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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51

IX LEGISLATURA - 1967 10 DE MAIO

PARECER N.º 7/IX

Plano director da região de Lisboa

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do n.º 1 da base m da Lei n.º 2099, de 14 de Agosto de 1959, acerca do plano director da região de Lisboa, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Obras públicas e comunicações), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Manuel Finto Barbosa, António Vitorino França Borges, Augusto de Sá Viana Rebelo, Fernando Augusto Peres Guimarães, Fernando Manuel Gonçalves Pereira Delgado, João Manuel Nogueira Jordão Cortez Pinto, João de Paiva de Faria Leite Brandão, João Pedro Neves Clara, João Ruiz de Almeida Garrett, Joaquim Trigo de Negreiros, Jorge Augusto Correia, José Pires Cardoso, Júlio Araújo Vieira, Leopoldo Morais da Cunha Matos, Luís Maria Teixeira Pinto, Luís Quartin Graça, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos, Manuel Jacinto Nunes e Raul Lino, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer.

I

Apreciação na generalidade

1. O trabalho ora enviado à apreciação desta Câmara vem dar cumprimento ao disposto no n.º 1 da base III da Lei n.º 2099, de 14 de Agosto de 1959:

A aprovação do plano director da região de Lisboa será da competência do Conselho de Ministros, mediante proposta do Ministro das Obras Públicas e ouvida a Câmara Corporativa.

O tempo que decorreu desde a publicação da citada lei trouxe a confirmação de elementos que tinham aconselhado a elaboração da proposta que lhe serviu de base e, simultaneamente, viu evoluir o modo como se encaravam problemas ligados às aglomerações urbanas e se procuravam soluções para o gigantismo citadino. Desta forma, a afirmação da proposta de lei n.º 14, publicada nas Actas da Câmara, Corporativa de 13 de Fevereiro de 1959, de que «a tendência natural para a concentração das actividades nacionais em torno dos principais centros urbanos tem-se afirmado com particular evidência em relação a Lisboa» não foi desmentida pelos factos e a conclusão contida no parecer do Conselho Superior de Obras Públicas de que «as lacunas que foram notadas na elaboração do anteplano regional resultaram, repete-se, fundamentalmente da falta de uma programação sócio-económica, convenientemente desenvolvida, que o precedesse, ou acompanhasse» indica que não foi esquecida a evolução, atrás referida, do modo como se equacionam, e eventualmente solucionam, as questões de planeamento de regiões urbanas.
Entre o pendor natural de se apreciar o plano à luz das tendências presentes, sem olhar às condições da sua elaboração e às directrizes da Lei n.º 2099, e a interpretação estrita do cumprimento da lei como se a vida e a técnica não tivessem evoluído, orientou-se a Câmara para uma solução eclética, assim se lhe pode chamar, em que as sugestões não representam críticas e as novas perspectivas de encarar o mesmo problema não exprimem a opinião ou de caducidade das técnicas anteriores ou de menor utilidade do muito e precioso trabalho realizado pelo Gabinete e pela Comissão do Plano Director da Região de Lisboa.
Por outro lado, perante o carácter programático do plano, o facto de ser difícil pronunciar-se sobre os pormenores técnicos das obras, ou equipamentos nele previstos e a lacuna atrás apontada, pelo próprio Conselho Superior de Obras Públicas, tendeu a Câmara para a for-

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mulação de um comentário geral sobre os princípios e condições de orientação do plano director da região de Lisboa, não se prendendo com um exame aprofundado na especialidade

2. O plano director, como o próprio nome indica, não é exclusivamente um plano de urbanização ou um programa de equipamento- constitui um quadro orientador onde se \irSo a inserir no decorrer do tempo as necessidades, os planos, os programas e as acções de maneira a que da multiplicidade de inserções possa surgir um tecido harmonioso e adaptado às circunstâncias e problemas

Este traçar de linhas mestras da orientação e da localização de espaços livies e de zonns de construção e de fixação, no intenor desta? últimas, das áreas de habitação e de actividade implica, primeiramente, o esboço de grandes infra-estruturas de comunicação e, em seguida, a definição do quadro de interdependência dos homens em que serão asseguradas algumas das principais funções surbanas»- transportes, actividades e recreios.

Eis uma perspectiva que se substitui ao crescimento anárquico das zonas urbanas tão peculiar da primeira metade deste século. Neste capítulo, o plano director representa um decidido passo em frente em relação às técnicas traduzidas por planos de urbanização ou de ordenamento .citadino.

Mas esta nova perspectiva traz consigo uma série de problemas e de questões cuja solução é indispensável para que se passe da mera aspiração utópica de ordenamento urbano, mesmo quando representado por um plano director, à fase de realizações concretas que incorporem € concretizem as linhas de orientação anteriormente traçadas. Um plano director deverá, para responder a este objectivo, inscrever no espaço a projecção de uma política -económica e social e integrar-se numa política nacional de valorização regional.

3. Aliás, de entre os novos horizontes das técnicas mais recentes, assume grande relevância aquele que expressamente se inclui no trabalho enviado à apreciação desta Câmara, ou seja a recomendação de so plano director se integrar num plano de harmonioso e coerente desenvolvimento do conjunto metropolitano como parcela do espaço racional, para mais perfeito enquadramento das suas futuras revisões periódicas, eventual correcção dos seus limites territoriais a mais fundamentada hierarquia no panorama económico global do País» (p 122 do vol. rv)., e que traduz, também, a aspiração e directriz do nº l da base u da Lei nº 2099: so plano director da região de Lisboa será baseado em inquéritos e estudos sobre oa condicionamentos que o conjunto nacional exija, ...»

A leitura da proposta de lei n.º 14 e do parecer acerca dela emitido pela Câmara indica claramente que a preocupação com o urbanismo se sobrepunha ao tema do desenvolvimento económico e social, e este facto não pode, por isso, deixar de se ponderar na apreciação que, decorridos sete anos, é solicitada à Câmara Corporativa.

