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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 73 X LEGISLATURA — 1971 17 DE JUNHO
PARECER N.º 27/X
Projecto de lei n.° 5/X e proposta de lei n.° 13/X
Lei de imprensa
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.° da Constituição, acercando projecto de lei n.° 5/X e da proposta de lei n.º 13/X, sobre a lei da imprensa, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ciências e letras), de Imprensa e artes gráficas (subsecções de Imprensa e Livro e artes, gráficas) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Álvaro Rodrigues da Silva Tavares, António Jorge Martins da Motta Veiga, António Maria de Mendonça Lino Netto, Augusto de Castro, António Miguel Caeiro, Eduardo Augusto Arala Chaves, João de Paiva ide Faria Leite Brandão, José Alfredo Soares Manso Prato, José Augusto Vaz Pinto, José Fernando Nunes Barata e Paulo Arsénio Viríssimo Cunha, sob a presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
CAPITULO I
Alcance do projecto e da proposta
1. A Constituição garante a liberdade de pensamento sob qualquer forma (artigo 8.°, n.º 4.°) e estabelece: Lei especial regulará o seu exercício, com vista a «impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social, e a salvaguardar a integridade morai dos cidadãos, a quem ficará assegurado o direito de fazer inserir gratuitamente a rectificação ou defesa na publicação periódica em que forem injuriados ou infamados, sem «prejuízo de qualquer outra responsabilidade ou procedimento determinado na lei» (Constituição, artigo 8.°, § 2.°).
Tanto o projecto de lei apresentado pelos Srs. Deputados Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro e Francisco José Peneira Pinto Balsemão como a proposta de lei submetida pelo Governo à Assembleia Nacional visam a mesma finalidade ou seja a regulamentação do exercício da expressão do pensamento pela imprensa.
Deste modo, por economia processual, procede-se à sua apreciação em conjunto.
2. O projecto e a proposta respeitam apenas à regulamentação do exercício da liberdade de expressão do pensamento pela imprensa.
Ora, dada a função social da opinião pública, a necessidade de impedir a sua perversão e de salvaguardar a integridade moral dos cidadãos e a veracidade da informação verifica-se não só em relação à imprensa, como aos outros meios de comunicação e de expressão do pensamento (radiodifusão, televisão, cinema, teatro).
Sendo assim, parece que a lei (reguladora do exercício da liberdade de expressão do pensamento deveria conside-
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rar não só a imprensa, mas ainda todos os meios de divulgação. £ o que sucede no Brasil (Lei da Informação, de 9 de Fevereiro de 1967).
Seja, porém, qual for o interesse, desta questão, a Câmara Corporativa não pode ocupar-se dela, tomando a iniciativa de propor as providenciais legislativas adequadas a cada modalidade de expressão do pensamento, dado o facto de o projecto e a proposta respeitaram apenas à expressão do pensamento pela imprensa.
CAPITULO II
Oportunidade do projecto e da proposta
3. A Constituição prevê a, utilização de meios preventivos ou repressivos para impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social.
O projecto, ao estabelecer que «a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa será exercida sem subordinação a qualquer forma de censura administrativa, autorização, caução ou habilitação prévia», põe de parte os meios preventivos, embora haja quem entenda que na defesa da saúde, física ou moral, o prolóquio popular «mais vale prevenir que remediar» não perdeu ainda a sua razão de ser.
Quanto à proposta, admite, é certo, o regime de exame prévio mas só em casos excepcionais — estado de sítio ou emergência ou ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional. Quer dizer: tanto o projecto como a proposta, colocados perante o dilema «censura ou responsabilidade», sacrificaram aquela a esta, alterando, assim, o sistema em. vigor, que é o da censura prévia de todas as publicações de natureza periódica (Decreto n.° 22 469, de 11 de Abril de 1933).
4. Daí a questão que se pode suscitar: será oportuna a publicação de uma regulamentação da Uberdade de imprensa que assente, fundamentalmente, na abolição da censura prévia, ou, numa primeira fase de transição, deverão conciliar-se, na medida do possível, os meios preventivos com os repressivos?
Restabelecido o prestígio da autoridade, o País constitui, na instabilidade do imundo de hoje, uma zona de paz social. Esta é uma conquista que, como todas as conquistas, tendo levado anos a consolidar, pode perder-se de um momento para o outro.
O comunismo, soviético ou chinês, não desarma nem recua, no propósito de estender a sua influência a todos os países.
A acção subversiva por ele empreendida nas fábricas ou ruas Universidades tende a minar a autoridade dos governos e a disciplina das forças armadas.
Por outro lado, com flagrante violação dos direitos humanos fundamentais, sucedem-se no Mundo, e a ritmo crescente, os atentados pessoais, os raptos de diplomatas e políticos, os assassínios de reféns, os actos de sabotagem e de pirataria aérea, os crimes violentos, o desregramento de costumes e a perversão da moral. O ataque contra todos os valores que constituem o património da civilização cristã é cada vez mais cerrado e parte dos campos mais ira previstos. Acabou a guerra e não se alcançou a paz. Pratica-se a «guerra fria», sob a forma de subversão, alimentada por países e organizações interessados em minar a autoridade dos governos e em perturbar a paz interna.
Em certos países, a criminalidade, designadamente no que respeita a crimes violentos praticados por jovens, aumenta assustadoramente de ano para ano.
Segundo noticiaram os jornais (Diário Popular, de 12 de Janeiro de 1971), até os próprios Estados Unidos da América parecem estar sob o signo da bomba, visto que de Janeiro de 1969 a 7 de Abril de 1970 registaram-se naquele país 4300 atentados à bomba de que resultaram 43 mortes e 21,8 milhões de dólares de prejuízos.
Ainda, pelo que directamente nos respeita, continuam a verificar-se em algumas das províncias ultramarinas actos de terrorismo destinados à sublevação, actos fomentados do exterior e com vista à satisfação de interesses que não são os nossos. A própria metrópole não está livre da acção de sabotadores apostados em enfraquecer a retaguarda e o moral das forças armadas. Há, pois, necessidade de estar atento a tudo que possa afectar a integridade da Pátria, a ordem pública e o prestígio da autoridade, até porque a ordem e a autoridade são condições indispensáveis ao exercício da liberdade.
5. É neste quadro, delineado a traços largos, que se insere a regulamentação do exercício da liberdade de imprensa com a supressão das medidas preventivas, a qual, representando um passo decisivo na vida do regime, deverá ser acompanhada de adequadas sanções para aqueles que violem as suas disposições ou pratiquem as infracções nela previstas.
Na referida regulamentação não pode deixar de ser tida em conta a função social da imprensa, a qual, em razão das transformações técnicas e económicas, aumenta de dia para dia: a imprensa informa, educa, opina e orienta. A imprensa contribui para a formação da opinião pública, com vista a que esta possa desempenhar na vida do Estado a função que o Prof. Marcello Caetano lhe atribui: motora, refreadora e sancionadora.
«Tem uma função motora quando reclama iniciativas ou exige reformas. Serve de freio (ou travão) quando impede abusos ou faz reflectir sobre as providências a tomar. E forma um tribunal que aprova ou condena actos e medidas, aplaude decisões ou censura os homens.» (Cf. Prof. Doutor Marcello Caetano, A Opinião Pública no Estado Moderno, p. 49.)
Por outro lado, não se pode esquecer a realidade da situação portuguesa na actual conjuntura, nem tão-pouco as perspectivas futuras, com vista a prevenir qualquer eventual agravamento.
Criticar, discutir, dialogar, informar livremente, interessa, igualmente, aos indivíduos e ao Estado, desde que da respectiva faculdade se faça bom uso.
Ao direito de informar e de defender livremente ideias ou emitir opiniões por meio da imprensa sem quaisquer entraves deverá corresponder o direito da colectividade a ser bem informada e a viver em paz.
O direito a obter e a transmitir a informação, livre, em princípio, terá por sua vez de respeitar outros direitos igualmente dignos de protecção: a honra, as relações familiares e profissionais, a intimidade da vida privada.
Tudo está, como nota Cantareno, em que «a liberdade da imprensa, representando um dos direitos basilares da personalidade, não degenere em abuso: que a imprensa não se demita da sua elevada missão para se fazer instrumento de ofensa, de imoralidade, de falsificação.
«O ordenamento jurídico visa o equilíbrio entre os vários interesses; ao interesse da liberdade de imprensa contrapõe-se o interesse da moral, do exercício do poder público e, sobretudo, o interesse da tutela da pessoa humana, que a Constituição põe no centro do sistema da garantia constitucional» (cf. Cassiodoro Cantareno, Codice Della Legislazione Sulla Stampa, p. 61).
Como o projecto e a proposta, ainda que em grau diverso, tiveram em vista esse equilíbrio, contrapondo à liberdade a responsabilidade, com vista a manter um clima
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de convivência em que o bem comum e os direitos da personalidade sejam respeitados, a Câmara Corporativa é de parecer que os mesmos não só são oportunos como dão satisfação, na generalidade, à opinião pública.
CAPITULO III
Da informação
6. O artigo 19.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em Paris em 10 de Dezembro de 1948, dispõe:
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui o de não ser incomodado por causa das suas opiniões, e de investigar e receber informações e opiniões e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão.
Mas, ao passo que a generalidade das Constituições proclamam a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa, poucas dão autonomia à liberdade de informação, considerando o direito a esta como natural pressuposto daquela.
7. No que respeite às democracias ditas populares e à União Soviética, nenhuma Constituição deste grupo se refere à liberdade de informação, embora contenham disposições sobre a liberdade de expressão do pensamento e outros meios de informação pela imprensa — Constituição albanesa (artigo 18.°), búlgara (artigo 88.°), polaca (artigo 71.°), romena (artigo 31.°), húngara (artigo 55.º), soviética (artigo 125.°), checoslovaca (artigo 18.°).
Simplesmente, não há sòmente que atentar ao mentido literal dos textos, mas à, sua finalidade e às disposições que os completam.
Assim, a Constituição húngara (Lei XX de 1949), no capitulo consagrado aos direitas e aos deveres dos cidadãos, declara:
A República Popular da Hungria, de acordo com es interesses dos trabalhadores, garante a liberdade de palavra, a liberdade de imprensa e a liberdade de reunião.
Com o pretexto de reforçar, na prática, a liberdade de imprensa, «as fábricas de papel, as tipografias e as casas editoras pertencem ao Estado, e não a particulares ou a sociedades comerciais».
Não há censura, mas o «povo húngaro, sendo unânime em fazer sua a política do governo revolucionário doa operárias o camponeses, compreendeu que a imprensa popular apoia esta política e encoraja a realização do seu objectivo: a edificação do socialismo» (cf. Nations Unies, Conseil Économique et Social — Rapport Annuel sur la Liberté de l’Information, 1963-1964, p. 95).
A Constituição soviética utiliza palavras idênticas às da Constituição húngara e acrescenta: «com a finalidade de fortalecer o regime socialista».
Na Checoslováquia, os mais importantes meios de informação constituem propriedade do Estado (radiodifusão, cinema). Quando à imprensa, a lei ordinária determina aqueles que [podam exercer o direito de editar jornais.
Deste modo, pode concluir-se que naqueles países a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa, inscrita, embora, nos textos constitucionais, está condicionada, no seu exercício, ao que se designa pelo «interesse do povo trabalhador». De resto, estando, por via de regra, os meios de comunicação e informação mais importantes na posse do Estado, è evidente que dependem das directrizes traçadas pelo Governo, pelo que a informação é substituída, na generalidade dos casos, pela propaganda.
8. Quanto às Constituições dos países da Europa fora da «cortina de ferro», algumas limitam-se a garantir a liberdade de expressão do pensamento ou a liberdade de imprensa: Áustria (antigo 15.°), Bélgica (artigo 18.°), Dinamarca (artigo 84.°), Espanha (artigo 12.°), Finlândia (artigo 10.°), Grécia (artigo 14.°), Holanda (artigo 7.º), Islândia (artigo 72.°), Luxemburgo (artigo 24.°), Mónaco (artigo 10.°), Noruega (artigo 100.°), Portugal (artigo 8.°), Suécia (artigo 86.°), Suíça (artigo 55.°) e Turquia (artigo 77.°, Constituição de 1924).
As de outros países, além da liberdade de expressão pela imprensa, referem-se a outros meios de comunicação: Alemanha Ocidental (artigo 5.°), Finlândia (artigo 10.°), Irlanda (artigo 40.°), Itália (artigo 21.°).
A Constituição da Alemanha Ocidental não só estabelece a liberdade de imprensa como assegura a liberdade de informação, radiofónica e cinematográfica (artigo 5.°).
A Constituição do Estado Livre da Baviera, por seu lado, dispõe: «A imprensa tem por missão publicar, de acordo com a verdade e colocando-se ao serviço da ideia democrática, informações relacionadas com factos, situações, instituições e personalidades da vida pública» (artigo 111.º).
A Constituição francesa permanece fiel à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sobre a liberdade de pensamento.
A Constituição irlandesa, ao mesmo tempo que garante a todos os cidadãos o direito de expressar livremente as suas convicções e opiniões, reconhece que, sendo a educação da opinião pública um problema de grande importância para o bem comum, o Estado não pode dispensar-se de velar por que os órgãos da opinião pública, tais como a radiodifusão, a imprensa e o cinema, não se desviem da sua função (artigo 40.°).
9. A liberdade de expressão do pensamento e a liberdade de imprensa, per forma mais ou menos idêntica à consignada nas Constituições europeias, é garantida pelas Constituições americanas, a saber: Argentina (artigo 14.º), Bolívia (artigo 6.°), Brasil (artigo 150.°), Costa Rica (artigo 29.°), Chile (artigo 10.°), Equador (artigo 187.º), Estados Unidos da América (emenda I), Guatemala (artigo 57.°), Haiti (artigo 26.°), Honduras (artigo 83.°), México (artigo 7.°), Nicarágua (artigo 113.°), Panamá (artigo 38.°), Paraguai (artigo 19.°), Peru (artigo 63.°), El Salvador (artigo 158.°), Uruguai (artigo 29.°), Venezuela (artigo 37.°).
De todas estas Constituições, só a das Honduras é que se refere por forma expressa à liberdade de informação, ao consignar: «As liberdades de expressão do pensamento e informação são invioláveis» (artigo 83.º) cf. La Revista de Derecho, Jurisprudência y Administracion, de Montevideu, t. 60, n.° 8).
10. Incluído no direito de expressão do pensamento ou considerado como direito autónomo, não há dúvida de que o direito à informação, que pode desdobrar-se na liberdade de informar e no direito de ser informado, se situa hoje entre os direitos fundamentais da pessoa humana, tal como o direito à instrução, à saúde, à deslocação, ao trabalho, entre outros.
A necessidade de ser informado é inata no homem, que desde os primórdios da civilização quer saber o que se
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passa à sua volta, no mundo que o rodeia e nos pontos do Globo donde lhe podem chegar notícias, o que o progresso surpreendente dos meios de comunicação e o rápido aperfeiçoamento das técnicas de difusão facilitaram enormemente nos nossos dias.
Desde os primeiros passos que se deram para a transmissão de informações [sinalização à vista, aviso sonoro (tanta), mensageiros a pé, dos quais ficou célebre o soldado de Maratona, os correios a cavalo, as anilhas nos pombos correios] até às comunicações por satélites que transmitem palavras e imagens a distâncias que podem, com toda a propriedade, considerar-se astronómicas, como é longo o caminho percorrido no sentido da generalização e democratização da informação!
Ela interessa a todos, visto que ninguém pode alimentar a pretensão de conhecer directamente todos os factos sobre os quais tem necessidade de formar um juízo.
«A informação», escreve Robert Chapuis, «constitui uma das bases essenciais da existência humana no século XX: o homem moderno tem necessidade de conhecer os acontecimentos políticos, económicos, sociais, mesmo anedóticos, que ocorrem no momento em que ele vive, tanto como lhe importa dão a seus filhos uma instrução suficiente» (Robert Chapins, L’Information).
Com os progressos técnicos alcançados pela imprensa e outros meios de comunicação, o papel da informação passou a assumir uma importância cada vez maior e a informação tornou-se um fenómeno social, não sendo apenas privilégio de uma minoria rica ou instruída, pois interessa a todas as camadas da sociedade, desde que lhe seja dada uma linguagem que todos possam compreender. Assim, a informação, galgando, quer fronteiras sociais, dentro do mesmo país, quer fronteiras nacionais, no mundo inteiro, dirige-se hoje a públicos diferentes, que a não dispensam, e oferece carácter de universalidade de que não pode já desprender-se.
Captada ou recebida pelos jornalistas e pelas agências noticiosas em várias fontes, é depois transmitida a órgãos jornalísticos ou outros, que se encarregam da sua difusão. Esta, utilizando, embora, os mesmos meios de comunicação (imprensa, rádio, televisão, cinema), pode orientar-se em um de dois sentidos principais: ou no da informação propriamente dita, predominante no mundo ocidental, ou no da propaganda, característica das chamadas democracias populares e, em geral, dos estados totalitários.
Mas, ainda nos países ocidentais e liberais, a informação não é inteiramente objectiva, visto que, quando liberta do Estado, sofre a influência dos partidos políticos, dos grupos de pressão, das próprias empresas jornalísticas ou dos que as dominam.
11. A imprensa, como primeiro agente de informação, não podia deixar de acompanhar o seu desenvolvimento.
Na China, 247 anos antes de Cristo, já existia um jornal: a Gazeta da Capital.
Em Roma, ia partir de Júlio César, os Acta Diurna constituem verdadeiros jornais murais afixados mas ruas e distribuídos especialmente aos barbeiros. Logo a seguir ao aparecimento da Gazeta, entre 1631 e 1788, apareceram em França. 350 jornais, contando-se entre eles alguns diários, designadamente O Jornal de Paris, cujo primeiro número foi publicado em 1 de Julho de 1777.
Já então as notícias abundavam, mas a sua veracidade, ainda mais do que hoje, era difícil ide averiguar.
Por isso, Théophraste Renaudot, o fundador da gazeta, escrevia: «Numa só coisa não cederia o lugar a ninguém: na busca da verdade.» Mas, com profundo realismo, acrescentava: «da qual não fico fiador, pois em centos de notícias recolhidas à pressa, nos mais diversos climas, não haverá uma que não mereça ser corrigida por seu pai, o tempo».
Como é longo o tempo decorrido desde a primeira gazeta! Em 1982, contavam-se no mundo 7660 jornais diários, com uma tiragem de 288 milhões de exemplares. Por outro lado, publicavam-se algumas dezenas de milhares de semanários e de outros periódicos, que consumiam um total de 16 milhões de toneladas de papel de jornal.
Para se fazer uma ideia do papel de jornal consumido por habitante, basta dizer que nos Estadas Unidos, e no mesmo ano, era de 33,6 kg, de 13,8 kg na Grã-Bretanha e de 6,6 kg em França (La Revue Administrative, 1963, n.° 92, pp. 154 e seguintes).
12. Os estatutos da informação reflectem as tendências idieológicais, os sistemas políticos, económicos e sociais dos diferentes países e até a necessidade de uns se defenderem da agressividade e do proselitismo de outros.
Podem, no entanto, indicar-se, dentro da multiplicidade das modalidades hoje existentes, duas orientações principais: uma de raiz totalitária, que sujeita a informação às directrizes do Governo; outra de carácter liberal que, com maior ou menor grau de liberdade, confia a tarefa da informação a empresas privadas, as quais, para a desempenharem cabalmente, precisam de ser cada vez mais poderosas.
Na verdade, a iniciativa privada é condição necessária, embora não suficiente para assegurar, em matéria de imprensa, a indispensável competição.
13. No seu livro Mort d'une liberté Jacques Kaiser escreve:
A democracia, pela participação do povo na sua gestão, implica, para os cidadãos, uma escolha constante. Na ignorância de certos factos, como é que ele poderia determinar-se utilmente? [...] O cidadão deve ter, portanto, acesso às informações de fones diversas, conhecer opiniões contraditórias sobre os acontecimentos, a fim de estar à altura de formar a sua própria opinião.
É assim, de facto. Entretanto, a liberdade de informação tem os seus limites, visto que, com base nela, não pode atentar-se contra a verdade.
Efectivamente, a informação mentirosa, que oculta ou deturpa a realidade, ofende o direito dos cidadãos a seriam correctamente informados. Como corolário deste direito — uma das faces da informação — segue-se que esta deve ser pura, verídica, objectiva, exacta. A Constituição do Estado Livre de Baviera consagra o princípio de que as informações devem ser publicadas de «acordo com a verdade» (cf. Constituição, artigo 111.º). Deve, também, quanto possível, ser rápida e completa. Ora, se o progresso espectacular dos meios de comunicação satisfaz o requisito da rapidez, já quanto à pureza, objectividade, exactidão e verdade é mais difícil alcançar o almejado desiderato.
Por informação pura e simples entende-se aquela que é desprovida de todo o comentário. O carácter de objectividade é-lhe dado pela preocupação de transmitir o conhecimento de «factos» sem os apreciar, usando de neutralidade na redacção da notícia, em contraste com o estilo pessoal e crítico do comentário. «O facto é sagrado, o comentário é livre», na expressão de um conceituado jornalista inglês, embora a liberdade do comentário não deva ser de molde a permitir que se tirem dos factos conclusões arbitrárias, com vista a induzir em erro, fazendo acreditar o contrário do que eles significam.
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A verdade da informação entende-se como um postulado. Pio XII dizia aos jornalistas que a sua verdade era «visual». Em todo o caso, dada a rapidez com que se colhe e divulga a notícia, a verdade jornalística tem de considerar-se relativa, não podendo comparar-se, por exemplo, com o rigor da verdade científica.
Os jornalistas relatam as coisas como as viram ou julgaram vê-las, e eles nem sempre viriam tudo e nem sempre viram bem.
Na base de qualquer notícia há que contar com o subjectivismo de quem a recolhe ou relata, por vezes sob forte emoção.
Para explicar as contingências a que está sujeita a verdade, citam-se com frequência os versos de Campoamor:
En el mundo engañador
no hay verdad ni mentira.
Todo es según el color
del cristal con que se mira.
Quantas notícias menos exactas terão resultado de erro de visão ou da menor fidelidade na reprodução do depoimento das várias testemunhas que presenciaram os acontecimentos, sem que isso signifique menos honestidade por parte dos jornalistas!
Outras são devidas a simples erro de transmissão; e mitras ainda resultantes de influências diversas sobre certas agências de informação.
14. As notícias falsas, quando difundidas de má-fé ou tom o propósito de prejudicar terceiros, devam ser objecto de sanções.
O cidadão tem o direito a ser bem informado. Se os factos chegam ao seu conhecimento deformados, truncados ou simplesmente forjados, a sua faculdade de apreciação é obliterada: com base em elementos falsos só se podem tirar conclusões erradas.
A lei brasileira da informação considera, entre outros, abuso no exercício da liberdade de expressão do pensamento e da informação a publicação de notícias falsas ou de factos verdadeiros que, truncados ou deturpados, possam provocar as consequências previstas no seu artigo 16.°
Pelo Decreto n.° 195, de 27 de Julho de 1963, a Somália alterou, entre outros, o artigo 328.° do seu Código Penal, que passou a ter a seguinte redacção:
Quem publique ou propague novas falsas, exageradas ou tendenciosas, de natureza a perturbar a ordem pública, se o acto não constituir infracção mais grave, será punido com prisão até seis meses e multa até 3000 shillings somalis. (Nations Unies, ob. cit., p. 169).
Não admira, pois, que o respeito pela verdade tenha sido uma das preocupações dos últimos papas. Pio XII proclamou:
A qualidade principal do jornalista será sempre o amor incorruptível da verdade [...] A imprensa deve ser leal em face da verdade, para evitar que a sua terrível influência se exerça em proveito do mal.
João XXIII entendia que a actividade dos jornalistas deveria subordinar-se a três princípios: responsabilidade, honestidade, verdade.
Pelo decreto Inter Mirífica do Concílio Vaticano II a Igreja toma posição quanto ao direito de informação, ao enumerar as condições do seu bom exercício, «o qual requer que a comunicação seja, quanto ao objecto, sempre verídica e, no respeito das exigências da justiça e dia caridade, completa; que seja, quanto ao modo, honesta e razoável: quer dizer, que, na aquisição e difusão das notícias, observe inteiramente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem».
A. verdade opõe-se a meia verdade, o erro ou a mentira. Seguindo os tratadistas da informação, esta divide-se em várias categorias, umas mais graves do que outras: a mentira perniciosa ou caluniosa, que lesa o próximo na sua reputação e nos seus bens; a mentira oficiosa, que tende a servir um homem, uma colectividade ou uma ideologia; a mentira alegre e ligeira, que, embora sem gravidade, não é de molde a reforçar a fé do público na informação.
Há que distinguir, também, entre a mentira por comissão, a mentira por omissão e a mentira por desproporção.
A primeira é aquela que difunde uma informação falsa ou imaginária. A segunda é a que mantém o silêncio para ocultar a verdade. Finalmente, a mentira por desproporção consiste em não conceder às notícias o lugar e a importância que merecem, quer pela sua paginação e apresentação, quer pelos títulos que resumem o texto. A metade da verdade é uma mentira inteira, dizia Garrett.
A lei grega (artigo 13.°) proíbe os ardinas de apregoar notícias não contidas nas publicações que sejam objecto de venda.
A exploração do «sensacional» leva, por vezes, certa imprensa a cometer excessos condenáveis e indiscrições que o mais elementar decoro aconselharia a não revelar.
15. Se, como nota Joaquin Ruiz Gimenes, seria contrário às exigências jurídicas naturais mais profundas que o direito positivo não desse satisfação à necessidade que os homens têm de exteriorizar as suas convicções e de formular juízos críticos sobre o mundo circundante, não é menos certo que essa liberdade deve exercer-se dentro dos moldes impostos pela moral pública e privada e pela própria defesa da dignidade humana.
Jacques Bourquin assinala que a liberdade de imprensa não se encontra limitada apenas com respeito aos indivíduos, às nações e à Humanidade (ratione personae, ratione republicac e ratione gentium), mas também em razão da forma como os assuntos são versados, do autor e do leitor (ratione materiae, ratione auctoris e ratione lectoris).
Em razão das pessoas, a liberdade de imprensa é limitada pela necessidade de proteger os indivíduos contra a difamação, a calúnia e a injúria; de salvaguardar a sua vida privada, que é, no dizer de M. Jossau, «o domínio moral do homem», contra as indiscrições, e de proteger a honra e a consideração das pessoas contra aqueles que as ofendem por maldade ou simples prazer de se mostrarem bem informados.
Quanto ao Estado, embora a liberdade de imprensa autorize a exposição de qualquer doutrina política, a mesma não pode deixar de ser limitada quando, em nome da liberdade, se procure destruir as liberdades, fazer a apologia de crimes, atentar contra a segurança do Estado, a independência do País, a moral pública e os bons costumes. Também não se pode utilizar a liberdade de imprensa para incitar os militares à desobediência, injuriar e ultrajar os chefes de Estado, nacionais ou estrangeiros, perturbar a paz e a ordem pública e entravar a acção da justiça.
A liberdade de imprensa, que de nenhum modo se confunde com a licença, necessita de ser protegida pelo direito e harmonizada com outras liberdades igualmente dignas de protecção e que por isso têm de ser defendidas contra os abusos daquela liberdade.
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16. Foi Balzac que afirmou constituir a imprensa o quarto poder do Estado, poder que tanto pode exercer-se no bom como no mau sentido: «opressor, quando contribui para perturbar a opinião; libertador, quando a orienta no conhecimento dos seus verdadeiros problemas» (Robert Chapuis, L'Information, p. 178).
Para que se exerça no bom sentido, deve informar com exactidão e objectividade o leitor. O que conta, sobretudo, na informação é a verdade e a precisão da notícia. As opiniões políticas e as relações pessoais do informador não devem influenciar a verdade da informação.
Paulo VI afirmou que a liberdade de imprensa não permite admitir o que está mal, o que se reputa como falso, o que se dirige a minar e a destruir a ordem moral e a religiosidade dos indivíduos ou a paz e a harmonia das nações.
Terrou assinala como restrições justificativas da proposta norte-americana de um convénio sobre a liberdade de informação as que tendem a proteger a sociedade contra as obscenidades, o Estado contra as desordens internas e os indivíduos contra a calúnia e a difamação.
17. Há quem entenda que para a imprensa ser livre e objectiva basta que o Governo não examine os jornais antes da publicação, isto é, que não haja censura. Puro engano. Na Inglaterra e nos Estados Unidos não existe censura. No entanto, tanto a Real Comissão de Investigação sobre a imprensa britânica, constituída em 1947, como a comissão norte-americana da mesma data, chegaram a conclusões pouco optimistas. A Comissão Real Britânica, ao formular o seu julgamento, tendo especialmente em atenção duas exigências — a verdade e a ausência de parcialidade excessiva —, chegou à conclusão de que a imprensa britânica não satisfazia cabalmente estas exigências. Por isso, a referida Comissão sugeriu «a criação de um conselho geral da imprensa encarregado de fazer respeitar uma ética profissional, de velar pelo recrutamento dos jornalistas e de proceder a um inquérito permanente sobre a imprensa».
A Comissão Hutchins, dos Estados Unidos, considerando a imprensa no seu conjunto, concluiu que ela não satisfazia as necessidades da sociedade e que essa carência constituía o maior perigo que ameaçava a liberdade. Por isso, convidava a imprensa a exercer as suas actividades como o médico e o advogado exercem a sua profissão, com respeito por uma deontologia.
Em França, parece reinar um sentimento análogo. O princípio tradicional da liberdade é incapaz de assegurar a liberdade de todos (Roger Pinto, La Liberté d'Opinion et d'Information, pip. 38 e 39).
O direito dos leitores a serem informados com objectividade e verdade, condição essencial para que a liberdade de informação tenha efectiva vigência, não é assegurado pela mera supressão da censura governamental, dada a existência da censura exercida por certas empresas ou grupos de pressão.
Para defender o interesse nacional da influência dos estrangeiros e das sociedades financeiras que, debaixo do anonimato, podiam utilizar a imprensa e a radiodifusão em benefício dos seus interesses, a Constituição brasileira proíbe que as empresas jornalísticas ou de radiodifusão sejam propriedade de estrangeiros e de sociedades anónimas por acções ao portador.
A Constituição italiana estabelece a obrigação de as jornais tomarem públicos os seus meios de financiamento.
18. O erro voluntário ou mesmo involuntário e o ataque injustificado exigem uma rectificação ou uma reparação. O direito de resposta está consignado em quase todas as legislações, numas com mais latitude do que noutras. As pessoas ou entidades que se julguem prejudicadas na sua reputação ou nos seus legítimos interesses por uma informação incompleta, infundada ou tendenciosa devem ter o direito de replicar, completar, esclarecer ou rectificar a dita informação. Variam, no entanto, de país para país, os termos em que pode exercer-se esse direito, a extensão da resposta e a obrigatoriedade da publicação por parte do jornal ou da publicação periódica que tenha dado origem ao diferendo. Pode acontecer, até, que a rectificação enferme de falsidade, e, nesse caso, em certas legislações, o jornal em questão tem o direito de perseguir judicialmente o autor da réplica.
De um modo geral, entende-se que um indivíduo ou uma entidade ofendida na sua dignidade ou prejudicada nos seus interesses deve dispor de um espaço igual ao ocupado pela notícia desmentida ou rectificada.
19. O direito de acesso às fontes de informação e da publicação desta não podem entender-se em termos absolutos. Em certos casos, o bem comum pode impor o silêncio sobre factos comprovados.
A segurança nacional impõe o segredo, quando se pretende garantir a independência ou existência de um país por meio das suas forças armadas. Medidas financeiras, cuja divulgação prematura daria lugar a especulações, pânico na Bolsa ou evasão de capiteis, devem também estar sujeitas a segredo, e o mesmo se verifica quanto a certas negociações diplomáticas em curso.
A informação indiscreta, sobretudo a maledicência, faltam à caridade e também à justiça, na medida em que violam um direito à intimidade da vida privada.
Os livros do Antigo Testamento condenaram sem indulgência as violações do segredo:
«Cura-se uma ferida, perdoa-se uma injúria, mas para. aquele que viola um segredo não há esperança. Uma chicotada deixa uma marca, uma indiscrição quebra os ossos.» (Eclesiastes)
E Pio XII, retomando o tema, chama a atenção para os estragos que pode causar na vida dos indivíduos, das famílias, das nações, um boato espalhado, quantas vezes inocentemente, mas sem fundamento (alocução de 15 de Abril de 1957 a um grupo de jornalistas americanos).
É certo que pelo jogo das instituições democráticas e pelos progressos da informação moderna a zona de segredo do Estado tende constantemente a reduzir-se. Tentar manter numa democracia contemporânea, como fazem por vezes os Governos e as Administrações, a noção e a prática do segredo, tais como existiam nas monarquias antigas, seria ao mesmo tempo anacronismo e ingenuidade (cf. Joseph Folliet, L'Information Moderne et le Droit à l'Information, pp. 234 e segs.).
O direito à informação e de acesso às suas fontes e o do próprio sigilo profissional em relação à origem das informações e notícias que se publiquem ou transmitam não podem deixar de ter, portanto, as suas limitações, definidas pela necessidade de assegurar a segurança exterior ou interior do Estado, preservar a ordem pública, punir os crimes públicos, acautelar a defesa de certos valores e garantir a existência harmoniosa de todos os direitos.
É por isso que as leis que regulam o exercício da liberdade de informação e de imprensa reconhecem crimes e delitos de opinião nos ataques contra a paz civil: propagandas separatistas, opiniões subversivas, ultrajes aos representantes do Poder, convites à sedição e à insurreição, incitamento de militares à desobediência, etc. (cf. Roger Pinto, La Liberté d'Opinion et d'Information).
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20. Ainda que definir a liberdade não seja coisa fácil, que, como já notou Montesquieu, «não há palavra que tenham sido atribuídos mais significados diferentes e que tenha impressionado os espíritos de tantas formas (Esprit des Lois, livro XI, cap. II), mãe há dúvida de que uma coisa é a liberdade de expressão do pensamento e outra a liberdade de imprensa. A liberdade de expressão do pensamento, sendo o prolongamento individual de pensar, constitui um dos direitos fundamentais do homem. Já o seu exercício através da imprensa e de outros meios de comunicação pode sofrer restrições impostas pela necessidade de pôr de acordo a liberdade e os direitos de uns com os direitos e a liberdade dos outros. A liberdade individual encontra-se condicionada pela vida em sociedade. A imprensa, meio de difusão de factos e opiniões, está sujeita às limitações impostas pela sua função social.
«A sua liberdade não é a da imundície, nem da violência, nem do ódio» como notou Pio XII no discurso aos jornalistas italianos em 6 de Dezembro de 1953.
Os meios de informação mão devem pertencer ao Estado, como sucede nas democracias populares, pois só a iniciativa privada propicia a indispensável competição.
Há, pois, que a regulamentar com vista a defender esse interesse e a garantir a sua liberdade, procurando o equilíbrio dos dois termos do binómio: liberdade-responsabilidade.
Os mecanismos para conseguir este objectivo é que podem ser diversos: preventivos, repressivos ou mistos, os quais mudam de país para país e, dentro do mesmo país, de época para época.
Se em tempo normal é discutível o fundamento da censura política ou qualquer outra, sobretudo nos países em que a instrução generalizada, a expansão da imprensa e a experiência da democracia levaram a um certo grau de maturidade cívica, já, eventualmente, a mesma poderia encontrar justificação nos períodos graves e difíceis, nas crises exteriores ou interiores, que ponham em perigo a vida da nação (cf. Joseph Folliet, L'Information Moderne et Le Droit à l’Information, pp. 286 e 287) ou ainda perante ameaças graves de subversão social.
O realismo, que está na base de toda a acção política, não se compadece com sistemas que, teoricamente defensáveis, ignoram as realidades, a conjuntura nacional e internacional e suas perspectivas no período em que a nova lei deverá vigorar.
Por ocasião da discussão nas Constituintes de 1820 da liberdade de imprensa, o Deputado Aranes de Carvalho, invocando a sabedoria dos antigos e dos melhores legisladores modernos, referiu que as leis mais alicerçadas em teorias abstractas nem sempre convêm aos povos.
Se «os usos e os bons costumes, opiniões e preocupações não são tidos em conta, resultam encontros e colisões com a massa nacional: perde-se a confiança; e destrói-se, por uma paute, o que por outra se intentara edificar» (Diário das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, sessão de 14 de Fevereiro de 1821, p. 89).
Há, pois, que assegurar o direito a informação, edificando a liberdade da sua expressão pela imprensa, sem destruir coisa alguma, mormente a ordem, que é a condição daquela, liberdade, ordem que, para Garrett, supunha a disciplina e a autoridade.
Tanto a liberdade como a autoridade não podem desprender-se da concepção da ordem social a que estão ligadas, nem tão-pouco do uso e eventual abuso a que estão sujeitas.
