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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.° 72 X LEGISLATURA - 1971 4 DE MAIO
PARECER N.º 26/X
Projecto de decreto-lei n.° 5/X
Duração do trabalho prestado por força de contrato de trabalho
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei n.° 5/X, elaborado pelo Governo, sobre a duração do trabalho prestado por força de contrato de trabalho, emite, pela sua secção Permanente, à qual foram agregados os dignos Procuradores António Simões Coimbra, Fernando Cid de Oliveira Proença, Fernando Manuel Gonçalves Pereira Delgado, João Manoel Nogueira Jordão Cortez Pinto, Manoel Alberto Andrade e Sousa, Mário Luís Correia Queiroz, Martinho Edmundo de Morais e Miguel José de Bourbon Sequeira Braga, sob a presidência do Digno Procurador José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, 1.° vice-presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
§ 1.º
O problema da duração do trabalho
1. Nenhum problema do direito e da vida laborai, salvo o da retribuição, dominou nos últimos séculos mais intensamente as preocupações de trabalhadores, entidades patronais e governantes de que o problema da duração do trabalho.
Pelo que respeita aos trabalhadores, é sabido que se apresentou até determinado momento como causa e objecto das mais insistentes e bem fundadas reivindicações. Nem admira que assim acontecesse: era empiricamente acessível a todos e envolvia de maneira muito directa condições vitais da sua própria existência. Correram os tempos, a evolução social e o progresso técnico trouxeram o primeiro interesse outras questões ou imprimiram-lhes nova acuidade, mas continua a pensar-se na duração do trabalho como em tema que está longe de ver esgotada a sua relevância. Isto significa, inquestionàvelmente, que põe em jogo valores permanentes.
O problema em si tem, aliás, natureza acidental e não faz inteiro sentido à margem do plano em que, segundo uma filosofia ou ao pendor de um estado de espírito, se julga o próprio facto do trabalho.
Pode-se ir mais longe neste encadeamento lógico e acrescentar que o problema do trabalho é, por sua vez, "parágrafo essencial do problema do homem" 1.
Ninguém terá, porventura, deixado de reflectir sobre as razões por que trabalha e sobre o fim para que trabalha: as respostas encontradas corresponderão necessàriamente a um dado conceito do homem e da vida.
1 Jean Ousset e Michel Oreuzet in Le Travail, Quebeque, 1962, fl. 19.
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O cristão sustenta que o trabalho constitui medida do homem, visto que, traduzindo-se de certo modo em participação na obra criadora, reflecte os atributos divinos e por ele ó verdadeiramente à imagem de Deus, ou, por melhores palavras, "é causa relativa, consciente, inteligente, voluntária, à imagem da causa absoluta" 2.
Outros, buscando a transcendência aquém do sobrenatural, como que divinizam o homo faber, erigem em finalidade o "trabalho pelo trabalho" 3 e na escalada triunfal da produção vêem justificação bastante e prazer compensador de espantosos sacrifícios.
Outros ainda, contados por milhares, não identificam na origem remota do esforço que é exigido, e só pode ter corço objectivo, terra-a-terra, a sustentação da vida e o acréscimo eventual da sua comodidade, mais do que um fatalismo cego, cuja tirania, não obstante, apetece iludir e vale a pena contrariar.
Como quer que se filosofe quando disso é questão, para muitos, no que lhes toca em concreto, o pão de cada dia não constituiu sempre o salário exclusivo do trabalho nem o suor do rosto seu único preço. Porque houve o interesse mais ou menos estimulante que o acompanha e o prazer de ordem superior que não raro suscita: compensações que o trabalho rende ao espírito criador, ao sentido de realização pessoal, ao gosto de servir, ao simples respeito da própria dignidade.
Todavia, para além daquilo com que os recursos tecnológicos, o desenvolvimento das relações humanas e a mais perfeita disciplina legal contribuam para lhe minorar o incómodo e para lhe valorizar os aspectos agradáveis, e sem embargo de todos poderem atingir, se não a consciência da sua nobreza, pelo menos um estado de razoável aceitação da sua inevitabilidade, o trabalho continua a revestir-se de carácter penoso, a implicar um mínimo de sacrifício, a subentender a quota-parte de dor que o marca, na sentença bíblica, como estigma do pecado.
O esforço físico que desgasta e deprime, a tensão peculiar à concentração intelectual, o desencanto das tarefas rotineiras e obscuras, a frustração resultante da aptidão insuficiente ou da diligência ineficaz são companheiros de que jamais alguém se consegue desembaraçai: por completo. Acontece, outrossim, que, à medida que estas contrariedades são atenuadas ou cessam de apoquentar, outras se vão insinuando com subtileza. Ao recorrer aos exemplos do passado, vê-se que o triunfo espectacular e universal da máquina, cujo advento muitos saudaram como princípio do fim de todos os esforços violentos e degradantes, coincidiu paradoxalmente com algumas das páginas mais negras da história do trabalho humano. Fazendo o inventário das angústias dos contemporâneos, encontra-se o novo suplício da sua indisponibilidade, em face da absorção material e psicológica pelos deveres profissionais, que não permite aos mais evoluídos corresponder as crescentes solicitações dos vários centros de interesse que o nosso tempo faculta, nem consente, por vezes, aos mais sobrecarregados autêntica vida pessoal e de ambiente familiar.
Talvez que a experiência desengane da hipótese de um trabalho imune de dificuldades, convertido em prazer no reino feliz da Utopia. E, no entanto, sabê-las certas e renascidas constitui o más aliciante desafio à capacidade de imaginação e de luta para as remover.
De resto, como problema de governo e objecto de ordenamento jurídico, o trabalho interessa muito especialmente enquanto supõe constrangimentos e envolve o risco de converter-se em ocasião de injustiça.
2. O carácter penoso do trabalho é influenciado, entre outros 4, pelos seguintes factores: as condições jurídicas económicas, técnicas e ambienciais de prestação, a sua natureza, a intensidade e o ritmo, a duração.
Por agora, é em função da duração do trabalho que importa considerar os demais.
Principie-se por estabelecer como axioma que o trabalho forçado, independentemente do nível habitual da sua duração efectiva, sempre teria parecido mais longo do que, em identidade de circunstâncias, o trabalho livre. Da mesma maneira, o trabalhador subordinado se inclinará muito mais a contar as horas de serviço que lhe pedem do que o trabalhador independente ou de profissão liberal a enfadar-se com o horário que para o cumprimento das suas obrigações adoptou. Daí que, em sentido técnico-jurídico, horário de trabalho seja apenas o estabelecido por uma entidade patronal em relação a trabalhadores que lhe estão vinculados contratualmente.
Também o nível salarial e o da duração do trabalho podam, na prática e no direito, andar interligados. As perspectivas de melhor retribuição justificam, comummentte, es acréscimos eventuais ao período normal de trabalho e, segundo boa parte das legislações, representam condição necessária da isenção do regime de horário. É fácil fundamentá-lo em termos de justiça relativa, mas entende-se igualmente do ponto de vista psicológico: o trabalhador bem pago está em regra mais predisposto a não deitar contes ao tempo que lhe prendem os deveres profissionais.
Menos custosas para o homem deviam ser, e são em princípio, as tarefas que os instrumentos e os meios técnicos adequados facilitem ou por si executem. Foi a esperança que se alicerçou na evidência do progresso da submissão das forças da Natureza, graças à mecanização, nomeadamente à automação. De facto, teoricamente, não seria inconcebível atingir-se um ponto em que, inclusive, "todo o trabalho físico e intelectual, mesmo o de invenção, fosse substituído peia acção da máquina, perfeita, limitando-se o homem a colher os resultados de engrenagens objectivas bem montadas" 5.
Então inverter-se-iam os dados do problema e teria de perguntar-se se "a luta contra as servidões da natureza não é factor capital do equilíbrio psicológico e mental" e se "a dureza e os riscos do esforço contra as ameaças e as resistências do real são ou não são indispensáveis a estabilidade do homem" 6.
Mas não se trata disso por agora, no conjunto da actividade produtiva. Trata-se de recordar que a chamada revolução técnica, que trouxe a evidente libertação de sujeições tradicionais, do mesmo passo trazia na sua face oculta o germe de novas formas de servidão, com o enfado e tormento das operações em série e atomisticas, interminavelmente repetidas e tristemente impessoais 7.
2 Id., ib., fl. 21.
3 Como já foi lùcidamente observado, a própria dor do trabalho assinala ao homem que o trabalho não é o seu fim, não esgota as Buas aspirações.
4 Incluídos, o estado de espírito ocasional, a saúde e a doença a vocação e a preparação profissional do trabalhador.
5 Emile Rideau, "Homme-au-travail et home-au-loisir", in Revue de l'action populaire, 155. Fevereiro de 1962, fl. 149.
6 Ob. e loc. cit.
7 "O trabalho tomou-se menos actividade motora e mais actividade senório-intelectual. Por consequência, se a máquina desobriga o indivíduo de pesadas fadigas, pede-lhe um maior dispêndio de energia psiquica", Francisco Vittto, in A Economia ao Serviço do Homem (tradução portuguesa da Junta de Acção Social), fls. 256-257.
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E trata-se de verificar que a durarão do trabalho não sofreu o impacto do uso da máquina no sentido exclusivo da sua possibilitada redução: o tempo "economizáveis não o desperdiçou... a economia e as implicações sociais da questão permaneceram em termos idênticos ou pouco dissemelhantes.
O problema do ambiente de trabalho, sobretudo fabril, não se apresenta já, felizmente, segundo as mesmas coordenadas de há um século atrás. A par dos cuidados devidos à higiene, ao bem-estar material e à segurança dos trabalhadores, não há, pode dizer-se, empresa consciente do seu próprio interesse que se não preocupe com o ambiente humano da sua comunidade, certa como estará de que representa dobrado esforço o que se desenvolve à margem do estímulo, da compreensão, da benevolência do meio.
Nem carece de demonstrar-se que x horas de trabalho leve, inócuo e atraente provocam menor cansaço do que a menos y se ele se afigura desinteressaste, perigoso ou pesado. O facto justifica à saciedade a prática de menor duração do trabalho de certa natureza, como o subterrâneo e em indústrias insalubres e perigosas, de molde a ficar assegurada uma "protecção suplementar indispensável aos trabalhadores em causa" 8. E também a prioridade, na execução de políticas de redução do tempo de trabalho, em favor das "indústrias e profissões que impliquem particular fadiga física ou mental ou compartem riscos para a saúde dos trabalhadores".
Em compensação, e na mesma ordem de ideias, não repugna que se revistam de maleabilidade os limites máximos de duração, se se reportarem a serviços que se caracterizem pela simples presença física de quem deve prestá-los 9 ou por esforço intermitente.
Idênticas operações profissionais revestem-se de diferente grau de incomodidade e provocam mais ou menos rápida saturação, consoante o período de trabalho recai de noite ou de dia e segundo os antecedentes próximos e remotos da actividade do trabalhador.
Mais penoso em regra é o trabalho nocturno, e daí as consabidas proibições e limitações horárias. Também os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, nomeadamente os deficientes recuperados e os idosos, merecerão porventura outra bitola para a determinação da duração do seu trabalho.
Revela cada vez mais complexas incidências de ordem social a problemática das pausas intercalares, dos dias de descanso e das ferias.
As reflexões anteriores estendem-se mutatis mutandis à conjugação da duração do trabalho com a intensidade e o ritmo em que este se processa. São depauperantes os esforços intensivos, que empenham as faculdades de atenção e de concentração mental, sobretudo quando dominadas pela preocupação adicional, já de si fatigante, de acabar a tarefa dentro de prazo curto e fixado com rigidez. Vindos em prolongamento do período normal, como acontece amiúde, o cansaço é duplo e mais se justifica então que a duração do trabalho suplementar não exceda razoáveis limites.
As actividades obrigadas a sucessivas mudanças de ritmo e ia periódica modificação de ambiente implicam anormal usura, da resistência à fadiga. O mesmo se verifica quando as funções profissionais se desdobram em cuidados e contactos com instrumentos, operações técnicas e temas de reflexão muito diferentes unis dos outros.
Vai perdendo a tradicional preferência o sistema de rotação de turnos e quando o hábito persiste, a preocupação de reduzir ao mínimo as perturbações ocasionadas peia mudança do período de trabalho leva a fazei coincidir a rotação com o reinicio da semana laborai após o dia de descanso.
Conhecem-se, finalmente, os perniciosos reflexos na saúde do trabalhador e no seu rendimento profissional de uma prática frequente, que ia satisfação de necessidades imperiosas umas vezes determina e que o desejo de maior desafogo económico outras vezes fundamenta. No horário de ocupação plena no emprego principal segue-se, em regime de "tempo parcial", o exercício de actividade complementar. À dispersão do espírito e às imagináveis dificuldades que, por vezes, a deslocarão para novo local de trabalho produz, soma-se o aumento, incontrolável, da duração global do período de ocupação diária.
Nenhum exemplo, acaso, seria mais expressivo da correlação dos vários factores da incomodidade do trabalho e permitiria sublinhar melhor a grande importância de que, neste conspecto, se reveste o capítulo determinante que é a duração do trabalho.
3. Tentou-se explicitar nos dois números anteriores as seguintes proposições:
a) A questão da duração do trabalho nem perdeu actualidade nem diminuiu de importância, embora, ultrapassado o plano rudimentar em que tradicionalmente se mostrou, tenda a ser reposta em termos novos;
b) Não é legítimo tratá-la como entidade autónoma, à margem de factores condicionantes que normalmente agravam e excepcionialmente lhe atenuam as incidências.
Daí se segue que:
c) A questão mantém a natureza de "questão de interesse e ordem pública", pelo que, sendo encarada de perspectivas sectoriais diferentes e em certa medida antagónicas, continua a não poder ficar estranha à perspectiva do legislador;
d) Deve estruturar-se um sistema de regulamentação que, de um lado, comporte normas destinadas a contemplar situações carecidas de protecção especial e, de outro lado, admita derrogações aos princípios legais de aplicação genérica.
Assim se ficará acautelado contra a propensão para imaginar que a questão seria, vantajosamente entregue ao livre jogo dos interesses em presença e contra a convicção simplista de que são convencionais e impostas pelo desiderato de obter uma posição cómoda, equidistante das posições extremas, as soluções complexas que necessariamente integram um regime jurídico da duração do trabalho justo e coerente.
§ 2.°
Duração do trabalho e rendimento
4. Apreciada, a questão segundo uma perspectiva, económica estrito, a tese seria que, visando o trabalho a produção de bens, a respectiva duração horária deve variar em função do rendimento desejado.
Isto ainda mão significa que a maior duração corresponda maior rendimento. Significa tão-sòmemte a convicção
8 La Durée du Travail - Étude des legislations et des pratiques nationales, B. I. T., Genebra, 1967, fls. 211 e segs.
9 O que não prejudica, claro está, a selecção racional dos indivíduos a ocupar neste género de serviços.
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da existência de uma relação intima entre a duração do trabalho, por um lado, e a produtividade, a expansão económica e o nível de vida, par outro lado 10.
No entanto, a posição sumária inicial do problema terá sido precisamente a de admitir como dogma a correspondência entre o número de horas utilizadas e o rendimento do trabalho, ao menos o rendimento quantitativo.
Tal posição está de há muito ultrapassada, pois se demonstrou que a relação "duração de trabalho-rendimento" não pode estimar-se como uma correspondência proporcional 11.
Divergências a tal respeito? Hoje em dia, mais do que divergências de princípio, revelam-se discrepâncias de comportamento, provindas de vária interpretação dos factos e de diferente previsão das suas consequências. Tudo gira em redor dos limites de tolerância para a diminuição quantitativa do trabalho e do crédito que, depois, deva merecer a manutenção quantitativa do rendimento e, alternativamente, as eventuais compensações de ordem qualitativa.
No mais, parece ponto assente a exactidão da seguinte lei: existe "um limite fisiopsicológico para a duração do trabalho", e se o não respeitarmos o rendimento decresce 12.
Harry A. Mill e Royal E. Montgomery, em "Labor progress and some basic labor problems", considerada hoje obra clássica, afirmam 12-a, inclusive, não faltarem provas de que a produtividade aumenta muitas vezes depois que a duração do trabalho foi encurtada.
"Uma hora de trabalho - dizem - não ó uma quantidade fixa; varia de acordo com um grande número de factores, entre os quais se deve mencionar o número total de horas do trabalho."
Não deixam, porém, de advertir logo depois: "Existe, porém, um ponto onde o acréscimo de rendimento-hora não basta para compensar a redução da duração do trabalho; da mesma maneira chega um momento em que tal subida de rendimento tende a desaparecer."
É certo pelo menos que, acompanhando as curvas da duração do trabalho e do rendimento, se verifica que, "chegado a determinado momento, o acréscimo da duração acusa uma descida no índice de nível da produção", depois de ter existido um ponto óptimo em que se ajustam os dois factores 13.
Não se deve, porém, julgar que este ponto de coincidência é, quanto ao objecto e quanto aos sujeitos, imutável e que a duração do trabalho vem aqui tomada à letra, como equivalente do maior ou mamar número de horas úteis consecutivas.
Pelo contrário, o resultado de experiências cuja exactidão científica parece inimpugnável demonstrou que "a relação óptima entre a duração do trabalho e o rendimento... não pode ser uniformemente determinada, pois varia para caída trabalho e para, cada trabalhador" 14.
Idênticamente, já em 1908 Max Weber pôde sustentar, com sólidos fundamentos, que, tanto como a dimensão horária do dia ou da semana laboral condiciona o rendimento, assim este aparenta variações ao longo do dia e da semana.
Tais variações revelam, segundo Francesco Vitto, a influencia retardadora da fase inicial 15 e a influência aceleradora, da subsequente adaptação do homem ao seu trabalho. A conclusão, se verdadeira como tudo indica abona a razão de este economista quando pretende que na perspectiva do rendimento do trabalho, sem consideração, portanto, de outras finalidades ponderáveis, seria mais racional do que a hipertrofia do descanso hebdomadário a inserção a medo dia semana, de uma segunda pausa de vinte e quatro horas. "Permitiria, em períodos de trabalho mais breves, transformar a curva do rendimento numa curva ascendente e impediria que chegasse a manifestar-se a curva, da fadiga."
Entretanto, o problema do rendimento em função da duração do trabalho vai perdendo autonomia à medida que põe em causa a pessoa do trabalhador.
É a surpresa do elemento novo, perturbador da correspondência matemática que, em pura teoria, devia resultar do confronto das duas quantidades.
Ser complexo e hipersensível, o homem cujo dia laboral foi encurtado reservou energias que bem podem traduzir-se em força e ânimo para trabalhar melhor e mais depressa.
Mas há mais: "A duração do trabalho como problema psicofisiológico não é de considerar apenas quanto aos efeitos sobre o rendimento imediato do trabalhador, mas ainda quanto aos efeitos a longo prazo sobre a sua integridade física" 16 e, por consequência, mo seu rendimento futuro.
O exposto legitima a conclusão de que, "em regra, a procura do máximo rendimento do trabalho e a protecção da integridade física do trabalhador caminham paralelamente" 17.
5. A contradição requerida pelo conceito simplista do ajustamento matemático e da directa proporcionalidade dos dois valores em presença não induz, claro está, a proferir juízo absoluto de sinal contrário. Sob pena de afectar os resultados ido esforço produtivo, a duração do trabalho não pode sofrer redução maciça e, indiscriminada.
Aos limites máximas contrapõem-se inevitavelmente, na ordem prática, "limites mínimos", e dir-se-á que para além destes o campo é aventuroso a inseguro.
Tende a ganhar corpo, decerto, a ambição do encurtamento potencialmente indefinido dos períodos laborais.
Sem deixar de reconhecer a legitimidade do estado de espírito que a move e a plena aceitação do fundamento, para lhe dar tempestiva satisfação deve-se convir em que toda a redução desprendida dos reflexos na vida económica não responderia ao interesse de ninguém. Tão certo como não haver mais perigosa contrafacção dos benefícios "reais e duradouros do que as aparências de benefício e os benefícios sem amanhã.
É legitimo, sem dúvida, raciocinar tendo presentes e invocando as razões dia produtividade. Com uma só condição: que se trate da produtividade correctamente entendida e a alcançar pelos métodos que lhe convêm.
Não constitui valor per se, a arvorar em finalidade, mas instrumento da realização de objectivos sociais e, entre eles, a valorização da comunidade nacional, a me-
10 La Durée du Travail..., A. 287.
11 Manuel Alonso Garcia, Derecho del Trabajo, vol. II, Barcelona, 1960, fl. 386.
12 Francesco Vitto, ob. cit., fl. 245.
12-a Apud La Durée du Travail, 1958. (Rel. da 42.ª sessão), fls. 133 e segs.
13 Alonso Garcia, ob. e loc. cit.
14 Francesco Vitto, ob. cit., fl. 246.
13 O autor observa que o trabalho no começo do dia, em relação ao dia inteiro, e o trabalho de segunda-feira, em relação a toda a semana, se ressentem da pausa precedente, que impõe um novo arranque. E tanto mais quanto mais prolongada tiver sido a pausa e mais acentuada a fadiga do período de trabalho imediatamente anterior.
16 Id., ib., fl. 247.
17 Id., ib., fl. 248.
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lhoria geral do nível de vida, a promoção humana dos trabalhadores. Ter esta certeza e extrair das as consequências necessárias ajudará, quer a não distorcer os caminhos, quer a não regatear o custo do aumento de produtividade.
Mas se a produtividade é a resultante de vários factores solidários - inteligência directiva, meios técnicos e capitais, organização empresarial, racionalização de serviços, adestramento e zelo profissional dos trabalhadores, tempo de trabalho -, haveria claro desrespeito às regras do jogo se alguém procurasse vencê-lo com sacrifício de algum ou alguns deles, no duplo e oposto sentido de lhes cercear a influência ou exorbitar do seu concurso.
As tarefas de formação e esclarecimento que a delicadeza da matéria impõe serão, como costuma dizer-se e aqui se afirmaria com a-propósito, capital altamente reprodutivo.
6. A reverência da uniformidade também neste caso não parece muito avisada conselheira.
O nível da duração do trabalho, viável, porventura ideal, em relação a certa economia, a determinada actividade e a dada conjuntura, pode ser insatisfatório, até contra-indicado para outro meio e para outro tempo.
Debalde porfiaria quem quisesse descobrir uma relação universal e constante entre o rendimento desejável e o período de trabalho que o proporcione. Há variáveis com influência em cada um dos termos do confronto e, portanto, o equilíbrio entre eles será forçosamente instável.
Sem querer utilizar o resguardo de um testemunho insuspeito ou o recurso do argumento de autoridade, dir-se-á com a Organização Internacional do Trabalho (0. I. T.) 18 que, de um lado, têm de considerar-se países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, de distinguir-se épocas de prosperidade e de crise, de atender-se a necessidades de produção global e de nível de produtividade, enquanto, de outra parte, concorrem a abundância ou a escassez de mão-de-obra, a viabilidade de utilização "da tecnologia moderna, da automação e das técnicas de direcção".
Ocorre, por isso, de vez em quando, terem de corrigir --se de maneira frontal ou indirecta decisões tornadas em face de circunstâncias que deixaram de verificar-se e, inclusive, podem ser diametralmente opostas às que, na roda do tempo, lhes sucederam.
É o caso, por exemplo, de em muitos países o mais ou menos generoso limite da duração legal ser ocasional ou até endèmicamente ultrapassado pelos totais de duração efectiva. Em França, para referir uma nação socialmente evoluída, entre 1946 e 1966 as empresas foram compensando a ressurreição, oportunista e política, da semana de quarenta horas, decidida em 25 de Fevereiro do primeiro ano do vinténio, com "o largo recurso a horas suplementares autorizadas, que se converteram em instituição permanente" 19. O excesso chegou a ponto de em 1966 se terem verificado casos de semanas de oitenta horas de trabalho efectivo 20, o que equivale a multiplicar por dois o máximo normal permitido.
Recordar-se-á que metade desse trabalho, sendo trabalho extraordinário, mereceu tratamento mais favorável, talvez muito compensador 21. A observação seria pertinente, mas teria deslocado O plano da questão: não se trataria já aí de sublinhar, ainda que dando fé dos exageros, as necessidades da produção como determinante o nível de duração do trabalho.
§ 3.º
Duração do trabalho e pessoa do trabalhador
7. A duração do trabalho interessa ao trabalhador, pode-se dizer, por princípio. É algo que lhe toca de perto, como a ninguém, que se lhe inseriu na vida e a condiciona mais Intimamente talvez do que qualquer outra circunstância.
Segundo uma perspectiva económica, o problema põe em causa o tempo, valor objectivo, como medida do rendimento do trabalho. Na perspectiva social, porém, o tempo a que se deita contas ou a que se estabelece limites não é tanto o tempo de trabalho como o do trabalhador: para este, subjectivamente, o que se discute ou "manipula" é o seu próprio tempo. Duplamente seu: o que o trabalho lhe prende e o que, depois dele, fica disponível.
Nem se pretenda que este vem por exclusão de partes, só aquele tendo incidências positivas e negativas que importe avaliar. Tanto um quanto outro são tributários de protecção social: o tempo ,de trabalho, como hoje é ponto incontroverso, e também o restante (por via indirecta, embora), para quem está convicto de que o trabalho não constitui fim em si mesmo, mas um meio ao serviço do homem, cuja "existência" no trabalhador o antecede e o transcende.
8. Em matéria de duração do trabalho, o motivo clássico de preocupações e controvérsia foi o excesso de fadiga e o concomitante desgaste fisiológico e psíquico, que as suas demasias ocasionavam.
Veio, por encurtamentos sucessivos, primeiro ao nível do suportável, depois ao do razoável; começaram por discutir-se em absoluto os números médios da semana laborai e, pouco a pouco, passaram a ver-se, sobretudo, relativamente à especial dureza de situações novas, como, por exemplo, a dessincronização dos ritmos propiciada pela rotação de turnos, o trabalho nocturno habitual, o que comporta anormal intensidade, sujeita a tensão particularmente depauparante ou comporta maiores riscos.
Não se dirá, sem. exagero, que estes aspectos tradicionais da questão pertencem ao passado, mas pode asseverar-se que a questão se foi insensivelmente deslocando do plano exclusivo em que era apresentada.
Quem tiver de caracterizar a tendência dominante, afirmará que se pensa cada vez menos no excessivo da tempo ocupado e cada vez mais na "escassez" de tempo disponível. Parecem correlativos e, de certo modo, não são. Com efeito, enquanto a diminuição horária do período laborai, baseada na defesa da integridade física do trabalhador, caminha ao encontro do limite natural, um último limite calculável quase com justeza científica, as motivações da crescente disponibilidade do tempo são praticamente inesgotáveis.
18 Quando enumera as circunstâncias a ter em conta na execução das reduções preconizadas na Recomendação n.° 116, a que neste parecer haverá ensejo de aludir.
19 Jean Blaise, "Le nouveau regime de la durée maximale hebdomadaire de travail", in Droit Social, n.° 5, Maio de 1967, fl. 288. Vide também G. H. Camerlynck, Traité de Droit du Travatt, t. III.
20 Jean Blaisse, ob e loc. cit.
21 Este estado de coisas convenceu o legislador francês a fixar, com efeito, a partir de 1 de Janeiro de 1967, uma duração efectiva média semanal calculada em relação a um período de doze seminuas consecutivas. O regime corresponde a estabelecer limites temporais à prestação de trabalho extraordinário.
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Deve acentuar-se, entre parênteses, que em relação a muitos trabalhadores, cuja residência está bastante afastada do local do trabalho, ou cujo acesso a este é por qualquer razão embaraçoso, o tempo de serviço e o tempo disponível não constituem as únicas parcelas de uma soma de vinte e quatro horas. Entre um e outro intercala-se um. tempo neutro, não já de trabalho e ainda não disponível, que utilizando a linguagem, corrente no direito infortunístico poderíamos denominar in itinere. O facto dá ao trabalhador a desagradável sensação da liquidez do período que lhe pertenço e condu-lo a aspirar, por contrapartida, ao encurtamento do horário. Porque a duração do trajecto se cifra, por vezes, em hora e meia e duas horas diárias 23, compreende-se que, na perspectiva do trabalhador, esta incidência de ordem prática deva por força convidar a correcções aos dados teóricos do problema do "dia laborai".
Como quer que seja, e encerrado o parêntese, é necessário conceder que, sem embargo de na sociedade, contemporânea muitos homens não disporem ainda do benefício mínimo de horário certo 23, a exigência de obter tempo livre, cada vez mais tempo livre, comanda agora as aspirações a progressiva redução da duração do trabalho.
Vem aí finalmente a civilização do ócio? Já nasceu pelo menos na visão da nova utopia.
Quarenta mil horas de trabalho ao longo de toda a vida é quanto Fouraslié promete para o limiar do século XXI.
Um generoso "inventário do futuro"...
9. A insuficiência do trabalho para a realização do homem e da "sua vocação a uma existência de plenitude infinita" tem sido apontada como a causa profunda impulsionadora da luta pela conquista da sua disponibilidade.
No estudo, muito penetrante, a que já se fez referência e que significativamente intitulou "Homme-au-travail, homme-au-loisir", Émile Rideau, dando o que chama a sua resposta à dialéctica do trabalho e do lazer, afirma que o trabalho produtivo é a subestrutura, & aproximação e a condição de outros valores. "Por outros termos", diz, "a actividade laboriosa tem por fim o lazer, mas o lazer activo e voluntário, também laborioso mas existencial". A diferença reside em que o trabalho útil tem de sujeitar-se à servidão dos "projectos concretos e dos resultados precisos", enquanto o outro "rasga horizontes sobre um conjunto de actividades indeterminadas".
Não está, pois, escrito que o tempo livre a que o homem aspira, que o homem conquista 24, deva ser como que um tempo vazio, mas antes um tempo vago ou desocupado, a fim de que "o trabalho útil... sem perder o seu lugar insubstituível... ceda a vez ao conhecimento desinteressado, às actividades lúdicas, à arte, à vida de relação", ião serviço dos valores supremos, e assim, se possível, "toda a existência se enobreça e espiritualize" 25.
Daqui se infere que o tempo livre pelo tempo livre não constitui objectivo racional. Pouco adianta sustentar que o reconhecimento de mais um direito, o direito à preguiça como dizem alguns, contém a obrigação de não regatear ao homem a legitimidade de nada fazer no tempo, ou com o tempo, que afinal é seu... Porque a questão não se põe agora em termos de discussão de direitos, mas de cautela de interesses vitais.
Ora, uma vez dado ao repouso do corpo e do espírito o quinhão que lhe pertence, importa à defesa do equilíbrio conseguido o aproveitamento do remanescente para um sucedâneo, diversivo e distensor, do esforço penoso que a actividade profissional custou. Sob pena de o aborrecimento invencível, proverbial angústia vinda da desocupação e da passividade de espírito - ou, por eles, o frenesim do movimento sem rumo nem freio - traçarem o círculo fechado que reconduz à fadiga nervosa, ponto de partida.
Estas adversativas significam apenas que o problema dos tempos livres não se resolve, antes se agrava, com o progressivo empolamento, se do mesmo passo as sociedades prósperas e evoluídas, únicas em que verdadeiramente assume aspectos críticos, não se desempenharem do encargo de imaginar e estabelecer as condições do seu aproveitamento feliz.
Existe, entretanto, outra possibilidade de se desvirtuar o sentido e de se frustrarem os objectivos sociais da política de redução da duração do trabalho.
Seria, o caso, como já ocorre com relativa frequência, de as folgas mais prolongadas darem ensejo ao exercício de actividades profissionais em (regime de "tempo parcial". Dir-se-ia então que se tinha obtido o "descanso" suplementar bastante para dar viabilidade a novas causas de fadiga. Trata-se, em qualquer hipótese, de um aspecto melindroso e ingrato da questão, que parece só poder equacionar-se, em face da visão global do mercado de 'trabalho e do conhecimento da situação dos trabalhadores com duplo emprego.
10. Cabe assinalar, para fecho do parágrafo, que várias legislações nacionais definem "duração do trabalho" em função da posição activa do trabalhador, e que outras dão realce precisamente ao requisito ia sua disponibilidade pessoal. Segundo estas, período de duração do trabalho será o período durante o qual o trabalhador não tem liberdade de dispor do seu tempo e dos seus movimentas 26.
§ 4.º
Perspectiva do legislador: a regulamentação da duração do trabalho
11. A circunstância de o problema da duração do trabalho mover interessas e determinar vontades que, embora ideal e tendencialmente convergentes, se contrapõem no domínio concreto imediato justifica, por motivo de ordem político-social, a síntese do legislador.
Mas a própria lógica do sistema jurídico conduziria, por si, a não omitir um aspecto pertinente da regulamentação do regime do contrato de trabalho.
Na verdade, como nota o Prof. Alonso Garcia 27, "há que ter em conta que a prestação do trabalho não é uma prestação abstracta, mas concretizada e tornada efectiva no tempo"; ou, como observa o Dr. Bernardo Xavier 28,
22 "O alongamento do tempo de trajecto autoriza a que se fale em média de onze horas de trabalho diário para os operários da região parisiense", Jean Dubois, in "Une vie de travail: cycles et durée" (Revue de l'action populaire, 155, fl. 183).
23 Como notou o Sr. Silva Leal, "O regime jurídico do horário de trabalho", in Estudos Sociais e Corporativos, n.° 3, fl. 94, "... esta diversidade ide situações que são coetâneas e que, por vezes, coexistem lado a lado, parece ser suficientemente reveladora do que há de falso na concepção unitária e homogénea de cada tampo - e espacialmente do nosso".
24 "Aproximamo-nos desse absurdo que consiste em o homem trabalhar para se libertar do trabalho...", Silva Leal, in ob. e loc. cit.
25 Émile Rideau, ob. cit, fl. 157.
26 La Durée du Travail..., fl. 207.
27 Ob. cit., fl. 387.
28 Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, anotado, Coimbra, 1969, fl. 91, nota 1 ao artigo 45.°
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é indispensável a delimitarão de um período normal do trabalho, já que ele "representa a dimensão, a medida quantitativa das obrigações do trabalhador" ou, por diferentes palavras, "o quantum da prestação prometida".
12. A conciliarão dos interesses em presença passa, no estádio inicial, por um ponto em que eles se ajustam exemplarmente: o princípio da duração certa.
Este princípio informa a obrigação legal de elaborar o chamado "horário de trabalho".
Imaginem-se, sem dificuldade, os abusos e desarrumos de toda a espécie que em determinadas épocas da História ocasionou, e ainda hoje provocaria, se fosse concebivel, a carência do mínimo de certeza quanto à duração do trabalho.
Em termos actuais, o direito a horário de trabalho, contra o que as aparências porventura denunciem, é digito conferido a ambas as partes para definição temporal exacta e afirmação inequívoca da prestação de trabalho contratualmente devida.
Segue-se que o conhecimento certo da duração do trabalho, segundo o outorgado, é também essencial enquanto por aí se calcula o montante da retribuição. Considerado "o número de horas que o trabalhador se obrigou a prestar" - para repetir o texto da nossa lei do contrato de trabalho (L. C. T.) 29 -, naturalmente que as excedentes devem ser remuneradas à parte 30.
13. A duração certa pode, no entanto, ser excessiva, motivo pelo qual importa, numa segunda fase lógica, estabelecer limites de duração.
Na linha de considerações anteriormente produzidas, e acompanhando de perto o desenvolvimento dado à matéria por um juslaboralista mais de uma vez citado 31, acrescenta-se que o legislador encontra razões, justificativas da limitação legal da duração do trabalho em argumentos:
a) De ordem económica;
b) De carácter social e humano;
c) De natureza espiritual;
d) De significado puramente fisiológico;
e) De valor político-jurídico.
De ordem económica, porque, a partir de determinado momento "a fadiga gera, na relação horas de trabalho-rendimento, uma correspondência inversamente proporcional"; de carácter social e humano, porque deve evitar as consequências negativas do excesso de trabalho e favorecer as de tipo positivo decorrentes da sua duração moderada, que contribuem para o cumprimento dos deveres familiares e sociais; de natureza espiritual, porque o tempo "fora idas horas laborais pode ser consagrado ao adequado desenvolvimento dos valores culturais, morais e religiosos do trabalhador"; de significado fisiológico, pela consideração dos efeitos desastrosos que a fadiga provoca no organismo humano; de valor político-jurídico, por não poder desconhecer que a limitação efectiva da .duração do trabalho encontra o único "instrumento eficaz de realização e de consecução de objectivos no campo do direito e por intermédio da norma".
Como se sabe, a doutrina distingue entre durarão normal do trabalho e duração efectiva do trabalho 32, e tanto as convenções da O. I. T. como as diferentes legislações nacionais, com algumas variantes terminológicas, consagram a distinção.
Do ponto de vista teórico, a limitação mais importante, inclusive porque oferece pontos de referência à do trabalho efectivo, é, sem dúvida, a da duração normal. Representa, aliás, o fulcro de toda a regulamentação da duração do trabalho e, dada a evidência da sua necessidade, entrou de há muito no rol dos "factos" pacificamente generalizados.
As divergências incidiram sempre na opção entre os vários limites possíveis e incidem agora, muito particularmente, sobre o grau de aceitação e os métodos e os ritmos de execução da política de abaixamento progressivo dos limites existentes, na linha do que está recomendado.
Todavia, o nível da duração normal não constitui mais do que uma base de protecção 33 cuja eficácia depende das garantias referentes às condições e à medida em que é excedível.
Por isso, o interesse do legislador começou a ser solicitado pelos problemas da duração efectiva.
A duração efectiva, entendida como o número de horas de trabalho realmente prestadas, pode eventualmente ficar aquém da normal, mas em regra compreende, além desta, as horas extraordinárias e às vezes as que resultam do que se costuma denominar derrogações permanentes 34.
Ora, na hipótese clássica, que é a do trabalho efectivo integrado pelo do período normal e pelo das horas extraordinárias, a circunstância de a estas caber remuneração à parte, e até melhor remuneração, leva a obliterar a correcta posição inicial da questão. Com efeito, a limitação da duração do trabalho tem motivação própria, que o mais generoso pagamento do trabalho suplementar não desvanece nem sequer atenua.
Sem embargo, por isso, da ênfase com que se sublinham os programas de redução espectacular da duração normal, o legislador não fica insensível à experiência, que lhe revela a habituação ao trabalho extraordinário como a via de esquecimento de um ponto de partida: as limitações horárias visam impedir a demasiada fadiga do trabalhador e obter a extensão razoável do seu tempo livre.
O método indirecto do agravamento das percentagens de aumento de remuneração é de incontestável mas relativa utilidade; recorre à solução alternativa de também propor limites à duração efectiva, que se traduzem, na prática, em fixar o máximo diário e o máximo semanal, mensal ou anual das horas extraordinárias permitidas.
14. O esquema da protecção legal completa-se com as regras de distribuição diária c semanal das horas de trabalho a prestar, bem como por intermédio de normas relativas a pausas intercalares e a descansos.
Os descansos são excluídos da "duração do trabalho", no sentido técnico formal da expressão, visto que, de
28 Artigo 45.°-1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
30 A remuneração por melhor preço tem, claro está, outro fundamento.
31 Alonso Garcia, ob. ref., fls. 388 e segs.
32 Cf. La Durée du Travail..., fl. 209.
33 Id., ib.
34 Cf. La Durée du Travail..., fls. 251 e segs. Ver em A Duração do Trabalho, da Dr.a Maria Laura Babaca Gaspar, Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra (P. D. M. O.) (1970), fl. 60, a indicação dos vários casos que, segundo as convenções internacionais, dão origem às chamadas derrogações permanentes e derrogações temporárias. Note-se que entre estas últimas figuraram as provocadas por ocorrência de necessidade de trabalho extraordinário.
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acordo com a definição do artigo 2.° da Convenção n.° 30, durante eles "o pessoal não está ao dispor da entidade patronal".
Todavia, estão-lhe ligados de perto e por título idêntico ao das pausas intercalares.