Quando, em 1959, a Câmara emitiu um exaustivo parecer onde se sublinhava de modo inequívoco -e adequado, na apreciação na generalidade, o problema urbanístico em geral e em Portugal, não se escondeu a preocupação de analisar o fenómeno scidade» na vida económica, social e política, chamando-se em particular a atenção para as fundas inquietações causadas pela desmesurada concentração urbana Em 1967, quando a Câmara se debruça sobre problema idêntico, não poderá omitir a funda preocupação que lhe causa o facto de a concentração ur-

bana ser um fenómeno gémeo do desenvolvimento industrial e de não se haver alcançado uma harmonização adequada dessas faces de uma mesma moeda que é representada pelo desenvolvimento económico. Isto é, as cidades tendem inevitavelmente a ampliar-se e o modo de vida urbano a difundir-se- o problema consiste em harmonizar o seu crescimento com o desenvolvimento económico e social do todo nacional de molde a evitar-se um desequilíbrio que retarde o progresso do conjunto e uma aglomeração que deteriore ou prejudique o modo de viria ui bano

4. Constitui este tema da ligação entre ordenamento das regiões urbanas e o desenvolvimento económico e social de um país matéria que, só por si, poderia merecer a atenção exclusiva deste parecer. O facto de em breve estarem concluídos os trabalhos preparatórios do III Plano de Fomento e a esperança, ou certeza, de que neles se incluirão os capítulos indispensáveis à análise explicativa de tal problema e à política que orientará as soluções preconizadas, aconselha a que se reserve para esse momento atenção e reflexão mais profunda sobre as relações entre o urbanismo, o desenvolvimento e o planeamento

Uma reflexão, quase simples alusão, poderá, no entanto, ser pertinente neste contexto e neste momento. Encontra-se substancialmente alterado o condicionalismo que justificou o plano director de Lisboa e, embora os sintomas possam ser idênticos — aglomeração, desordenamento e até anarquia urbana —, os factores explicativos e estratégicos mudaram a sua feição

Ao fenómeno das migrações internas —causa imediata da explosão populacional citadina — adicionou-se, em especial, um .ºutro fenómeno migratóiio as trocas populacionais temporárias ou permanentes com as províncias ultramarinas e com o estrangeiro, a saída do campo para a cidade no termo do decénio de 1950 não despovoava as terras e não provocava o abandono sistemático do interior, mas, quando se verificou posteriormente a sua junção com o fenómeno smigratório, fez surgir — como noutros períodos históricos — a desertificação de algumas regiões e problemas de mão-de-obra que- até então não tinham afligido a economia'portuguesa. Isto é, o condicionalismo que enquadra o crescimento da região de Lisboa e foi considerado no plano director encontra-se substancialmente alterado, não só pelo fenómeno temporário da emigração para o estrangeiro, mas também pela intensificação permanente das correntes populacionais para as províncias ultramarinas Só o enquadramento previsto para o III Plano de Fomento poderá constituir o pano de fundo das grandes e novas opções que se abrem ao progresso económico português

5. Se se tiver em conta que o processo de scomunicação» se encontra também alterado e torna quase transparente o modo de vida urbano, que as migrações temporárias ou permanentes entre diferentes parcelas do território nacional deram ao jovem do campo um horizonte que até então não possuía, que o próprio processo de industrialização e do ensino trouxe elementos de divulgação e de imitação que difundiram o modo mecânico, automático e aglomerado da produção industrial moderna, teremos de concluir que o fenómeno do urbanismo não pode deixar de se manifestar em Portugal como já se verificou e mantém noutros países Aháa, o movimento para a aglomeração urbana é um fenómeno irreversível à escala mundial nas actuais condições da técnica e da vida social e política até aos fins do século xx estima-se

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que dois terços da população mundial, de 6 a 7 mil milhões de homens, viverão em cidades.
Este novo arranjo distributivo da população implicará ordenamento geográfico diferente e não só influenciará os comportamentos e atitudes individuais, familiares e sociais, mas será também acompanhado de alterações, quer das estruturas e níveis de consumo, quer das próprias relações humanas Desde já podemos verificar que a população urbana cresce rapidamente em todos os países e, por isso, o caso português nem constitui excepção, nem representa um valor extremo.
Pode, em conclusão, afirmar-se que a aglomeração urbana é um traço das economias industriais e que a «cidade» traduz o modo de viver das economias modernas.
Não desejando fugir ao desenvolvimento económico e social - antes o afirmando em cada momento solene da vida nacional -, ter-se-á de aceitar a ideia de que a maior parte dos portugueses virá a habitar em cidades, ou aglomerações de tipo urbano, e de que estas devem ser preparadas para ai se poder viver.

6. A «cidade» adaptada ao desenvolvimento tecnológico e a dimensão económica requerida pelos mercados não pode, porém, ultrapassar os limites que as deseconomias de outra natureza lhe impõem, em particular, não pode pensar-se que a aglomeração de entidades ou elementos característicos da «cidade» do passado possa constituir a cidade do futuro, do mesmo modo que uma aglomeração de carroças não originou o comboio. O homem tem de reinventar a cidade do futuro para evitar, ou que se concretize o que já foi escrito sobre as grandes cidades por um grande poeta «só pensam em si próprias e devoram populações inteiras no seu tormento», ou que correspondam ao que já foi descrito por um grande urbanista «as cidades estão doentes de um mal que não sabemos tratar».
E abundam os retratos destes monstros modernos que enervam os homens, entediam os jovens, mobilizam os seres, minam os valores tradicionais; a delinquência juvenil, as nevroses e as doenças mentais, a poluição e o ritmo intenso, o cancro e as crises cardíacas, são factos que coabitam connosco nas grandes cidades e constituem fantasmas das grandes metrópoles.
Este objectivo fundamental de tornar a aglomeração urbana um local ou complexo social onde a vida possa ser vivida encontra-se em quase todos os planos, directores ou não( das grandes regiões polarizadas numa «metrópole». Daqui resulta a grande preocupação com elementos de natureza não económica, nem tecnológica: a sociologia urbana passou a ter foros de cidade e a constituir um conhecimento indispensável aos planeadores.