Assegurar o uso legítimo e prevenir ou punir o abuso ilegítimo de uma e de outra deve ser a meta a atingir por todos os que se debruçam sobre o problema auctoridade-liberdade.
Fincados os pés na terra, deverá ser tida em conta a realidade da sociedade em que viviam, de preferência ao mundo da utopia em que porventura desejariam viver.
21. A necessidade de coordenar a informação ou a de organizar a propaganda levaram vários países à criação de serviços próprios.
Em França foi criado, em 1939, um Alto-Comissário da Informação que, no ano seguinte, passaria, a constituir o primeiro Ministério da. Informação, o qual, por sua vez, havia de transformar-se em Alto-Comissário da Propaganda pelo Governo de Vichy.
inda a guerra, voltaria a denominar-se Ministério da Informação, para em seguida passar a Secretariado de Estado da Informação.
Entre as suas atribuições, contavam-se a de exercer, por delegação do primeiro-ministro, as funções deste em matéria de imprensa, e a da coordenar os respectivos serviços, bem como a documentação dos diferentes sectores ministeriais que possam servir de base à informação. Ainda, para coordenar a informação de cada Ministério, foi criado em 1964 o serviço de ligação interministerial (André Laubadère, Traité Élémentaire de Droit Administratif, vol. III, Paris, 1966). A partir de 1969, porém (Governo Chaban-Delmas), não existe em França nenhum departamento que concentre todas as responsabilidades governativas em matéria de informação, encontrando-se elas repartidas pelos Ministérios da Cultura e da Justiça, além dos serviços do Primeiro Ministro.
22. A Lei n.° 4341, de 13 de Junho de 1964, criou no Brasil o Serviço Nacional da Informação, o qual tem por finalidade a superintendência e a coordenação, em todo o território nacional, das actividades da informação e da contra-informação, em particular as que interessam à segurança nacional.
O respectivo regulamento foi aprovado pelo Decreto n.º 55 194, de 10 de Dezembro de 1964.
23. Em Espanha, por decreto de 19 de Julho de 1951, foi criado o Ministério de Informação e Turismo, posteriormente reorganizado pelos decretos de 15 de Fevereiro de 1952 e de 18 de Janeiro de 1968.
Tudo o que se relaciona com a imprensa, propaganda, radiodifusão, cinema, teatro e turismo cabe no âmbito do Ministério. À Direcção-Geral da Imprensa competem as relações do Ministério com a imprensa periódica, as agências de informação e os profissionais da informação e, de um modo geral, tudo o que se refere às normas reguladoras destes assuntos.
24. Em Portugal, pelo Decreto-Lei n.° 23 054, de 25 de Setembro de 1933, foi criado junto da Presidência do Conselho o Secretariado da Propaganda Nacional. Ficou incumbido da «direcção e superintendência da propaganda nacional interna e externa, competindo-lhe, como órgão central dos serviços de propaganda, coordenar toda a informação relativa à acção dos diferentes Ministérios».
Em 1940, pelo Decreto n.° 30 320, de 19 de Março, foi criado, junto da Presidência do Conselho, o Gabinete de Coordenação dos Serviços de Propaganda e Informação, ao qual competia assegurar a execução das directrizes a observar na matéria pelos vários serviços públicos e a estreita coordenação da respectiva actividade. Este diploma incluía, entre as atribuições do Secretariado da Propaganda Nacional, a de «assegurar as relações do Estado com a imprensa, as estações emissoras de radiodi-
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fusão e as agências noticiosas, telegráficas, instaladas em Portugal, às quais transmitirá todas as comunicações de carácter oficial ou oficioso».
Pelo Decreto-Lei n.° 31 187, de 21 de Março de 1941, os jornalistas estrangeiros, as agências noticiosas e respectivo pessoal de redacção e os correspondentes de jornais e estações de radiodifusão estrangeira só poderão exercer a sua profissão no País quando inscritos em registo especial do Secretariado da Propaganda Nacional.
O Decreto-Lei n.° 33 545, de 23 de Fevereiro de 1944, criou o Secretariado Nacional da Informação e Cultura Popular, dependente da Presidência do Conselho, concentrando nele os serviços de turismo e de imprensa em que foram integrados os serviços de censura.
O Decreto-Lei n.° 34 133, de 24 de Novembro de 1941, organizou os serviços do Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, que o Decreto n.° 34 134, da mesma data, havia de regulamentar.
O Decreto-Lei n.° 48 619, de 10 de Outubro de 1968, criou na Presidência do Conselho a Secretaria de Estado da Informação e Turismo, para a qual passaram os serviços do Secretoriado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, os do Comissariado do Turismo e os da Emissora Nacional de Radiodifusão.
Decorrido um mês foi publicado o Decreto-Lei n.° 48 636, de 15 de Novembro de 1968, que organizou aquela Secretaria de Estado. Entre os vários serviços que lhe ficaram afectos, inclui-se a Direcção-Geral da Informação, à qual compete:
[...] promover no País e no estrangeiro a divulgação dos factos mais importantes da vida portuguesa, contribuir para o conveniente exercício da função informativa e para a correcta formação da opinião pública e exercer as atribuições previstas na lei pela relativamente à imprensa, organismos de radiodifusão, agências noticiosas e correspondentes de jornais estrangeiros.
Estas atribuições situam-se entre as que o Deputado Paul Gosset, na sessão da Assembleia Nacional francesa de 10 de Julho de 1947, preconizava para a informação em França:
A informação nas mãos do Estado tem por fim essencial a defesa do prestígio dos interesses nacionais e o exercício de uma verdadeira publicidade das actividades do Estado. É preciso, mormente nos momentos particularmente difíceis em que a opinião pública se esforça par compreender e procurar a verdade, que o Estado tome a iniciativa de um diálogo permanente com a nação; é preciso que, de uma forma contínua, a actividade do Estado seja tornada pública por um Ministério e pelos serviços de informação.
25. Não há Estado moderno sem informação.
As suas diferentes formas — escrita, falada e visual — a cargo, respectivamente, da imprensa, da radiodifusão, da televisão e do cinema carecem de ser coordenadas, com o fim de satisfazer a opinião pública, içada vez mais exigente, tanto no que respeita à objectividade dos factos como à rapidez do seu conhecimento. A informação e a documentação estão na base de qualquer actuação política ou económica.
Por outro lado, no aspecto técnico, a informação emprega meios cada vez mais dispendiosos, exigindo capitais consideráveis que excedem as possibilidades individuais. Estes investimentos são encarados, por via de regra, por grupos que procuram utilizar as empresas criadas ou adquiridas para fins particulares, económicos ou políticos. A luta que certos grupos privados travam para dominar um jornal ou uma estação de rádio ou de televisão, quando esta não constitui monopólio do Estado, é disso claro testemunho.
O fenómeno da concentração da imprensa é mundial. É um facto que o Estado não pode ignorar, e cuja existência levou André Siegfried a escrever:
A excessiva concentração da imprensa ou da informação, sob qualquer forma que se apresente, justifica uma vigilância superior, a fim de que todos os pontos de vista se possam exprimir e ser presentes ao público.
De outro modo corre-se o risco apontado por Edgar Pinto, ao escrever:
A liberdade criou a imprensa. E a imprensa tornou-se senhora da liberdade. (Cf. Université d'Aix-Marseille, Centre de Sciences Politiques de l'Institut d'Etudes Juridiques de Nice, II, L'Opinion Publique, pp. 182 e segs.)
CAPITULO IV
Da liberdade de imprensa. Antecedentes
§ 1.° A legislação portuguesa — Resenha histórica
26. Quando da discussão nas Cortes dos antigos do projecto das bases da Constituição a apresentar ao rei D. João VI, após o seu regresso do Brasil, relativos à liberdade de imprensa, o desembargador Manuel Fernandes Tomás, um dos chefes da Revolução de 24 de Agosto de 1820, no Porto, e membro da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, emitiu a opinião de que «o negócio é muito sério e deve tratar-se com muita circunspecção» (Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, sessão de 13 de Fevereiro de 1821, p. 88).
Tão sério que, decorridos cento e oitenta e dois anos sobre a data em que foi consagrada na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 e cento e setenta e oito sobre a sua inscrição na Constituição francesa de 1793, ainda é objecto de larga controvérsia a forma de a regulamentar.
27. Em Portugal, foi a Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820 que deu origem ao moderno direito constitucional e à liberdade de imprensa nele inscrita.
Na verdade, a Constituição de 23 de Setembro de 1822 dispôs no artigo 7.°:
A livre comunicação do pensamento é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o português pode, conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar as suas opiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos e pela forma, que a lei determinar.
A Carta Constitucional de 1826 consignou o mesmo princípio, dispondo no § 3.º do artigo 145.°:
Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras e escritos, e publicá-los pela imprensa sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício desse direito, nos casos e pela forma, que a lei determinar.
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A Constituição de 1838, mantendo no artigo 13.° o direito de comunicação do pensamento pela imprensa sem dependência de censura prévia, aditou-lhe dois parágrafos:
§ 1.° A lei regulará o exercício deste direito e determinará o modo de fazer efectiva a responsabilidade pelos abusos nele cometidos.
§ 2.° Nos processos de liberdade de imprensa, o conhecimento do facto e a qualificação do crime pertencerão exclusivamente aos jurados.
Os actos adicionais de 1852, de 1885 e de 1896 não altararum na matéria, a Carta Constitucional.
A Constituição Política de 1911, entre os direitos e garantias individuais, inclui o relativo à expressão do pensamento, ao estabelecer:
A expressão do pensamento, seja qual for a sua forma, é completamente livre, sem dependência de caução, censura ou autorização prévia, mas o abuso deste direito é punível nos casos e pela forma que a lei determinar.
A Constituição em vigor, por seu lado, também inclui nos direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma (artigo 8.°, n.º 4.°), devendo o seu exercício ser regalado por forma a impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos (artigo 8.°, § 2.º).
Das disposições referidas resulta claramente não só a liberdade de expressão do pensamento, mas ainda a responsabilidade pelo uso dessa liberdade.
Nem poderia ser de outra forma. As liberdades são interdependentes e condicionadas pela vida em sociedade, em que as de uns são naturalmente limitadas pelas dos outros.
Efectivamente, o direito à vida e à integridade pessoal, o direito ao bom nome e reputação, entre outros direitos consagrados no artigo 8.° da Constituição de 1933, quedariam inoperantes se, em nome do livre exercício da expressão do pensamento, fosse lícito incitar ao crime contra a vida e integridade das pessoais ou atentar contra o seu bom nome e reputação.
28. Que a regulamentação da liberdade de imprensa é negócio muito sério, que exige muita circunspecção, resulta ainda do número de leis que em Portugal e nos outros países se ocuparam da matéria e até do respectivo período de vigência.
Assim, no que respeita a Portugal, as disposições reguladoras e cautelares da imprensa montam à Carta Régia de 26 de Janeiro de 1627, em que se dispõe:
De alguns anos a esta parte se tem introduzido nesta cidade escrever e imprimir relações de novas gerais; e porque em algumas se fala com pouca certeza e menos consideração, de que resultam graves inconvenientes, ordenareis que se não possam imprimir sem as licenças ordinárias e que antes de as dar se revejam e examinem com particular cuidado.
Esta Carta Régia visava as Relações das novas, que antecederam de alguns anos as gazetas, visto a primeira deitas só aparecer em 1641.
29. Quando da apreciação mas Cortes de 1820 do projecto relativo às bases da Constituição, os conceitos que diziam respeito à liberdade de imirensa foram dos mais discutidos.
Os que entendiam que mais vale prevenir que remediar, pois «se deve mais à medicina pelo preventivo que nos fez escapar à doença, do que pelo remédio que a cura», pronunciaram-«e pela censura, prévia.
Outros, como Manuel Fernandes Tomás, reconhecendo embora que «a liberdade de imprensa traz consigo males, e males não pequenos», entendiam que os que «resultariam da censura prévia seriam mais e maiores». Fernandes Tomás acrescentava: «aqueles podem remediar-se em grande parte, podem até evitar-se de modo que a sociedade tenha pouco que sentir; estes não, porque não se concebe a possibilidade de existir um Governo constitucional, ao modo que a Nação o espera e deseja, sem a liberdade de imprensa» (cf. Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, sessão de 14 de Fevereiro de 1821, p. 97).
Foi esta a opinião que prevaleceu, porquanto, em matéria estranha ao dogma e à moral, decidiu-se por 70 votos contra 8 que não devia haver censura, prévia (Diário das Cortes, p. 107).
Assim, aprovadas as bases que, provisoriamente, serviriam de Constituição, os artigos relativos à liberdade de imprensa ficaram com a redacção seguinte:
Art. 8.° A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o cidadão pode, conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar suas opiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos e na forma que a lei determinar.
Art. 9.º As Cortes farão logo esta lei, e nomearão um tribunal especial para proteger a liberdade de imprensa e coibir os delitos resultantes do seu abuso.
Art. 10.° Quanto, porém, àquele abuso que se pode fazer dessa liberdade em matérias religiosas, fica salva aos bispos a censura dos escritos publicados sobre dogma e moral, e o Governo auxiliará os mesmos bispos para serem castigados os culpados.
Em execução destes preceitos foi elaborada a Carta de Lei de 4 de Julho de 1821, em que pela primeira vez se decretou em Portugal a abolição da censura prévia.
Parece, no entanto, que esta abolição só seria de aceitar em relação aos jornalistas constitucionalistas, como se deduz das palavras de alguns dos seus defensores:
A liberdade de imprensa foi proclamada nas bases, como medida essencial para sustentar o regime constitucional; portanto, parece que nós não devemos dar aos nossos inimigos esta arma para sustentar o contrário.
E acrescentavam:
Se entre os do partido contrário houver homens hábeis, que saibam aproveitar-se de escrever tudo quanto for permitido; se por um princípio constitucional não for proibido o escrever num sentido contrário ao que actualmente se está praticando, então podemos ter a certeza de que a regeneração não há-de ir adiante, ou há-de ser maculada com desordens e é deste Congresso o evitar estes males. (Sessão das Cortes de 12 de Maio de 1821.)
Deste modo, os próprios que inscreviam na sua bandeira como conquista fundamental do sistema constitucional a liberdade de imprensa recusavam-se a admitir que fosse utilizada para o atacar.
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Não admira, pois, que, tendo sido abolida a censura prévia pela Lei de 4 de Julho de 1821, logo em 6 de Março de 1824 fosse restabelecido «o exercício da autoridade conferida pela Carta de Lei de 17 de Dezembro de 1794 aos ordinários e à Mesa do Desembargo do Paço para a censura de todos os escritos que se houvessem de imprimir».
Da mesma forma o § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional de 1826, sobre a livre comunicação do pensamento e a sua publicação pela imprensa, havia de ser anulado decorridos poucos meses, por Decreto de 18 de Agosto de 1826. Ainda no mesmo ano (23 de Dezembro), criava-se a comissão de censura dos «papéis volantes e escritos periódicos».
No ano seguinte proibia-se a impressão de escrito relativo a assuntos «cuja interpretação pertença exclusivamente ao poder legislativo», ou «em que se controvertam as doutrinas estabelecidas no artigo 92.° do capítulo 5.° da Carta Constitucional».
O Decreto de 16 de Agosto de 1828 aboliu a comissão de censura criada pelo Decreto de 23 de Setembro de 1826, passando a mesma a fazer-se através da Mesa do Desembargo do Paço.
Que esta Mesa não deveria proceder à censura com a presteza devida resulta do Decreto de 21 de Novembro de 1833, em que se lê:
Sendo conveniente que a publicarão dos papéis e escritos que nada contêm contra a Religião, contra o Estado, contra a Moral e contra os particulares, longe de ser retardada, seja antes facilitada pelo modo compatível com a legislação actual, a fim de colher-se o fruto que daquela deve seguir-se: hei por bem, em nome da rainha, nomear (seguem-se os nomes dos nove censores) para o mencionado exame e revisão dos papéis e escritos que hajam de publicar-se enquanto não se estabelecer o juízo por jurados, que é uma garantia indispensável da liberdade de imprensa, e não houver a lei de que dependa o pleno exercício desta, na forma do § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional da Monarquia.
Quer dizer: decorridos sete anos sobre a Carta Constitucional e doze sobre a Carta de Lei de 4 de Julho de 1821, que no artigo 1.° facultava a publicação de quaisquer livros ou escritos «sem prévia censura», esta ainda subsistia, não se executando, salvo num pequeno lapso de tempo, as disposições que a haviam abolido.
Para tanto teria contribuído o facto de, confundida a liberdade com a licença, não se ter poupado ninguém: nem as instituições, nem os homens. Três dos maiores vultos da revolução — Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Ferreira de Moura — que inscreveram a liberdade de imprensa como primeira conquista do regime liberal não foram poupados. Acusados de «triúnviros, ladrões e assassinos», os dois primeiros ainda foram difamados, atribuindo-se-lhes, entre outras coisas, «a de terem roubado no Porto 600 contos, que repartiram entre si» (cf. Alfredo da Cunha, Elementos para a História da Imprensa Periódica Portuguesa, p. 213).
É que «a imprensa jornalística, a filha querida, a divindade sacratíssima da revolução liberal, aquela para quem os que extinguiram os juízos privativos criavam um juízo especial, tomara-se a primeira ingrata, a mais perniciosa adversária dos que a criaram, protegeram e honraram.
Em vez de acompanhar com a sua crítica esclarecida e justa, com o seu aplauso fervoroso, com os seus conselhos salutares, o sistema liberal, a quem devia quanto era, assumia todas as formas hostis contra o governo constituído, desde a hipocrisia à calúnia, desde a insídia ao libelo famoso.» (Tomás Ribeiro, História da Legislação Liberal Portuguesa, t. n, p. 258.)
30. Pela Carta de Lei de 22 de Dezembro de 1834 foi promulgada e publicada nova lei de imprensa, tida como «padrão memorável nos anais quer da imprensa, quer do regime judiciário em Portugal», pois, além de se ter criado o júri e extinto a censura prévia, «nela se estabeleceu uma lógica e minuciosa distinção e graduação de penas e delitos; nela se lançaram as bases de um código de processo criminal» (Tomás Ribeiro, ob. cit., t. II, p. 33).
A Lei de 22 de Dezembro de 1834 foi alterada pelas Leis de 30 de Abril de 1835, de 9 de Setembro o 10 de Novembro de 1837 e de 19 de Outubro de 1840.
Por este último diploma não poderia fazer-se a impressão ou publicação de qualquer periódico sem que se verificassem dois requisitos:
1.° A declaração de quem era o seu editor responsável;
2.° A caução ou hipoteca ou depósito, na forma declarada na mesma lei.
Seguiu-se um período de «sedições, sublevações, pronunciamentos, conspirações e tumultos e de efervescência política; desta foram, mais de uma vez, vítimas os jornais, que, forçoso é reconhecê-lo, para esse estado de agitação poderosamente concorreram (Alfredo da Cunha, ob cit., p. 224).
Assim, tendo estalado em Lisboa uma rebelião na noite de 11 para 12 de Agosto de 1840, logo em 14 do mesmo mês era publicada a Carta de Lei que suspendia as garantias da liberdade de imprensa. A suspensão foi prorrogada até 15 de Novembro pela Carta de Lei de 14 de Setembro de 1840.
Com base na rebelião que deflagrara em Torres Vedras, mais uma vez o Governo suspendeu pelo espaço de vinte dias as garantias individuais, proibindo, durante o mesmo prazo, a publicação de quaisquer jornais, exceptuados os literários e os científicos e os Diários das Câmaras Legislativas o do Governo (Carta de Lei de 6 de Fevereiro de 1844, artigos 2.° e 3.°). Esta suspensão foi prorrogada até 31 de Março e 23 de Maio do mesmo ano, respectivamente pela Carta de Lei de 22 de Fevereiro de 1844 e pelo Decreto de 20 de Abril de 1844.
A Carta de Lei de 20 de Abril de 1846, ao mesmo tempo que autorizava a usar, pelo espaço de sessenta dias, de poderes extraordinários e discricionários para debelar a rebelião começada na província do Minho, suspendia as garantias individuais e proibia a publicação dos jornais, pondo em vigor o disposto na Carta de Lei de 6 de Fevereiro de 1844, suspensão e proibição que o Decreto de 7 de Outubro de 1846 havia de estabelecer por mais trinta dias.
Sucedem-se os Decretos de 5 de Novembro e 6 de Dezembro de 1846, de 2 o 6 de Janeiro e de igual dia de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1847, que, periodicamente, prorrogaram a suspensão, dando carácter normal ao que havia sido estabelecido a título excepcional.
Nos anos de 1848 e 1849 nenhuma providência legislativa afectou a liberdade de imprensa. Mas em 1850 foi publicada a Lei de 3 de Agosto, que, além de fazer uma larga enumeração e classificação dos crimes ou delitos cometidos pela publicação do pensamento pela imprensa, continha ainda outros preceitos tidos como vexatórios, pelo que passou a ser conhecida sob a designação de «lei
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das rolhas», suscitando protestos dos jornalistas e escritores portugueses mais categorizados.
Esta lei, completada com o Decreto de 16 de Agosto de 1850, que estabeleceu a forma de inscrever os cidadãos pura jurados de liberdade de imprensa, foi revogada pelo Decreto de 22 de Maio de 1851, que pôs em vigor a «legislação anterior sobre a publicação e responsabilidade dos jornais políticos».
A Lei de 1 de Outubro de 1856 mandou aplicar no ultramar as Leis de 22 de Dezembro de 1834, 10 de Novembro de 1837 e 19 de Outubro de 1840, salvo quanto à competência para o julgamento atribuída aos juizes de 1.ª instância, visto não existir ali a instituição doa jurados.
Em 1862 foram suspensas no distrito de Braga, e pelo espaço de trinta dias, todas as garantias individuais e a publicação de todos os jornais (Decreto de 16 de Setembro de 1862).
A Lei de 17 de Maio de 1866, abolindo todas as cauções e restrições estabelecidas para a imprensa periódica pela legislação em vigor e determinando que «aos crimes de abuso na manifestação do pensamento fossem aplicáveis as penas respectivas estabelecidas no Código Penal (artigos 1.º e 5.°), foi considerada como representando um passo avantajado na legislação da imprensa em Portugal» (Bento Carqueja, A Liberdade de Imprensa, p. 39)
Tendo em atenção, como se lê no relatório que o precede, que «os abusos da manifestação do pensamento por meio da imprensa periódica aumentam e se agravam de dia para dia à sombra da quase constante impunidade», o Decreto ditatorial n.° 1, de 29 de Março de 1890, inserindo várias disposições atinentes a alargar e a tornar efectiva a responsabilidade criminal e civil por abuso de liberdade de imprensa, marca apreciável reacção contra o» «excessos e desmandos dos jornais políticos».
Estas disposições suscitaram protestos. A Comissão nomeada para examinar as medidas de carácter legislativo tomadas pelo Governo no interregno parlamentar, entre as quais o referido diploma, justificou-o nos termos seguintes:
A liberdade de imprensa é uma das mais gloriosas conquistas do nosso tempo; mas ninguém ousa reconhecer que ela possa significar a liberdade do insulto.
A medida promulgada pelo Governo não altera a legislação existente senão para a tornar mais efectiva, para acabar com a impunidade com que os verdadeiros criminosos se acolhiam à sombra de interpretações subtis. A punição deve obedecer sempre a um princípio — a eficácia. Punir com severidade um delito que, para não se repetir, só precisa de que um delinquente receba uma admoestarão seria cruel; puni-lo com tal brandura que a aplicação da pena não impeça o delinquente de o repetir no dia seguinte seria absurdo.
Foi relator do parecer da referida Comissão o escritor o jornalista Pinheiro Chagas.
Outro jornalista, porém, havia de fazer à nova legislação o seguinte comentário:
«O retrocesso operado de 1890 para cá, em matéria de liberdade de imprensa, fere por tal forma a consciência pública, representa uma ameaça tão grave sobre a sociedade portuguesa, que é forçoso levantar, a todo o momento, violento grito de protesto contra um regime de imprensa que não pode nem deve manter-se.» (Bento Carqueja, A Liberdade de Imprensa, Porto, 1893, p. 8.)
Na verdade, a liberdade de imprensa atraiu ao exercício do jornalismo os maiores escritores portugueses da segunda metade do século XXX, e permitiu, mais ainda do que no vintismo, o diálogo político e cultural em que se fortaleceu a consciência cívica e se alargaram os horizontes espirituais da grande e pequena burguesia. Os jornais eram então como que o centro da vida social portuguesa: neles se exibia e deles dimanava a seiva de uma excepcional vitalidade política popular. A importância do jornalismo liberal decorre principalmente do impulso que imprimiu à criação literária e à promoção cultural e política do público. Os próprios promotores das «Conferências Democráticas», vultos dominantes da cultura portuguesa, prosseguiram objectivos cuja latitude se apoiava nas características da imprensa do seu tempo:
... abrir uma tribuna onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos; ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada; procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam na Europa; agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência moderna; estudar as condições de transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa... (cf. Hernâni Cidade, Antero de Quental, A Obra e o Homem, Lisboa, sem data, p. 31).
Pode aplicar-se à imprensa liberal, apesar de todas as vicissitudes e das paixões políticas, o juízo de Eça de Queirós acerca dessa forma singular de periódico que foram as Farpas de Ramalho:
Janela aberta por onde entravam para o País grandes rajadas de civilização e de educação, irregulares e imetódicas, como todas as rajadas, mas varrendo os miasmas e trazendo sempre alguma boa semente (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, Lisboa, sem data, p. 30).
31. Pela Lei de 7 de Julho de 1898 foi revogado não só d Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890, confirmado por Carta de Lei de 7 de Agosto do mesmo ano, como ainda toda a legislação especial sobre liberdade de imprensa publicada até à data da mesma Lei de 7 de Agosto de 1890.
Nos termos do disposto na Lei de 7 de Julho de 1898, «o direito de expressão do pensamento pela imprensa será livre e como tal independente de censura ou caução, mas o que dele abusar em prejuízo da sociedade ou de outrem ficará sujeito à respectiva responsabilidade civil e criminal».
Para os efeitos da lei serão considerados' abusos «os crimes de ofensa, difamação, injúria, ultraje e provocação, previstos nos artigos 130.°, 137.°, 159.°, 160.°, 169.°, 181.°, 182.°, 407.º a 412.°, inclusive, 414.° a 420.°, inclusive, e 483.° do Código Penal, quando cometidos pela imprensa» (artigos 2.° e 3.°).
«Os crimes de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção do júri, salvo nos casos de ofensa, injúria e nos de difamação, quando não for admissível prova sobre a verdade dos factos imputados» (artigo 23.°).
O Decreto de 20 de Setembro de 1899 aplica aos processos crimes por abuso de uberdade de imprensa nas províncias ultramarinas o disposto no § 2.° do artigo 3.º da Lei de 7 de Julho de 1898.
Pelo Decreto de 2 de Agosto de 1902 são mandados aplicar nas províncias ultramarinas diversos artigos do Có-
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digo Penal aos delitos de imprensa, quando a publicação seja feita em país estrangeiro e a distribuição se faça era território português. Este diploma regula ainda a competência do juízo e a forma de processo para a punição destes crimes.
O Decreto de 25 de Agosto de 1903 determina que dos periódicos publicados no ultramar sejam enviados exemplares ao procurador da Coroa e Fazenda e ao seu delegado na comarca em que se fizer a publicarão.
Pelo Decreto de 7 de Dezembro de 1904 são definidos os termos em que pode ser proibida a circulação e exposição de qualquer impresso no jornal.
32. A Carta de Lei de 11 de Abril de 1907 revogou, por sua vez, toda a legislação especial sobre a liberdade de imprensa, determinando, quanto à competência do tribunal, que «os crimes de abuso de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção do júri, salvo nos casos de ofensa, injúria e nos de difamação, quando não for admissível prova sobre a verdade dos factos imputados, casos em que o julgamento compete ao tribunal colectivo» (artigo 13.°), sendo objecto de críticas, entre outras, a, disposição que atribui competência a este tribunal.
Quando da elaboração da proposta de lei de imprensa, que havia de converter-se na Lei de 11 de Abril de 1907, Trindade Coelho, a pedido da Associação idos Jornalistas, redigiu um projecto sobre a liberdade de imprensa.
No relatório que o precede diz que há três maneiras de legislar para a imprensa: ou restringindo as liberdades do direito geral, caminho seguido pelo Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890 (Lopo Vaz); ou ampliando as liberdades do direito geral, caminho adoptado pela Lei de 7 de Julho de 1898 (Veiga Beirão); ou cingindo-se ao direito geral.
O autor pronuncia-se abertamente por esta última solução, que, em grande parte, é adoptada pelo projecto em apreço.
E, apesar de reconhecer que «deixar inteiramente livre a circulação e exposição de toda a ordem possível de impressos [...] é arriscar a imprensa a converter-se, aqui ou ali, em estátua de Pasquino», confiava em que «essa mesma liberdade concorreria, eficazmente para a educação dos costumes, e que, mais do que a coacção e a violência, a liberdade e a educação combinadas bastariam para extinguir abusos, o que é mais e melhor do que reprimidos».
No direito geral residia o equilíbrio. Por isso acrescentava:
A aplicação do direito geral — nivelando, no campo das responsabilidades, o jornalista e o escritor com os demais cidadãos — faria o resto, com a inevitável sanção da consciência e da opinião públicas, que desse modo se criam, educando também no ofício de julgar, habituando-se a ver nos abusos da imprensa, que degenerassem realmente em licença, os piores, os mais repugnantes e os mais desprezíveis abusos, que são sempre os abusos da força. A imprensa tem milhares de línguas, meão poderosa para dever precaver-se mais do que se tivesse só uma (Trindade Coelho, relatório do projecto de diploma sobre a liberdade de imprensa).
Assim, à semelhança da lança de Aquiles, que curava as feridas por ela feitas, para Trindade Coelho a sanção da opinião pública bastaria para reparar os danos causados pela liberdade de imprensa.
Também Anatole France defendia uma absoluta liberdade de imprensa, com o fundamento de que os males da liberdade a própria liberdade os cura.
Há, porém, que contar com o vício da má-língua e, por vezes, com o da própria calúnia.
Este vício, «quando incide sobre o cidadão que não exerce nem pretende exercer poderes públicos, começa a actuar com reticências, a medo, como quem pede desculpa se erra ou ofende; mas, quando o visado é político, todas as conveniências se dispensam, como se ao difamador pertencesse todo o património moral do homem público, sem restrições nem limites, salvo o que lhe impõe o condomínio de outros difamadores.
Do homem público tudo se acredita, de tudo o julgam capaz, e nem em relação a ele parece existir a presunção de honestidade.» (Manuel Rodrigues, Problemas Sociais, p. 112.)
A inveja não perdoa. «Não há maior delito no mundo que o ser melhor. Um grande delito muitas vezes achou piedade; ima grande merecimento nunca lhe faltou inveja», proclamou o padre António Vieira.
E pondo em confronto a vida, a honra e a fama, disse, com rara eloquência:
A vida é um bem que morre; a honra e a fama é um bem imortal; a vida, por larga que seja, tem os dias contados; a fama, por mais que conte anos e séculos, nunca lhe há-de achar conto nem fim, porque os seus são eternos; a vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja, por fim se há-de resolver em poucas cinzas; a fama vive nas almas, nos olhos e na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida nos mármores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trombetas da mesma fama. Em suma, a morte mata ou apressa o fim do que necessàriamente há-de morrer; a infâmia afronta, afeia, escurece e faz abominável um ser imortal, menos cruel e mais piedosa se o pudera matar. A morte ofende a mortalidade da vida, a infâmia a imortalidade da alma.
Se os homens, no dizer de Montaigne, «não se ligam uns aos outros senão pela palavra» — veículo de inteligência e intérprete de sentimentos —, devemos usá-la por forma a respeitar nos outros o que exigimos para cada um de nós — a verdade, a honra e a justiça.
Assim, a lei não pode deixar de incriminar como delitos de imprensa os factos injuriosos e difamatórios que, ofendendo a honra e consideração de outrem, atentem contra a sua personalidade moral e, bem assim, as notícias falsas, tendenciosas, susceptíveis de perturbar a paz, ofender o interesse geral ou causar danos a terceiros.
O projecto de Trindade Coelho não se converteu em lei.
O Decreto de 20 de Junho de 1907 proibiu temporariamente a circulação e publicação de periódicos, escritos, desenhos ou impressos atentatórios da ordem e segurança pública.
O Decreto de 21 de Novembro de 1907 mandou que as disposições do Decreto de 20 de Junho de 1907 continuassem em vigor até resolução das Cortes.
Pelo Decreto de 31 de Janeiro de 1908 foram estabelecidas várias providências com vista à repressão dos crimes compreendidos no artigo 1.° do Decreto de 21 de Novembro de 1907 — anarquismo.
O Decreto de 5 de Fevereiro de 1908, publicado logo a seguir ao regicídio, declarou nulos os Decretos de 20 de Junho e de 21 de Novembro de 1907 e de 31 de Janeiro de 1908, sobre publicações periódicas.
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33. O Ministro da Justiça, Francisco José de Medeiros, que havia combatido na Câmara dos Pares a lei em vigor, de 11 de Abril de 1907, apresentou, em 11 de Agosto de 1909, a proposta de lei n.° 22-E, destinada a regular o exercício da liberdade de imprensa.
Insurgindo-se contra o pensamento de um grande publicista, ao dizer que «no regime de imprensa não pode haver meio termo entre a licença e a tirania», entende que «entre a tirania do poder, mandando desatinadamente calar a todos, e a licença, também tirania da imprensa enxovalhando e conspurcando pessoas e coisas, é forçoso e é conforme à razão que haja um justo meio termo».
Por isso, «conquanto o assunto seja difícil e escabroso», procura encontrar esse justo meio termo «sem conservantismos ferrenhos, nem intransigências radicalistas».
A proposta orienta-se no sentido de que «tudo pode ser publicado: é a liberdade, mas os abusos dessa liberdade devem ser de algum modo castigados: é a disciplina social».
Reconhecendo, embora, «que o dano feito pela imprensa, com o enorme poder de expansão dela, é sempre de efeitos mais duradouros e por isso mais nocivos do que os da palavra falada», a proposta segue a orientação liberal «das Leis de 17 de Maio de 1866 e de 7 de Julho de 1898, aplicando aos crimes de abuso na manifestação do pensamento as respectivas penas estabelecidas no Código Penal, com a modificação, porém, aliás importante, de que, da primeira vez em que for imposta à pena de prisão não excederá esta uma terça parte da pena aplicável» (Diário da Câmara dos Senhores Deputados, sessão n.° 45, de 11 de Agosto de 1909).
A proposta inseria-se na política de apaziguamento que se seguiu ao regicídio, embora parte da opinião pública atribuísse à imprensa a criação do ambiente propício à sua efectivação.
34. Proclamada a República, foi revogada cinco dias depois, pelo Decreto de 10 de Outubro de 1910, a Lei de 11 de Abril de 1907 e suspensos todos os termos de quaisquer processos relativos à imprensa, enquanto não fosse publicado um novo decreto com força de lei protector da liberdade de imprensa (artigo 3.°).
Pelo Decreto de 22 de Outubro de 1910 foi proibida, sob pena da desobediência qualificada, a exposição ou venda de publicações pornográficas ou redigidas em linguagem despejada e provocadora.
Em 28 do referido mês foi publicada nova lei regulando o exercício do direito de expressão do pensamento pela imprensa, que, pela liberdade dada à crítica, deveria corresponder ao anunciado decreto protector da liberdade de imprensa.
Pelo artigo 29.º do Decreto de 25 de Dezembro de 1910 foi publicada ainda a publicação, por qualquer meio, das peças do processo de nulidade ou anulação do casamento, ficando os infractores sujeitos às penas dos artigos 407.° e 410.° do Código Penal e do Decreto de 28 de Outubro de 1910, conforme ao caso coubesse.
Igual proibição havia de ser feita pelo Decreto de 2 do mesmo mês (artigo 56.°) quanto às pecas dos processos de investigação de paternidade ou maternidade ilegítima.
Ainda no decurso do ano de 1910 outras restrições haviam de ser estabelecidas pelo Governo Provisório, através do Decreto de 28 de Dezembro. Assim, enquanto não se publicasse a reforma da legislação penal, os crimes de atentado e ofensas contra o Presidente do Governo Provisório da República seriam punidos com as penas dos 163.° a 165.° e 167.º a 169.° do Código Penal, nos mesmos termos em que anteriormente eram puníveis quando cometidos contra o rei (antigo 1.°).
Aquele que, de viva voz ou por escrito publicado, ou por outro meio de publicação, espalhasse boato falso destinado a alarmar o espírito público ou susceptível de causar prejuízo ao Estado, ao crédito público ou à segurança social, sem procurar verificar a sua origem ou o seu fundamento. seria punido com a pena de prisão correccional até três meses e multa de 10 000 a 100 000 réis, aplicando-se, em caso de reincidência, o disposto no artigo antecedente e seu parágrafo (artigo 4.°).