Ociosa seria, de resto, a demora na explanação dos motivos pelos quais a disciplina das duas matérias deve ser encarada como um todo harmónico e inútil se tomaria esmiuçar os aspectos em que elas são virtualmente incindíveis.
A distribuição do tempo laborai exprime-se pela configuração do horário. Longe de constituir simples complemento, útil, mas acessório, dos limites da duração, representa a sua face concreta e significativa. Embora esta verdade seja axiomática, o desejo de dar soluções imediatas a questões prementes ou mais actuais quase que leva a raciocinar abstraindo dela. Uma das circunstâncias responsáveis pelo desequilíbrio crescente da semana laboral é hoje a pressão no sentido do alargamento do "fim de semana". Como nem sempre se quer, ou se pode, realizá-lo pelo simultâneo encurtamento da duração do trabalho, o método expedito adoptado reduz-se a concentrar o total horário em menos dias dos que os requeridos pela sua distribuição racional. Neste pendor, a inconsiderada parcelação de um regime cuja visão global importa manter conduziria, à coexistência de situações contraditarias, de progresso e regressão, no capitulo de duração do trabalho. Outro limite que tende generalizar-se nas legislações é, por consequência, o do número de horas de trabalho transferíveis dos dias desocupados do rim de semana para qualquer dos dias úteis restantes.
A motivação tradicional das pausais intercalares, pelo menos das que intervalam períodos diurnos, foi o reservar tempo para a refeição do trabalhador, ou, mais precisamente, tampo de descanso coincidente com o aprazado para a refeição. Dos dois motivos, repouso e refeição, cada um condicionava predomimantemente sua regra: o primeiro, a da "localização" da pausa; o segundo, a da extensão do período disponível.
Realidades contemporâneas, infelizmente desagregadoras da vida familiar, começaram por embaraçar os propósitos de sistemática deslocação a casa para almoço, afizeram depois a hábitos por via disso criados e acabaram por instalar em muitos espíritos a ideia de que a redução do intervalo à expressão mais simples bem poderia, interferir como moeda de troca para "compra" da apetecida antecipação da hora do despegar, ao fim do dia. A resignação à força maior desta revolução desencadeada e em curso não é, porém, geral nem irreversível, pelo que o legislador, que deve jogar com as realidades mas não deve forçar-lhes ais consequências duvidosamente benéficas, só pode limitar-se, por enquanto, a permitir maior elasticidade ma fixação da extensão do intervalo.
Desenha-se entretanto maré favorável à introdução de novas pausas de mais curta duração e mesmo de outras pausas de tipo diferente.
Repugna, claro está, "que possam facilitar-se, a título corrente, constantes interrupções que, consideradas nos limites legais" 35 viriam a prolongar o dia laboral.
Uma fórmula imaginada para contornar a dificuldade foge também ao inconveniente de pulverizam o intervalo da hora de almoço em vários descansos de curta dimensão.
Mantém-se o intervalo, reduzido embora, e acrescentam-se-lhe duas ligeiras pausas de dez a quinze minutos, uma de manhã, outra de tarde. Estas duas pausas contam como fazendo parte do tempo de trabalho, e em contrapartida é vedado ao trabalhador que durante elas se afaste do local de serviço 36.
Trata-se, em todo o caso, de experiência recente e restrita, cuja apreciação crítica seria prematuro fazer passar em julgado 37.
15. O principio da limitação da duração do trabalho na formação paradigmática do "dia de oito horas e da semana de quarenta e oito horas", contém em só o princípio do descanso semanal obrigatório 38.
Seria inexacto, porém, afirmar que este represente, como aquele, uma conquista da política social moderna e que ia respectiva inclusão, quer nas convenções internacionais, quer na legislação de todos os países, se revestiu de carácter inovador.
Pelo menos entre os povos civilizados dos dois munidos, o repouso hebdomadário, guardado a rigor e marcadamente festivo, vinha de longe como "a consagração natural da interdição religiosa do trabalho dominical" 39.
À observância meticulosa, levada ao exagero farisaico que o Evangelho fustiga, sucedera, isso sim, depois do espaço de muitos séculos de tradição cristã, uma relativa e crescente insensibilização às transgressões do preceito. Este foi o papel histórico da legislação do trabalho: aditar as suais próprias razões ao "argumento" original como forma de preservar o dia de descanso, numa saciedade, do mesmo passo, ávida de lucro e em fase de dessacralização.
O balanço dos resultados não pode deixar de reputar-se satisfatório, visto que a O. I. T., tendo estudado todas as legislações e práticas nacionais, se sentiu autorizada a concluir que o princípio do descanso semanal é universalmente observado 40.
Vê-se, por outro lado, que o direito constituído se orienta em dois sentidos dominantes:
a) Maior precisão dos elementos integradores do regime normal;
b) Mais apertado condicionamento das excepções.
0 regime normal, na quase totalidade das legislações e dentro da orientação das Convenções n.°s 14 e 106 41, é definido por normas, explícitas ou implícitas, relativas a:
a) Periodicidade;
b) Continuidade;
c) Duração;
35 Dr. Guilhermino Teixeira Ribeiro, in Duração do Trabalho. Problemas Relacionados com o Repouso do Trabalhador (comunicação ao I Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social), II, fls. 115 e segs.
36 La Durée du Travail..., fl. 208.
37 Dada a exiguidade do tempo por tal sorte perdido, não se afigura que o sistema fosse mais ousado do que outros, igualmente excepcionais nuas de mais antiga prática, como é o referente ao trabalho nas minas carboníferas. Segundo o artigo 8.° da Convenção n.° 46, engloba-se na duração do trabalho o tempo de descida ao local subterrâneo e o do regresso à superfície, bem como, na hipótese de entrada por galeria, o que demora a transpô-la antes e depois do trabalho.
38 Le Repos hebdomadaire dans l'Industrie, le Commerce et les Bureaux - Étude des Legislations et des Pratiques Nationales, B. I. T., Genebra, 1964, fls. 337 e segs.
39 Paul Durand e E. Jaussaud, in Traité de Droit du Travail, I, fl. 39.
40 Le Repos hebdomadaire..., cit., fl. 407.
41 Respectivamente sobre o descanso semanal na indústria (25 de Outubro de 1931) e o descanso semanal no comércio e nos escritórios (5 de Junho de 1957).
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d) Modo de cálculo do período de descanso;
e) Simultaneidade do descanso;
f) Fixação do dia de descanso;
g) Respeito das tradições religiosas.
O descamiso de "sebe em sete dias" é quase universalmente imposto, embora segundo fórmulas variáveis. A continuidade afirma-se em regra pela exigência do mínimo de vinte e quatro horas consecutivas, mínimo esse também o da duração, se bem que na prática generalizada lhe seja bastante superior 43. O cálculo do período deve, tanto quanto possível, ser feito de modo a abranger o tempo que vai de meia-noite a meia-noite; tanto quanto possível também, e abstraindo das múltiplas derrogações imperativas e de razão evidente, o período de descanso dos trabalhadoras ocupados no mesmo estabelecimento deve coincidir. Dispensa finalmente qualquer anotação, tão conhecido e justificável é o seu fundamento, a regra do descanso em dia certo, assim como nada parece necessário acrescentar quanto à consideração das tradições religiosas na escolha do dia de descanso, conforme, aliás, à prática internacional.
Tem sido discutido se este princípio do descanso semanal obrigatório conduz ou não à obrigatoriedade, consequente, do pagamento do dia respectivo. O problema 43 situa-se um tanto fora do elenco das questões conexas à regulamentação da duração do trabalho. Em favor da resposta afirmativa, alega-se que o entendimento oposto redundaria em converter o benefício do descanso numa espécie de suspensão forçada do trabalho por prescrição legal, sem o correspondente subsídio 44, e não parece que possa contra-argumentar-se com razão de igual peso. Reata acrescentar que a pertinente disposição da nossa L. C. T. (artigo 54.°-4), no seu cariz programático, tem "mm tom de (recomendação favorável à solução positiva" 45.
As excepções ao princípio "regra do descanso semanal" e à "generalidade" do campo de aplicação do regime são, por sua vez, regulamentadas em termos de se garantirem:
a) Enumeração taxativa das categorias de estabelecimentos e de pessoas excluídas;
b) Condições de desencrajamento do recurso eventual ao trabalho no dia de descanso.
Entre estas condições, figuram com frequência:
a) Repouso compensatório em dia subsequente;
b) Pagamento fortemente oneroso.
16. A matéria de duração de trabalho sugere ao legislador, além das normas substantivas de regulamentação, providências complementares de ordem formal e de processo, bem como instrumentos administrativos de fiscalização e um sistema penal apropriado.
Estão no primeiro caso a formalidade que os relatórios do B. I. T. denominam "notificação do horário de trabalho" e o dever de registo das horas suplementares efectuadas e do montante da correspondente remuneração.
A "notificação do horário de trabalho" é tão antiga como a Convenção de Washington, que expressamente a prevê no antigo 8.°, alíneas a) e b), e concretiza, na prática da vida laboral, por intermédio dos mapas de horário afixados ou ao menos consultáveis pelos trabalhadores, o princípio teórico da duração certa.
A obrigatoriedade do registo bem os mesmos pagamentos [também se lhe refere o artigo 8.° da Convenção n.° 1, agora na alínea c)] e idêntica fundamentação, além de que se impõe como processo eficaz de evitar que, pela via de horas extraordinárias de facto, não remuneradas ou mal remuneradas, se iludam as normas sobre duração máxima do período normal.
A inspecção do trabalho constitui "um aspecto distinto mas essencial da regulamentação do trabalho em geral" 46 e com esse âmbito genérico deu oportunidade à Convenção n.° 81, adoptada em 1947, que dezassete anos depois havia sido mitificada por cinquenta e oito Estados, entoe os quais Portugal 47.
O campo específico da duração do trabalho preenche naturalmente uma quota-parte muito sensível das atribuições inerentes aos serviços de inspecção, do trabalho, como é do saber comum e o artigo 3.° da Convenção já explicita.
Sanções 48, mais ou menos pesadas, completam o sistema de protecção social em matéria de duração do trabalho.
Deve notar-se que algumas legislações, além de penalizarem as transgressões em função da respectiva gravidade, entram em conta com a solidez económica e responsabilidade social presumida dos transgressores.
17. Quando atrás se aludiu às perspectivas do legislador e ao conteúdo normativo das legislações, não se tomaram os conceitos de "legislador" e de "legislação no sentido técnico-jurídico formal. Deu-se às palavras a acepção genérica que permitisse pensar nas fontes de direito reconhecidas nos vários países, e nomeadamente, acompanhando o método adoptado pela recente Recomendação n.° 116, pudesse englobar a "via legislativa, a via regulamentar, a via das convenções colectivas e a das sentenças arbitrais".
A via convencional, sem prejuízo da ultima ratio do interesse público definido e defendido pelo Estado, é com bastante frequência, utilizada para regulamentação da duração do trabalho.
Oferece vantagens, não despiciendas e porventura mal estimadas, que convém enumerar. Assim:
a) Permite ajustar a regulamentação às exigências peculiares e às possibilidades reconhecidas de cada actividade ou grupo de actividades;
b) Assegura, em princípio, dinamismo e relativa maleabilidade ao ordenamento jurídico;
c) Transporta literalmente a regulamentação da duração do trabalho para o quadro das prestações contratuais em que deve inserir-se;
d) Subentende o acordo dos organismos corporativos interessados, visto que eles próprios se exprimem convencionalmente
42 Le Repos hebdomadaire..., cit., fls. 358 e segs.
43 Para melhor conhecimento da questão, ler o estudo do Dr. Almeida Policarpo "Pagamento ou não pagamento ao trabalhador da retribuição correspondente ao dia de descanso semanal", Estudos Sociais e Corporativos, n.° 23, fls. 61 e segs.
44 Alonso Garcia, ob. cit., fl. 401.
45 Drs. J. Almeida Policarpo e A. Monteiro Fernandes, Lei do Contrato de Trabalho, anotado, Coimbra, 1970, fl. 137, n. 12 ao artigo 54.°
46 La Durée du Travail..., cit., fl. 277.
47 Vide também Convenção n.° 30, artigo 11.º, § 1.°, e Recomendação n.° 116, § 21.°-a.
48 Sobre o ilícito criminal em direito do trabalho, cf. Dr. Mário Bigote Chorão, Direito do Trabalho (lições policopiadas, 1969), fls. 194 e segs.
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§ 5.º
Antecedentes históricos remotos
18. Para o jurista, ao menos para esse, não tem hoje grande sentido preocupar-se com o problema da duração do trabalho senão enquanto se reporta ao trabalho subordinado 49.
O trabalhador autónomo ou por conta própria, o profissional de actividade livre, para não dizer o artista e o puro diletante, dispõem do seu tempo: repartem-no em períodos de trabalho e de lazer, interrompem quando lhes apraz o esforço produtivo, graduam-lhe a intensidade e marcam-lhe o ritmo, ou seja, na linguagem que vem a jeito..., elaboram, cumprem e fiscalizam o seu próprio horário de trabalho. Ultrapassam, decerto, algumas vezes os devidos limites, comprometendo a saúde ou cerceando oportunidades de imprimir à sua vida rumos de ocupação desinteressada. Agem, no entanto, por decisão livre da vontade, ainda quando esta lhes determine prejuízos irremediáveis; não directamente compelidos pelas injunções de entidade em cuja subordinação jurídica e sob cuja dependência económica se encontrem.
Caso singular é que exactamente nos antípodas sociológicos destes "trabalhadores" desonerados de vínculos coercivos se situassem homens em relação aos quais teria sido inimaginável e será desapiedada ironia pôr também o problema da duração do trabalho. Os escravos, evidentemente.
A filosofia do trabalho na Antiguidade, mundo clássico não exceptuado, decorria a partir do que alguém denominou, por palavras de Aristóteles, a aceitação da fatalidade de uma ordem natural. Segundo esta, o escravo estaria predestinado ao trabalho, sem discriminação de tempo e sem limitações horárias, para que o homem digno desse nome pudesse aplicar-se à actividade desinteressada da vida intelectual e da vida civil 50.
Tem-se contestado, é certo, a validade do juízo sumário segundo o qual o mundo antigo desprezava todo o labor produtivo, e afirmado, contra a opinião mais difundida, que a Antiguidade não chegou a "formular uma filosofia geral do trabalho". Quando muito, a sociedade helénica, porque desta se trata principalmente, teria estabelecido uma hierarquia de trabalhos paralela à hierarquia das classes 51.
A posição relativa do trabalhador nessa hierarquia, se de algum modo a reflecte a República ideal de Platão, sabemos de sobra qual era. E a actividade do escravo só poderia ser, em todo o caso como de facto foi, a menos nobre e a mais dura.
Se a utilidade dos escravos, como nos deixou Aristóteles, era, à semelhança da dos brutos, a de ajudarem "com as forças do corpo a satisfazer as necessidades da existência" 52, não seria aventuroso suspeitar que o limite temporal do seu esforço acompanhava o da própria resistência física; se algumas circunstâncias inspiravam acaso a poupá-la, não eram decerto as do seu interesse ou direito.
Discreteando de tal sorte os claros gregos, seria ocioso inquirir dos trabalhadores mais ou menos forçados que juntaram pedra para as pirâmides faraónicas, dos construtores de Korsabad e Babilónia, dos remadores das embarcações fenícias, sobre se alguém lhes contou as horas de labor violento ou defendeu os instantes de repouso.
Como o trabalho subordinado livre ou era desconhecido ou de minguado aproveitamento, o regime de trabalho servil, com todas as implicações em matéria de duração, dominou o mundo pré- cristão, deixando de si desoladora imagem.
19. São escassas naturalmente as notícias sobre a matéria no que respeita à alta Idade Média e, de um modo genérico, ao período que antecede o regime gremial.
E escassíssimas seriam, ao que tudo leva a pensar, as normas que por então definiam esta "instituição do dia laboral" 53.
As corporações, porém, não a ignoraram. A jornada de trabalho obedecia a limites, a semana tinha um "dia do Senhor" rigorosamente prescrito, a roda do ano encontrava os seus dias santificados de preceito.
Segundo se tira do famoso Livre dos Métiers, de Paris, devido a Étienne Boileau, contemporâneo de S. Luís, rei de França, o trabalho não ultrapassava em regra nove a dez horas durante o Inverno e doze horas durante o Verão 54. O número de dias feriados, compreendendo domingos e festividades, atingia decerto oitenta e dois, mas parece que chegava a orçar pela centena.
Estes regimentos eram, afinal, tão meticulosos que por lá se descobre, a par dos cuidados com as horas de abertura dos locais do ofício e o despegar dos obreiros, nada menos do que a previsão do que se poderia chamar, sem grande desaforo de linguagem, o condicionamento do trabalho extraordinário. Com efeito, no citado Livre des Métiers, está uma norma do regulamento dos tecelões segundo a qual "ninguém deste ofício deve começar o trabalho antes do nascer do Sol, sob pena de multa, salvo para acabar o tecido urgente, e apenas um dia". Quanto aos "criados dos tecelões", diz-se-nos que deviam largar o serviço "ao soar da primeira badalada de vésperas".
Também os regimentos das nossas corporações se ocuparam da regulamentação do trabalho e capítulos afins. Estabeleciam, por exemplo, "o horário da abertura das tendas, desde o sol saído até às 4 horas no Inverno e até às 6 horas no Verão" 55.
As câmaras, por sua vez, não se eximiam a dizer de sua justiça. "... Conhece-se uma postura da Câmara do Porto, de 1401, segundo a qual os mestres da referida cidade não deveriam fazer qualquer obra desde o sabbado sol posto até segunda feira sol sahido. Semelhante disposição se continha nas posturas, municipais de Sesimbra, aliás de harmonia com o que se estabelecia nas próprias Ordenações Afonsinas, livro I, t. 62, § 15.°, e livro III, t. 36, § 1.°, sendo de crer que o mesmo preceito se encontrava nas posturas de muitos outros concelhos" 56.
Virá ao caso pensar que a hodierna competência municipal para fixar os chamados períodos de abertura (porque mais longe não vai) se louva em boa tradição e enraíza nos mais ilustres precedentes.
Mas há mais. Não deixará de surpreender que, mesmo em domínio geralmente havido como objecto dos primeiros cuidados por parte dos nossos contemporâneos, a Idade Média se nos tenha atrevidamente antecipado.
49 "O direito do trabalho desatende ao trabalho independente: supõe sempre um estado de subordinação do trabalhador", Paul Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 7.
50 Leonel Franca, "Cristianismo e trabalho", in A Crise do Mundo Moderno, Lisboa, 1945, fl. 318.
51 É a opinião expressa, entre outros, por Paul Durand e R. Jaussaud, ob cit., fls. 8 e segs.
52 Política, livro I, capítulo II, § 14, ap. Leonel Franca, ob. e loc. cit.
53 Alonso Garcia, ob. cit., fl. 387.
54 Prof. Soares Martinez, "Curso de Direito Corporativo", I, Lisboa, 1962, fl. 25.
55 Id., ib., fl. 38.
56 Id., ib.
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Franz Funck- Brentano, o eminente historiador da França medieval, assevera que "os mestres franceses praticavam a semana inglesa, que era portanto nos séculos XII e XII a semana francesa..." 57. E, com mal escondida ironia, continua:
Dos franceses passou aos ingleses, cujo espírito tradicionalista a soube conservar. Da Inglaterra reentra em França: desbaptizada.
20. A concepção materialista do trabalho, surgida por alturas do Renascimento, afirma-se, ganha terreno e altera todos os dados da questão. A visão antropocêntrica do mundo descobrira o ideal do bem- estar, inatingível sem o amplo desenvolvimento dos recursos materiais.
Mas se o trabalho é assim mero instrumento da criação da riqueza, esta finalidade dá o critério, de ordem puramente quantitativa, para o avaliar 56. Como impedir que a sua duração cresça, avassaladora 56-a, quando se pretende que os bens terrenos na mesma proporção se acumulem?
Pois veio a pretender-se isso mesmo: a concepção materialista do trabalho serviu a política de enriquecimento que foi o colbertismo. Por fins do século XVII, no afã de alcançar a todo o custo a prosperidade colectiva, a situação dos trabalhadores piorara de maneira sensível e encontram-se já em França operários das incipientes indústrias cujo dia profissional se inicia às 5 horas de antes de alva e se prolonga até noite fechada.
Todavia, o processo de subversão de valores que deslocou gradualmente o eixo da economia "do homem para a produção, do sujeito para o objecto, da pessoa para a coisa" 59 estava longe de concluir-se. Entravam agora nele, não importa se a título diverso, o liberalismo económico, de um lado, a revolução industrial, por outro.
Imolado o que ainda restava das antigas instituições e protecções corporativas nas aras dos "direitos do homem"... ou da reverência à Carta Constitucional, a sofreguidão dos industriais da segunda vaga exige e a coerente passividade do Estado permite a exorbitância dos dias laborais com 14, 16, até 18 horas.
A exploração do trabalho infantil é o índice mais sintomático dos extremos a que a sede do lucro arrastara um egoísmo bravio. Fala- se- nos de crianças de seis a oito anos, levantadas às 5 horas da manhã para trabalharem na indústria têxtil, de pé, sem poderem mover-se, durante dezasseis e dezassete horas 60.
Mas esta situação calamitosa começou a ser divulgada
Um inquérito de Villermé, efectuado em 1835 e 1836, permitiu que quatro anos depois se visse o triste sudário de abusos da duração do trabalho estampado nas páginas do famoso. "Tableau de l'état physique et moral des ouvriers employés dans les manufactures de soie, coton et laine" 61. Na Inglaterra, o relatório Ashlev, visando sobretudo os excessos quanto à utilização do trabalho feminino e o dos menores, parece não ter feito menor impressão.
O conhecimento público da situação global e o misto de reacção compadecida e de reivindicação impaciente que o acompanharam ou se lhe seguiram iam determinar uma viragem significativa.
Como foi lapidarmente observado 62, "também neste campo o individualismo se viu forçado a abdicar da conclusão abstracta dos seus princípios".
§ 6.º
A regulamentação da duração do trabalho antes e depois da Convenção de Washington
21. A reacção contra os inomináveis excessos da duração do trabalho ganha corpo no segundo quartel do século XIX. Mas já anteriormente se desenhara aqui e ali um primeiro esboço de regulamentação.
Concretiza-se de início na atenuação das situações que mais expressivamente tocavam a sensibilidade pública, obtendo-se o que alguém denominou "protecção pietista dos mais débeis" 63 Contemplam-se, assim, os casos de manifesta exploração da mão-de-obra feminina e infantil.
Conjuntamente com a proibição de admissão ao trabalho antes de determinada idade - e a tanto haviam chegado os abusos que fixá-la nos nove anos completos, como aconteceu em Inglaterra, se afigurou então generoso benefício -, impede-se o emprego de menores em certos trabalhos nocturnas e o das mulheres no trabalho subterrâneo das minas.
Aquele primeiro passo foi dado nos alvores do século, o segundo alguns anos mais tarde.
A França, seguindo a Inglaterra neste contramovimento, como a seguira na génese dos factos que o ocasionaram, ia atrasar-se um tanto. Com efeito, "arrancou" sòmente com a Lei de 22 de Março de 1841, relativa a trabalho infantil. Proibiu o emprego, nas fábricas e estabelecimentos manufactureiros, de crianças com menos de oito anos e limitou a oito horas por dia o trabalho dos menores dos oito aos doze anos e a doze horas o dos menores de doze a dezasseis anos. Impôs o descanso dominical e dos dias, feriados até aos dezasseis anos e impediu que até aos treze se trabalhasse de noite 64.
Na vizinha Espanha, surgiu em 1873 a primeira lei de carácter social e, para não fugir à regra, tendo igualmente por objecto o trabalho de mulheres e de crianças.
Sobre duração do trabalho pròpriamente dita, o primeiro ensaio de limitação tentou-o o Reino Unido em 1833 e abrangendo os menores: o máximo diário vinha até dez horas.
Depois começaram a surgir em diversos países leis de âmbito mais genérico, aplicáveis aos adultos, que ao longo do século XIX 65 trouxeram, progressivamente, o limite a doze, a onze, por fim a dez horas 66.
Parece que muitas destas normas, sobretudo as que tiveram lugar de pioneiras, foram imperfeitamente cumpridas, o que em boa verdade não pode espantar, mesmo
57 Le Moyen Âge, 7.ª ed., fl. 329.
58 Leonel Franca, ob. cit., fl. 326.
58-a No sonho dos utopistas, que têm a sua filosofia do ócio, anda a redução da duração do trabalho.
Tomas Morus "decreta" para todos os habitantes da Utopia o dia de seis horas do trabalho, ao passo que Campanella não o deixa ir na Cidade do Sol além de quatro horas ...
Vide Gonzalez Seara "O ócio e o tempo livre", in Opinión Pública o Comunicación de Masas, Barcelona, 1968, fls. 74 e segs.
59 Leonel Franca, ob. e loc. cit.
60 Ed. Dolléans, Histoire du mouvement ouvrier, 2.ª ed., t. I, fl. 23, cit. por P. Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 74.
61 P. Durand e R. Jaussaud referem ainda, quanto ao seu país, entre outros: "Discours sur quelques recherches de statistique comparée faites sur Mulhouse", 1828, de A. Penot;
"De la misère des ouvrieurs et de la marche à suivre pour y remédier", 1832, do barão de Morogues; "Nantes au XIX siècle",
1835, do Dr. Guépin.
62 Doutor Lúcio Craveiro da Silva, A idade do Social, 1952, fl. 118.
63 Miguel H. Marquez, in Derecho del Trabajo, 1946, fl. 34, ref. por Lúcio Craveiro da Silva, ob. cit., fl. 120.
64 Touren, "La loi de 1841 sur le travail des enfants", cit. por P. Durand e R. Jaussaud, ob. ref., fl. 75.
65 Sabe-se ser muito completo um estudo de Charles Rist intitulado "La durée du travail dans l'industrie française de 1820 à 1870", e que parece ter sido publicado na Revue d'economie politique, em 1897.
66 La Durée du Travail..., fl. 193.
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abstraindo do conhecimento da força de certas resistências e do entrave de certas rotinas, quem imagine como seriam precários os instrumentos estaduais da sua fiscalização.
Não importa: o passo irreversível fora dado. Agora, a Europa oitocentista, que vira configurar-se, em toda a sua dimensão e gravidade, a questão social, teria de habituar-se, de bom ou mau grado, à intromissão, às exigências crescentes de um direito do trabalho.
22. Para além do impacte emocional que constituiu a causa próxima do seu aparecimento ao arrepio da maré política liberal, a intervenção legal no mundo do trabalho foi accionada, claro está, por factores inteligentes e acções organizadas.
Paul Durand e R. Jaussaud 67 reduzem as influências determinantes das preocupações sociais e inspiradoras da formação do direito do trabalho ao seguinte elenco:
a) As ideologias novas, na linha de crítica ao liberalismo, tanto as favoráveis como as hostis ao capitalismo;
b) As influências jurídicas, em reacção contra a teoria da autonomia da vontade;
c) A acção dos meios de trabalho, nomeadamente com o renascimento das organizações profissionais;
d) As transformações profundas do meio económico, que o levaram a "encontrar" a face económica e o interesse produtivo da regulamentação do trabalho.
Abarcando mais dilatada época e referindo-se, menos no plano do pensamento inspirador do que no das realizações imediatas, especìficamente à regulamentação da duração do trabalho e em concreto à limitação do dia laboral, outros autores 68 dão esta variante:
a)A actividade reinvindicativa das organizações sindicais;
b) A acção de determinados políticos e sociólogos;
c) A acção social católica;
d) A influência e a pressão dos organismos internacionais especializados.
Será desnecessário encarecer o papel relevante que durante o século passado coube às organizações operárias na aceleração do processo de redução da duração do trabalho. Fosse qual fosse o quadrante ideológico em que se inscrevessem e a formação mental dos seus guias, fizeram dos limites legais do horário de trabalho, para si próprios uma questão de princípio, em face dos seus interlocutores patronais e governamentais uma questão fechada.
Na cadência proverbial deste tipo de acção reivindicativa, cada objectivo conquistado foi apenas o degrau para uma escalada, e não tardou que a Europa industrializada visse agitar-se a bandeira das "oito horas de trabalho".
Enquanto, porém, as organizações de vários matizes, desde as de filiação socialista- reformista às dos católicos-sociais, contribuíam com assinalável influência directa para a articulação de legislação do trabalho progressivamente mais generosa, as de inspiração marxista, cuja lógica doutrinária as desinteressava do melhoramento de uma sociedade que devia ruir na catástrofe, fincavam-se em posição crítica absoluta que as servia e não comprometia.
Entretanto, os próprios liberais começaram a ser permeáveis ao ambiente cada vez mais homogéneo e "a não aceitar a indiferença da doutrina clássica em matéria social".
Em breve todos reconheceriam que a acção do legislador no domínio da regulamentação do trabalho corresponde ao interesse geral 69.
O problema do futuro seria não já o da indispensabilidade e da legitimidade da intervenção legislativa, mas o dos seus limites, ou, antes, o de descobrir a fórmula técnica da distribuição de "competências", que, reservando para o Estado os aspectos de interesse e ordem pública, confie aos corpos intermédios a harmonia dos interesses particulares que representam. Embora com muito menos agudeza do que noutros capítulos da política social, também a duração do trabalho ofereceu campo a essa discussão.
Transposto o dissídio da zona dos princípios para o domínio dos processos, socialistas e católicos desencontram-se e a Rerum Novarum não deixou de o assinalar.
23. A importância da Rerum Novarum não pode medir-se, evidentemente, pelo seu conteúdo e pela sua forma, nem mais denso aquele nem esta mais expressiva do que os das obras representativas anteriores da escola social católica. Afere-se, sobretudo, pelo facto de constituir uma definição oficial da doutrina da Igreja sobre tema candente, que tinha graves implicações morais e religiosas.
Ora, quando em 1891 Leão XIII se ocupou da "condição dos operários", a questão do prolongamento demasiado da jornada de trabalho continuava na ordem do dia.
"Não é justo nem humano", escreve o Pontífice, "exigir do homem tanto trabalha a ponto de fazer, pelo excesso de fadiga, embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo.
A actividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar."
Leão XIII, noutro passo, aponta para a necessidade de se fixarem, além do máximo inultrapassável -"o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força das trabalhadores" -, limites especiais proporcionados "à natureza do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar". E concretiza o seu pensamento:
O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos debaixo da terra, sendo mais pesado e nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta.
Também o "trabalho excessivo e desproporcionado com a idade e sexo" do operário suscita a sua atenção e determina um enérgico apelo à imposição "da força e da autoridade das leis".
Noutro passo é ainda mais explícito:
Enfim, o que um homem válido e na força da idade pode fazer não será equitativo exigi-lo de uma mulher ou de uma criança. Sobretudo a infância - e isto deve ser especialmente observado -, não deve entrar na oficina senão depois que a idade tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físicas, intelectuais e morais, e sem prejuízo da sua educação.
67 Traité de Droit du Travail, cit., fls. 76 a 100.
68 Perez Botija: Curso de Derecho del Trabajo, 7.ª ed., fls. 164-168, Alonso Garcia: ob. cit., fl. 389.
69.Cf Paul Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 89.
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Sobre os períodos de repouso diário, adianta esta regra geral: "A sua duração deve medir-se pelo dispêndio das forças que tem de reconstituir."
Finalmente, o descanso dominical. Adverte a esse respeito que o repouso festivo, permitindo chamar o homem "ao pensamento dos bens celestes", não equivale a estar ocioso por largo espaço de tempo "e muito menos significa a inacção total" 70. Não se dirá, na perspectiva hodierna, que a observação seja destituída de interesse.
A Quadragesimo Anno refere-se ainda ao trabalho de mulheres e de menores; depois, solicitadas as preocupações da Igreja para novos e mais complexos problemas de natureza social, rareiam naturalmente as alusões das encíclicas à duração do trabalho e matérias conexas.
24. O limite das dez horas estava mais ou menos generalizado na Europa quando esta se envolveu na 1.ª Grande Guerra. Durante as hostilidades propugnaram várias organizações operárias por que a futura paz engendrasse a melhoria de condição dos trabalhadores, e tal esperança não foi iludida.
Logo o Tratado de Versalhes, no seu artigo 427.°, convidava todas as nações a aderir ao dia de oito horas 71.
Encadeiam-se depois os elos que da solene afirmação de princípio ao mais alto nível das potências, passando pelas declarações programáticas no domínio internacional e pelas normas dispositivas das várias convenções sobre a matéria, conduzem à generalização dos limites nas legislações dos países ratificantes e forçam a decisão dos mais lentos a mover-se.
Por ordem cronológica, temos logo a seguir ao Tratado de Paz o preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (O. I. T.) 72. Na primeira fila das providências urgentes destinadas a melhorar a condição dos trabalhadores, inscrevia-se a regulamentação da duração do trabalho.
E no artigo 41.° da Constituição aparecem como objectivos a atingir a adopção do dia de oito horas e da semana de quarenta e oito horas, a instituição do descanso semanal, tanto quanto possível ao domingo, a eliminação do trabalho infantil e o condicionamento do trabalho dos adolescentes.
Nada surpreende, portanto, uma vez aproximada esta linha de orientação da empenhante sugestão do Tratado, que o ponto n.° 1 da ordem do dia da l.ª sessão da Conferência Geral da O.I.T., convocada para Outubro de 1919, fosse a questão da aplicação do princípio do dia de oito horas ou da semana de quarenta e oito horas.
Daí proveio a Convenção n.° 1, vulgarmente conhecida por Convenção de Washington, sobre duração do trabalho na indústria 73.
A importância histórica do documento, cujo contexto por muito divulgado parece desnecessário acompanhar em pormenor, advém de que ele representa o passo decisivo no sentido de atenuar a desigualdade das condições de trabalho na ordem internacional. É este, aliás, segundo os dizeres do preâmbulo da respectiva Constituição, um dos três motivos que inspiraram a criação da O.I.T. e conduziram à concepção universalista da sua acção 74. E, no entanto, a diversidade de situações nacionais começou logo por fazer-se lembrar, e nada menos de cinco artigos da, Convenção (n.ºs 9 a 13) tiveram de acolher as reservas de países presentes na Conferência, tanto acerca do campo de aplicação do instrumento internacional como do seu conteúdo normativo.
A Convenção de Washington é a primeira de uma série extensa de documentos sobre duração do trabalho integrada por catorze convenções e dez recomendações 75 sem contar os respeitantes a matérias afins, tais como o descanso semanal e o trabalho nocturno 76, adoptados entre 1919 e 1962. Merece referência à parte, pelo quase rigoroso paralelismo com a Convenção n.° 1, a Convenção n.° 30, sobre duração do trabalho no comércio e nos escritórios.
25. Quando o dia de oito horas e a semana de quarenta e oito eram princípio avocado pela grande maioria das legislações nacionais, circunstâncias de ordem técnica e económica compeliam a repensar a questão da duração do trabalho e a, reformular as soluções em termos algo diversos dos termos clássicos.
Ficavam já muito distantes, no tempo e na ordem dos cuidados, os horários pletóricos que um século atrás envolviam sobretudo a consideração da saúde dos trabalhadores e hipotèticamente a da salvaguarda do mínimo da sua disponibilidade. E ainda mal assomavam no espírito dos mais resolutos e ambiciosos os ideais cuja concretização havia de implicar novos arranjos e encurtamentos da semana laboral.
Por então, ao passo que a racionalização das tarefas e a mecanização do trabalho possibilitavam acréscimos do rendimento- hora, o surto de desemprego subsequente à crise económica de 1929 encontrava na redução do tempo de laboração uma das terapêuticas eficazes 77.
Em 1932 o Bureau Internacional du Travail (B.I.T.) era convidado pela Conferência Geral da O.I.T. a estudar a regulamentação internacional destinada a introduzir a semana de quarenta horas nos países industrializados.
Como já foi salientado 78, o direito do trabalho começava a ser utilizado como arma de estratégia económica.
O problema foi encarado alternativamente segundo dois métodos: ou regulamentação de carácter geral ou regulamentação de carácter especial, a abranger sucessivamente vários sectores 79. Abandonado o primeiro, por não ter conseguido maioria de votos na sessão de 1934 o projecto correspondente, por caminho mais realista chegou-se em 1935 à adopção da Convenção n.° 47, vulgarmente conhecida pela "Convenção das quarenta horas".
Os considerandos introdutórios justificam-na frontalmente com o "desemprego, que em extensão e duração assumiu proporções tais que milhões de trabalhadores sofreram misérias e privações", de que importava aliviá-los; não deixam, porém, de escudar-se numa razão positiva, a de que "seria desejável que os trabalhadores fossem postos em condições de na medida do possível
70 Rerum Novarum, in A Igreja e a Questão Social, U. G., 4.ª ed., 1955, fls. 61 a 66.
71 Idêntica proposição consta do Tratado de Saint-Germain.
72 A progressiva autonomia da O.I.T. em relação à Sociedade das Nações e aos seus preconceitos políticos não foi a razão menor do prestígio de que gozou e ainda goza.
73 Ratificada por Portugal em 3 de Abril de 1928 (Decreto n.º 15 361).
74 Cf. Paul Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 279.
75 Vide a sua enumeração in La Durée do Travail..., fl. 195, n. 6.
76 De importância fundamental as Convenções n.ºs 4 e 89 (trabalho nocturno das mulheres), n.° 6 (trabalho nocturno de menores), n.° 14 (descanso semanal na indústria) e n.° 106 (descanso semanal no comércio e escritórios).
77 Durée du Travail et chômage, B.I.T., 1933, fls. 87 e segs; L. Barachi, Diritto Corporativo e Diritto del Lavoro, 1942, vol. II, fl. 89.
78 E. Wagemann, La Stratégie économique, ref. por Paul Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 99.
79 La Durée du Travail ..., fls. 194-195.
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participarem nos benefícios dos progressos cujo desenvolvimento rápido caracteriza a indústria moderna" 80.
Esta motivação nova é o que acima de tudo fica da Convenção n.° 47, já que o seu conteúdo não é tão ambicioso como geralmente se afirma e a sua história parece saldar-se por constantes malogros.
Na verdade, o artigo 1.º apenas prescreve aos eventuais membros ratificantes que "se declarem em favor:
a) Do princípio da semana de quarenta horas aplicado de maneira a que não provoque diminuição do nível de vida dos trabalhadores;
b) Da adopção ou do encorajamento das providências que forem julgadas apropriadas para atingir essa finalidade;
e se comprometam a aplicar o princípio de acordo com as disposições particulares a prescrever pelas convenções que venham a ser por eles ratificadas".
Ora, não obstante se ter aguardado para a entrada em vigor o dia 23 de Junho de 1957, dez anos depois desta data apenas ainda havia sido ratificada por quatro países.
Como quer que seja, embora depois de 1932 91 se deslocasse o centro nevrálgico das preocupações no domínio económico e as incidências da 2.ª Guerra Mundial e do período de reconstrução que se seguiu travassem a evolução desenhada, pode aventar-se que aquela data marcou o início de uma tendência que está ainda em progressão.
A questão da duração do trabalho quase deixa de reportar-se à fadiga e ao repouso do trabalhador, tanto avultam outras determinantes e tanto se esbatem em novas formas de cansaço, ocasionadas pelo desejo de tempo livre e pelos complicados arranjos a que não raro obriga 83 as vantagens, para o equilíbrio físico e psíquico, decorrentes da fuga aos deveres profissionais.
Do que não subsiste nenhuma dúvida é de que o objectivo das reduções da duração do trabalho se encontra na progressiva desocupação da semana para que no tempo livre caibam as múltiplas formas de realização do "homem- trabalhador".
26. A Recomendação n.° 116, sobre redução da duração do trabalho, foi adoptada em 26 de Junho de 1962. Tem, portanto, a maior actualidade e justifica breves anotações.