7. A esta luz, ganham maior relevo as deficiências ou insuficiências que se apontam no próprio trabalho (veja-se, por exemplo, p 151 do vol. v), as quais «resultaram fundamentalmente da falta de elementos estatísticos apropriados, de estudos mais desenvolvidos a cargo de alguns departamentos interessados nos problemas da região e, sobretudo, da definição da missão da capital e da BUÍ. zona de influência na política de desenvolvimento sócio-económico da Nação, de forma a saber-se, concretamente e com maior equidade, até onde ir no equilíbrio entre o aproveitamento de toda a capacidade desta privilegiada região e o imprescindível amparo, e até ressurgimento, das outras regiões da metrópole», a que esta Câmara se permite acrescentar «das outras regiões ultramarinas». Assim, por exemplo, e no simples domínio das perspectivas demográficas, dificilmente poderá construir-se a «unidade demográfica» da região de Lisboa (no plano estimada em 2 800 000 pessoas) sem se tomar em consideração as restantes «unidades demográficas» previstas ou construídas para a metrópole e para as províncias ultramarinas. Aliás, a própria alteração das condições migratórias da população portuguesa sugere uma profunda revisão das estimativas e projecções feitas no plano director.
À consciência dos limites e do insuficiente enquadramento sócio-económico só pode responder, se pretendermos andar com rapidez e pelo caminho mais ajustado, a solução de fraccionar agora e tentar eventualmente num futuro próximo a imediata inserção deste plano director no III Plano de Fomento e a recomendação de se adoptar uma maior flexibilidade na concretização de orientações preliminares e provisórias, devendo atribuir-se um acentuado carácter dinâmico ao plano director e submetê-lo a revisões em períodos curtos que permitam ajustamentos criteriosos. «Este plano director, na fase actual de estudos, constitui um ponto de partida de uma grande série de esforços consecutivos que lhe são inerentes», afirmação da p 68 do vol. I, que indica a consciência e probidade com que o plano em apreciação foi elaborado e que merece o aplauso desta Câmara.
Vem a Câmara Corporativa acentuar ainda esta necessidade e sugerir que a orientação de considerar o plano director um «ponto de partida» esteja bem presente na mente de todos, de modo a que ele não constitua obstáculo nem ao dinamismo da «própria região, nem ao crescimento desejado de outras zonas do País.

8. Aceitando, portanto, que um plano desta natureza possa passai por fases de aperfeiçoamento sucessivo, que vão desde os inquéritos e análises que permitam a avaliação crítica das necessidades e das actividades, até à formulação do processo de orientação política que origina os programas de execução e as ordens de prioridade, a Câmara conclui facilmente que deverá continuar a alargar-se a tarefa básica de investigação dos fundamentos quantitativos e qualitativos que servem de base ao plano director.
Num plano desta natureza, poderá atender-se, pelo menos, a duas perspectivas distintas.
Uma, em que a aglomeração de Lisboa figura apenas como um todo pontual em contacto com outros pontos de aglomeração e em que, para além desta rede de relações pontuais, concretas e presentes, se encara a rede de relações, potenciais e futuras.
Outra, visa os estudos urbanos propriamente ditos, destinados a analisar o funcionamento e a organização do espaço interno da aglomeração de Lisboa.
Se se adoptar esta orientação, ter-se-á não só de situar, como atrás a Câmara referiu, o desenvolvimento da legião de Lisboa no todo nacional, mas também de ter em conta a repartição de uma população maior num espaço bidimensional imutável, e em particular naquele espaço que caracteriza a aglomeração essencial- a cidade de Lisboa. Se se raciocinar deste modo. podem imaginar-se diversas soluções de crescimento urbano, que vão desde n instalação de uma Lisboa nova (ou Lisboa paralela) até à criação de «cidades novas» mais ou menos afastadas, passando pela inserção no núcleo citado de aglomerações próximas em expansão natural e pela urbanização em continuidade com a metrópole actual e estruturando-a através de novos ou antigos centros urbanos Afigura-se a esta Câmara que o plano director teve como objectivo louvável limitar o crescimento anárquico da aglomeração de Lisboa,

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substituindo-lhe uma expansão radial apoiada num pequeno núcleo de satélites, e segundo eixos definidos de urbanização. Mesmo sem pôr em dúvida esta concepção esboçada no plano director e que continua, segundo parece, a concepção traçada no plano da grande Londres (cf. Relatório Barlow, 1937 a 1939), não deve duvidar-se de que este tipo de desenvolvimento urbano nucleado não tem anulado, económica e culturalmente, a atracção pelas metrópoles e que, portanto, com a maior força surge a conveniência quase indispensabilidade de inserir também o plano director da cidade no plano director da região.

9. Aliás, o objectivo temporal distante do plano director da região - cerca de vinte anos - significa a adopção de uma perspectiva de longo prazo que envolverá, portanto, uma evolução significativa na estrutura e funcionamento da actividade económica e da vida social. Isto é, não se pode limitar o plano a uma extrapolação linear dos necessidades ou das estruturas presentes e ter-se-á, antes, de o tornar vivo, prevendo novas formas de convivência social e de habitat urbano.
Não se duvida da dificuldade de prever as constelações de necessidades do homem citadino nos fins deste século (ou mesmo em 1985). Tudo indica, porém, que, pelo menos nas economias europeias, ir-se-á caminhando para sistemas de abundância, conforto e recreio nível de vida elevado e necessidades diferentes individualizadas a par de um consumo de massa de bens materiais e de serviços colectivos Estas perspectivas concentram-se, porém, em funções usuais da vida urbana habitação (no sentido amplo), circulação e cultura do corpo e do espirito Na alteração dos padrões actuais de consumo virão a tomar grande predomínio (em detrimento da percentagem se, actualmente destinada a consumos alimentar,) as despesas de alojamento e equipamento doméstico, comunicações, saúde, higiene, educação e recreio ou divertimento.
Uma vida mais longa, uma actividade mais curta, quer pela escolaridade mais ampla, quer pela permanente necessidade de aquisição de novos conhecimentos, quer pelos progressos de produtividade e redução dos horários de trabalho, eis um panorama que merece a quase unanimidade de opiniões dos estudiosos do futuro Isto é, tudo indica que se caminhará para um sistema de educação permanente em que a vida familiar, social e profissional e a própria ocupação do tempo livre constituirão um todo harmónico ao binómio tradicional residência local de trabalho irá sobrepor-se a trindade residência local de trabalho locais e modos de ocupação de tempos livres. A consideração deste novo elemento poderá ter maior ponderação nas linhas orientadoras do plano director e merecer ao governo atenção cuidada para evitar a construção de desertos culturais ou a estratificação demasiada das subaglomerações urbanas.