No ano seguinte, o artigo 48.° do Decreto de 20 de Abril de 1911 preceituava que «o ministro de qualquer religião, que, no exercício do seu ministério, ou que por ocasião de qualquer acto de culto, em sermão, ou em qualquer discurso público verbal, ou em escrito publicado, injuriar alguma autoridade pública ou atacar alguns dos seus actos, ou a forma do governo ou as leis da República, ou negar ou puser em dúvida os direitos do Estado consignados neste decreto e na demais legislação aplicável às igrejas, ou provocar a qualquer crime será condenado na pena do artigo 137.° do Código Penal, e na perda dos benefícios materiais do Estado».
O Decreto de 26 de Maio de 1911 tornou extensivo ao ultramar o Decreto de 22 de Outubro de 1910.
Pelo Decreto de 27 de Maio de 1911 foi proibida a publicação dos casos de vadiagem, mendicidade, libertinagem, contravenções ou crimes cometidos por menores de 16 anos, suicídios destes ou a simples notícia de tais casos, ou ainda a publicação do extracto do seu julgamento.
No ano seguinte, 1912, outras restrições da liberdade de imprensa, e mais profundas, foram impostas.
Assim, o Congresso da República, pela Lei de 9 de Julho (cf. Diário do Governo, de 15 de Julho de 1912), decreta:
As autoridades judiciais, administrativas e policiais poderão apreender ou mandar apreender os periódicos, cartazes, anúncios, avisos e em geral quaisquer impressos, manuscritos, desenhos ou publicações que forem expostos à venda, ou por qualquer forma distribuídos ou afixados ou expostos em quaisquer lugares públicos:
a) A que falte algum ou alguns dos requisitos exigidos pelo antigo 5.° do Decreto de 28 de Outubro de 1910;
b) Que tenham ultraje às instituições republicanas e injúria, difamação ou ameaça conífera o Presidente da República no exercício das suas funções ou fora dele ou algumas das ofensas previstas nos antigos 159.°, 160.°, 420.° e 483.° do Código Penal;
c) Que sejam pornográficas;
d) Que sejam redigidas em linguagem despejada e provocadora contra a segurança do Estado, da ordem e tranquilidade públicas.
Mas não se ficou por aqui. Passados três dias era promulgada a Lei de 12 de Julho de 1912 (cf. Diário do Governo, de 28 de Julho), que determina:
Aquele que por qualquer meio de propaganda tendenciosa ou subversiva, verbal ou escrita, pública ou clandestina, aconselhar, instigar ou provocam os cidadãos portugueses ao não cumprimento dos seus deveres militares, ou ao cometimento de actos atentatórias da integridade e independência da Pátria, será punido com a pena de prisão correccional de trinta dias a um ano de multa de 50$ a 500$ (artigo 1.º, § único);
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Aquele que, sendo empregado do Estado ou de qualquer corpo ou corporação administrativa, cometer algum dos crimes previstos no artigo 1.° e for condenado em qualquer pena, incorrerá na disposição do n.° 1.° do artigo 79.° do Código Penal (artigo 2.°);
A autoridade administrativa ou policial poderá apreender quaisquer escritos, impressos ou publicações que aconselhem, instiguem ou provoquem aos crimes previstos e punidos no artigo 1.° (artigo 3.°);
Aquele que vender, expuser à venda ou por qualquer forma distribuir ou espalhar tais escritos, impressos, desenhos ou publicações, quando forem clandestinos, incorrerá nas penalidades do artigo 1.° e seu § único, conforme os casos (§ único do artigo 3.°);
Se, porém, a autoridade administrativa ou policial ordenar ou efectuar a apreensão fora dos casos expressamente estabelecidos na lei, incorrerá nas penas aplicáveis aos crimes de excesso de poder ou abuso de autoridade, conforme tiver lugar, nos termos da lei em vigor (antigo 4.°).
Pelo Decreto de 7 de Setembro de 1912 providenciou-se quanto à repressão dos abusos da liberdade de imprensa no ultramar.
Pelo Decreto n.° 1117, de 30 de Novembro de 1914, proibiu-se, sob pena de desobediência, a publicação de notícias referentes às forças armadas que não tivessem origem oficial.
A entrada de Portugal na 1.ª Grande Guerra provocou outras restrições e fundamentou o estabelecimento da censura prévia.
Assim, a Lei n.° 495, de 28 de Março de 1916, mandou sujeitar à censura prévia, enquanto durasse o estado de guerra, os periódicos e outros impressos e os escritos e desenhos de qualquer modo publicados. A execução desta lei foi regulamentada pelo Decreto n.° 2308, de 31 de Março de 1916.
O Decreto n.° 2270, de 12 de Março de 1916, estabeleceu novas restrições, ao permitir às autoridades policiais ou administrativas apreender ou mandar apreender os periódicos ou outros impressos e escritos ou desenhos de qualquer modo publicados, nos quais se divulgasse boato ou informação capaz de alarmar o espírito público ou de causar prejuízo ao Estado (artigo 1.°). Por outro lado, se no impresso, escrito ou desenho publicado se fizesse afirmação ofensiva da dignidade ou do decoro nacional, ou se contivesse qualquer das ofensas ou crimes previstos no artigo 1.º do diploma em causa, nas alíneas b) e d) do artigo 1.º da Lei de 9 de Julho de 1912 e no artigo 1.° da Lei de 12 do mesmo mês e ano, poder-se-ia ordenar não só a apreensão, mas, ainda, tratando-se de periódicos, a suspensão da sua publicação por três a trinta dias (artigo 2.°).
Ainda sobre a censura, além da Lei n.° 815, foram publicados os Decretos n.ºs 3283, 3353 e 3534.
O Decreto n.° 4082, de 14 de Abril de 1918, restabeleceu a Lei n.° 495 que mandou sujeitar à censura preventiva os periódicos e outros impressos, bem como a Lei de 9 de Julho que determinou a apreensão de jornais, manuscritos, desenhos ou livros incursos na mesma lei; o Decreto n.° 4436, de 21 de Junho de 1918, estabeleceu a forma por que devia ser feita a censura. Finalmente, o Decreto n.° 4601 regulou o serviço de censura à imprensa. Outras restrições foram impostas pelo Decreto n.° 4927, de 31 de Outubro de 1918, e pelas Portarias n.ºs 1182, 1183 e 1184.
35. Em resumo: durante a vigência da lei de liberdade de imprensa de 28 de Outubro de 1910 foram publicados numerosos diplomas a restringir a anunciada protecção da imprensa. E se a situação legal era a que ficou apontada, a de facto não era melhor. Com efeito, foi nesse período que se verificou o «empastelamento» da tipografia de alguns jornais, a destruição e a suspensão de outros.
Assim, logo no começo de 1911, foram assaltados e desfeitos os três jornais monárquicos que ainda subsistiam. No mesmo ano foi assaltado o jornal católico A Palavra, do Porto, e presos todos os que se encontravam no jornal por ocasião do assalto. O mesmo sucedeu em 1915 com o diário Restauração: «tipo empastelado, máquinas partidas, tipógrafos, revisores e outros empregados presos. O seu director, Homem Cristo Filho, foi preso o posto na fronteira» (cf. jornal a Época, de 7 de Fevereiro de 1971). Em 1919 foram suspensos os diários Ordem e Ecos do Minho e destruído o diário Liberdade, do Porto.
O Decreto de 28 de Outubro de 1910 atribui ao júri competência para o julgamento dos crimes de imprensa.
Com a proverbial franqueza trasmontana, Trindade Coelho, no relatório que antecede o seu projecto, alude à intervenção do júri. Fá-lo nestes elucidativos termos:
... nem o amor ao júri, como ele está entre nós organizado (e dos defeitos do júri quase é só culpada a sua organização), significa outra coisa senão o amor à impunidade, que se tem, por ele, como assegurada, no estado actual da nossa educação cívica, geralmente ainda deplorável. O júri, tal como está, não há ofendido que o deseje, nem acusado que o não queira.
Esta é a triste verdade, confirmada pela triste circunstância de que, existindo o júri em matéria cível desde 1876, o júri está por estreiar nessa matéria, porque o cidadão não quer decididos por ele os seus pleitos, mas sim pelos magistrados.
Não obstante, no plano jurídico, prevaleceu entre 28 de Outubro de 1910 e 1926 o decreto de 28 de Outubro que garantia o livre exercício do direito de expressão do pensamento pela imprensa, «independente de caução, censura ou autorização prévia», excepto durante a participação do País na 1.ª Guerra Mundial. Mesmo então, aliás, era permitido os jornais assinalar com espaços brancos os cortes da censura.
Por isso, e sem embargo dos aspectos negativos, inerentes à imperfeição dos homens e das instituições, a imprensa foi na vida portuguesa e nesse período «a insensível mola do mundo moral, intelectual e físico» de que falava Herculano (Opúsculos, viu, p. 15), e, sobretudo, um fecundo meio de dinamização política.
36. Logo após a revolução de 28 de Maio, foi publicado o Decreto com força de lei n.° 11 839, de 5 de Julho de 1)926, alterado, esclarecido e completado pelo Decreto com força de lei n.° 12 008, de 29 do mesmo mês e ano, que constitui a Lei de Imprensa em vigor. Contém 56 artigos, divididos por 5 capítulos.
Ocupa-se o primeiro do exercício do direito de liberdade de imprensa, sendo lícito a todos manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa, independentemente de caução ou censura e sem necessidade de autorização por habilitação prévia.
Distingue-se a imprensa periódica e a não periódica.
Sob pena de prisão correccional, proíbem-se os impressos, manuscritos, desenhos ou publicações que contenham ultraje às instituições republicanas ou injúria, difamação ou ameaça contra o Presidente da República, que aconselhem, instiguem ou provoquem os cidadãos portugueses
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a faltar ao cumprimento dos seus deveres militares ou ao cometimento de actos atentatórios da integridade da Pátria, que contenham boatos ou informações capazes de alarmar o espírito público ou de causar prejuízo ao Estado, ou que contenham afirmação ofensiva da dignidade ou tio decoro nacional, ou ainda algumas das ofensas previstas nos artigos 159.°, 160.°, 420.° e 483.° do Código Penal, e bem assim quaisquer publicações pornográficas ou redigidas em linguagem despejada ou provocadora contra a segurança do Estado, da ordem e da tranquilidade públicas (artigo 10.°).
O capítulo II respeita aos abusos da imprensa e sua responsabilidade, considerando como tais os crimes previstos nos artigos 157.°, 159.°, 160.°, 181.°, 182.°, 407.°, 410.°, 411.° e parágrafos, 412.°, 414.°, 420.° e 483.° do Código Penal, nos artigos 3.° e 4.º do Decreto de 28 de Dezembro de 1010, nas Leis de 9 e 12 de Julho de 1912 e no Decreto n.° 2270, de 12 de Março de 1916, quando cometidos pela imprensa (artigo 11.°). Actualmente haverá que ter em conta o Decreto n.° 22 469, de 11 de Abril de 1933, o Decreto n.° 26 589, de 14 de Maio de 1936, e o Decreto-Lei n.° 33 015, de 30 de Agosto de 1943.
O capítulo III trata do procedimento judicial pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa. O capítulo IV ocupa-se da competência e da forma de processo. O capítulo V e último versa o direito de resposta.
O Decreto n.° 12 271, de 6 de Setembro, aprovou o diploma regulador da liberdade de imprensa no ultramar, diploma que foi modificado e aperfeiçoado pelo Decreto n.° 18 841, de 27 de Junho de 1927.
Ainda sobre a liberdade de imprensa ou matéria com ela relacionada, foram publicados os Decretos n.ºs 12 580, de 20 de Outubro de 1926, 13 725, de 27 de Maio de 1927, sobre a defesa e protecção dos direitos dos autores de propriedade literária, o Decreto n.° 20 431, de 24 de Outubro de 1931, sobre a publicidade de casos de vadiagem, mendicidade, libertinagem e crime, o Decreto-Lei n.º 26 589, de 14 de Maio de 1936, que fez depender a publicação do reconhecimento da idoneidade intelectual e moral dos responsáveis e da prova dos meios financeiros da respectiva empresa, e as Portarias n.ºs 5422, de 14 de Junho de 1928, e 7166, de 5 de Agosto de 1931.
37. Quanto à censura, há que distinguir entre imprensa periódica e imprensa não periódica.
No que respeita a primeira, vigora, fundamentalmente, o Decreto n.° 22 469, de 19 de Abril de 1933, que sujeita à censura prévia as publicações periódicas definidas na Lei de Imprensa, e bem assim as folhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se versem assuntos de carácter político ou social (artigo 2.°).
A censura, nos termos do mesmo diploma, «terá sòmente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função da força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade» (artigo 3.°).
É notório que no seu exercício se cometeram abusos por parte das comissões de censura, reputando inconvenientes trechos que não se enquadravam no citado artigo 3.°
Quanto à imprensa não periódica, a sua sujeição à censura prévia depende de versar ou não assuntos de carácter político ou social, sendo, assim, isentas as publicações científicas, artísticas ou outras que não tratem destes assuntos.
Quanto à competência para julgamento dos delitos de imprensa, a mesma tem variado de diploma para diploma: julgamento pelo júri ou por magistrados de carreira, em tribunal comum ou tribunal especial.
A competência do júri, dominante em muitos diplomas do século XIX, tanto na legislação portuguesa como na estrangeira, tem sido eliminada na Europa continental, só intervindo excepcionalmente no julgamento dos crimes de imprensa.
Quem se der ao trabalho de compulsar a legislação referida, em simples bosquejo, terá ocasião de verificar que ao regime de ampla liberdade de imprensa se sucede o de restrição e vice-versa, numa espécie de balance em que a posição muda em eidos de duração mais ou menos longa.
E o que se passou em Portugal verificou-se noutros países, o que mostra que, neste domínio, ainda não se encontrou o almejado equilíbrio dos diferentes interesses em jogo.
§ 2.° A legislação estrangeira
Na impossibilidade de dar um apontamento sobre a legislação reguladora da liberdade de expressão do pensamento nas diferentes nações, faz-se referência à evolução legislativa de alguns países, cujo exemplo parece mais significativo.
A) Alemanha
38. Após a 2.ª Grande Guerra, depois de revogada a legislação nazi, chegou-se & conclusão de que a Lei de Imprensa de 1874 carecia de ser actualizada. Não sendo possível, entretanto, publicar uma lei geral para a República Federal, o Conselho Alemão de Imprensa definiu um certo número de princípios que deveriam ser adoptados nas leis de imprensa dos diferentes Estados: reconhecimento da função pública da imprensa, direito de colher informações no país e no estrangeiro e de exprimir através da imprensa qualquer opinião, independentemente de qualquer averiguação ou censura, separação da parte redactorial da parte publicitária, segredo profissional.
Em 1960, foi nomeada uma comissão a que pertenciam os Ministros do Interior de- vários Estados, a fim de ser elaborado um projecto de lei geral em que se consagrassem, em grande parte, os princípios referidos.
Este projecto, porém, não foi aceite, e o elaborado três anos depois, em 1963, não logrou melhor êxito, dada a tendência de cada Estado para dar à lei de imprensa respectiva um cunho especial.
No entanto, todos os Estados, a partir dessa data, publicaram leis de imprensa, com excepção do Estado da Baviera, que manteve a Lei de 1949, e do Estado de Hessen, em que a imprensa continua a ser regulada pela lei de 20 de Novembro de 1958, alterada pela lei de 22 de Fevereiro de 1966.
O problema que suscitou maiores divergências foi o de saber até que ponto a liberdade de imprensa colide com a segurança do Estado.
Em alguns Estados (Berlim, Hamburgo, Hessen) a apreensão das publicações só pode ser ordenada pela autoridade judicial; noutras, porém, também pode ser determinada pela autoridade administrativa.
O direito à informação perante as autoridades é amplo. A imprensa tem obrigação de verificar se uma notícia é verdadeira com o cuidado que se pode exigir nas circunstâncias em que é obtida.
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O direito dos jornalistas ao segredo profissional é reconhecido pela generalidade dos Estados.
Com excepção do Estado do Sarre e da Baviera, as leis de imprensa aplicam-se, em grande parte, à radiodifusão e à televisão.
A lei do Estado de Hessen considera obras impressas, para o efeito da lei, «todos os produtos da imprensa tipográfica, bem como todas as outras reproduções de textos ou representações gráficas com ou sem legendas e de obras musicais com ou sem texto que se destinam a ser divulgadas».
São excluídos:
1) Impressos oficiais, desde que incluam notícias exclusivamente oficiais;
2) As obras impressas que servem apenas para fins da indústria ou das comunicações ou utilizadas na vida privada e social, tais como listas de preços, material publicitário, participações familiares, relatórios comerciais ou de administração e semelhantes, assim, como os boletins de voto para eleições.
O editor de uma obra impressa periódica deve publicar nessa obra, com intervalos regulares, a indicação de quem participa economicamente no financiamento da empresa. Tratando-se de jornais diários, essa indicação será dada no primeiro número de cada trimestre civil.
Em cada exemplar será indicado o nome e a residência do redactor responsável. No caso de haver vários redactores responsáveis, deve indicar-se a secção respeitante à responsabilidade de cada um.
Só pode ser redactor responsável:
1) Quem tiver a sua residência no território onde vigora a lei;
2) Quem estiver no gozo dos direitos civis e políticos e não tenha perdido, por decisão judicial, a capacidade de exercer um cargo público;
3) Quem tiver completado 2d anos de idade e possa ser processado, sem qualquer restrição, por delito cometido através da imprensa.
Às pessoas atingidas por uma afirmação feita na imprensa assiste o direito à resposta, que se limita aos factos que a originaram, não podendo conter matéria punível.
Nos casos em que a divulgação da obra impressa integra crime de subversão, traição à Pátria, difamação, ou provoque uma grave lesão do pudor, poderá proceder-se à sua apreensão por ordem do tribunal.
Os jornalistas têm o direito de recusar o testemunho acerca das pessoas que redigiram, remeteram ou transmitiram informações, bem como do conteúdo destas e dos documentos.
B) Brasil
39. Um ano após a sua independência (1822), o Brasil publicava o primeiro decreto sobre a liberdade de imprensa. Sete anos depois (Setembro de 1830), substituía o critério da responsabilidade solidária ou da co-responsabilidade pelo da responsabilidade sucessiva, para os delitos de imprensa.
A partir do último quartel do século XIX, a legislação brasileira, tal como as restantes legislações americanas, sofreu a influência da lei francesa de 29 de Julho de 1881.
A Lei de Imprensa n.° 2083, de 12 de Novembro de 1953, previa apenas as infracções praticadas através da imprensa, mas o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 27 de Agosto de 1962 (Lei n.° 4117), já previa os abusos cometidos por meio da radiofusão e da televisão, ou mesmo através de outros meios ópticos ou processos electromagnéticos.
A Lei n.° 5230, de 9 de Fevereiro de 1967, que começou a vigorar em M de Março seguinte, entrando pelo caminho de definir a responsabilidade civil pelos abusos praticados através de toda e qualquer via de publicidade, tem sido considerada, e bem, como a Lei Brasileira da Informação, porquanto não cuida só da difusão pela imprensa, visto incluir no seu texto as infracções cometidas por outros meios de informação (radiodifusão, televisão e agências de notícias).
No artigo 1.° dessa lei consigna-se:
É livre a manifestação de pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.
Por outro lado, se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização deve ser limitada pelo interesse geral.
Daí o § 1.° do artigo 1.° estabelecer desde logo uma limitação — «não será tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classe».
O texto do artigo 1.° da lei brasileira é idêntico ao da de numerosos países sobre a mesma matéria.
O § 2.° do artigo 1.° exclui, porém, do disposto no corpo do artigo os espectáculos e diversões, que ficarão sujeitos à censura prévia.
Também não se aplica «na vigência do estado de sítio, quando o Governo poderá exercer a censura sobre os jornais ou periódicos ou empresas de radiodifusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida».
Neste caso a defesa do interesse colectivo prima sobre os direitos do indivíduo.
No artigo 2.°, mantendo-se embora quanto à publicação e circulação o princípio da liberdade consignado no artigo 1.°, estabelece-se mais uma restrição — «salvo se clandestinos ou quando atentem contra a moral e os bons costumes».
Deste modo, como sucede em relação ao § 1.° do artigo 1.°, é nítida a preocupação de coordenar os interesses pessoais do indivíduo a livre difusão das ideias com os direitos da colectividade a ser defendida contra a guerra, os processos de subversão, os actos que atentem contra a moral e os bons costumes.
O mesmo pensamento está na base do artigo 3.°, quando proíbe a propriedade de empresas jornalísticas por parte de estrangeiros e de sociedades por acções ao portador.
Na verdade, dada a importância dos meios de informação, o Estado, em razão da sua segurança interna, não pode deixar de acautelar-se quanto à interferência de estrangeiros que podem ser levados a defender interesses que não coincidam com os do país em que a empresa exerça a sua actividade.
Para, facilitar o apuramento da responsabilidade, «no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato» (artigo 7.°).
O capítulo II da Lei n.° 5220 regula o registo das empresas de informação e as sanções pela sua falta, considerando-se clandestina a publicação feita por empresa que não esteja devidamente registada.
No capítulo III trata dos abusos cometidos mo exercício dessa liberdade, considerando crimes na exploração ou
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utilização dos meios de informação os previstos nos diferentes artigos desse capítulo.
As infracções previstas no artigo 16.° respeitam a notícias falsas, deturpadas ou truncadas.
Se os factos, embora verdadeiros, são deformados por acréscimos ou omissões com vista a formar uma convicção falsa, o seu autor comete uma infracção passível de sanção penal, desde que a notícia falsa ou o facto verdadeiro truncado ou deturpado provoquem:
I) Perturbação da ordem pública ou alarme social;
II) Desconfiança do sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica;
III) Prejuízo do crédito da União, do Estado, do distrito federal ou do município;
IV) Sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro (artigo 16.°).
O artigo 20.° pune a calúnia que a lei considera como a imputação falsa de um facto definido como crime.
A lei brasileira admite a prova da verdade, salvo se do crime imputado, embora de acção pública, o ofendido haja sido absolvido por sentença irrecorrível.
Quanto à difamação — imputação de facto ofensivo da reputação —, a excepção da verdade somente é admitida pela lei brasileira em dois casos:
a) Se o crime é cometido contra funcionário público, em razão das funções ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;
b) Se o ofendido permite a prova.
No capítulo IV consignam-se as disposições relativas ao direito de resposta (artigos 29.° a 36.°).
A responsabilidade penal é objecto do capítulo v (artigos 37.° a 48.°) e divide-se em três secções: Secção I — Dos responsáveis; Secção II — Da acção penal; Secção III — Do processo penal.
O Brasil adopta o regime de responsabilidade sucessiva desde 20 de Setembro de 1830, princípio a que se tem reservado fiel, ao passo que a França, que o adoptara, passou depois para o de responsabilidade solidária ou de co-responsabilidade, fixando-se em seguida num tipo de responsabilidade mista que consigna a responsabilidade solidária e a sucessiva.
À face da legislação brasileira, o autor é o primeiro responsável, salvo se a reprodução da notícia ou do comentário é feita sem o seu consentimento, hipótese em que responde pelo abuso quem os reproduzir.
Mas se o autor está ausente do puís, não é idóneo ou não está identificado, a responsabilidade é transferida para o director ou redactor-chefe do programa noticioso, da reportagem, dos comentários, debates ou entrevistas em emissoras.
Ao passo que da lei anterior (Lei n.° 2083, de 12 de Novembro de 1953) constava apenas um artigo respeitante à responsabilidade civil (artigo 14.°), que dispunha: «Além das penas criminais, o condenado por delitos de imprensa ficará sujeito a pagar ao ofendido as perdas e danos que, na forma de direito civil, forem regularmente apurados», a nova lei consagra-lhe o capítulo VI (artigos 49.° a 57.°).
A lei brasileira prevê as hipóteses em que, havendo dolo ou culpa, há lugar a ressarcimento dos (danos morais e materiais. (Nos casos previstos no artigo 16.°, n.°s II e IV, no artigo 18.º e nos de calúnia, difamação ou injúria).
Nos demais casos só podem ser reclamados os danos materiais.
Quanto à excepção da verdade, esta não pode ser arguida, nem provada, ainda que o facto seja verdadeiro, no processo civil, se o mesmo se refere à vida particular do ofendido e se a divulgação não apresenta um evidente interesse público (cf. Freitas Nobre, Lei da Informação).
O capítulo VII (artigos 58.° a 77.°) contém as disposições gerais da lei.
Destas convirá salientar o artigo 61.° respeitante à apreensão de impressos que:
I) Contiverem (propaganda de guerra ou de preconceitos de raça ou de classe, bem como os que promoverem o incitamento à subversão da ordem pública e social;
II) Ofenderem a moral pública e os bons costumes.
A apreensão será feita por ordem judicial.
No caso de reincidência, o juiz, além da apreensão, poderá determinar a suspensão da impressão, circulação ou distribuição do jornal ou periódico.
Ainda quando a situação reclamar urgência, a apreensão poderá ser determinada, independentemente de mandado judicial, pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores (artigo 63.°)
C) Espanha
40. Em Espanha, as Cortes de 1812 enxertaram na Constituição de Cádis a disposição que reconhecia a todos os espanhóis a liberdade de «escrever, imprimir e publicar as suas ideias políticas sem necessidade de licença, revisão ou aprovação alguma anterior à publicação».
Dois anos depois foi restabelecida a censura.
Em 1844, 1859 e 1887 publicam-se novas leis que alteram profundamente o regime jurídico da imprensa; umas vezes a liberdade de expressão vai até à anarquia, outras adopta-se a mais rigorosa censura.
A Lei de 7 de Março de 1867 foi publicada sendo Presidente do Governo o jornalista Luis González Bravo, que no jornal que dirigia se tornara notado pela virulência dos seus ataques às pessoas e às instituições. Considerada a que continha mais restrições de todas as que vigoraram neste país, durante a sua vigência deixaram de publicar-se a maior parte dos jornais.
Em 7 de Janeiro de 1879, foi publicada a lei que durante muitos anos regulou em Espanha o exercício da liberdade de pensamento pela imprensa.
Principais tópicos desta lei: a publicação de qualquer jornal não se poderia fazer sem comunicação prévia ao governador da província ou ao «alcaide». Os proprietários e administradores, além de cidadãos espanhóis, deviam pagar um mínimo de contribuição predial ou industrial. Duas horas antes da distribuição deveriam ser entregues às entidades referidas na lei exemplares do jornal.
Os delitos de opinião, que eram numerosos (artigo 16.°), podiam acarretar a suspensão e até a supressão do jornal. O julgamento era feito por tribunais especiais.
Proclamada a II República, a Constituição de 1931 (antigo 34.°) garantia a mais ampla liberdade de imprensa.
Simplesmente, decorrido pouco tempo, ao abrigo da lei de defesa da República, foram suspensos num só dia 1/14 diários e 14 revistas. As suspensões dos jornais, algumas determinadas por ordem verbal ou telefónica, chegaram a durar 100 dias. (Cf. Espanha 66 — Libertad de Prensa y Imprenta, pp. 72 e 73.)
O regime actual manteve, durante muitos anos, as Leis de 26 de Junho de 1883 e de 22 de Abril de 1938 que, fundamentalmente, regulavam o exercício da liberdade de imprensa.
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«A necessidade de acomodar as normas jurídicas constantes daquelas leis às actuais aspirações da comunidade espanhola dos tempos presentes» (España 66, p. 83) levou o Governo a elaborar um projecto em que se conjugasse o exercício da liberdade de imprensa com as exigências do bem comum e da paz social.
Tanto o projecto como a lei em que se converteu inscrevem-se na ideia da liberdade compatível com a ordem, porquanto, como disse Franco, «na desordem naufragam todas as liberdades».
Que não era fácil a tarefa de redigir e publicar uma nova lei de imprensa que substituísse a de 1938, publicada em plena guerra, resulta do longo período da sua gestação.
Assim, criada por decreto de 18 de Junho de 1959 a comissão que devia elaborar o projecto que serviria de base à nova lei, e tendo o Chefe do Estado, na abertura da VII Legislatura das Cortes espanholas, em Junho de 1C61, anunciado a publicação da lei, só em 5 de Fevereiro de 1964 o que o ante-projecto estava em condições de ser remetido ao Conselho Nacional da Imprensa.
Por isso, quando, em Agosto de 1965, o projecto foi remetido às Cortes, já se havia colhido o parecer dos representantes dos interesses profissionais mais directamente afectados pela lei.
Nas Cortes o projecto foi objecto de largo debate, tendo sido apresentadas e defendidas 377 emendas.
Assim, a proposta elaborada pelas Cortes espanholas veio a converter-se na Lei de 12 de Março de 1966.
A abolição da censura prévia, o registo público das empresas, a responsabilidade dos directores, as garantias especiais para as publicações infantis, a criação de um sistema de recursos, são, entre outros, os princípios basilares da lei, que, na opinião do Ministro da Informarão e Turismo, proporciona as bases adequadas para uma verdadeira aplicação de uma realista liberdade de imprensa que não vá contra a nossa tradição, nem contra o nosso presente, nem contra o nosso futuro, e que seja adequada ao grande momento do desenvolvimento espanhol (ob. cit., p. 76).
Em complemento da Lei de Imprensa foram publicados, entre outros, os seguintes diplomas: Decreto 743/ 1966, de 31 de Março, sobre publicações unitárias (livros e folhetos) e publicações periódicas e sua definição; Decreto 781/1966, de 31 de Março; Decreto 745/ 1966, de 31 de Março (direito de rectificarão); Decreto 746/1966, de 31 de Março (direito de réplica); Decreto 749/1966, de 31 de Março (registo das empresas jornalísticas); Decreto 750/1966, de 31 de Março (informação de interesse geral e direito a obter informação oficial); Decreto 752/1966, de 31 de Março (depósito prévio de publicações periódicas); Ordem de 31 de Agosto de 1967 (horário para a apresentação dos exemplares para depósito das publicações periódicas); Decreto 747/1966, de 31 de Março (difusão em Espanha das publicações editadas no estrangeiro); Decreto 2246/1966, de 23 de Julho (publicações da Igreja); Decreto 195/1967, de 19 de Março (Estatuto das Publicações Infantis e Juvenis); Decreto 742/1966, de 31 de Março (inscrição no registo das agências informativas); Ordem de 1 de Setembro de 1966 (concessão à Agência E. F. E. da distribuição exclusiva das notícias procedentes das agências estrangeiras); Decreto 744/1967, de 33 de Abril (Estatuto da Profissão Jornalística); Ordem de 6 de Setembro de 1968 (criação da escola oficial de jornalistas em Barcelona); Decreto 744/1966, de 31 de Março (inscrição dos correspondentes estrangeiros); Ordem de 12 de Dezembro de 1966 (inspecção das empresas jornalísticas).
D) França
41. A legislação francesa apresenta características idênticas às da legislação portuguesa, tanto no que respeita ao número de leis como à sua instabilidade. O (movimento pendular entre a liberdade e as restrições foi, porém, mais acentuado em França do que entre nós até 1881.
Coube à Revolução proclamar e inscrever nas leis o princípio da liberdade de imprensa, assim concebido:
«A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo o cidadão pode, pois, falar, escrever, imprimir livremente, tendo de responder pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei» (Declaração dos direitos do homem e do cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional, na sua sessão de 24 de Agosto de 1789).
E, se é certo que este princípio foi reafirmado na Constituição de 1793, a verdade é que o Terror e a seguir o Directório se encarregaram de o tomar inoperante.
Assim, não poucos jornalistas, pelo facto de exercerem um dos direitos mais preciosos do homem — a liberdade de expressão do pensamento —, travaram conhecimento com a guilhotina, encontrando a morte onde esperavam a salvação.
A declaração do principio da livre comunicação do pensamento e das opiniões é de 1789, mas não decorreram dois anos sem que surgissem as primeiras limitações.
Sob o Consulado e o Império a liberdade de imprensa desaparece. A Constituição do ano VIII não contém nenhuma disposição sobre a imprensa.
As actividades livreiras e tipográficas foram reguladas em termos apertados pela Lei de 5 de Fevereiro de 1810. No ano seguinte instituía-se a censura e reduzia-se a imprensa a um «serviço público» e a um instrumento de propaganda. Pelo menos era esta a situação de facto.
Com a restauração da Monarquia inicia-se uma nova fase da história da liberdade de imprensa. Luís XVIII e o seu governo proclamaram a liberdade de imprensa, que a Carta de 1814 consagrou, ao dispor: «Os Franceses têm o direito de publicar e imprimir as suas opiniões, conformando-se com as leis que reprimem os abusos desta liberdade.»
Sol de pouca duram porquanto a Lei de 21 de Outubro do mesmo ano não só sujeitou à censura prévia todas as publicações com menos de 20 folhas de impressão, como restabeleceu, em grande parte, as disposições do decreto imperial de 5 de Fevereiro de 1810 relativas às livrarias e tipografias, que não podiam abrir sem autorização prévia do Governo.
Esta lei foi completada e agravada pelas Leis de 9 de Novembro de 1815 e de 28 de Fevereiro e 30 de Dezembro de 1817.
Dois anos depois, pelas Leis de 17 de Maio, 26 de Maio e 9 de Junho de 1819, aquelas leis são revogadas, a censura é suprimida e a competência para o julgamento é atribuída ao júri. Estas leis são, por esse motivo, consideradas as mais liberais antes da publicação da Lei de 1881.
Também sol de pouco dura, porquanto, não decorrera um ano, guando a Lei de 31 de Março de 1820 veio restabelecer a censura para a imprensa periódica política, censura que a Lei de 26 de Julho de 1821 havia de tornar extensiva a todos os escritos periódicos.
Estas leis foram substituídas pelas Leis de 17 e 25 de Março de 1822. A primeira submetia à autorização prévia a publicação dos jornais políticos e criava um novo delito — a «tendência», isto é, o direito de punir pela tendência do jornal manifestada numa sucessão de artigos; a segunda atribuía aos tribunais correccionais o conhecimento
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dos delitos de imprensa, cujo julgamento pertencia ao júri pela Lei de 1819.
Com a Lei de 18 de Julho de 1828, a imprensa retoma, em grande parte, a sua liberdade: desaparecem a «tendência» e a censura facultativa; e a publicação dos jornais passa a ser feita sem automação de qualquer entidade.
Carlos X, pela Ordonnance de 25 de Julho de 1830, suspendeu a Lei de 1828 e pôs em vigor o título 1.º da Lei de 21 de Outubro de 1814, que sujeitara à censura prévia todas as publicações que tivessem menos de 20 folhas de impressão.
Com a subida ao trono de Luís Filipe, voltou a liberdade de imprensa. A nova Carta Constitucional não só assegurava aos Franceses o direito de publicar e imprimir as suas opiniões, como estabelecia que a censura não podia ser restabelecida. Pois bem: não obstante o preceito constitucional, ela havia de ser instituída em 1835 (Lei de 9 de Setembro) para as caricaturas e desenhos, ao mesmo tempo que se criavam novos delitos de opinião.
A II República, como acontecera com a Monarquia de Julho, começou por revogar a Lei de 9 de Setembro de 1835 (Decreto de 6 de Março de 1848) e por consignar na Constituição o direito à liberdade de opinião, abolindo a censura, para, pouco depois (Decreto de 11 de Agosto de 1848), estabelecer restrições mais severas do que as anteriores.
A Lei de 16 de Julho de 1850 veio exigir a assinatura do autor em qualquer artigo político, filosófico ou religioso.
No II Império as coisas não melhoraram, pois Napoleão III, submetendo a imprensa a autorização prévia e estabelecendo outras restrições, mostrou desejar continuar, nesta parte, o regime do I Império (Decreto de 17 de Fevereiro de 1852).
No entanto, pela Lei de 11 de Maio de 1868, arrepiou-se caminho. A autorização prévia foi suprimida, ao mesmo tempo que se estabelecia que a suspensão ou supressão de um jornal só podia ser decidida pela autoridade judiciária.
Com a queda do Império, a III República apressou-se a proclamar a liberdade de imprensa, a suprimir a caução para restabelecer a competência do júri (Decretos de 5, 10 e 27 de Outubro de 1870).
Mas a Assembleia Nacional, ao contrário do que costumam fazer as Assembleias, restabeleceu a caução (Lei de 6 de Julho de 1871), restringiu notàvelmente a competência do júri e alargou as atribuições do Ministério Público paradas promoções eliminais (Lei de 29 de Dezembro de 1875).
Para pôr termo à instabilidade das leis, à sua diversidade, e até à confusão derivada da existência de 42 leis, decretos e ordonnances, num total de 352 artigos, elaborou-se um estatuto definitivo que veio a converter-se na Lei de 29 de Julho de 1881, considerada durante muito tempo o mais perfeito código da imprensa «fundado nos grandes princípios liberais».