A primeira será, naturalmente, para adiantar o significado que pode atribuir-se ao próprio facto de, vinte e sete anos após a Convenção n.° 47, um texto da O.I.T., orientado para a obtenção universal da semana de quarenta horas, se necessário por fases, revestir a forma de simples recomendação. Como se sabe, de acordo com o artigo 19.°-1 da Constituição da O.I.T., a adopção de propostas relativas a pontos da ordem do dia toma a forma de recomendação "quando o objecto tratado ou um dos seus aspectos não se presta à adopção imediata de uma convenção".
Talvez que a desencorajadora experiência da "Convenção das quarenta horas" tenha sido a conselheira da realismo com que a O.I.T. elaborou o seu programa de redução da duração do trabalho.
Ressalta, por outro lado, quer do preâmbulo, quer do texto adoptado, que a conferência genebrina não se deixou enredar pelo preconceito da uniformidade a todo o custo ou sucumbir à tentação de propor uma política de efectivação imediata e incontrolada.
Assim, preconiza que "nos casos em que a duração normal de trabalho ultrapasse quarenta e oito horas se providencie para a trazer a esse nível" (§ 5.°) e que nos casos em que já se encontre de acordo com a Convenção n.° 1 se encare como objectivo de realização progressiva a "norma social" da Convenção n.° 47 (preâmbulo), "encarada e aplicada de forma correspondente às diversas condições nacionais e às condições próprias a cada sector da actividade económica" (§ 6.°).
E o § 7.° concretiza as circunstâncias que devem ser tidas em conta. São, entre outras, as seguintes:
a) O nível de desenvolvimento económico e as possibilidades de proceder à redução da duração do trabalho, sem por isso diminuir a produção global e a produtividade ou pôr em perigo a expansão económica ou desenvolvimento de novas indústrias ou a posição concorrencial do país no mercado internacional e sem provocar uma pressão inflacionista que diminuiria no fim de contas os proventos reais dos trabalhadores;
b) Os progressos técnicos utilizáveis para o aumento da produtividade;
c) A necessidade, quanto aos países em via de desenvolvimento, de elevar o nível de vida da respectiva população.
Prevê, por outro lado (§ 3.°), que o princípio seja aplicado "por via legislativa, por via regulamentar, por via de convenções colectivas ou de sentenças arbitrais, por uma combinação destes vários meios ou por qualquer outra forma que esteja de harmonia com a prática nacional, segundo o método mais apropriado às condições nacionais e às necessidades de cada ramo de actividade" 83.
Como reagiram os diferentes países ao teor da parte inovadora da recomendação?
Demos a palavra ao relatório do B.I.T. 81: "Um grande número de Governos informou das dificuldades económicas que devem ser vencidas antes que possa ser introduzida mais curta duração do trabalho." E prossegue: "Certos relatórios dos Governos sublinham o facto de que a redução das horas de trabalho deve ser precedida por um aumento da produtividade e por uma redução dos custos de produção (Noruega e Marrocos). Outros salientam, por sua vez, que 'a redução seria de momento incompatível com os programas económicos' (v. g. Espanha) ou 'afectariam o nível de vida dos trabalhadores' (Áustria, Cuba). 'O problema especial das repercussões de uma redução da duração do trabalho no plano do mercado internacional é algumas vezes mencionado' (v. g. Itália), 'assim como a situação especial quando há carência de mão-de-obra' (Áustria e Canadá). Muitos outros, entre as quais o Brasil, o Chile e a China, 'indicam
80 Cf. Conventions et Recommandations, 1919-1966, ed. do B.I.T., 1966, fls. 319 a 321.
81 A Lei de 21 de Junho de 1936, que em França abre a "primeira fase" da vigência da semana de quarenta horas, invoca ainda a necessidade de lutar contra o desemprego (Paul Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 99).
82 Muito recentemente houve notícia de uma experiência de determinados sectores - piloto da indústria americana. A novidade que, não sabemos se com fundamento sério, apareceu avalizada pela autoridade de Paul Samuélson, consistiria em edificar a "semana de quarenta horas e quatro dias". Três dias de folga e quatro de labor ao preço mínimo de dez horas de trabalho diário...
83 Texto segundo a versão francesa, em Conventions et Recommandations, 1919-1966, ed. do B.I.T., fls. 1168 e segs.
84 La Durée du Travail..., fls. 281 e segs.
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apenas, em termos gerais, que a redução da duração do trabalho seria incompatível com a situação económica actual do país."
Por tudo isso, o B.I.T. sentiu-se habilitado a afirmar, nas conclusões gerais 85: "Grande número de países explicou nos seus relatórios que, no estado actual do seu desenvolvimento, a sua preocupação mais vital respeita à criação e desenvolvimento dos recursos e que este objectivo se arrisca a ser comprometido por qualquer redução importante da duração do trabalho. Mesmo alguns países fortemente industrializados, onde se verifica falta de mão-de-obra, aludem a problemas deste género."
Não deixa, em contrapartida, de considerar "significativo que certo número de países em via de desenvolvimento de diferentes partes do Mundo denunciem claramente nos seus relatórios a vontade de reduzir progressivamente a duração do trabalho, na medida em que o desenvolvimento económico o permita".
Finalmente, o B.I.T. faz uma revelação curiosa: "Certos Governos mencionaram também o facto de os trabalhadores preferirem um aumento de proventos a um acréscimo de lazer, ou que este revista a forma de férias mais prolongadas em vez de se traduzir no encurtamento da semana de trabalho."
Todas estas informações são extraídas do Relatório da Comissão de Peritos para a Aplicação das Convenções e Recomendações, apresentado à 37.ª sessão (1967). A experiência conhecida representa um valioso tema de reflexão.
27. Seria fastidiosa e de problemático interesse uma esmiuçada, resenha de direito comparado. Por um lado, as legislações nacionais, dada a universalidade e o bom crédito da O.I.T., traduzem nas grandes linhas gerais a orientação deste organismo internacional. Por outro lado, as práticas nacionais em certos casos adiantaram-se às exigências mínimas dos preceitos legislados e noutros casos, porventura, não os terão efectivamente alcançado.
Muito mais, portanto, do que a inserção de quadros estatísticos completos ou a descrição exaustiva dos vários regimes jurídicos 86, cabe salientar constantes verificadas e reter alguns aspectos singulares dignos de nota.
Preliminarmente estabeleçamos como ponto incontroverso que, ao contrário do que o conhecimento superficial dos menos bem informados permite às vezes insinuar, os máximos "oito horas diárias - quarenta e oito semanais" 86-a não estão ainda no arquivo de recordações da Convenção de Washington, que pela primeira vez lhes deu foros de cidade. Nada menos do que trinta e cinco países os mantém, e entre eles países tão evoluídos e prósperos como a Alemanha Federal e o Japão 87.
No extremo oposto, com o limite máximo legal de quarenta horas, situam-se, além de vários países africanos "francófonos", os seguintes seis países: Austrália, Canadá, Estados Unidos, Finlândia, França e Nova Zelândia.
Recorde-se depois que todos estes máximos são apenas "máximos legais" e "máximos dos períodos normais de trabalho". A dupla reserva permite acautelar contra dois equívocos frequentes e de sinal contrário.
Porque são "máximos" para o comum das actividades e dos profissionais, a sua verificação não exclui, antes admite, a existência de mais baixos limites estabelecidos pelas convenções colectivas 88 quanto aos vários sectores: porque são "máximos legais" não traduzem sempre o nível, mesmo o nível médio, dos horários efectivamente existentes.
Em contrapartida, a circunstância de figurar como dado oficial determinado "máximo" inferior a quarenta e oito horas, verbi gratia o das recomendadas quarenta horas, significa não raras vezes, na ordem dos factos, apenas que as horas de trabalho excedentes, teòricamente em número ilimitado, valem melhor remuneração do que a remuneração normal.
Parece mais vulgar, aliás, dentro de uma orientação lògicamente consequente da definida logo na Convenção de Washington (artigo 5.°), a redução dos máximos semanais do que o encurtamento dos máximos diários.
Alguns arranjos horários das impròpriamente chamadas "semana inglesa" e "semana americana" (os que não consistem na mera transposição para cinco dias e meio ou para cinco dias das originárias quarenta e oito horas) representam, assim, processo indirecto de obter, com relativo prejuízo do máximo diário, determinada redução do período semanal.
Pelo trabalho suplementar é devida geralmente remuneração acrescida, mas já os regimes divergem quando se trata da percentagem de aumento, tanto relativamente à percentagem em si quanto ao seu carácter de taxa fixa ou progressiva. Se algumas legislações condicionam a legitimidade das horas extraordinárias e as limitam quantitativamente, outras consentem-nas com grande latitude de utilização, por forma que sejam apenas os encargos com o aumento de remuneração, mormente quando assuma carácter progressivo, a refrear a tendência para a habitualidade do trabalho suplementar.
Em relação ao trabalho de mulheres e ao trabalho de menores, as legislações nacionais seguem de perto, com algumas variantes e derrogações mais ou menos harmónicas com a sua letra e espírito, o articulado das convenções internacionais respeitantes à matéria.
O descanso semanal coincide em regra com os dias fixados pela tradição ou cuja guarda os mandamentos religiosos impõem. São restritas e enumeradas de maneira taxativa as derrogações ao princípio, é difícil obter autorização para eventualmente não ser gozado o descanso no dia estabelecido e, quando concedida, implica mais elevada remuneração do trabalho prestado 89.
85 Id., id., fls. 287 e 288.
86 A descrição está feita, sistemàticamente e em pormenor, no tanta vez referido estudo La Durée du Travail... (O.I.T., 1967). Podem consultar-se os quadros nele incluídos (n.° 1, fls. 218 a 221; n.° 2, fl. 236).
Quanto aos países com que temos especiais afinidades e a alguns dos mais poderosos, consulte-se: Dra. Maria Laura Rabaça Gaspar, A Duração do Trabalho, caderno 32 do F. D. M. O., 1970, fls. 15 e segs.
86-a Sem embargo da observância dos dois máximos, a unidade legal é, nas diferentes leis nacionais, ora o dia de trabalho, ora a semana de trabalho, ora a combinação da duração diária e da duração semanal.
Estão no primeiro caso, por exemplo, a Alemanha, a Áustria, o Brasil, a Espanha, os Estados Unidos, o México e a U.R.S.S.; no segundo caso, a França, a Suíça e a Turquia; no último, a Bélgica, a Grécia, a Itália, o Japão e a Checoslováquia (Vide La Durée du Travail, 1958, Rapport VII, fl. 20).
Em Portugal, como se sabe, o Decreto- Lei n.° 24 402 adopta como "unidade legal" o dia de trabalho, enquanto o projecto em apreciação prefere o sistema de combinação das duas unidades.
87 E também, por exemplo, a Áustria, a Argentina, o Brasil, a Espanha, a Grécia, a Hungria, a Irlanda, a Itália, a Holanda, a Roménia e a Turquia.
88 O B.I.T. cita como casos significativos de encurtamento da duração de trabalho pela via convencional os do Reino Unido, da Alemanha Federal, da Dinamarca, da Irlanda e da Itália La Durée du Travail..., fls. 232 e 233.
89 Of. "Le repos hebdomadaire dans l'industrie, le commerce et les bureaux", Éude des legislations et des pratiques nationales, B.I.T., 1964.
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A Câmara não dispõe de elementos que permitam tirar conclusões peremptórias acerca do grau de assimilação dos tempos livres da semana inglesa e da semana americana ao dia de descanso semanal.
§ 7.°
Em Portugal: antes e depois do Decreto-Lei n.° 24 402
28. Remontam a 1891 as primeiras disposições legais que entre nós, "depois do dilúvio" liberal, disciplinaram a duração do trabalho na indústria 90.
Como em toda a Europa, e decerto por idênticas razões, foi sobre o trabalho de menores que de início incidiram exclusivamente os cuidados do legislador. Por iniciativa de Tomás Ribeiro saiu, com efeito, em 14 de Abril desse ano de 1891, um decreto, regulamentado pelo de 16 de Março de 1893, segundo o qual os menores de doze anos não podiam trabalhar mais de seis horas por dia e os que houvessem completado doze anos mais de dez horas. O trabalho nocturno destes últimos não devia, no entanto, ir além de oito horas e no máximo durante três noites consecutivas, ao passo que o trabalho subterrâneo não excederia nunca seis horas. Era-lhes também vedado trabalhar aos domingos, "salvo nas oficinas de fogo contínuo" 91.
Pela mesma legislação, as mulheres com menos de vinte e um anos estavam, em princípio, equiparadas para o efeito aos menores de dezasseis, mas com regime ainda mais favorável do que o destes, visto que lhes era impedido o emprego em trabalhos industriais nocturnos ou subterrâneos.
Quanto à regulamentação da duração do trabalho dos adultos, é facto esporádico a publicação da Lei de 23 de Setembro desse mesmo ano de 1891, nos termos da qual se restringiu a oito horas o dia de trabalho na indústria de tabacos.
29. Assinalável, na evolução do nosso direito, é, sem dúvida nenhuma, o ano de 1907. Foi então estabelecida - ou restabelecida, se nos reportarmos às antigas disciplinas corporativas - a obrigatoriedade do descanso semanal de vinte e quatro horas, a recair normalmente no domingo.
Um ano depois, Portugal ratificou a Convenção de Berlim de 1908, sobre o trabalho nocturno das mulheres, e "em execução das obrigações assim assumidas, em 1911 proibiu-se-lhes esse trabalho nos estabelecimentos industriais" 92.
De 1915, há outra data que devemos reter: a das Leis n.ºs 295 e 296. Introduziram alterações ao regime de trabalho dos menores, embora sem encurtarem a respectiva duração. O primeiro diploma referido traz como novidade a limitação a sete horas do período de trabalho dos empregados nos estabelecimentos de crédito, de câmbio e nos escritórios. O precedente influenciou toda a legislação posterior até aos nossos dias.
O ano de 1919 que é, no plano internacional, o da Convenção de Washington, vê Portugal antecipar-se à Conferência Geral da O.I.T., cuja primeira sessão abriria em 29 de Outubro, com o Decreto n.° 5516 por via do qual em 7 de Maio se afirmou entre nós a regra do "dia de oito horas ou da semana de quarenta e oito horas".
Todavia, o diploma só foi regulamentado em 1925 (Decreto n.° 10 782, de 20 de Maio), enquanto a Convenção havia de ser aprovada, para ratificação, pelo Decreto n.° 15 361, de 3 de Abril de 1928 93.
Do período que vai de 1919 a 1928 são diplomas dignos de lembrança os que se ocupam do trabalho extraordinário fixam em seis horas o limite máximo do trabalho dos menores de doze a catorze anos e em sete horas o dos menores aquém de dezasseis anos e além de catorze, bem como os que regulamentam a prestação de trabalho nocturno pelos adultos 94.
Finalmente, em 10 de Maio de 1933 veio a lume o Decreto n.° 22 500, sobre horário de trabalho na indústria de transportes terrestres 95, que ainda vigora. É o primeiro diploma legal, segundo parece, que expressamente se reporta aos compromissos assumidos cinco anos atrás pela ratificação da Convenção de Washington. Como já tinha sido legalmente adoptada, em toda a amplitude, a regra "do dia de oito horas ou da semana de quarenta e oito horas", a referência à Convenção cabe, sobretudo, como esclarecimento sobre a fonte dos preceitos do decreto (v. g. o artigo 3.°) concernentes a aspectos peculiares à indústria de transportes.
O ano de 1993 verá o início da nossa política social corporativa. Sendo embora o Decreto n.° 22 500 um documento de 1933, não se afigura legítimo enquadrá-lo em tal política. Quando muito, poderá tomar-se como elo de ligação entre a legislação de 1919 e os diplomas doutrinàriamente coerentes que o sentido dinâmico do Estatuto do Trabalho Nacional (E.T.N.) iria propiciar.
Mas talvez seja lícito acrescentar que só o E.T.N., como quem diz o espírito que ele criou e as instituições que pela sua lógica foram estruturadas, permitiu que o Decreto n.° 22 500 se revestisse de alcance prático imediato.
30. O Decreto-Lei n.° 24 402, sobre horário de trabalho "do pessoal dos estabelecimentos comerciais e industriais", é de 24 de Agosto de 1934.
Para lhe apreender o interesse imediato e as perspectivas que abriu, para lhe aceitar as inevitáveis limitações e deficiências, para lhe fazer, em suma, inteira justiça, é mister situar-se no tempo em que começou a vigorar. Isso importa o conhecimento bastante dos antecedentes de facto, das proposições doutrinárias da Constituição e do Estatuto, do novo ambiente político e social.
A solene inutilidade dos decretos de 1919, de que constituem exemplo paradigmático os referentes a seguros sociais, havia desencadeado a sistemática e geral desconfiança em relação aos programas ambiciosos de âmbito absoluto e extensão universal. Pouco ou nada valia o estatuído se não se elaborava processo ou dispunha dos meios materiais para o fazer cumprir. O preâmbulo do decreto-lei pôde assim referir-se ao "menosprezo sistemá-
90 Vide o estudo do Prof. Afonso Queiró, O Estatuto do Trabalho Nacional: antes de 1933, comunicação apresentada ao I Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social, 1961, onde foram colhidos estes elementos.
91 Prof. Afonso Queiró, ob. e loc. ref., fl. 47.
92 Ob. cit., fl. 49.
93 Portugal ratificou mais as seguintes Convenções referentes a duração do trabalho e matérias afins: n.° 4 (trabalho nocturno das mulheres), n.° 6 (trabalho nocturno das crianças), n.° 14 (descanso semanal na indústria), n.° 81 (inspecção do trabalho na indústria e no comércio), n.° 89 (trabalho nocturno das mulheres - revisão), n.° 106 (descanso semanal no comércio e nos escritórios).
94 Vide Prof. Afonso Queiró, ob. cit., fls. 48 e 51.
95 Sobre as contradições do artigo 1.°, que define o âmbito de aplicação do decreto, ver as observações do Dr. M. Rosado Coutinho in Comentário às Leis do Trabalho, 1950, vol. I, fls. 168 e segs.
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tico pelas regras estabelecidas, o abuso de horas extraordinárias não remuneradas, a privação do descanso semanal" como motivo para se ter enraizado "no espírito dos trabalhadores um sentimento de amargura que não concorre para consolidar a paz social". Lembrando que a obrigatoriedade do descanso dominical fora imposta havia mais de um quarto de século e que as horas extraordinárias, pelos vistos abusivas e não remuneradas, deveriam ser pagas pelo dobro do salário normal nos termos da legislação do imediato pós-guerra, ter-se-á ideia ao desencanto que ocasionaria tão patente desfasamento entre a "regulamentação do trabalho" e os factos da vida laboral.
Referindo-se às disposições que ao tempo vigoravam, dizia o citado preâmbulo:
Destas, muitas teriam necessàriamente de subsistir, por já estarem nos costumes e nas leis ou por nos prenderem a elas obrigações de carácter internacional. Restava fazer a sua revisão à luz dos princípios estabelecidos pelo Estatuto do Trabalho Nacional e preparar a sua integração no moderno direito corporativo.
O novo diploma não se eximira, com efeito, a ser tributário da "filosofia" corporativa do Estatuto e a orientar-se pelos rumos que ele definira.
Certos princípios basilares expostos no artigo 24.° acham um mínimo de concretização no decreto-lei e constituem pressupostos dos comandos administrativos da sua aplicação. Vale a pena aproximar o texto desse artigo 24.° do preâmbulo mais de uma vez transcrito.
Um dos princípios, além enunciado e aqui explìcitamente referido, traduz reacção contra o desacreditado sistema de "actuar mais em superfície do que em profundidade", que havia contrariado os excelentes propósitos da legislação de 1919: a regulamentação da duração do trabalho não seria desta feita impregnada pelo desejo de a moldar em regras absolutas, antes deveria ter em conta, com "normas suficientemente elásticas", as características específicas e as condições internas das diferentes actividades.
Outro principio, em boa medida dedutível do primeiro, afirma, sem prejuízo de o Estado não poder enjeitar a obrigação de fixar limites máximos, certa subsidiariedade da regulamentação por via legal em face da competência normativa dos contratos de trabalho e dos regimentos corporativos 96.
Deste se infere lògicamente um terceiro: a regulamentação da duração do trabalho nem deve ser "imposta arbitràriamente pelo Estado" nem dimanar dos eventos "de conflitos de natureza social", mas ser articulada "segundo plano apropriado aos interesses da Nação, das empresas e dos trabalhadores".
No E.T.N. encontrou, de resto, o legislador, além da sua inspiração doutrinária, algumas soluções de um programa de regulamentação. É o caso, por exemplo, da regra da melhor retribuição do trabalho nocturno (§ 1.° do artigo 24.°), da excepcionalidade do dia de descanso semanal fora do domingo (artigo 26.°) e do pagamento pelo dobro da remuneração normal do trabalho que venha a ser prestado nesse dia (§ 2.° do artigo 26.°).
O ambiente em que então decorria a vida portuguesa era de calma política virtualmente consolidada e propícia à mobilização dos espíritos mais doutrinados e mais combativos para as tarefas da estruturação corporativa e da acção social, que o primeiro Subsecretário de Estado das Corporações, Dr. Pedro Teotónio Pereira, designou por "batalha do futuro".
Porque entretanto se criara o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, aconteceu que a chamada legislação de 33 não dispunha sòmente da sua própria dinâmica: aproveitava em pleno do dinamismo da primeira geração de delegados distritais e de assistentes dos serviços de acção social.
Convém recordar que, pelo seu carácter um tanto pragmático e relativa simplicidade, a regulamentação da duração do trabalho logrou ser concluída e posta em execução antes de qualquer outra, salvo naturalmente as constantes, dos decretos-leis que em 23 de Setembro de 1933 se seguiram no Diário do Governo ao Estatuto do Trabalho Nacional e respeitavam, na maior parte, à organização corporativa.
O Decreto-Lei n.° 24 402 precedeu desta sorte diplomas mais complexos, como a Lei n.º 1884, sobre previdência social, a Lei n.° 1942, sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, e a Lei n.° 1952, sobre o regime jurídico do contrato de trabalho.
A cronologia destas leis essenciais permitiria supor, se a informação de documentos da época e o testemunho pessoal dos intervenientes directos não bastassem como prova irrefragável, que durante alguns meses o I.N.T.P. se empenhou acima de tudo em explicitar, fomentar a aplicação e fiscalizar o cumprimento do Decreto-Lei n.° 24 402. O próprio serviço destinado à fiscalização das leis sociais, hoje intitulado "Inspecção do Trabalho", depois de ter sido denominado "Fiscalização do Trabalho", começou por chamar-se simplesmente "Fiscalização do Horário de Trabalho".
Todas as circunstâncias descritas encaminharam, de facto, para que, pela primeira vez entre nós, o problema da duração do trabalho fosse tomado, como pretendera o legislador, segundo exarou nas palavras introdutórias do decreto-lei, na conta de "problema sério".
Dentro da mesma óptica, não será demasiado adiantar que, apesar das consabidas imperfeições e obscuridades e não obstante inevitáveis dificuldades de execução e deficiências de acção fiscalizadora, o decreto-lei teve o papel histórico de passar ao concreto certo número de ideais até aí mais ou menos sepultados em vistosos e platónicos diplomas de lei, habituando os seus destinatários à disciplina mínima da duração do trabalho.
Não será decerto razão despicienda da posição que definitivamente ocupa no quadro da legislação de natureza social.
§ 8.º
O projecto de decreto-lei
31. Vem o Governo consultar a Câmara Corporativa sobre o projecto de decreto-lei n.° 5/X, destinado a regular a "duração do trabalho prestado por força de contrato de trabalho". Propõe-se, com o instrumento legal projectado, substituir, mediante revogação expressa, o Decreto n.° 22 500, de 10 de Maio de 1933, e o Decreto-Lei n.° 24 402, de 24 de Agosto de 1934.
Cumpre, antes de mais, à Câmara Corporativa pronunciar-se acerca da oportunidade de novo diploma e a respeito dos princípios legais constantes do projecto.
32. Como se recordou, o Decreto-Lei n.° 24 402 foi publicado em 24 de Agosto de 1934. Equivale a dizer que completou trinta e seis anos de vigência. É verdade que já por duas vezes lhe foram introduzidas modifica-
96 Sobre a questão convenções colectivas como fonte de horário de trabalho, Dr. A. Silva Leal, ob. cit., fls. 105 e segs.
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ções: em 24 de Agosto de 1936, com o Decreto-Lei n.° 26 917, e em 23 de Setembro de 1960, com o Decreto-Lei n.° 43182. Todavia, se foram contemplados aspectos de pormenor com inquestionável importância e alterados com vantagem determinados formalismos regulamentares, não abrangeu nenhum dos aspectos fundamentais do regime jurídico.
Portanto, concedido embora que o tempo de vigência de uma lei não dê a medida do seu envelhecimento, seria muito pouco natural, para não dizer que seria altamente improvável, que o sistema não carecesse ainda de revisão.
Acresce que os trinta e seis anos decorridos não foram trinta e seis anos como outros quaisquer. As relações do trabalho sofreram o impacte da evolução em ritmo acelerado que se desencadeou em muitos domínios no período febricitante posterior ao termo da 2.ª Guerra Mundial. Ocorreu assim, com frequência, a necessidade de encontrar soluções administrativas, sempre de intenção pragmática e às vezes duvidosamente secundum legem, para problemas que em 1934 se não apresentavam sequer ou vinham com muito diluída gravidade e a que o Decreto-Lei n.° 24 402, por conseguinte, se mantivera alheio. Foi o que se verificou, por exemplo, com o ensaio e a generalização da prática do regime de semana inglesa ou de semana americana. Os horários respectivos, aprovados inicialmente por espírito de transigência algo contrafeita e depois com correntio à-vontade, não cabem manifestamente no quadro legal e deram azo de quando em quando a pequenas questões de custoso desembaraço.
A experiência deste longo período de vida do diploma revelou, por seu turno, quer os pontos de atrito na aplicação, quer as imprecisões conceituais, quer ainda as dúvidas de interpretação que alguns preceitos suscitam.
Paralelamente, processou-se, como seria previsível, uma elaboração doutrinária e jurisprudencial valiosa de cujos subsídios parece bom momento de tirar proveito.
A par da experiência da lei, enriqueceu-se também a das convenções colectivas, cujo clausulado versou a matéria da duração do trabalho, e no plano internacional correu a das legislações, revistas, de vários países europeus. Parece oportuno extrair de ambas os ensinamentos que comportam.
Da O.I.T. saíram, entretanto, diversas convenções e Portugal ratificou, de 1934 a esta parte, no que vem a propósito, às n.° 81 (inspecção do trabalho no comércio e na indústria), n.° 89 (trabalho nocturno de mulheres) e n.° 106 (descanso semanal no comércio e na indústria). E existe ainda a Recomendação n.° 116. Nem o seu carácter nem a data recente impedem que constitua também ponto de referência para o nosso dispositivo legal.
Deve-se, por fim, somar a tantos motivos ponderosos uma última razão de oportunidade. Depois de revista em 1969, a Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969) venceu a fase experimental e atingiu provàvelmente relativa estabilidade, pelo que tudo inclina a harmonizar os dois regimes. A conexão das matérias, e inclusive a circunstância de a L.C.T. incluir mo capítulo III a secção "Duração do trabalho" com três remissões - artigos 45.°-2, 48.° e 50.º - para a competente legislação especial.
Pelo exposto, a Câmara não duvida de que é oportuna a publicação de um diploma que, substituindo os vigentes Decreto n.° 22 500 e Decreto-Lei n.° 24 402, defina o regime jurídico da duração do trabalho.
33. Dito isto, segue-se emitir juízo sobre os princípios orientadores e sobre a economia geral do projecto.
Para tanto, deve começar-se por estabelecer as suas linhas dominantes.
Como vem salientado no preâmbulo e resulta do artigo 1.°, quis-se fazer "coincidir totalmente o campo de aplicação da disciplina legal do contrato individual de trabalho com o campo de aplicação do regime legal da duração do trabalho... até porque tal coincidência é pressuposta pelo próprio regime jurídico do contrato individual de trabalho". Segundo se afigura, o Governo visa também, ora a absoluta coincidência, ora a compatibilização de determinados preceitos com os preceitos homólogos da L.C.T.
A Câmara dispensa-se de encarecer as vantagens, claríssimas, que daí provêm: tanto as da lógica jurídica e de natureza sistemática, pelo que de modo especial se reporta aos intérpretes qualificados, quanto as de estrita ordem prática, pelo que em geral respeita a todos os interessados e destinatários da lei.
Verifica-se a nítida preocupação de atingir a linha de equilíbrio entre o que deva constar de disposições preceptivas e proibitivas da lei e o que esta relegue, quando mesmo lho não confie expressamente 97, para os instrumentos de regulamentação colectiva.
A matéria reveste-se de particular delicadeza e compreendem-se sem esforço as reservas de quem tema que o Estado, passivo e desprevenido, acabe por perdê-la de mão.
Todavia, parece fora de questão ignorar o bom fundamento das razões do Governo para que a regulamentação colectiva, normalmente pela via convencional, tenha voz frequente neste campo da duração do trabalho.
São motivos de facto: a diversidade de características e a escada de possibilidades dos vários sectores requerem que sejam diferentes, tanto quanto, os regimes aplicáveis, e os outorgantes conhecem as circunstâncias do meio e as respectivas implicações sociais.
São injunções do direito constituído: já o Estatuto do Trabalho Nacional em duas disposições (artigos 24.º e 34.°) alude à matéria falando de contratos colectivos e uma delas (o artigo 34.°) preceitua que contenham "obrigatòriamente normas relativas ao horário... de trabalho... e ao descanso semanal".
Mas, como acentua o relatório preambular, acodem também fàcilmente as razões de interesse público, por virtude das quais a lei não podia escusar-se a definir regras e limites, bem como a afirmar princípios de observância incondicional.
Importa, igualmente, que algumas disposições programáticas orientem os outorgantes em convenções colectivas, manifestando-lhes o sentido desejável das normas clausuladas e indicando-lhes, pela bitola dos "mínimos" legais, a medida aproximada do que, segundo as circunstâncias do caso, os poderá exceder.
O projecto reformula, com precisão, determinados conceitos, tais como os de "horário de trabalho", de "período de funcionamento", nas suas duas espécies de "período de abertura" e "período de laboração", e de "trabalho extraordinário" a partir da noção de "período normal", para de todos extrair as necessárias consequências no articulado.
Regista-se, igualmente, que o Governo se empenhou em reduzir ao mínimo as formalidades regulamentares.
97 Remetem para a disciplina dos instrumentos de regulamentação colectiva os artigos do projecto 5.º, 6.°, 7.º-2, 11.º, 16.º-3, 19.°-3, 27.º-2, 28.°-2, 35.°-1 e 38.°
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Merece, sob tal aspecto, referência especial o facto de a autorização prévia do trabalho extraordinário ficar circunscrita ao caso do trabalho de menores e à hipótese excepcionalíssima prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.°
Deseja-se que a contraprova da experiência deponha em favor do bom aviso da decisão projectada.
Seria impossível não identificar, tão transparente se afirma na própria redacção dos preceitos, o propósito de escrupuloso respeito dos compromissos assumidos com a ratificação de convenções internacionais, tanto as que antecederam como as que se seguiram à publicação do Decreto-Lei n.° 24 402. E afigura-se evidente que a economia geral do projecto foi sensível ao espírito da Recomendação n.° 116. Dizem-no as palavras introdutórias e o articulado não as desmente.
Afigura-se sòlidamente fundamentada e prudente a posição que este traduz.
Com efeito, nem as reduções da duração do trabalho devem ser efectuadas de ânimo leve nem a conclusão da sua inviabilidade pode decorrer do simples conhecimento empírico dos dados da questão.
Só o estudo rigoroso e sistemático dos problemas de produtividade e da mão-de-obra permitirá estabelecer princípios de orientação com base nos quais se defina a política dos níveis de duração do trabalho.
34. Pelo exposto, a Câmara Corporativa emite parecer favorável na generalidade ao projecto de decreto-lei n.° 5/X.
II
Exame na especialidade
ARTIGO 1.°
(Campo de aplicação da lei)
35. Este primeiro artigo delimita o campo de aplicação do regime legal.
Como o respectivo preâmbulo acentua e já se sublinhou, a coincidência do campo de aplicação da disciplina da duração do trabalho com o do regime do contrato individual do trabalho constitui uma das inovações do projecto. Com efeito, o Decreto-Lei n.° 24 402 reporta-se sòmente, no artigo 1.°, aos estabelecimentos comerciais e industriais, definidos logo no § 1.° 98 em termos de provocar legítimas dúvidas. Nos primeiros tempos de vigência do diploma, sucessivos despachos, alguns deles impondo integração analógica nem sempre sancionada pela jurisprudência, que, por sua vez, se não afirmou pacífica, ocuparam-se da aplicação do regime de horário de trabalho e descanso semanal, entre outro, ao pessoal dos organismos corporativos, das associações de socorros mútuos, das associações comerciais e industriais e das associações de recreio, bem como ao dos escritórios dos advogados e demais profissões liberais 99. De resto, como foi judiciosamente observado 100, o facto de a enumeração do citado § 1.° ser exemplificativa, transferindo as maiores dúvidas para o entendimento da expressão "locais onde se pratiquem actos de natureza comercial ou indústrial", não contribuiu de modo algum para exemplificar a missão do intérprete. Se a isto se acrescentar as várias excepções que os parágrafos seguintes abriram, e se se não esquecer que o horário de trabalho para as indústrias de transportes de pessoas ou de mercadorias por estrada ou via férrea continuou a ser regulado pelo Decreto n.° 22 500, ter-se-á medida exacta das limitações impostas ao campo de aplicação do regime do Decreto-Lei n.° 24 402.
Tanto o reconhecimento dessas limitações originárias, como o da contestável legalidade de alguns dos despachos interpretativos com que se intentara corrigi-las, conduziram a que, por via legal, se possibilitasse o alargamento de âmbito do diploma em causa. Assim, o artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 43 182, de 23 de Setembro de 1960, veio dizer que "o Ministro das Corporações e Previdência Social poderá, por portaria, tornar extensivas as disposições sobre horário de trabalho a entidades não abrangidas pelo Decreto-Lei n.° 24 402".
Ora, a definição do campo de aplicação do regime da duração do trabalho, segundo o texto do n.° 1 deste artigo 1.° do projecto, não é passível de idênticos reparos nem convida aos mesmos expedientes correctivos.
A duração do trabalho é elemento integrador do contrato de trabalho, o que postula, em princípio, a justaposição dos respectivos regimes jurídicos. Em tal sentido estava, aliás, encaminhado o nosso direito, visto que a Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (como já anteriormente o Decreto-Lei n.° 47 032, de 27 de Maio de 1966), insere na secção II do capítulo III, intitulada "Da duração do trabalho", várias normas de carácter geral sobre a matéria, a par de remissões para regulamentação especial.
O âmbito necessário da lei corresponde, por outro lado, ao seu âmbito suficiente: apenas o trabalho subordinado levanta problemas de excesso de duração e anomalias de distribuição horária.
Também se afigura conceitualmente mais correcto e harmónico com o conteúdo normativo do diploma referir o regime jurídico de duração do trabalho, de preferência a manter a vulgar, mas imprecisa e não raro equívoca, alusão ao regime de "horário de trabalho" ou de "horário de trabalho e descanso semanal".
Por conseguinte, a Câmara dá o seu acordo ao n.° 1 do artigo 1.°, embora se permita sugerir uma ligeira variante do texto, que passaria a ser:
A duração do trabalho prestado por efeito do contrato de trabalho está sujeita ao regime estabelecido no presente diploma.
36. A circunstância de o projecto definir o seu próprio âmbito em função do da Lei do Contrato de Trabalho aconselhava a que levasse o princípio da coincidência de regimes jurídicos até às últimas consequências.
Assim aconteceu, em parte: verifica-se acentuado paralelismo das disposições dos dois textos quanto à aplicação do regime legal com adaptações, quanto à eventualidade de alargamento do campo de aplicação e quanto à expressa sujeição do trabalho a bordo a legislação especial.
O n.° 2, relativo ao trabalho prestado a empresas concessionárias de serviço público e a empresas públicas, corresponde aos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.° do Decreto-Lei
98 O critério tem precedente abonatório no artigo 1.° da Convenção de Washington, que faz a enumeração exemplificativa do que considera "estabelecimentos industriais" e, de um modo geral, na prática de as convenções internacionais precisarem o sentido atribuído às palavras ou expressões utilizadas para definir o seu campo de aplicação.
99 Vide a indicação de acórdãos e despachos e seu exame crítico nos comentários do Dr. Manuel Rosado Coutinho, Comentário às Leis do Trabalho, vol. 1.°, fls. 16 e segs., e do Dr. Manuel Baptista Lopes, Direito do Trabalho - Horário de Trabalho e Descanso Semanal, 1961, fls. 9 e segs.
100 Dr. Rosado Coutinho, ob. e loc. cit.
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n.° 49 408, preambular da Lei do Contrato de Trabalho; o n.° 3, sobre trabalho portuário, repete no essencial 101 o seu artigo 6.°
Por sua vez, e sem agora proferir juízo sobre a bondade da respectiva localização, os n.°s 1 e 2 do artigo 48.° moldam-se, em quanto se prende ao trabalho rural 102 e a trabalho a bordo, pelo disposto nos artigos 5.° e 8.° do sempre citado dereto-lei.
Regista-se, no entanto, que o projecto é omisso em relação ao trabalho prestado por efeito do contrato de serviço doméstico (artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 49 408, referido) e por efeito de contratos celebrados com as instituições de previdência e com organismos corporativos (artigo 7.°, idem).
Aceita-se, sem relutância, a falta de menção do contrato de serviço doméstico: seria muito menos viável do que a da Lei do Contrato de Trabalho a extensão do presente regime legal, ainda que subposto a toda a gama de imagináveis adaptações.
O caso das instituições de previdência e dos organismos corporativos parece ser diferente. Tanto umas como outros aguardavam, no momento da apresentação do projecto, e já têm agora estatuto próprio. Qualquer dos estatutos afasta o pessoal abrangido da sujeição a um regime de duração do trabalho do tipo do configurado no projecto.
Compreende-se, por isso, que este tenha sido deliberadamente privado de referenciais sem conteúdo útil.
37. O n.° 2 sugere, entretanto, considerações de outra índole.
Como se viu, adopta, em relação às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas critério idêntico ao assumido para a aplicação do regime do contrato individual de trabalho. O princípio é, assim, o da submissão ao regime proposto, embora mediante eventuais adaptações, exigidas pelas características das empresas.
Não se levantam questões de maior, na hipótese das empresas concessionárias de serviço público. Na medida em que, porventura, alguma disposição do futuro decreto-lei sobre duração do trabalho se revelar inadequada, será afastada a sua aplicação por via de decreto afim dos publicados em seguimento do expresso no artigo 131.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 47 032, de 27 de Maio de 1966, e no artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 49 408.
Já o mesmo não acontece relativamente às empresas públicas. Sabe-se que algumas empresas públicas correspondem a serviços públicos 103. Tendem então a fixar o estatuto do seu pessoal em esquemas que mais o aproximam do do funcionalismo público do que do dos trabalhadores ao serviço das empresas privadas. E entre nós o caso da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, cuja lei orgânica (Decreto-Lei n.° 48 953, de 5 de Abril de 1969) dispõe no artigo 31.°, n.° 2:
O pessoal da Caixa continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público com as modificações exigidas pela natureza específica das actividades da Caixa.
E é também o da Imprensa Nacional, cujos estatutos (Decreto-Lei n.° 49 476, de 30 de Dezembro de 1969) preceituam no artigo 27.°, n.° 1:
... o pessoal dos quadros..., quer funcionário quer assalariado, continua sujeito ao regime jurídico dos servidores do Estado, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade industrial do estabelecimento.
Verifica-se que, nas empresas públicas deste tipo, ao contrário do que acontece com as empresas públicas cujo regime é, em princípio, similar do regime jurídico do contrato individual de trabalho 103-a e 104, as eventuais modificações exigidas pelas caracteristicas próprias dos serviços incidirão sobre o regime jurídico do funcionalismo público.
Será, então, curial referir-se-lhes o n.° 2 do artigo 1.º como se o "ponto de partida" estivesse realmente na aplicação das normas constantes do projecto?