10. For outro lado, a transparência do mundo de hoje e o estreitamento dos contactos económicos e humanos indicam que a formação de um indivíduo implicará uma dimensão espacial diferente, necessitando de um conhecimento de línguas, costumes e factores culturais alheios aos nacionais e uma intermutabilidade de aprendizagens e diplomas. A «Comunicação» em todos, os sentidos terá de se inserir na cidade do futuro, o que dá um sentido ainda mais amplo à trindade atrás referida da residência-trabalho-cultura e recreio. De tal maneira esta evolução da vida social e urbana se tem processado que os geógrafos começam a falar da mutação e afirmam assistir-se a um fenómeno novo. uma maneira diferente de ocupar o terreno, onde surgem novas designações, como metrópoles, tecidos urbanos, megalópoles e nebulosas polinucleares. Esta evolução ou mutação leva a transformar a psicologia e o comportamento dos homens perante um meio híbrido, novo para muitos e, acima de tudo, artificial para todos, daí quê o habitante destas nebulosas se sinta desenraizado nesta fase de transição, em que a concentração urbana modificou radicalmente as relações do homem com a natureza que eram um dos fundamentos da cultura tradicional. Ar poluído, ruídos intensos, climas artificias, urbanização dos campos, espaços artificialmente construídos, mobilidade restringida, levam os indivíduos a perder autonomia, perda ainda mais acentuada pelo desenvolvimento dos transportes colectivos e da informação de massa.
Isto é, novos laços se estabelecem entre os homens e entre eles e a natureza O homem, após ter lutado para conquistar o acesso ao consumo de bens materiais, passará a sentir ainda mais intensamente a necessidade de valores espirituais, intelectuais e culturais, e procurará relações sociais mais intensas e simultaneamente mais personalizadas.
Por outro lado, os campos, os espaços verdes, o mar, a floresta e a montanha serão complemento indispensável da aglomeração citadina, o que conduzirá a alterar radicalmente a nossa concepção de cidade e de vida urbana.

11. A previsão da economia de uma região é certamente mais difícil de estabelecer do que as projecções demográficas, pela simples razão de que podem produzir-se naquele domínio mutações mais rápidas e dependentes do que nas estruturas demográficas Estas últimas previsões assentam em reduzido número de hipóteses quanto a natalidade, mortalidade e migrações, enquanto a economia virá a depender não só da própria evolução demográfica, mas também do progresso técnico geral e sectorial e das suas repercussões nas produtividades, nos preços, cos custos, nas estruturas do consumo, nos níveis e distribuição de rendimentos e até nas evoluções comparadas destas variáveis entre regiões do menor de um mesmo país ou de diferentes países.
Entre estes elementos, a aceleração do progresso técnico tem representado factor de grande variabilidade das localizações da economia moderna, resultando daí um elevado grau de incerteza quanto à forma e natureza dos sectores comparativamente mais adequados a uma dada região podem, no entanto, esboçar-se grandes tendências na composição da produção de bens e serviços interdependente com a alteração dos padrões de consumo. Por um lado, os inovações técnicas conduzirão a processos mais automatizados e mais bem organizados na produção, o que acarreta, na composição dos factores humanos de produção, uma deslocação para um predomínio mais acentuado do sector terciário, por outro lado, as alterações das estruturas do consumo ligadas com a modificação da técnica trazem consigo dinamismos de sectores bem determinados, como, por exemplo, os relativos a novas formas de energia e explosões de actividades industriais novas, como a electrónica e as químicas.
Estes novos elementos virão a intervir na localização de actividades, e portanto através do binómio residência-trabalho, no ordenamento urbano. Estas actividades novas, representando investimentos, não exigem uma localização semelhante às anteriores indústrias e nada impede, a priori, que se procurem descentralizações mediante novas indústrias em lugar de transferências de instalações antigas, para poder imaginar-se uma nova

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ordenação espacial de actividades ter-se-á, porém, de esboçar previamente o complexo de transportes e comunicações, o qual permite frequentemente uma rotura com os condicionalismos locacionais do passado. Certamente que as glandes regiões industriais tradicionais mantêm muitas das vantagens que as recomendaram para o seu desenvolvimento, e a adição dessas vantagens representa um resíduo ou força de inércia que atenua as potencialidades de dispersão industrial dos processos tecnológicos modernos.
Não é somente no domínio da produção industrial que esta perspectiva descentralizadora se levanta. A inovação técnica, expandindo os órgãos terciários da produção, vem também facilitar a descentralização de algumas formas de produção de serviços, como, por exemplo, a investigação e a informação, que não obedecem a factores de localização iguais aos da produção industrial. E, se se pensar na trindade residência-trabalho-cultura e recreio, vir-se-á a encontrar no terceiro termo mais uma variável que permite a descentralização de actividades e é mesmo exigida pela sua própria natureza Bastará lembrar a indústria turística facilmente, se concluirá que através dela se encontra um factor importante de descentralização de homens e de actividades.
Finalmente, convém sempre recordar que todas estas reflexões sobre uma óptica nova na análise da economia regional poderão ainda revestir uma amplitude maior ao alargar-se o horizonte da observação às ligações internacionais de diversas regiões nacionais, nas quais o turismo é a ilustração mais significativa. Neste caso, como nos anteriores, depende-se em larga medida da rede de transportes e comunicações que se estabelecer dentro da região e como elo de ligação com outras áreas nacionais e estrangeiras.
O planeamento regional urbano deve nesta sequência atender aos objectivos gerais de desenvolvimento e tender a construir um espaço urbano em que os problemas económicos e sociais sejam devidamente ponderados.

12. Por seu lado, as perspectivas sociais não podem conter-se na simples preocupação de um equilíbrio na composição sócio-profissional dos núcleos, devendo, além disso, atender a que no espaço de vinte anos ver-se-á ascender novas gerações que terão, porventura, motivações económicas e sociais diferentes.
Logo, alargar, repensar e reintroduzir a análise sociológica no espaço económico de Lisboa pareça ter importância suficiente para que se abandonem puras soluções de planeamento fisco e as ponhamos ao serviço do homem e da comunidade, se assim não acontecer, correr-se-á o risco de se gerarem estrados de tensão social que se repercutem no comportamento das populações urbanas, e em especial nas camadas jovens, que ma s profundamente sentirão a desadaptação entre o habitat que lhes é oferecido e as aspirações e motivações - que lhes pertencera e sei fio peculiares.
Reconhece-se que, apesar dos fulgurantes progressos técnicos, grande parte das populações citadinas habita nas mesmas» casas e circula nas mesmas ruas, dado que o quadro urbano é de larga duração e a sua permanência mais dificulta a adaptação a novas formas de viver e a rápida evolução técnica. O enquadramento físico construído terá sempre uma presença do passado, mas este facto não deve conduzir a planear de modo que essa presença se separe do futuro a tal ponto que ene desertos nos contactos sociais das gerações vindouras, que só serão vencidos através de elevados custos económicos e humanos. Todo o aperfeiçoamento que possa ser introduzido no plano director à luz desta concepção de vida urbana
futura merece o apoio desta Câmara, pois deve ter-se presente que o ritmo de crescimento programado para o País indica que dentro de vinte anos terá praticamente triplicado o nível de rendimento dos Portugueses e que, portanto, se acentuarão movimentos já iniciados entre nós e experimentados de forma mais intensa noutros países europeus.

