenção para a raridade dos estudos modernos relativos ao Coda Civil - uma única excepção aponta, de 1950. E não falta mesmo, em França, quem demonstre que o papel desse Código terminou completamente.
Seria de mau gosto entrar em pormenores sobre as razões concretas, de há muito e em definitivo inventariadas, que tomaram urgente uma completa revisão do direito civil português. Recordarei tão-somente que às deficiências congénitas do Código de Seabra, outras se acrescentaram com o decurso do tempo tornaram-se cada vez em maior número as figuras jurídicas que não encontravam nele reconhecimento, ou pelo menos disciplina satisfatório, a respeito de muitos institutos verificou-se manifesta quebra de unidade entre a regulamentação do Código e as leis posteriores que os fizeram evoluir em direcções opostas, as cada vez mais fortes limitações a esfera de aplicação do Código, em virtude da crescente massa de diplomas complementares que disciplinavam - paia além ou contra os seus preceitos - capítulos fundamentais do direito civil, e nos domínios ainda confiados ao Código não raio a jurisprudência e a doutrina foram encontrando as maiores dificuldades para justificai as soluções ditadas pela consciência jurídica actual. Perderam-se, em suma, quanto ao Código de 1867, as melhores vantagens com que se abonam os defensores do direito codificado Sendo certo que, do ponto de vista técnico, também essa obra estava longe de podei satisfazei as instâncias da moderna ciência e pedagogia jurídica. Aspirava-se realmente a um novo Código que reconferisse unidade sistemática ao direito civil, tendo em conta as transformações do pensamento filosófico-jurídico, a acentuada tendência social na estruturação da vida económica e o manifesto declínio do patriarcalismo familiar.
E que nos oferece de facto o futuro Código Civil? Quais as coordenadas que o presidem? Satisfará as exigências e as aspirações do nosso tempo?
A resposta oficial a estas pertinentes interrogações foi já tomada pública pelo Ministro Antunes Varela, em discurso proferido no acto solene de apresentação do projecto ao País. Esse notável estudo encontra-se impresso no lugar próprio, junto ao projecto, e com ele foi levado às mãos de todos os juristas portugueses, e também às de todos os portugueses não juristas que tiveram interesse em o obter. Seguiram-se debates públicos em que os problemas foram leal e abertamente analisados por todos os que en tenderam ser seu devei ou seu direito - deixo ao critério de cada um a qualificação - emitir juízos e sugestões sobre um diploma de tão profunda repercussão jurídica, social e até política.
Mas, não obstante essa dilatada divulgação, acredito bem que estará muito certo que repensemos neste lugar - embora de modo sumário e falecendo-nos a originalidade - o conteúdo essencial do novo Código Civil.
Não me deterei a realçar que o diploma em apreço se inspira na filosofia jurídica contemporânea de reacção contra o positivismo legal. Trata-se de uma determinação que informa a arquitectura geral da obra e que tem aí importantíssimas aflorações práticas, das quais não será a menos significativa a forma como é posto e resolvido o problema das lacunas da lei (artigo 10 º).
Constitui um outro traço saliente do Código a nitidez com que se reflecte nele o cunho social do direito moderno Contudo, facilmente reconheceremos que se procurou um equilibrado termo de conciliação entre a liberdade individual e as exigências da recta convivência dos homens, entre os benefícios da iniciativa privada e a justiça social imposta pelo bem da comunidade.
Assim, no domínio das obrigações e dos contratos, permanece de pé o princípio da liberdade contratual, que permite às partes celebrar os contratos tipicizados na lei ou outros, acrescentando-lhes as clásulas que entenderem. A interpretação dos negócios jurídicos continua a orientar-se pela vontade das partes. E continuam a sei neste domínio abundantes as normas supletivas.
Mas há a contrapartida por um lado, incluíram-se numerosas e importantes normas imperativas, que restringem a liberdade dos contratantes, como as que fixam limitações à autonomia da vontade nos contratos de locação, sociedade, empreitada, doação, compra e venda, etc, por outro Indo, enveredou-se abertamente, em muitos pontos, pela técnica de introduzir preceitos contendo apenas directivas genéricas - e outra índole não possuem as chamadas cláusulas gerais ou estalões jurídicos - que possibilitam uma maior destreza aos julgadores na apreciação das situações concretas. Constituem alguns exemplos expressivos a relevância da boa fé na interpretação das declarações de vontade, no cumprimento das obrigações ou no exercício dos créditos, e na pendência do negócio condicional, a consagração expressa da doutrina da culpa na formação dos negócios e da figura do abuso do direito, a procedência do erro sobre a chamada «base do negócio», a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias e a condenação e larga delimitação dos negócios usurários.