Poderá objectar-se que a pergunta também teria cabimento quanto à Lei do Contrato de Trabalho e que, no entanto, o artigo 11.° da respectiva lei preambular não distingue, ao estender-lhes a aplicação do regime do contrato de trabalho, entre os dois tipos de empresas públicas. E poderá igualmente advertir-se de que a questão levantada não se reveste de interesse prático, uma vez que a situação, se se mantivesse o texto actual do n.° 2, continuaria perfeitamente líquida. O preceito de carácter geral cederia ante as disposições especiais insertas na lei orgânica e nos estatutos, que foram ambos eles aprovados por decreto-lei.
Afigura-se no entanto preferível, até porque não implica nenhum inconveniente, ressalvar a hipótese. Nesses termos, a Câmara Corporativa sugere a seguinte redacção para o n.° 2:
2. O regime definido no presente diploma é aplicável ao trabalho prestado às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas, com as adaptações que nele vierem a ser introduzidas por decretos regulamentares, referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competentes, mas não abrange as empresas públicas cujo pessoal, nos termos do respectivo estatuto legal, estiver sujeito ao regime jurídico dos servidores do Estado.
38. A correcta sistematização do articulado parece aconselhar que se aproxime do artigo 1.° outro preceito que tem inquestionável afinidade com o campo de aplicação do regime legal. Está-se a pensar no já referido ar-
101 Em vez de falar em "portaria de regulamentação de trabalho" ou em "convenção colectiva" emprega a terminologia ampla de todo o projecto "instrumentos de regulamentação colectiva", ajustada ao regime do Decreto-Lei n.° 49 212. Também substitui, com vantagem, o impositivo deverá por "pode sofrer a adaptação..."
102 Importa recordar que o Código do Trabalho Rural, aprovado pelo Decreto n.° 44 309, de 27 de Abril de 1962, para vigorar nas províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor, no capítulo II (artigos 89.° a 105.°) regulamenta a duração do trabalho.
103 Vide Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II, 8.ª edição, fls, 1007 e sègs.
103-a "Não se pode deixar de assinalar o primeiro preceito de natureza genérica que aparece no direito português sobre empresas públicas, o qual, aliás, confirma, sob o aspecto que versa, o princípio da gestão privada acima enunciado: trata-se do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969" (Prof. Marcello Caetano, ob. cit., tomo I, 9.ª edição, fl. 368).
104 No número das empresas públicas sujeitas ao regime jurídico do contrato de trabalho contam-se, por exemplo, os "Telefones de Lisboa Porto". O respectivo estatuto (Decreto-Lei n.º 48 007, de 26 de Outubro de 1967, modificado pelo Decreto-Lei n.° 49 368, de 10 de Novembro de 1969), no artigo 17.°, n.° 1, manda aplicar o regime jurídico do contrato de trabalho com adaptações exigidas pela sua futura integração nos CTT e pelas características peculiares de serviço público. Note-se que, no caso desta empresa, se veio do puro domínio privado, ao passo que no da Caixa Geral de Depósitos e da Imprensa Nacional a transformação representa um movimento de sentido oposto.
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tigo 48.°, subordinado à epígrafe "Alargamento do campo de aplicação da lei".
Levanta duas questões, a primeira das quais se reporta precisamente ao acerto da epígrafe, e a segunda, à localização de um ou de ambos os números em que vem desdobrado.
Deve atribuir-se a mero lapso a inclusão do n.° 2 como hipótese de "alargamento do campo de aplicação da lei". Se "o regime de duração do trabalho a bordo será definido por legislação especial", segue-se que não estamos em face de previsto alargamento do campo de aplicação da lei, mas, pelo contrário, de declarada exclusão da sua disciplina. Portanto, o n.° 2 não pode ser epigrafado conjuntamente com o n.° 1.
Por outro lado, tanto a matéria concernente ao trabalho rural, do n.° 1, como a alusiva ao trabalho a bordo, do n.° 2, que integram o actual artigo 48.°, ficariam, salvo melhor entendimento, bem colocadas logo depois do artigo 1.º.
Afigura-se natural esta sequência: em primeiro lugar, a regra mais geral de aplicação do regime (n.° 1 do artigo 1.°), depois, sucessivamente, a referência à aplicação com possíveis adaptações (n.°s 2 e 3 do artigo 1.°) e ao eventual alargamento do campo de aplicação (n.° 1 do artigo 48.°) e, por fim, a menção do trabalho que será submetido a legislação especial (n.° 2 do artigo 48.°).
Concede-se que o preceito relativo ao alargamento do campo de aplicação do regime legal também não fica deslocado, segundo uma perspectiva de lógica jurídica, vindo, como vem, depois de "revelado" integralmente esse regime.
Apesar de tudo, porém, e atentas as vantagens de aproximar a matéria conexa ao campo de aplicação para tornar o diploma de mais fácil consulta, a Câmara prefere a solução que indicou. Após o artigo 1.° intercalam-se dois artigos, os futuros artigos 2.° e 3.°
O artigo 2.°, sob a epígrafe "Trabalho rural", conterá o texto do n.° l do actual artigo 48.°; o artigo 3.º, sob a epígrafe "Trabalho a bordo", o do seu n.° 2.
ARTIGO 2.º
(Limites máximos dos períodos normais de trabalho)
39. O confronto do n.° 1 deste artigo 2.° com a disposição correspondente do Decreto-Lei n.° 24 402 (artigo 1.°) revela duas diferenças: em vez de "período de trabalho" fala-se em "período normal de trabalho" e passa a referir-se, além do limite máximo diário de oito horas, o máximo semanal de quarenta e oito. Não se está, no primeiro caso, em presença de modificação substancial do dispositivo da lei, mas apenas de correcção formal determinada pelo propósito de se obterem, quer a devida precisão terminológica, quer a coerência do articulado.
Aludir simplesmente ao período de trabalho, sem esclarecer que se se trata do "período normal", induziria a pensar que não deveria exceder oito horas, trabalho extraordinário incluído.
No nosso direito, a definição de período normal de trabalho (o número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar) encontra-se no artigo 45.° da L. C. T.
Mas não deverá ser aqui reproduzida? Algumas razões consideráveis inclinariam a responder afirmativamente.
Dir-se-á, de um modo geral, que o uso de uma expressão cujo sentido não é averiguadamente o sentido corrente implica a sua precisão conceituai. Acrescentar-se-á, em especial, que vindo a noção de trabalho extraordinário (artigo 13.°) reportada ao "período normal de trabalho", este deve ser definido, sob pena de aquela ser obscura e inútil. O mesmo acontece quanto ao entendimento que da expressão "horário de trabalho" nos dá o .artigo 8.° A Câmara hesita, no entanto, em propor a solução que semelhante raciocínio postula. Na verdade, a definição da Lei do Contrato de Trabalho não se ajustaria ao nosso contexto: este vive da sua própria lógica, e, segundo ela, o período normal do trabalho não se identifica com as horas "que o trabalhador se obrigou a prestar", mas com as horas "que integram o horário de trabalho" ou com as horas "de duração normal de trabalho" de cada trabalhador.
É o dilema: a definição estabelecida não convém ao sistema do projecto e a, coexistência de duas definições não deixaria de ser perturbadora.
Talvez se justifique, por isso, a posição assumida pelo Governo. O período normal de trabalho é uma realidade contratual que o regime jurídico da duração do trabalho supõe conhecida e tem implícita. Mas ao pensar em período normal para os seus próprios efeitos, encara-o sob um ângulo diferente, que é o seu e que poderia virtualmente perder-se se a definição da Lei do Contrato de Trabalho fosse de novo explicitada.
40. Os limites máximos semanais são, na economia do projecto, de mais rigoroso preceito do que os limites diários. Legitima-se, portanto, que os n.ºs 1 e 2 se afastem da lei vigente 105 e regressem è fórmula, internacionalmente consagrada, de proposição conjunta dos dois máximos.
A confirmação liminar desses máximos parecerá, acaso, verdadeira incoerência de um diploma apresentado como observante do espírito da Recomendação n.° 116. A crítica não seria procedente. Cumpre não esquecer que, por virtude da dinâmica da contratação colectiva e até da maior abertura das empresas à vantagem de aligeirar a duração do trabalho, os máximos legais tendem a constituir simples pontos de referência, limites no mais rigoroso sentido que a palavra comporta. Visam acautelar situações inconciliáveis com toda a sorte de aventuras, mas nem por isso devem encorajar ao congelamento de horários que possam ser reduzidos sem prejuízo e com benefício de ambas as partes directamente interessadas.
A experiência de algumas das nações mais evoluídas e prosperais é bem elucidativa a este respeito. Como houve ocasião de notar, as estatísticas do B. I. T. revelam 107 que em 1967 a duração legal do trabalho passava ainda pela baliza das quarenta e oito horas em 35 países, entre os quais a Alemanha e o Japão, sem esquecer os nossos, por vários títulos, muito próximos Brasil, Espanha, Itália, Turquia e Grécia.
Assim como noutros países o limite máximo estabelecido no diploma legal básico não exprime, mesmo em forma aproximativa, o nível médio da duração do trabalho, assim poderá acontecer entre nós, de acordo com o espírito e segundo as directrizes do diploma em projecto, apesar dos limites cautelares deste artigo 2.°
A situação privilegiada dos empregados de escritório tem, como e viu, respeitáveis tradições nacionais. Em várias outras legislações encontram-se, por sua vez, regimes homólogos do nosso. O relatório do B. I. T., com elementos compulsados em 1967 107, enumera esquemas de
105 Artigo 1.º do Decreto-Lei n.° 24 402: "O período de trabalho diário [...] não pode ser superior a oito horas [...]". 106 La Durée du Travail, cit., quadro I, fls. 218-221.
107 Ob. cit., fls. 215 e segs.
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duração normal de trabalho inferior "à da que é aplicável ao conjunto dos trabalhadores". Aproveitam-no ora os empregadas de escritório em geral (Dinamarca, Portugal) ou, conjuntamente, os empregados de escritório e no comércio (v. g., Luxemburgo e Venezuela), ora os bancários e empregados de seguros (México, Nova Zelândia), ora certas categorias restritas de trabalhadores não manuais (Espanta, U. E. S. S.). Trata-se, nestes e noutros casos mencionados no relatório, de máximos de duração normal obrigatoriamente impostos, mas nem sempre de máximos de duração legal fixados no diploma base da respectiva legislação. Não deixam por isso de constituir valioso elemento subsidiário a ter presente para juízo sobre o nosso regime tradicional.
A legislar ex novo, talvez houvesse motivos para hesitações; assim, parece ter de constituir-se pelo bom aviso da manutenção no projecto do regime de que há mais de meio século beneficiam os empregados de escritório.
41. A doutrina 108 tem frequentemente arguido de ilegalidade a aprovação de horários de trabalho das chamadas "semana inglesa" e "semana americana", desde que consistam na simples transferência para os cinco dias úteis restantes das horas de trabalho que deixam de ser prestadas no sábado. De facto, não admitindo o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção do Decreto-Lei n.° 26 917, que o período diário ultrapasse oito horas, parece duvidosa a admissibilidade de tais horários. Compreende-se, aliás, que o legislador não tenha previsto em 1934, ou mesmo em 1936, os problemas suscitados por uma tendência que só alguns anos mais tarde, entre nós, foi dominadora e que, por conseguinte, aquele tipo híbrido de horário de trabalho e a própria "instituição social" denominada "fim de semana", sem os pergaminhos de que podia já então ufanar-se noutras latitudes, permanecessem como que à margem da lei e estranhas ao seu espírito informador. A vida se encarregara, entretanto, de acumular argumentos irrespondíveis para impor à Administrarão a solução empírica por que desde cedo enveredou.
Agora, a lacuna da lei nem teria por si a desculpa da imprevisão, nem se justificaria com dúvidas sobre a oportunidade de legislar. Mas o menos que se pode dizer do n.° 3 do antigo 2.° em apreciação, conjugado com os três primeiros números do artigo 35.°, é que permite finalmente legalizar o real.
42. A Câmara nadai entende dever objectar ao n.° 5, cuja necessidade decorre de outro preceito e que, "tudo somado, será de aplicação restrita" quando eventualmente tiver de funcionar.
O n.° 4 carece, porém, de ser apreciado com alguma demora.
Não é, decididamente, o princípio da restrição ao acréscimo do período normal que pode contestar-se. A sobrecarga dos cinco primeiros dias úteis da semana em favor da maior disponibilidade do sábado tem por limite evidente a defesa da saúde física e do equilíbrio psíquico do trabalhador, que a extensão demasiada do período diário também afectaria.
Isto seria incontestável, salvo melhor juízo, mesmo que o alargamento do período diário representasse sempre processo e até condição necessária da redução do período semanal. Por maioria de razão, quando se trate de evitar que, à sombra da disponibilidade do sábado, e sem redução do total semanal, se onere demasiado o tempo dos restantes dias úteis e quando, do mesmo passo, como no caso presente, se pressinta a simpatia do legislador pela forma indirecta de atingir o objectivo de encurtamento razoável da semana de trabalho 'mediante a adopção do regime de autênticas semana inglesa e semana americana.
A questão não será, portanto, essa questão de princípio mas pode bem ser a do limite concreto que o projecto traçou: o acréscimo não excederá uma hora.
O número em si, como número convencional, é discutível, mas parece aceitável. Com efeito, as nove horas 109 assim completadas, acrescidas das hipotéticas duas horas suplementares autorizáveis, em regra, nos termos do artigo 16.°, somarão onze horas. Basta pensar em que, se ocorrerem motivos ponderosas, o limite diário do trabalho extraordinário ainda pode ser elevado, para verificar que um acréscimo ao período normal superior ao previsto implicaria, ao menos em casos excepcionais extremos, fadiga demasiada do trabalhador.
Só nos aspectos circunstanciais da questão se filiarão, por isso, objecções de algum mérito.
Parece ter-se receado que a restrição proposta, em vez de contribuir para incentivar a adopção da semana americana propriamente dita, funcione apenas como travão legal à extensão da forma da semana americana que certas empresas praticam.
O argumento não impressiona. Nem está demonstrado que o fim de semana, a todo preço deva ser anteposto à segurança de um dia de trabalho em condições higiènicamente satisfatórias, nem deve ficar esquecido que, dentro dos esquemas do presente projecto de decreto-lei, existem outras formas, mais directas, de obter, se e quando for julgado imperioso ou conveniente, a relativa generalização de regime de semana americana tipo.
Pode, sim, lembrar-se a injustiça de tratamento reservado às empresas que, tendo-se adiantado às congéneres na concessão do descanso complementar de sábado (de sábado completo, única hipótese em que a questão tem interesse), iriam agora ser forçadas ou a retroceder, se lhes fosse consentido e decerto não seria, ou a suportar a concorrência económica em posição desfavorável.
Conceda-se que essas empresas disponham de razoável motivo para se baterem pela conservação do statu quo: o regime teria sido, tal qual, bem aceite e acaso desejado pelos trabalhadores e foi sancionado pela aprovação formal da autoridade competente.
A estas razões se pode, no entanto, contrapor, no plano do direito constituído, que o previsto limite de uma hora não é arbitrário, pois confere com a doutrina da alínea b) do artigo 2.° da Convenção n.° 1 e corresponde ao estabelecido nas legislações de muitos países 110; no plano da nossa política legislativa que a restrição constitui, repita-se, forma indirecta de obter um nível de menor duração do trabalho.
108 Vide Dr. M. Rosado Coutinho, ob. cit., fls. 13 e segs.
109 Pensa-se nos trabalhadores sujeitos ao regime de oito horas diárias, mas o raciocínio também é válido, de certo modo, quanto aos empregados de escritório.
110 Por exemplo: Argentina [Decreto n.° 16 115, artigo 1.° alínea b)]; Bélgica (Lei de 15 de Julho de 1964, artigo 6.°); Espanha (Lei de 1931, artigo 1.°); Finlândia (Lei de 30 de Dezembro de 1965); Itália; Noruega; Suécia (Lei da Duração do Trabalho, artigo 4.°). Ver outras informações em La Durée du Travail, cit., fls. 239 e segs.
Outros países, porém, admitem, em casos excepcionais, a repartição semanal com possibilidade de maior acréscimo diário, mas deve recordar-se que o seu máximo normal é em regra menor que o nosso.
A Convenção n.° 30, sobre duração de trabalho no comércio o nos escritórios, que Portugal não ratificou, admitia que o acréscimo fosse de duas horas.
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A Câmara não dispõe, infelizmente, de elementos estatísticos bastantes 111 para formar juízo seguro sobre a percentagem que os horários postos em causa representam no total de horários aprovados para as actividades respectivos, nem sequer para fazer ideia exacta da importância da questão aferida pelo número destes últimos horários.
Ignora também quais as possibilidades de, por meios suasórios, se conseguir em prazo curto a extensão do regime às empresas congéneres.
Seria, em qualquer hipótese, inadmissível sacrificar o princípio deste n.° 4, que é justo e convém aos objectivos, sociais da lei, ao interesse, respeitável embora, de um número indeterminado, e decerto não muito grande, de empresas.
Quando muito, poderia tolerar-se em seu favor uma concessão de direito transitório, cujos inconvenientes são, aliás, manifestos. Consistiria em aditar ao artigo 50.° (artigo 55.º do contraprojecto da Câmara) um número novo, assim redigido:
Os horários de trabalho aprovados, com concessão de um dia de descanso além do dia de descanso semanal prescrito por lei, poderão continuar em vigor mesmo que deles resulte a não observância do limite prescrito no n.º 4 do artigo...
ARTIGO 3.°
(Excepções aos limites máximos dos períodos normais de trabalho)
43. O artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção do Decreto-Lei n.° 26 917, admite que o período de trabalho diário ou semanal seja aumentado "por expressa resolução do Governo em face de circunstâncias excepcionais e quando assim o impuser o interesse público".
Posteriormente, o Decreto-Lei n.° 32 193, de 13 de Agosto de 1942, veio esclarecer, no seu artigo 1.°, que a faculdade assim atribuída ao Governo "será exercida, para cada caso, pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social".
Não se nos diz qual a forma como poderá ser exercida, mas foi entendido que bastaria a de simples despacho, quer de regulamentação de trabalho, quer homologatório de convenções colectivas 112.
O preceito em apreciação retoma o assunto. O regime agora proposto [n.° 2, alínea a), e n.° 3] se não acentua mais fortemente a excepcionalidade da hipótese do aumento, no que se refere à natureza das actividades, acentua melhor o carácter de "última solução" que o aumento representa: se se mostrar absolutamente incomportável a sujeição aos limites máximos normais.
As achegas mais valiosas para a disciplina da matéria trá-las, porém, o artigo enquanto:
a) Indica expressamente [n.º 2, alínea a)] as fontes utilizáveis, que são o decreto regulamentar e os instrumentos de regulamentação colectiva;
b) Assegura (n.° 3) que, em relação a um período de várias semanas, o total das horas de trabalho não ultrapassará a média de quarenta e oito horas.
Esta última adversativa conforma o nosso dispositivo legal, aliás, sem modificar a prática já corrente, com o artigo 5.° da Convenção n.° 1.
Verifica-se que o sistema de cálculo da média de duração normal em relação a um período mais longo do que a semana (e a isto se reduz, afinal, a faculdade excepcional prevista) consta da legislação de muitos países m e é aí adoptado quanto a actividades de transportes e de construção e sujeitas a variações de ordem económica, como as da indústria hoteleira, por exemplo.
A indicação do número de semanas a ter em conta para o cálculo da média constará, como é lógico e a Convenção n.° 1 também previa, do decreto ou do instrumento de regulamentação colectiva que estabeleça o regime.
44. A inconsideração dos chamados serviços de carácter intermitente ou de simples presença constituía, quanto a este e outros aspectos, uma lacuna da nossa legislação, tanto mais de estranhar quanto a sempre citada Convenção n.° 1 [artigo 6.°, alínea a)] 114 já se lhe referia expressamente. Preenche-a a alínea b) do n.° 2, de maneira satisfatória.
Afigura-se razoável, e nada parece de opor-lhe, a menção das actividades sem fins lucrativos entre aquelas que podem justificar [n.° 2, alínea a)] a ultrapassagem dos limites máximos.
ARTIGO 4.º
(Redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho)
45. Trata-se de disposições programáticas, orientadas para. a execução de uma política de redução da duração do trabalho e, quanto ao n.° 2, de aceitar as prioridades sugeridas no § 9.° da Recomendação n.° 116. A Câmara nada tem a opor.
ARTIGO 5.º
(Fontes da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho)
46. O período de trabalho diário ou semanal, diz a lei vigente (Decreto-Lei n.° 24 402, no artigo 4.°, primeira parte), "pode ser reduzido por preceito legal, por via de resolução corporativa ou do Governo".
A intervenção por decreto regulamentar ou pelos instrumentos de regulamentação colectiva é a regra do sistema estabelecido no projecto, a que se não foge no caso presente.
Parecerá desnecessária a menção do decreto regulamentar, visto como a portaria figura entre os instrumentos de regulamentação colectiva admitidos pelo Decreto-Lei n.° 49 212, de 28 de Agosto de 1969, sobre "Relações colectivas de trabalho". A verdade é que não deve em boa lógica recusar-se ao decreto o que à portaria se concede e, por outro lado e no caso concreto, o Governo pode eventualmente desejar não se sentir vinculado aos condicionalismos que rodeiam a elaboração de portarias de regulamentação do trabalho.
As afirmações cautelares do n.° 2 visam a garantia das situações adquiridas pelos trabalhadores, que domina o direito laboral.
A Câmara concorda com a redacção do projecto.
111 Um inquérito efectuado em 1968 (suplemento n.° 19 ao Boletim n.° 22 do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra) fornece-nos elementos valiosos sobre a duração normal do trabalho em empresas que praticam o regime de semana americana o distrito de Lisboa.
112 Vide Dr. M. Rosado Coutinho, ob. cit., fl. 45.
113 La Durée du Travail, fls. 242 e segs.
114 A recomendação n.° 116 alude também à derrogação dos limites da duração normal quanto aos "trabalhos essencialmente intermitentes" [alínea a), i), do § 14.°].
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ARTIGO 6.°
(Limites máximos dos períodos normais de trabalho dos menores)
47. Outra disposição programática, cujo fundamento será ocioso encarecer. Dirigida como está, essencialmente, à ponderarão dos outorgantes nas convenções colectivas, e considerando os termos prudentes em que vem formulada, não merece qualquer objecção.
ARTIGO 7.°
(Intervalos de descanso)
48. O intervalo de descanso não conta como tempo de trabalho. O fundamento encontra-o a Convenção n.° 30 no facto de, durante elo, o trabalhador não estar ao dispor da entidade patronal. Acresce que, na ordem prática, não surge qualquer dificuldade em proceder à respectiva dedução no tempo compreendido entre o início e o termo do período normal de trabalho. Observa Paul Durand 115:
Está fixado na sua durarão de uma maneira invariável; pode ser previsto; a sua regularidade e fixidez impõem que seja deduzido para o cálculo da duração do trabalho efectivo.
Mas o que fica dito permanece válido tão-sòmente quanto ao descanso que inclui tempo para a refeição principal e, de uma forma genérica, quanto ao intervalo que supõe a faculdade de o trabalhador se ausentar do local onde presta serviço.
Já o mesmo não acontece relativamente ao tempo gasto com a refeição ligeira, que os Franceses chamam casse croûte: não é dedutível no período ide duração do trabalho. E algumas legislações contam como trabalho efectivo as horas de repouso e de refeição, desde que o trabalhador se não possa ausentar do local 116.
Por sua vez, em países como, por exemplo, a Finlândia e a Nova Zelândia, as convenções colectivas têm previsto, para actividades cuja natureza específica e cujas possibilidades o comportam, pausas de descanso de dez a quinze minutos, em geral uma de manhã, e outra da parte da tarde, dentro da mesma lógica da indisponibilidade do trabalhador também contadas como tempo de trabalho 117.
Na linha das preocupações que determinam a abertura dessas pequenas pausas intercalares pode talvez situar-se o disposto na parte final do n.° 2 deste artigo 7.°
49. Quando aludimos comummente a intervalos de descanso, estamos a pensar no intervalo principal, o único intervalo, afinal de contas, de que a quase totalidade dos trabalhadores aproveita.
Ora, na génese desse intervalo está não apenas a necessidade do repouso propriamente dito, mas também a de reservar tempo para a refeição.
As circunstâncias da vida hodierna, mas grande cidades e nos centros fabris mais arredados dos centros residenciais, convidam a permitir certa elasticidade na duração do intervalo, isenta da rigidez da hora e meia ou das duas horas clássicas. Estas parecerão lapso de tempo demasiado curto ou longo em demasia, consoante os trabalhadores se desloquem ou não desloquem às suas residências.
A maleabilidade do regime traduz-se, sensatamente em admitir que, por exame casuístico, a Administração aprove horários com intervalo inferior a uma hora (n.° 3). Seria arriscado ir mais além: estabelecendo um limite mínimo geral inferior ou, inclusive, dando às convenções colectiva competência para estabelecê-lo relativamente às actividades respectivas.
Como regra, para a generalidade das actividades, o intervalo deve ser bastante extenso para que os trabalhadores que assim o desejem e possam, tenham oportunidade dê almoçar em casa com os seus familiares. A tendência irresistível vai em sentido contrário? Concedido que assim fosse, não estaria pelo menos provado que a tendência deva ser incentivada pelo legislador.
Por outro lado, enquanto a duração do período de trabalho efectivo for da ordem das oito ou nove horas diárias, não é lícito abstrair da função compensatória das energias despendidas que ao "intervalo" se atribui.
50. O todo do regime de intervalos de descanso, tal como o constrói o artigo 7.°, responde, sem mais, às críticas aparentemente fundadas que a diversidade das fontes previstas nos n.ºs 2 e 3 porventura suscite.
O regime geral consta dos n.°s 1 e 3: a regra (horários com intervalo de uma ou duas horas) está no n.° 1, mas o n.° 3 permite que, em casos excepcionais, a entidade patronal requeira e o I. N. T. P. defira horários com intervalo de mais curta duração.
Os regimes especiais para actividade ou actividades determinadas vêm previstos no n.° 2: os instrumentos de regulamentação colectiva poderão dilatar a duração do intervalo principal ou estabelecer a obrigatoriedade de outros intervalos.
Porque não permitia que os instrumentos de regulação colectiva fixem intervalos menores? Porque o projecto os não quer com o carácter geral e abstracto, característicos das disposições convencionais ou regulamentares, mas no plano individualizado e concreto compatível apenas com o despacho administrativo, no exercício da competência conferida por lei.
51. Mais duas notas "obre aspectos formais:
O n.° 1 corresponde ao artigo 10.º do decreto-lei vigente. Com a diferença de que suprime a inútil disjuntiva "depois de quatro ou cinco horas consecutivas", certo como parece que, sendo lícito o trabalho consecutivo de cinco horas, lícito terá de ser, por maioria de razão, o de quatro horas.
A redacção do n.° 4, pelo contrário, afigura-se ambígua. Embora a Câmara não duvide de que o Governo quis incluir uma disposição permissiva e alternativa, e não limitativa, ler que "a autorização... poderá ser concedida apenas em relação a determinadas épocas do ano" talvez autorize o intérprete menos atento ao contexto a entender que a autorização não será concedida em relação ao ano todo.
Dissipará a ambiguidade a redacção que a Câmara propõe:
4. A autorização prevista no número anterior também poderá ser concedida apenas cm relação a determinadas épocas do ano.
ARTIGO 8.º
(Horário de trabalho)
52. A lei vigente que na redacção anterior à do Decreto-Lei n.° 43 182, chegou a usar a expressão indiferentemente no sentido rigoroso e para designar o "mapa
115 P. Durand e R. Jaussaud, Traité de Droit du Travail, tomo II, fl. 398.
116 La Durée du Travail,..., fl. 208.
117 Id., ib.
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de horário de trabalho" 118 não define horário de trabalho. O projecto fá-lo no n.° 2 deste artigo 8.° em termos tecnicamente rigorosos que mereçam, inteira concordância.
Quanto à competência da entidade patronal para estabelecer o horário de trabalho do seu pessoal, há apenas que verificar que o texto do n.° 1 reproduz, com bons motivos, o afirmado no artigo 49.° da Lei do Contrato de Trabalho.
Como escrevem os Drs. Almeida Policarpo e Monteiro Fernandes 119:
... "a competência conferida pelo artigo 49.° à entidade patronal para estabelecer o horário de trabalho é um corolário da competência geral (regulamentar) enunciada no artigo 39.°, nos termos da qual compete à entidade patronal fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho.
Finalmente o n.º 3 parece enquadrar-se no propósito de dar concretização ao preceito muito genérico do artigo 18.°, n.° 3, da mencionada L. C. T. sobre as atribuições dos órgãos de colaboração constituídos nas empresas.
ARTIGO 9.º
(Critérios especiais de organização dos horários de trabalho)
53. O artigo contém duas disposições de carácter programático, a segunda, das quais representa um feliz exemplo das formas possíveis de protecção aos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida. Recorda-se que os dolorosos problemas levantados pela existência de profissionais naquelas condições tardaram muito mais do que os relativos a mulheres e a menores, a interessar o legislador. Entre nós, o facto aconteceu pela primeira vez 120 no plano do direito laboral, ao que parece, com a Lei do Contrato de Trabalho segundo a versão consequente da revisão de 1969. O respectivo artigo 126.° exprime um princípio de orientação oferecido às entidades patronais, aos outorgantes nas convenções colectivas e ao Estado. A natureza genérica do preceito, a sua aparente ineficácia a curto prazo não satisfarão de todo os que, numa sociedade materialista votada a obter o máximo rendimento do que investiu, começam a despertar para a certeza de que também os diminuídos físicos, de que também os mais idosos gozam do direito ao trabalho e ao trabalho que lhes seja adequado.
O campo de intervenção é, porém, tão delicado que providências concretas mais generosas seriam talvez de momento contraproducentes.
Como quer que seja, regista-se com agrado o passo em frente que o n.° 2 do artigo 9.° traduz. A Lei do Contrato de Trabalho convida a que se proporcionem a estes trabalhadores "adequadas condições de trabalho"; a lei da duração do trabalho, no domínio próprio, considera que o "horário de trabalho adequado" corresponde a uma de tais condições. Se o sistema não constituísse, como constitui, uma espada de dois gumes, poder-se-ia aconselhar, num segundo momento de concretização, a observância do prescrito na Recomendação n.° 116 (§ 18.°) sobre a utilização dos diminuídos no trabalho extraordinário 121. E nada mais sobre o n.° 2.
Para o n.° 1, a Câmara julga preferível a seguinte redacção:
1. Na organização dos horários do trabalho, as entidades patronais deverão facilitar aos trabalhadores a frequência de cursos escolares, em especial os de formação técnica ou profissional.
ARTIGO 10.°
(Isenção de horário de trabalho)
54. A matéria está presentemente regulada no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 24 402 122. A disciplina legal assenta na exigência de requerimento e na faculdade de o I. N. T. P. o deferir ou indeferir (§ único) consoante se verifiquem ou não verifiquem no isentando determinados requisitos de ordem profissional (exercício de "cargos de confiança, de direcção ou fiscalização") ou pessoal (existência de "laços de parentesco muito próximo" com o patrão).
Na essência, o preceito tem como modelo a alínea a) do artigo 2.° da Convenção n.° 1 123, que excepciona da aplicação do respectivo regime as pessoas que ocupem um posto de fiscalização ou de direcção ou exerçam cargo de confiança. A maioria das legislações nacionais adopta critério similar 124, sem prejuízo de algumas variantes, determinadas quase sempre pelo propósito do exemplificar ou apreciar os conceitos de "direcção" e "fiscalização" 125.
Também em Portugal, nos primeiros anos de vigência da lei tanto os tribunais como a Administração tiveram de pronunciar-se com certa frequência a respeito do entendimento de qualquer das expressões em causa. Como era inevitável, a interpretação por via jurisdicional e administrativa, tal como aconteceria se a própria lei se excedesse em pormenorizações, não teve o condão de evitar que a casuística dos processos de isenção continuasse a impor melindrosas opções. Há situações extremas, delimitáveis e de relativamente fácil julgamento; para além delas, só a exigência complementar de outros condicionamentos desencorajará os pedidos sem motivo razoável e apenas o critério esclarecido e rectamente formado de quem os aprecie garantirá a justiça do despacho.
55. Entretanto, quais as inovações do projecto?
O n.° 1 deste artigo 10.° abandona a clássica referências aos "cargos de confiança, de direcção ou fiscalização", substituindo-a pela alusão a "funções ou cargos incompatíveis com a subordinação do seu período de trabalho a uma regime de duração normal".
Afigura-se que o texto proposto, embora sob a aparência de perigosamente genérico, oferece a inestimável vantagem
118 Cf. Dr. A. Silva Leal, ob. cit., fls. 103 e segs.
119 In Lei do Contrato de Trabalho, anotada, fl. 124.
120 Os Drs. Almeida Policarpo e Monteiro Fernandes, ob. cit., fl. 270, recordam-mos os precedentes da Lei n.° 2127, ainda não vigente por falta de regulamentado, e do Decreto-Lei n.° 49 212 que, no seu artigo 11.°, indica entre as matérias a conter, quando possível, em cláusulas de convenções colectivas a referente a "trabalho de idosos e diminuídos".
121 O relatório do B. I. T. a respeito da aplicação da Recomendação, limita-se a esta curta frase: "no que concerne às pessoas diminuídas, são raras as informações". La Durée du Travail..., fl. 274.
122 O § 4.° do artigo 1.º também fala em empregados isentos de horário de trabalho. Não se está aí, porém, em presença de verdadeira isenção, no sentido técnico-jurídico, isto é, de isenção fundada na posição pessoal dos isentos, mas antes de não aplicação do regime de horário de trabalho em determinado tipo de estabelecimentos.
123 A Convenção n.° 30 (artigo 1.°, § 3.°) refere-se a "posto de direcção ou de confiança".
124 Por exemplo: Argentina, Estados Unidos, Itália, Noruega, Reino Unido e U. R. S. S. - La Durée du Travail, fl. 205, nota 7.
125 Na Áustria, segundo um regulamento de 30 de Abril de 1938, só podem ser considerados de direcção os postos cujos agentes tenham pelo menos sob as suas ordens vinte pessoas. (Id., ib. nota 13.)
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de ir ao fundo do problema, pondo o acento tónico na circunstância única que justifica a isenção. Com efeito, não são os cargos em si, pela denominação, mais ou menos convencional, pela importância, mais ou menos subjectivamente atribuída, que conduzem à necessidade de eximir os titulares ao regime de duração normal do período de trabalho. Existe apenas, de um lado, a presunção de que essa necessidade se verifica quanto a determinados cargos; por outro lado, deve admitir-se que ora integrem ora não integrem o mesmo cargo (quer dizer, cargos com idêntica denominação) funções em relação às quais se verifique incompatibilidade com a sujeição ao regime de horário normal.
Resta observar que o preceito omite a referência aos casos de parentesco muito próximo contemplados na parta final do artigo 3.º do decreto-lei vigente. Parece que, a partir do momento em que se fixou doutrina sobre o alcance da disposição, evitando-se a abusiva extensão do conceito de "estabelecimento de pequena categoria" e o afastamento indevido da "proximidade" do parentesco, se instalou a prática de dispensar, na hipótese, o requerimento, julgando-se sancionadas as situações de facto conformes com o espírito da lei. Pode entender-se que o silêncio do projecto não contraria essa posição.
56. O processo de isenção, nos termos do n.° 2, passa a ser obrigatòriamente instruído com a declaração de concordância do isentando, que deve acompanhar o requerimento da entidade patronal. Legaliza-se assim a prática administrativa corrente. Como a lei em vigor nada estabelece, porém, a tal respeito, houve quem sustentasse 126 que, sendo a isenção acto da competência da Administração e devendo esta determinar-se por critérios legais, não pressupõe forçosamente a concordância do isentando.
O projecto desvanece as dúvidas e, além disso, não está de molde a hipotecar o poder discricionário do I. N. T. P.: a concordância do trabalhador é, segundo o n.° 2 do artigo 10.º, condição necessária, mas não condição bastante, da isenção.
57. A Câmara sugere ligeiríssimas alterações à redacção do n.° 2, a mais significativa das quais consiste na eliminação da palavra "neles", que, sobre ser inútil, se reveste de alguma ambiguidade.
A redacção preferível será:
2. Os requerimentos de isenção de horário de trabalho, [...] dirigidos ao I. N. T. P., serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos [...] documentos que sejam necessários pura comprovar os factos [...] alegados.
ARTIGO 11.º
(Condições da isenção de horário de trabalho)
58. O texto do n.° 1 suscitará, porventura, a questão de saber-se se, uma vez enunciadas nos instrumentos de regulamentação colectiva "as categorias profissionais que podem ser isentas de horário de trabalho" e fixadas "as retribuições mínimas [.. .]a que terão direito os trabalhadores dessas categorias" que se pretenda isentar, será ainda lícito ao I. N. T. P. indeferir os pedidos que demonstrem o preenchimento dessas condições. E, admitindo que assim seja, se não constituiria formalidade despicienda o próprio requerimento.
Esta seria, na verdade, uma inferência lógica da resposta negativa à primeira questão; quando muito, caberia, na hipótese, a mera comunicação ao I. N. T. P. da existência de situação ajustada à que a lei configurou.
Simplesmente, a dúvida inicial não parece legítima. O artigo diz que podem ser isentas determinadas categorias (e não que o devam ser) e admite que se fixem retribuições mínimas dos trabalhadores no caso de serem isentos (o que supõe a eventualidade de o não serem).
Julgamos que a doutrina resultante desta interpretação do texto é de jure constituendo a melhor. O estabelecimento de regras precisas, sejam elas concernentes a categorias profissionais, digam elas respeito a retribuições mínimas, visa apenas fornecer a quem tem competência para despachar os requerimentos uma bitola, um critério de exigência, a que não pode furtar-se, mas que lhe é lícito ampliar, atentas as circunstâncias do caso sub judice.
Com efeito, pode perfeitamente conceber-se que trabalhadores aos quais foi atribuída idêntica categoria profissional, exerçam actividades que, nuns casos, se afigurem compatíveis e, noutros casos, se demonstrem inconciliáveis com a sujeição a regime de duração normal.
E pode também acontecer que o grau de responsabilidade ou de sobrecarga de esforço do isentando imponham, circunstancialmente, variações mais ou menos sensíveis da retribuição especial a exigir.
59. Reportando-se às fórmulas de adopção dos princípios das Convenções n.ºs 1 e 30 sobre isenção do regime de duração do trabalho, peculiares às várias legislações nacionais, o B. I. T., no seu relatório de 1967, muita vez citado, afirma que "em certos casos, o montante do salário serve de critério".
Tem sido o caso português. Não, todavia, no plano legal: só a jurisprudência administrativa se fixou, desde início, no sentido de impor que aos isentandos seja atribuído aumento substancial de retribuição. O acréscimo varia, de resto, normalmente, em função do grau de inaplicabilidade "das disposições de horário de trabalho" 127. Inatacável, salvo melhor juízo, esta exigência complementar da exigência legal. O acréscimo quantitativo de serviço, o maior desgaste que as circunstâncias em que é prestado e a sua natureza qualitativa provocam, o cerceamento da disponibilidade pessoal do isentando, provavelmente consequente da isenção, merecem ser contrabalançados pelo correspondente aumento da retribuição.
O projecto legaliza, portanto, uma prática enraizada, quando, no artigo 11.°, declara que o nível mínimo da retribuição, nos termos aí indicados, é condição necessária do deferimento da isenção requerida.
A fidelidade à orientação genérica do diploma, de que o n.° 1 se não afasta quanto ao assunto em causa, conduz a que a norma do n.° 2 tenha carácter supletivo. "Na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva", e só então, recorrer-se-á à disciplina da lei, cujo critério repete o constante da disposição correspondente da L.C.T. (n.° 1 do artigo 50.°).