13. Medite-se, ainda, que a metrópole económica de uma região urbano - mio é somente zona de polarização de actividades internas, espaço ordenado, complexo social de convivências humanas. Uma metrópole, como, por exemplo, Lisboa, é também placa giratória de convivência internacional nos planos económico e social; e esta função de contactos mundiais conduz a não se esquecer o papel que lhe caberá ou virá a ser atribuído, quer no contexto de uma economia nacional, quer no âmbito das relações internacionais à questões simples e complexas como o papal que pode ter Lisboa como cruzamento europeu entre continentes - por exemplo, África e América -, ou patamar entre mares - por exemplo, o Mediterrâneo e o Atlântico -, ou transição entre passagens físicas e humanas - por exemplo, Europa, África e América Latina -, ou, mais prosaicamente, como centro de turismo ou como elo de ligação entre a economia portuguesa e a estrangeira, não devem deixar de influenciar a previsão e construção de um futuro longínquo como aquele que visa o plano director da região de Lisboa.
Isto é, a região de Lisboa deve exercer o seu papel animador ou motriz na economia interna sem criar assimetrias espaciais de desenvolvimento que comprometam a repartição inter-regional do crescimento, e, simultaneamente, desempenhar a sua função de contacto internacional, a qual podei á manter, e até acelerar, o seu descimento sem sacrifício - e até com benefício - de outras regiões portuguesas. Eis um aspecto em que, no entender da Câmara, o plano director ganharia em abranger um horizonte mais amplo.

14. Através, quer da perspectiva económica interna ou internacional de uma região urbana, quer do ordenamento social, surge o complexo de comunicações como factor essencial do equipamento urbano, é mesmo frequente ouvir afirmar-se que dele o transporte preceder a residência e o ambiente urbano, em lugar de lhe suceder.
Uma população de 2 a & milhões de habitantes num espaço como o da região de Lisboa e com a cidade, zona de polarização, significará uma circulação diária de muitos milhões de homens, mercadorias ou palavras As redes de comunicações existentes correspondem, em regra, t uma estrutura do passado, e ao longo delas foram-se aglomerando os consumidores e produtores, espessando-se o tráfego à medida da aproximação do centro de irradiação, mas este crescimento por eixos, de transporte veio a ser afectado pela introdução e fulgurante crescimento do transporte automóvel, o qual veio adensar o tecido das zonas urbanas e, simultaneamente, provocar estrangulamentos quase insolúveis nos pólos de atracção de actividade, habitação e recreio.
Verdade é que, neste contexto, não se tem recentemente introduzido inovação revolucionária no transporte propriamente urbano, mas já o mesmo não sucede na comunicação entre pontos por vezes afastados, em que a distância praticamente não conta, mas se atende ao tempo gasto na deslocação, podem, assim, surgir alterações

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locacionais revolucionárias, quer nas ligações entre os elementos da trindade habitação trabalho recreio, e em particular no último binómio, quer nos vínculos factores-produção-consumo. O alargamento do horizonte espacial conduz, por um lado, a reforçar a necessidade de se atender a um planeamento de espaços mais amplos, por outro, a fazer preceder a valorização de uma região urbana do estabelecimento dos eixos fundamentais de transportes internos ou internacionais, pois as deslocações que constituem aspecto essencial da vida urbana não devem constitua um factor de limitação ou constrangimento, mas uma variável de libertação.
A esta luz, sugere a Câmara Corporativa que o Governo, no aprovar o plano director da região de Lisboa, preste a maior atenção à definição e estabelecimento das infra-estruturas da rede fundamental de transportes e comunicações. A ponte sobre o Tejo lançou um eixo orientador, mas não é suficiente a sua existência, quer para modificai a feição dos eixos naturais de crescimento, quer para se fazer aproveitar a comunidade desse investimento considerável, completar esse eixo e utilizar as suas potencialidades são, no entendei desta Câmara, opções a adoptar e pôr em prática um a maior rapidez.
Mas esta recomendação, resultado de uma situação de facto, não deve obliterar a visão mas ampla da região de Lisboa como zona polarizadora nacional e placa giratória de relações internacionais. As infra-estruturas de portos e aeroportos, de nós de comunicação ferroviária e rodoviária e de eventuais comunicações entre e os de transporte representam também opções prévias cuja concretização é indispensável ao estabelecimento do quadro de apoio a valorização regional, e mesmo nacional.

15. Nesta primeira avaliação dos estudos, julga a Câmara ter abordado pontos que se consideram fundamentais na análise económica moderna de um plano director de uma região urbana.

a) Interdependência das actividades económicas, que exige conjugação das soluções e de que resulta a necessidade de os planos regionais se inserirem no todo do desenvolvimento e de- considerarem ou absolverem parcelas «autónomas» mais significativas.

b) Interdependência com factores não económicos onde avulta a crescente relevância dos aspectos sociais, a qual requer uma análise mau, profunda da sociologia urbana e uma consideração mais ampla das perspectivas e das estruturas futuras da convivência social.
c) Interligação económica e social com economias não nacionais, a qual aconselha a atribuir uma maior ponderação aos factores internacionais e ao papel e funções que uma região pode desempenhar nos contactos entre economias nacionais ou paia aproveitar ou servir-se de maiores espaços económicos.
d) Conveniência de uma definição e execução prévia do complexo nuclear de infra-estrutura de transportes a luz da mobilidade interna e externa da região.