No exame na especialidade far-se-á referência a algumas das suas disposições.
No entanto, dadas as transformações verificadas no direito da imprensa a partir de 1881, a referida lei já sofreu muitas alterações e aditamentos (Lei de 12 de Dezembro de 1893, 29 de Setembro de 1919; Decreto de 30 de Outubro de 1935; Lei de 10 de Janeiro de 1936; Decretos-Leis de 21 de Abril, 6 de Maio e 29 de Julho de 1939; Lei de 21 de Junho de 1943; Ordonnances de 6 de Maio de 1944, 13 de Setembro de 1945; Leis de 31 de Dezembro de 1945, 5 de Outubro de 1946, 6 de Janeiro de 1950, 5 de Janeiro e 10 de Setembro de 1951, 25 de Março e 19 de Dezembro de 1952, 12 de Março e 8 de Dezembro de 1953, 28 de Novembro de 1955 e 4 de Fevereiro de 1958; Ordonnance de 17 de Novembro de 1958, e Lei de 28 de Julho de 1962). (Cf. Henri Blin, Albert Chavanne e Roland Drago, Traité du Droit de la Presse, pp. 4 e segs.).
E) Grécia
42. Tanto a Carta Constitucional da 1823 como a Constituição de 1827 proclamaram a liberdade de imprensa, desde que se observassem determinadas condições:
a) Não ir contra os princípios da religião cristã;
b) Não violar os princípios da moral;
c) Evitar a injúria pessoal e a calúnia.
A Constituição de ]844 manteve a liberdade de imprensa, ao preceituar:
Todos podem publicar os seus pensamentos verbalmente, por escrito ou através da imprensa, observando as leis do Estado.
A imprensa é livre e a censura é interdita.
No quadro da dinastia reinante na Grécia foi promulgada a Constituição de 1864, revista em 1911, 1952 e 1958.
Tanto na Constituição de 1864 como nas revisões que se seguiram é garantida a liberdade de imprensa. Simplesmente, as vicissitudes da vida nacional fizeram que, por dilatados períodos, ela fosse suprimida totalmente e submetidos os jornais a censura prévia. Isto sucedeu, designadamente, no período de vigência da Constituição de 1911, que, nos aspectos relativos à imprensa, foi a mais liberal de todas.
A seguir à guerra e até 1952 podem considerar-se dois períodos: um visando a protecção e liberdade da imprensa, outro em que se verificaram restrições em consequência das lutas dos partidos e das perturbações causadas pela insurreição comunista.
A Constituição de 1952, à semelhança das anteriores, proclama a liberdade de imprensa, mas em termos mais restritos do que em 1911, porquanto, após três condenações por delito de imprensa, o tribunal pode, em certos casos, ordenar a suspensão temporária ou definitiva do jornal e proibir o condenado de exercer a profissão de jornalista (artigo 14.°).
A Constituição de 1968, actualmente em vigor, insere mais restrições à liberdade de imprensa do que a de 1952, restrições que se justificam, pelo menos na aparência, por duas razões: as liberdades públicas devem ser contrabalançadas por obrigações de carácter social, introduzidas pela primeira vez na ordem constitucional; a necessidade de reforçar a defesa do Estado contra os que queiram, eventualmente, derrubar o regime social existente.
Por isso, embora se exclua a censura e qualquer medida de carácter preventivo, a Constituição prevê, em certos casos, a apreensão dos jornais e a possibilidade da sua suspensão, definitiva ou temporária, e, bem assim, a, interdição do jornalista de exercer a profissão.
Por outro lado, a Constituição em vigor habilita o legislador ordinário a determinar as regras de deontologia concernentes ao exercício da profissão de jornalista.
Mas, se a Constituição de 1968, à semelhança das constituições anteriores, consagra os princípios gerais da liberdade de imprensa, da sua regulamentação ocupa-se a legislação ordinária.
43. Tendo por título «Lei da Imprensa», foi publicado o Decreto n.° 346, de 18 de Novembro de 1969,
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que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1970 e seguia os problemas relativos à imprensa de harmonia com as novas exigências constitucionais. (Cf. Constantin Zilemenos, Droit de la Presse Hellénique.)
Diploma extenso, revogou a Lei n.° 5060/1931, que anteriormente regulava o regime da imprensa e, bem assim, as numerosas leis que haviam alterado e completado aquela lei.
Começando por estabelecer que «a imprensa é livre; cumpre uma função pública que lhe atribui certos direitos e deveres e é responsável pela exactidão dos assuntos que publica» (artigo 1.°), estende o âmbito da sua aplicação não só às publicações, mas ainda à impressão e à circulação (artigo 2.°).
O director do jornal terá de possuir determinadas qualificações, contando-se, entre elas, ser cidadão grego, não ter sido condenado por determinados crimes, possuir, pelo menos, o diploma de uma escola secundária ou profissional e residência na Grécia e na localidade onde a publicação for editada (artigo 6.°).
Os delitos de imprensa consideram-se cometidos no momento do começo da circulação, sendo puníveis mesmo que sejam cometidos por mera negligência (artigo 33.°).
A responsabilidade derivada do exercício da profissão jornalística é atribuída ao autor do texto e, independentemente de culpa, ao director e editor (artigo 34.°).
No caso de condenação por delito cometido nesse exercício, o tribunal não poderá suspender a pena (artigo 35.°, n.° 3).
Também a pena de prisão não pode, ocorrendo uma segunda transgressão, ser convertida em multa (artigo 36.°).
Os crimes são julgados por tribunais da 1.ª instância, salvo quando Lhes corresponda a pena de cinco a vinte anos, casos em que serão julgados pelos tribunais de apelação (artigo 37.°).
As sanções penais são, por via de regra, pesadas (artigos 39.° a 76.°), bastando referir que a publicação de textos, figuras ou representações destinadas a provocar actividades ou desígnios de derrubar a ordem constitucional vigente ou a. ordem social estabelecida ou a provocar um espírito derrotista acarreta uma pena de prisão entre cinco e vinte anos (artigo 49.°).
Quanto à publicação de textos, ilustrações, desenhos ou emblemas obscenos é punida com pena de prisão de dois meses a dois anos e multa entre 20 000 e 200 000 dracmas metálicas (artigo 58.°).
A lei pune ainda a publicação, entre outras, de notícias relativas a actividades anti-sociais dos menores, de notícias inexactas ou incorrectas, de textos forjados ou alterados, de notícias relativas à descrição de actos criminosos, os propósitos coactivos relativos à possível publicação na imprensa de textos susceptíveis de manchar a honra, reputação ou seriedade de qualquer pessoa, as afrontas à honra, a publicação de notícias de suicídios, o uso de títulos falsos ou enganosos e a publicação de notícias susceptíveis de abalar a confiança do público na moeda eu na economia nacional.
A publicação de textos, ilustrações ou outros meios jornalísticos que descrevam ou apresentem, sob um ponto de vista favorável, casos de roubo, mentira, preguiça, cobardia, deboche ou quaisquer outros actos condenados pela lei ou pelo código da moral, ou quando os mesmos textos passam contribuir para a corrupção da moralidade dos jovens ou abalar a consciência nacional ou revelem abandono dos valores da civilização grega e cristã, é punida com a pena de prisão não inferior a um mês e multa entre 10 000 a 100 000 dracmas metálicas, desde que outras disposições não prevejam sanção mais pesada, além do confisco da respectiva publicação (artigos 74.° e 75.°).
A lei consigna o direito da resposta, fixando o seu conteúdo, Limites e a sanção pelo seu não cumprimento (artigos 79.° a 82.°).
Em certos casos especificados é permitida a apreensão, o confisco e a suspensão das publicações, regulando a lei o processo de apreensão e as hipóteses em que o confisca ou a suspensão devem ser ordenados (artigos 85.°, 86.°, 87.° e 88.°).
A lei estabelece quais as pessoas responsáveis pelo pagamento dos danos causados, não podendo a indemnização por perdas a danos morais, fixada por sentença, do tribunal, ser inferior a 50 000 dracmas nem superior a 500 000 (artigo 89.°).
O proprietário da publicação é responsável, juntamente com as partes condenadas, pelo pagamento da importância que o tribunal conceda à parte ofendida como indemnização por perdas e danos morais (artigo 90.°).
F) Itália
44. A legislação italiana, em matéria de liberdade de imprensa, a partir do Estatuto Albertino de 1848, apresenta-se fragmentária.
Dispersa par numerosas leis especiais, reflecte as concepções políticas de cada época.
Ao fascismo, com o seu dirigismo político e cultural, corresponde um período de restrições.
Proclamada a República, a Assembleia aprovou a Constituição de 1947, em cujo artigo 21.° se estabelece:
Todos têm o direito de manifestar livremente o seu pensamento pela palavra, por escrito e por qualquer outro meio de difusão.
A imprensa não pode ser sujeita a autorização ou censura, e a retenção ou sequestro só pode ter lugar em caso de delito.
É proibida a publicação pela imprensa de qualquer manifestação de pensamento que seja contrária aos bons costumes. A lei estabelecerá procedimentos adequados para prevenir e reprimir a violação das suas normas.
O n.° 1 do artigo 21.° da Constituição, como observa Carnelluti, estabelece uma situação de igualdade dos cidadãos. O jornalista, quanto à licitude da manifestação do pensamento, está na mesma situação de qualquer outro cidadão, visto não existir uma norma jurídica que reconheça uma zona de privilégio a quem se sirva da imprensa (Carnelluti, «Diritto alla vita privata», in Rev. Trim. Dir. Pubblico, 1955, p. 5).
A imprensa, não está dependente de autorização ou censura prévia, mas essa liberdade não se estende ao seu conteúdo, pois os abusos são reprimidos frequentemente com bastante severidade.
Assim, no ca«o de difamação por meio da imprensa, a pena a aplicar será de um a seis anos e multa, não inferior a 100 000 liras (Lei de 8 de Fevereiro de 1948, artigo 13.°), tendo o ofendido direito a ressarcir-se do dano.
O quantitativo da reparação é determinado em função da gravidade da ofensa e da difusão do escrito (citada lei, artigo 12.°).
A Lei de 8 de Fevereiro de 1948, ainda em vigor, depois de definir o que deva ser considerado como imprensa, estabelece normas sobre algumas indicações obrigatórias, como sejam as relativas ao director responsável, ao proprietário e ao registo do jornal, sobre o direito de resposta e rectificação e à reparação, estabelecendo para os crimes
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de imprensa o princípio da responsabilidade solidária do autor, do proprietário da publicação e do editor (artigo 11.°) sobre a difamação e a pena aplicável, as publicações, destinadas à infância e à adolescência, a imprensa clandestina, a competência para o julgamento, etc.
A Lei n.° 69, de 3 de Fevereiro de 1963, criou a Ordem dos Jornalistas e definiu os seus direitos e deveres, contando-se, entre estes, «o respeito da verdade substancial do facto e a observância dos deveres impostos pela lealdade e boa fé». Este lei foi regulamentada em Fevereiro de 1965.
C) Uruguai
45. A liberdade de imprensa no Uruguai está regulada pela Lei de 24 de Junho de 1938, a qual, no artigo 1.°, esclarece:
É inteiramente livre a expressão do pensamento por meio da imprensa, dentro dos limites estabelecidos na Constituição e na presente lei.
Não há censura, autorização ou caução prévia à publicação. No entanto, esta não poderá efectuar-se sem que os editores apresentem no Ministério da Instrução Pública uma declaração relativa ao título da publicação, ao nome do redactor responsável e do proprietário e à razão social da oficina em que se efectua a impressão.
A lei assegura o direito de resposta ou rectificação, cujo exercício não exclui as acções penais ou civis consequentes dos delitos de imprensa.
Estes são classificados de graves, especiais e leves.
Constitui delito grave, entre outros, a divulgação pela imprensa de factos qualificados como delitos pelo Código Penal, a divulgação de má-fé de factos que possam ocasionar alarme público, alterar a ordem, causar evidente prejuízo aos interesses económicos do Estado ou prejudicar o crédito nacional exterior ou interior, a excitação de desrespeito pelo Estado e seus poderes, pela bandeira ou pelo hino nacional, a apologia de pessoas processadas e condenadas sob a imputação de haverem cometido crimes previstos no Código Penal.
A circulação de publicações periódicas estrangeiras pode ser proibida pelo Ministro do Interior, competindo a polícia proceder à sua apreensão.
A lei especifica quem são os responsáveis pelos delitos graves e leves e fixa as respectivas sanções. A circunstância de o delito se praticar por meio da imprensa funciona como agravante, nos termos do disposto no artigo 50.° do Código Penal.
No caso de o redactor responsável de um diário de publicação periódica ou o gerente de uma empresa cometerem por três vezes, no prazo de um ano, algum dos delitos previstos nos artigos 20.° e 21.° da lei (delitos graves ou leves), pelos quais hajam sido condenados, o Ministério da Instrução Pública notificará o diário ou empresa para fazer uma nova declaração, designando, conforme o caso, outro redactor ou gerente responsável.
A lei fixa ainda a competência dos tribunais para conhecer dos delitos de imprensa, bem como a forma do processo, diferente, conforme se trate de delitos graves ou leves, mas orientada no sentido de se obter uma decisão rápida.
CAPÍTULO V
Da censura
46. A censura é muito antiga, pois já existia no tempo dos Gregos e dos Romanos.
Em Atenas houve quem a declarasse a «guardiã das leis e dos costumes». Platão, em A República, defendeu a necessidade de uma lei que impossibilitasse os poetas dramáticos de minimizarem o que o Estado tivesse por legítimo, justo, belo e honesto. Daí o haver preconizado a proibição de representações antes de as respectivas obras serem examinadas pelos censores.
Esparta confiou a censura à experiência e moderação dos anciãos.
Em Roma, a «censura», que começou por ter meras funções administrativas (repartição de taxas e organização do censo), depressa passou a desempenhar outras mais importantes: magistrados denominados «censores» tiveram a seu cargo a tarefa de corrigir os abusos que a lei não houvesse previsto ou as faltas que os magistrados ordinários não pudessem punir. A sua existência, com o objectivo referido, levou Montesquieu a considerar a «censura como um dos elementos mais poderosos da força civilizadora do povo romano», através da «disciplina, austeridade e observância dos bons costumes».
Em França deparamos com a censura cerca de duzentos anos antes da descoberta da imprensa (1459). Uma determinação de 1275 colocou os livreiros sob a vigilância da Universidade e estabeleceu o exame prévio para evitar a circulação de cópias cheias de erros. Em 1543 apareceu em França o primeiro Index des livres défendus; em 1559 o Index Librorum Prohibitorum.
O Concílio de Trento (1564) actualizou o Index.
Por um edicto de Luís XIII (1624) apenas as obras religiosas continuaram a ser submetidas ao exame prévio das entidades eclesiásticas. Para as outras obras foi organizada a censura laica (1629), sistema que havia de subsistir até à queda da Monarquia.
Ao mesmo tempo, a Inglaterra instituía a censura como arma do poder civil. É conhecida a luta empreendida pelo Parlamento contra os «panfletos, os libelos escandalosos ou sediciosos publicados contra o Governo e a Religião». As imprensas clandestinas eram destruídas.
47. A Revolução Francesa, assegurando a livre expressão do pensamento e abolindo a censura, inicia uma nova fase.
Com a proclamação do direito do cidadão a falar e escrever livremente, assiste-se a uma verdadeira erupção de jornais. Contam-se por centenas, de todas as cores e matizes. «Realistas ou populares, elegíacos ou satíricos, moderados ou desenfreados, destilando veneno ou distribuindo injúrias, semeando o erro, servindo a calúnia, proclamando a verdade, dando um eco a todas as paixões, fazendo abater um relâmpago sobre todas as ideias e reunindo, num fantástico concerto, todos os ruídos da Natureza, desde o rugir do leão até ao grito dos pássaros.» (Cf. Louis Blanc, Histoire de la Révolution.)
Esta euforia havia de durar pouco e havia de custar muito caro.
Em Maio de 1792, Marat é acusado de ter excitado o exército a assassinar os generais. Dois meses depois, a Assembleia encarrega o Poder Executivo de reprimir severamente a audácia dos panfletários e dos jornalistas.
A 10 de Agosto do mesmo ano, é dado o golpe de misericórdia nos jornais constitucionais e realistas. A Comuna de Paris decreta:
Os envenenadores da opinião pública, nomeadamente os autores 3e diversos jornais contra-revolucionários, serão presos e as suas imprensas, caracteres e instrumentos distribuídos pelos editores patriotas.
Não decorreu um ano sem que aqueles a quem foram atribuídos os despojos dos jornais espoliados não fossem, por sua vez, vítimas do mesmo processo.
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Tomando à letra as palavras de Saint-Just, «não há liberdade para os inimigos da liberdade», a imprensa revolucionária recusava aos inimigos a liberdade que tantas vezes invocara em seu benefício. As palavras de Tácito, «os facciosos servem-se da liberdade para alcançar o poder e calcam-na aos pés desde que são senhores», não haviam perdido a actualidade. Camille Desmoulins, redactor do «Vieux Cordelier», foi guilhotinado em 1 de Abril de 1794, dando por esta forma um desmentido trágico aos seus instigadores que haviam inscrito a liberdade de imprensa no artigo 7.° da declaração de 24 de Julho de 1793 e garantido o seu exercício indefinidamente no artigo 122.° da Constituição» (cf. Georges Burdeau, Les Libertes Publiques, 3.ª edição, 1966, p. 226).
A situação pendular da liberdade de imprensa e da censura, agora uma, logo outra, havia de perdurar dinamite os três primeiros quartéis do século XIX, atravessando os regimes políticos mais diversos — I Império, Restauração, II Império, República.
Durante a Restauração (fins do primeiro quartel do século XIX), Chateaubriand escrevera: «Da descoberta da imprensa até àquela data, contavam-se doze anos de liberdade de imprensa e todos os outros de censura». Isto em França. Mas a afirmação poderia fazer-se em relação a outros países em que a censura, alternando com a liberdade, tem acompanhado, nas suas mais variadas formas, a vida pública.
48. Nos países comunistas a censura não reveste a forma com que se apresenta nos países do Ocidente. A diferença provém do facto de toda a publicação emanar do Estado ou depender dele.
Já em 1930, pela pena de Kaganovitch, o jornal Pravda publicam a seguinte informação:
A imprensa é, simultâneamente, uma organizadora de massas, um instrumento de leitura, uma arma de propaganda e, naturalmente, também uma arma de agitação política.
Kusmichev é ainda mais explícito quando escreve:
Todas as dissertações sobre informação completa e objectiva não passam de uma hipocrisia liberal. O fim da informação não consiste em comercializar as notícias, mas antes em educar a grande massa dos trabalhadores, organizá-los, sob a direcção do partido, tendo em vista objectivas totalmente definidos. A liberdade, a objectividade da imprensa, não passam de ficção. A informação é um meio de luta de classes, não é um espelho a reflectir objectivam emite os acontecimentos.
Nos países ocidentais a censura é aceite, de um modo geral, para a imprensa durante a guerra e nos períodos de crise, para os filmes e ainda que mais mitigada e discreta, para as representações teatrais.
49. E em Portugal? A partir do século XVI existiram no nosso país três espécies de censura: a do Ordinário (episcopal); a do Santo Oficio (inquisitorial); a regia (temporal).
Por alvará de 20 de Fevereiro de 1537. D. João III concedeu a Baltasar Dias privilégio para as suas obras, ficando com a obrigação de as apresentar à censura do mestre Pedro Margalho.
O Cardeal D. Henrique, em 1540, nomeou uma comissão de três frades de S. Domingos de Lisboa para procederem à censura das obras a imprimir.
O alvará de 4 de Dezembro de 1576 estabeleceu que não se imprimiriam livros «sem licença de el-rei e sem primeiro serem vistos na Mesa do Desembargo do Paço, posto que sejam vistos e aprovados pelo Santo Ofício e pelos Ordinários». Era a afirmação do predomínio da censura régia, que se havia de acentuar mo tempo das Filipes.
Foram publicados seis índices. No Índice de 1551, o segundo na ordem cronológica, figuram o Dom Duardos e o Auto dos Físicos, de Gil Vicente.
Os Lusíadas tiveram «licença da Santa Inquisição e do Ordinário».
50. A Real Mesa Censória foi criada por alvará de 5 de Abril de 1768. A tríplice intervenção da Inquisição, do Ordinário e do Desembargo do Paço desaparecia em favor do despotismo de listado de Pombal. Os censores passaram a ser régios.
Em 1787, a Real Mesa Censória foi substituída pela Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, que, decorridos seis anos (1793), havia de ser dissolvida, confiando-se as suas funções a três autoridades (pontifícia, real e episcopal).
Esta nova situação, em que o predomínio do Desembargo do Paço, no que respeita à censura, era a nota dominante, prolongou-se até ao liberalismo.
Na resenha histórica da legislação portuguesa sobre os antecedentes da liberdade de imprensa em Portugal já se fez referência aos diplomas sobre a censura publicados a partir de 1820.
51. Em tempo de guerra a censura assume papel de relevo e é geralmente tida como um mal necessário.
Na Grã-Bretanha, na última guerra, a censura militar assumiu um carácter voluntário, só possível em razão das mádidas penais de extrema gravidade aplicáveis aos jornais que não evitassem os assuntos relacionados com o esforço de guerra e que lhes estavam defesos.
De resto, o regime de autocensura tem sido adoptado noutros domínios. Em 1968, foi abolida no Reino Unido a censura teatral, passando os espectáculos teatrais a estar sujeitos às leis comuns no que se refere a obscenidade, sedição e incitamento racial. A rainha e os herdeiros deverão merecer o respeito dos autores e intérpretes, aos quais é igualmente vedado incitar o público a desrespeitar o Governo. (Cf. Dr. José Fernando Nunes Barata, «Evolução histórica da censura», in Informação Cultura Popular e Turismo, n.° 4, Outubro-Dezembro de 1970, pp. 37 a 61.)
CAPITULO VI
Dos jornalistas
52. «As leis, verdadeiramente, fazem-nas os homens que as executam», disse Salazar.
Parafraseando aquelas palavras, da imprensa se poderá dizer o mesmo: não é a lei que a faz, são os jornalistas. A própria lei de imprensa será, como sublinhou o procurador Adolfo Muñoz Alonso quando da discussão do projecto que veio a converter-se em Espanha na Lei de 18 de Março de 1966, «o que os jornalistas queiram fazer dela. O que importa é o homem».
Mas quem é o jornalista? Stéphane Lausanne, no seu livro Sa Majesté la Presse, responde por esta forma à pergunta:
Não é jornalista quem quer. Não se torna jornalista quem tal pretende. O jornalista não é o dramaturgo que, por acaso, escreve um artigo, nem o
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político que habitualmente escreve uma centena. Não o é também o académico que, instalado no seu escritório, longe do tumulto da multidão, discorre acadèmicamente sobre os acontecimentos distantes. O jornalista é aquele que só faz jornalismo, que traz tudo para o seu jornal, que só trabalha para o seu jornal, que corre o mundo para o seu jornal, e que, quando a noite tomba e quando todos dormem ou se divertem, se debruça sobre as provas ainda húmidas ou sobre o chumbo ainda quente, e põe o melhor do seu cérebro na confecção de um número de jornal. O jornalista é, numa palavra, aquele que não tem outro ofício senão o de jornalista.
53. Ao lado dos jornalistas profissionais, desempenhando por forma que jamais será devidamente louvada as funções correspondentes à sua categoria, que asseguram a vida do jornal sem olhar a horas de trabalho, correndo o risco de guerra, que à verdade e rapidez da informação sacrificam, sendo necessário, a própria vida, existiram outros jornalistas que, sem estafem ligados por qualquer contrato, prestigiaram, por igual, o jornalismo e as mais diversas actividades a que se consagraram.
Entre outros, podem citar-se os nomes de António de Sousa Macedo, jornalista do século XVII, Herculano, Carreto, Rodrigo da Fonseca, José Estêvão Coelho de Magalhães, António Luís de Seabra, Pinheiro Chagas, Oliveira Martins, Mariano de Carvalho, Rebelo da Silva, Antero de Quentail, Magalhães Lima, João Chagas, Teixeira de Vasconcelos, Bento Carqueja, Eduardo Schwalbach, Moreira de Almeida, Raul Brandão, Carlos Malheiro Dias, Henrique Lopes de Mendonça, Homem Cristo, Agostinho de Campos, Júlio César Machado, Rodrigues Sampaio, António Enes, Emídio Navarro, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Eduardo Coelho, padre Sena Freitas, Marcelino Mesquita, Fialho, Moniz Barreto, José de Apoim, Brito Camacho, Mayer Garção, Alberto de Oliveira, Fernando de Sousa, Joaquim Manso, Marques Guedes e Júlio Dantas.
Jornalistas admiráveis e admirados em qualquer país, o seu talento não se extinguiu: pela clareza do seu estilo, pela limpidez do seu raciocínio, pelo sentido das proporções, pela oportunidade da crítica, pela riqueza e multiplicidade das suas facetas literárias. Há que conservar alto o facho que nos legaram.
54. Falando na Academia das Ciências de Lisboa por ocasião da comemoração do tricentenário da Gazeta, primeiro periódico noticioso publicado em Portugal, que no sen primeiro número deu, entre outras notícias, a relativa aos feitos de armas portuguesas em Trás-os-Montes, Joaquim Manso ocupou-se, com a autoridade que provinha no seu alto magistério na imprensa, dos vícios e das virtudes do jornalismo, enumerando as qualidades que a profissão requer: «O jornalismo exige clareza mental, bom senso, visão rápida e segura, sentido moral agudo, a fim de não misturar, na forja em que têm de trabalhar, o certo com o incerto, a paixão cega com a tolerância amável, o episódio inventado com a realidade bem observada.»
Se se lhe juntar a concisão e sobriedade na notícia, o escrúpulo no apuramento dos factos, a selecção dos assuntos, o respeito pela verdade, pela vida privada e Peia honra das pessoas, ter-se-á completado o retrato de jornalista perfeito.
55. Mas o exercício da profissão ainda se reveste de outros aspectos: a preparação profissional e a deontologia contam-se entre os mais significativos.
Ainda que se exija do jornalista larga cultura geral, poder de síntese, facilidade de improvisar, capacidade para distinguir a verdade da mentira, o essencial do acessório, ele tem sido fundamentalmente um autodidacta, que, mercê das suas qualidades, se formou na dura escola da vida.
Em Portugal, ao contrário do que se passa na vizinha Espanha e em tantos países, não existem escolas destinadas à formação de jornalistas em que se ministrem os conhecimentos culturais e técnicos de utilização corrente no exercício da profissão.
Para preencher esta lacuna, o Sindicato Nacional dos Jornalistas, sempre atento na defesa dos interesses profissionais, elaborou um projecto do ensino de jornalismo em Portugal, o qual, depois de aprovado pela respectiva assembleia geral, foi entregue ao Sr. Ministro da Educação Nacional em 4 de Fevereiro findo.
No acto da entrega, o presidente da direcção do Sindicato Nacional dos Jornalistas, falando em seu nome, teve ocasião de acentuar:
Reivindicam o ensino do jornalismo ao nível superior, porque, no contexto actual da profissão, o conhecimento transmitido no interior das redacções ou adquirido pela via do autodidactismo já não responde às exigências decorrentes da crescente complexidade da informação responsável.
E acrescentou:
Um jornal não é uma Universidade, mas também não deve ser uma exposição de imbecilidades, um estendal de propaganda ou uma fábrica de imprecisão. Tal ensino é necessário, é possível e é condição imprescindível a que o povo português disponha da informação a que tem direito e o progresso do País não pode dispensar.
Considera-se, de facto, da maior importância que se cuide do ensino do jornalismo a nível adequado. Com efeito, a preparação profissional do jornalista já não pode ter base no empirismo dos conhecimentos transmitido na redacção, ou, no melhor dos casos, no autodidactismo. Visa. de algum modo. resolver o problema a base III da proposta de Lei n.° 5/X sobre ensino politécnico (cf. Actas da Câmara Corporativa, n.° 13, de 9 de Janeiro de 1970), em que se prevêem cursos no sector da informação.
Como a lei de imprensa será o que fizerem dela os jornalistas, há o maior interesse em valorizar a profissão, a fim de estar à altura da função social que lhe compete desempenhar. Por outro lado, torna-se necessário preparar os jornalistas para resistir a dois dos maiores flagelos da imprensa: o sensacionalismo e a intolerância.
56. Numa entrevista que concedeu a António Ferro, o qual se queixava da continuação do regime de censura prévia à imprensa, Salazar sugeriu-lhe a criação de uma ordem dos jornalistas, que, à semelhança da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Advogados, acautelasse a dignidade da profissão, sendo os próprios jornalistas a fiscalizar o cumprimento das normas de ética profissional, aplicando sanções àqueles que cometessem abusos (cf. Diário de Notícias, de 20 de Dezembro de 1932).
O principal argumento que se poderia invocar contra a criação de uma ordem dos jornalistas é o de que seria difícil dar-lhe um estatuto semelhante ao das ordens tradicionais.
Dadas as dificuldades da sua constituição, têm sido procuradas para o problema outras soluções, aliás compatíveis com a existência de uma ordem de jornalistas.
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Entre elas, citar-se-á a elaboração de um código de deontologia como instrumento capaz de assegurar auto-contrôle eficaz da profissão, acautelando os interesses do público e das próprios jornalistas ou a constituição de «tribunais de honra» formados por membros designados pelas empresas, pelos sindicatos profissionais e pelos Poderes Públicos.
Entre as regras a inscrever em um código de deontologia contam-se: a exactidão da reportagem; as notícias não devem ser deliberadamente deformadas, como não deve haver supressão de elementos essenciais; a separação das notícias e dos comentários; as críticas ou comentários devem ser escritos com espírito construtivo e com o propósito de servir o interesse público; a crítica deve evitar a calúnia. Todos os códigos de ética enumeram como grave falta aos deveres profissionais: a calúnia, á difamação, as acusações sem provas
Para velar pela aplicação destes princípios e de outros análogos, tem-se preconizado a constituição de tribunais de honra, perante os quais as pessoas ofendidas poderiam queixar-se. Esses tribunais, constituídos por directores, editores e jornalistas, deviam ser presididos por pessoa estranha à profissão, de preferência por um magistrado, como acontece na Suécia e na Holanda.
Em alguns países, como na Alemanha Federal, Áustria, Turquia e Coreia do Sul, existe uma comissão de ética jornalística composta de cinco jornalistas e de quatro outros membros que não pertencem à profissão, sendo o presidente escolhido entre eles.
Na Dinamarca funciona um Conselho de Desmentidos e Rectificação, que compreende dois membros nomeados por cada uma das organizações profissionais, sendo o presidente escolhido de entre os juizes do Supremo Tribunal de Justiça.
Na Itália também existem tribunais de honra a que podem recorrer todos aqueles que se considerem lesados.
Na Inglaterra o Press Council, que começou a exercer a sua actividade em 1953, propunha-se levar a cabo uma cruzada contra as práticas de imprensa reputadas prejudiciais, nomeadamente contra a intromissão na vida privada, a reportagem dos crimes e a exploração dos temas de carácter pornográfico.
Na Suécia a imprensa dispõe de um código de ética profissional e de um tribunal de honra. O tribunal recebe as queixas das pessoas que se julguem lesadas por qualquer publicação em jornal ou periódico, desde que renunciem a apresentá-las ao tribunal ordinário. A queixa é comunicada ao jornal visado, que dá explicações, após o que o tribunal se reúne para apreciação do caso, podendo pronunciar-se no sentido da absolvição ou no de reconhecer o jornal culpado de violação das boas regras do jornalismo. A única sanção é a publicidade. Todos os jornais, a começar por aquele que foi posto em causa, publicam geralmente as sentenças deste tribunal.
Na Turquia a imprensa adoptou ura código de ética profissional e instituiu um tribunal de honra para o aplicar.
Embora não seja possível alcançar a perfeição e eliminar todos os abusos, os jornalistas turcos reconhecem que o auto-contrôle permite proteger eficazmente os indivíduos e impor um sentido mais agudo de responsabilidade aos membros da imprensa, constituindo assim a melhor garantia da liberdade que se deseja.
O Conselho Alemão da Imprensa tem por principais tarefas:
1) Proteger a liberdade de imprensa e assegurar um acesso integral às fontes de informação;
2) Dar a conhecer e eliminar os abusos do jornalismo;
3) Observar a evolução da estrutura da imprensa, com vista a deduzir a sua oposição à constituição de grupos ou monopólios susceptíveis de pôr em perigo a sua liberdade;
4) Representar a imprensa junto do Governo, do Parlamento e da população. (Cf. Conseils de Presse et Codes d'Honneur Professionnels, Institut International de la Presse, p. 12.)
O Conselho entende que a defesa da liberdade de imprensa engloba não só a resistência às decisões das autoridades, quando ilegais, mas também a luta contra os abusos da liberdade, porquanto «uma liberdade de imprensa sem restrição é inconcebível, por conduzir à anarquia».
O Conselho da Imprensa da Áustria definiu paira si tarefas idênticas às do Conselho Alemão. Em especial tomou sobre si o encargo de revelar os abusos da imprensa, em particular no domínio das reportagens sobre, crimes e problemas sexuais e, bem assim, quanto às intromissões na vida privada das pessoas, inspiradas na busca do sensacional, com o fim de serem tomadas as providências necessárias para eliminar esses abusos.
Na Bélgica, depois da 2.ª Guerra Mundial, constituiu-se a Comissão Permanente de Deontologia Profissional, que conhece das faltas contra a dignidade profissional, podendo aplicar penas de advertência, censura e suspensão, as quais, em casos de falta muito grave, podem ir até à irradiação do arguido dos quadros profissionais.
A publicação do «diário» do Prof. Galeazzi-Lisi sobre os derradeiros momentos do Papa Pio XII produziu em Itália uma grande reacção. A Ordem dos Médicos instaurou-lhe um processo disciplinar por violação do segredo profissional. A Federação Nacional da Imprensa Italiana, além de condenar a altitude «odiosa» do ex-médico do Papa e de exortar a imprensa a exercer sobre ela um contrôle, lembrou a propósito deste caso a declaração sobre os princípios de ética profissional, em que se estipula: «A publicação de notícias e comentários não deve perturbar a consciência moral da colectividade.»
A referida Federação, se, por um lado, se preocupa com a adopção de medidas restritivas da liberdade de imprensa, por outro, considera-as inevitáveis, se os jornalistas não tomarem verdadeira consciência da responsabilidade moral da missão de orientação e de formação que são chamados a desempenhar em relação à opinião pública.
Na Holanda foi instituído um Conselho de Jornalistas que conhece das faltas profissionais e aplica penas que, conforme a gravidade dos factos imputados, vão da advertência e repreensão à suspensão ou irradiação de membros da associação respectiva.
O Conselho compreende cinco membros: um jurista, como presidente, dois jornalistas e duas pessoas estranhas à profissão.
Assim, entre os códigos de ética sobre o exercício da liberdade de imprensa, contam-se os aprovados pela Federação Internacional dos Jornalistas, pela Associação Inter-Americana de Imprensa, pela Associação dos Editores dos Periódicos Alemães, pela Associação dos Jornalistas da Austrália, pela Comissão de Deontologia da Imprensa Belga, pela Associação Coreana dos Editores de Jornais, pela Associação dos Jornalistas Israelitas, pelo Conselho Nacional da Imprensa Italiana, pela Associação dos Jornalistas Profissionais da Suécia e da Turquia.
Os seus princípios, compendiados no projecto do Código de Ética elaborado sob a égide das Nações Unidas, resumem-se, no essencial, a glosar as palavras do jornalista norte-amerieano Walter Williams:
Ninguém deveria escrever como jornalista o que não poderia dizer como gentleman.
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Informar com exactidão e verdade, servir o bem público com devoção, não caluniar nem difamar, respeitar a reputarão dos indivíduos, proceder de boa-fé, assumir a plena responsabilidade das notícias e dos comentários, salvaguardar o respeito pela honra e dignidade profissional, são, entre outras, regras que fazem parte da generalidade dos referidos Códigos. (Cf. Conseils de Presse et Codes d'Honneur Professionels.)
Eles resumem a Carta, dos Deveres do Jornalista, elaborada em França pelo respectivo Sindicato em Julho de 1918, revista e completada em 15 de Janeiro de 1938, na qual se dispõe:
Um jornalista digno deste nome assume a responsabilidade de todos os seus escritos e considera a calúnia, as acusações sem provas, a alteração de documentos, a deformação dos factos, a mentira, como as mais graves faltas profissionais; não reconhece outra que a jurisdição dos seus pares, soberana em matéria de honra profissional; só aceita missões compatíveis com a sua dignidade profissional; priva-se de invocar um título ou uma qualidade que não possua, não usa de meios desleais para obter uma informação ou surpreender a boa-fé de quem quer que seja; não recebe dinheiro de um serviço público ou de uma empresa privada onde a sua qualidade de jornalista, suas influências e relações sejam susceptíveis de serem exploradas; não põe o seu nome em artigos de reclamo comercial ou financeiro, não comete plágio, cita os confrades de que reproduz qualquer texto; não solicita o lugar de um confrade, nem provoca a sua demissão oferecendo-se para trabalhar em condições inferiores; guarda o segredo profissional; não usa da liberdade de imprensa em proveito próprio; reivindica a liberdade de publicar honestamente as suas informações; tem como primeiras regras o escrúpulo e a preocupação da justiça, não mistura o seu papel com o da polícia. (Cf. Jean-Marie Leloup, Le Journal, les Journalistes et le Droit d'Auteur, p. 215.)