A norma estabelecida suscitara, porém, dúvidas e originara problemas que o preceito em causa naturalmente herdou.
126 Cf. v. g. a sentença da 1.ª Vara do Tribunal do Trabalho de Lisboa, de 13 de Abril de 1956 (Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, XXIII, p. 385).
127 Não tem sido ainda bastante sublinhado que, prevendo o corpo do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 24 402 a hipótese de ser requerida a não aplicação de "qualquer das disposições do horário de trabalho", se subentende a possibilidade de ser concedidas isenções de diferente extensão e, por conseguinte, de se exigir maior ou menor remuneração complementar.
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Diz-se que a retribuição especial a atribuir aos trabalhadores isentos não será inferior à retribuição correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia. Que se pretende significar por retribuição de urna hora de trabalho extraordinário? Por outras palavras e mais concretamente: a retribuição base sobre a qual é calculada a do trabalho extraordinário é a retribuição mínima obrigatória ou a retribuição efectivamente percebida?
Como o preceito não sugere o contrário, segue-se que para os seus próprios efeitos a retribuição do trabalho extraordinário se estima como para todos os demais efeitos: é sobre a retribuição efectiva da hora de trabalho normal que incide o aumento devido em relação à hora de trabalho extraordinário.
Salvo melhor opinião, este raciocínio vale como interpretação do texto; persiste a dúvida sobre o mérito da solução.
A solução "aumento calculado sobre a retribuição mínima" teria a vantagem de fornecer um critério baseado em certezas de retribuição, inquestionáveis, e um critério uniforme, de cómoda utilização. Mas implicaria sérias desvantagens: como aproveita dados teóricos e abstrai das realidades de facto, poderia conduzir, na ordem prática, ao absurdo de a exigência da melhor retribuição dos isentandos equivaler à de um vencimento inferior ao vencimento médio corrente da respectiva categoria profissional. Nem se diga que nessa hipótese o pedido seria fatalmente indeferido, porque isso só vem demonstrar a inconsistência do critério que teria tornado possível a sua formulação.
A solução "aumento calculado sobre a retribuição efectiva" beneficia da circunstância de se ajustar melhor às realidades da vida laboral, e não envolve por isso embaraços da mesma natureza dos indicados a propósito da outra solução. Não está, porém, imune de contra-indicações. Como pode acontecer que, em relação à mesma actividade, nuns casos a retribuição efectiva corresponda à retribuição mínima e noutros casos a exceda mais ou menos largamente, seguir-se-ia agora também a muito contestável utilidade do princípio legal. Das duas uma: ou funciona para, rìgidamente, condicionar a isenção ao aumento sobre a retribuição efectiva (que pode coincidir com a mínima), ocasionando situações de injustiça relativa, pois eventualmente exigiria mais aos que pagavam bem e menos aos que se cingiam ao mínimo prescrito, ou o I. N. T. P. usa de ampla, faculdade de apreciação casuística, e isto equivale a dizer que quase se desprende da referência à "hora extraordinária por dia" para se considerar em valor absoluto o montante da retribuição efectivamente paga.
Tudo ponderado, afigura-se que, apesar de tudo, ainda é esta segunda solução a mais defensável. E por esta razão essencial: o que obriga à melhor remuneração é a probabilidade da maior duração do trabalho que a isenção supõe". Se o isentando, enquanto cumpre o horário de (trabalho, recebe o vencimento x (que pode exceder o mínimo, tanto por virtude do nível geral de remunerações da empresa, como por exigência da melhor qualidade profissional do seu próprio trabalho), desde que pela isenção deixe de estar sujeito ao horário, merece receber, pelo menos, o que antes recebia mais a compensação prevista no antigo 11.°
60. A Câmara propõe algumas alterações aos n.ºs 1 e 2.
Ao contrário do que se afirma no n.° 1, não são as "categorias profissionais que podem ser isentas", mas sim os trabalhadores que a essas categorias pertençam.
Simplifica-se a redacção do n.° 2 e substitui-se aí, pelos motivos expostos a propósito de outras disposições do projecto, a palavra "retribuição" por "remuneração".
Por outro lado, embora se lhe afigure que esse é já o entendimento do preceito, a Câmara julga prudente que o mesmo n.° 2 expresse que a remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia será calculada nos termos estabelecidos na primeira parte do n.° 1 do artigo 19.° do projecto.
O texto sugerido é o seguinte:
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho enunciarão as categorias profissionais que podem justificar isenção de horário de trabalho e fixarão as retribuições mínimas a que, no caso de serem isentos, terão direito os trabalhadores dessas categorias.
2. Na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, calculada nos termos estabelecidos no artigo ... para a primeira hora de trabalho extraordinário.
ARTIGO 12.°
(Efeitos da isenção do horário de trabalho)
61. A lei vigente nada consigna sobre os efeitos da isenção do horário de trabalho. A redacção do seu artigo 3.°, para a qual se teve ensejo de chamar a atenção (nota 127), consente, porém, o entendimento de que os efeitos variam consoante a amplitude do despacho. A doutrina não é pacífica, mas a jurisprudência dominante 128 consagra essa interpretação.
A disposição em apreço corta o caminho a quaisquer dúvidas, parece harmonizar-se com o contexto e, nomeadamente, está na lógica da definição do artigo 8.°, n.° 2.
Não se reputam aliás aconselháveis, dada a impossibilidade de fiscalização eficaz, isenções limitadas a número fixo de horas de trabalho ou traduzidas apenas em livre configuração do período normal.
62. Pelos motivos aduzidos no comentário ao artigo 35.°, a Câmara julga de aditar a este artigo 12.° a expressão "ou pelos contratos individuais de trabalho".
O preceito deve ficar assim redigido:
Os trabalhadores isentos de horário de trabalho não estão sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, mas a isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva, [...] por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social ou pelos contratos individuais de trabalho.
ARTIGO 13.°
(Noção de trabalho extraordinário)
63. O projecto vai buscar a noção de trabalho extraordinário à L. C. T. (artigo 46.°, n.° 1).
128 Em sentido diferente uma sentença da 1.ª Vara do Tribunal do Trabalho de Lisboa, de 8 de Junho de 1948 (v. o texto no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ano XV, fl. 278, e, no Guia Prático do Horário de Trabalho e Descanso Semanal, o comentário do Dr. Pedro Veiga).
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A expressão "para além do período normal", entendida num sentido literal, aliás de muito contestável exactidão e que sem dúvida o espírito do preceito repele, conduziria na aplicação prática a soluções incongruentes e injustas.
Assim, julgou-se que o trabalho extraordinário não poderia ser prestado por antecipação do período normal 129, como se, dizendo para além de, devêssemos pensar no tempo que lhe sucede, em vez de pensarmos naquele que o excede.
Por outro lado, chegou a pretender-se, segundo parece, que a classificação do trabalho como extraordinário supõe necessàriamente que o trabalhador haja esgotado o "número de horas que se obrigou a prestar" e que, nos termos do artigo 45.° do diploma citado, correspondem ao período normal. Haveria, assim, a possibilidade de a entidade patronal lhe exigir, como normal, fora dos limites do horário, isto é, antes da hora de início, depois da hora do termo e durante o intervalo de descanso, o trabalho que por qualquer motivo não fosse cumprido no momento previsto.
Num caso como no outro, há uma visão parcelar e inconcludente do problema.
Como adverte o Dr. Bernardo Xavier 130, deve considerar-se extraordinário todo o trabalho prestado além do convencionado, e o convencionado, quantitativamente, corresponde a um número determinado de horas.
Mas o horário de trabalho, elaborado pela entidade patronal dentro dos condicionalismos legais, passa a ser parte integrante do contrato, e os respectivos limites definem, qualitativamente, as horas que o trabalhador está obrigado a prestar.
A Câmara recomenda, apesar de tudo, que, em vez de "para além do período normal", se diga "fora do período normal".
E inequívoco e não se afasta do sentido do artigo 46.° da Lei do Contrato de Trabalho.
64. Desta sorte, para os efeitos da lei, nomeadamente para o efeito de remuneração 121, todo o trabalho prestado fora do período normal é trabalho extraordinário.
Mas o número de horas prestadas e a sua localização relativamente ao horário apenas definem de facto o trabalho como extraordinário: não lhe dão a essência de trabalho extraordinário e, portanto, não o legitimam. Legitima o trabalho extraordinário a natureza extraordinária das tarefas que o determinam.
Embora o uso corrente das palavras possa ter habituado a outra ideia, o espírito da nossa legislação foi sempre o agora claramente denunciado pelo teor do n.° 2 deste artigo 13.° e que vem da alínea b) do artigo 6.° da Convenção de Washington. O que se prevê como derrogação temporária das normas reguladoras da duração do trabalho não são acréscimos de horas de trabalho, independentemente da normalidade ou excepcionalidade dos motivos que as originam; são horas do trabalho suplementar, prestadas "para fazer face a anormais acréscimos de trabalho" 132. Quer isto significar que, em bom rigor, o carácter extraordinário é do serviço que acresceu ao habitual, e não tanto das "horas de trabalho a mais" necessárias para o executar.
A alínea b), referente aos casos de força maior e de iminência de prejuízos importantes, também previstos na Convenção n.° 1 133 (artigo 3.°), tem sobre o artigo 5.º do Decreto-Lei n.° 24 402, como se viu (nota 129), a clara vantagem de explicitar que, podendo os casos de forca maior e a iminência de prejuízos ocorrer antes do início e depois do termo do período normal, tanto se justifica a antecipação deste como o seu prolongamento.
Tem-se, no entanto, por dispensável proclamar de forma expressa o que a inexistência de alusão ao prolongamento do trabalho, ao contrário do que está na lei vigente, torna perfeitamente líquido.
De resto, a redacção do projecto quanto a esta alínea b) deveria, para o sistema ser lògicamente impecável, impor a correspondente alteração da alínea a).
Do exposto resulta que, no parecer da Câmara, a disposição em causa deve dizer:
1. Considera se trabalho extraordinário o prestado fora do período normal.
2. O trabalho extraordinário só poderá ser prestado:
a) Quando as entidades patronais tenham de fazer face a acréscimos de trabalho;
b) Quando as entidades patronais estejam na iminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior [...]
ARTIGO 14.º
(Trabalho não compreendido na noção de trabalho extraordinário)
65. Dispensa comentários a alínea a) do n.° 1, consequente dos efeitos atribuídos à isenção pelo artigo 12.°
A alínea b) mão tem precedentes no nosso direito do trabalho. Parece constituírem antecedentes justificativos da excepção aí estabelecida certas dúvidas suscitadas pela aplicação do n.° 1 do artigo 54.º da L. C. T.
Segundo esta última disposição, "o trabalhador tem direito à retribuição correspondente aos feriados, quer obrigatórios, quer concedidos pela entidade patronal, sem que este os possa compensar com trabalho extraordinário". É evidente a ratio legis: intentou-se arredar a muito discutível e impopular "compensação dos salários", que o § 2.° do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 38 596 gizara e fora mantida na redacção que lhe deu o artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 43 182. Pretendeu-se libertar da compensação os feriados não obrigatórios, e muito especialmente os não oficiais concedidos pela entidade patronal a pretexto de acontecimentos com projecção local ou de factos marcantes na vida da própria empresa.
Tem acontecido, entretanto, que, no interesse dos trabalhadores e a seu pedido, as entidades patronais, quando o calendário aproxima, quer feriados entre si, quer feriados e dia de descanso semanal, sem, no entanto, os juntar,
129 A afirmação expressa de que, em caso de força maior ou na iminência de prejuízos importantes, a entidade patronal tanto pode prolongar como antecipar o período normal, feita na alínea b) do n.° 2 do artigo 13.° em apreciação, pode justificá-la a restrição, muito pouco razoável, do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 24 402 vigente.
Deve ter-se desejado marcar bem a diversidade do regime projectado.
130 In Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, anotado (Coimbra 1969), nota II ao artigo 46.°, fl. 92.
131 O Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 14 de Dezembro de 1943) já decidiu, certamente para preservar ao trabalhador a competente retribuição com 50 por cento, que é extraordinário todo o trabalho além do prescrito no horário,
"mesmo quando executado com a regularidade própria do trabalho normal".
132 No original francês: "... faire face a des surcroits de travail extraordinaires", in Conventions et Recommandations, 1916-1966, fl. 3 (B. I. T., Genève, 1966).
133 E nas legislações, entre outros países, da Argentina, Bélgica. Brasil, Bulgária, Chile, Espanha, Finlândia, França, Israel Japão, Marrocos, México, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Suécia e U. R. R. S. (La Durée du Travail..., fl. 258, nota 2).
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facilitam a chamada ponte, mediante a transferência do trabalho correspondente ao dia ou dias intercalados. E a hipótese prevista na Lei do Contrato de Trabalho? Embora se afigure que não é, já foi entendido o contrário, com suficiente apoio no texto, para, pelo menos, aconselhar que se não corra o risco de, por eventuais rigores de interpretação, se frustrar a realização dos desejos e a protecção do interesse dos trabalhadores.
A questão vem resolvida no projecto de maneira a ficarem inquestionavelmente distintas a hipótese da compensação de feriados, que a Lei do Contrato de Trabalho proíbe, e a compensação de meras suspensões de actividade, que agora se prevêem e regulam.
A alínea b) do n° 1 em causa diz que a duração das suspensões de actividade compensáveis não deve exceder quarenta e oito horas seguidas ou intervaladas; não diz, porém, em que condições pode efectuar-se a compensação. Daí a exigência da comunicação ao I. N. T. P. exarada no n.°2. O texto não legitima dúvidas a respeito do carácter prévio dessa comunicação.
Se as condições de compensação reveladas forem indesejáveis, o I. N. T. P. terá assim processo de impedir a compensação.
A Câmara concorda, portanto, com o texto proposto.
ARTIGO 15.º
(Dispensa da prestação do trabalho extraordinário)
66. Mais uma vez o projecto integra no regime jurídico da duração do trabalho um preceito constante da L.C.T. No caso, o n.° 3 do artigo 46.° respectivo.
O facto de o trabalhador ter de "solicitar expressamente" a dispensa faz supor que a "invocação de motivos atendíveis" será seguida da comprovação da atendibilidade dos motivos invocados. Considerando, porém, as circunstâncias da execução da lei e a heterogeneidade dos seus destinatários, a Câmara prefere uma redacção que acentue a necessidade de existência de motivos atendíveis e se não limite a referir a sua invocação. Poderá ser:
O trabalhador deve ser dispensado de prestar trabalho extraordinário quando, havendo motivos atendíveis, expressamente o solicite.
ARTIGO 16.º
(Número máximo de horas de trabalho extraordinário)
67. O trabalho extraordinário envolve, para usarmos expressão muito familiar aos documentos emanados da O. I. T., a derrogação temporária das normas que fixam o período normal de trabalho. Daí 133-a, partindo do conceito legal, todos os cuidados votados a impedir que dele se exorbite.
A nossa legislação, e no pendor das disposições vigentes está o projecto em exame (artigo 13.°, n.° 2), começa por enumerar os casos em que é lícito o recurso ao trabalho extraordinário.
Não se esgotam, porém, desta sorte, as possibilidades de condicionamento que evitem ou atenuem a tendência para tomar sistemático esse recurso, com esquecimento de que o trabalho extraordinário, por definição, tem carácter excepcional.
São dos dois tipos seguintes os condicionamentos alternativa ou conjuntamente adoptados pela maioria das legislações nacionais:
a) Limites máximos temporais.
b)) Melhoria obrigatória da remuneração.
O Decreto-Lei n.° 24 402 não prevê limitações à prática de trabalho extraordinário, mas a experiência encarregou-se de apontar os inconvenientes da omissão, de maneira que o I. N. T. P., no caso de alguns sectores propensos a exagerar, estabeleceu-lhe mais ou menos minucioso regulamento, quer por iniciativa própria, quer em sequência de propostas dos organismos corporativos ou das comissões corporativas interessadas.
Dois factos não são contestáveis: que a tendência para normalizar o trabalho extraordinário é constante da generalidade dos países, e se verifica, inclusive, em alguns dos mais evoluídos 134, e que não pode ser uniformemente motivada, pois a sua explicação vai desde as necessidades imprevisíveis da conjuntura empresarial 135 à deficiência de estrutura dos quadros ou à penúria de mão-de-obra e desde o objectivo de garantir circunstancialmente o abastecimento público às exigências de execução de planos de desenvolvimento económico.
Tem de reconhecer-se, paralelamente, que os trabalhadores, se nalguns casos contrariam a propensão das entidades patronais, noutros se mostram solidários com ela e até a incentivam.
Parece, aliás, que também aqui o problema não é apenas nosso. Peter Henle, publicista americano, director do Gabinete de Estatísticas do Trabalho, inseriu em Julho de 1966 na Monthly Labour Review um curioso estudo 136, onde se propôs demonstrar que, ao arrepio das previsões relativas ao futuro da economia, uma parte muito significativa da mão-de-obra dos Estados Unidos trabalhava mais de quarenta e oito horas por semana e que tudo indicava que essa proporção devia ainda acentuar-se.
Segundo as estatísticas, em Maio de 1965, 21 por cento dos trabalhadores americanos trabalhavam quarenta e nove ou mais de quarenta e nove horas, e entre eles "a maioria fazia de quarenta e nove a cinquenta e nove horas, mas 40 por cento, bem contados, passavam no trabalho sessenta horas ou mais".
Mais curioso, porém, o exame a que o autor submeteu os elementos estatísticos para concluir sobre os grupos etários, classes sociais e profissões dos trabalhadores "que trabalham tanto tempo".
Assim, identificou três tipos de pessoas nessas condições:
O primeiro grupo - diz - compreende aqueles que gostam verdadeiramente do seu emprego e que por esta razão, querem trabalhar longas horas. Este grupo é ilustrado pela proporção relativamente forte de empregados com formação universitária ou técnica, que fazem horas suplementares.
133-a A Recomendação n.° 116 (§ 14.°) além das clássicas derrogações a "título permanente" e a "título temporário" considera una terceira figura: as derrogações a "título periódico". Entre estas, indica as que resultam de horas extraordinárias efectuadas para elaboração de inventários e orçamentos anuais.
134 Por isso são de interpretar em termos hábeis certas reduções espectaculares dos limites máximos do período normal. Os quadros estatísticos mostram à saciedade que alguns dos países cujo limite máximo legal é mais baixo são precisamente aqueles em que se verifica maior duração efectiva do trabalho e até em que o aumento progressivo das horas extraordinárias se tem agravado nos últimos anos.
135 Prevista expressamente na Convenção n.º 30 [artigo 7.°, n.° 2, alínea d)] como um dos fundamentos de autorização de trabalho extraordinário.
136 Depois publicado em língua francesa ma revista Analyse et Prévisions (Janeiro de 1967) e transcrito, por extractos, em Problémes Économiques (n.° 1002, 16 de Março de 1967, fls. 23 o segs.).
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776 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 72
Continua:
No segundo grupo há as pessoas que ocupam situações de responsabilidade e de quem se espera ou exige que permaneçam muitas horas no seu posto.
A terceira categoria está em profundo contraste com as outras duas. Compreende as pessoas que trabalham durante mais tempo por necessidade de ganhar mais.
Mas o autor, com base em inquéritos elaborados pelo Gabinete de Estatísticas do Trabalho do seu país, procurou ainda estabelecer a relação entre o prolongamento do tempo de trabalho e o nível das remunerações. Os resultados preliminares dos inquéritos vieram ao encontro da sua convicção de que entre os trabalhadores com muitas horas de trabalho há uma forte representação "tanto dos que ganham menos como dos que ganham mais" do que a média.
Particularmente interessante esta observação, que, a poder confirmar-se entre nós, viria sublinhar a já bem testemunhada dificuldade de, com equilíbrio de todos os interesses subjacentes, equacionar um problema de tão complexas incidências. Diz-se, por vezes, que o expediente das horas extraordinárias não constitui processo tolerável do suprimento dos salários de baixo nível. O que é exacto, mas não basta para contrariar o "facto" desses salários, nem fazer esquecer que mesmo os de nível satisfatório são, em cada caso, confrontáveis com o teor de vida a que o trabalhador em causa aspira.
Pela sua parte, a entidade patronal tem motivos conjunturais para se não desejar peada nos propósitos de recorrer com alguma frequência ao trabalho extraordinário do pessoal que pôde recrutar e adestrar profissionalmente.
68. A lei não pode deixar de determinar-se por uma grave razão de interesse público: a mesma razão que justifica os limites máximos legais do período normal. Porque estes se converteriam em regra platónica e inoperante se fossem impunemente contornados pela sistemática utilização de trabalho suplementar.
Há duas formas de evitá-lo: pelo processo directo ou por um processo indirecto.
Consiste este último em tornar demasiado oneroso e, portanto, indesejável para a entidade patronal a frequência da prática de horas extraordinárias.
Como o encargo, mesmo pelo sistema de taxa progressiva, não ultrapassa montantes pecuniários acessíveis à grande maioria, parece mais eficaz a combinação do processo com a demarcação de limites diários, semanais ou anuais.
Nesse sentido se têm pronunciado os documentos oriundos da O. I. T. Para citar dois "momentos" extremos: enquanto a Convenção n.º 1 (artigo 6.°) alude a máximos fixados "em regulamento da autoridade pública", a Recomendação n.° 116 (§ 17.°) prevê máximos relativamente "a um período determinado".
Quanto aos casos de acidente, de trabalhos de urgência e de força maior, "a Convenção n.° 30, implìcitamente, e a Convenção n.° 30 (artigo 7.°, § 3.°) e a Recomendação n.° 116 (§ 17.°) explicitamente" 137 não se referem a qualquer limite.
A paisagem das regulamentações nacionais é extremamente variada.
Assim, abstraindo dos países que não prevêem limites 138, estes são fixados, ora conjuntamente em relação ao dia e ao ano, ora ao dia e à semana, ora à razão de tantos dias e de tantas semanas por ano 139; ora são genèricamente estabelecidos para toda a sorte de horas extraordinárias, ora variam segundo as causas que as originam 140. Por vezes, marcam-se limites especiais para trabalhos sazonais e periódicos, como os de inventários e de balanço 141, por se admitir que nesses trabalhos se utilizem horas extraordinárias que acresçam às autorizadas para a actividade genérica da empresa.
O regime do projecto, neste artigo 16.°, joga com dois limites:
a) Limite diário, traduzido em horas;
b) Limite anual, traduzido em dias.
Se, por mera hipótese, fosse obrigada a optar entre os dois limites ou a estabelecer uma prioridade, a Câmara consideraria mais necessário e mais instante fixar o primeiro.
A sobrecarga diária de trabalho extraordinário tem reflexos imediatos na saúde do trabalhador, pelo que, com a respectiva limitação, vai preencher-se uma grave lacuna da nossa ordem jurídica.
Que pensar do limite de duas horas diárias? A Câmara dá-lhe a sua concordância, tanto mais quanto é certo que os n.ºs 2 e 3 do artigo permitem atender a várias situações especiais. Acresce que, par força do disposto na alínea b) daquele n.° 2 e à semelhança do que prescreve a legislação de muitos países 142, a observância dos limites, tanto diários como anuais, não prejudica a utilização de trabalho extraordinário quando as entidades patronais estejam na iminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior.
Muito mais discutível o limite anual de cento e vinte dias.
Segundo o critério do projecto, o máximo atingível durante o ano (e deve pensar-se no ano civil) é de duzentas e quarenta horas, ou seja, as que resultam do máximo diário de 2 horas multiplicado pelo máximo anual de cento e vinte dias. Se, porém, o trabalhador, em cento e vinte dias, prestou apenas cento e vinte horas, à razão de uma por dia, nem mais uma poderá cumprir, visto que, embora nunca tenha chegado ao máximo diário, já ultrapassaria, com a sua 121.ª hora, o máximo anual.
O critério é passível de duas críticas.
137 Cf. La Durée du Travail..., fls. 264 e 265.
138 "O Governo Australiano e o da Nova Zelândia sublinham que a legislação nacional não fixa limites, a não ser no que se refere às mulheres e aos jovens, e que a taxa progressiva de aumento de remuneração serve de freio ao recurso excessivo às horas suplementares" (ob. cit, § 301, fl. 284).
139 Suíça (artigo 12.º da Lei do Trabalho de 1964): duas horas por dia, máximo de cento e vinte e duas horas por ano; Checoslováquia (artigo 97.° do Código do Trabalho): quatro horas por cada dois dias consecutivos, oito horas por semana, cento e cinquenta horas por ano; U. R. S. S. (artigo 100.° do Código do Trabalho): quatro horas por cada dois dias consecutivos, cento e vinte por ano; Espanha (Ley de Jornada Máxima de Trabajo, artigo 4.°): cinquenta por mês e duzentas e quarenta por ano.
140 V. g. Finlândia (Lei de 30 de Dezembro de 1965, § 11.°): dezasseis ou vinte horas por cada duas semanas; cento e vinte, duzentas e trezentas e vinte horas por ano, conforme os casos.
141 Bélgica (artigo 17.°, § 2.°, da Lei de 1964): sete dias em cada ano civil, além das treze semanas a dez horas semanais; Itália (artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 692): doze horas por semana, em média, relativamente a nove semanas, etc.
142 La Durée du Travail..., fl. 267: "Casos de acidente, de trabalhos urgentes e de força maior - em geral, a legislação e as práticas nacionais não prevêem limite nestes casos"; ob. Cit., fl. 265: informação idêntica.
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A primeira incidiria sobre o aliás inevitável convencionalismo do número escolhido. Porquê cento e vinte dias, e não oitenta, cento e cinquenta ou duzentos? Responder-se-á que a eleição daquele número não é menos inspirada nem mais feliz do que a destes ou a de qualquer outro imaginável. Justificada a existência de limite, teria de correr-se necessàriamente o risco da sua fixação mais ou menos arbitrária 143.
A segunda visa a circunstância de entrar em função com o número de dias do ano em que se recorre a trabalho extraordinário. Na verdade, o que realmente se pretende é pôr um dique ao excesso anual de horas suplementares. Trabalhar extraordinàriamente em cento e vinte dias do ano pode não significar nada na perspectiva social da lei, se esses cento e vinte dias tiveram apenas uma hora diária de trabalho extraordinário. Mais: cento e cinquenta dias a uma hora diária (total - cento e cinquenta horas), que a lei não consentiria, constituem decerto muito menor sobrecarga do que cento e vinte dias a duas horas (total - duzentas e quarenta horas), a que o nosso artigo 16.° nada teria a opor.
Pelo exposto, a Câmara prefere que o limite máximo anual se fixe nas potenciais duzentas e quarenta horas, combinando-o, evidentemente, com o máximo diário de duas horas, mas sem qualquer menção do número de dias em que sejam prestadas.
69. Nada a objectar à doutrina das três alíneas do n.° 2, bem como à do n.° 3. Como não são as horas extraordinárias, como tais, que se deseja impedir, mas na medida em que elas se aditem ao máximo normal permitido, é irrecusável a lógica do disposto na alínea a). A alínea b) tem em conta, como já se referiu, a natureza peculiar das horas extraordinárias requeridas pela ocorrência de casos de força maior ou pela iminência de prejuízos graves. Finalmente, a alínea c) parece ditada pela chamada jurisprudência das cautelas: seria imprudente fechar a porta à consideração de outras eventuais circunstâncias justificativas da elevação dos máximos legais.
O n.° 3 autoriza, não já o exame casuístico de situações excepcionais, mas o estabelecimento, por via dos instrumentos de regulação colectiva, de "máximos" superiores aos da lei, em correlação das reduções operadas nos limites do período normal. Contudo, afigura-se que o preceito é desnecessário, por já estar contido no n.° 2, alínea a).
70. Mais uma observação, e, se bem se apreende o sentido do preceito em causa, será de carácter meramente formal. Toca ao n.° 1.
Diz-se-nos que "em regra, cada trabalhador não poderá prestar à mesma entidade patronal mais do que duas horas de trabalho extraordinário [...]". A menos que tenha sido por inadvertência, e não cremos que disso se trate, o projecto alude "à mesma entidade patronal" porque só relativamente a uma, ou a cada uma ide per si, é controlável a situação do trabalhador: não parece fácil apurar o número de horas prestadas no conjunto de um emprego principal e de ocupações complementares.
Mas talvez seja dispensável e até inconveniente explicitá-lo. Admitir o próprio facto da acumulação colocaria o legislador numa posição ingrata. Se, no interesse do trabalhador, lhe veda a prestação de mais de duas horas extraordinárias a uma entidade patronal, como reconhecer que sobrevenham ainda outras, suplementares do trabalho em período normal, para uma segunda empresa?
Afigura-se, por isso, que a expressão "à mesma entidade patronal" deve ser eliminada.
71. Os motivos apresentados (n.ºs 68 e 70) conduzem a que ao n.° 1 do artigo 16.° seja dada a seguinte redacção:
1. Em regra, cada trabalhador não poderá prestar [... ] mais do que duas horas de trabalho extraordinário por dia, até o máximo de duzentas e quarenta horas por ano.
..........................................................................................................................
3. Eliminado.
ARTIGO 17.º
(Condições de prestação de trabalho extraordinário)
72. É tradicional e obviamente justificada a exigência de registo do trabalho extraordinário.
A Convenção n.° 1 dispunha [artigo 8.°, alínea c)] que "para facilitar a aplicação destas disposições" (as dos artigos 3° e 6.°, no que se reportava a horas suplementares) cada patrão deveria "inscrever num registo, segundo o modo aprovado pela legislação de cada país ou por regulamento da autoridade competente, todas as horas suplementares efectuadas [...]" 144.
Entre nós, o registo já é obrigatório. Por directa imposição da lei (Decreto-Lei n.° 24 402, segundo a redacção do Decreto-Lei n.° 43 182), na hipótese de prolongamento do trabalho em caso de força maior (artigo 5.°, id.); por despacho ministerial, ao abrigo do § 3.° do artigo 20.° do referido diploma, aplicável por força do seu artigo 22.°, quanto à generalidade das horas suplementares.
Deve acrescentar-se que, no plano da lei futura, o registo se impõe por maioria de razão, visto que em princípio, embora a título experimental, como adverte o preâmbulo, o trabalho extraordinário não carece de ser requerido.
73. Convirá, contudo, para assegurar a devida fiscalização, que o registo do trabalho extraordinário seja feito antes do seu início, devendo constar das anotações a hora prevista do começo e a do seu termo.
74. O n.° 2 não invoca, cinge-se a repetir, quase textualmente, o constante do § 2.° do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção que lhe deu o artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 43 182.
Diminui, porém, sensivelmente o interesse prático da disposição, posto que no domínio da lei actual é regra a exigência de requerimento, e, segundo o projecto, só o pedem os casos excepcionais da alínea c) do n.° 2 do artigo 16.° e do artigo 18.º
A Câmara entende, por isso, que não há inconveniente na sua eliminação.
75. O preceito seria, portanto, redigido do modo seguinte:
1. As entidades patronais deverão possuir um registo de horas de trabalho extraordinário onde, antes do início da prestação [...], serão anotadas as horas previstas de começo e termo do trabalho.
[2]. Eliminado.
143 O direito comparado revela-nos os mais díspares limites. (La Durée du Travail..., fls. 264 a 268, e nomeadamente a fl. 267 e § 234.)
144 A Recomendação n.° 116 [§ 21.°, alínea c)] insiste na obrigação de inscrever num registo as horas suplementares de cada trabalhador e de apresentar esse registo à inspecção quando esta o solicite.
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ARTIGO 18.º
(Trabalho extraordinário de menores)
76. Com outra ênfase verbal e sugerindo manifestamente alguma severidade na apreciação dos pedidos formulados, a disposição não se afasta muito, apesar de tudo, da que lhe corresponde na lei vigente (§ 1.° do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 24 402, segundo a redacção do Decreto-Lei n.° 43 182).
Compreende-se muito bem que o legislador desencoraje o trabalho extraordinário de menores. Diversos países têm orientado a sua política nesse sentido, e alguns proíbem, inclusivamente, o emprego dos menores, ou dos menores de 16 anos, para além do período normal 145.
77. Parece de suprimir a expressão "ou dos acréscimos de trabalho", uma vez que a realidade que se pretende traduzir já consta genèricamente do texto, expressa pela palavra "tarefas".
Em compensação, parece que o trabalho extraordinário dos menores só deve ser autorizado se daí não resultar prejuízo para as respectivas actividades escolares.
A redacção do artigo, sujeito a outras pequenas alterações de carácter formal, deve ser, por conseguinte:
O trabalho extraordinário de menores de 18 anos depende de autorização prévia do I. N. T. P., que só poderá ser concedida quando esse trabalho for absolutamente imprescindível para a realização das tarefas [...] que motivem o pedido formulado pelas entidades patronais e não prejudicar as actividades escolares dos menores.
ARTIGO 19.°
(Retribuição do trabalho extraordinário)
78. O trabalho extraordinário supõe remuneração privilegiada. Sem ela, a destrinça entre trabalho extraordinário e trabalho dentro do período normal seria de minguado interesse prático.
Como afirma o B. I. T. 146, o princípio da melhor remuneração das horas suplementares decorre de duas razões: "Em primeiro lugar, é justo que o suplemento de esforço pedido ao trabalhador seja compensado por uma remuneração proporcional. Em segundo lugar, a obrigação de pagar a mão-de-obra por mais alto preço constitui um freio ao abuso por parte das entidades patronais; e tanto mais eficaz quanto a taxa de aumento seja mais pesada e de progressão mais rápida."
Não surpreende que a Convenção de Washington, no seu artigo 6.°, tenha precisado que "a taxa de salário para estas horas suplementares será acrescida de 25 por cento, pelo menos, em relação ao salário normal" 147
No entanto, nem todas as legislações nacionais se têm conformado integralmente com essa orientação.
Algumas prescrevem o aumento apenas para além de um certo número de horas adicionais por ano outras sòmente quanto às horas extraordinárias que levam a ultrapassar os limites máximos legais 148. Em abono da verdade, tem de acrescentar-se que estes casos de remuneração sui generis estão longe de representar a maioria.
Em Portugal, o Decreto n.° 5516. fazendo figura de pioneiro, tinha querido ser mais generoso do que a Convenção de Washington. A taxa de aumento prescrita era de 100 por cento, e dificilmente admitiria confronto com a das legislações contemporâneas do decreto.
Compreende-se, daí, que o legislador de 1934, sem se dispensar, por certo, de concluir que o texto de 1919 valia o que valia nas colunas do Diário do Governo, mas compelido a não desatender em absoluto ao precedente criado, tenha salomònicamente cortado as suas dúvidas pela média dos 50 por cento. Isto vem dito, aliás, em palavras sóbrias, no relatório preambular do Decreto-Lei n.° 24 402.
Entretanto, foi instituído o regime de abono de família e criado o Fundo Nacional de Abono de Família, com as funções de compensação que lhe atribuiu o Decreto--Lei n.° 32 192.
Decididamente empenhado em consolidar aquele regime, o legislador convenceu-se de que seria "justo fazer reverter para o F. N. A. F. e, portanto, para a generalidade dos trabalhadores a parte em. que a remuneração do trabalho prestado fora do horário normal excede a percentagem proposta pela Convenção de Washington".
Desta sorte, e porque o direito comparado nem assim deixaria a nossa lei em posição desairosa, pôde o artigo 2.° dó Desereto-Lei n.° 32 198, de 13 de Agosto de 1942, mandar descontar para o Fundo metade do aumento sobre a remuneração normal, referido no artigo 15.° do Decreto-Lei m.° 24 402 150.
Embora sob o ponto de vista jurídico formal a situação permaneça inatacável, em face da correcta ligação entre os dois diplomas, os interessados passaram a encarar as percentagens de aumento, mantidas na lei do horário de trabalho, como uma espécie de ficção legal sem correspondência nos factos.
Crê agora o Governo ter chegado a oportunidade de formalizar melhor a situação material em que se vive desde 1942. É o que se depreende das palavras terminantes do preâmbulo:
Os aumentos de retribuição previstos no diploma passam a ser independentes das contribuições devidas ao Fundo Nacional do Abono de Família.
Simplesmente, e embora reconhecido que difìcilmente o poderia ter, este pensamento não tem um mínimo de expressão no articulado.
145 Brasil (Consolidação da legislação do trabalho, artigo 143.°): interdição para os menores de 16 anos, salvo em casos de força maior, de interesse público ou circunstâncias graves; Espanha (Ley de Jornada Máxima, artigo 7.°): interdição para os menores de 16 anos; Roménia (Código do Trabalho, artigo 59.°): idem, menores de 18 anos; Suíça (Lei Federal do Trabalho, artigo 31.°): idem, 16 anos; Turquia (Código do Trabalho, artigo 48.°): menores de 16 anos. V. sobre o assunto, La Durée du Travail..., fl. 214 e nota 5.
146 La Durée du Travail..., fl. 268, § 241.°
147 Para a Recomendação n.° 116, § 16.º combinado com o § 14.°, mesmo as horas além do período normal, prestadas ao abrigo de derrogações permanentes, deverão ser pagas como horas suplementares, "a menos que, conforme os usos, sejam tidas em conta na fixação do salário" (v. Conventions et Recommandations, 1919-1966, fls. 1169 e 1170). Dentro dessa orientação parece enquadrar-se bem o critério na nossa lei quanto ao condicionamento das isenções de horário de trabalho.
149 V. g. Itália: "nalguns casos as horas suplementares abaixo das quarenta e oito horas legais são pagas pela remuneração normal", in La Durée du Travail..., fl. 271, nota 2.
148 V. g. Suiça, (artigo 13.° da Lei de 1960) : "para os empregados de escritório, pessoal técnico e dos grandes armazéns não é devido suplemento senão para além de sessenta horas adicionais por ano". Informação do B. I. T., in La Durée du Travail..., fl. 271, nota 2.
150 E metade do aumento devido pelo trabalho prestado no domingo ou no dia de descanso semanal, por força do § 2.° do artigo 17.°
O quadro legal não se modificou, sob este aspecto, com as sucessivas modificações introduzidas no regime.
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O artigo 19.° prevê um aumento correspondente a 25 por cento, tal como o artigo 15.° do Decreto-Lei nº 24 402 o estabelece de 50 por cento. Em bom rigor, legitima legitimar-se-ia a conclusão de que, nos termos de lei não revogada, metade dos previstos 25 por cento reverterá para o F. N. A. F., restando para o trabalhador apenas 12,5 por cento.
Como esta conclusão absurda não está no ânimo do Governo, a Câmara Corporativa enquanto não souber que foi substituído ou modificado o Decreto-Lei n.° 48 588, de 23 de Setembro de 1968, que actualmente regula a matéria dos descontos para o Fundo, só está habilitada a propor que as disposições úteis do referido Decreto-lei sejam abrangidas pelo preceito revogatório do artigo 52.° do projecto em apreciação.
79. A adopção do sistema de taxa progressiva constitui, no nosso direito, novidade de tomo, que importa assinalar.
Segundo o n.° 1 do presente artigo 19.°, a primeira hora extraordinária merece o aumento de 25 por cento sobre a remuneração normal, e as subsequentes, o de 50 por cento.
Cumpre antes de mais averiguar se a taxa correspondente à primeira hora deve manter-se.
Sabemo-la de acordo com as cláusulas convencionais da O. I. T. e não custa demonstrar a sua conformidade com o estatuído na maioria das legislações nacionais.
O excelente relatório do Bureau, a cujas informações não amiudadas vezes se recorre, reza textualmente o seguinte 151:
[...] Certas taxas previstas pela legislação nacional para a ultrapassagem da duração legal não atingem o mínimo prescrito pelas normas internacionais. Num grupo de países, as horas efectuadas além da duração legal de quarenta horas, mas aquém das quarenta e oito horas, são remuneradas com taxas de aumento relativamente fracas.
Na maioria, dos casos, no entanto, a legislação prevê uma taxa mínima de 25 por cento 152; a taxa de 50 por cento não é rara 153. Alguns países prevêem mesmo taxas de aumento superiores 154.