Sugere ainda a Câmara Corporativa que, mesmo sem discutir as hipóteses demográficas de base, a política governamental venha a encarar a possibilidade de atenuai o ritmo de crescimento populacional da região de Lisboa e que, mesmo no caso de se admitir o acréscimo global previsto para a região, a sua repartição tenha em conta os perímetros das aglomerações existentes, mas não exclua o seu alargamento, sempre com o propósito de combater a expansão anárquica das aglomerações existentes e das suas zonas envolventes Assim se conseguia definir em melhores condições os diversas alternativos que podem levantar-se e as opções a fazer no ordenamento da região de Lisboa, desde as zonas de novas urbanizações até às zonas rurais, passando pelas orcas de transição a organizar. Definidos estes aspectos, que, no conjunto, condicionam o traçado das linhas mestras do desenvolvimento regional urbano, e que são do conhecimento do Governo, em virtude de estarem já adiantados ou próximo do seu teimo os trabalhos preparatórios do III Plano de Fomento, parece útil à Câmara tecer algumas considerações sobre os desenvolvimentos urbanos propriamente ditos, embora, no coso presente se corra o risco de encontrar eventualmente inseridas no plano director da cidade de Lisboa as facetas mais relevantes do problema.

16. A perspectiva própria aos estudos urbanos propriamente ditos merece, compreensivelmente, uma atenção menor no texto do plano, até porque o plano director de uma L cinde tem exigências metodológicas - como o caso da poluição e do tráfego urbano- que frequentemente são dispensadas ao escalão regional, encontram-se, no entanto, objectivos comuns, que resultam, não só do somatório de necessidades puramente urbanas e de zonas circundantes, mas também da sua interligação.
Este aspecto ressalta claramente quando o plano director se debruça sobre as extrapolações demográficas e as converte na variável estratégia única e independente do próprio processo de desenvolvimento regional Isto é, ao projectar-se o binómio cidade-coroas ou espaços envolventes em termos, independentes ter-se-á de a priori tomar como «dada», ou como variável, a própria dimensão dos núcleos correspondentes, e em especial da cidade. Mas que significa esta expansão demográfica aglomerada em termos de congestionamento, de população, de tensão social? E no caso de se tomarem áreas urbanizadas, como a aglomeração de Lisboa e zona fronte rica ao sul do Tejo e contígua da linha do Estoril e de Sintra, quais sei ao os resultados de uma avaliação da sua infra-estrutura de acolhimento, quais as necessidades da sua renovação urbana, quais os custos e benefícios?
A dificuldade e complexidade de planeamentos desta natureza podem ser bem ilustradas pelo método hoje seguido no cálculo económico de investimentos de tipo urbano. A título meramente exemplificativo, a Câmara apresenta um dos processos frequentemente utilizados paia avaliar das opções quanto a investimentos em equipamentos urbanos em termos de benefícios-custos.

Benefícios

1. Melhor distribuição de recursos

a) Mais-valias prediais,
b) Valor do equipamento público instalado,
c) Valor cultural das comunidades planeadas,

2 Implicações sociais da extinção de «bairros de lata»

a) Redução do crime, doença, fogo, delinquência juvenil,
b) Melhoria do bem-estar habitacional,
c) Poupanças no custo de serviços municipais

3 Melhoria das finanças locais

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Custos.

1 Inquérito e planeamento.
2 Despesas administrativas.
8 Custos das operações de demolição.
4 Valor dos bens demolidos.
5 Custo do equipamento público.
6 Custos de reinstalação de recursos:

a) Económicos,
b) Não económicos

7 Valores fundiários perdidos

Mediante esta 'aproximação metodológica poderia dispor-se de uma sistematização mais completa das consequências da utilização do espaço regional e das suas aglomerações naturais ou construídas consideradas autónomas. Neste aspecto, teria o maior interesse para a definição das implicações quantitativas da expansão urbana a análise do desenvolvimento da área de Lisboa, tendo em conta o espaço ocupado e a estrutura da ocupação desse espaço, a densidade dos fluxos, ou ritmos, das correntes de contacto, ou relação, entre aglomerados populacionais e massas de equipamento técnico e social, no qual se inclina a avaliação das zonas industriais, de saúde, instrução e mesmo de ocupação de tampos livres.

17. Encontramo-nos, porém, perante a dificuldade já citada.
Quais os objectivos pi e vistos para a cidade de Lisboa? Lisboa é não só a capital, mas também zona de polarização e de equilíbrio de uma região Mas poderá negar-se a Lisboa uma vocação internacional ou mundial que se tem manifestado no decorrer dos séculos? Terá uma vocação europeia, atlântica, euro-africana? Mas não é Lisboa também um centro universitário, um centro religioso, uma cidade económica, um local turístico?
Muitas destas interrogações se levantariam se houvesse uma definição prévia e clara do papel atribuído a Lisboa na vida nacional, europeia e mundial, embora possam alguns afirmar que a vocação está por fixar em face das coordenadas internacionais Em contrapartida, atribuir-se-lhe uma população, mas este cacho demográfico tem uma estrutura etária, profissional e de qualificações que corresponde à vocação da própria cidade, e de novo surge a conveniência de tentar saber-se o que é Lisboa em termos de planeamento urbano, regional e nacional.
Esta perspectiva da área urbana de Lisboa e da sua evolução futura conduziria implicitamente aos objectivos físico-económicos de planeamento, distribuindo o espaço físico, dignos, em hectares, pelas diferentes componentes necessárias, desde as contribuições industriais às zonas verdes, passando pelo alojamento de diferente natureza às redes de comunicações e outros elementos.
Vir-se-ia assim a construir uma sequência temporal determinada de objectivos menores interligados, que permitiria o faseamento das zonas de urbanização prioritárias e zonas de organização diferida Este conjunto de elementos de que o plano director da região de Lisboa iniciou a utilização é susceptível de, e requer, um aperfeiçoamento contínuo de que podem beneficiar largamente as diferentes fases do planeamento urbano já previstas ou que o futuro aconselhará. Razão de sobra, no entender desta Câmara, para que o plano director da cidade seja conjugado com o plano director da região, e é na convicção de quo assim aconteceu que se afigura à Câmara não dever alargar as considerações sobre o tema da coordenação de planeamentos.