Outro tanto se verifica no capitulo do direito de propriedade. Reconhece-se que a propriedade está na base da nossa ordem social. Mas a disciplina do Código assinala-lhe claramente uma função social controlada. Daí que se combata uma liberdade inconfinada do proprietário. Sabemos que as principais restrições ao direito de propriedade são de natureza publicística, designadamente a expropriação por utilidade pública, cujas finalidades justificativas também o nosso tempo tem visto alargar.
Na órbita que lhe diz respeito, o futuro Código Civil acolhe em termos razoáveis as tendências modernas Desde logo, colocando sob a alçada do instituto do abuso do direito o proprietário que exceda o fim económico ou social do poder que a lei lhe confere (artigo 334 º). E depois são muitas as restrições de ordem privatística impostas à propriedade, por motivo de relações de vizinhança ou de interesse comum. Realçou-se precisamente que todo o ânimo do legislador nesta matéria se revela no demarcar os poderes do proprietário muito ao contrário do que acontece no Código de 1867, o acento tónico como que recai agora nas limitações impostas pela lei, que são chamadas u intervir na definição do conteúdo do direito de propriedade (artigo 1305º).
Porque se verificou que a preocupação do social tem penetrado no direito privado fundamentalmente através «de uma longa sedimentação de soluções práticas», esclarece o Ministro Antunes Varela que neste campo se desejou sei por via de regra «mais intérprete do que criador». Explicando-se, portanto, «que muitas soluções aceites pelo projecto nos livros das obrigações e do direito das coisas, embora representem profundas inovações em face do credo liberal e individualista que domina o Código de Seabra, sejam a simples transplantação, para o direito codificado, de regimes há muito consagrados na legislação extravagante em vigor».
No capítulo das relações de família e do direito sucessório a preocupação dominante do novo diploma centra-se em propósitos de defesa e fortalecimento da instituição familiar - à luz da doutrina católica e dentro do espí-

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26 DE NOVEMBRO DE 1966 337

rito marcadamente definido pela legislação portuguesa posterior a 1926. Assim, em matéria de casamento concordatário e de casamento civil, de divórcio e de separação de pessoas e dos bens, em matéria de relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges, em matéria do poder paternal e de tutela, em matéria de filiação ilegítima, etc.
Mas salvaguardados os valetes havidos como pontos de honra, não deixa o novo Código de traduzir as alterações essenciais postuladas pela evolução das concepções de vida e do pensamento moderno. Em nome da unidade da família, o legislador mantém o princípio da chefia do mando e celtas restrições na esfera pessoal e patrimonial da mulher casada. Porém, ampliam-se os poderes desta e eliminam-se alguns infundados limites à sua capacidade. Ao mesmo tempo que se proclama a simples comunhão de adquiridos como regime supletivo. Reforçam-se os meios de fiscalização do exercício do poder paternal - considerado hoje em dia um autêntico poder-dever, ou direito-função-, além de se reconhecer «expressamente certa capacidade de exercício ao menor sujeito ao poder paternal, de harmonia com a sua capacidade natural».
A aperteza do tempo que me é lícito tomar a VV. Ex.ªs não permite uma referência descritiva, embora abreviada, às principais inovações que o Código consagra no desenvolvimento das directrizes gerais que acabámos de percorrer unificando-se as fracções desarticuladas da nossa legislação vigente, esclarecem-se dúvidas, consolidam-se ou rectificam-se doutrinas, integram-se lacunas sensíveis, criam-se institutos e princípios novos. Fique-se porém certo de que, tanto relativamente ao plano sistemático adoptado e à arrumação das matérias, como pelo que respeita a problemática e à formulação das soluções, a obra beneficia amplamente - honra soja aos seus autores - das mais recentes conquistas e aperfeiçoamentos da técnica legislativa e da ciência privatista moderna. Procurou-se a lição do direito comparado, sem contudo se descurarem as condições próprias do meio português.
Constitui ainda um atributo importante do diploma o estilo cuidado, a pureza e a elegante simplicidade da linguagem em que se encontra redigido, a revelar mesmo aqui e ali um intuito de purificação terminológica.