Quanto ao sistema de taxa progressiva que o § 19.°, n.° 1, da Recomendação n.° 116 parece subentender quando alude a "taxa ou taxas" sobre o correspondente às horas de trabalho normal, diz-se-nos que é "adoptado por numerosos países" 153.
Variável, porém, o limiar da aplicação do segundo escalão da taxa. Algumas legislações traçam-no depois das duas horas 156, dobrando alguns deles a percentagem depois das quatro horas. Não é líquido em todos os casos se se trata de horas diárias ou semanais.
Ora, considerando que o máximo diário permitido normalmente pelo projecto será de duas horas (artigo 16.°), o aumento de 50 por cento a partir da segunda hora afigura-se razoável.
Nem por isso a aplicação do novo regime deixará de suscitar preocupações e problemas às entidades patronais, dado o sensível aumento de encargos a que obriga.
E legítimo esperar que o Governo, ciente da delicadeza das implicações económicas deste e de outros preceitos do diploma, as terá presentes, nomeadamente quando se tratar de estabelecer os termos da previsível contribuição patronal para o F. N. A. F., consequente da utilização de trabalho extraordinário.
80. Embora compreenda os motivos lógicos que determinam o preceito, a Câmara não se inclina a concordar com a discriminação aberta no n.° 2 em desfavor das horas extraordinárias praticadas pelos empregados de escritório.
Com efeito, se o respectivo fundamento radica, como parece, na consideração do tradicional regime de menor duração do trabalho daqueles empregados, a consequência da posição governamental estender-se-ia a encaminhar no sentido de idêntica restrição ser aplicada às horas extraordinárias de todos os trabalhadores que, por efeito dos seus contratos, beneficiem de duração normal inferior à da lei. E não é crível que tal se pretenda, deva ou possa conseguir.
A Câmara julga, outrossim, que da discriminação resultaria melindroso agravo e que, portanto, as hipotéticas vantagens de uma suma justiça relativa acabariam por não contrabalançar inconvenientes mais do que provavelmente verificáveis.
Sugere, por conseguinte, a eliminação do n.° 2.
Também o n.° 3 pode, sem desvantagem, ser suprimido: a faculdade de os instrumentos de regulamentação colectiva tratarem a matéria no sentido programado permanece em todo o caso e será desnecessário sublinhá-lo.
81. O artigo 86.° da L. C. T. exclui, em principio, do conceito de retribuição a remuneração por trabalho extraordinário.
Embora o termo "retribuição" surja porventura neste artigo 19.° e noutras disposições do projecto num sentido corrente e à margem de todo o rigor conceitual, parece não deverem alimentar-se possíveis dúvidas.
A Câmara propõe que o termo, quando referido a trabalho extraordinário, seja substituído por remuneração.
Convirá também tornar claro que a primeira hora a remunerar é a prestada em cada dia em que haja trabalho extraordinário.
Nestes termos, sugere-se a seguinte redacção:
1. A primeira hora de trabalho extraordinário diário será remunerada com um aumento correspondente a 25 por cento da retribuição normal e as horas subsequentes com um aumento correspondente a 50 por cento.
2. Eliminado.
3. Eliminado.
ARTIGO 20.°
(Período de funcionamento)
82. Com este artigo 20.° e os dois imediatamente seguintes o projecto faz uma breve incursão em terrenos alheios à matéria de duração do trabalho.
O problema da respectiva inserção no texto seria, pois o primeiro que, as três disposições suscitariam se não se impusesse a necessidade de apreciar a tese radical que impugna o próprio facto da fixação de períodos funcionamento.
A posição, de mais vincada hostilidade ao "período de laborarão" do que ao "período de abertura", firma-se no entendimento de que, bastando à defesa dos interesses
151 La Durée du Travail..., 1967, §§ 265.°, e 266.°, fl. 272.
152 Por exemplo, segundo o relatório, fl. 272, nota 3: "Alemanha Federal, Bélgica, França, Israel, Japão, Checoslováquia, Brasil e Marrocos."
153 Idem, nota 4: "Argentina, Espanha (horas extraordinárias das mulheres), Finlândia, Luxemburgo, Malásia, U. R. S. S. e Jamaica."
154 Idem, nota 5: "Bolívia (100 por cento), Quénia (100 por cento na indústria hoteleira), México (100 por cento), Tunísia (75 por cento)."
155 Idem, fl. 274.
150 "Bélgica (50 por cento), Brasil, Finlândia, Nova Zelândia, U. R. S. S. e Polónia."
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pessoais dos trabalhadores e à do seu rendimento profissional a existência do horário de trabalho, não se vê que outros interesses respeitáveis imponham um "segundo horário", de outro tipo embora, mas caracterizado por idêntica rigidez.
Há, porém, motivos para pensar que a argumentação não colhe inteiramente. No caso particular dos "períodos de abertura", não entra em linha de conta com a disciplina da concorrência económica, e no caso geral de todos os períodos de funcionamento, com a sua função de pontos de referência para o estabelecimento e a fiscalização dos horários de trabalho.
Parece supor-se também que nas legislações dos outros países a regra é a inteira liberdade de horário de funcionamento, quanto a regra que as excepções da França e, em parte, da Bélgica confirmam é precisamente a contrária.
Ora, aceite a autonomia conceitual do "período de funcionamento" e a necessidade prática da sua fixação, não será difícil anuir à inserção dos preceitos que se lhe reportem mo diploma regulador da duração do trabalho.
A conexão das matérias determinaria remissões recíprocas dos dois diplomas diferentes que hipoteticamente as tratassem e o facto agravaria, para os interessados directos, as desvantagens inerentes à dispersão de textos legais.
A definição de período de funcionamento que nos dá o n.° 2, combinada com as de período de abertura dos estabelecimentos de venda ao público (artigo 21.°) e de período de laboração dos estabelecimentos industriais (artigo 23.°), põe cobro à deficiência conceitual da nossa legislação, que parece remontar ao Decreto n.° 10 682, de 20 de Maio de 1925 151.
83. Se bem que não faça proposta de inserção no articulado de qualquer norma, mesmo de natureza programática, que traduza o seu pensamento na matéria, a Câmara recomenda à atenção do Governo os reflexos negativos que a uniformidade dos períodos de funcionamento têm no grave problema dos transportes. Na fixação dos períodos de funcionamento dos estabelecimentos situados em zonas ou regiões de forte concentração demográfica, designadamente nos principais aglomerados urbanos, deveriam ter-se em conta as exigências de organização e funcionamento eficientes do respectivo sistema de transporte, ouvindo-se, para o efeito, as entidades responsáveis pela sua disciplina e coordenação.
ARTIGO 21.º
(Período de abertura)
84. Salvo quanto à definição do n.° 1 e ao sinal dos tempos de expansão turística que a exigência da parte final do n.° 3 reflecte, o constante do artigo 21.° não se afasia do actual ordenamento jurídico.
Assim, o n.° 2 corresponde à segunda parte do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção do Decreto-Lei n.° 26 917, e o n.° 4, à disposição transitória do artigo 38.° daquele diploma, com a diferença de que o projecto, contando com a vacatio legis do seu artigo 51.°, dilata o período de sessenta dias concedido às câmaras municipais para a fixação do período de abertura dos estabelecimentos de venda ao público até ao mais generoso prazo de seis meses.
Parece, entretanto, que na hipótese do n.° 4 deve também observar-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 quanto à audiência dos organismos corporativos interessados e dos órgãos locais de turismo.
A Câmara sugere o correspondente aditamento e ligeira modificação da redacção no n.° 2, nestes termos:
2. Os períodos de abertura são fixados pelas câmaras municipais, depois de ouvidos os organismos corporativos interessados, e estão sujeitos à aprovação do I.N.T.P.
..........................................................................................................................
4. O I. N. T. P. pode tomar a iniciativa da fixação do período de abertura dos estabelecimentos de venda ao público, quando as câmaras municipais o não façam dentro do prazo de seis meses a partir da data da entrada em vigor do presente diploma, observando-se neste caso o disposto nos n.ºs 2 e 3 quanto à audiência dos organismos corporativos interessados e dos órgãos locais de turismo.
ARTIGO 22.°
(Critérios de fixação dos períodos de abertura)
85. A lei vigente nada prescreve a respeito de critérios a que deva obedecer a fixação dos períodos de abertura. Salvo melhor juízo, é irrecusável o bom fundamento da posição legal. Com efeito, o diploma regulador da duração do trabalho apenas se afirma como sede apropriada para versar a matéria de períodos de funcionamento quanto aos aspectos tangenciais da que especìficamente lhe cumpre disciplinar. Parece ser o caso, por exemplo, da fixação de limites do período de funcionamento, mas duvidosamente será o da uniformização obrigatória dos períodos de abertura dos estabelecimentos que exerçam o mesmo ramo de comércio ou da sua possível diferenciação conforme de ramos de comércio e as épocas do ano.
A Câmara compreende, no entanto, os objectivos do Governo e adere, sem relutância, aos propósitos, denunciados no n.° 1, de conseguir que os futuros regulamentos do período de abertura sejam caracterizados por uma inteligente maleabilidade que sirva os legítimos interesses do público.
Dentro da mesmo orientação, deve ser eliminado o n.° 2.
ARTIGO 23.°
(Períodos de laboração)
86. O esquema legal quanto aos períodos de laboração compreende um regime regra e dois regimes excepcionais. Temos neste artigo 23.°:
a) Hipótese normal (n.° 2): o período de laboração tem de ser fixado entre as 7 e as 20 horas;
b) 1.ª hipótese excepcional (n.° 3): determinadas indústrias poderão laborar contìnuamente;
c) 2.ª hipótese excepcional (n.° 4): determinados estabelecimentos industriais poderão, temporária ou permanentemente, laborar para além dos limites fixados no n.° 2.
Os limites referidos no n.° 2, que se não afastam, aliás, na parte essencial, do que o artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 24 402 prescreve, ajustam-se com exemplar coerência ao conceito de noite dado pelo antigo 26.° do projecto.
Os n.ºs 3 e 4 correspondem, no diploma em vigor, respectivamente, aos artigos 11.° (l.ª parte) e 12.° e aos artigos 11.° (2.a parte) e 13.°
157 Cf. Dr. A. Silva Leal, ob. cit., fl. 99
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Deve reconhecer-se que, tanto pela clareza como pela melhor sistematização, os novos textos representam um progresso muito
sensível relativamente aos que vêm substituir.
ARTIGO 24.º
(Organização de turnos)
87. Com o artigo 24.°, o projecto regressa ao capítulo da duração do trabalho propriamente dita.
Na linha das considerações desenvolvidas a propósito do artigo 20.°, cabe acrescentar que a organização dos turnos, agora tratada, justificou a alusão do artigo 23.° à eventualidade de serem autorizados períodos de laborarão mais extensos do que é regra.
O n.° 3 é o complemento lógico do n.° 1 e, quer a exigência de pessoal diferente para integrar os vários turnos (n.º 1), quer a barreira inultrapassável da duração destes turnos (n.° 3), destinam-se a inscrever o respectivo regime no quadro genérico da lei.
Não levanta reparo nem pede comentário a disposição, pouco mais do que programática, do n.° 2.
ARTIGO 25.º
(Formalidades da organização de turnos)
88. A Câmara reputa, pelo menos, duvidoso que o conteúdo do n.º 3 deva ser abrangido, com o dos números antecedentes, sob a epígrafe comum "Formalidades".
O critério do projecto parece firmar-se na circunstância de a mudança de turnos se seguir cronològicamente à elaboração do respectivo horário (n.° 1) e ao consequente registo do pessoal incluído em cada turno (n.° 2).
E porém muito mais estreito o nexo que prende a mudança de turno à organização de turnos do que às formalidades da sua organização.
A ratio legis confirma o parecer de que neste ponto se excede largamente o âmbito do mero formalismo regulamentar.
O preceito, que legaliza a prática corrente 158, visa defender o trabalhador, na medida do possível, contra os efeitos nocivos da alternância dos turnos.
O trabalho nocturno, em geral, e o de turnos de laboração contínua, em especial, não se inscrevem como o trabalho diurno fixo "num ciclo natural, biológico, factor de equilíbrio"; pelo contrário, "dessincronizam os ritmos" 159. Mas há motivos para preferir ao benefício hipotético da passagem periódica, pelo turno diurno a fixação do trabalhador no mesmo turno, mesmo que ele caia por inteiro de noite. Entretanto, quando haja rotação, importa, atenuar-lhe os inconvenientes, e, se ela se processar após o dia de descanso semanal, a mudança ocorre de forma mais suave, com menor perturbação do ritmo de vida do trabalhador.
A índole das considerações antecedentes deixa ver que se não trata de uma questão adjectiva, mas de algo que tem mais interesse e outra dignidade.
Por isso, a Câmara inclina-se no sentido de o n.° 3 do artigo 25.° constituir um número novo (n.° 4) do artigo 24.°
No n.° 1 propõe-se a eliminação, por inútil, da referência ao pessoal diferente.
ARTIGO 26.°
(Noção de trabalho nocturno)
89. A circunstância de as nossas leis do trabalho, a principiar no E. T. N. (§ 1.° do artigo 24.°), incluírem disposições preceptivas e proibitivas muito relevantes acerca do trabalho nocturno, sem que paralelamente hajam definido o que, para o efeito, deve entender-se por noite 160, originou situação um tanto equívoca, cujas incidências a Administração quis ladear com o despacho interpretativo de 10 de Novembro de 1944.
Este despacho, a que se teve ensejo de aludir em comentário ao artigo imediatamente precedente, esclareceu que se considera trabalho nocturno o prestado entre as 20 e as 7 horas. O entendimento logrou aceitação da jurisprudência mais qualificada, como se vê, por exemplo, dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Janeiro de 1947 {Colecção, IX, 3) e de 28 de Abril de 1953 (Diário do Governo, 2.ª série, de 18 de Novembro de 1953).
O projecto dilucida a questão, cabalmente e em lugar próprio. Perfilhando os critérios adoptados internacionalmente, encontra uma fórmula prática bastante maleável de delimitação do período que deve contar-se como noite (n.ºs 1 e 3) e depois reporta-lhe a noção de trabalho nocturno (n.° 4).
90. A importância da noção de trabalho nocturno afere-se pelo facto de este, em virtude de reconhecida maior penosidade
a) Merecer em regra melhor remuneração;
b) Ser vedado a certos trabalhadores.
Entre as convenções internacionais que o nosso país ratificou, figuram as Convenções n.ºs 4 e 89, a respeito do trabalho nocturno das mulheres, e a n.° 6, sobre o trabalho nocturno das crianças.
Seguindo o método peculiar a este tipo de documentos, qualquer das três convenções estabelece o conceito de "noite" para os seus próprios efeitos.
91. O esquema do projecto tem como fontes a prática, fixada pela Administração e sancionada pelos tribunais, de considerar limites extremos do período nocturno as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, e os princípios orientadores das convenções referidas, em especial da mais recente Convenção n.° 89.
O regime normal apoia-se na seguinte caracterização do período nocturno:
a) É um período de horas consecutivas;
b) E um período de onze horas;
c) É o período compreendido entre as 20 e as 7 horas.
Enquanto os requisitos indicados em a) e em b) são de preceito, admite-se que os limites referidos em c) sejam deslocados, mediante antecipação ou retardamento das horas de início e fecho do período.
Nesta hipótese, mantém-se, porém, como exigência mínima, que sete horas, pelo menos, do total de onze, estejam compreendidas entre as 22 e as 7 horas. Parece evidente que se quer desta sorte evitar que deixem de contar-se como noite as horas mais indiscutìvelmente
158 Em obediência ao despacho de 10 de Novembro de 1944 {Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, XI, fl. 678).
159 Jean Dubois, in "Vie de travail: cycles et durée", Revue de l'Action Populaire, n.° 155, fl. 183.
160 O Decreto n.° 14 498, de 19 de Outubro de 1927, expressamente revogado pelo Decreto-Lei n.° 24 402, definia trabalho nocturno.
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nocturnas ou, por outras palavras, conseguir que ao menos sete horas do período considerado sejam incontroversamente nocturnas.
A autorização deste regime, que de certo modo tem foros de excepcional, fica reservada para os instrumentos de regulamentação colectiva (n.° 2). Não deve surpreender que, dentre eles, só as convenções colectivas possam, nos termos do n.° 3, admitir períodos nocturnos "com início depois das 23 horas". Trata-se, segundo se pode crer, de uma forma de escrupulosa atenção do disposto na parte final do artigo 2.° da Convenção n.° 89.
92. Como se deduz das precedentes notas, a Câmara Corporativa dá pleno assentimento ao conteúdo material do artigo em causa. A mesma concordância não é devida, porém, aos seus aspectos formais.
Assim, o n.° 2, inspirado na tradução oficial portuguesa da versão francesa da Convenção n.° 89, é, salvo melhor parecer, muito pouco claro. Da obscuridade é responsável em larga medida o uso da palavra intervalo para traduzir a ideia da existência de um período de tempo menor sobreposto obrigatoriamente a um período de maior duração.
O que importa deixar bem expresso é que, das onze horas consecutivas, pelo menos sete deverão cair entre as nove que se contam das 22 horas de um dia às 7 horas do dia seguinte.
Suspeita-se também de que, arrimado ao mesmo texto, o n.° 3 diz "com início depois das 23 horas", quando pretende dizer "a partir das 23 horas".
Nestes termos, e aproveitando a oportunidade para introduzir uma terceira modificação, muito ligeira, ao n.° 1, a Câmara Corporativa sugere a seguinte redacção para o artigo 26.°:
1. Para efeito do presente diploma, [...] "noite" é o período que decorre entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte.
2. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem considerar como "noites períodos de onze horas consecutivas, que abranjam pelo menos sete horas consecutivas compreendidas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte.
3. Os períodos de onze horas consecutivas referidos no número anterior só poderão ter início a partir das
23 horas, quando isso for estabelecido por convenção colectiva de trabalho.
4. (Igual ao texto do projecto.)
ARTIGO 27.°
(Retribuição do trabalho nocturno)
93. Três disposições de três diplomas em vigor se ocupam da remuneração do trabalho nocturno. O exame sumário dos respectivos textos e o confronto destes com o n.° 1 do presente artigo 27.° acusa uma evolução de que o novo regime constitui momento significativo.
O § único do artigo 24.° do E. T. N. afirmou o princípio: remuneração por maior preço, desde que não seja prestado em regime de piquetes periódicos regulares 161.
O artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 24 402 veio depois concretizar esse princípio: por maior preço a lei entende 50 por cento além da remuneração normal.
O artigo 47.°, n.° 2, da L. C. T. procura, por sua vez encaminhar para a integração de uma lacuna evidente, formulando de maneira expressa o seguinte princípio, talvez implícito na orientação inicial do E. T. N.; o trabalho extraordinário durante a noite terá remuneração mais elevada do que o trabalho extraordinário diurno 162.
O mínimo a exigir do projecto era, por conseguinte, que respondesse à injunção da L. C. T., sujeitando o trabalho nocturno à regulamentação especial prevista no seu artigo 45.°, n.° 2. Ver-se-á que foi mais além.
Qual é, por agora, o tratamento dispensado, no capítulo de remuneração, ao trabalho nocturno?
Há três hipóteses distintas a considerar:
a) Trabalho normal, em turno "rotativo: remuneração igual à do trabalho normal diurno;
b) Trabalho normal, em horário fixo: remuneração com 50 por cento de aumento sobre a do trabalho normal diurno;
c) Trabalho extraordinário: remuneração nos termos indicados em b).
Isto significa que apenas na hipótese da alínea b) o trabalho nocturno confere direito a remuneração mais elevada do que a do correspondente trabalho diurno. Quer na hipótese da alínea a), quer na da alínea c), o trabalhador recebe exactìssimamente a mesma remuneração que perceberia se tivesse laborado de dia. A situação relativa parece injusta e, salvo melhor opinião, demonstra que a lei, na última hipótese, não serve os objectivos inerentes ao princípio, que ela mesma enunciou, de melhor remuneração do trabalho nocturno, e que, na primeira hipótese, é tributária da velha convicção, hoje muito abalada, da menor penosidade do trabalho nocturno quando prestado em turno rotativo.
Deve acrescentar-se que o diferente regime de pagamento nos turnos fixos e nos turnos rotativos é raiz potencial do desacordo das entidades patronais e dos trabalhadores: àquelas, no ponto de vista económico, podem interessar turnos rotativos, a estes ou a alguns destes convirão por idêntico motivo os turnos fixos.
Claro está que a composição dos turnos subentende sempre riscos de colidirem os vários interesses em confronto. Para reduzi-los à expressão mais simples, parece útil remover uma das suas causas possíveis, já descoberta e avaliada.
94. Assim a Câmara está apta a compreender a posição do Governo expressa no artigo 27.° e a medir o alcance das modificações que com ele se propõe introduzir ao sistema de retribuição do trabalho nocturno.
São elas as seguintes:
a) Todo o trabalho normal nocturno passa a dar direito a melhor remuneração do que o trabalho diurno;
b) O trabalho extraordinário nocturno terá melhor remuneração que o trabalho extraordinário diurno;
c) O aumento é de 10 por cento sobre a remuneração.
do correspondente trabalho diurno.
161 Tendo-se posto dúvidas sobre o entendimento da expressão "piquetes periódicos regulares", o Supremo Tribunal Administrativo julgou, por Acórdão de 14 de Janeiro de 1947 (Diário do Governo, 2.ª série, de 23 de Maio do mesmo ano), que "são núcleos de trabalhadores que se revezam ou alternam periódica e regularmente".
161 Tendo-se posto dúvidas sobre o entendimento da expressão "piquetes periódicos regulares", o Supremo Tribunal Administrativo julgou, por Acórdão de 14 de Janeiro de 1947 (Diário do Governo, 2.ª série, de 23 de Maio do mesmo ano), que "são núcleos de trabalhadores que se revezam ou alternam periódica e regularmente".
162 Neste sentido, cf. Dr. Feliciano de Rezende, Contrato de Trabalho, legislação anotada, fl. 98.
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Em termos práticos, a nova disciplina legal significa:
a) Que desaparece a distinção entre trabalho nocturno "prestado por piquetes regulares e periódicos" e o restante trabalho nocturno;
b) Que o trabalho extraordinário prestado de noite passa efectivamente a auferir a compensação pecuniária inerente ao seu carácter nocturno;
c) Que o aumento mínimo é de 10 por cento para o trabalho em quaisquer condições e, assim, ao passo que o trabalho nocturno em "piquetes regulares e periódicos" e o trabalho extraordinário nocturno são beneficiados, o restante, especialmente o prestado em turnos fixos, é desfavorecido [merecia 25 por cento, isto é, 50 por cento menos a contribuição para o Fundo Nacional de Abono de Família (F. N. A. F.), e passa a receber 10 por cento].
A Câmara começa por declarar que a solução em si, desprendida de todos os antecedentes legais e expectativas criadas, se lhe afigura impecàvelmente coerente e muito justa.
Todavia, não pode eximir-se a avaliar as consequências do regime proposto, na parte que se reporta ao trabalho nocturno normal prestado por trabalhadores não pertencentes a turnos rotativos. Todos esses, e constituem porventura fracção muito significante do total considerado, verão descer a percentagem do seu aumento de salário dos actuais 25 por cento líquidos para apenas 10 por cento.
Dir-se-á que a situação tem de ser apreciada no conjunto e que o novo regime se traduz pela melhoria globa] da remuneração do trabalho nocturno.
Assim, fazendo o cômputo dos benefícios e encargos, aquele decréscimo de percentagem será o preço a pagar pelo progresso geral verificado.
A verdade é que, no plano prático, não há uma justaposição de encargos: as empresas com trabalho nocturno em turnos fixos não aproveitarão simultaneamente trabalho prestado em regime de piquetes regulares e periódicos.
Tendo examinado detidamente todas as implicações da questão, a Câmara Corporativa julga que a percentagem a fixar neste artigo 27.° deve ser a de 25 por cento, de que presentemente beneficia o trabalho nocturno referido no artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 24 402.
Esta alteração substancial justificará, entretanto, outras de menor tomo. A retribuição pode agora deixar de assumir expressamente o carácter de retribuição mínima (que, no entanto, manterá) e talvez se dispense mesmo a referência do n.° 2 à possibilidade (aliás subsistente) de os instrumentos de regulamentação colectiva estabelecerem, quanto a esta matéria, condições mais favoráveis para certos trabalhadores. Eliminar-se-ia assim a expressão pelo menos do n.° 1, bem como todo o n.° 2, visto a perspectiva global se ter modificado sensivelmente com o aumento da percentagem.
95. A expressão "a que têm direito os trabalhadores de categoria equivalente que trabalham durante o dia" cobrirá incontroversamente a hipótese de serem os trabalhadores que laboram de dia a fazer horas extraordinárias de noite? Talvez. A jurisprudência das cautelas leva, em todo o caso, a preferir-lhe estoutra fórmula: a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia.
Nestes termos, o artigo 27.º ficará:
A retribuição do trabalho nocturno será [...] superior em 25 por cento à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia.
2. (Eliminado.)
ARTIGO 28.°
(Trabalho nocturno de mulheres)
96. O problema do trabalho nocturno de mulheres assume particular delicadeza pelo que toca a actividades que utilizam em grande escala mão-de-obra feminina, como é o caso, por exemplo, da indústria têxtil.
A 7.ª Sessão da Comissão das Indústrias Têxteis da O. I. T., efectuada em Genebra, em 1963, ocupou-se da questão, e o Relatório do B. I. T. 163 equaciona-a em função das sucessivas normas convencionais que lhe respeitam e da evolução, paralelamente verificada, das necessidades da indústria. São desse relatório as seguintes passagens:
... Nos termos da convenção (a Convenção n.° 4) as mulheres não podem ser empregadas de noite nos estabelecimentos industriais, excepto nalguns casos especificados, sendo o termo noite definido como um período de pelo menos onze horas consecutivas, compreendendo o tempo decorrido entre as 10 horas da noite e as 5 da manhã.
A Convenção n.° 4 foi revista pela primeira vez pela Convenção n.° 41 164, adoptada em 1934, que substitui o período previsto na convenção anterior pelo que se compreende entre as 11 horas da noite e as 6 da manhã, de maneira a tornar possível o sistema do duplo turno diurno para as mulheres. Após a 2.ª Guerra Mundial, pareceu necessário tornar flexíveis os horários, visto que o sistema do duplo turno começou a espalhar-se, nomeadamente na indústria têxtil de certos países onde as mulheres representavam uma proporção apreciável da população activa. Assim, a convenção foi de novo revista pela Convenção n.° 89, adoptada em 1948. Este instrumento autoriza o emprego de mulheres no turno da tarde, até às 11 horas da noite (e, mediante consulta às organizações patronais e de trabalhadores, até à meia-noite), ficando entendido que as interessadas beneficiarão de um período de repouso de onze horas consecutivas, compreendendo um período de sete horas contado entre as 10 horas da noite e as 7 da manhã do dia seguinte. A inovação permitia organizar o trabalho de turnos sem infringir a interdição do trabalho nocturno 165.
Justificou a transcrição, mais do que a descrição cronológica das alterações a que as sucessivas revisões submeteram a Convenção Internacional sobre o Trabalho Nocturno das Mulheres, a fé que ela nos dá dos cuidados que a complexa problemática da actividade em causa mereceu à O. I. T. A Convenção n.° 89 deve manifestar o limite extremo das concessões no momento julgadas convenientes.
A Câmara verifica que o artigo 28.º do projecto, conjugado com os conceitos do artigo 26.°, espelha com bas-
163 "Conditions d'emploi et problèmes connexes dans l'industrie textile dans les pays en cours d'industrialisation" (troisième question à l'ordre du jour), B. I. T., 1983.
164 V. a Convenção n.° 41, não ratificada, em Conventions et Recommandations (1919-1966), fls. 289 e segs.
165 Relatório cit., fls. 88-89.
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tanto rigor os critérios dos instrumentos internacionais sobre a matéria l66. Isto acontece, quer relativamente à proibição implícita no n.° 1, quer às duas excepções aí expressamente admitidas 167.
A restrição constante do n.° 3 está na lógica do direito assegurado na alínea a) do n.° 1 do artigo 118.° da Lei do Contrato de Trabalho.
Do exposto se terá já concluído que a Câmara nada objecta, substancialmente, ao disposto no antigo 28.º
Prefere, no entanto, outra redacção para a alínea b) do n.° 1 e para o n.° 2. Esta:
1. .....................................................................................................................
b) Quando se mostre indispensável para o funcionamento da empresa, designadamente se o trabalho nocturno for necessário para evitar a perda de matérias em laboração susceptíveis de rápida alteração.
2. [...] As condições de autorização do trabalho nocturno das mulheres nos casos previstos na alínea b) do número anterior podem ser estabelecidas pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
ARTIGO 29.°
(Excepções às limitações de trabalho nocturno das mulheres)
97. O artigo 8.° da Convenção n.° 89 formula idêntico princípio. Embora se possa pensar que os cargos directivos são, por definição, cargos de responsabilidade, a Câmara aceita que a lei acautele de uma abusiva generalização aquele primeiro conceito. Só por isso não propõe que a referência à responsabilidade do cargo fique circunscrita aos de natureza técnica.
Afigura-se que a epígrafe do artigo tem maior extensão do que a do conteúdo. Com efeito, as hipóteses contempladas nas alíneas a) e b) do artigo anterior também envolvem excepção às limitações do trabalho nocturno de mulheres. A diferença reside em que além se referem situações excepcionais e aqui se alude a pessoas excepcionadas.
Epígrafe mais adequada será, portanto, a seguinte ou outra equivalente:
Trabalhadoras não abrangidas pela proibição do trabalho nocturno.
ARTIGO 30
(Trabalho nocturno de menores)
98. De acordo com a disposição correspondente do Decreto-Lei n.° 24 402 (artigo 7.º e seu § 1.°), o trabalho de menores de 18 anos entre as 20 e as 7 horas é, em princípio, proibido nas actividades industriais. Poderá, todavia, ser autorizado "em casos excepcionais devidamente fundamentados" ou quando seja previsto em contratos colectivos de trabalho.
O projecto articula um sistema simultâneamente mais preciso e mais completo.
Assenta na distinção entre menores com menos de 16 anos e menores com mais de 16 anos e entre actividades industriais e actividades que não têm carácter industrial.
Em forma esquemática, eis o dispositivo legal:
a) Menores de 16 anos:
Actividades industriais: trabalho nocturno proibido;
Actividades não industriais: trabalho nocturno apenas permitido:
1) Em certos casos de força maior;
2) Quando o trabalho nocturno seja indispensável para a formação profissional dos menores.
b) Menores de mais de 16 e menos de 18 anos:
Actividades industriais: trabalho nocturno apenas permitido:
1) Em certos casos de força maior;
2) Quando o trabalho nocturno seja indispensável para a formação profissional dos menores.
Actividades não industriais: trabalho nocturno permitido 168.
O regime completa-se, como é evidente, com as proibições e condicionamentos do trabalho dos menores, estabelecidos nos termos do artigo 122.° da Lei do Contrato de Trabalho.
A Câmara Corporativa adere, no essencial, ao regime proposto. Julga, inclusive, que a autorização para o trabalho nocturno dos menores de 16 anos deve circunscrever-se à hipótese de ele ser indispensável à sua formação profissional.
O pensamento do projecto e o sentido da restrição sugerida ficarão expressos claramente com estoutra redacção para o n.° 1:
1. Os menores de 16 anos não são autorizados a trabalhar durante a noite em estabelecimentos industriais e só poderão ser ocupados em actividades que não tenham carácter industrial [...] quando a prestação do trabalho nocturno seja indispensável para a formação profissional dos próprios menores.
A alteração introduzida no n.° 1 obrigará, por sua vez, a dar novos moldes ao n.° 2. Assim:
2. Os menores com mais de 16 anos e menos de 18 só podem [...] trabalhar durante a noite nos estabelecimentos industriais em casos de força maior que obstem ao funcionamento normal da actividade exercida pela entidade patronal ou na circunstância prevista na parte final do número anterior.
164 O mesmo na legislação da maioria dos países. Por exemplo, das seguintes entre as que se puderam consultar: França (Código do Trabalho, livro II: proibido o trabalho feminino entra as 22 e as 5 horas (artigo 22.°), exigido o repouso de pelo menos onze horas consecutivas (artigo 23.°); Espanha (Resolução de 10 de Maio de 1960 sobre o trabalho de mulheres e menores na indústria têxtil): "descanso mínimo de onze horas consecutivas, entre as quais devem estar as contidas entre as 10 da noite e as 5 horas da manhã seguinte"; Suíça (Lei Federal sobre o Trabalho de 13 de Março de 1964) : a noite conta-se (artigo 10.º) entre as 20 e as 5 horas, no Verão, ou as 6 horas, no Inverno, e os limites do trabalho das mulheres só podem deslocar-se (artigo 34.°) das 6 para as 5 horas e das 20 para as 22 horas.
167 Cf. artigo 4.° da Convenção n.° 89.
168 V. sobre trabalho nocturno de menores a Convenção n.° 6. Também Convenção n.° 79 (Conventions et Recommandations, fl. 679), Recomendação n.° 80 (idem fl. 685) e Convenção n.° 90 (idem fl. 773).
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ARTIGO 31.°
(Exame médico dos trabalhadores incluídos nos turnos da noite)
99. O preceito justifica-se por si e encontrará decerto acolhimento favorável de todos os interessados 169.
A Câmara julga que o artigo deve ser redigido por forma a que o n.° 1 respeite sòmente ao exame módico inicial, passando o restante a figurar no n.° 2, que desta forma incluirá toda a matéria de exames médicos subsequentes.
Nestes termos:
1. Nos estabelecimentos industriais, os trabalhadores a incluir em turnos que prestem trabalho contínua ou alternadamente durante a noite devem ser previamente submetidos a exame médico.
2. Os exames médicos dos trabalhadores incluídos em turnos de trabalho nocturno devem ser repetidos anualmente, mas os instrumentos de regulamentação colectiva poderão impor a obrigatoriedade de exames mais frequentes.
3. (Como no projecto.)
ARTIGO 32.°
(Encerramento semanal)
100. Apesar da epígrafe simplificada "encerramento semanal" para abranger, decerto, tanto o encerramento das actividades comerciais, como a suspensão de laboração das indústrias, os n.°s 1 e 3 respeitam de uma forma geral a terminologia do projecto, assente nos artigos 21.° e 23.º
Esta circunstância desvia, porém, a atenção do domínio puramente formal para uma questão de fundo, centrada na interpretação do n.° 2.
Refere-se às câmaras municipais a competência para determinar o dia de encerramento nos casos em que não seja o domingo. A palavra "encerramento" terá aqui o sentido genérico da epígrafe ou o sentido específico que lhe atribuem os n.ºs 1 e 3?
Se a primeira interpretação é a exacta, o Governo desejou, na esteira do artigo 19.° do decreto-lei vigente, que a competência das câmaras abrangesse a determinarão do dia de encerramento de todas as actividades comerciais e industriais. Ora não há razão para pensar que tenha havido a intenção de restringir essa competência. Como, porém, a proximidade dos n.ºs 1 e 3 dá realce a outro entendimento da palavra "encerramento" e o contraste poderia orientar o intérprete em sentido indesejado, talvez seja útil desfazer a ambiguidade do texto com o aditamento da referência expressa à suspensão da laboração. O mais provável, de resto, é que só por lapso não terá sido feita.
Assim, escrever-se-á:
2. A determinação do dia de encerramento ou de suspensão de laboração nos casos cm que esse dia não seja o domingo compete às câmaras municipais, depois de ouvidos os organismos corporativos interessados, c está sujeita à aprovação do I. N. T. P.
ARTIGO 33.°
(Actividades isentas da obrigatoriedade de encerramento semanal)
101. O § 2.° do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 24 402 enumera taxativamente as actividades que, além das de
laboração contínua, dos serviços urbanos de transportes em comum e dos estabelecimentos que hajam recebido autorização expressa do I. N. T. P., estão isentas da obrigação de encerrar um dia completo por semana.
A Câmara não vê nenhum inconveniente na solução do projecto. Convém que o despacho ministerial previsto no n.° 1 seja proferido durante o período da vacatio legis. Na sua falta, os efeitos da revogação do Decreto-Lei n.° 24 402 far-se-ão sentir no início da vigência do novo diploma com a obrigação automática de os estabelecimentos até agora isentos encerrarem semanalmente.
Propõe-se também a simplificação do n.° 2, nestes termos:
2. As farmácias apenas são dispensadas do encerramento semanal nas localidades em geie o seu número não permita uma escala de abertura [...], aprovada pela Direcção-Geral de Saúde.
ARTIGO 34.°
(Descanso semanal)
102. O direito ao dia de descanso semanal, atribuído pelo artigo 26.° do E. T. N. aos trabalhadores da agricultura, indústria e comércio, e pelo Decreto-Lei n.° 24 402 (artigo 16.°) ao pessoal dos estabelecimentos comerciais e industriais, está integrado no L. C. T. (artigo 51.°-1) e, portanto, garantido a todos, os trabalhadores que o regime do projecto abrange.
Compreende-se que o presente artigo, dando o dia de descanso semanal como "prescrito pela lei", se limite a enunciar a regra da sua coincidência com o domingo 170 e a indicar os casos em que tal coincidência pode não se verificar. São casos excepcionais, estes, consequentes de circunstâncias do regime de funcionamento dos estabelecimentos a que os trabalhadores prestem serviço.
Não se prevê, no entanto, e parece dever admitir-se, à semelhança do que acontece na legislação de vários países 171, que deixe de recair no domingo o descanso de determinados tipos de trabalhadores, cuja presença no local de trabalho naquele dia é indispensável paca o desempenho das suas tarefas profissionais. Isto verifica-se, por exemplo, com os encarregados de serviços de limpeza, com os porteiros e guardas e com certas categorias de trabalhadores ocupados em operações contínuas, em que não seriam substituíveis.
169 V. em Conventions et Recommandations (fls. 663 e 669) os textos das Convenções n.° 77 (Exame médico de aptidão ao emprego de crianças e adolescentes na indústria) e n.° 78 (idem, idem em trabalhos não industriais).
170 O E. T. N. prescreve que "só excepcionalmente e por motivos fundamentados" pode deixar de sê-lo; a L. C. T. substitui "motivos fundamentados" por "motivos ponderosos".
As Convenções n.°s 14 (Descanso semanal na indústria) e 106 (Descanso semanal no comércio e nos escritórios) estabelecem que o período de descanso semanal coincidirá, sempre que possível, com o dia da semana reconhecido como tal pela tradição ou pelos usos do País.
Em todo o Ocidente cristão a tradição do "domingo" remonta ao tempo de Constantino, que em 321 da nossa era "ordenou a suspensão de certos trabalhos no primeiro dia da semana". O III Concílio de Orleães, em 538, tomou a iniciativa "de canonizar oficialmente a legislação civil que estava em vigor desde os tempos de Constantino" (padre João António de Sousa, O Dia do Senhor, 1962, fls. 61-63).
171 Cf. "Le Repos hebdomadaire dans l'industrie, le commerce et les bureaux", cit, fl. 373.
Entre as pessoas que em diversas legislações figuram como tendo esse regime especial, indica: a) As pessoas ocupadas em serviços de simples presença; b) Os trabalhadores encarregados de trabalhos preparatórios e complementares que devam ser feitos necessariamente no dia de repouso colectivo e sejam indispensáveis para evitar atraso no recomeço do trabalho.
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O texto do artigo segundo o projecto deve constituir o seu n.° 1, ao qual se adicionará o n.° 2 seguinte:
2. Poderá também deixar de coincidir com o domingo o dia de descanso semanal:
a) Dos trabalhadores necessários para assegurar a continuidade de serviços que não possam ser interrompidos;
b) Do pessoal dos serviços de limpeza ou encarregado de outros trabalhos preparatórios e complementares que devam necessàriamente ser efectuados no dia de descanso dos restantes trabalhadores;
c) Dos guardas e porteiros.