57. O jornalista é uma testemunha qualificada dos acontecimentos e das correntes de pensamento, que muitas pessoas só conhecera através do seu depoimento. Testemunha do nosso tempo por obrigação profissional, é ainda um dos principais obreiros da história, de amanhã, pelo conjunto de materiais que acarreta para a mesma. Isto impõe-lhe responsabilidades especiais.
Se, em relação à testemunha judicial, o tribunal faz sentir, antes de começar o seu depoimento, a importância moral do juramento que vai prestar e o dever que lhe incumbe de ser fiel à verdade, não é de mais que em relação ao jornalista, testemunha de tudo e de todos, o tribunal da opinião pública o advirta da importância moral e social do seu depoimento e do dever que lhe incumbe de ser fiel à verdade, à justiça, à honra e ao bem comum.
CAPITULO VII
Estrutura geral da proposta de lei n.° 13/X — Lei de Imprensa
58. A proposta em apreciação é precedida de um relatório em que, a traços largos, se define o objectivo das bases que a constituem.
Partindo do principio de que o exercício de um direito tem naturalmente, os limites da sua função social, a proposta assegura a liberdade de imprensa de acordo com a função social desta e com o respeito dos direitos de outrem, dos interesses da sociedade e dos princípios da moral (base IV, n.° 2).
Como se escreveu no relatório, a liberdade de imprensa exerce-se «dentro dos parâmetros marcados pelo interesse superior da colectividade e pelos interesses individuais dignos de protecção».
Por outro lado, a proposta de lei assenta em duas proposições:
a) Nenhum Estado pode hoje conceder à imprensa uma liberdade inconfinada;
b) Na elaboração da lei de imprensa há necessidade de tomar em conta as realidades sociais.
Na verdade, estas mostram que, se todo o direito é susceptível de abuso, e da liberdade de imprensa não foge à regra.
Ao longo da história, a imprensa tem desempenhado, de um modo geral, a sua função social: defensora dos humildes e das causas nobres, estimuladora, de iniciativas fecundas, denunciadora de erros e da corrupção, refreadora de abusos, zeladora, do bem comum, respeitadora dos direitos da personalidade, tanto rua vida privada como na pública.
Mas se esta é a regra, não há dúvida de que ao lado desta imprensa há outra, ainda que esporádica, com especiais responsabilidades na anarquia revolucionária e no desregramento de costumes. Sedenta de escândalo e do sensacional, sem princípios e sem escrúpulos, esta espécie de imprensa utiliza os mais condenáveis meios: a calúnia, a difamação, a acusação sem provas, a notícia forjada ou deturpada e a própria chantagem. Para o filósofo Tarde, o «eu poder caprichoso, incorrigível, impune, constituía um dos maiores perigos do seu tempo.
Para lhe escapar só havia um meio: pôr um freio ao seu poder difamatório. (Cf. Tarde, L'Opposition Universelle.)
O quadro traçado por Waldeck-Rousseau, com referência à imprensa do seu tempo, não é menos sombrio:
A difamação deixou de ser um acidente para se transformar numa indústria; não são as ideias que se combatem frente a frente, são os homens que as defendem que são atacados pelas costas; excitam-se as paixões, exploram-se os apetites, propaga-se o ódio.» (Cf. André Toulemon. M. Grelard et J. Patin, Code de la Presse, p. 47.)
Ainda que a situação actual seja outra, pode deteriorar-se de um momento para o outro: tudo se contesta, as verdades incontroversas, a autoridade legítima, os valores morais intangíveis. As paixões humanas estão longe de se apaziguar, a sua força demolidora não diminuiu, o clima de violência mantém-se. O aumento da criminalidade, da libertinagem, do abuso das drogas e os distúrbios ocorridos nas Universidades nos últimos tempos são disso prova eloquente.
O Governo, ao elaborar a proposta em apreciação, não podia deixar de ter em conta estas e outras realidades sociais, cumprindo-lhe tomar as providências conducentes ao equilíbrio dais diferentes liberdades e à defesa do interesse geral.
59. O capítulo II da proposta põe ao lado da liberdade de imprensa e dos diferentes direitos com ela relacionados — direito de acesso às fontes de informação, direito ao sigilo profissional, direito de publicação, direito à constituição de empresais e direito de circulação de impressos — as garantias e limites da liberdade de imprensa.
Para uns as garantias são poucas e os limites excessivos; outros, pelo contrário, entenderão que de pouco valerá estabelecer limites à liberdade de imprensa se não
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se proporcionarem os meios de os tomar efectivos. Tais meios foram obtidos nos países comunistas pela socialização da imprensa: as publicações pertencem ao Estado ou dependem dele.
O artigo 71.° da Constituição da República Popular da Polónia, que «garante aos cidadãos a liberdade de palavra, de imprensa e de reunião», dispõe, igualmente, que o exercício destas liberdades é assegurado pondo a disposição do povo e das sufis organizações as tipografias, o papel, os meios de transporte e de comunicação.
«Estes poderosos meios materiais, sem os quais a imprensa moderna não pode existir, não se encontram nas mãos dos particulares ou de grupos financeiros, que, como se sabe, agem contra os interesses da maioria, mas nas mãos do Estado Popular.» (Cf. A. Rayski, «Liberté de Presse en Pologne», in L'Opinion Publique, Presses Universitaires de France, p. 880.)
Staline, mo seu discurso de 5 de Novembro de 1937, pronunciado por ocasião do jubileu da Revolução, foi claro: «Nós não temos liberdade de imprensa para a burguesia.»
E em 1948 acrescentou:
Se permitirmos que a nossa propaganda diminua de intensidade, o nosso Estado desmoronar-se-á inevitavelmente. (Cf. L'information sur l'U. R. S. S., publié par L'Institut International dela Presse, Zurique, 1952, p. 7.)
É conhecida a frase, atribuída injustamente a um grande jornalista, mas inteiramente actual para os comunistas: «Enquanto vós estais no poder, nós vos pedimos a liberdade em nome dos vossos princípios, mas quando o alcançarmos, nós vo-la recusaremos em nome dos nossos.» (Cf. Code de la Presse, de André Toulemon, p. 7.)
Nos países anglo-saxónicos as garantias de liberdade de imprensa são amplas, verificando-se, em contrapartida, uma grande severidade na punição dos abusos que se verifiquem.
Nos países latinos, mais brandos na repressão, este tem alternado com a prevenção, mudando o seu grau de país para país e, dentro do mesmo país, de época para época, umas vezes conforme o regime político, outras dentro do mesmo regime.
A censura prévia, pelo risco que apresenta) — arbítrio dos censores ou abuso do poder —, cede, de um modo geral, perante o sistema repressivo, com as garantias inerentes a qualquer regime penal.
60. A proposta, pondo de lado a censura prévia, sugere, todavia, a existência de exame prévio nos casos em que seja decretado estado de sítio ou de emergência ou ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional.
No caso de escudo de sítio, em que é nítida a supremacia militar, tal exame corresponde a uma necessidade aceite pela generalidade dos países e encontra expressão na respectiva legislação.
Nos outros casos, embora a solução não seja tão líquida, não há dúvida de que ao dever do Estado de assegurar a ordem e a tranquilidade públicas deve corresponder o direito a uma acção eficaz no campo da informação quando se correm sérios riscos de perturbação da ordem.
A conferência realizada em Genebra em 1948, em que tomaram parte 54 países membros da O. N. U. e 3 observadores, aprovou 3 projectos de convenção sobre as matérias seguintes: convenção relativa ao acesso às informações e sua transmissão de um país paira, outro; convenção relativa à instituição do direito de rectificação em matéria internacional; convenção relativa à liberdade de informações.
As liberdades enunciadas nesta última não foram aceites sem reservas, porquanto a censura é admitida em todos os Estados em situação de crise como uma manifestação normal do poder. (Cf. Université d'Aix-Marseille, Centre de Sciences Politiques de l’Institut d'Études Juridiques de Nice, L'Opinion Publique, p. 442.)
Do relatório sobre a liberdade de, informação apresentado à 16.ª sessão do Conselho Económico-Social da Organização das Nações Unidas deduz-se que, se em 1938 a censura de notícias era exercida em 48 países, este número baixou para 39 em 1948, paira voltar a subir a partir de 1952. Em 1961, 50 países aplicavam a censura e 18 proibiam a entrada de imprensa estrangeira. (Cf. Juan Beneyto, Ordenamento Jurídico de la Información.)
61. No relatório da proposta salienta-se a importância da instituição de um registo a efectuar nos serviços centrais de informação e que abranja as empresas jornalísticas e editoriais, os profissionais da imprensa periódica e os editores da imprensa periódica ou não periódica, as agências noticiosas estrangeiras e os profissionais ao serviço da imprensa estrangeira.
62. A proposta distingue a imprensa periódica da não periódica e as empresas editoriais das jornalísticas e dá especial relevo à inserção de notas oficiosas e de rectificações oficiais, como o direito de resposta.
Consigna o depósito legal e obrigatório e determina os termos em que se processa. Estabelece os requisitos das empresais jornalísticas e editoriais quanto à sua constituição, património e gerência.
63. A. proposta trata dos crimes de imprensa, sua incriminação e repressão, proporcionando, tal como o projecto, a prova da verdade dos factos imputados no caso de difamação.
Além dos crimes de imprensa previstos e punidos pela lei genial, a proposta, considera outros crimes de imprensa, punidos com as penas nela indicadas.
Em atenção à gravidade ou frequência dos crimes, pode ser determinada, não só a suspensão temporária dos periódicos e cancelada a respectiva, inscrição, mas ainda interditados do exercício da profissão os directores e redactores dos periódicos e os editores da. imprensa não periódica.
A acção penal pelos crimes de imprensa será exercida ruas termos estabelecidos no Código de Processo Penal, procedendo-se ao julgamento pelos tribunais competentes como se os crimes não fossem cometidos através da imprensa.
As decisões condenatórias por crimes de imprensa cometidos em periódicos serão publicadas gratuitamente; nos casos de absolvição ou isenção de pena, ao réu assiste o direito de fazer publicar a, respectiva, decisão à custa do denunciante.
Além dos crimes de imprensa, a proposta prevê contravenções ao preceituado em algumas das suas bases e as respectivas sanções.
CAPITULO VIII
Estrutura geral do projecto de lei n.° 5/X — Lei de Imprensa
64. No projecto de lei apresentado pelos Srs. Deputados Francisco Manuel Lumbrales José Pereira Pinto Balsemão, a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa assenta funda-
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mentalmente, no facto de ser exercida sem subordinação a qualquer forma de censura administrativa, autorização, caução ou habilitação prévia, sem outros limites que não sejam os que decorrem dos seus preceitos e daqueles que a lei impõe aos actos de quaisquer pessoas (artigo 1.°).
Como corolário do princípio estabelecido no artigo 1.°, «não serão criadas categorias especiais de crimes para punição dos actos exercidos por meio da imprensa, mas esse exercício será sempre considerado como circunstância agravante» (artigo 3.°).
Ainda nos termos da referida disposição, a responsabilidade criminal será exigida ao autor do escrito nos termos da lei geral, a qual é ainda aplicável à punição, investigação, instrução e julgamento dos factos delituosos cometidos por meio da imprensa.
Deste medo, o projecto de lei em apreciação, à semelhança do previsto no projecto elaborado por Trindade Coelho a pedido da direcção da Associação dos Jornalistas, cinge-se, no essencial, ao direito geral.
«A liberdade só é liberdade quando é geral e igual pairo todos.» Nesta conformidade, entendia Trindade Coelho que. «a imprensa só delinqúi quando ofende algum artigo da lei geral, susceptível, por sua natureza, de ser ofendido por ela».
Pelo seu projecto não havia, pois, «delito da imprensa fora dos previstos no Código Penal; a pena deve ser a deste, e o processo para a impor também o prescrito na lei geral.
E impô-la a quem? Aos que, nos termos e segundo as regras do direito geral (Código Penal, artigos 19.º a 23.º), forem autores, cúmplices ou encobridores do delito.» (Trindade Coelho, Relatório do projecto de lei de imprensa.)
Estas palavras, com pequena diferença, podiam aplicar-se ao projecto em apreciação.
65. Na lógica do sistema, parece que, como acentuou Trindade Coelho, «o melhor de tudo seria não haver lei de imprensa» — opinião partilhada, pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas, que, ao apreciar as bases fundamentais; do projecto de lei de imprensa, aprovado pela sua assembleia geral de 23 de Janeiro de 1970, suscitou a seguinte questão prévia:
Para assegurar a liberdade de imprensa não é necessária uma lei de imprensa — antes basta consagrar aquela cm diploma constitucional e facultar os meios para o seu exercício efectivo.
O problema não é novo. Discutido largamente quando dos trabalhos preparatórios da lei francesa de 1881, a solução não foi aceite pela legislação da generalidade dos países, que, remetendo embora para o direito comum na parte em que este é aplicável, define em leis próprias o regime jurídico da imprensa.
O Prof. Doutor Artur Montenegro, em discurso proferido na Câmara dos Deputados, nas sessões de 9 e 12 de Março de 1898, tratou o problema chegando à conclusão de que era inaceitável a doutrina que dispensa a existência de uma lei de imprensa. A questão, segundo o referido professor, reduz-se a examinar se os delitos de imprensa se os delitos especiais ou comuns e a decidir se devem ter parte do Código Penal ou de uma lei exclusiva da imprensa.
A regulamentação especial afigurava-se-lhe indispensável, entre outras, pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, a missão educadora da imprensa e a força de que ela dispõe dão aos delitos cometidos por tal meio um carácter particular: pode dizer-se afoitamente que o meio empregado imprime tal alcance ao acto e o torna apto para tais fins, que lhe dá, na verdade, uma natureza particular, pedindo assim disposições legais ditadas também por particulares conceitos.
Depois, devendo ser a eficácia uma das condições das penas, bem podemos entender que aos debates de imprensa devem corresponder, penas especiais, particularmente as multas e uma incapacidade de publicação por certo tempo.
Por último, a regulamentação da imprensa constitui, na verdade, um todo orgânico, em que as disposições penais hão-de harmonizar-se com as administrativas e as formas de processo; ora, se pode ter alguma unidade uma reforma compreensiva de todas estas partes, não será fácil encontrar essa imprescindível qualidade em reformas parciais e isoladas.
Distinguindo-se, pois, os delitos de imprensa de todos os outros por caracteres diferenciais e constituindo a regulamentação da imprensa um todo orgânico, nem deve a lei de imprensa vir de envolta com outra sobre a liberdade da palavra e escrita, nem formar um capítulo especial do Código Penal. (Cf. Doutor Artur Montenegro, Liberdade de Imprensa, pp. 9, 10 e 11.)
A Gazeta da Relação de Lisboa, ao referir-se ao projecto de Trindade Coelho, que, em termos idênticos aos do projecto em apreço, integrava a imprensa no direito comum, «salvas, aqui e ali, pequenas nuances, impossíveis de evitar por se tratar de uma categoria de factos especialissima e não prevista no direito penal», considerou-o muito incompleto, porquanto, «apesar de reconhecer a categoria especialíssima dos factos que constituem delitos da imprensa, limitou-se a estabelecer algumas disposições especiais, esquecendo-se, porém, das mais importantes». E acrescentava:
Afinal não há quem, pelo menos no estado actual da nossa legislação penal comum, em absoluto seja contra um diploma que em especial regule a expressão do pensamento por meio da imprensa; e não há país civilizado que o não tenha. (Cf. Gazeta da Relação de Lisboa, 24.° ano, n.° 38, p. 297.)
O próprio Trindade Coelho, jornalista e magistrado distinto, dando conta da complexidade do problema, sugeria:
Se nomearem uma comissão para dar parecer sobre o projecto, prefiram os técnicos, os profissionais do direito.
E acrescentava:
Lembro-lhes que ponham de parte utopias; problemas de direito são problemas tão concretos e positivos como os da química ou da matemática; e a Associação dos Jornalistas deve e carece de ser ideias precisas, exactas, sobre o que pretende; e só deve pretender o possível, e, dentro deste, o que for justo, sensato e viável. Tudo o mais é lavrar na areia. (Cf. Trindade Coelho, carta de 15 de Março de 1906 dirigida a Magalhães Lima, presidente da direcção da Associação dos Jornalistas de Lisboa.)
66. O projecto dá satisfação, de um modo geral, aos jornalistas, mas resta saber se assegura, igualmente, o direito do publico a ser correctamente informado, o do Estado
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a manter a paz pública e o de todos à salvaguarda da honra, da consideração e do crédito. Em razão dos efeitos derivados da publicidade e dos meios postos à disposição da imprensa, os delitos cometidos no âmbito desta tendem a aumentar, tanto no aspecto formal (clandestinidade, funcionamento não autorizado, omissão de depósito legal, etc.), como no material (ofensa a bens jurídicos tutelados do indivíduo e da sociedade).
Entre outras situações ou factos, o projecto contempla a aplicação de sanções às empresas proprietárias, editoras e noticiosas, as quais serão solidàriamente responsáveis dos factos imputados, no caso de difamação; designa o tribunal competente para ordenar a apreensão da publicação que contenha o escrito incriminado; distingue as publicações periódicas das unitárias; regula o direito de resposta; estabelece o regime jurídico das empresas jornalísticas e os requisitos exigíveis aos administradores e directores, bem como aos jornalistas; consigna os princípios do livre acesso às fontes de informação e do segredo profissional e ainda a consulta prévia em relação à publicação e difusão de quaisquer notícias de carácter militar enquanto perdurar a guerra nas províncias ultramarinas.
Todavia, os seus 18 artigos não abrangem aspectos que constam de outras leis de imprensa.
Deste modo, ou se modifica o direito comum, incluindo nele algumas das normas especiais relativas à liberdade de imprensa e à repressão dos seus eventuais abusos, ou, em caso contrário, as mesmas normas, tanto as de carácter penal como as de carácter administrativo, devem constar de um diploma especial, que geralmente é designado por lei de imprensa, com uma amplitude que o projecto não apresenta.
CAPITULO IX
Conclusão da apreciação na generalidade
67. A Câmara Corporativa, tendo em atenção, por um lado, a missão social da imprensa e a explosão da informação neste século através do seu espectacular desenvolvimento e, por outro, a relativa estabilidade da legislação penal, que não se adaptou àquele desenvolvimento, é de parecer que deverá optar-se por uma lei de imprensa nos termos apontados, sem prejuízo da aplicação do direito comum, quando aconselhável.
68. Desta resenha, necessariamente breve, visto se reservar para o exame na especialidade a apreciação de cada uma das bases da proposta e dos artigos do projecto, deduz-se que, tanto este como aquela, merecem a aprovação da Câmara na generalidade.
Considera-se, contudo, conveniente a apresentação de um contraprojecto, em que sejam ponderadas todas as sugestões úteis dos dois textos a que, na generalidade, se deu aprovação. Este método permitirá, além do mais, que sejam apreciados em conjunto ambos os textos. O contra-projecto da Câmara toma, no entanto, muito da estrutura da proposta de lei, pois esta, para além de completa, tem uma sistematização que permite adequado tratamento das matérias.
Seguir-se-á, portanto, muito de perto a proposta do Governo, no exame na especialidade, servindo esta de ponto de referência.
Serão finalmente objecto de apreciação os pontos do projecto dos Srs. Deputados e da proposta do Governo que não tenham sido contemplados no contraprojecto da Câmara.
II
Exame na especialidade
CAPITULO I
Disposições gerais
BASE I
(N.° 1 da base I da proposta e n.° 3 do artigo 1.° do projecto)
(Definição de imprensa)
69. O n.° 1 da base I da proposta de lei n.° 13/X corresponde ao n.° 3 do artigo 1.º do projecto de lei n.° 5/X, que passarão a designar-se, respectivamente, por proposta e projecto.
Nos termos do projecto entende-se por imprensa «todas as reproduções impressas, aptas a serem difundidas, que serão designadas por publicações, com excepção dos impressos correntemente utilizados nas relações sociais».
A proposta considera imprensa, para os efeitos da presente lei, «toda a reprodução de escritos ou de imagens obtida através de processos mecânicos ou químicos destinada a ser circulada, exposta, vendida ou de outra forma levada ao conhecimento do público».
Há, assim, a ter em conta dois elementos: um respeita à reprodução do escrito ou da imagem, outro à sua difusão.
Para o projecto, desde que haja, reprodução, verifica-se o primeiro requisito. A proposta, porém, só considera a reprodução quando obtida «através de processos mecânicos ou químicos».
Não é de aceitar tal exigência. Na verdade, o que interessa é a reprodução e o «eu destino, sendo irrelevante o processo pelo qual aquela foi obtida.
É certo que a Lei alemã de 14 de Maio de 1874 abrangia apenas as reproduções que, obtidas por processos mecânicos ou químicos, se destinassem ao público.
A lei italiana, por sua vez, ao definir a imprensa, abrange nela «todas as reproduções tipográficas ou obtidas de qualquer modo por meios mecânicos ou físico-químicos que se destinem à publicação». A lei grega, quanto aos processos de reprodução, alude «aos mecânicos, químicos e fotoquímicos».
Assim, aos processos mecânicos e químicos referidos na proposta, haveria que acrescentar os físico-químicos (lei italiana) e es fotoquímicos (lei grega). Ora, dada a evolução da técnica, nada permite afirmar que não surjam novos processos ou que aos existentes passe a ser dada nova designação. Por isso a referência aos processos de obter a reprodução da escrita ou da imagem, além de desnecessária, pode tornar-se fonte de confusão
A Lei francesa de 29 de Julho de 1881 abrange «todo o impresso tornado público, com excepção das obras chamadas de cidade» (impressos por conta da administração ou destinados a usos particulares c que não são susceptíveis de ser espalhados pelo comércio), não aludindo ao processo da sua reprodução.
A generalidade das leis de imprensa, por reconhecerem quanto há de perigoso c difícil em dar uma definição de imprensa, abstiveram-se de o fazer: Leis de imprensa portuguesas de 4 de Julho de 1821, 22 de Dezembro de 1834, 10 de Novembro de. 1837, 19 de Outubro de 1840 e 3 de Agosto de 1850, Decreto de 20 de Março de 1890 e a Lei brasileira de 9 de Fevereiro de 1967.
Outras, porém, definindo, embora, a imprensa omitiram qualquer alusão aos processos de reprodução.
Seguiram esta orientação, entre outras, as Leis portuguesas de 17 de Maio de 1886, 7 de Julho de 1898, 11 de Abril de 1907 e Decretos de 28 de Outubro de 1910 e
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de 29 de Julho de 1926, este ainda em vigor, a Lei do Estado de Hessen, na Alemanha Federal, de 20 de Novembro de 1958, e a Lei espanhola de 16 de Março de 1966.
Para esta última, impresso, para efeito da lei é «toda a reprodução gráfica destinada, ou que possa destinar-se, a ser difundida» (artigo 9.°).
A Lei portuguesa de 7 de Julho de 1898, que, como se vê do relatório, teve em consideração as leis alemã e francesa atrás referidas, é ainda mais sintética: «entender-se-á por imprensa, para os efeitos desta lei, qualquer forma de expressão gráfica» (§ único do artigo 1.°).
Que esta definição não suscitou dúvidas mostra-o o facto de ter passado para a Lei de 11 de Abril de 1907, que lhe aditou as palavras - seja ou não periódica — e para os decretos de 28 de Outubro de 1910 e de 29 de Julho de 1926.
O Sindicato Nacional dos Jornalistas entende que, a dar-se uma definição, ela deve ser mais ou menos semelhante à que consta do projecto ou do Decreto n.° 12 008 («qualquer forma de publicação gráfica») ou da lei espanhola «toda a reprodução gráfica destinada [...] a ser difundida».
De facto, o que interessa, fundamentalmente, é que seja expresso um pensamento, urna ideia, uma opinião, uma notícia, um comentário, com vista à sua difusão. O meio utilizado para a sua reprodução é secundário.
Já conta o destino do texto ou da imagem — acessível a um número indeterminado de pessoas, ou limitado o seu conhecimento a umas tantas e prèviamente determinadas.
No primeiro caso, saindo da esfera privada para entrar no conhecimento do público, a sua publicação entra no conceito de imprensa; no segundo, ainda que o aspecto formal seja o mesmo, a sua divulgação não é abrangida por este.
Assim, a excepção estabelecida na Lei francesa de 1881 (artigo 2.°), na lei espanhola (artigo 11.°, in finc) e na parte final do n.° 3 do artigo 1.º do projecto em apreço é de manter. Sugere-se, contudo, uma alteração de redacção, para prevenir os casos em que, a pretexto de actos da vida privada, se procurem, outros efeitos.
Deste modo, o n.° 1 da base I desdobra-se em dois números, por forma a abranger a definição de imprensa (n.° 1) e o que fica excluído da mesma (n.° 2).
Ante o exposto, a Câmara sugere para os n.°s 1 e 2 da base I a redacção seguinte:
BASE I
(Definição de imprensa)
1. Entende-se por imprensa, para os efeitos desta lei, toda a reprodução gráfica de textos ou imagens destinada ao conhecimento do público.
2. Não são abrangidas pelo número anterior as reproduções feitas em discos ou pelo cinema, radiodifusão, televisão e processos semelhantes, liem como os impressos oficiais e, dentro dos limites da sua utilização corrente, as reproduções de textos ou imagens usados na vida privada e nas relações sociais.
BASE II
(N.ºs 2, 3 e 4 da base I e artigo 7.° do projecto)
(Classificação da Imprensa)
70. O n.º 2 da base I da proposta classifica a imprensa em Periódica e não periódica.
A palavra «imprensa» — máquina de imprimir — passou a designar, por extensão, o produto dela.
A expressão «papéis periódicos», empregada pela primeira vez no Aviso Régio de 19 de Abril de 1803, apareceu depois, sob as mais diversas formas, em vários diplomas: «obras periódicas» (Alvará de 12 de Setembro de 1805); «periódicos» (Decreto de 13 de Novembro de 1823); «diários», «periódicos» e «folhas periódicas» no Decreto de 22 de Setembro de 1825.
No que respeita a «imprensa periódica», a expressão apareceu pela primeira vez na Portaria de 30 de Agosto de 1839.
A Lei de 17 de Maio de 1866 define como periódico, para efeitos da lei, «toda a estampa ou escrito, impresso ou litografado, publicado não só em dias certos mas também regularmente, que contiver doutrinas de qualquer natureza, científicas ou políticas e sociais, ou se referir a actos da vida pública ou particular de qualquer pessoa e que não exceda seis folhas de impressão» (artigo 3.°).
O Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890, assegura a liberdade de imprensa e permite a publicação de «qualquer periódico» nos termos da legislação em vigor (artigo 1.°) e alude aos «abusos da liberdade de imprensa periódica» (artigo 12.°), sem, porém, a definir.
A Lei de 11 de Abril de 1907, ao definir a imprensa como «qualquer forma de publicação gráfica., seja ou não periódica», inclui nesta «todas as publicações que não tratem exclusivamente de assuntos científicos, literários ou artísticos, cuja distribuição se faça em períodos determinados de tempo e por séries de exemplares ou fascículos» (§ único do artigo 1.°).
Os Decretos de 28 de Outubro de 1910 e n.° 12 008, de 29 de Julho de 1926, reproduzem a Lei de 1907, quanto à definição de imprensa periódica, e abstêm-se de definir a não periódica.
A Lei francesa de 1881 é omissa quanto à classificação de imprensa. A lei italiana só acidentalmente alude à imprensa não periódica (artigo 16.°), sem todavia a definir, bem como à periódica.
A lei grega contém a definição de jornal, jornal especial, periódico e periódico especial, em razão da matéria versada e do maior ou menor intervalo na sua publicação (artigo 4.°).
A lei espanhola classifica, tal como o projecto em apreciação, os impressos em publicações unitárias e periódicas, definindo umas e outras (artigo 10.°).
Segundo a proposta, a imprensa periódica é constituída pelos jornais, revistas ou outras publicações que, mantendo um título, tenham duração indeterminada e apareçam em números sucessivos, com intervalos regulares não superiores a um ano.
Quanto à não periódica, embora a ela se refira para efeitos de classificação, a proposta não a define, sendo, por exclusão, aquela que, tendo duração determinada, não aparece em números sucessivos e com intervalos regulares.
Há, assim, necessidade de mesmo correndo o risco inerente a todas as definições, de dar uma definição de imprensa periódica e não periódica.
71. Pelo exposto, sugere-se para o n.° 1 da base n a seguinte redacção:
BASE II
1. A imprensa abrange publicações periódicas e não periódicas.
Quanto ao n.° 2 da base II, a redacção, acompanhando a do n.° 3 da base I da proposta, seria a seguinte:
2. A imprensa periódica é constituída pelos jornais, revistas e outras publicações que, sob o mesmo título, apareçam em série continua ou em números sucessivos com intervalos não superiores a um ano.
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72. Quanto ao n.° 4 da base I da proposta, supõe-se ter por fonte o n.° 3 do artigo 13.° do Código do Direito de Autor, em que se estabelece: «Os jornais e outras publicações periódicas similares consideram-se obras colectivas, pertencendo às respectivas empresas o direito de autor sobre as mesmas» (cf. Decreto-Lei n.° 46 980, de 27 de Abril de 1966). Por sua vez, o artigo 9.° da Lei francesa de 11 de Março de 1957, considera publicação periódica a criada «sob iniciativa de uma pessoa física ou moral que a edita a publica e a divulga sob a sua direcção, e na qual a contribuição pessoal dos diversos autores que participam na sua colaboração se funde no conjunto em vista do qual é concebida sem que seja possível atribuir a cada um deles una direito distinto sobre o conjunto realizado».
Na verdade, o jornal, que começou por ser obra de uma só pessoa, é presentemente o resultado da colaboração de muitos: chefe de redacção, redactores, repórteres, colaboradores, fotógrafos, impressores, tipógrafos, etc., sob a orientação do director, que lhe assegura a característica que lhe é própria. Deste modo, justificando-se, embora, a presunção de «obra colectiva» estabelecida no n.° 4 da base I da proposta, a mesma deve cessar em relação a artigos assinados ou a outros que tragam a marca inconfundível do seu autor. As Farpas, Os Gatos e outros trabalhos de idêntico mérito literário ou crítico, ainda que publicados em periódicos, não se dissolvem na obra colectiva.
Assim, para evitar dúvidas quanto ao alcance da expressão «presumem-se obras colectivas», alvitra-se para o n.° 3 da base II, a redacção seguinte:
3. As publicações periódicas, ou periódicos, presumem-se obras colectivas, resultantes do trabalho de profissionais da imprensa ou da colaborarão de não profissionais, sob a responsabilidade de um director, sem prejuízo, porém, do direito dos autores à posterior publicação dos seus trabalhos.
73. Como às publicações periódicas definidas no número anterior se contrapõem as que não têm esse carácter, há necessidade de as definir, designando-as, à falta de melhor, por não periódicas.
Assim, a Câmara recomenda a inclusão na base n de um número, que passaria a ser o 4, com a seguinte redacção:
4. Nas publicações não periódicas incluem-se, entre outras, os livros e outras publicações análogas, quer editadas de uma vez, quer cm volumes ou fascículos.
Deste modo, sugere-se para a base II a redacção seguinte:
BASE II
(Classificação da imprensa)
1. A imprensa abranje publicações periódicas e não periódicas.
2. A imprensa periódica é constituída pelos jornais e outras publicações que, sob o mesmo titulo, apareçam em serie contínua ou em números sucessivos com intervalo não superior a um ano.
3. As publicações periódicas, ou periódicos, presumem-se obras colectivas, resultantes do trabalho de profissionais da imprensa ou da colaboração de não profissionais, sob a responsabilidade de um director, sem prejuízo, porém, do direito dos autores à posterior publicação dos seus trabalhos.
4. Nas publicações não periódicas incluem-se, entre outras, os livros e outras publicações análogas, quer editadas de unia só vez, quer cm volumes ou fascículos.
BASE III
(Base II da proposta)
(Empresas editoriais e Jornalísticas)
74. O texto da proposta não suscita reparos, nem eles foram formulados pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas.
Efectivamente, embora o artigo 230.° do Código Comercial só .se refira expressamente às empresas editoras de obras científicas, não há dúvida de que as empresas jornalísticas são empresas comerciais, não lhes tirando esse carácter o facto de, em parte, estarem sujeitas a normas de direito público consignadas nas leis de imprensa, em razão da sua função social.
A este propósito, escreveu o Dr. Luís da Cunha Gonçalves: «Sob o aspecto material, a empresa jornalística é um verdadeiro estabelecimento comercial e, como tal, uma universitas jurium, isto é, um conjunto de coisas unidas num todo pelo fim a que se destinam, pela mera vontade do empresário, conjunto composto de um activo e de um passivo mais ou menos extenso. Este estabelecimento pode ser transmitido por venda, doação, sucessão, usufruto, locação, etc.» (Cf. Dr. Luís da Cunha Gonçalves, O Jornal e a Sua Vida Jurídica, p. 20).
Não é, porém, sob este aspecto que a proposta inclui, nas disposições gerais, a base II referente às empresas editoriais e jornalísticas. O propósito é mais simples: distingui-las pelo objecto.
No que respeita às agências noticiosas, estando, em razão do seu objecto, mais próximas das empresas jornalísticas do que das editoriais, a sua equiparação àquelas afigura-se razoável.
Deste modo, a Câmara não tem qualquer sugestão a fazer em relação à base II da proposta, que passará a base III do contraprojecto da Câmara.
BASE III
(Empresas editoriais e jornalísticas)
1. São empresas editoriais as que tem por objecto editar publicações vão periódicas, com. distribuição directa ou através de livreiros a revendedores, o importar ou distribuir imprensa estrangeira, periódica e não periódica.
2. Constituem empresas jornalísticas as que se destinam à edição de publicações periódicas.
3. As agências noticiosas são havidas como empresas jornalísticas.
BASE IV
(Base III da proposta e artigo 12.° do projecto)
(Profissionais da imprensa periódica)
75. As leis de imprensa, tanto nacionais como estrangeiras, não contêm nenhuma definição dos profissionais de imprensa. Tem-se entendido que é matéria a regular em estatuto próprio da profissão, em que se estabeleçam não só os requisitos indispensáveis ao exercício da profissão de jornalista, mas ainda as suas categorias, direitos e deveres profissionais.
Nesta conformidade, o artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 46 833, de 11 de Janeiro de 1966, estabelece:
As formalidades a cumprir para a passagem de cartões de identidade, títulos provisórios e carteiras pro-
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fissionais mencionados nos artigos anteriores, o regime de validade dos mesmos documentos, as condições de ingresso, acesso e exercício da actividade de jornalista e as normas deontológicas da profissão serão estabelecidas em regulamento a aprovar pelos Ministérios das Corporações e Previdência Social e do Ultramar.
Todavia, desde que a proposta prevê não só o registo dos profissionais da imprensa periódica [base XII, n.° 1, alínea d)], mas ainda, verificadas determinadas circunstâncias, a aplicação de sanções aos jornalistas, há necessidade de definir, para os efeitos da presente lei, quem deve ser considerado profissional da imprensa, com os seguintes direitos e deveres.
A definição terá de ser suficientemente ampla para abranger não só os profissionais da imprensa diária, mas ainda os da imprensa, não diária, visto o Decreto n.° 49 064 permitir alargai a estes as categorias profissionais previstas no Decreto-Lei n.° 46 833.
76. O facto de a profissão passar a constituir um elemento fundamental da condição das pessoas favoreceu a tese de que o jornalista é um profissional como outro qualquer, que faz da profissão a sua ocupação principal.
Esta tese foi consagrada em França pela Lei de 29 de Março de 1935, nos termos seguintes:
Jornalista profissional é aquele que tem por ocupação principal, regular e retribuída, o exercício da sua profissão numa publicação diária ou periódica editada em França, ou numa agência francesa de informação, de que aufira a maior parte dos recursos necessários à sua subsistência.
A estes requisitos junta-se uma exigência formal: a posse da carteira profissional.
Na França, ao lado do jornalista ligado à empresa por um contrato de trabalho, existe o jornalista que, de uma forma permanente e contínua, lhe presta a sua colaboração, independentemente desse contrato.