Não me parece difícil situar o novo Código Civil Português no conjunto europeu Ao lado das duas grandes famílias de códigos modernos, a dos que entroncam no Código francês de 1804 e a dos que partiram do Código alemão de 1900, uma outra mais recente se desenha, à qual, pela sua posição intermédia entre as anteriores, já se adivinha uma importante influência no futuro. Tem-se considerado o Código italiano de 1942 como o modelo mais representativo deste terceiro grupo em que o Código português também agora se integra. Pois não se vê que o diploma português sofra qualquer desdouro no confronto, ou até -e por que não afirmá-lo afoitamente? - que não leve vantagem em significativos aspectos.
Sr Presidente e Dignos Procuradores: Proferindo-se em reunião plenária da Câmara Corporativa - instituição credora de tão relevantes serviços prestados às leis do País - uma palavra, ainda que singela, a propósito da conclusão do novo Código Civil, este facto assumirá, decerto, o significado histórico de um voto. E terá ainda o sentido de uma homenagem da Câmara a todos os que ao longo de vinte e dois anos colaboraram nessa obra monumental e ao estadista que nos últimos dois lustros foi a grande alma do empreendimento, impulsionando-o e dirigindo-o efectivamente. Não se levará a mal que estejam de modo particular em nosso pensamento os antigos e os actuais Procuradores que pertenceram à comissão redactora.
Abandonámos por instantes, meus Senhores, aquela pequena sala ali ao lado onde a Câmara costuma trabalhar com serena objectividade e discrição de encómios. Nesse mesmo espírito me dirigi hoje a VV. Ex.º, refreando entusiasmos ou palavras que pudessem traduzir sentimento pessoais De resto, foi com a mais admirável simplicidade que decorreu a elaboração dos anteprojectos e não menos a revisão final sem as ressonâncias fáceis, dia após dia, na vigília silenciosa dos gabinetes, como quem deseja ser ignorado porque faz as coisas por dever e não à espera dos louvores públicos, mas com a mesma fé e carinho do lavrador que lança a semente à terra sem marcar as horas de trabalho.
Ser-me-á lícita uma última reflexão.
Todos sentimos perfeitamente que um Código Civil reúna a disciplina que mais de perto envolve e toca a nossa existência, desde que vimos ao mundo até que morremos, e mesmo de certo modo para além desses momentos. Sob a égide dos seus preceitos realiza-se a personalidade dos homens, tanto nos aspectos epidérmicos do viver diário como nos actos que atingem o mais íntimo e profundo da consciência Representa a matriz onde em última análise se encontra a inspiração e o norte dos vários ramos jurídicos especializados. E poderá caber-lhe ainda, em épocas de crise do direito, o destino de baluarte de resistência dos foros individuais e colectivos.
Um dos mais notáveis pensadores jurídicos de nossos dias, F Wreacker, confia às virtudes da actual ciência do direito privado a tarefa árdua de «captar de modo renovado uma justa e acabada imagem da realidade e de superá-la metódica e sistematicamente».
Visa a nossa civilística, com o novo diploma, restaurar no espírito e na forma essa perdida consonância entre a imagem social e a imagem jurídica. E poder-se-á dizer, olhando o conjunto, que satisfaz em grau muito elevada às exigências de justiça, utilidade, praticabilidade, certeza e estabilidade, ditadas pelo sentimento jurídico prevalente na sociedade portuguesa. Não se pretende que esteja isento de mácula - e qual a obra humana livre de reparo? Nem se ignoram possíveis dissensos sobre alguns pontos que envolvem transcendentes convicções metajurídicas ou meras divergências de ordem técnica. Tais controvérsias são muito naturais e desejáveis, como sinal de interesse pela empresa e da capacidade pensante da Nação. Deverá haver sempre louvores e críticas bem intencionados, como os que se esperam dos leitores amigos.
Do que não resta dúvida é de que o futuro Código Civil a todos poderá servir, e que representa -conforme afirmou sem o mínimo exagero o Ministro Antunes Varela- «não só o empreendimento mais complexo, mas também a tarefa de mais ampla projecção a que os juristas portugueses se abalançaram no decurso do século». Os benefícios imediatos da obra são muitos e evidentes, mas apenas a longo prazo o País terá oportunidade de apreciar a sua plena frutificação sazonada.
Podem os regimes políticos de todas as latitudes promover as mais espantosas e espectaculares realizações materiais que caracterizam o nosso tempo. Nunca deixarão, todavia, uma obra na verdade autêntica, perene de significado, profunda e duradoura, quando o progresso técnico não seja acompanhado de um paralelo progresso moral. Pois neste ano em que se festejam as instituições políticas sob cujo signo nasceu o segundo Código Civil Português, não se poderá escolher melhor mensagem da geração presente às gerações futuras do que esta, a de firme crença no direito e nos valores ideais, que ele testemunha e simboliza.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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