ARTIGO 35.°
(Regime dos descansos semanais complementares)
103. Salvo melhor opinião, a relativa heterogeneidade da matéria convida ao desdobramento deste artigo. Apenas os três primeiros preceitos concernem ao regime dos descansos semanais complementares concedidos aos trabalhadores; tudo o mais, vindo embora por consequência, é matéria de encerramento dos estabelecimentos ou suspensão da laboração. Logo, o artigo, sob a epígrafe Descansos semanais complementares, deve agrupar tão sòmente os actuais n.ºs 1, 2 e 3, transitando para outro artigo, a intercalar entre aquele é o artigo 36.º, os n.°s 4, 5 e 6 (Encerramento 172 nos dias de descanso semanal complementar).
104. Como houve ocasião de acentuar, os regimes de "semana inglesa" e de "semana americana", e aparentados, não só não foram expressamente previstos, mas também se não enquadram no dispositivo do Decreto-Lei n.° 24 402. No entanto, uma e outra constituem realidades da nossa vida laborai. Foram-se generalizando irresistivelmente há uns anos a esta parte, mas pode acrescentar-se que não muito depois do início da vigência daquele decreto-lei 173 o regime de "semana inglesa" começou a fazer a sua tímida rodagem para a conquista de "direitos de cidade", aparecendo traduzido em horários formalmente legalizados pela aprovação do I. N. T. P.
Podem dar ideia aproximada da situação actual, quanto à "semana americana" em empresas de certa dimensão, os resultados do inquérito efectuado em 1968 no distrito de Lisboa pela Divisão de Estatística do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra 174. Das empresas que responderam, e foram 80 por cento das 877 consultadas, 47,2 por cento praticavam esse regime. O número total apurado dos trabalhadores abrangidos foi de 54 322. De conjunto das empresas, 90,6 por cento utilizavam o regime durante todo o ano e as restantes, 9,4 por cento, apenas em parte do ano, predominantemente de Junho a Setembro. O dia de descanso complementar coincidia, na grande maioria das empresas, com o sábado; algumas, porém, tinham-no na segunda-feira.
Relativamente à "semana inglesa", fornece elementos de interesse o estudo da Dr.ª Maria Laura Gaspar 175 também já anteriormente referido. Mostra que, de entre as convenções colectivas celebradas no período de 1963-1968, mais de 50 por cento estipulam horários de "semana inglesa", das quais 58 por cento o fazem com efectiva redução da duração do trabalho.
105. A atenção da Câmara, ao examinar o artigo 35.°, é solicitada em primeiro lugar para o condicionalismo estabelecido no n.° 1.
A concessão de meio dia ou de um dia de descanso semanal será obtida por via dos instrumentos de regulamentação colectiva, quando o aumento da produtividade o consinta e não haja inconvenientes de ordem económica ou social.
À primeira vista, os horários de "semana americana" e de "semana inglesa" serão apenas autorizáveis relativamente a uma actividade ou grupo de actividades, com exclusão, portanto, da possibilidade de serem deferidos a empresas isoladas, como agora o são apesar da carência do bastante suporte legal. Parece, pelo menos, lícito concluí-lo deste n.° 1, conjugado com os n.ºs 2 e 3 seguintes.
O teor do n.° 1 poderia significar o desejo de contrôle da extensão do regime, mediante a ponderação oportuna da situação de conjunto das empresas de cada actividade, mas os n.ºs 2 e 3 mais sugerem a escalada em progressão a dois tempos.
Como quer que seja, dificilmente se justificaria que, num quadro legal tão amplo que abarca a possibilidade de alargamento do regime a vastas áreas de um distrito por simples despacho ministerial, as entidades patronais isoladas ficassem impedidas de adoptar aqueles horários quando o desejem e convenha aos respectivos trabalhadores.
Que esse é o pensamento do Governo, prova-o, aliás, a referência incidental do artigo 37.° aos dias e meios dias de descanso concedidos "pelos contratos individuais de trabalho".
Por outro lado, os n.º s 2 e 3 poderão, sem desvantagem, fundir-se num único preceito. Em ambos os casos se trata de intervenção ministerial por despacho e afigura-se a esta Câmara que a iniciativa dos interessados, por intermédio dos competentes organismos corporativos, deve, tanto no caso do n.° 3 como no do n.° 2, ser condição necessária, conquanto não suficiente, da extensão. Também importa que a alusão a essa extensão se molde em forma bastante genérica para poder contemplar as várias hipóteses de âmbito territorial dos instrumentos de regulamentação colectiva.
Propõe-se, em conformidade, que os três primeiros números do actual artigo 35.° fiquem assim redigidos:
1. Pode ser concedido, em todas ou em determinadas semanas do ano, meio dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal prescrito pela lei.
2. Sempre que o aumento da produtividade o consinta e não haja inconvenientes de ordem económica ou social, o meio dia ou o dia de descanso referidos no número anterior podem ser concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva.
3. O Ministro das Corporações e Previdência Social,a requerimento dos organismos corporativos interessados, poderá, por despacho, fazer idêntica concessão ou tornar extensivo a áreas não abrangidas pelos ins-
172 Para não alongar demasiado a epígrafe, e à semelhança do artigo 32.°, encerramento seria tomado numa acepção genérica, abrangendo o encerramento pròpriamente dito e a suspensão da laboração.
173 Data de 15 de Outubro de 1934, pouco mais de dois meses após a publicação do decreto-lei, um despacho do Subsecretário de Estado das Corporações sobre horários de "semana inglesa" na indústria (v. Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ano I, n.° 22, fl. 16).
174 Como dissemos em nota aposta ao comentário do artigo 7.°, estão publicados no n.° 19 da série Suplementos do F.D. M. O.
175 A Duração do Trabalho, fls. 54 e segs.
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trumentos de regulamentação colectiva o regime de meio dia ou um dia de descanso semanal complementar.
Nos termos do exposto no § 101.° deste parecer, os n.ºs 4, 5 e 6 passarão a constituir, respectivamente, os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo novo, sob a epígrafe "Encerramento nos dias de descanso semanal complementar".
ARTIGO 36.º
(Trabalho prestado em dia de descanso)
106. Corresponde ao artigo 17." e seu § 1.° do Decreto-Lei n.° 24 402.
O grau de excepcionalidade do trabalho no dia de descanso semanal era e é manifestado pela necessidade de prévia autorização.
A exigência, no quadro da lei actual, parece coerente com o teor do respectivo artigo 5.° Esta última, disposição apenas concede o trabalho extraordinário sem autorização prévia nos casos de força maior ou de iminência de prejuízos graves "em prolongamento da hora habitual de encerramento" 176.
Pode perguntar-se, porém, se as circunstâncias não são agora diferentes. Projecta-se dispensar o requerimento para trabalho extraordinário, mesmo fora das hipóteses de iminência de prejuízos importantes ou de verificação de casos de força maior, e talvez o facto induzisse a prescindir também do requerimento, pelo menos quando a urgência fosse evidente e o recurso ao despacho pràticamente proibitivo.
Abona, sem dúvida, a solução do projecto a defesa da tranquilidade do trabalhador no dia do seu descanso, que poderia ser quebrada pela entidade patronal sob a alegação de motivo cuja relevância o I. N. T. P. não teria apreciado e confirmado.
O direito comparado fornece-nos indicações contraditórias. O sistema mais rigoroso é o da Finlândia. Segundo o artigo 5.° da Lei n.° 605, de 2 de Agosto de 1946, o trabalhador só pode ser ocupado no dia de descanso semanal em circunstâncias excepcionais e com o seu expresso consentimento 177.
Noutros países, à semelhança do nosso ordenamento jurídico, a lei impõe "autorização prévia da autoridade competente" 178.
Noutros ainda, admite-se a comunicação posterior 179 dos factos que compeliram à derrogação temporária do descanso semanal.
Tudo ponderado, não repugna admitir, a título excepcionalíssimo, o trabalho em casos de força maior.
Nessa hipótese, contudo, devem defender-se os trabalhadores contra os possíveis abusos, ao menos pela comunicação feita, a posteriori, ao I. N. T. P. dos motivos concretos que determinaram a sua chamada.
O formalismo do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na versão anterior a 1960, parece convir.
O n.° 1 em questão poderia, portanto, ser do seguinte teor:
1. Os trabalhadores só podem trabalhar no dia de descanso semanal:
a) Quando, em face de circunstâncias excepcionais, a entidade patronal tenha sido, para esse efeito, previamente autorizada;
b) Em casos de força maior, cuja ocorrência deverá ser comunicada ao I. N. T. P. no prazo de quarenta e oito horas.
107. Do que parece não subsistirem dúvidas é de que, tanto a exigência do requerimento ou participação (n.° 1) como a do descanso compensatório (n.° 2) se restringem ao trabalho no dia de descanso semanal prescrito por lei.
A letra é inequívoca e, tratando-se de disposição excepcional, pelo menos na parte que se reporta à autorização prévia, seria indevido aplicá-la à hipótese do trabalho nos meios dias e dias de descanso complementar.
A Câmara não sugere qualquer modificação do texto nesse sentido. Crê, isso sim, que a epígrafe para corresponder ao conteúdo do artigo deve ser "Trabalho prestado no dia de descanso semanal".
ARTIGO 37.°
(Retribuição do trabalho prestado em dias de descanso)
108. O pagamento em dobro do trabalho prestado no domingo ou no dia excepcionalmente fixado como de descanso semanal constitui tradição da nossa ordem jurídica.
Para citar disposições em vigor, diremos que o prescrevem o § 2.° do artigo 26.° do E. T. N., o § 2.° do artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 24 402 e o artigo 54.°-2 da L. C. T.
Nos termos da disposição em análise, o princípio aplica-se:
a) Ao dia de descanso semanal;
b) Aos feriados obrigatórios;
c) Aos dias ou meios dias de descanso referidos no artigo 35.°
Nada a observar a respeito do trabalho nos dias de feriado obrigatório, a não ser, evidentemente, que neste ponto o preceito tem a amplitude exigida pelo n.° 3 do artigo 54.° da L. C. T.: a remuneração pelo dobro cabe mesmo aos trabalhadores de empresas legalmente dispensadas de suspender o trabalho nesses dias.
Já na parte referente ao chamado fim-de-semana, salvo melhor juízo, o projecto é inovador 180.
Os argumentos a aduzir em defesa da tese que aqui encontra consagração são redutíveis ao seguinte: o que conduz ao pagamento em dobro não é a protecção do repouso em si (esse permanece aliás assegurado no caso do domingo pelo descanso compensatório de um dos três dias seguintes), mas a da disponibilidade de um tempo com que o trabalhador, visto o seu horário, contou. Ora,
180 Alguns têm sustentado, com apoio em jurisprudência controversa do Supremo Tribunal Administrativo, que também no domínio da lei vigente o trabalho em sábado de "semana inglesa" ou "semana americana" justifica o pagamento pelo dobro (Acórdãos do S. T. A., de 21 de Fevereiro de 1967 e de 15 de Abril de 1969, in Acórdãos Doutrinários, respectivamente, n.° 64, fl. 740, e n.° 90, fl. 947).
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semelhante requisito deve verificar-se no dia de descanso semanal, no dia de feriado obrigatório e no dos descansos complementares.
Razões da mesma índole explicam que venha a reverter para o trabalhador a importância líquida do aumento de 100 por cento sobre a retribuição normal.
A remuneração da primeira hora extraordinária corresponde (artigo 19.°) a metade do aumento previsto na lei actual, isto é, com dedução do desconto para o F. N. A. F. Pelo contrário, o trabalho em dia de descanso acarretará aumento de importância igual à do total ilíquido que presentemente lhe cabe.
109. Propõem-se ligeiras alterações ao n.° 1; a mais importante visa a que a menção dos "simples despachos do Ministro das Corporações e Previdência Social" não pareça ajustar-se apenas à hipótese do actual n.° 2 do antigo 35.°, cuja fusão com o n.° 3 a Câmara sugeriu.
Por outro lado, torna-se necessário adaptar o texto do n.° 2 à solução que se perfilhou quanto ao artigo 17.° do projecto (cf. n.° 73). Aproveita-se para fazer neste número ligeira modificação de redacção.
Assim, propõe-se:
1. O trabalho prestado no dia de descanso semanal e nos feriados obrigatórios, bem como no dia ou meio dia de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, por [...] despachos do Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos contratos individuais de trabalho, será pago pelo dobro da retribuição normal.
2. As entidades patronais deverão possuir um registo de horas de trabalho prestado nos dias referidos no número anterior, onde, antes do início da prestação, serão anotadas as horas previstas de começo e termo do trabalho e os dias de descanso a gozar em substituição do dia de descanso semanal.
ARTIGO 38.°
(Regime do trabalho a tempo parcial)
110. Nada a objectar à norma do n.° 1, nos termos cautelosos em que vem formulada.
As preferências discriminadas no n.° 2 merecem inteira concordância. No que se reporta às trabalhadoras com responsabilidades familiares, segue-se a doutrina do artigo 120.°, n.° 1, da L. C T., enquanto a preferência concedida aos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida está na ordem das preocupações subjacentes ao disposto no artigo 126.° daquele diploma.
Justificam-se, segundo se imagina, alterações formais a todos os números do artigo 38.° A que se propõe para o n.° 3 parece especialmente recomendada para clarificação do texto.
A redacção sugerida é a seguinte:
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sempre que tal for consentido pela natureza das actividades ou profissões [...] abrangidas, deverão conter normas sobre o regime de trabalho a tempo parcial.
2. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho [...] deverão estabelecer, para a admissão em regime de tempo parcial, nos termos do número anterior, preferências em favor das trabalhadoras com responsabilidades familiares, dos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida e dos trabalhadores que frequentem estabelecimentos de ensino médio ou superior.
3. A retribuição dos trabalhadores admitidos em regime de tempo parcial não poderá ser inferior à fracção da retribuição do trabalho a tempo completo correspondente ao período de trabalho ajustado.
ARTIGO 39.°
(Mapas de horário de trabalho)
111. A designação "mapa de horário de trabalho", no sentido que legalmente lhe é atribuído, apareceu apenas no Decreto-Lei n.° 24 402 com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 43 182. Até aí a expressão "horário de trabalho" designava indiferentemente o horário e o mapa que o continha 181.
O presente artigo não se afasta do constante da lei vigente (artigo 20.° e § 2.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção do Decreto-Lei n.° 43 182).
Nada a observar quanto ao n.° 1.
O n.° 2, esse, não tem a desejável latitude ou flexibilidade; nem sequer cobre já a prática, oficialmente sancionada, dos chamados horários livres, em que o mapa é substituído por uma caderneta de registo, pessoal e intransmissível.
Deverá preferentemente ser assim redigido:
2. As condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis, propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do presente diploma, serão estabelecidas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvidos os organismos corporativos interessados.
ARTIGO 40.°
(Indicações constantes nos mapas de horário de trabalho)
112. O teor do n.° 1 interpretado em função da epígrafe poderá acaso induzir em erro, fazendo crer que do mapa de horário de trabalho constarão sòmente as horas de início e termo do período de funcionamento e o dia de encerramento semanal. Não é assim, claro está. No mapa de horário de trabalho mandado elaborar e afixar pelo artigo 39.° inscreve-se fundamentalmente o horário de trabalho do pessoal, com todas as indicações inerentes ao conceito dado pelo artigo 8.° E nele devem figurar também - di-lo agora a disposição em causa - outras indicações relativas, não pròpriamente, ao horário do pessoal, mas ao funcionamento do estabelecimento, ao que muito expressivamente alguém denominou 182 "horário da empresa".
São, aliás, apenas estas últimas indicações as que devam exarar nos mapas referidos no n.° 2 as entidades patronais sem pessoal ao seu serviço. Em relação a elas, mesmo sem que a lei o precisasse, seria, por definição, incorrecto falar em horário de trabalho.
Já antes das modificações vindas ao artigo 20.° do Decreto-Lei n.° 24 402 pela revisão de 1960 a jurisprudência entendera 183 que onde não existe pessoal não há que falar em horário de trabalho.
181 Cf. Dr. A. Silva Leal, in "Regime jurídico do horário do trabalho", fl. 104.
182 Dr. A. Silva Leal, ob. cit., fl. 99.
183 Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Dezembro de 1955 (Diário do Governo, de 20 de Setembro de 1956) e 7 de Fevereiro de 1956 (Diário do Governo, de 26 de Outubro de 1956).
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113. Ciente muito embora da improbabilidade de o preceito, tal qual está no projecto, suscitar dúvidas fundadas, a Câmara prefere que o n.° 1 assinale a natureza complementar e acessória das indicações nele referidas.
Desta forma:
1. As entidades patronais indicarão também, nos mapas de horário de trabalho o começo e o termo do período de funcionamento e o dia de encerramento semanal.
Afigura-se-lhe, outrossim, que o n.° 2 teria, com vantagem, a seguinte redacção:
2. Nos estabelecimentos que não tenham trabalhadores ao seu serviço serão afixados [...] mapas contendo apenas as indicações referidas no número anterior.
ARTIGO 41.°
(Elaboração e aprovação dos mapas de horário de trabalho)
114. Para melhor sistematização, julga-se que será conveniente desdobrar o artigo, de forma que o n.°2 constitua uma disposição autónoma.
Os n.ºs 1 e 3 referem-se a condições a formalidades que devem ser observadas na elaboração dos mapas. Ficarão bem num primeiro artigo (Condições e formalidades a observar na elaboração dos mapas de horário de trabalho ou, simplesmente, Elaboração dos mapas).
O n.° 2, sob a epígrafe Aprovação dos mapas de horário de trabalho, constituirá um artigo novo.
Redigido assim:
A validade dos mapas de horário de trabalho depende da sua aprovação pelo I. N. T. P. quando as horas de começo e termo do período de funcionamento do estabelecimento não coincidam com as de entrada e saída de todos os trabalhadores ou quando não seja comum a todos estes o intervalo de descanso.
A alteração sugerida impõe-se, salvo melhor parecer.
Os mapas que não indicam a mesma hora de entrada e saída para todo o pessoal carecem de ser aprovados pelo I. N. T. P. São óbvios os motivos da exigência. Pois, por identidade de razão, devem ficar sujeitos àquela formalidade os mapas donde conste que, embora entrando e saindo simultâneamente, os trabalhadores não descansam todos à mesma hora.
115. A necessidade, que, aliás, a Câmara não impugna, de aprovar os mapas, como também a do deferimento dos pedidos de isenção ou a de autorização de trabalho extraordinário nos casos em que ainda é exigida, põe com alguma pertinência o problema da dilação dos respectivos despachos.
Compreende-se que a especial natureza e o melindre das questões torne aqui impraticável o sistema já ensaiado noutros sectores da Administração e que consiste em tomar como aprovação tácita a falta de comunicação dentro de determinado prazo.
A Câmara espera, contudo que na execução do presente diploma se providenciará para evitar aos requerentes a incerteza e as perturbações ocasionadas pelo atraso dos Serviços.
ARTIGO 42.°
(Sanções)
116. A complexidade da regulamentação e, por vezes, a extremamente variada "dimensão" das entidades patronais abrangidas determinam a relativa amplitude do esquema penal adequado às infracções de preceitos sobre duração do trabalho. E estão na raiz das controvérsias provocadas pelos aspectos mais delicados da sua problemática.
O montante das multas deve ser fixado pela lei, em abstracto, de harmonia com a gravidade das infracções. Ora, a gravidade das infracções mede-se pela natureza das normas infringidas ou, mais precisamente, pelo grau de ofensa dos valores que estas tutelam, e nem todas elas se revestem de idêntica importância. Até aqui, o acordo parece absoluto.
As divergências e as dificuldades vêm depois.
Sabe-se que muitas vezes se torna embaraçoso, e algumas virtualmente impossível, o apuramento do número de trabalhadores em relação aos quais não foi respeitada a lei. E pergunta-se se valerá a pena fazer o esforço inglório da contagem ou correr os riscos de uma contagem aproximativa quando se podem estabelecer presunções legais que não nos afastarão muito da avaliação da infracção em termos de relativa justiça.
Por outro lado, a muito diferente "dimensão" das transgressoras leva por vezes a sublinhar a pretensa iniquidade resultante de, na fixação de multas, abstrair totalmente da respectiva capacidade económica e, sobretudo, da sua responsabilidade social.
Mas a capacidade económica das entidades patronais não é imediatamente determinável, embora também se possa entender que dela se tem uma presunção no maior ou menor número de trabalhadores em serviço.
Nesta matéria nenhum ponto está imune de discussão. Discute-se, com efeito, a própria razoabilidade da intervenção do factor "capacidade económica" e põe-se em causa, quer o bom fundamento, quer a viabilidade prática da utilização da presunção acima referida.
Salvo o devido apreço pela opinião contrária, não deve pôr-se em causa a justiça da discriminação das entidades patronais, tão certo é que, em última análise, a sua capacidade económica não vem à colação como índice da possibilidade de pagamento de multas mais ou menos elevadas, mas como forma de determinarmos o grau da sua responsabilidade social.
Ao argumento contrapõe-se, claro está, que a responsabilidade social e, por ela, a capacidade económica se podem contemplar por efeito da graduação das multas em tribunal, mas não deixa também de ser exacto que às incidências dessa graduação se eximiriam fàcilmente as transgressoras mais responsabilizáveis, mediante o pagamento voluntário do montante mínimo durante a fase administrativa do processo.
Admitindo, entretanto, que devamos considerar o factor "capacidade ou responsabilidade social das transgressoras", seria necessário adoptar um critério plausível para a sua determinação.
A bondade do critério do "número de trabalhadores ao serviço da entidade patronal" pode ser impugnada como a de qualquer outro; para mais, ele não se afigura isento de contra-indicações de ordem prática. Todavia, é lícito dizer em seu abono que desenha o preciso quadro social em que a transgressão ocorre e onde se obtêm os elementos de facto de que a entidade fiscalizadora carece.
Como a averiguação do número exacto dos trabalhadores em serviço efectivo no momento da transgressão constituiria operação morosa ou de resultados aleatórios, podem ter-se em conta os "trabalhadores normalmente ao serviço".
Pergunta-se, entretanto: este critério tem sido adoptado, ou adoptado precìpuamente, para efeito de presunção de capacidade económica ou, contornando as dificuldades a
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que já se aludiu, para, na falta de melhor certeza, nos "aproximar" do número de trabalhadores em relação aos quais houve transgressão?
Adiante ver-se-á este ponto.
117. O Decreto-Lei n.° 24 402 regula a matéria correspondente nos seus artigos 28.°, § 1.°, 29.° e 30.°, todos na redacção do Decreto-Lei n.º 43 182 184
O sistema penal obedece à seguinte orientação:
a) As multas têm montante variável e são graduadas pelo tribunal;
b) As multas variam em função do número de pessoas normalmente ao serviço do infractor;
c) Cada multa pune a violação de norma, independentemente do número de trabalhadores em relação aos quais foi transgredida.
O artigo 31.° esclarece, depois, que são considerados normalmente ao serviço da empresa todos os trabalhadores, "mesmo quando se ocupem em estabelecimentos, secções, agências ou filiais separadas".
O não cumprimento do preceituado quanto ao trabalho de mulheres e de menores 185 envolve aplicação de multas que se afastam da orientação geral do diploma: são aplicadas "por cada menor, ou mulher, ilegalmente empregado".
Por sua vez, a Lei do Contrato de Trabalho impõe multas referidas aos trabalhadores encontrados em transgressão, sem atender ao número de pessoas empregadas pela entidade patronal 186.
Verifica-se, desta sorte, que é bastante heterogéneo e que tem variado bastante no tempo o dispositivo penal do nosso direito do trabalho. A Câmara Corporativa, independentemente das observações que lhe merece o texto em apreciação, julga que conviria; mediante ponderada revisão de todo o sistema penal do trabalho, harmonizar os regimes estabelecidos em documentos legais com tão evidentes afinidades e correlações.
118. O regime do projecto, e em especial o deste artigo 42.°, é uma simbiose dos vários sistemas.
Assim:
a) As multas são aplicadas por cada trabalhador encontrado em transgressão;
b) Há vários "escalões" de multa, consoante o número de trabalhadores normalmente ao serviço;
c) As multas são fixas.
A conjugação dos critérios referidos nas alíneas a) e b) constitui novidade no nosso direito laboral; o da alínea c)
assinala o regresso à orientação do Decreto-Lei n.° 24 402 na sua versão inicial, isto é, anterior às modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 26 917.
Ocorre naturalmente uma primeira critica. Dir-se-á que calcular a importância da multa em atenção, simultâneamente, ao número de trabalhadores encontrados em transgressão e ao número dos que estão ao serviço da entidade patronal (valores, por hipótese, coincidentes) redunda em gravosa duplicação: contam-se duas vezes todos ou alguns trabalhadores.
De acordo com uma visão pragmática da situação, o raciocínio é correcto. Na ordem jurídica, porém, talvez seja legítimo interpretá-la em termos não necessariamente idênticos, para concluir que a duplicação é apenas aparente: o número de trabalhadores conta enquanto se deseja quantificar a infracção e conta como elemento informativo (de mérito discutível, sem dúvida, mas operacional...), com base no qual se afira da capacidade económica, e consequente responsabilidade social, da infractora.
Não adianta grande coisa averiguar qual a razão de ser da utilização deste último critério no direito constituído 187: seja ela qual for, pode-se, no direito a constituir, lançar mão de critério idêntico, com diferente finalidade. Ponto é que ele não repugne e ofereça vantagens, quer tomado em si, quer associado com outro. E já se viu que, no plano teórico, a fórmula do projecto tem defesa.
O problema reside em saber-se se, tudo ponderado, as sanções calculadas segundo essa fórmula complexa atingiriam montantes excessivos, quiçá astronómicos, e, na hipótese afirmativa, qual o processo idóneo de o evitar.
A Câmara pensa que é justamente o caso.
Por outro lado, não deixa de ser sensível às reais vantagens do critério "número de trabalhadores normalmente ao serviço", ao passo que reconhece, quanto a certo tipo de infracções, as dificuldades de apurar com satisfatória precisão o número de trabalhadores envolvidos.
Optar, deste modo, por esse critério relativamente à generalidade das infracções, e abandoná-lo apenas quando se trate das que, por natureza instrínseca e condições de facto, são bem individualizáveis?
De facto, a penalização em função do número de trabalhadores ao serviço, sem deixar de fornecer a presunção do número dos envolvidos pela transgressão praticada, é do mesmo passo susceptível de conferir à multa possibilidades de punir com maior dureza os infractores socialmente mais responsáveis.
A solução estaria recomendada sobretudo pela circunstância de não constituir fractura da tradição que remonta a 1934 e pelo facto de permitir a quase automática graduação da multa em função das possibilidades económicas dos transgressores 188.
184 É, quanto à parte penal, a terceira versão do Decreto-Lei n.° 24 402. A modificação mais significativa operou-se na passagem do texto original para o que lhe deu o Decreto-Lei n.° 26 917: previam-se inicialmente multas fixas, aplicáveis em função do número de pessoas ao serviço.
185 O âmbito da disposição é maior do que o das disposições correspondentes do projecto em exame. Este deixa de lado os trabalhos vedados a mulheres e a menores, que não são matéria de duração do trabalho e têm lugar próprio na Lei do Contrato de Trabalho (artigos 119.° e 122.°).
186 O Decreto-Lei n.° 47 032 tinha um sistema misto: algumas multas eram aplicadas em função do número de trabalhadores ao serviço, outras por cada trabalhador em relação ao qual se verificasse a infracção.
Ambos os diplomas, referentes ao "contrato individual do trabalho", se furtaram, muito lògicamente, a prever sanções quanto aos artigos sobre "Duração do trabalho", submetida a legislação especial.
Deve notar-se, porém, que a matéria, de descanso semanal e de feriados, que é de suspensão da prestação do trabalho, mão está nesse caso, e, portanto, é sancionada.
187 Comentando o princípio da graduação da multa conforme o número de trabalhadores ao serviço, consagrado na lei vigente, escreveu o Dr. Rosado Coutinho (ob. cit., fl. 140): "O legislador quis punir mais severamente as grandes organizações do que as pequenas, e como tinha de fixar um critério que servisse de padrão para tarear a grandeza e importância dos estabelecimentos, recorreu ao número de pessoas que geralmente emprega com carácter de normalidade".
No sentido de que o critério é determinado não para ajustar as sanções à dimensão da empresa, mas pela presunção de que as infracções se consumam em relação a todos os seus trabalhadores, pronunciou-se o Dr. Bernardo Xavier, ob. cit., nota I, ao artigo 127.°, fl. 201.
188 Nem sempre, aliás, a importância e a solidez económica da empresa são directamente proporcionais ao número de trabalhadores utilizados. A automação, em regra mais frequente e mais ampla precisamente nas empresas mais poderosas e a própria natureza das actividades exercidas são, hoje em dia, factores com larga influência na "quantificação" dos quadros de pessoal.
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Pela solução oposta militam no entanto, argumentos de peso.
Assim, o sistema fundado na consideração do "número de trabalhadores em relação ao qual se verificou a infraccão", além de ser tècnicamente mais ortodoxo, tem a seu favor o seguinte:
a) Dispensa o recurso à presunção do número de trabalhadores envolvidos, assentando, como assenta, em princípio, na determinação exacta desse número;
b) Está consagrado nos diplomas mais recentes da nossa legislação do trabalho, nomeadamente na L. C. T. (artigo 127.°, n.°s 1 e 3) e no Decreto-Lei n.° 49 212, sobre relações colectivas de trabalho (artigo 28.°, n.°1);
c) Pode integrar um preceito de carácter supletivo que obvie às dificuldades de contagem ou identificação dos trabalhadores, na hipótese de resultarem de facto imputável à entidade patronal.
Com este sistema deve, em todo o caso, conjugar-se o das multas graduáveis entre um máximo e um mínimo. As multas fixas previstas neste artigo 42.°, bem como no artigo 43.°, do projecto, têm dois inconvenientes: nem incentivam o pagamento voluntário, nem permitem aos tribunais, quando o processo chega à fase de julgamento, atender a todas as circunstâncias do caso sub judice.
Não se vislumbra, aliás, como conciliar neste ponto a moldura penal dos artigos 42.° e 43.°, com a alusão do artigo 45.°, à graduação das multas nos termos do artigo 128.° do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
Trata-se, com certeza, de mero lapso, mas que, pelas razões descritas, não parece que deva sanar-se em detrimento do artigo 45.° ser do seguinte teor:
Como quer que seja, tudo visto, a Câmara inclinou-se, por maioria, no sentido de o n.° 1 do artigo que substitui o projectado artigo 42.° ser do seguinte teor:
1. As infracções ao preceituado no presente diploma ou nos regimes criados ao abrigo das suas disposições [. . .] serão punidas com a multa de 200$ a 400$ por cada trabalhador em relação ao qual se verificarem, salvo o disposto nos números seguintes.
119. O n.° 4 do projecto deve ter como fonte o artigo 30.° do Decreto-Lei n.° 24 402, segundo a redacção do Decreto-Lei n.° 43 182. Talvez porque o contexto seja diferente nos dois documentos, o texto agora em causa dá lugar a algumas dúvidas.
Aquele artigo 30.° fala no não cumprimento do disposto "quanto ao trabalho de mulheres e menores", e sobre o trabalho de mulheres e menores preceituam o artigo 7.° (proibição do trabalho fora dos limites diurnos) e seus §§ 1.° (excepções à norma do corpo do artigo) e 2.° (serviços consentidos e vedados). Não subsistem, pois, dúvidas de nenhuma espécie relativamente ao alcance do artigo 30.°
O n.° 4, porém, alude a "infracções que digam respeito ao trabalho prestado por mulheres e ao trabalho prestado por menores". Literalmente não é a mesma coisa. Embora a solução repugne, podia entender-se que o projecto visa, não apenas a transgressão das disposições especìficamente concernentes a mulheres e a menores, mas, de maneira genérica, toda a disciplina legal, enquanto infringida em relação a mulheres e a menores. O texto em si talvez legitime a dúvida.
O Governo quis, certamente, o mesmo que o artigo 30.° do Decreto-Lei n.º 24 402 deseja, isto é, quis agora referir-se ao que no projecto dispõe em especial sobre trabalho de mulheres e de menores.
Ora dispôs tão-sòmente sobre: trabalho extraordinário de menores (artigo 18.°), trabalho nocturno de mulheres (artigo 28.°) e trabalho nocturno de menores (artigo 30.°).
Simplesmente, ao verificar-se quais são, por remissão a preceitos anteriores, as multas previstas, encontram-se motivos de alguma perplexidade.
Dá-se como certa a existência de um lapso do texto impresso: o projecto não deve ter querido mencionar as multas dos n.ºs 2 e 3, mas as dos n.ºs 1 e 3, visto que o n.° 2 se limita a repetir as do n.° 1.
Acresce, porém, que o n.° 3 pune com o dobro das multas cominadas pelo n.° 1 as infracções a preceitos relacionados com o dia de descanso e com os feriados obrigatórios.
Desejará então significar-se que a transgressão dos preceitos enumerados no n.° 1 e no n.° 3, quando referente a mulheres e a menores, será punida com o dobro das multas aí indicadas, ou seja, respectivamente, com o dobro e o quádruplo das constantes do n.° 1? Não é provável.
Ocorre, entretanto, diversa interpretação. Partindo do princípio de que se "pensaram" sanções para os preceitos especìficamente relativos a mulheres e a menores, como é tradição do nosso direito laborai e parece melhor de jure constituindo, as duas multas do n.° 4 (dobro da do n.° 1 e dobro da do n.° 3) caberiam, respectivamente, à transgressão do disposto no artigo 28.° sobre trabalho nocturno de mulheres e à transgressão do preceituado nos artigos 18.° e 30.°, sobre trabalho extraordinário e trabalho nocturno de menores.
Será assim? Parece, pelo menos, a forma de harmonizar o mais plausível sentido da norma com a circunstância de esta conter duas penalizações para duas hipóteses distintas de transgressão.
Como quer que seja, a Câmara está persuadida de que não se justificaria o sistemático agravamento das multas quando a violação de qualquer preceito genérico da lei atinja o trabalho de mulheres ou menores. Crê, por outro lado, que o texto não serve os seus próprios objectivos se, como tudo indica, visou o caso específico dos artigos 18.°, 28.° e 30.
Mais feliz se lhe afigura, sob tal aspecto, o artigo correspondente do Decreto-Lei n.º 24 402.
A Câmara não está, por outro lado, convencida de que se justifique inteiramente que à infracção do artigo 28.° (que é o preceito que directamente se prende com trabalho feminino) caiba multa mais elevada do que a do n.° 1 do artigo em apreço.
Para as infracções ao estabelecido quanto a trabalho de menores propõe a multa em dobro, também prevista quanto às transgressões que envolvam a remuneração do trabalho extraordinário e do prestado em dia de descanso semanal ou de feriado obrigatório.
Para as infracções ao limite máximo de horas de trabalho extraordinário (artigo 16.°) e nos casos em que haja violação ao condicionalismo em que ele pode ser prestado (artigo 13.°), julga a Câmara adequada a punição com metade da multa.
Finalmente, torna-se necessário prevenir a hipótese das entidades patronais que não tenham trabalhadores no seu estabelecimento.
Os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo deverão ter, segundo a Câmara, esta redacção:
2. As infracções aos artigos 15.° e 18.° [texto do contra-projecto da Câmara] serão punidas com metade da multa prevista no número anterior.
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3. As infracções às disposições sobre remunerarão do trabalho extraordinário e do prestado em dia de descanso semanal ou de feriado obrigatório, bem como ao estabelecido quanto a trabalho de menores, serão punidas com a multa prevista no n.° 1, elevada ao dobro.
4. Nas infracções às disposições que regulam o período de funcionamento ou que determinam o encerramento ou a suspensão da laboração, as entidades patronais que não tenham pessoal ao seu serviço serão punidas com a multa de 200$.
120. Em sequência de anteriores considerações, recomenda-se que após este artigo seja integrado, sob a epígrafe "Contagem e identificação dos trabalhadores", um artigo novo, assim redigido:
Se forem postas dificuldades à contagem ou à identificação dos trabalhadores, presume-se que a infracção se verificou em relação a todos os trabalhadores que normalmente se ocupam nos postos de trabalho onde ocorreu.
ARTIGO 43.º
(Sanções especiais)
121. Englobam-se aqui as sanções a impor na hipótese de não cumprimento de formalidades essenciais ao contrôle, por parte da entidade fiscalizadora, das normas substantivas da lei.
Dentro da lógica da orientação que prevaleceu, a Câmara sente-se habilitada a reconhecer que, relativamente a este tipo de infracções, o número de trabalhadores abrangidos confere com o dos que estão normalmente ao serviço. O artigo proposto pela Câmara é do seguinte teor:
A falta de afixação dos mapas de horário de trabalho, a falta de envio das suas cópias ao I. N. T. P. e a falta de sujeição a aprovação dos referidos mapas [...] nos casos em que [...] for legalmente exigida, serão punidas com multas [...] nos termos seguintes [...]:
a) 200$, se as entidades patronais não tiverem pessoal ao serviço, ou se o número de trabalhadores normalmente ao serviço não exceder cinco;
b) 2000$, se forem de seis a vinte;
c) 5000$, se forem de vinte e um a cinquenta;
d) 20 000$, se forem mais de cinquenta.
Os escalões, de multas acentuadamente progressivas, obedeceram ao propósito de penalizar mais fortemente as entidades patronais cuja consciência da importância e dos objectivos das formalidades prescritas na lei tem de presumir-se mais perfeita.
A falta de registo de trabalho extraordinário, que, segundo o projecto (n.° 2 deste artigo 43.°), dava ensejo à aplicação de sanção especial, cai sob o regime-regra do contraprojecto da Câmara. Trata-se, efectivamente, de uma infracção que pode ser delimitada com rigor em função do número de trabalhadores abrangidos.
ARTIGO 44.°
(Responsabilidade pelo pagamento das multas)
122. Repete-se a norma em vigor (§ 2.° do artigo 28.º do Decreto-Lei n.° 24 402) que sublinha acertadamente a particular responsabilidade dos dirigentes e funcionários em causa.
A Câmara propõe ligeiras alterações de ordem formal. A mais relevante conforma-se com a orientação que tem adoptado e que, aliás, já foi seguida na maioria dos diplomas publicados no último decénio. Consiste na inversão da ordem por que são mencionados os organismos de coordenação económica e os organismos corporativos, por forma a acentuar melhor o carácter paraestadual dos primeiros e a natureza dos segundos.
A redacção preferida é:
Quando as infracções aos preceitos que regulam as condições e a retribuição da prestação do trabalho em dias de descanso e em feriados obrigatórios e o encerramento ou a suspensão da laboração se verificarem ao serviço do Estado, das autarquias locais e dos organismos de coordenação económica, bem como dos organismos corporativas, a multa será aplicada tanto ao funcionário ou dirigente que tenha ordenado o trabalho, como à entidade patronal a que tenha sido dão entregue a sua execução, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que o funcionário ou dirigente venha a incorrer.
ARTIGO 45.°
(Graduação e destino das multas)
123. O artigo deve ser desdobrado. Na primeira disposição deve figurar o regime de reincidência; num segundo preceito, o da graduação, inconvertibilidade e destino das multas.
No que se refere à reincidência, a Câmara pensa que:
a) A primeira reincidência deve ser punida com multa não inferior a dois terços do limite máximo previsto e as seguintes com o máximo previsto;
b) Para efeito de reincidência devem considerar-se apenas as infracções cometidas nos seis meses anteriores.
A redacção correspondente será:
1. A primeira reincidência será punida, com multa não inferior a dois terços do limite máximo previsto e as seguintes com o máximo previsto.
2. Para o efeito de reincidência, considerar-se-ão apenas as infracções cometidas nos seis meses anteriores e atender-se-á também ao pagamento voluntário das multas em juízo.
3. Se o infractor for reincidente, o autuante deverá atender a essa circunstância na fixação do montante da multa.
Para o artigo sobre gradução, inconvertibilidade e destino das multas, sugere a Câmara o seguinte texto:
1. As multas serão graduadas pelo julgador em função da gravidade da infracção, da culpabilidade do infractor e das possibilidades económicas deste.