É da essência de qualquer contrato de trabalho a subordinação de quem o presta à autoridade do respectivo chefe da empresa. Este pode dar ordens e fiscalizar a sua execução. O jornalista ligado à empresa (por um contrato de trabalho nem sempre pode escrever o que lhe apeteça, pois pode ser constrangido não só a tratar deste ou daquele assunto, mas a dar forma diferente à redacção das suas informações.
O colaborador goza. na prática, de maior liberdade no seu trabalho: não tem de comparecer na redacção ai determinadas horas e escolhe o assunto dos seus escritos, recebendo por eles a remuneração estipulada.
Todavia, o colaborador nestas condições, isto é, desde que tenha por ocupação principal, regular e retribuída, o jornalismo, tirando desta a maior parte dos seus recursos, é considerado em França como jornalista.
77. Em Portugal as diferentes leis de imprensa abstiverem-se de dar uma definição do que deva entender-se por jornalista profissional, mas já em 1924 o Sindicato de Profissionais da Imprensa de Lisboa definia como profissionais da imprensa «os redactores, repórteres, informadores, fotógrafos ou desenhadores que trabalham na imprensa diária e pela profissão auferem todos ou uma parte importante dos seus proventos».
Por despacho de 19 de Janeiro de 1(943, foram fixados, pela primeira vez, ordenados mínimos para os jornalistas, sendo considerados como tais os «que exerçam, por forma efectiva, permanente e remunerada em jornais diários as funções de chefe ou subchefe de redacção, redactor, repórter, repórter fotográfico, repórter informador ou estagiário, e estejam por esse facto sujeitos ao imposto profissional», os quais passaram a auferir, consoante a categoria profissional que tivessem e a classe do jornal em que desempenhassem as suas funções, os ordenados mínimos referidos naquele despacho.
Por outro lado, o Decreto n.° 32 633, de 20 de Janeiro de 1943, que criou a Caixa de Reforma dos Jornalistas, apenas consignou que a mesma se destinava a abranger todos os indivíduos inscritos no Sindicato dos Jornalistas.
Para o efeito do contrato colectivo de trabalho celebrado entre o Grémio Nacional da Imprensa Diária e o Sindicato Nacional dos Jornalistas, homologado por despacho de 26 de Março de 1971, e que entrou em vigor em 21 de Abril findo, consideram-se jornalistas os indivíduos que exerçam por forma efectiva, permanente e remunerada, em jornais diários de Lisboa e Porto e nas delegações, as funções a seguir indicadas e estejam por esse facto munidos da respectiva carteira profissional:
1.° Chefe de redacção — é o jornalista que, em contacto directo com todas as secções da redacção, dirige e coordena de maneira efectiva os serviços redactoriais do jornal;
2.° Subchefe de redacção — é o jornalista que coadjuva e substitui o chefe de redacção no exercício das funções que lhe são designadas;
3.º Secretário de redacção — é o jornalista que auxilia o chefe de redacção nas actividades que não se relacionem com a preparação imediata do noticiário;
4.° Redactor — é o jornalista que redige, com carácter definitivo, artigos, crónicas, reportagens e noticiário nacional ou internacional;
5.° Repórter — é o jornalista que colige elementos, obtém entrevistas, descreve acontecimentos e faz reportagens, redigindo sem carácter definitivo;
6.° Repórter fotográfico — é o jornalista exclusivamente incumbido de reportagens fotográficas.
Este contrato respeita apenas aos jornalistas dos jornais diários de Lisboa e Porto e suas delegações.
O Decreto n.° 49 064 permite alargar as categorias profissionais previstas no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 46 833, de 11 de Janeiro de 1966, aos profissionais da informação que exerçam a sua actividade em alguns sectores da imprensa não diária, na radiodifusão sonora, na televisão e na produção de documentários de actualidades cinematográficas, desde que os mesmos exerçam a sua função por forma efectiva, permanente e remunerada.
Nos termos do citado Decreto n.° 49 064, considera-se que a profissão é exercida por aquela forma quando se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) Presença habitual nos serviços ou em actividades externas devidamente definidas;
b) Exercício das funções com a vinculação inerente a um regime de trabalho regular;
c) Retribuição compatível com a categoria das funções e a regularidade do seu exercício.
Pelo Decreto n.° 46 833 foram considerados jornalistas os indivíduos que em jornais diários, jornais desportivos de publicação bi-semanal ou superior e agências noticiosas nacionais e estrangeiras desempenhem os cargos de:
1) Director, director-adjunto, subdirector e secretário-geral; ou
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2) Exerçam por forma efectiva, permanente e remunerada as funções de chefe da redacção, redactor, repórter c repórter fotográfico e façam parte dos quadros dos serviços redactoriais das empresas respectivas (artigo 2.°).
Deste modo, só são jornalistas os que exercem por forma efectiva, permanente e remunerada as funções correspondentes a determinadas categorias profissionais e estejam por esse facto munidos da respectiva carteira profissional. Os requisitos a satisfazer para a atribuição desta constam dos Decretos n.ºs 31319, de 30 de Janeiro de 1931, e 46 833, de 11 de Janeiro de 1966.
Os colaboradores, mesmo assíduos e permanentes, não são jornalistas profissionais. É certo que o Sindicato, seguindo uma velha tradição, os engloba como sócios correspondentes, com direito ao cartão que os identifica como jornalistas, mas que não substitui a carteira profissional, exclusivamente destinada aos profissionais da imprensa, pois só estes, e nessa qualidade, são sócios efectivos do Sindicato.
É evidente que o colaborador ocasional que de tempos a tempos manda um artigo para o jornal, ainda que este lhe seja. pago, não é, nem pode ser, considerado jornalista. A dúvida só se põe para o colaborador independente, que, embora não esteja abrangido por um contrato de trabalho, faz do jornalismo a sua ocupação principal, colaborando habitual e regularmente em determinado jornal ou em mais de um e tirando dessa colaboração a parte principal dos seus recursos.
78. Pelas características especiais que concorrem na actividade jornalística, esta não pode equiparar-se a qualquer indústria ou comércio em que seja exigível o contrato de trabalho e a subordinação que este implica, pelo que parece estar indicado dar-se à definição de jornalista uma maior flexibilidade, com vista a abranger todos aqueles que, ligados ou não por um contrato de trabalho, fazem do jornalismo a sua ocupação permanente, regular e retribuída, tirando dela a maior parte dos seus recursos, isto no caso dos jornais diários ou suas delegações, ou a retribuição compatível com a categoria das suas funções e a regularidade do seu exercício, no caso da imprensa tão diária, da radiodifusão, da televisão e da produção de documentários de actualidades cinematográficas.
O Sindicato Nacional dos Jornalistas, no parecer que emitiu sobre a proposta em apreciarão, diz não ser de aceitar a definição constante da base III da proposta «especialmente na parte em que se faz depender tal qualidade de um contrato de trabalho com a empresa jornalística». E, nesta parte, assiste-lhe razão.
De harmonia com o exposto, a Câmara alvitra para a base III da proposta, e para o artigo 12.° do projecto, a seguinte redacção:
BASE IV
(Profissionais da imprensa periódica)
1. Consideram-se profissionais da imprensa periódica, para os efeitos da presente lei, todos os que, habilitados com o respectivo título profissional, façam parte da direcção ou redacção de periódicos ou de agências noticiosas, desempenhando as suas funções com carácter permanente, efectivo e remunerado.
2. Em estatuto próprio serão definidos os direitos e deveres dos profissionais da imprensa periódica, os requisitos indispensáveis ao exercido da sua actividade e as respectivas categorias, por forma a salvaguardar-se a sua independência e dignidade.
CAPITULO II
Liberdade de imprensa, suas garantias c limitações
BASE V
(Base IV da proposta e n.°s 1 e 2 do artigo 1.º do projecto) .
(Liberdade de imprensa)
79. Esta base e as que se seguem até à base XIV do contraprojecto da Câmara constituem o capítulo II, subordinado à epígrafe — Liberdade de imprensa, suas garantias e limitações.
No que respeita pròpriamente à matéria da base IV da proposta esta divide-se por três sectores.
No n.° 1 considera-se a função social da imprensa no seu tríplice aspecto: de expressão do pensamento, de divulgação de conhecimentos e de difusão da informação. Em qualquer deles se deve ter em conta o proveito e o progresso colectivos.
No n.° 2 definem-se os termos em que é lícito a todos os cidadãos utilizar a imprensa: de acordo com a função social desta e com o respeito dos direitos de outrem, dos interesses da sociedade e dos princípios da moral.
Finalmente, no n.° 3 fixam-se os limites da imprensa periódica no que respeita à sua função de difundir informações, as quais, além de se circunscreverem às de fonte conhecida, devem ser reproduzidas com precisão e fidelidade e com exclusão daquelas cuja veracidade não esteja apurada ou que sejam tendenciosas ou manifestamente contrárias aos interesses nacionais.
O projecto, por seu lado, estabelece que «a liberdade do pensamento pela imprensa será exercida sem subordinação a qualquer forma de censura administrativa, autorização, caução ou habilitação prévia, nos termos da presente lei e com os únicos limites decorrentes dos seus preceitos e daqueles que a lei geral impõe aos actos das pessoas, em ordem a impedir a perversão da opinião pública, na sua função de força social, a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos» artigo 1.°).
Ainda o projecto dispõe que a imprensa exerce função de carácter público (artigo 2.°).
Deste modo, tanto a proposta como o projecto aceitam que a imprensa exerce função de carácter público (projecto, artigo 2.°) ou uma função social (proposta, base IV) e que a sua liberdade é limitada «em ordem a impedir a perversão ida opinião pública, na sua função de força social, e a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos» ((projecto, artigo 1.°), ou «de acordo com a função social da imprensa e o respeito dos direitos de outrem, dos interesses da sociedade e dos primeiros da moral» (proposta, base IV, n.º 1).
Nem poderia ser de outra forma. Na verdade, se durante a último quartel do século XVIII e na maior parte do século XIX se considerou a liberdade de imprensa, sem restrições de carácter administrativo ou penal, como o maior suporte da liberdade de opinião e da democracia, sendo os males inevitáveis que acarreta compensados largamente pelos bens inestimáveis que assegura, pouco a pouco se formou a distinção entre o direito de pensar, inato no homem, que o legislador reconhece e proclama, e o exercicio do direito que o legislador tem o poder e o dever de regulamentar com vista à realização do bem comum.
Uma liberdade de imprensa absoluta ou ilimitada degeneraria no arbítrio e no desconhecimento dos direitos de outrem. Não há razão, pois, para dar ao direito de expressão do pensamento lugar diverso do reservado aos outros direitos humanos. A propriedade é o mais elementar des-
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ses direitos. Pois bem: o legislador, tendo disposto que «o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem», não se esqueceu de acrescentar esta reserva: «dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas» (Código Civil, artigo 1305.°).
Da mesma forma, traduzindo-se a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa no exercício de uma actividade humana, esta deve ser regulamentada no sentido de prevenir ou punir os seus eventuais abusos.
Mas, se não se nega ao Estado o direito a fixar limites à liberdade de imprensa, a fixação da fronteira entre o ilícito e o lícito jurídico suscita problemas da maior complexidade. Na falta de um critério seguro, a liberdade de imprensa tem variado de país para país segundo a sua concepção política, grau de maturidade cívica e a maior ou menor tranquilidade pública. A cada momento histórico corresponde uma certa noção de liberdade de imprensa, que, dada a dificuldade em encontrar o meio termo, tem oscilado, como dizia Tocqueville, entre a sujeição e a licença.
Na época em que viveu Tocqueville ainda se podia admitir, dada a pequena expansão da imprensa, que os seus abusos, sendo do conhecimento de poucas pessoas, podiam constituir o preço com que se pagava a liberdade.
A situação actual é diversa. A imprensa vai a toda a parte. E basta atentar na que cultiva o sensacionalismo e o escândalo para se chegar à conclusão de que a liberdade de imprensa assume aspectos que não podem ser minimizados, como o da sua responsabilidade perante os eventuais ofendidos e a generalidade dos leitores.
Há, assim, que ter em conta os dois termos do binómio - liberdade-responsabilidade — com vista à redução ao mínimo dos males que a imprensa pode causar sem prejuízo dos bens inestimáveis que pode proporcionar. Efectivamente, são tantas as solicitações do mundo de hoje que o homem tem cada vez menos tempo para se concentrar, reflectir e julgar. A sua opinião é, as mais das vezes, a do jornal que lê, o qual tanto pode desenvolver a sua acção no sentido de o ajudar a construir um mundo melhor, como no de contribuir para destruir a civilização e a sociedade existentes, e com elas o património moral do Estado e o dos indivíduos, acumulado graças ao trabalho de muitas gerações.
80. Tanto a proposta como o projecto, ainda que por caminhos diversos, procuram assegurar a liberdade de imprensa.
O seguido pela proposta mereceu do Sindicato Nacional dos Jornalistas alguns reparos, designadamente no que respeita ao emprego de «uma linguagem vaga e ambígua que põe o acento tónico na sua função social», tendo em conta «o proveito e o progresso colectivos» e expressões semelhantes.
No que respeita propriamente à base IV, além do emprego destas expressões, a crítica do Sindicato incide sobre o que se possa entender por «fonte conhecida», porquanto, «sendo a fonte digna de crédito, ao jornalista não incumbe apurar a veracidade da informação, mas a sua verosimilhança».
Não é tanto assim.
Há toda a conveniência em que os jornalistas procurem beber as notícias em «fonte conhecida», apular, dentro do possível, a sua veracidade, a fim de as difundir com objectividade.
Reconhece-se, entretanto, que a expressão «fonte conhecida» é susceptível de dúvidas, porquanto a fonte por via de regra conhecida, mesmo quando não é idónea. Também, dada a rapidez na difusão das informações, característica da nossa época, nem sempre será fácil apurar a sua veracidade, contentando-se o jornalista com a sua verosimilhança.
Quanto ao n.° 2 da base IV da proposta, a Câmara, simplificando o texto, elimina a sua parte final.
A função social da imprensa é indiscutível. De acordo com ela, todos os cidadãos a podem utilizar, apenas com os limites decorrentes da lei.
Por último, na difusão de informações, a imprensa deverá proceder com objectividade e boa fé, abstendo-se de publicar notícias falsas ou deturpadas.
Deste modo, indica-se como preferível para a base V (base IV da proposta e artigo 1.° do projecto), a redacção seguinte:
BASE V
(Liberdade de imprensa)
1. A imprensa exerce a função social de permitir o expressão do pensamento, a divulgação dos conhecimentos e a difusão de informações, tendo em conta o interesse colectivo.
2. É lícito a todos os cidadãos utilizar a imprensa, de acordo com a função social desta e as prescrições da lei.
3. Na difusão de informações a imprensa deverá comportar-se com objectividade e boa fé, abstendo-se de publicar noticias falsas ou deturpadas.
BASE VI
(Base V da proposta, n.° 2 do artigo 1.° e n.° 1 do artigo 14.° do projecto)
(Direito de acesso às fontes de informação)
81. A liberdade de expressão do pensamento pela imprensa inclui «a liberdade de obtenção e difusão de informações».
Por isso, tratando-se de uma variante da Uberdade de imprensa, que se traduz no exercício de uma actividade humana, deve, como esta, ser limitada a fim de a prevenir ou a punir os seus abusos.
O projecto, ao estabelecer que «aos jornalistas será facultado livre acesso às fontes de informação por todos os órgãos e serviços da Administração, dentro dos limites legais» (artigo 14.°, n.° 1), abstém-se de concretizar esses limites.
A proposta, porém, faz-lhes referência expressa, ao estabelecer, por um lado, «que o acesso às fontes de informação não implica o direito de examinar processos pendentes, quer judiciais quer administrativos, nem o de obter cópias de documentos que não sejam legalmente destinados a publicação»; e, por outro, «que os factos e documentos considerados confidenciais ou secretos por motivos de interesse público ou por respeitarem à vida íntima dos cidadãos não são susceptíveis de informação» (n.ºs 4 e 5 da base V).
Na verdade, além dos actos da vida íntima das pessoas, há outros que por disposição da lei ou por sua natureza são reservados.
O direito à informação constitui um dos elementos essenciais ao desempenho da missão dos jornalistas. Mas a esse direito corresponde uma obrigação: assegurar-se, tanto quanto possível, da exactidão das suas informações e não as publicar sem proceder à sua verificação.
Os tribunais franceses têm julgado incorrer em responsabilidade o jornalista que faz publicar a notícia do falecimento de uma pessoa sem ter verificado previamente a veracidade do mesmo.
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Por outro lado, a vida privada das pessoas tanto singulares como colectivas não pode deixar de ser protegida contra qualquer indiscrição.
Também, constituindo a imagem da pessoa, segundo a jurisprudência francesa, «o prolongamento da sua personalidade», tem-se entendido que as pessoas podem opor-se à publicação da- sua fotografia, mormente quando o fotógrafo aproveita a sua distracção para a tirar numa atitude ridícula.
Em França, não obstante a imprensa gozar da maior liberdade, são frequenta a3 apreensões de jornais e revistas que se intrometeram de forma intolerável na vida privada das pessoas, designadamente na dos artistas e de suas famílias, como meio de conter os excessos de certa imprensa, ávida de escândalos (cf. H. Blin, A. Chavanne e Holand Drago, Traité du Droit de la Presse, pp. 569 e seguintes).
Entre os factos e os documentos defesos à informação contam-se, naturalmente, os respeitantes à preparação da defesa interna ou externa do país e à segurança nacional.
A Lei francesa de imprensa de 1S81 proíbe as publicações relativas aos autos de acusação e a todos os autos de processo criminal ou correccional, sem que primeiro sejam lidos em audiência pública; aos processos por difamação, em que não é autorizada a prova de factos difamatórios; às subscrições que tenham por fim pagar as multas, as custas e as perdas e danos impostos pelas condenações judiciais (artigos 38.° e 39.°).
É igualmente proibida a publicação de informações relativas aos trabalhos e deliberações do Conselho Superior da Magistratura (Lei de 10 de Setembro de 1951), aos processos de difamação, injúria, paternidade e divórcio ou separação (Lei de 12 de Março de 1959), concernentes a menores que abandonam os pais ou o tutor ou a pessoa a que estavam confiados, bem como ao seu suicídio (Lei de 28 de Novembro de 1955).
Para a lei espanhola, o direito a obter informação oficial encontra o seu limite na lei e na natureza dos actos praticados pela Administração que não sejam públicos, ou no facto de serem declarados reservados os documentos destinados a dar forma àqueles actos (artigo 7.°, n.° 2).
A lei grega, entre os assuntos proibidos, inclui os relativos à publicação de informações militares e segredos de Estado, os respeitantes a actividades anti-sociais de menores ou às actividades de criminosos, às publicações obscenas, às notícias de suicídios, à publicação dos relatórios dos médicos legistas, cujo conteúdo se revele ofensivo da moralidade pública, às notícias de litígios em casos familiares e às informações susceptíveis de abalar a confiança do público na moeda e na economia nacional.
A Lei do Estado de Hessen, de 20 de Novembro de 1958, alterada pela Lei de 22 de Fevereiro de 1966, consagrando, embora, e nem termos mais amplos, o direito à informação — ninguém poderá ser impedido de se informar através da imprensa do país e do estrangeiro acerca de todas as notícias e opiniões —, determina que esta seja recusada:
1.° Desde que possa impedir, dificultar, retardar ou pôr em perigo a execução conveniente de um processo penal ou disciplinar;
2.° Desde que sejam pedidas informações acerca de assuntas pessoais, cuja divulgação pública não se justifique;
3.° Desde que, devido a uma discussão pública prematura, possam ser impedidas, dificultadas, retardadas ou postas em perigo medidas de interesse público.
O Estatuto Francês da Função Pública (Lei de 29 de Maio de 1946) estabelece o princípio da discrição profissional, princípio este que seria violado por toda a notícia susceptível de prejudicar o andamento do serviço ou os interesses gerais da administração a que está adstrito o funcionário.
Também na América o acesso às fontes de informação se vê limitado pela existência de instruções que resumem as trinta e duas maneiras de dizer «não» aos jornalistas.
Um decreto de 1951 classifica os documentos de quarenta e cinco departamentos entre os que deviam permanecer secretos (top secret) e aqueles que podiam chegar aos jornalistas sob certas reservas (restricted).
Na Grã-Bretanha os Official Secrets Acts (leis sobre segredos do Estado) tornam ilegais todas as comunicações não autorizadas de informações sobre problemas que devem manter-se em segredo por motivos de segurança.
De um modo geral, dados os prejuízos que advêm das indiscrições, tem-se por conveniente um mínimo de non-publicity para certos aspectos das decisões políticas.
Deste modo, embora o acesso às fontes de informação deva ser não só garantido, mas facilitado, tal acesso está limitado pelo interesse geral e pelo direito dos indivíduos à salvaguarda dos actos que respeitem à sua vida privada. A Câmara concórdia assim com os limites estabelecidos nos n.ºs 4 e 5 da proposta, seguindo, contudo, uma redacção que se lhe afigura mais exacta.
No n.° 3 da base v da proposta estabelece-se que os departamentos do Estado e as entidades de interesse público devem organizar serviços destinados a proporcionar as notícias e os esclarecimentos necessários à informação verídica. Mas, como é óbvio, nem todas as entidades estão em condições de organizar tais serviços, nem tão-pouco eles são necessários no pequeno município rural ou na instituição de assistência local em que tudo se passa- h vista de todos. Ainda no sentido de facilitar o acesso às fontes de informação, a lei confere aos jornalistas as regalias e direitos seguintes:
1.° De livre trânsito nos lugares onde- se tome necessário o exercício da sua actividade;
2.º De entrada franca e permanência quando em serviço nos museus, bibliotecas e arquivos públicos, estações de caminho de ferro, fluviais e marítimas e aerogares;
3.° De acesso aos navios, aos cais portuários e às salas de trânsito e plataformas de estacionamento dos aeroportos, quando especialmente autorizados pelas entidades a quem compete superintender na respectiva exploração, tidas em conta as condições de segurança e eficiência do serviço;
4.° De livre ingresso e permanência em estabelecimentos, recintos e locais públicos em que se realizem provas ou outras manifestações de carácter desportivo, quando mo exercício das respectivas funções;
5.º A redução de taxas consignadas nos regulamentos telegráficos nacionais e internacionais para expedição de telegramas noticiosos;
6.° Ao uso e porte de arma de defesa, independentemente de licença (cf. Decreto-Lei n.° 46 833, artigo 10.°).
A Câmara considera também, conveniente dar ao n.° 2 da base V da proposta uma redacção mais incisiva, de modo a marcar firmemente a obrigação de informar dos funcionários. Por esse mesmo motivo se estabelece em novo número (6) a responsabilidade disciplinar para os casos da recusa injustificada da informação.
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pelo exposto, alvitra-se a redacção seguinte:
BASE VI
(Direito de acesso às fontes de informação)
1. Aos profissionais da imprensa, no exercido das suas funções, é garantido o acesso às fontes oficiais de informação.
2. Cumpre às autoridades e seus agentes facilitar o acesso às fontes de informação, dentro dos limites legais e sem prejuízo do interesse geral e do funcionamento normal dos serviços.
3. O Estado e as entidades de interesse público variem, quando a sua importância o justifique, organizar serviços destinados a proporcionar ao público uma informação verídica.
4. O acesso às fontes de informação não envolve o direito de examinar processos pendentes, quer judiciais, quer administrativos, nem o de obter reprodução de documentos cuja divulgação pública não se justifique.
5. Os factos e os documentos considerados confidenciais ou secretos por motivos de interesse público ou por respeitarem à vida íntima das pessoas não são susceptíveis de informação.
6. A recusa injustificada da informação envolve responsabilidade disciplinar do respectivo funcionário.
BASE VII
(Artigo 13.° do projecto)
(Origem da informação)
82. A lei brasileira da informação estabelece que «no exercício da liberdade de manifestação do pensamento não é permitido o anonimato» (artigo 7.°). Assim, o escrito que não trouxer a assinatura do autor é tido como redigido pelo director ou chefe de redacção. O director ou principal responsável do jornal manterá um livro próprio, que abrirá e rubricará em todas as folhas, para exibir em juízo, quando para isso for intimado, o registo dos pseudónimos, seguidos da assinatura dos seus utilizantes cujos trabalhos sejam ali divulgados (§ 4.° do artigo 7.º).
O artigo 13.° do projecto consagra esta doutrina. Deste modo, deve constituir uma base, que passaria a ser a base VII, com a redacção semelhante à do artigo 13.° do projecto.
No que toca à necessidade de identificação da origem da publicidade, propõe a Câmara um sistema diverso. Com efeito, não se vê vantagem mas últimos palavras do n.° 2 «e de conter o nome do anunciante», porquanto, identificado este perante a empresa, não há necessidade de referir o nome do anunciante, que contribuiria para agravar as despesas deste sem interesse de maior.
Por outro lado, a Câmara, sugere também um preceito que, para esclarecimento do público, facilite a distinção entre a publicidade e a mataria editorial.
Pelo exposto, sugere-se a inclusão de uma nova base, que passaria a ser a base VII, com a redacção seguinte:
BASE VII
(Origem da informação)
1. Não tendo a notícia indicação da sua origem, presumir-se-á que ela foi directamente colhida pelo seu autor, como tal se considerando o director do periódico, sempre que o escrito não seja assinado.
2. Toda a publicidade inserta no periódico terá um autor ou responsável, identificado no texto ou perante a administração do jornal, boletim ou revista, que procederá ao seu registo.
3. Os textos ou imagens publicitários insertos na imprensa periódica e que, pela sua apresentação, possam confundir-se com a matéria editorial, terão de ser identificados, quanto à sua natureza, de modo uniforme e inequívoco.
BASE VIII
(Base VI da proposta e n.° 2 do artigo 14.° do projecto)
(Direito de sigilo profissional)
83. A base vi da proposta e o n.° 2 do artigo 14.º de projecto ocupam-se do sigilo profissional. Simplesmente, no que respeita ao projecto, «os directores e jornalistas não são em caso algum obrigados a revelarem as suas fontes de informação» (artigo 14.°, n.° 2), ao passo que a proposta, reconhecendo, embora, o direito ao segredo profissional, estabelece uma excepção quanto às informações ou notícias «que interessem à segurança exterior ou interior do Estado ou respeitem à verificação ou punição de crimes públicos» (base vi, n.° 1).
84. As leis de imprensa não se ocupam, por via de regra, do segredo profissional dos jornalistas. O seu papel, na verdade, não é o de guardar segredos, que, dada a natureza das suas funções — difundir as informações que chegam ao seu conhecimento —, poucas pessoas lhes confiariam.
O Decreto com força de lei n.° 12 008, lei de imprensa em vigor, na esteira das leis de imprensa anteriores, não contém qualquer disposição sobre segredo profissional.
Na Lei francesa de 29 de Julho de 1881, nas leis que a alteraram e em algumas das leis de imprensa dos diversos países que a tiveram tomo paradigma, encontra-se o mesmo silêncio.
Em França, nos raros casos submetidos aos tribunais, a jurisprudência sempre se recusou a admitir que os jornalistas eram obrigados ao segredo profissional, condenando-os pela recusa de testemunhar em juízo sempre que invocaram como fundamento o não poderem revelar as fontes de informação.
Assim, no direito francês não existe segredo profissional a favor dos jornalistas (Traité du Droit de la Presse, ob. cit., pp. 543 e 544). Na Itália distinguem-se duas situações: a do jornalista, arguido de violação de um segredo ou ainda como testemunha em processo respeitante a terceira pessoa; na primeira, não é obrigado a revelar a fonte de conhecimento; na segunda, não pode recusar-se a depor.
Na Bélgica, Holanda e Suíça, o jornalista, não pode recusar-se a depor invocando o segredo profissional (cf. Secret Militaire, et Liberté de la Presse, Estudo de Direito Penal Comparado, publicado por J. Léanté, pp. 79 e 80).
A Suécia, a Grã-Bretanha e a Alemanha reconhecem o direito ao segredo profissional, o qual, entretanto, cede perante interesses superiores, como o da defesa nacional.
A lei brasileira dia informação dispõe:
No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, radiorrepórteres ou comentaristas.
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A lei do Estado de Hessen, na Alemanha Federal, é explícita quanto ao direito de recusar o testemunho:
Redactores, jornalistas, editores, organizadores, tipógrafos e outras pessoas que contribuam profissionalmente para a preparação, produção ou publicação de uma obra impressa periódica têm o direito de recusar o testemunho acerca do conteúdo desta ou dos documentos.
A recusa não abrange os factos que o jornalista presenciou.
85. Em Portugal, o problema do segredo profissional tem-se suscitado de modo especial quanto ao segredo profissional dos médicos. A Procuradoria-Geral da República, nos seus pareceres n.° 648, de 24 de Junho de 1943, e n.° 28/52, de 24 de Abril de 1952, pronunciou-se sobre a matéria por forma exaustiva.
São do primeiro dos referidos pareceres estas considerações:
A obrigação de guardar em segredo os factos de que se tenha tomado conhecimento no exercício de uma profissão foi imposta e assegurada, com sanções penais e disciplinares, por motivos de interesse público evidente.
Mas esse interesse público cede, ou deve ceder, naturalmente, perante outro interesse público mais forte, e é por isso que, por toda a parte, se entende que a obrigação do segredo profissional não deve ser mantida quando razões superiores àquelas que determinaram a sua criação imponham a revelação dos factos conhecidos durante as relações profissionais.
Pelo Decreto n.° 32 171, de 29 de Julho de 1942, os médicos podem revelar o segredo profissional havendo justa causa (artigo 7.°).
O parecer da Procuradoria de 24 de Abril de 1952 chegou a idêntica conclusão:
1 — O segredo profissional médico funda-se no interesse geral do sigilo, impondo-se, porém, o dever de revelação sempre que haja justa causa, isto é, quando a revelação se torne necessária. (Cf. Prof. Eduardo Correia e Dr. Furtado dos Santos, Código de Processo Penal, pp. 935 e seguintes.)
Esta doutrina não pode deixar de tornar-se extensiva, e por maioria de razão, ao sigilo profissional dos jornalistas, o qual deve cessar quanto às informações que respeitem à segurança exterior ou interior do Estado ou à, verificação ou punição de crimes públicos quando estes sejam «punidos com pena maior.
Quanto às que respeitem aos restantes crimes ou à vida íntima dos cidadãos, os tribunais determinarão se o segredo se justifica ou se há um interesse superior que imponha a revelação do nome do autor da informação.
De acordo com as observações feitas, a Câmara Corporativa nada tem a objectar à matéria e à redacção desta fase, salvo quanto à parte final do n.° 1 em que a expressão «crimes públicos» deve ser limitada por forma a abranger apenas os que forem punidos com pena maior.
O n.° 2 deverá sofrer as modificações consequentes.
Propõe-se, portanto:
BASE VIII
(Direito ao sigilo profissional)
1. É reconhecido aos profissionais da imprensa o direito ao sigilo profissional em relação à origem das informações ou notícias que publiquem ou transmitam, salvo quanto às que interessem à segurança exterior ou interior do Estado ou respeitem à verificação ou punição de crimes públicos a que corresponda pena maior.
2. Cabe aos tribunais determinar se o segredo .profissional se justifica quanto à origem de informações ou noticias pertinentes a crimes públicos a que não corresponda pena, maior, crimes semipúblicos e particulares ou à vida intima das pessoas.
BASE IX
(Base VIII da proposta e n.° 1 do artigo 10.° do projecto)
(Direito à constituição de empresas)
86. A proposta e o projecto ocupam-se do direito de constituir empresas editoriais e jornalísticas, mas, ao passo que o projecto toma posição clara na matéria, a proposta limita-se a estabelecer que esse «será regulado de modo a conciliar os direitos individuais e o interesse público».
Quanto à forma de empresa, o projecto não especifica, limitando-se a dispor que, «no caso de o periódico pertencer a uma sociedade anónima, todas as suas acções terão de ser nominativas».
A lei brasileira da informação permite que a sociedade exploradora de uma empresa jornalística assuma a fornia civil ou comercial (§ 3.° do artigo 3.°).
Esta concepção parece ultrapassada, visto que, dada a crescente comercialização e industrialização da imprensa, mesmo os jornais essencialmente políticos passaram a publicar informações e notícias e a inserir anúncios para poderem sobreviver.
A empresa jornalística é, assim, uma empresa comercial subordinada a certas normas de direito público, as quais, por via de regra, constam da lei de imprensa. A sua mercadoria — o jornal —, embora constitua um valor de troca, assume natureza especial em razão da função da imprensa e justifica que o seu estatuto revista características próprias. Estas mudam conforme os regimes económicos e políticos, sendo diferentes nos países de economia liberal e nos de economia socialista.
Mas, mesmo nos países em que se permite a competição de empresas, livremente constituídas e exploradas, a concentração destas, a permeabilidade de algumas a certas influências estrangeiras, a natureza dos interesses privados que podem ser chamadas a defender, levaram a encarar o estabelecimento de um estatuto especial para as empresas jornalísticas, com vista a atender aos riscos dessa concentração e da subordinação a interesses que não são os dos leitores nem tão-pouco os dos jornalistas que lhes dão a sua colaboração.
Num ou noutro país ensaiaram-se soluções tendentes a tornar efectiva a orientação do jornal por parte dos seus redactores, mas ainda se não chegou a uma conclusão definitiva.
Deste modo, além das normas que constam do Código Comercial, do Decreto-Lei n.° 49 381, que estabeleceu o regime de fiscalização das sociedades e dos que ficarão a constar da lei de imprensa, justifica-se a previsão de outras que venham completar o estatuto das empresas editoriais e jornalísticas ainda em plana gestação.
Para já, a tendência é manifesta no sentido de reservar aos nacionais do respectivo país não só o direito de fundar empresas, mas ainda o de participar na maioria do seu capital.
A Constituição brasileira não permite que as sociedades jornalísticas sejam propriedade de estrangeiros ou de sociedades por acções ao portador.
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Esta disposição, reproduzida na lei da informação brasileira, visa a assegurar orientação nacional aos órgãos informativos, a impedir a infiltração de interesses internacionais, quer económicos, quer políticos, e a garantia de uma relativa independência à notícia (Freitas Nobre, Lei da Informação, p. 36).
Esse propósito foi especialmente vincado nos §§ 1.° e 2 ° do artigo 3.°, em que se dispõe:
§ 1.º Nem estrangeiros nem pessoas jurídicas, exceptuando os partidos políticas nacionais, poderão ser sócios ou participar de sociedades proprietárias de empresas jornalísticas, nem exercer sobre elas qualquer tipo de contrôle directo ou indirecto.
§ 2.º A responsabilidade e a orientação intelectual e administrativa das empresas jornalísticas caberão exclusivamente a brasileiros natos.
Decorridos vinte dias após a publicação da lei da informação (Lei n.° 5250, de 9 de Fevereiro de 1967), foi publicado um decreto que exclui da restrição dos parágrafos referidos as publicações científicas, técnicas, culturais e artísticas.
O Deputado João Calmon, ao suscitar a questão da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.° 203, que permitiu aos estrangeiros ser proprietários das referidas publicações, afirmou que, se não for possível a declaração da sua inconstitucionalidade, «dentro de três anos no máximo não circulará neste país nenhuma revista brasileira; todas serão estrangeiras».
Independentemente da nacionalidade, são exigidas determinadas condições aos proprietários das empresas e a prática de certas formalidades junto das autoridades administrativas ou judiciais (Act de 1885, na Inglaterra, Lei de 1908, na Nova Zelândia, Lei do Uruguai de 20 de Junho de 1935, Lei italiana de 8 de Fevereiro de 1948, Lei libanesa de 8 de Maio de 1948 e Lei sueca de 23 de Maio de 1949).
A Lei colombiana de 15 de Dezembro de 1944 e a Lei libanesa de 22 de Outubro de 1952 fazem depender ia constituição de empresas da prestação de determinada caução.
Tem-se entendido, por outro lado, que o conhecimento dos recursos financeiros e da sua origem é necessário para o público ter conhecimento de quem são os verdadeiros dirigentes da empresa.
Assim, a Constituição Italiana de 1948 dispõe: a lei pode estabelecer que os meios financeiros da empresa sejam tornados públicos. A Constituição da Síria prevê que a lei estabeleça o controlo das receitas dos jornais.
Na Alemanha Federal a lei de alguns dos estados impõe aos jornais a obrigação de indicar trimestralmente as pessoas ou sociedades proprietárias da respectiva empresa.
Em Espanha só os nacionais no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos poderão livremente constituir ou participar em empresas que tenham por objecto a edição de periódicos. Igual direito têm as pessoas jurídicas de nacionalidade espanhola e com vida em Espanha. O capital destas empresas pertencerá a pessoas naturais ou jurídicas de nacionalidade espanhola e residentes em Espanha.
Se a empresa adoptar a forma de sociedade anónima, as acções serão nominativas e intransmissíveis a estrangeiros.