18. No âmbito da «cidade» propriamente dita levanta-se, porém, com maior acuidade - embora não deixe du sei problema de interesse e relevância gerais - o tema da política de solos, que é uma questão de largas repercussões económicas e sociais.
Sabe-se perfeitamente que nenhum plano director poderá influenciar o futuro se as suas directrizes e orientações não se incorporarem em programas de acção Ora estes programas de acção, ao ordenarem a ocupação do solo, voo afectar todo o esquema de acção e situação dos seus proprietários, isto é, tem de se ter em conta o binómio propriedade individual uso colectivo. E terá de se meditar cuidadosamente no complexo de providências jurídicas necessárias para definir e executar a orientação geral, conjugando-a com os interesses particulares Esta reflexão não se refere somente a entorses ou derrogações da invocação da propriedade privada como obstáculo ao ordenamento de região, mas abrange também a questão suscitada pelas maiores ou menores valias resultantes de um programa que altera o panorama físico de uma área e prevê potencialidades futuras para solos que até então pouco mais estariam do que abandonados. Entende esta Câmara que convirá estudar com a urgência possível uma política de solos, e em especial de solos urbanos, em que w consiga o justo equilíbrio entre o princípio da apropriação individual e as necessidades da comunidade.

19. A ocupação dos solos por diferentes actividades da vida económica e social, embora possa ser planeada e orientada, não pode transformar-se numa economia onde predomina o planeamento indicativo, numa obrigação ou coacção colectiva Muitas das actividades são exercidas pela iniciativa privada ou resultam dela, a qual terá de dispor de incentivos adequados para preferir um local a outro, deste modo, à orientação puramente negativa de proibição de instalação deve seguir-se a atitude positiva de criar um conjunto de condições de atracção que vão desde a disponibilidade de terrenos até a vantagens de natureza fiscal. Ao proceder-se assim paia zonas ou áreas de uma região, há que ter presente o objectivo de descentralização industrial ligado ao de valorização regional a escala nacional, os quais, mais uma vez e no entender da Câmara, exigem que a política de atracção de indústrias - ou melhor, de localização industrial - seja definida para o todo nacional, sob pena de se agravarem os desequilíbrios já existentes.
Esta orientação, embora possa ser mais ajustada ao estabelecimento de novas indústrias, não deixa de ser válida para as transferências de instalações produtivas, pois nada indica a priori que a deslocação a prever se faça dentro de uma mesma região-plano Acontece, porém, que, no caso da transferência de indústrias, terão de considerai-se outros factores ligados ao funcionamento da fábrica ou instalação produtiva referimo-nos em especial a mão-de-obra mais directamente dependente da produção e que será afectada quer pelos problemas de emprego que lhe são criados, quer pela necessidade de adaptação ao novo complexo social onde ficará integrada a nova instalação Em ambos os casos, pondera também esta Câmara a conveniência de se estudarem cuidadosamente os reflexos ou aspectos sociais das transferências de instalações industriais.
Ao referir o problema da ocupação de solos por diferentes actividades, não pode a Câmara deixar de sugerir

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que a atribuicão de áreas a fins não agrícolas seja precedida de um estudo completo das aptidões culturais dos solos, a fim de evitar que se utilizem em habitação, fábricas ou recreios terrenos de grande aptidão agrícola, deixando para a agricultura solos com menores potencialidades.

20. Ao findar a apreciação na generalidade não pode deixar a Câmara de recordar que todo o plano vale pela sua execução e que, portanto e embora o plano director não seja um plano de equipamentos, é indispensável que sejam previstos os meios financeiros necessários à sua realização. À ser assim, a noção de «custo» toma uma maior relevância e o plano director de Lisboa entrará em competição com as necessidade» previstas para outras regiões do País, razão adicional para a sua inserção no plano das prioridades nacionais e no calendário das disponibilidades financeiras do Governo e das autarquias locais E a este propósito vê a Câmara a maior conveniência em sublinhar o interesse e utilidade da realização de um estudo global das disponibilidades financeiras directas e indirectas do Estado, para que, dentro dos princípios orientadores da vida financeira portuguesa, possam ser postos ao serviço da comunidade, de maneira coordenada e equitativa, os recursos mobilizáveis da Nação.

21. Em resumo, e na generalidade, sugere a Câmara que o Governo, na apreciação e ulterior aprovação do plano director da região de Lisboa, tenha em consideração.
A definição prévia de uma política económica e social global que, traduzida no III Plano de Fomento, seja particularizada para as diferentes regiões económicas nacionais e precise, defina e harmonize as diversas vocações regionais , Dentro desta orientação, convirá afirmar-se a orientação de reservai áreas ou espaços amplos para noras actividades ou recreios, assegurando quanto possível a polivalência necessária a satisfação das necessidades futuras e previsíveis.
2 A necessidade de completar o plano director com um programa de equipamentos e um plano de financiamento- que, enquadrados no III Plano de Fomento, e abrangendo o plano director da cidade, permitam graduar temporalmente a valorização regional.
Neste aspecto, considera a Câmara que, dentro da orientação anterior, possa dispor-se de extensas zonas de reservas de terrenos e que seja dada prioridade aos investimentos no complexo das comunicações, ensino, equipamento sanitário e social e estruturas de abastecimento.
Na sequência desta orientação, afigura-se à Câmara que uma avaliação precisa dos urbanos necessários poderá ajudar e evitar o crescimento anárquico, e não deverá o Governo excluir, após as conclusões desse estudo, as alterações de orgânica administrativa que, tendo em conta as atribuições e a autonomia das autarquias locais, permitam uma melhor execução do programa e evitem ou atenuem os inconvenientes da expansão desregrada das cidades e zonas contíguas.
3 A conveniência que precede qualquer valorização regional urbana, da implantação de uma rede de transportes e comunicações internas, inter-regionais e internacionais. Deve ser, em consequência, atribuída a maior prioridade à instalação dessa infra-estrutura e estudadas as disposições legislativas adequadas a assegurar a sua coordenação.
Investimentos desta natureza, exigindo grande mobilização de recursos, têm vantagem em ser realizados previamente, não só porque constituem factores de orientação da ocupação do espaço, mas também porque são muito reduzidos os seus elevados custos quando precedem a referida, ocupação Aliás, esta mesma orientação se aplicará em parte ao caso de investimentos educacionais, administrativos, sanitários e recreativos.

4 O estudo e a (promulgação das disposições que permitam situar e executar as acções de valorização regional nacional e em especial das regiões urbanas Estas disposições abrangem, além de eventuais quadros jurídicos de utilização da propriedade do solo que salvaguardem os legítimos interesses individuais e os conciliem com o interesse geral, as orientações jurídico-administrativas (por exemplo, o domínio público marítimo, os funções de fomento das autarquias locais) que facilitem uma execução rápida dos programas de equipamento e desenvolvimento das zonas urbanas e, em especial, a administração eficaz de aglomerações populacionais que se integram num todo, mas polarizam os interesses de uma parcela mais ampla do que a cidade.