2. Os limites fixados nos artigos 46.° e 48.° serão elevados para o dobro sempre que o infractor use de coacção sobre os trabalhadores, falsificação, simulação ou outro meio fraudulento.
3. A transgressão de disposições deste diploma que implique a aplicação de duas ou mais multas será punida com a multa mais elevada.
4. As multas aplicadas ao abrigo do presente diploma não são convertíveis em prisão e constituem receita do Estado.
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ARTIGO 46.°
(Competência dos tribunais do trabalho)
124. Repete-se, salvos os ajustamentos requeridos pela mais rigorosa terminologia do projecto, o prescrito no artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 43 182, de 23 de Setembro de 1960. A Câmara nada tem a objectar.
ARTIGO 47.°
(Execução e fiscalização da lei)
125. Trata-se da versão ampliada e actualizada do preceito do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção do Decreto-Lei n.° 26 917, que presentemente rege a matéria. A Câmara concorda com o texto proposto.
ARTIGO 48.°
(Alargamento do campo de aplicação da lei)
126. Com base nos motivos oportunamente enunciados (comentário ao artigo 1.°), a Câmara propõe que a matéria deste artigo 48.° seja distribuída por dois artigos novos a inserir entre os actuais artigos 1.° e 2.°
ARTIGO 49.°
(Manutenção das condições de trabalho)
127. A disposição reflecte o princípio do chamado "tratamento mais favorável ao trabalhador" 189.
Chama-se, entretanto, a atenção para a gralha tipográfica que, no final do artigo, lhe desfigura totalmente o sentido, levando-o a afirmar o contrário do que pretende. Deve escrever-se, claro está: "que lhes seja desfavorável", e não "que lhes sejam desfavoráveis".
A epígrafe apenas será esclarecedora se disser "Manutenção das condições de trabalho mais favoráveis".
ARTIGO 50.°
(Manutenção dos horários de trabalho anteriores)
128. A Câmara concorda com o regime transitório estabelecido. Observa apenas que a epígrafe adequada para poder abranger o n.° 2 será "Manutenção de horários de trabalho e isenções anteriores".
Recorda também que, nos termos do sugerido a propósito do n.° 4 do artigo 2.°, o artigo 50.° deverá ter um terceiro número, a incluir preferentemente entre os actuais n.ºs 1 e 2. Dá como reproduzidos os fundamentos da proposta e o testo sugerido.
ARTIGO 51.°
(Início da vigência)
129. Dado o número e o alcance dos preceitos que modificam sensivelmente o ordenamento jurídico actual, a vacatio legis parece razoável.
ARTIGO 52.°
(Legislação revogada)
130. A disposição revogatória tem dois lapsos a corrigir: o Decreto de 1933 é o n.° 22 500 (não, 32 500) e o n.° 24 402 é Decreto-Lei (não Decreto).
Pelo afirmado quando se examinou o artigo 19.°, sugere-se também a revogação do n.° 3 e do § 2,° do artigo 2.° e dos nºs 2 e 3 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 48 588, de 23 de Setembro de 1968.
Sistematização do projecto
131. A Câmara julga que a boa sistematização do projecto impõe o agrupamento dos vários artigos em capítulos, estabelecidos em função da conexação das matérias e dotados com epígrafes próprias.
Assim os artigos 1.° a 3.° constituirão o capitulo I (Âmbito de aplicação do diploma) e, sucessivamente, os artigos 4.° a 9.° o capitulo II (Período normal de trabalho), 10.° a 14.° o capitulo II (Horário de trabalho), 15.º a 21.º o capítulo IV (Trabalho extraordinário), 22.° a 27.° o capitulo V (Períodos de funcionamento), 28.° a 33.º o capitulo VI (Trabalho nocturno), 34.° a 40.º o capitulo VII (Encerramento e descanso semanal), 41.° o capitulo VIII (Trabalho a tempo parcial) 42.° a 45.° o capítulo IX (Mapas de horário de trabalho), 46.° a 52.° o capítulo X (Infracções) e 53.° a 57.° o capítulo XI(Disposições finais).
As epígrafes escolhidas para os capítulos obrigaram, no caso de alguns artigos, a alterar as que o projecto lhes atribuiu.
Também, de acordo com a redacção dada ao artigo 1.°, parece conveniente que a designação do presente diploma seja modificada. A Câmara considera mais adequada a seguinte denominação: "Regime Jurídico da Duração do Trabalho".
III
Conclusões
132. A Câmara Corporativa, em conclusão, reafirma a sua concordância na generalidade com o projecto do Decreto-Lei n.° 5/X e, pelas razões aduzidas quanto à especialidade, sugere que o diploma em apreço tenha a seguinte redacção:
Regime Jurídico da Duração do Trabalho
CAPITULO I
Âmbito de aplicação do diploma
ARTIGO 1.º
(Duração do trabalho por efeito do contrato de trabalho)
Artigo 1.° do projecto
1. A duração do trabalho prestado por efeito do contrato de trabalho está sujeita ao regime estabelecido no presente diploma.
2. O regime definido no presente diploma é aplicável ao trabalho prestado às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas, com as adaptações que nele vierem a ser introduzidas por decretos regulamentares, referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competentes, mas não abrange as empresas públicas cujo pessoal, nos termos do respectivo estatuto legal, estiver sujeito ao regime jurídico dos servidores do Estado.
3. A aplicação aos contratos de trabalho portuário do regime definido no presente diploma pode sofrer a adaptação exigida pelas características desses contratos que vier a ser fixada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
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ARTIGO 2.°
(Trabalho rural)
N.° 1 do artigo 48.º do projecto
O regime de duração do trabalho estabelecido no presente diploma poderá ser tornado extensivo, por decreto regulamentar, no todo ou em parte, e com as adaptações exigidas pela sua natureza, ao trabalho rural.
ARTIGO 3.°
(Trabalho a bordo)
N.° 2 do artigo 48.° do projecto
O regime de duração do trabalho a bordo será definido por legislação especial.
CAPITULO II
Período normal de trabalho
ARTIGO 4.°
(Limites máximos dos períodos normais de trabalho)
Artigo 2.° do projecto
1. O período normal de trabalho não pode ser superior a oito horas por dia e a quarenta e oito horas por semana.
2. O período normal de trabalho dos empregados de escritório não pode ser superior a sete horas por dia e a quarenta e duas horas por semana.
3. O período normal de trabalho diário poderá, porém, ser superior aos limites fixados nos n.ºs 1 e 2 quando seja concedido ao trabalhador meio dia ou um dia de descanso por semana além do dia de descanso semanal prescrito pela lei.
4. Nos casos referidos no número anterior, o acréscimo do período normal de trabalho diário não poderá ser superior a uma hora.
5. O limite fixado no número anterior poderá ser elevado para duas horas sempre que tenha sido conferida a possibilidade de prolongar o período de funcionamento, nos termos do n.° 2 do artigo 35.°
ARTIGO 5.°
(Excepções aos limites máximos dos períodos normais de trabalho)
Artigo 3.° do projecto
1. Os limites máximos dos períodos normais de trabalho fixados no artigo anterior só podem ser ultrapassados nos casos expressamente previstos na lei.
2. O acréscimo dos limites referidos no número anterior poderá ser determinado em decreto regulamentar ou instrumento de (regulamentação colectiva de trabalho:
a) Em relação ao pessoal que preste serviço em actividades sem fins lucrativos ou estreitamente ligadas ao interesse público, desde que se mostre absolutamente incomportável a sujeição do seu período de trabalho a esses limites;
b) Em relação às pessoas cujo trabalho seja acentuadamente intermitente ou de simples presença.
3. Sempre que as actividades referidas na alínea a) do número anterior tenham carácter industrial, o período normal de trabalho será fixado de modo a não ultrapassar a média de quarenta e oito horas por semana ao fim do número de semanas estabelecido no respectivo decreto regulamentar ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
ARTIGO 6.°
(Redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho)
Artigo 4.° do projecto
1. Sempre que o aumento da produtividade das actividades o consinta e não haja inconvenientes de ordem económica ou social, devem ser reduzidos os limites máximos dos períodos normais de trabalho estabelecidos no presente diploma.
2. Na redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho, prevista no número anterior, deve dar-se prioridade às actividades e às profissões que impliquem maior fadiga física ou intelectual ou que comportem riscos para a saúde dos trabalhadores.
ARTIGO 7.°
(Fontes da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho)
Artigo 5.° do projecto
1. A redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho pode ser estabelecida por decreto regulamentar ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2. Da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho não pode resultar prejuízo para a situação económica dos trabalhadores, nem qualquer alteração das condições de trabalho que lhes seja desfavorável.
ARTIGO 8.°
(Limites máximos dos períodos normais de trabalho dos menores)
Artigo 6.° do projecto
Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho deverão reduzir, sempre que possível, os limites máximos dos períodos normais de trabalho dos menores de 18 anos.
ARTIGO 9.°
(Intervalos de descanso)
Artigo 7.° do projecto
1. O período de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo, de duração não inferior a uma hora, nem superior a duas, de modo que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.
2. Os instrumentos de regulamentação colectiva poderão estabelecer uma duração superior para o intervalo referido no número anterior, bem assim como impor a frequência e a duração de quaisquer outros intervalos de descanso do período de trabalho diário.
3. O I. N. T. P. poderá, mediante requerimento das entidades patronais, autorizar a redução ou a dispensa dos intervalos de descanso, quando tal se mos-
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tre favorável aos interesses dos trabalhadores ou se justifique pelas condições particulares de trabalho de certas actividades.
4. A autorização prevista no número anterior também poderá ser concedida apenas em relação a determinadas épocas do ano.
CAPÍTULO III
Horário de trabalho
ARTIGO 10.°
(Fixação do horário de trabalho)
Artigo 8.° do projecto
1. Compete às entidades patronais estabelecer o horário de trabalho do pessoal ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais.
2. Entende-se por "horário de trabalho" a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso.
3. Os órgãos de colaboração constituídos nas empresas para apreciar os problemas directamente relacionados com os interesses dos trabalhadores deverão pronunciar-se sobre tudo o que se refira ao estabelecimento e organização dos horários de trabalho.
ARTIGO 11.°
(Critérios especiais de organização dos horários de trabalho)
Artigo 9.° do projecto
1. Na organização dos horários de trabalho, as entidades patronais deverão facilitar aos trabalhadores a frequência de cursos escolares, em especial os de formação técnica ou profissional.
2. As entidades patronais deverão adoptar para os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida os horários de trabalho que se mostrarem mais adequados às limitações que a redução da capacidade implique.
ARTIGO 12.°
(Isenção de horário de trabalho)
Artigo 10.° do projecto
1. Poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades patronais, os trabalhadores que exerçam funções ou cargos incompatíveis com a subordinação do seu período de trabalho a um regime de duração normal.
2. Os requerimentos de isenção de horário de trabalho [...], dirigidos ao I. N. T. P., serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos [...] documentos que sejam necessários para comprovar os factos [...] alegados.
ARTIGO 13.°
(Condições da isenção de horário de trabalho)
Artigo 11.° do projecto
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho enunciarão as categorias profissionais que podem justificar isenção de horário de trabalho e fixarão as retribuições mínimas a que, no caso de serem isentos, terão direito os trabalhadores dessas categorias.
2. Na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, calculada nos termos estabelecidos no artigo 21.º para a primeira hora de trabalho extraordinário.
3. Podem renunciar à retribuição referida no número anterior os trabalhadores que exerçam funções de direcção na empresa.
ARTIGO 14.°
(Efeitos da isenção da horário de trabalho)
Artigo 12.º do projecto
Os trabalhadores isentos de horário de trabalho não estão sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, mas a isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva [...], por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social ou pelos contratos individuais de trabalho.
CAPITULO IV
Trabalho extraordinário
ARTIGO 15.°
(Noção de trabalho extraordinário)
Artigo 13.° do projecto
1. Considera-se trabalho extraordinário o prestado fora do período normal.
2. O trabalho extraordinário só poderá ser prestado:
a) Quando as entidades patronais tenham de fazer face a acréscimos de trabalho;
b) Quando as entidades patronais estejam na iminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior [...].
ARTIGO 16.°
(Trabalho não compreendido na noção de trabalho extraordinário)
Artigo 14.° do projecto
1. Não se considera trabalho extraordinário:
a) O trabalho prestado pelos trabalhadores isentos de horário de trabalho;
b) O trabalho prestado para compensar suspensões de actividade de duração não superior a quarenta e oito horas seguidas ou intervaladas por um domingo ou um feriado, quando essas suspensões tenham sido solicitadas às entidades patronais pelos trabalhadores.
2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, as entidades patronais só poderão compensar as suspensões de actividade depois de terem comunicado ao I. N. T. P. as condições em que pretendem proceder a essa compensação.
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ARTIGO 17.°
(Dispensa da prestação de trabalho extraordinário)
Artigo 15.° do projecto
O trabalhador deve ser dispensado de prestar trabalho extraordinário quando, havendo motivos atendíveis, expressamente o solicite.
ARTIGO 18.°
(Número máximo de horas de trabalho extraordinário)
Artigo 16.° do projecto
1. Em regra, cada trabalhador não poderá prestar [...] mais do que duas horas de trabalho extraordinário por dia, até o máximo de duzentas e quarenta horas por ano.
2. Estes limites podem ser ultrapassados:
a) Quando haja redução equivalente dos limites máximos dos períodos normais de trabalho;
b) Quando se verifiquem as circunstâncias previstas na alínea b) do n.° 2 do artigo 15.º;
c) Quando, ocorrendo outros motivos ponderosos devidamente justificados, as entidades patronais tenham obtido autorização prévia do I. N. T. P.
[3] [...] Eliminado.
ARTIGO 19.°
(Condições de prestação do trabalho extraordinário)
Artigo 17.° do projecto
[1] As entidades patronais deverão possuir um registo de horas de trabalho extraordinário, onde, antes do início da prestação, serão anotadas as horas previstas de começo e termo do trabalho.
[2] [...] Eliminado.
Artigo 20.°
(Trabalho extraordinário de menores)
Artigo 18.º do projecto
O trabalho extraordinário de menores de 18 anos depende de autorização prévia do I. N. T. P., que só poderá ser concedida quando esse trabalho for absolutamente imprescindível para a realização das tarefas [...] que motivem o pedido formulado pelas entidades patronais e não prejudicar as actividades escolares dos menores.
ARTIGO 21.º
(Remuneração do trabalho extraordinário)
Artigo 19.° do projecto
[1] A primeira hora de trabalho extraordinário diário será remunerada com um aumento correspondente a 25 por cento da retribuição normal e as horas subsetes com um aumento correspondente a 50 por cento.
(2) [...] Eliminado.
(3) [...] Eliminado.
CAPITULO V
Períodos de funcionamento
Artigo 22.°
(Período de funcionamento e horário de trabalho)
Artigo 20.° do projecto
1. As entidades patronais legalmente sujeitas a regime de período de funcionamento deverão respeitar esse regime na organização dos horários de trabalho para o pessoal ao seu serviço.
2. Entende-se por "período de funcionamento" o período diário durante o qual os estabelecimentos podem, exercer a sua actividade.
ARTIGO 23.°
(Período de abertura)
Artigo 21.° do projecto
1. O período de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público denomina-se "período de abertura".
2. Os períodos de abertura são fixados pelas câmaras municipais, depois de ouvidos os organismos corporativos interessados, e estão sujeitos à aprovação do I. N. T. P.
3. Os períodos de abertura dos estabelecimentos situados em zonas ou regiões de turismo são fixados nos termos do número anterior, devendo também ser ouvidos os órgãos locais de turismo.
4. O I. N. T. P. pode tomar a iniciativa da fixação do período de abertura dos estabelecimentos de venda ao público, quando as câmaras municipais o não façam dentro do prazo de seis meses a partir da data da entrada em vigor do presente diploma, observando-se neste caso o disposto nos n.°s 2 e 3 quanto à audiência dos organismos corporativos interessados e dos órgãos locais de turismo.
ARTIGO 24.°
(Critérios de fixação dos períodos de abertura)
Artigo 22.° do projecto
1. A fixação dos períodos de abertura deverá ter em atenção os interesses do público, admitindo-se que esses períodos de abertura sejam diferentes conforme os ramos de comércio e as épocas do ano.
(2) [. . .] Eliminado.
Artigo 25.°
(Período de laboração)
Artigo 23.° do projecto
1. O período de funcionamento dos estabelecimentos industriais denomina-se "período de laboração".
2. O período de laboração será fixado normalmente entre as 7 e as 20 horas.
3. A determinação das actividades industriais autorizadas a laborar continuamente será feita pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, depois de ouvidos os outros Ministérios interessados.
4. Cabe igualmente ao Ministério das Corporações e Previdência Social, depois de ouvidas as entidades oficiais competentes, autorizar períodos de laboração com amplitude superior à dos limites definidos no
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n.° 2, quando os estabelecimentos industriais delas careçam, permanente ou temporàriamente, por razões de ordem económica ou técnica.
ARTIGO 26.°
(Organização de turnos)
Artigo 24.° do projecto
1. Deverão ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
2. Os turnos deverão, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos trabalhadores.
3. A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho fixados de harmonia com o disposto no presente diploma.
4. 0 pessoal só poderá ser mudado de turno após o dia de descanso semanal.
ARTIGO 27.º
(Formalidades da organização de turnos)
Artigo 25.º do projecto
1. Os horários de trabalho com turnos [...] estão sujeitos à aprovação do I. N. T. P.
2. As empresas que utilizem trabalho por turnos deverão ter registo separado do pessoal incluído em cada turno.
(3) [...] Passa a n.° 4 do artigo 26.º
CAPITULO VI
Trabalho nocturno
Artigo 28.º
(Noção de trabalho nocturno)
Artigo 26.° do projecto
1. Para efeito do presente diploma, [...] "noite" é o período que decorre entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte.
2. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem considerar-se como "noite" períodos de onze horas consecutivas, que abranjam [...] pelo menos sete horas consecutivas compreendidas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte.
3. Os períodos de onze horas consecutivas referidos no número anterior só poderão ter inicio a partir das 23 horas, quando isso for estabelecido em convenção colectiva de trabalho.
4. Considera-se trabalho nocturno todo o trabalho prestado durante o período definido nos termos dos números anteriores.
ARTIGO 29.º
(Retribuição do trabalho nocturno)
Artigo 27.° do projecto
(1) A retribuição do trabalho nocturno será [...] superior em 25 por cento à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia.
(2)[...] Eliminado.
ARTIGO 30.º
(Trabalho nocturno das mulheres)
Artigo 28.° do projecto
1. As mulheres só podem ser autorizadas a trabalhar durante a noite nos estabelecimentos industriais:
a) Quando se verifiquem casos de força maior que obstem ao funcionamento normal dos estabelecimentos;
b) Quando se mostre indispensável para o funcionamento da empresa, designadamente se o trabalho nocturno for necessário para evitar a perda de matérias em laboração susceptíveis de rápida alteração.
2. As condições de autorização do trabalho nocturno das mulheres, nos casos previstos na alínea b) do número anterior, podem ser estabelecidas pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
3. As autorizações referidas no n.° 1 não são aplicáveis às mulheres durante a gravidez e até três meses após o parto.
ARTIGO 31.°
(Trabalhadoras não abrangidas peta proibição de trabalho nocturno)
Artigo 29.° do projecto
Não estão sujeitas às limitações impostas pelo artigo anterior:
a) As mulheres que exerçam cargos de responsabilidade, quer de direcção, quer de carácter técnico;
b) As mulheres que se ocupem de serviços de higiene ou bem-estar e que não prestem normalmente trabalho manual.
ARTIGO 32.°
(Trabalho nocturno de menores)
Artigo 30.° do projecto
1. Os menores de 16 anos não são autorizados a trabalhar durante a noite em estabelecimentos industriais e só poderão ser ocupados em actividades que não tenham carácter industrial [...] quando a prestação do trabalho nocturno seja indispensável para a formação profissional dos próprios menores.
2. Os menores com mais de 16 anos e menos de 18 só podem [...] trabalhar durante a noite nos estabelecimentos industriais em casos de força maior que obstem ao funcionamento normal da actividade exercida pela entidade patronal ou na circunstância prevista na parte final do número anterior.
ARTIGO 33.°
(Exames médicos dos trabalhadores incluídos nos turnos da noite)
Artigo 31.° do projecto
1. Nos estabelecimentos industriais, os trabalhadores a incluir em turnos que prestem trabalho contínua ou alternadamente durante a noite devem ser previamente submetidos a exame médico.
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2. Os exames médicos dos trabalhadores incluídos em turnos de trabalho nocturno devem ser repetidos anualmente, mas os instrumentos de regulamentação colectiva poderão impor a obrigatoriedade de exames [...] mais frequentes.
3. As observações clínicas relativas aos exames médicos serão anotadas em fichas próprias, que a todo o tempo serão facultadas aos inspectores-médicos da Inspecção do Trabalho.
CAPÍTULO VII
Encerramento e descanso semanal
ARTIGO 34.°
(Encerramento semanal)
Artigo 32.º do projecto
1. Os estabelecimentos comerciais e industriais devem, encerrar ou suspender a sua laboração um dia completo por semana, que será normalmente o domingo.
2. A determinação do dia de encerramento ou da suspensão de laboração nos casos em que esse dia não seja o domingo compete às câmaras municipais, depois de ouvidos os organismos corporativos interessados, e está sujeita à aprovação do I. N. T. P.
3. Nos dias considerados como feriados obrigatórios têm de encerrar ou suspender a laboração todas as actividades que não sejam permitidas aos domingos.
ARTIGO 35.°
(Actividades isentas de obrigatoriedade de encerramento semanal)
Artigo 33.° do projecto
1. O Ministério das Corporações e Previdência Social determinará por despacho quais as actividades comerciais e industriais que, além das actividades industriais autorizadas a laborar continuamente, são isentas de obrigatoriedade de encerrar ou suspender a sua laboração um dia completo por semana.
2. As farmácias apenas são dispensadas do encerramento semanal nas localidades em que o seu número não permitia uma escala de abertura [...], aprovada pela Direcção-Geral de Saúde.
ARTIGO 36.°
(Descanso semanal)
Artigo 34.° do projecto
1. O dia de descanso semanal prescrito pela lei só poderá deixar de ser o domingo quando os trabalhadoras prestem serviço a entidades patronais que estejam dispensadas de encerrar ou suspender a laboração um dia completo por semana ou que sejam obrigadas a encerrar ou a suspender a laboração num dia que mão seja o domingo.
2. Poderá também deixar de coincidir com o domingo o dia de descanso semanal:
a) Dos trabalhadores necessários para assegurar a continuidade de serviços que não possam ser interrompidos;
b) Do pessoal dos serviços de limpeza ou encarregado de outros trabalhos preparatórios e complementares que devam necessàriamente ser efectuados no dia de descanso dos restantes trabalhadores;
c) Dos guardas e porteiros.
ARTIGO 37.°
(Descansos semanais complementares)
Número novo e n.°s 1 e 2 do artigo 35.° do projecto
1. Pode ser concedido, em todas ou em determinadas semanas do ano, meio dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal prescrito por lei.
2. Sempre que o aumento da produtividade o consinta e não haja inconvenientes de ordem económica ou social, o meio dia ou o dia de descanso referidos no número anterior podem ser concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva.
3. [...] O Ministro das Corporações e Previdência Social, a requerimento dos organismos corporativos interessados, poderá, por despacho, fazer idêntica concessão ou tornar extensivo a áreas não abrangidas pelos instrumentos de regulamentação colectiva o regime de meio dia ou um dia de descanso semanal neles previsto.
ARTIGO 38.°
(Encerramento nos dias de descanso semanal complementar)
N.ºs 4, 5 e 6 do artigo 35.° do projecto
1. A concessão de descansos que sejam comuns a todo o pessoal de uma actividade envolve a obrigatoriedade de encerramento ou de suspensão da laboração por parte de todas as entidades que exerçam essa actividade, ainda que não tenham pessoal ao seu serviço.
2. Quando os estabelecimentos de venda ao público encerrem obrigatòriamente nos termos do número anterior, poderá, por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social, ser imposta uma escala de abertura ou dada a possibilidade de prolongamento do período de funcionamento num dos restantes dias da semana por forma a assegurar a satisfação das necessidades do consumo público.
3. A escala de abertura referida no número anterior será, sempre que possível, elaborada pelos organismos corporativos representativos da respectiva actividade, que, nos mesmos termos, deverão também escolher o dia em que é possível o prolongamento do período de abertura.
ARTIGO 39.°
(Trabalho prestado no dia de descanso semanal)
Artigo 36.° do projecto
1. Os trabalhadores só podem trabalhar no dia de descanso semanal:
a) Quando, em face de circunstâncias excepcionais, a entidade patronal tenha sido, para esse efeito, prèviamente autorizada;
b) Em casos de força maior, cuja ocorrência deverá ser comunicada ao I. N. T. P. no prazo de quarenta e oito horas.
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2. Os trabalhadores que tenham trabalhado no dia de descanso semanal têm direito a um dia completo de descanso num dos três dias seguintes.
ARTIGO 40.°
(Retribuição do trabalho prestado em dias de descanso)
Artigo 37.° do projecto
1. O trabalho prestado no dia de descanso semanal e nos feriados obrigatórios, bem como no dia ou meio dia de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, por [...] despachos do Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos contratos individuais de trabalho, será pago pelo dobro da retribuição normal.
2. As entidades patronais deverão possuir um registo de horas de trabalho prestado nos dias referidos no número anterior, onde, antes do início da prestação, serão anotadas as horas previstas de começo e termo do trabalho e os dias de descanso a gozar em substituição do dia de descanso semanal.
CAPÍTULO VIII
Trabalho a tempo parcial
Artigo 41.°
(Regime de trabalho a tempo parcial)
Artigo 38.° do projecto
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sempre que tal for consentido pela natureza das actividades ou profissões [...] abrangidas, deverão conter normas sobre o regime de trabalho a tempo parcial.
2. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho [...] deverão estabelecer, para a admissão em regime de tempo parcial, nos termos do número anterior, preferências em favor das trabalhadoras com responsabilidades (familiares, dos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida e dos trabalhadores que frequentem estabelecimentos de ensino médio ou superior.
3. A retribuição dos trabalhadores admitidos em regime de tempo parcial não poderá ser inferior à fracção da retribuição do trabalho a tempo completo correspondente ao período de trabalho ajustado
CAPÍTULO IX
Mapas de horário de trabalho
ARTIGO 42.º
(Afixação dos mapas)
Artigo 39.° do projecto
1. Em todos os locais de trabalho abrangidos pelo presente diploma deve ser afixado, em lugar bem visível, um mapa de horário de trabalho, elaborado pela entidade patronal de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis.
2. As condições do publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis, propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do presente diploma, serão estabelecidas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvidos os organismos corporativos interessados.
ARTIGO 43.°
(Indicações constantes dos mapas)
Artigo 40.° do projecto
1. As entidades patronais indicarão também nos mapas de horário de trabalho o começo e o termo do período de funcionamento e o dia de encerramento semanal.
2. Nos estabelecimentos que não tenham trabalhadores ao seu serviço serão afixados [...] mapas contendo apenas as indicações referidas no número anterior.
ARTIGO 44.°
(Elaboração dos mapas)
N.ºs 1 e 3 do artigo 41.° do projecto
1. Os mapas de horário de trabalho são elaborados em duplicado, sendo uma cópia enviada ao I. N. T. P.
2. As condições e formalidades a observar na elaboração dos mapas de horário de trabalho e nas suas eventuais alterações serão estabelecidas por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social.
ARTIGO 45.°
(Aprovação dos mapas)
N.° 2 do artigo 41.° do projecto
A validade dos mapas de horário de trabalho depende da sua aprovação pelo I. N. T. P. quando as horas de começo e termo do período de funcionamento do estabelecimento não coincidam com as de entrada e saída de todos os trabalhadores ou quando não seja comum a todos estes o intervalo de descanso.
CAPÍTULO X
Disposições penais
Artigo 46.°
(Infracções)
Artigo 42.° do projecto
1. As infracções ao preceituado no presente diploma ou nos regimes criados ao abrigo das suas disposições [...] serão punidas com a multa de 200$ a 400$ por cada trabalhador em relação ao qual se verificarem, salvo o disposto nos números seguintes.
2. As infracções aos artigos 15.° e 18.º serão punidas com metade da multa prevista no número anterior.
3. As infracções às disposições sobre remuneração do trabalho extraordinário e do prestado, em dia de descanso semanal ou de feriado obrigatório, bem como ao estabelecido quanto a trabalho de menores, serão punidas com a multa prevista no n.° 1, elevada ao dobro.
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4. Nas infracções às disposições que regulam o período de funcionamento ou que determinam o encerramento ou a suspensão da laboração, as entidades patronais que não tenham pessoal ao seu serviço serão punidas com a multa de 200$.
ARTIGO 47.°
(Contagem e identificação dos trabalhadores)
Artigo novo
Se forem opostas dificuldades à contagem ou à identificação dos trabalhadores, presume-se que a infracção se verificou em relação a todos os trabalhadores que normalmente se ocupam nos postos de trabalho onde ocorreu.
ARTIGO 48.º
(Infracções especiais)
N.°1 do artigo 43.° do projecto
A falta de afixação dos mapas de horário de trabalho, a falta de envio das suas cópias ao I. N. T. P. e a falta de sujeição a aprovação dos referidos mapas [...], nos casos em que [...] for legalmente exigida, serão punidas com multas [...] nos termos seguintes:
a) 200$, se as entidades patronais não tiverem pessoal ao serviço, ou se o número de trabalhadores normalmente ao serviço não exceder cinco;
b) 2000$, se forem de seis a vinte;
c) 5000$, se forem de vinte e um a cinquenta;
d) 20 000$, se forem mais de cinquenta.
ARTIGO 49.°
(Responsabilidade pelo pagamento das multas)
Artigo 44.° do projecto
Quando as infracções aos preceitos que regulam as condições e a retribuição da prestação do trabalho em dias de descanso e em feriados obrigatórios e o encerramento ou a suspensão da laboração se verificarem ao serviço do Estado, das autarquias locais e dos organismos de coordenação económica, bem como dos organismos corporativos, a multa será aplicada tanto ao funcionário ou dirigente que tenha ordenado o trabalho, como à entidade patronal a que tenha sido entregue a sua execução, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que o funcionário ou dirigente venha a incorrer.
ARTIGO 50.°
(Reincidência)
N.° 1 do artigo 45.° do projecto
1. A primeira reincidência será punida com multa não inferior a dois terços do limite máximo previsto e as seguintes com o máximo previsto.
2. Para o efeito de reincidência, considerar-se-ão apenas as infracções cometidas nos seis meses anteriores e atender-se-á também ao pagamento voluntário das multas em juízo.
3. Se o infractor for reincidente, o autuante deverá atender a essa circunstância na fixação do montante da multa.
ARTIGO 51.°
(Graduação, inconvertibilidade e destino das multas)
N.ºs 2, 3 e 4 do artigo 45.° do projecto
1. As multas serão graduadas pelo julgador em função da gravidade da infracção, da culpabilidade do infractor e das possibilidades económicas deste.
2. Os limites fixados nos artigos 46.º e 48.º serão elevados para o dobro sempre que o infractor use de coacção sobre os trabalhadores, falsificação, simulação ou outro meio fraudulento.
3. A transgressão de disposições deste diploma que implique a aplicação de duas ou mais multas será punida com a multa mais elevada.
4. As multas aplicadas ao abrigo do presente diploma não são convertíveis em prisão e constituem receita do Estado.
ARTIGO 52.°
(Competência dos tribunais do trabalho)
Artigo 46.° do projecto
O julgamento das infracções aos preceitos que fixam os períodos de funcionamento ou que determinam o encerramento ou a suspensão da laboração, ainda que em relação a entidades que não tenham pessoal ao seu serviço, é da competência dos tribunais do trabalho.
CAPÍTULO XI
Disposições finais
ARTIGO 53.°
(Execução e fiscalização da lei)
Artigo 47.° do projecto
1. A execução do presente diploma compete ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
2. A fiscalização do cumprimento das disposições do presente diploma será feita nos termos do Decreto-Lei n.° 37 245, de 27 de Dezembro de 1948, e sua legislação complementar.
ARTIGO 54.°
(Manutenção das condições de trabalho mais favoráveis)
Artigo 49.° do projecto
Da aplicação das disposições contidas no presente diploma não pode resultar prejuízo para a situação económica dos trabalhadores, nem qualquer alteração das condições de trabalho que lhe seja desfavorável.
ARTIGO 55.º
(Manutenção dos horários de trabalho e isenções anteriores)
Artigo 50.° do projecto e número novo (n.° 2)
1. Os horários de trabalho aprovados ou autorizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 24 402, de 24 de Agosto de 1934, e da sua legislação complementar continuarão em vigor em tudo o que não for expressamente contrário ao disposto mo presente diploma.
2. Os horários de trabalho aprovados, com concessão de um dia de descanto além do dia de descanso
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semanal prescrito por lei, poderão continuar em vigor mesmo que deles resulte a não observância do limite prescrito no n.° 4 do artigo 4.º
3. As isenções de horário de trabalho deferidas nos termos do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 24 402, de 24 de Agosto de 1934, manter-se-ão até ao fim do prazo por que tenham sido concedidas.
ARTIGO 56.º
(Inicio da vigência)
Artigo 51.° do projecto
O presente diploma entra, em vigor no prazo de noventa dias, a contar da data da sua publicação.
ARTIGO 57.°
(Legislação revogada)
Artigo 52.° do projecto
Ficam revogados o Decreto n.° 22 500, de 10 de Maio de 1933, o Decreto-Lei n.° 24 402, de 24 de Agosto de 1934, e o n.° 3 e § 2.º do artigo 2.º e n.°s 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.° 48 588, de 23 de Setembro de 1968.
Palácio de S. Bento, em 3 de Maio de 1971.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Alfredo Soares Manso Preto.
José Fernando Nunes Barata.
José Hermano Saraiva.
Manuel Jacinto Nunes.
Fernando Manuel Gonçalves Pereira Delgado.
João Manoel Nogueira Jordão Cortez Pinto.
Manoel Alberto Andrade e Sousa [vencido, quanto à votação que levou a ser eliminado o n.° 2 do artigo 22.° do projecto de decreto-lei n.° 5/X, (24.° do parecer), por julgar necessária a manutenção no diploma a publicar da matéria contida no preceito excluído pela Câmara. Efectivamente, ela facultaria à Administração a resolução de problemas que há muito se encontram pendentes. Vencido, também, no respeitante à votação que levou à aprovação pela Câmara do texto proposto pelo relator do parecer para o artigo 27.° do projecto de decreto-lei n.° 5/X (29.° do parecer), por entender que o proposto pelo Governo se adaptava realmente à prática presentemente em uso por grande parte dos empresários].
Martinho Edmundo de Morais [1. Tendo em conta os condicionalismos em que se tem desenvolvido a economia portuguesa, votei contra uma redução imediata da duração normal do trabalho e designadamente contra o n.° 4 do artigo 4.° (n.° 4 do artigo 2.° do projecto de decreto-lei n.° 5/X). Mas, na linha de orientação defendida pela Câmara, aceito o n.° 2 do artigo 55.º do parecer, como disposição transitória, desde que se prescreva um período bem determinado, por exemplo, de 3 ou de 5 anos. A definição do período transitório empresta força à disposição e não consagra em definitivo uma situação que só, e justamente, se pretendeu acautelar. O n.° 2 do artigo 55.°, tal qual está redigido, contempla, todavia, ùnicamente, o caso dos horários de semana americana preexistentes à promulgação deste diploma, porquanto, através do n.° 4 do artigo 4.° (artigo 2.° do projecto), esses horários deixariam de ter existência legal na medida em que o acréscimo diário do período normal de trabalho que integram, sendo igual a uma hora e trinta e seis minutos - valor do quociente de 8 (h), do sábado livre, pelo número de dias de trabalho semanal (5) -, é superior a uma hora por dia. Entendi que o n.° 2 do artigo 55.° não contempla - e devia contemplar - o caso do horário, igualmente muito em voga, através do qual se estabelece um dia de descanso complementar quinzenal, normalmente ao sábado. Com efeito, neste horário, ao terem-se reduzido a onze os doze dias de trabalho de uma quinzena, houve que distribuir por onze dias as oito horas do 12.° dia que se tornou livre e houve, portanto, que acrescer às oito horas do período normal de trabalho diário o valor do quociente de 8 por 11, ou seja, 0,73 h=44 m. Este acréscimo fica aquém do limite permitido pelo n.° 4 do artigo 4.°, mas o período normal de trabalho semanal, correspondente à semana em que se trabalham seis dias, tal como se vem praticando e transitòriamente devia continuar a ser permitido praticar, sendo igual a 6X8,73=52,38, excede quarenta e oito horas na mesma medida em que a semana de cinco dias que com ela alterna não o alcança. No meu entendimento e pelas razões expostas, o n.° 2 do artigo 55.° deveria assumir a seguinte expressão: "Os horários de trabalho aprovados com concessão de um dia de descanso complementar, semanal ou quinzenal, além do dia de descanso semanal prescrito por lei, poderão continuar em vigor, por um prazo de três (ou cinco) anos, mesmo que deles resulte a não observância do limite prescrito no n.° 4 do artigo 4.º ou do limite semanal do período normal de trabalho."
2. Vencido quanto ao n.° 2 do artigo 15.º (artigo 13.° do projecto) por não mencionar como razão de prestação de trabalho extraordinário a carência ocasional de mão-de-obra.
3. Votei a favor do n.° 1 do artigo 21.° (artigo 19.° do projecto), mas no entendimento expresso de que deixarão de incidir sobre a retribuição ou remuneração das horas de trabalho extraordinário quaisquer taxas, designadamente correspondentes àquelas que actualmente constituem receita do F. N. A. F. Caso contrário, as empresas ver-se-ão a braços com mais um importante encargo que, nas actuais conjuntura e estrutura de encargos se considera incomportável.
4. Vencido inicialmente quanto ao n.° 2 do artigo 25.° (artigo 23.° do projecto), votei a favor sob condição de a noção de trabalho nocturno não ter implicação directa sobre remuneração de trabalho em regime de turnos.
5. Votei contra a alteração introduzida no n.° 1 do artigo 29.° (artigo 27.° do projecto) na medida em que entendi que a ressalva anterior, a propósito do n.° 2 do artigo 25.° (artigo 23.° do projecto), só poderia concretizar-se através de disposição que, integrada neste artigo 29.°, num n.° 2, estabelecesse que: "Sempre que o trabalho nocturno for prestado por força de regime de horário de turnos, poderá a retribuição ser objecto de subsídio ou prémio horário de turno, na medida em que este se traduzir em sistema globalmente mais
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favorável do que o preconizado no número anterior só para o trabalho nocturno."
6. Entendi que os n.ºs 2 e 3 do artigo 37.° (correspondentes aos n.°s 1, 2 e 3 do artigo 35.° do projecto) e o n.° 1 do artigo 38.º (correspondente ao n.° 4 do artigo 35.° do projecto) nunca poderiam ofender a competência que à entidade patronal cabe de estabelecer o seu horário de trabalho dentro dos condicionalismos legais e, portanto, que numa mesma empresa poderão sempre, como actualmente, coexistir diferentes regimes de horário de trabalho, nomeadamente com e sem dias ou meios dias de descanso complementar.
7. Votei contra o n.° 1 do artigo 40.° (correspondente ao n.° 1 do artigo 37.° do projecto) no que respeita aos dias de descanso complementar, porquanto não se vê razão para que, sob o ponto de vista de retribuição de trabalho extraordinário, os dias de descanso complementar sejam comparados ao dia de descanso semanal. Tal orientação virá a criar, alias, às empresas que tenham de dispor de diversos tipos de horários, bastantes dificuldades e embaraços na altura em que tiverem de organizá-los].
Miguel José Bourbon Sequeira Braga.
Fernando Cid de Oliveira Proença, relator.
IMPRENSA NACIONAL PREÇO DESTE NÚMERO 22$40