Se a concentração da imprensa, através da existência de cadeiras de jornais submetidos à mesma orientação, se acentua de ano para ano, a mesma é ainda mais evidente no sector das agências. Seis partilham o mundo da informação: Tass, Associated Press, United Press, International News Service, Heuter, France-Presse, cada uma sofrendo, ainda que em grau diverso, a influência do Governo do respectivo país.
Parece que, tanto no domínio das agências de informação, como no das simples empresas jornalísticas, uma certa concentração é necessária, pois de outro modo nem todas poderão dispor dos recursos financeiros e dos meios técnicos indispensáveis.
Simplesmente, dado o carácter público da função da imprensa, o Estado não pode desinteressar-se da constituição e do funcionamento das empresas, com vista a assegurar que o público seja devidamente informado.
Há, assim, que conciliar, na medida do possível, o direito individual à constituição de empresas editoriais ou jornalísticas com o interesse público, que pode ser gravemente lesado se as mesmas se desviarem dos seus fins, servindo interesses que não são os do país em que se situa a sua sede. De qualquer modo, se a imprensa não pode ser equiparada a qualquer indústria ou comércio, também não é um serviço público que possa ser dominado pelo Estado, cuja ingerência deve ser reduzida ao mínimo indispensável.
A forma de constituição das empresas jornalísticas deverá constar da lei, e não de simples regulamento.
Note-se que muitos dos problemas aqui aflorados terão de ser resolvidos quando da apreciação das matérias pertinentes ao património, capital e gerência destas empresas.
Em razão das considerações feitas, a Câmara Corporativa alvitra para a base IX a redacção seguinte:
BASE IX
(Direito à constituição de empresas)
É livre a fundação e exploração de empresas jornalísticas e editoriais, bem como a participação nelas, desde que se observe o disposto nesta lei, na lei comercial e na demais legislação aplicável.
BASE X
(Base IX da proposta e artigo 6.º do projecto)
(Direito de circulação de escritos e imagens)
87. O Sindicato Nacional dos Jornalistas, comentando esta base, é de parecei- que a principal objecção a levantar «é a que resulta de, no n.° 4, se escrever que os impressos podem ser apreendidos por mandato de autoridade judicial ou administrativa competente», porquanto «as sanções só podem ser aplicadas por via judicial, o que, se não é suficiente pana garantir a liberdade de imprensa, pelo menos dá garantias de certeza, segurança e defesa de um arbítrio». Também o artigo 6.° do projecto de lei prescreve que só os tribunais poderão ordenar a apreensão do escrito, nos termos da lei geral do processo.
O problema não é novo. Quando da apresentação da proposta que veio a converter-se na Lei de 7 de Julho de 1898, a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Ponto, reunida em assembleia geral em 29 de Agosto de 1897, aprovou um manifesto em que, aludindo ao artigo 43.°, que fixava os casos e condições em que podia legalmente proibir-se a circulação ou exposição de qualquer impresso, se dizia: «Pretende-se legitimar, volver em facto legal e normal a censura prévia, de ominosa memória, ou — o que vale o mesmo, sem lhe dar o nome infamante — proibir por um ukase policial a Circulação de jornais.»
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O relator do projecto de lei em que aquela proposta se converteu, Deputado Gaspar de Queirós Ribeiro, depois de refutar a denominação de ukase policial dado à referida apreensão, justifica esta nos seguintes termos:
Há crimes de imprensa tão graves que a sua repercussão põe em risco a tranquilidade pública ou exerce na sociedade uma acção profundamente funesta.
Um periódico de larga circulação, que, pela pena de um general prestigioso, incitasse o povo e o exército a revolta não podaria arrastar a Pátria a uma luta fratricida?
Um jornal que cubra de impropérios e de calúnias o Chefe do Estado não pode empalidecer a auréola de respeito em que todas as nações precisam envolver quem exerce a mais alta magistratura?
Uma folha pornográfica, que, explorando torpes tendências, encher a rua de estampas e de escritos obscenos, não poderá tomar-se um elemento dissolvente dos costumes, cuja bondade é o gerador e o barómetro da ventura geral?
Diante desses crimes, o Estado, que, em vez de correr pressuroso a localizar e extinguir o incêndio, cruza os braços fleumàticamente, à espera do processo, deve ir também para o banco dos réus: é, pelo menos, seu cúmplice!
E por a lição da experiência confirmar a teoria, aquele Deputado recordou o exemplo da legislação francesa, em que o direito da apreensão, atacado e batido, aquando da discussão do projecto que veio a converter-se na Lei de 29 de Julho de 1881, e confinado ao crime de ultraje à moral pública, ressurgiu logo a seguir, visto a experiência ter falhado, em relação a outros crimes: ofensas ao Chefe do Estado e agentes diplomáticos estrangeiros; provocação a quaisquer crimes ou delitos; provocação directa, mas sem efeito, ao roubo, homicídio, saque, fogo posto ou a qualquer dos crimes previstos no artigo 435.° e nos artigos 75.° até 85.°, inclusive, do Código Penal francês; apologia dos crimes de homicídio, fogo, roubo ou qualquer dos previstos no artigo 435.° do mesmo Código; provocação e desobediência militar (cf. relatório e projecto da lei sobre liberdade de imprensa apresentado à Câmara dos Srs. Deputados, por parte da Comissão de Legislação Criminal, pelo relator, Gaspar de Queirós Ribeiro, pp. 62 a 64).
Na verdade, embora a- liberdade de publicação deva compreender a de circulação, o certo é que tanto esta corno aquela só são livres na medida, em que são lícitas. Daí a circunstância de a generalidade das leis de imprensa fixarem, limites à circulação, afixação ou exposição de impressos, admitindo, verificadas determinadas condições, a sua apreensão. Em França (Leis de 29 de Julho de 1881, 16 de Março de 1893, Decreto de 6 de Março de 1939, Leis de 25 de Março de 1935 e de 3 de Abril de 1955), na Espanha (artigo 64.° da Lei de Imprensa), no Brasil artigo 7.°, § 2.°, e artigo 61.° da Lei da Informação), na Grécia (artigo 85.° da Lei de Imprensa).
Os diferentes estados da Alemanha também prevêem a apreensão, efectuada em alguns à ordem da autoridade judicial e noutros à da autoridade administrativa.
Em Portugal, no que respeita a legislação publicada durante o actual regime, verificou-se em matéria de apreensão a evolução seguinte: a Lei de 9 de Julho de 1912 só permitia a apreensão nos seguintes casos: falta das indicações legais exigidas no artigo 5.° do Decreto de 28 de Outubro de 1910, ultraje às instituições e injúria e difamação ou ameaça, ao Presidente da República, pornografia ou linguagem despejada.
A Lei de 12 de Julho de 1912 acrescentou àqueles casos o de provocação ao não cumprimento dos deveres militares.
O Decreto n.° 2270, de 12 de Março de 1916, acrescentou-lhes os de difusão de boatos ou informação capaz de alarmar o espírito público.
O Decreto n.° 12 008, lei em vigor, juntou-lhes os casos previstos nos artigos 159.°, 160.°, 420.° e 483.° do Código Penal.
Pelo Decreto-Lei n.° 37 447, de 13 de Julho de- 1949, na sequência da competência estabelecida no artigo 1.° da Lei de 9 de Julho de 1912, as autoridades de segurança pública pedem apreender as publicações, imagens ou impressas pornográficos, subversivas ou simplesmente clandestinos.
Durante o ano de 1969 foram apreendidos cerca de 383 000 exemplares de publicações pornográficas, provenientes de países estrangeiros, assim discriminados:
1) Brasil — 180 000 exemplares;
2) Dinamarca e Suécia — 150 000 exemplares;
3) Alemanha, França, Holanda, Noruega e Estados Unidos da América — 53 000 exemplares.
Essas publicações, corno se referiu em circular da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, «excedem tudo quanto poderá supor-se em requintes de obscenidades, explorando, sobretudo, motivos da mais repugnante homossexualidade», com vista «a destruir na juventude as barreiras do pudor e da sensibilidade moral».
A imprensa portuguesa, honra lhe seja, não se tem prestado a ser agente de perversão de costumes através da divulgação de publicações pornográficas.
Em resumo: no regime em vigor, entre outros casos, qualquer boato ou informação capazes de alarmar o espirite público, bem como o emprego de linguagem despejada, é susceptível de justificar a apreensão.
E, embora a lei tivesse atribuído à autoridade administrativa ou policial a faculdade de proceder a essa apreensão (artigos 3.° da Lei de 12 de Julho de 1912 e 2.° do Decreto n.° 2270, de 13 de Março de 1916). a verdade é que, ao contrário do que «e passa em França, os- casos de apreensão de jornais são raras, o que, se mostra, por um lado, a correcção da imprensa, documenta, por outro, o procedimento daquelas autoridades.
A proposta restringe a ilicitude aos casos em que a publicidade do escrito integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado ou ultraje à moral pública, constitua provocação pública ao crime ou incitamento ao emprego da violência, o escrito haja sido suspenso, não se tenha submetido a exame prévio, nos casos excepcionais em que o mesmo se estabelece, ou ainda quando seja clandestino [base IX da proposta, alíneas a) a d)].
A razão do assim preceituado é evidente. Na verdade, se todas podem pronunciar-se sobre determinada concepção do Estado ou da Constituição, já lhes não é lícito subverter por meios violentos a ordem jurídica, pôr em risco a existência do Estado, a sua segurança exterior ou interna, a integridade ou independência da Pátria.
Quando tal se verifique, às autoridades assiste o direito do impedir a circulação do escrito que incite à revolução e à violência.
O mesmo procedimento lhes compete adoptar nos casos de ultraje à moral pública tantas vezes ofendida com a licenciosidade de certas publicações susceptíveis de excitar os desejos sexuais mais grosseiros e de explorar os mais baixos instintos.
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As normas jurídicas envolvem, igualmente, normas morais destinadas a limitar a liberdade de cada um em relação ao conjunto social.
E embora o conceito de moral e de bons costumes seja relativo e possa variar de país para país, à jurisprudência compete fixar os casos em que o emprego de certas expressões ofende o pudor e está em desacordo com o conceito geral de dignidade do homem.
Não se pode esquecer o reflexo do relaxamento de costumas no índice de criminalidade.
O director do Federal Bureau of Investigadora (F. B. I.). John Edgar Hoover, com a autoridade que lhe advém de ser o homem que melhor conhece o mundo do crime, considera a "pornografia uma das principais causas dos crimes, das aberrações e das perversões sexuais".
Também não é de consentir a circulação de escrito que constitua provocação pública ao crime ou incitamento ao emprego da violência, dado o interesse social em assegurar a ordem e tranquilidade públicas. A sensação de segurança é gravemente afectada com a provocação do crime e incitamento à violência.
Haja em vista o que se passa em alguns países da América do Sul. Bastou o rapto de uns tantos diplomatas e as ameaças dirigidas a outros para alterar, de modo substancial, a sensação de segurança pessoal com inevitável reflexo na convivência social e nas relações internacionais.
A proibição de circular do escrito que haja sido suspenso ou que não tenha sido submetido a exame, quando o deva ser, justifica-se por si mesma.
Quanto ao escrito clandestino, de que tanto se abusa para, a coberto do anonimato, atacar instituições ou pessoas, a proibição resulta da sua natureza.
A Lei italiana de 8 de Fevereiro de 1948 considera imprensa clandestina e pune com prisão até dois anos ou com multa até 100 000 liras "quem quer que empreenda a publicação de um jornal ou outro periódico sem que tenha sido feito o registo previsto no artigo 5.° Igual plena é aplicável a quem quer que publique um impresso não periódico, do qual não se conheça o nome do edito nem o do impressor ou no qual os mesmos sejam indicados de modo não conforme com a verdade" (artigo 16.°).
A lei brasileira considera clandestino o jornal ou outra publicação periódica não registada nos termos do artigo 9.° ou de cujo registo não concitem o nome e qualificação do director ou redactor e do proprietário (artigo 11.°).
Pelos crimes praticados através da imprensa clandestina são responsáveis os seus distribuidores e vendedores (artigo 37.°, n.° 4).
88. A proposta não distingue os casos em que a apreensão deve ser feita por unia ou por outra das autoridades. O ideal seria, como acontece em alguns estados da Alemanha, e já se verificou entre nós, que a apreensão só pudesse ser ordenada pela autoridade judicial.
Simplesmente, na ordem prática, o estabelecimento desse princípio conduziria à ineficácia do preceito. Na verdade, à hora em que se procede à distribuição e venda dos jornais da manhã, os tribunais não funcionam. Quando fossem chamados a pronuncia-se e, tendo concluído pela legalidade da apreensão, dessem ordem à policia para proceder a esta, o dano social que a Lei procurou evitar ao preceituar que não podiam circular impressos contendo determinadas matérias já se teria produzido. A rapidez é um fenómeno geral dos nossos tempos: da impressão e da circulação.
Por isso, conhecida a morosidade dos tribunais, aceita-se de um modo geral, que a apreensão possa ter lugar por mandado da autoridade administrativa. Esta procederia à mesma, como colaboradora do Ministério Público, visto lhe competir a denúncia de todas as infracções de que tenha conhecimento (Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, antigo 7.°, n.° 1), mas, uma vez efectuada, remeteria ao Ministério Público, titular da acção penal, os elementos probatórios do ilícito, pois só os tribunais são competentes para conhecer deste e, consequentemente, da legalidade da apreensão.
Sucede, porém, que a apreensão tanto pode visar a verificação e punição do crime como a sua prevenção, através do obstáculo posto à difusão de notícias que, em razão da sua gravidade, são susceptíveis de perturbar a ordem pública e a segurança do Estado.
Assim, verificadas determinadas circunstâncias, a apreensão, imposta pela urgência e gravidade das mesmas, é uma medida preventiva de carácter essencialmente administrativo, que cabe, por isso, nos chamados poderes de polícia.
Por conforme com o parecer do relator, foi esta a opinião que prevaleceu, a qual se acha abonada com a jurisprudência francesa, que não só aceita a apreensão pela autoridade administrativa com a finalidade referida, subtraindo-a à apreciação dos tribunais ordinários, como responsabiliza o Estado pelos prejuízos causados, quando efectuada ilicitamente ou por erro grosseiro (cf. H. Blin, A. Chavanne e B. Orago, Traité du Droit de la Presse, pp. 30 e 32).
J. de Sousa Duarte, no século passado, definia a polícia como "cuidado incessante da autoridade e seus agentes pela execução fiel das leis, pela manutenção da ordem, pela segurança da liberdade, da propriedade e da tranquilidade de todos os cidadãos" (J. de Sousa Duarte, Código da Policia Municipal e Administrativa).
O Prof. Marcello Caetano, considerando-a um modo de actividade administrativa, define-a por esta forma: "Modo de actuar da autoridade administrativa que consiste ern intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objectivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir" (cf. Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8.ª edição, t. II, p. 1066).
É evidente que a autoridade administrativa, ao ordenar a apreensão, não pode proceder discricionàriamente. A sua intervenção pressupõe a violação da lei por parte do responsável .pela publicação e a existência de um perigo ou dano susceptível de projectar-se na vida pública.
Por outro lado, aos interessados é assegurada não só a garantia do recurso contencioso, que a alteração da Constituição em curso consagra em termos amplos, mas ainda a indemnização pelos danos causados sempre que se tenha agido com intenção ilícita ou erro manifesto.
De acordo com as observações feitas a base X teria a redacção seguinte:
BASE X
(Direito de circulação de escritos e imagens)
1. É livre a circulação de textos ou imagens, desde que se observem as disposições legais.
2. Considera-se que há circulação de um texto ou imagem quando tenham sido distribuídos pelo menos seis exemplares, ou ele tenha sido afixado ou exposto em lugar público, ou colocado a venda.
3. É proibido distribuir, divulgar, vender, afixar ou expor pùblicamente e ainda importar, exportar,
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deter em depósito ou anunciar, para algum daqueles fins, qualquer impresso que:
a) Contenha texto ou imagem cuja publicação integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado ou ultraje a moral pública ou constitua provocação pública ao crime ou incitamento ao emprego da violência;
b) Haja sido suspenso de acordo com o disposto nesta lei;
c) Não tenha sido submetido a exame prévio, ou neste tenha sido reprovado, nos casos excepcionais em que, segundo o presente diploma, tal exame se estabelece;
d) Seja clandestino.
4. Os textos ou imagens que nos termos do número anterior não devam circular serão apreendidos por mandado judicial ou, quando a urgência c a gravidade das circunstâncias o justifiquem, pela autoridade administrativa.
5. O Estado e os agentes administrativos que determinarem a apreensão são civilmente responsáveis pelos danos causados às empresas, se tais agentes tiverem agido com intenção ilícita ou erro manifesto.
BASE XI
(Base X da proposta)
(Garantias da Uberdade de Imprensa)
89. Ninguém desconhece o valor e a importância espiritual e social da imprensa, como difusora de factos e doutrinas, manancial de documentação para o estudo da evolução política, económica e social do mundo, órgão da opinião pública', paladina de causas nobres.
É através dela, bem como da radiodifusão e da televisão, que tomamos contacto com o que dia a dia se passa não só em nossa volta como nos diferentes países, independentemente da sua latitude. O papel político que assume já levou a qualificar de quarto poder do Estado sua majestade a imprensa.
Verdadeira clava de Hércules, que as mais das vezes é brandida em prol dos órfãos e desamparados, da verdade e da justiça, nada lhe é estranho: o bem e o mal, a virtude e o crime, o heroísmo e a traição, a doutrina e a polémica, a informação e o comentário, o desinteresse e a cupidez, o elogio e o vilipêndio, a verdade e a mentira, a honra e a consideração, a difamação e a calúnia, a política e a economia, a dignidade e o escândalo, a defesa das instituições e das pessoas ou o ataque às mesmas, a autoridade e a anarquia, o interesse geral e os interesses privados. Produto da sociedade, reflecte como um espelho as suas qualidades e defeitos, o seu grau de civismo ou o desenfreamento das suas paixões.
A imprensa tanto pode ser um instrumento da formação correcta da opinião pública, através da divulgação de conhecimentos e das realidades económicas e sociais, como um meio de perversão da mesma opinião, pelo apelo às paixões e a outros factores irracionais, às promessas fáceis e às notícias sensacionais que impressionam os espíritos mais vulneráveis.
A multiplicidade dos assuntos que versa e a diversidade de opiniões emitidas geram, por vezes, a confusão entre as pessoas menos preparadas para realizar a síntese mental dos conhecimentos de cada dia. Para fugir à perturbação causada pela leitura, de muitos jornais, há quem os ponha de parte.
Entre eles contava-se o químico francês Chevzene, que, tendo celebrado o centenário do seu nascimento em pleno vigor, regando a sua cadeira, no Colégio de França, e sendo-lhe perguntado a que atribuía a sua longevidade, respondeu:
A duas coisas: não bebo vinho e não leio jornais.
A primeira, embora não seja um mal, murtas pessoas a evitam; à segunda poucas lhe fogem.
Cada jornal tem o seu público; as pessoas procuram a opinião que mais ise aproxima da sua. Nem sempre, porém, será prudente seguir a opinião dos jornais que se lêem.
O público, pelo menos, deve defender-se de ser subjugado por eles (cf. René Mazedier, Histoire de la Presse Française).
Como acentuou Loder, antigo presidente do Tribunal de Justiça Internacional e do Tribunal de Honra dos Jornalistas, "a alta missão da imprensa, que não deve limitar-se à informação, pois deve ser de preferência um guia para o mundo inteiro, graças à sua influência e ao seu poder formidável - implica para ela o dever de desempenhar a sua tarefa com perfeita lealdade e um sentido de honra inatacável".
Para tanto, tomai-se necessário garantir a liberdade e independência da imprensa, por forma que possa exercer a sua função de carácter público e cumprir a missão que lhe tem sido assinalada:
a) Informar os leitores com a possível objectividade e verdade;
b) Contribuir para a formação da vontade popular;
c) Servir de meio de expressão da opinião pública (cf. Jacques Bourquin, La Liberte de la Presse, p. 170).
Há, assim, que fazer da empresa jornalística "uma casa de vidro", em que a cada momento se conheçam os que a habitam: os nomes e as qualidades daqueles que a dirigem de direito e de facto e a proveniência dos seus recursos, pondo de lado aqueles que devam considerar-se suspeitos, designadamente os de proveniência estrangeira.
Deste modo, o cuidado na organização da empresa, os Limites postos a uma concentração excessiva, a defesa da imprensa do domínio do Estado e da influência dos grupos de pressão, a submissão dos jornalistas a uma ética profissional, são outras tantas garantias da liberdade e independência da imprensa e da não sobreposição dos interesses particulares aos interesses públicos.
A base X da proposta ocupa-se de algumas dessas garantias.
Dada a necessidade de reprimir certas propagandas estrangeiras, torna-se necessário proibir o recebimento de quaisquer subsídios ou auxílios provenientes do exterior.
É certo que, entre nós, ainda se não verificam, pelo menos em grande escala, os males que se prebendem evitar - excessiva concentração de empresas e de jornais, acção de terceiros no sentido de restringir a sua independência, abusos por parte das empresas que justifiquem a necessidade da sua fiscalização, bem como a da tiragem das suas publicações.
Todavia, dada a tendência para a verificação de tais males nos diferentes países, o Governo deverá providenciar, sempre que se tome necessário, para os evitar.
Por isso, a Câmara Corporativa, sem embargo de se lhe afigurar discutível o carácter dispositivo da base X da proposta, concorda, em geral, com a sua formulação.
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Propõe contudo um texto mais completo, de acordo com os princípios apontados e sugere que passe a constituir a base XI com a redacção seguinte:
BASE XI
(Garantias da liberdade de imprensa)
1. Para garantia da liberdade de imprensa e da não sobreposição dos interesses particulares ao interesse público, o Governo poderá providenciar, sempre que se mostre necessário, no sentido de:
a) Impedir a concentração de empresas editoriais ou jornalísticas;
b) Obstar à acção de terceiros que possa restringir a independência das mesmas;
c) Fiscalizar a actividade daquelas empresas a fim de averiguar quem são os seus proprietários e as pessoas que efectivamente as dirigem, a proveniência dos seus recursos financeiros, bem como a tiragem das suas publicações;
d) Obviar à excessiva concentração da imprensa mediante a fixação de um número máximo de publicações periódicas da mesma natureza por cada empresa jornalística;
e) Regular a actividade dos profissionais de imprensa de forma a assegurar-lhes a independência e os meios de trabalho adequados ao exercício da sua missão;
f) Promover a publicação de obras de reconhecido mérito, quando os seus autores não tenham podido fazê-lo, concedendo para tanto subsídios e prémios.
2. As empresas jornalísticas c editoriais não poderão receber, directa ou indirectamente, subsídios ou quaisquer auxílios de proveniência estrangeira.
BASE XII
(Base XI da proposta)
(Limites da liberdade de imprensa)
90. A Câmara, ao apreciar a base IV da proposta, já teve ocasião de se pronunciar quanto ao direito que assiste ao Estado de limitar a liberdade de imprensa, porquanto, dada a natureza social do homem, a sua liberdade não deve exercer-se com prejuízo do interesse da sociedade em que se ache integrado.
Por isso, quem faz mau uso da liberdade, prejudicando os direitos e liberdades de auferem, deve responder por esse acto à lei compete assegurar o equilíbrio das diversas liberdades e manter a cooperarão de todos com vista à realização do bem comum.
Compreende-se assim que a lei que estabeleça a liberdade de imprensa lhe fixe os seus limites. Os estabelecidos na proposto constam das diferentes alíneas do n.° 1 da base XI.
Os que visam a assegurar o acatamento da Constituição, a unidade e independência do País ou o seu prestígio na ordem interna e no conceito internacional e, bem assim, a garantir a defesa da ordem pública interina e da paz eterna e a salvaguardar as exigências da defesa nacional e da segurança do Estado [alíneas a) e b)], são tão evidentes que não é necessário justificar a sua existência.
Na verdade, a unidade do País, o seu prestígio na ordem interina e no conceito internacional, a ordem pública e a defesa nacional podem ser perturbados por notícias falsas ou tendenciosas ou pela emissão de opiniões que, abalando o moral do Exército, tenham reflexos na defesa nacional e na segurança do Estado.
O mesmo se passa com a matéria da alínea c) - divulgação de informações que respeitem a matéria de natureza confidencial.
Diz a sabedoria das nações que nem todas as verdades se dizem, porquanto a publicação de informações, mesmo verdadeiras, pode ser inoportuna e gravemente inconveniente. O caso mais flagrante é o da defesa nacional, cujos segredos são protegidos na generalidade dos países.
Na França e na Itália distinguem-se duas formas de segredo: os evidentes e os que resultam de declarações da autoridade pública.
Os primeiros respeitam a factos que, por sua natureza, não devem ser divulgados, visto só poderem ser conhecidos por certas pessoas, no interesse da defesa nacional ou da segurança do Estado (Código Penal Francês, artigo 77.°, n.°s 1 e 2 e Código Penal Italiano, artigo 257.°).
Os segundos correspondem a todas as informações que, sem constituírem segredo por sua natureza, a sua divulgação é, entretanto, proibida pelas autoridades competentes (Código Penal Francês, artigo 78.°, n.° 3, e Código Penal Italiano, antigo 258.°).
A proposta abrange as duas modalidades de segredo: informação sujeita a reserva em razão da sua própria natureza: informações (respeitantes a matéria de natureza confidencial que possam prejudicar os interesses do Estado, desde que existam normas ou recomendações do Governo determinando a reserva.
A Câmara considera, contudo, que a expressão "em razão da sua própria natureza" pode ser fonte de incertezas, pelo que a lei só deve referir as matérias com classificação de segurança e aquelas em que exista determinação governamental impondo reserva.
Também a lei soviética sobre os segredos do Estado (Junho de 1947) equipara a espionagem a transmissão de informações sobre um grande número de matérias respeitantes à economia, à agricultura e às ciências, assim como às questões de ordem militar. Esta proibição pode tornar-se extensiva a tudo o que o Conselho de Ministros entenda dever ser considerado "secreto". (Cf. L'Information sur l'U. R. S. S., obra já citada, p. 10.)
91. Já não é tão pacífica a matéria da alínea d) da base XI da proposta.
Não é que a imprensa, dada a sua função de carácter público, possa alhear-se do (respeito devido à verdade, da defesa ida justiça, da moral, da boa administração e do bem comum, antes, pelo contrário, cumpre-lhe servir esses altos valores morais.
A mentira envenena o ambiente social, corrói a resistência moral dos indivíduos e das nações, destrói as mais sólidas reputações. Vieira alude à fábula imaginada pelos Alemães, em que se diz que "quando o Diabo caiu do Céu, que no ar se fez em pedaços, e que estes pedaços se espalharam em diversas províncias da Europa, onde ficaram os vícios que nelas reinam". Em Portugal teria tocado a língua para, em certas regiões, se "murmurar, motejar, maldizer, malsinar, mexericar, e, sobretudo, mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente". (Cf. Trechos Selectos do Padre António Vieira, publicação comemorativa do bicentenário da sua morte, p. 41.)
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Rui Barbosa, quase três séculos depois, havia de retomar o tema. A sua eloquência lembra a de Vieira:
O ladrão prostitui com o roubo as suas mãos. O mentiroso, com a mentira, a própria boca, a palavra e a consciência. O ladrão ofende o próximo nos bens de fortuna. O mentiroso não é no património, é na honra, na liberdade, na própria vida. Tanto vai do latrocínio à calúnia. Do ladrão nos livra a tranca, o apito a guarda. Do mentiroso nada nos livra; porque o enredo, a invencionice, a detracção volatilizados no ar, depois de tramados, sussurrados, cochichados ou temperados com os condimentos do jornalismo, são impalpáveis como os germes das grandes epidemias (cf. Buí Barbosa, Obras Completas, vol. XLVI, tomo I, p. 32).
E Salazar havia de dizer que "a falta de coincidência entre as instituições e es seus fins, entre a aparência dos preceitos e a sua realidade profunda, entre a lei e a execução, fez da vida administrativa do País uma mentira colossal".
E, como o maior remédio contra a mentira é ainda a verdade, o seu primeiro cuidado foi o de empreender uma série de reformas tendentes a modificar o estado de coisas que lhe merecera comentário tão acerbo. Uma grande pai te da imprensa acompanhou-o na realização dessa política de verdade, outra ser-lhe-á posto reservas ou discordado mesmo da forma como era executada.
Nada mais natural.
É que, como já notara Chateaubriand, "em matéria de governo, as verdades são relativas e mão absolutas; as liberdades públicas não estão sujeitas às mesmas regras; elas podem existir nas mais diversas instituições. Compreende-se que, segundo as circunstâncias, se modifique a opinião que se poderia ter tido sobre e"ta ou aquela lei, e se admita, numa determinada época, sem se contradizer, uma medida que se havia recusado noutra" (cf. François René de Chateaubriand, Choix de textes et introduction par Gustave Thibou, Rocher, Mónaco, 1948).
Mesmo sem se cair no exagero de Pascal, ao admitir que um meridiano podia decidir da verdade - "verdade do lado de cá dos Pirenéus, erro do lado de lá" (cf. Pascal, Pensées, édition Lutetia, p. 176), não há dúvida de que a verdade admite um certo grau de contingência e que a "verdade" do jornalista não afina pelo diapasão da do cientista.
Em qualquer notícia ou comentário e necessário conter com o subjectivismo de quem a relata ou o faz, por vezes debaixo da mais forte emoção.
Mas, se es jornalistas estão, como aliás todos os homens, sujeitos a erros, daí não se infere que "a liberdade de imprensa implica, o direito de errar", como se afirmou em recente colóquio promovido pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas e pela Casa da Imprensa, em que se debateu a proposta em apreciação (cf. Seara Nova, n.° 1504, Fevereiro de 1971, p. 6). Não. Liberdade e direito não são a mesma coisa. O homem é livre de praticar ou não um crime - facto voluntário punido pela lei penal -, pois a voluntariedade assenta na liberdade e na inteligência, mas não tem direito ao crime, embora, verificadas determinadas circunstâncias, deva ter-se o facto como justificado.
A liberdade coincide com o lícito jurídico.
Os jornalistas podem errar, revestindo o seu erro dois aspectos: involuntário e voluntário.
No primeiro caso, salvo negligência gravo, o erro é desculpável; no segundo, o erro não só é censurável como deve ser passível de sanção criminal, quando, havendo dolo, dele resultar dano individual ou social.
Ao direito do jornalista a informar, corresponde o direito dos leitores a serem correctamente informados. Não procede com lealdade para com os seus leitores o jornalista que, levado pela paixão ideológica ou por qualquer motivo menos nobre, dá de má fé notícias falsas ou deturpadas, contribuindo assim para que muitos daqueles que confiam no seu jornal habitual formulem juízos errados ou tirem conclusões inexactas.
Ao lado do uso do direito - recolha e difusão das informações - há o seu abuso - forja ou deturpação das mesmas -, e o acto abusivo não é, por definição, um acto praticado no exercício de um direito, visto este acabar ainda o abuso começa.
A verdade da informação é um postulado. Ao direito de informar corresponde, para o jornalista, o dever de informar com objectividade e verdade.
Reconhece-se, entretanto, que a alínea d) da base XI da proposta, embora certa como disposição puramente programática, é imprecisa e vaga, porquanto "a verdade", "a justiça", a "boa administração" e o "bem comum" não são a mesma coisa para todas as pessoas, pois muitos poderão considerar errada uma administração que outros terão como boa e isenta de defeitos.
Por isso, a Câmara sugere a sua eliminação. Há necessidade, por outro lado, ide defender os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (Código Civil, artigo 70.°). É a protecção dos chamados direitos de personalidade - direito à vida, à integridade física, à liberdade, à honra, ao bom nome, à saúde, ao resguardo da vida privada e até ao repouso essencial à existência física, que a lei tutela em relação a todos, e, portanto, também em relação à imprensa.
Assim, a pessoa ofendida na sua honra e consideração, para atenuar os efeitos da ofensa, poderá pedir, como se tem verificado em França, a apreensão do jornal que cometer a infracção.
Também o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o seu consentimento, salvo nos casos em que a sua notoriedade, o cargo que desempenha ou exigências da polícia ou outras análogas o justifiquem.
De qualquer forma, "o retrato não pode ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, e do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada" (Código Civil, artigo 79.°). Por outro lado, "todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem" (Código Civil, artigo 80.°). "O domínio moral, que constitui a vida íntima da família, da mulher, do filho, com os hábitos particulares do lar, deve ser defendido como o bem mais sagrado contra as intrusões de fora e não se pode admitir que um jornalista queira justificar, pelo simples facto de ser jornalista, o direito de penetrar no lar doméstico com o fim de devassar a vida íntima, de divulgar os hábitos e os actos da família para os entregar à publicidade (cf. Georges Duplat, Lo Journal, p. 216).
O Código Penal, por sua vez, protege os direitos de personalidade contra a difamação e a injúria (artigos 407.° e 410.°).
92. Constituindo os tribunais um dos órgãos da soberania e uma instituição fundamental do Estado, a sua autoridade, independência e imparcialidade não podem ser discutidas através da imprensa.
Também a prevenção e repressão do crime justificam que o processo penal seja secreto até ser notificado o despacho de pronúncia ou equivalente, pelo que, nesta fase, a imprensa não pode publicar qualquer peça do mesmo.
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Por outro lado, a imprensa que se consagra a fazer g, apologia dos mais diversos crimes e a explorar os crimes passionais constitui um verdadeiro perigo público. Há pessoas de vontade fraca que, lendo essas apologias, transformam os criminosos em heróis, que desejariam, imitar para poderem figurar nas primeiras páginas dos jornais.
Na Inglaterra, as restrições respeitantes ao relato de processos judiciais fazem parte da uma série de leis relativas a tipos especiais de processos. O Judicial Proceeding Act, de 1926, considera, ilegal a impressão e publicação de quaisquer assuntos indecentes revelados no decurso do processo judicial e relativos a pormenores módicos, cirúrgicos ou fisiológicos, desde que considerados atentatórios da moral pública., assim como certos pormenores relacionados com os processos de divórcio. O Children and Young Persons Act, de 1933 (lei sobre crianças e jovens), o Magistrais Courts Act, de 1952, sobre os tribunais e magistrados e o Criminal Justice Act, contêm, por sua vez, várias restrições.
93. A "Declaração dos Direitos do Homem" inclui o direito à saúde.
A Constituição Política Portuguesa de 1933, antecipando-se àquela declaração, menciona, entre os direitos e garantias individuais, "o direito à vida e integridade pessoal".
O direito à saúde é um dos mais importantes direitos sociais, pois só o homem válido está em condições de modificar em seu proveito o ambiente em que decorre a sua actividade e adquirir pelo seu trabalho os meios indispensáveis à sua conservação e à da sua família.
O homem sem saúde não pode trabalhar, e sem trabalho não poderá subsistir sem o auxílio de outrem.
A protecção da saúde justifica, assim, limites ao uso da imprensa, na medida em que esta possa ser utilizada para a prejudicar: propaganda ou simples publicidade de estupefacientes ou de quaisquer medicamentos que, não tendo sido aprovados, possam colidir com a saúde.
Estes limites, bem como os já mencionados de carácter programático, só são passíveis de sanção penal na medida em que a lei os qualifique como crimes e preveja para eles a respectiva pena.
94. O n.° 2 da base XI da proposta, visto abranger matéria relacionada com outras bases, deverá passar a constituir uma base autónoma, referente à liberdade de discussão e crítica dos actos da Administração e da organização corporativa.
Nestes termos, sugere-se que à base XII seja dada a redacção seguinte:
BASE XII
(Limites da liberdade de imprensa)
O uso da imprensa, com os fins indicados na presente lei, apenas será limitado para assegurar:
a) O acatamento da Constituição, o respeito das instituições, a unidade e independência do País ou o seu prestigio na ordem, interna o no conceito internacional;
b) A defesa da ordem pública interna e da paz externa e as exigências da defesa nacional e da segurança do Estado;
c) A não divulgação de informações que respeitem a matérias classificadas de muito secreto, secreto ou confidencial ou que, embora sem esse carácter, possam prejudicar os interesses do Estado, se existirem normas do Governo determinando reserva;
d) A autoridade, independência e imparcialidade dos tribunais;
e) A prevenção do crime e a protecção da saúde;
f) O respeito dos direitos e garantias reconhecidos por lei aos indivíduos, às autarquias locais e às outras pessoas colectivas, públicas ou privadas, e bem assim a protecção dos interesses da família.
BASE XIII
(N.° 2 da base XI da proposta)
(Discussão e crítica)
95. Não obstante os limites postos na base anterior ao eventual mau uso da imprensa, a esta cabe largo papel na recolha e difusão de notícias e informações do País e do estrangeiro e seu comentário, na divulgação de conhecimentos, na exposição de opiniões (base V) e na discussão e critica dos actos da Administração e da organização corporativa, discussão e crítica previstos no n.° 2 da base XI da proposta, mas que, dada a sua importância, devem ficar a constar de base autónoma.