22. Do aperfeiçoamento imediato e periódico do plano director virá a resultar uma avaliação crítica das necessidades e dos objectivos, adaptada a cada momento do conhecimento da realidade e das perspectivas. Neste aspecto, vê a Câmara a vantagem e a necessidade de sublinhar a conclusão já incluída no parecer do Conselho Superior de Obras Públicas sobre o plano director da legião de Lisboa «julga merecer aprovação (o plano), com a condição de não ser considerado como um documento estático, mas evoluível por revisões em períodos curtos que permitam ajustamentos criteriosos».
Neste sentido se pronuncia também a Câmara, donde resulta, em conjugação com as opiniões anteriormente expressas, que os trabalhos do Gabinete e da Comissão do Plano Director Regional de Lisboa devem ser reactivados e aprofundados em colaboração com outros órgãos relevantes do planeamento à escala nacional e citadina e com representantes qualificados das actividades privadas

II

Exame na especialidade

23. Do ponto de vista do exame na especialidade, não se inclinou, pelas razões inicialmente apontadas, a Câmara Corporativa paia uma análise minuciosa do plano director. Um ou outro aspecto mais relevante sugere, no entanto, algumas reflexões Afigura-se à Câmara que a avaliação crítica das necessidades foi particularmente aprofundada no sector habitacional, o que, aliás, se encontra bem traduzido na composição dos investimentos prioritários fundamentais propostos (cerca de 70 por cento) durante a vigência do III Plano de Fomento Dada, porém, a existência de um problema habitacional de amplitude nacional e de vários órgãos visando o estudo e a solução total ou parcial do problema, sugere a Câmara que se

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proceda com a maior rapidez possível à coordenação de esforços parcelares num programa habitacional que tenha em conta opiniões e objectivos diversos e que, do seu confronto e conciliação, possa obter uma definição mais concreta de estrutura, natureza e funções do programa e dos seus órgãos de orientação e execução.

24. Na sequência das considerações feitas na generalidade, entende também a Câmara que o planeamento regional urbano requer uma definição prioritária dos complexos de mobilidade interna e externa da região, pelo que deve atribuir-se a maior prioridade ao estudo e execução das infra-estruturas necessárias de transportes.
Sendo assim, as artérias e nós ferroviários e rodoviários devem ter a maior prioridade, a par de importância decisiva das infra-estruturas de transporte marítimo e aéreo. A expansão e apetrechamento dos portos de Lisboa e Setúbal e a sua conexão e eventual administração conjunta afiguram-se como elementos relevantes de estudo e de fixação prioritária de preocupações e decisões. Mais entende a Câmara que, sendo a infra-estrutura de recepção do transporte aéreo um factor fundamental no complexo interno e internacional das relações económicas e sociais, deverá com a maior urgência proceder-se ao lançamento dos estudos e da execução de um aeroporto internacional que corresponda ao crescimento previsto da região e à participação progressiva do transporte aéreo nas relações mundiais; neste aspecto, dada a amplitude e complexidade do empreendimento, poderá haver vantagem em considerar a possibilidade de cooperação externa e a autonomização dos órgãos destinados ao seu estudo e decisão Finalmente, e na mesma linha de preocupações, pondera esta Câmara a conveniência d« aprofundar o estudo e- a avaliação técnico-económica do elo de ligação entre eixos de desenvolvimento e que no plano director é representado pelo canal Tejo-Sado.

25. Ao considerarão a região de Lisboa como zona industrial não deve esquecer-se o que essa opção significa em termos de elementos essenciais para a indústria, água, energia, transportes e mão-de-obra Qualquer destes factores deve ser encarado como elemento fundamental na instalação de novas indústrias e, após a prioridade que se atribuiu aos complexos de transporte, não pode a Câmara deixar de chamar a atenção para o grave problema do abastecimento de água da indústria (e dos consumidores domésticos) e as consequências previsíveis da sua poluição Por outro lado, a instalação de uma rede de alta tensão e as subestações respectivas deverão incluir-se nas infra-estruturas indispensáveis ao desenvolvimento da região, quer em termos económicos de indústria, quer em função do bem-estar do consumidor, neste sentido, quer uma política unificada de tarifas de energia, quer a fixação de protecção das linhas aéreas eléctricas de alta tensão, superior ou igual a 60 kg, deverão constituir, a par de outros factores, preocupação dos estudos de aproveitamento ou de integração urbanísticos. Tais podem tais estudos deixar de ter em conta estes problemas, a fim de evitar dificuldades no abastecimento e qualidade da energia ou criar motivos de afastamento de instalações industriais ou de adiamento da expansão da infra-estrutura de equipamento electrodoméstico indispensável à vida moderna.

26. Entre os vários aspectos sublinhados na base a da Lei n.º 2099 destacam-se aqueles que dizem respeito às condições de segurança e defesa das populações Parece poder deduzir-se da ligação deste aspecto com o da definição de zonas para instalações de interesse colectivo que o plano director deve ter em conta as necessidades de instalações de natureza militar e considerar os seus condicionamentos.

III
Conclusões

27. A Câmara Corporativa, depois de estudar atentamente o plano director da região de Lisboa, entende que o mesmo deve ser aprovado, com as reservas, observações e sugestões contidas neste parecer.

Palácio de S. Bento, 9 de Maio de 1967.

João Pedro da Costa.
José Mercier Marques.
António Manuel Pinto Barbosa
António Vitorino França Borges (Dando o meu voto de aprovação ao parecer, entendo que deveria dele constar o princípio de que a execução do plano director da região de Lisboa competirá às câmaras municipais dos concelhos abrangidos, embora com obediência às directrizes estabelecidas.
Qualquer departamento, criado ou a criar, que acompanhe a evolução do plano, preocupar-se-á com a definição, coordenação e interpretação deste, respeitando-se sempre as atribuições municipais estabelecidas no Código Administrativo).

Fernando Manuel Gonçalves Pereira Delgado.
João Manuel Nogueira Jordão Cortes Pinto.
João Ruía de Almeida Garrett.
Joaquim Trigo de Negreiros
José Pires Cardoso
Leopoldo Morais da Cunha Matos
Luís Quartin Graça
Manuel do Almeida de Azevedo e Vasconcellos.
Raul Lino
Luís Mana Teixeira Pinto, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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