Também os actos dos que exercem funções públicas devem poder ser objecto de discussão e de crítica, desde que estas se mantenham dentro dos limites devidos: nunca injuriosos, ofensivos ou difamantes.
Deste modo, a Câmara sugere que a matéria contida no n.° 2 da base XI da proposta, acrescida da relativa à discussão e crítica dos diplomas legislativos e das normas de administração pública e da forma como os seus agentes as aplicam, passe a constituir uma base nova, com a redacção seguinte:
BASE XIII
(Discussão e crítica)
O disposto na base anterior não obsta à discussão e crítica das leis, regulamentos e mais actas da Administração pública e da organização corporativa e, bem assim, da forma como os respectivos órgãos e agentes lhes dão cumprimento, com vista ao esclarecimento da opinião pública ou à sua preparação para as reformas a efectuar pelos trâmites legais, à boa execução das leis e ao respeito pelos direitos das pessoas, desde que a critica não contenha injúria ou difamação.
BASE XIV
(Extorsão por meio da Imprensa)
96. O Código Penal, no capítulo consagrado às quebras, burlas e outras defraudações, inclui o artigo 452.°, em que se dispõe:
Aquele que por meio de ameaça verbal ou escrita de fazer revelações ou imputações injuriosas ou difamatórias, ou, a pretexto de as não fazer, extorquir a outrem valores, ou coagir a escrever, assinar, entregar, destruir e falsificar, ou, por qualquer modo, inutilizar escrito ou título que constitua, produza ou prove obrigação ou quitação, será condenado às penas de furto, agravadas, mas só terá lugar o procedimento criminal havendo queixa prévia do ofendido.
Por outro Lado, como diz Luís Osório (cf. Notas ao Código Penal Português, artigo 452.°):
Este artigo, bem como o seu § 1.°, protegem os interesses patrimoniais e a liberdade individual con-
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tra a extorsão de valores ou direitos por meio de ameaça verbal ou escrita de fazer revelações ou imputações injuriosas ou difamatórias, ou a pretexto de as não fazer. Este crime é conhecido em França pelo nome de chantage.
A ameaça de fazer declarações ou deixar de as fazer pode respeitar não só a imputações injuriosas ou difamatórias, previstas no artigo 452.°, mas ainda a quaisquer outras.
No Brasil, "uma das formas mais comuns dessa prática deprimente é a de campanhas que aparentemente visam o interesse público, mas que na realidade espreitam a ocasião de extorquir publicidade, donativo, ou mesmo dinheiro, das formas mais variadas possíveis. O crime de extorsão pode ser praticado ou tentado através da publicação, transmissão ou distribuição de notícias, abrangendo, pois, todos os veículos de informação, inclusive as agências de notícias. Também a informação, capaz de caracterizar o crime de extorsão ou tentativa, não é apenas limitada à notícia como texto lido ou publicado, mas abrange as demais formas de divulgação que são a fotografia, o desenho, a figura, ou qualquer outro sinal, representação ou forma susceptível de permitir ao agente obter ou tentar obter para si ou para outrem vantagens indevidas" (cf. Freitas Nobre, Lei de Informação).
Por isso, os vários códigos penais, em termos mais ou menos amplos, têm uma incriminação de extorsão, que é punida com bastante severidade.
A lei de informação brasileira no seu artigo 18.° dispõe:
Obter ou procurar obter para si ou para outrem favor, dinheiro ou outra vantagem para não fazer ou impedir que se faça publicação, transmissão ou distribuição de notícia. Pena: reclusão de um a quatro anos, e multa de dois a trinta salários mínimos da região.
§ 1.° Se a notícia cuja publicação, transmissão ou distribuição se prometeu não fazer ou impedir que se faça, mesmo que expressada por desenho, figura, programa ou outras formas capazes de produzir resultados, for desabonadora da honra e da conduta de alguém, a pena de reclusão será de quatro a dez anos, ou multa de cinco a cinquenta salários mínimos da região.
Na Europa são raros, e em Portugal serão raríssimos, os casos de extorsão por meio da imprensa.
Entretanto, sob a ameaça de fazer revelações sobre as suas dificuldades financeiras, o director de um semanário na Itália, Giorgio Pisano, extorquiu recentemente ao produtor de cinema Dino de Laurentiís 4 milhões de liras e preparava-se para obter segunda prestação de 6 milhões quando a polícia interveio e prendeu o chantagista (cf. Diário Popular( de 25 de Fevereiro de 1971).
Assim, para proteger os indivíduos e a sua liberdade contra actos da mesma natureza, a Câmara alvitra a inclusão de uma base, que seria a XIV, com a redacção seguinte:
BASE XIV
(Extorsão por meio da imprensa)
Ninguém pode obter ou procurar obter para si ou para outrem dinheiro, valores, favor ou vantagem que acarrete prejuízo para outra pessoa sob a ameaça ou a pretexto de fazer ou impedir a publicação, transmissão ou distribuição de qualquer texto ou imagem.
capitulo III
Imprensa periódica c não periódica
BASE XV
(Base XII da proposta)
(Instituição do registo)
97. Ainda que no relatório da proposta se dê importância à instituição do registo, não se apresentam aí as razões que determinaram a sua criação. O Sindicato Nacional dos Jornalistas, por sua vez, não esconde o receio de que "a instituição do registo possa permitir que aos jornalistas seja recusado o exercício da profissão, logo, o direito ao trabalho".
As suas apreensões não tom razão de ser. A base XII da proposta, quanto à inscrição, limita-se a dispor que esta só pode ser recusada, com fundamento na lei. E matéria, a regular no estatuto da profissão e que nada tem a ver com a lei de imprensa, nem com a inscrição dos jornalistas no registo nela previsto.
O fim da lei é mais simples: dada a função de carácter público da imprensa, torna-se necessário conhecer as empresas e profissionais que se consagram a esta actividade, com vista a fomentar a sua criação, no caso de as existentes não se mostrarem capazes de desempenhar cabalmente a sua missão, e a distingui-la da clandestina.
É o que se passa noutros países, onde o registo jamais foi considerado como um meio preventivo da imprensa, mas apenas como forma de distinguir a imprensa que, cumprindo determinadas formalidades, está em condições de circular, da imprensa clandestina, espécie de escalracho que há toda a conveniência em mondar na seara da boa imprensa.
Assim, pela Lei francesa sobre a imprensa de 29 de Julho de 1881, a publicação de qualquer jornal ou escrito periódico deve ser precedida de uma declaração feita perante o procurador da República, contendo:
1.° O título do jornal ou escrito periódico e o seu modo de publicação;
2.° O nome e domicílio do gerente;
3.° A indicação da oficina tipográfica onde tem de ser impresso;
Qualquer mudança, nas condições acima enumeradas será declarada no prazo de cinco dias (artigo 7.°).
Também a Lei italiana de 8 de Fevereiro de 1948 estabelece:
Nenhum jornal ou periódico pode ser publicado sem estar registado na secretaria do tribunal em cuja circunscrição a publicação deva, efectuar-se (artigo 5.º).
O registo é feito na secretaria do tribunal em cuja circunscrição deva efectuar-se a publicação e pelo mesmo são devidas as seguintes taxas:
a) Jornais diários - L. 40 000;
b) Semanários - L. 20 000;
c) Outros periódicos - L. 5000.
Os periódicos de carácter científico ou técnico são isentos de qualquer taxa (Decreto de 1 de Março de 1961).
Em Espanha, pela Lei de 18 de Março de 1966, as empresas jornalísticas, antes de iniciarem a sua actividade, têm de inscrever-se no Ministério da Informação e Turismo no Registo de Empresas Jornalísticas (artigo 26.°). Os jornalistas, por sua vez, são inscritos no Registo Oficial dos Jornalistas (artigo 33.°). Os requi-
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sitos para o exercício da sua actividade são regulados pelo Estatuto da Profissão Jornalística.
Pelo artigo 8.º da Lei da Informação do Brasil (9 de fevereiro de 1967) estão sujeitos a registo:
I) Os jornais e demais publicações periódicas;
II) As oficinas impressoras de qualquer natureza, pertencentes a pessoas naturais ou jurídicas (artigo 8.º).
O pedido de registo, tal como sucede em Espanha, conterá as informações e será instruído com os documentos mencionados no artigo 9.°
A lei brasileira, tal como sucede na proposta, considera clandestino o jornal ou outra publicação periódica não registada ou de cujo registo não constem o nome e qualificação do director ou redactor e do proprietário (artigo 11.°).
Deste modo, a instituição do registo não é uma inovação da proposta, pois já existe noutros países.
Nada obsta a que fique para o regulamento a menção dos documentos que devem instruir o pedido de registo e o modo de este se efectuar. Para tanto, porém, não há necessidade ide estabelecer que a inscrição no registo "obedecerá a normas regulamentares". A sua recusa, porém, só pode ser fundamentada na lei.
O registo deve ser público.
Pelo exposto, a Câmara nada tem a objectar à matéria da base XII da proposta, que passará a base XV, alvitrando para os n.ºs 4 e 5 a seguinte redacção:
BASE XV
(Instituição do registo)
1. Nos serviços centrais de informação haverá um registo:
a) Das empresas jornalísticas;
b) Das pessoas singulares editoras de imprensa periódica;
c) Das publicações periódicas;
d) Dos profissionais da imprensa periódica;
e) Dos editores da imprensa não periódica;
f) Das agências noticiosas estrangeiras admitidas em Portugal;
g) Dos profissionais ao serviço da imprensa estrangeira.
2. As entidades e os profissionais a que se refere o número anterior não podem iniciar o exercício das respectivas actividades sem obterem a sua inscrição no registo.
3. Também de prévia inscrição no registo depende a publicação dos periódicos, sendo havidos por clandestinos os não registados.
4. O registo é publico e será organizado por forma a permitir, em cada momento, uma identificação completa e actualizada das inscrições.
5. A inscrição no registo só poderá ser recusada com fundamento na lei.
BASE XVI
(Base XIII da proposta, n.° 2 do artigo 8.° e artigo 11.° do projecto)
(Direcção e edição dos periódicos)
98. Em França, todos os jornais ou escritos periódicos devem ter um director. Este deve ter a nacionalidade francesa, ser maior e estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticas (Lei de 29 de Julho de 1881 e Decreto de 26 de Agosto de 1944, artigo 7.°).
Na Itália, o director responsável tem de ser italiano e possuir os requisitos necessários à sua inscrição nas listas eleitorais (Lei da Imprensa, artigo 3.°).
No Uruguai, o redactor-chefe ou gerente tem de ter, pelo menos, 21 anos de idade, não ter perdido a nacionalidade nem gozar de imunidades e deve exercer efectivamente a chefia (Lei da Imprensa, artigo 5.°).
Pela Lei da Imprensa de Espanha as publicações periódicas terão um director, a quem compete a sua orientação, bem como a sua representação perante os tribunais e as diferentes autoridades, cm matéria da sua competência.
Deve possuir os seguintes requisitos: nacionalidade espanhola, achar-se aio pleno exercício dos seus direitos civis e políticos, residir na localidade onde o periódico se publica e possuir o título de jornalista, inscrito no respectivo Registo Oficial (artigos 34.° e 35.°).
No Brasil, todo o jornal ou periódico é obrigado a estampar, no seu cabeçalho, o nome do director ou redactor-chefe, que deve estar no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como indicar a sede da administração e do estabelecimento gráfico onde é impresso.
Ficará sujeito a apreensão pela autoridade policial todo o impresso que, por qualquer meio, circular ou for exibido em público sem estampar o nome do director e editor, bem como a indicação da oficina onde foi impresso, sede da mesma e data da impressão (Lei da Informação, artigo 7.°, §§ 1.º e 2.°).
Pela Lei da Imprensa grega, o director, além de cidadão grego, deverá possuir os seguintes requisitos: ter cumprido o serviço militar; estar na posse dos direitos civis; possuir, pelo menos, o diploma de uma escota secundária; ter capacidade para intervir numa equitable fuction, na versão inglesa; não ter sido condenado por ofensa a determinadas disposições da Constituição; residir na localidade onde for editada a publicação (artigo 8.°).
Na proposta, ao contrário do que sucede no projecto, não se indicam os requisitos do director, reservando-se esta matéria para o regulamento da lei.
Nesta parte, porém, afigura-se mais correcta a posição assumida mo projecto, visto que, tratando-se de restringir o uso de uma liberdade - a de dirigir um periódico - cujo exercício se faz depender da verificação de determinados requisitos, estes devem constar da lei, e não do seu regulamento.
Nos termos do projecto, o director terá de ser jornalista (artigo 11.°, n.° 1), isto é, designado de entre os indivíduos que exerçam de forma efectiva, permanente e remunerada, em jornais diários, as funções de chefe de redacção, chefe de redacção-adjunto, subchefe de redacção, secretário de redacção, redactor e repórter. Ora, sem embargo de alguns jornalistas que ascenderam à função de director haverem prestigiado as funções e a imprensa, a existência deste requisito não se justifica, por duas ordens de razões: em primeiro lugar, a todos deve ser lícito fundar um jornal. A empresa jornalística, sem prejuízo das suas características especiais, deve, como sucede com as demais empresas, ser dirigida, em princípio, pelas pessoas que nela investiram os seus capitais e que correm o risco inerente ao exercício da actividade. No Porto, alguns dos directores dos jornais - Aníbal Morais, do Jornal de Notícias; Bento Carqueja, do Comércio do Porto, e Manuel Pinto de Azevedo Júnior, de O Primeiro de Janeiro - juntaram a esta qualidade a de seus principais donos.
De resto, nos termos do Estatuto do Trabalho Nacional, a direcção das empresas, com todas as saias responsabili-
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dades, pertence de direito aos donos do capital social ou aos seus representantes (Estatuto, artigo 15.°).
Depois, se o jornal não é só uma mercadoria, é, sob certos aspectos, uma mercadoria como qualquer outra.
Para a produzir não bastam os jornalistas, pois há a considerar outros elementos cuja importância não se pode minimizar. Um director, mesmo que não seja jornalista, mas que saiba escolher os seus colaboradores, contando-se entre os primeiros os jornalistas, pode dar vida e expansão a um jornal, onde um jornalista com menos conhecimentos de administração teria falhado. Há exemplos desces em todos os países. Entre nós, pode citar-se o de Manuel Guimarães, que fundou e dirigiu A Capital, jornal que alcançou grande projecção na imprensa portuguesa. E não se deve esquecer, também, o caso de João Pereira da Rosa, que não sendo propriamente um jornalista, dirigiu com a maior proficiência e dignidade um jornal, como o Século, que, sob a sua direcção, alcançou grande prestígio. Não deve, pois, estabelecer-se para as empresas jornalísticas um regime de restrição que não existe para a generalidade das empresas.
Por último, na nossa tradição predominou sempre a corrente oposta, indo-se buscar para a direcção dos jornais, por via de regra, figuras representativas sem a característica de jornalistas profissionais ou que só por mera coincidência colaboravam nos jornais, sendo, porém, outra a sua actividade principal.
Os maiores directores de jornais ou, pelo menos, alguns dos mais notáveis não tinham feito carreira profissional de jornalistas: António Enes, Emídio Navarro, Mariano de Carvalho e tantos mais.
Também se não justifica a existência com carácter obrigatório de um conselho de redacção junto da direcção. O director, se assim for necessário, terá um ou mais subdirectores ou directores-adjuntos, que o substituirão nos seus impedimentos e que serão, pela ordem natural das coisas, os seus conselheiros.
Um conselho de redacção que pretendesse assistir à direcção em todas ias matérias da sua competência acabaria por ser um elemento de perturbação na vida do jornal e redundaria em diminuição do prestígio da direcção. Se ao director fica a caber a responsabilidade da condução do jornal, a esta deve corresponder a inerente autoridade.
O jornal será, em grande parte, o que for o seu director, o que forem os jornalistas que constituem o seu corpo redactorial e o respectivo chefe de redacção, independentemente de haver ou não conselho de redacção.
Em cada jornal, ainda que com finalidade diversa, funciona já uma Comissão de Redacção, composta por cinco jornalistas (Contrato Colectivo de Trabalho, cláusula 34.°) e nada obsta a que o referido conselho se constitua sempre que for julgada necessária ou conveniente a sua existência, definindo-se, e por forma clara, as suas atribuições.
Em França, por exemplo, "os jornais e revistas que são propriedade do Partido Socialista são colocados sob o controlo político e administrativo do Partido. O congresso determina as condições de direcção, de redacção e administração" (artigo 70.º dos estatutos). Assim, é o congresso, e não os jornalistas, que fixam a forma como é organizada a direcção, a redacção e a administração.
"Quanto aos jornais e revistas que não são propriedade do Partido, mas cuja direcção pertence a um ou mais membros deste, devem conformar-se com as decisões dos congressos nacionais e internacionais e do Conselho Nacional interpretadas pelo comité director" (estatutos, artigo 72.°).
Relativamente aos jornais do Partido Comunista, não lhes é vedado discutir as questões, desde que não tomem uma decisão (Estatutos do Partido Comunista, artigo 32.°), pois esta compete ao Partido.
99. A proposta mantém como representante da empresa proprietária o editor da publicação periódica, pessoa física responsável pela sua composição, impressão e circulação. O projecto, pelo contrário, reserva a menção do editor para as publicações unitárias ou não periódicas.
Neste passo, o projecto segue a orientação do projecto de Trindade Coelho, em que, na expressão do seu autor, "desaparece a mentira convencional do velho editor, que não passa de um testa de ferro, e faz-se do director do jornal o seu legítimo e natural editor". E acrescentava:
A responsabilidade é o timbre da dignidade: jornalista que foge à responsabilidade não é digno de ser jornalista.
Também a Lei de 11 ide Abril de 1907 aboliu o editor, ao estabelecer:
Art. 2.° Toda a publicação indicará os estabelecimentos onde foi composta e impressa e o nome do seu proprietário.
§ 1.° Os periódicos indicarão também o nome do seu director ou redactor principal e a sede da sua administração; as outras publicações o nome do editor.
§ 2.° Exceptuam-se das disposições deste artigo as listas eleitorais, bilhetes, cartões, circulares, avisos e outros impressos análogos que não contenham apreciação dos actos da vida pública ou particular de qualquer pessoa ou colectividade, diversa de um autor.
A supressão do editor prevista na respectiva proposta suscitou protestos da imprensa, que considerava a conservação do editor uma garantia essencial da opinião livre, protestos de que se fez eco na Câmara o Deputado e jornalista Melo Barreto.
O Deputado Teixeira de Abreu, respondendo àquele Deputado, disse que a manutenção do editor, "que nada pensou, nada escreveu, nem saberia escrever, é a responsabilidade fictícia, à sombra da qual o verdadeiro criminoso se escapa às inconveniências legais do seu facto. Não é um critério jurídico, susceptível de discussão, mas uma simples ficção jurídica, que repugna ao senso comum, e contraria os princípios mais elementares do direito criminal". E acrescentou:
Aceitar o editor responsável, nas condições em que ele existe em Portugal, é consagrar legalmente a escravatura, permitindo que um homem venda a sua liberdade para assegurar a impunidade de um criminoso.
Quanto ao director, as coisas passam-se por forma diversa, pois, no dizer de Teixeira de Abreu, "na imprensa periódica, o director do jornal é o cérebro pensante da colectividade que o fabrica". O seu espírito tudo dirige e subordina.
E o director "quem orienta os espíritos dos seus colaboradores, quem lhes dirige a pena, escolhe os assuntos, comanda os ataques, aponta as vítimas do seu ódio ou os heróis da sua eleição".
"E o jornal segue, automaticamente, a linha traçada, sem hesitação ou sem audácias, conforme o temperamento
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e as qualidades de quem dirige" (cf. Diário da Câmara dos Senhores Deputados, sessão n.° 52, de 18 de Dezembro de 1906).
Na sessão n.° 3, de 7 de Janeiro de 1907, o Deputado Martins de Carvalho, referindo o que se passava nesta matéria na França, Itália, Alemanha, Espanha e Noruega, defendeu, igualmente, a substituição do editor pelo director ou redactor principal. O Ministro da Justiça, José Novais, por sua vez, sustentou a tese relativa à necessidade de se "acabar com esse fantasma do editor" e a sua substituição "par quem escreve no jornal para que a"suma a responsabilidade que lhe cabe. B essa entidade não pode nem deve ser outra senão o director" (Diário citado, p. 10).
Também o Congresso Jurídico de Nápoles, referido pelo Deputado Teixeira de Abreu, havia votado a seguinte conclusão:
Substituir o actual gerente (editor) do jornal por um director responsável, que ofereça suficientes garantias morais e intelectuais.
Efectivamente, dados os poderes do director, que tem direito de veto sobre o que se publica no jornal, parece que não se justifica a existência, a seu lado, de um editor responsável pela "composição, impressão e circulação", visto só se imprimir e circular aquilo que o director entenda estar em condições de ser publicado.
Também não se afigura de exigir que o director tenha a residência permanente dentro da comarca em cuja área se situa a sede do periódico (n.° 5 da base XIII da proposta).
Na verdade, dada a facilidade dos meios de comunicação, é irrelevante para a orientação do jornal que tenha a sua, sede em Lisboa que o director resida em Cascais, Almada ou Vila Franca de Xira.
O que importa, sim, é que ele dê garantias de idoneidade moral e profissional: que não tenha sofrido condenação por crime a que corresponda pena maior ou por algum dos enumerados no § único do artigo 65.° do Código Penal e ainda que não haja sido condenado por três ou mais infracções relacionadas com o exercício da imprensa,, casos em que ofereceria menores garantias para o desempenho daquelas funções.
Pelo exposto, a Câmara alvitra que aos textos em apreço se dê a redacção seguinte:
BASE XVI
(Direcção e edição de periódicos)
1 - As publicações periódicas editadas por empresas privadas terão um director livremente escolhido pela entidade proprietária de entre as pessoas de nacionalidade portuguesa, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, que não tenham sido condenadas cm pena maior ou por algum dos crimes enumerados no § único do artigo 65.º do Código Penal e que não hajam sido condenadas por três ou mais infracções relacionadas com o exercício da imprensa.
2. Compete ao director a orientação da publicação, com direito a decidir sobre todo o conteúdo desta, incluindo a publicidade e exceptuadas as inserções obrigatórias. Cabe-lhe igualmente representar a empresa pelo que toca à composição, impressão e circulação ao periódico, ou cm outras matérias relativas às funções do seu cargo.
3. O director poderá ser coadjuvado por directores-adjuntos ou subdirectores designados pela mesma forma que o director de entre as pessoas que reunam os mesmos requisitos.
4. Em caso de impedimento, o director será substituído pelo director-adjunto ou subdirector, em quem recairão, durante o impedimento, as atribuições e responsabilidades estabelecidas na lei para o director.
5. As publicações periódicas, sob pena de não poderem ser expostas, vendidas ou de qualquer modo difundidas, conterão obrigatoriamente, em cada um dos seus números, os nomes do director e do director-adjunto ou subdirector, quando existam, a indicação da entidade proprietária, da sede da respectiva administração e do estabelecimento onde foram compostas e impressas e a data da publicação.
BASE XVII
(Base XIV da proposta e n.ºs 1 e 3 do artigo 8.° do projecto)
(Edição da imprensa não periódica)
100. A Câmara nada tem a objectar aos dois primeiros números da base XIV da proposta, que passaria a base XVII, salvo quanto a pormenores de redacção. No n.° 3 propõe-se texto bastante diferente, de modo a prever as chamadas sedições de autor".
Alvitra-se, portanto, o seguinte:
BASE XVII
(Edição da imprensa não periódica)
1. Toda a imprensa não periódica, salvo quando expressamente exceptuada na lei, terá um editor, pessoa singular ou colectiva, responsável pela publicação.
2. Nenhuma publicação que deva ter editor poderá ser posta à venda ou por qualquer outra forma posta a circular sem indicação do nome ou da designação comercial daquele, do estabelecimento onde foi compacta, e impressa e da data em que se fez ou concluiu a impressão.
3. No caso de a edição ser mandada executar pelo autor da publicação sem intervenção de um editor devidamente registado, esta deverá sempre indicar, no lugar onde habitualmente se insere a designação do editor, tratar-se de edição do autor.
BASE XVIII
(Base XV da proposta e artigo 2.° do projecto)
(Inserção de notas oficiosas e de rectificações oficiais)
101. Nos termos do artigo 23.° da Constituição, "a imprensa exerce função de carácter público, por virtude da qual não poderá recusar, em assuntos de interesse nacional, a inserção de notas oficiosas que lhe sejam enviadas pelo Governo".
A base XV da proposta dá satisfação a este preceito constitucional.
Mas, além das notas oficiosas, os periódicos são obrigados a inserir as comunicações oficiais que lhes sejam remetidas para rectificação ou aclaração de informações inexactas ou menos correctas por eles publicadas sobre a respectiva actividade.
Trata-se do exercício do direito de rectificação, instituído em França pela primeira vez em 1819, data, em que os jornais passaram a inserir as comunicações oficiais que lhes fossem dirigidas pelo Governo no dia seguinte ao recebimento das mesmas comunicações, mediante o pagamento das respectivas despesas.
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Afirmada, porém, a função pública da imprensa, as notas oficiais (c) as rectificações passaram a ser publicadas gratuitamente.
Nada a opor, pois, a esta base, salvo ligeiras modificações destinadas a tornar mais clara a redacção.
BASE XVIII
(Inserção de notas oficiosas e de rectificações oficiais)
1. As notas oficiosas do Governo deverão ser publicadas na íntegra c correctamente, com indicação da sua proveniência, por todos os periódicos a que forem remetidas pelos serviços centrais de informação, no primeiro número impresso apus a sua recepção.
2. Os periódicos são também obrigados a inserir, no número seguinte ao da sua recepção, as comunicações oficiais que lhes sejam, remetidas, através dos serviços centrais de informação, por qualquer órgão da administração pública, para rectificação ou aclaração de afirmações ou informações inexactas ou menos correctas por eles publicadas sobre a respectiva actividade.
3. A rectificação ou aclaração será feita gratuitamente, na mesma página e local onde tiver sido impressa a afirmação ou informação rectificada, com os precisos caracteres tipográficos desta, e limitar-se-á aos factos nela referidos, não podendo ultrapassar o dobro do espaço ocupado por aquela, excepto, quanto a este último aspecto, nos casos previstas no n.° 5.
4. A publicação da rectificação ou aclaração não poderá ser acompanhada, no mesmo número, de quaisquer comentários do periódico ou de terceiros.
5. As disposições desta base são aplicáveis às decisões finais proferidas em processos de inquérito ou semelhantes, instaurados em consequência de acusações ou referências feitas na imprensa a funcionários públicos.
BASE XIX
(Base XVI da proposta e artigo 9.° do projecto)
(Direito de resposta)
102. "Os abusos do poder da imprensa levam muita gente a desejar juntar uma sexta liberdade às cinco liberdades de Roosevelt: a libertação da imprensa" (cf. Randolph Churchill, The Spectator, de 15 de Abril de 1955).
omo essa libertarão não é possível, a lei estabelece vários meios de reagir contra os excessos da imprensa: repressivos, através da acção criminal conta-a os arguidos de crimes de difamação e injúria, ou defensivos, por meio da resposta aos seus ataques ou simples erros. Toda a pessoa nomeada ou designada num artigo de jornal tem o direito de refutar as afirmações inexactas feitas a seu respeito.
Mas, ainda que a generalidade das legislações acolha o direito de, resposta, a sua amplitude varia de país para país. Nas legislações germânicas (Lei dos Estados da Baviera de 1949 e de Hessen de 1958) o direito é restrito ao desmentido de uma informação materialmente inexacta.
Em França, pelo contrário, o direito de resposta é muito amplo. Tendo começado, em 1819, pela obrigatoriedade de inserção das notas oficiais, logo três anos depois foi facultado a todas as pessoas pelo artigo 11.° da Lei de 1822, em que se dispunha:
Os proprietários ou editores de jornais serão obrigados a inserir no prazo de três dias a contar da recepção ou no próximo número a resposta de qualquer pessoa nomeada ou designada num jornal ou escrito periódico, sob pena de multa de 50 a 500 francos, sem prejuízo de outras penas e da indemnização a que o artigo incriminado dê lugar. Esta inserção será gratuita e a resposta poderá ocupar o dobro do espaço do artigo a que corresponde.
Em 1835'este preceito foi modificado no sentido de que o interessado pudesse exceder o dobro do espaço, desde que o ocupado pela resposta fosse pago na parte excedente.
O artigo 13.° da Lei de 1881 manteve, no essencial, o artigo 11.° da Lei lie 1822, determinando que a parte da resposta que excedesse o dobro do espaço do artigo seria paga ao preço dos anúncios judiciais.
O artigo 13.° da Lei de 1881, modificado em 1919, havia de ser alterado pela Ordonnance de 28 de Agosto de 1944, que elevou a multa de 180 F para 1800 F. no caso de recusa da inserção da resposta.
Pela Lei de 5 de Outubro de 1946, no caso de a inserção haver sido ordenada pelo juiz, o director da publicação seria passível de uma pena de prisão de seis dias a três meses e de uma multe de 300 F a 6000 F.
O direito de resposta prescreveria no prazo de um ano, a partir do dia da publicação que lhe dera lugar.
Na legislação francesa o direito de resposta é geral e absoluto, isto é, toda a pessoa designada num jornal ou escrito periódico tem direito ao uso desse direito, sem que o director do jornal possa fazer-se juiz do seu exercício.
Concedido a todas as pessoas nomeadas ou designadas, o direito de resposta não se extingue com a morte do seu titular, pois pode ser exercido pelos seus herdeiros, sempre que haja necessidade de defender a sua memória contra ataques injuriosos ou difamatórios.
Em França, salvo em relação ao Jornal Oficial e às decisões dos tribunais, o direito de resposta é reconhecido para todas as espécies de publicações: crítica literária e artística, artigos políticos e religiosos, etc.
Quando o jornal fez qualquer comentário à resposta é obrigado a inserir uma nova resposta, pois, embora a lei se lhe não refira, esta solução é admitida pela doutrina e sancionada pela jurisprudência.
Quanto às condições do direito de resposta, considera-se, de um modo geral, que este não deve exceder os limites da legítima defesa.
Por outro lado, além de não dever conter matéria ofensiva das leis e dos bons costumes, não deve ofender os interesses legítimos de terceiro nem ferir a honra do jornalista e deve respeitar à matéria versada no artigo a que se responde.
É evidente que, devendo o jornalista suportar as consequências dos seus escritos, se usou neles de uma linguagem viva, o respondente podo empregar igual vivacidade, designadamente se esta é provocada por injúria ou difamação.
A resposta deve não só ser publicada integralmente, mas ainda num só número do jornal e no local e com os caracteres do artigo que a provocou (cf. Gérard Biolley. Le droit de réponse en matière de Presse).
A lei de imprensa italiana obriga à inserção da resposta ou rectificação, sendo a desobediência a esta obrigação punida com prisão até seis meses e multa de 30 000 a 50 000 liras (artigo 8.°).
A lei de imprensa espanhola consagra o direito de resposta e de rectificação nos termos mais amplos, porquanto toda a pessoa, natural ou jurídica, que se considere injustamente prejudicada por qualquer informação escrita ou gráfica inserta numa publicação periódica pode fazer
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uso do direito de resposta nos prazos e pela forma estabelecidos dos regulamentos (artigo 58.°).
A lei da informação brasileira consagra ao direito de resposta os artigos 29.° a 36.°, devendo ser exercido, sob pena de decadência, no prazo de sessenta dias.
Também a lei de imprensa grega assegura o direito de resposta em termos genéricos e amplos.
A obrigação de publicar a resposta é independente da responsabilidade civil ou criminal em que o editor ou director, porventura, hajam incorrido (artigo 79.°, n.° 2).
A publicação de uma resposta implica o direito a uma contra-resposta e esta a uma segunda e última resposta da parte ofendida.
A falta de publicação da resposta, quando deva ter lugar, é punida com a pena de prisão nunca inferior a um mês e multa nunca inferior a dez mil dracmas metálicas (artigo 82.°).
103. Em Portugal, as primeiras leis de imprensa não se ocuparam do direito de resposta, que surge pela primeira vez na Lei de 10 de Novembro de 1837, em cujo artigo 9.° se dispunha:
Toda a pessoa que, directa ou indirectamente, se julgar ofendida num periódico terá direito a exigir do editor a inserção de uma resposta, contanto que não exceda mil letras, ou o dobro de todo o artigo que contiver a ofensa.
A Lei de 17 de Maio de 1866 estabelecia:
O editor do periódico em que algum indivíduo, tribunal ou corporação tenha sido injuriado, é obrigado a publicar gratuitamente a defesa que pelo arguido lhe for remetida no primeiro número que publicar depois de a ter recebido; contanto que a extensão dela, impressa em tipos e formato igual ao da arguição, não exceda o dobro desta, ou mil letras de impressão, à escolha do arguido (artigo 9.°).
O Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890, revogando, embora, a legislação em contrário, manteve aquele artigo 9.°, visto nada dispor sobre o direito de resposta.
A Lei de 7 de Julho de 1898 consigna:
O periódico é obrigado a inserir gratuitamente no primeiro número posterior à notificação:
1.° A defesa de qualquer indivíduo ou pessoa moral, injuriados ou difamados no mesmo periódico, contanto que a respectiva matéria, impressa em tipo e formato igual ao da difamação ou injúria, não exceda o dobro ou mil letras de impressão.
2.° O desmentido ou rectificação oficial de qualquer notícia publicada ou reproduzida no periódico.
3.° O teor da sentença condenatória proferida contra ele por crime de abuso de liberdade de imprensa (artigo 37.°).
A Lei de 11 de Abril de 1907 manteve a redacção do artigo 37.º da Lei de 1898, mas estendeu a obrigatoriedade de publicação gratuita à "cópia dos éditos para citação dos responsáveis por qualquer delito ou contravenção da lei de imprensa" (artigo 35.°).
O Decreto de 28 de Outubro de 1910, embora mantendo o direito de resposta, limitou a defesa a matéria que "não contenha abuso de liberdade de imprensa" (artigo 32.º, § 1.º).
Por outro lado, estabeleceu:
Quando em alguma publicação houver referências, alusões ou frases equívocas, que possam implicar difamação ou injúria para alguém, poderá quem nelas se julgar compreendido notificar, nos termos dos artigos 645.° e 649.° do Código do Processo Civil, o autor do escrito se for conhecido, e na sua falta o director ou redactor principal se a publicação for periódica, ou o editor se for não periódica, para que declare terminantemente por escrito no prazo de cinco dias se essas referências, alusões ou frases dizem ou não respeito ao requerente e dê publicidade pela imprensa à mesma declaração (artigo 33.°).
O Decreto n.° 12 008 consagra nos artigos 53.° e 54.° o direito de resposta em termos idênticos, direito este que pode ser exercido, dentro de seis meses, pela própria pessoa atingida pela ofensa, pelo seu representante legal ou por seus herdeiros (§ 2.° do artigo 53.°).
A inserção da resposta será feita gratuitamente, de uma só vez, na mesma página do periódico onde tiver sido impressa a respectiva arguição e não deverá exceder a extensão desta. Se a exceder, a parte excedente será paga pelos preços ordinários, que nunca poderão exceder os da publicarão dos anúncios no Diário do Governo (§ 3.° do artigo 53.°).
O projecto dos Srs. Deputados é a proposta do Governo contêm desenvolvida disciplina da matéria. Inspirando-se nesses textos, na nossa tradição legislativa e ainda nos elementos de direito comparado que se referiram, a Câmara sugere a seguinte redacção para o preceito:
BASE XIX
(Direito de resposta)
1. Os periódicos são obrigados a inserir o resposta remetida por qualquer pessoa singular ou colectiva que se considere material ou moralmente lesada pela publicação de texto ou imagem que de algum modo se lhe refira.
2. O direito de resposta pode ser exercido pelo interessado ou por seu representante legal e, no caso de morte daquele, pelo cônjuge sobrevivo, ou por descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido, dentro de trinta dias a contar da data da publicação ou daquele em que a mesma chegue ao conhecimento do interessado.
3. A resposta será publicada dentro de dois dias, a contar do seu recebimento, se a publicação por diária, ou, se o não for, no primeiro número impresso após a recepção.
4. Aplicar-se-á à resposta o disposto nos n.ºs 3 e 4 da base anterior, com extensão limitada à do escrito ou imagem que a tiver provocado, mas podendo atingir sempre cinquenta linhas. Estes limites podem ser ultrapassados até ao dobro do espaço do texto ou imagem que provocou a resposta, desde que o interessado se prontifique a pagar a parte excedente pelos preços ordinários, que nunca poderão ser superiores aos da publicação de anúncios no Diário do Governo.
5. Quando à publicação da resposta forem feitos comentários com carácter de réplica, o interessado terá direito a nova resposta.
6. O direito de resposta é independente de procedimento criminal pelo facto da publicação, bem como do direito à indemnização pelos danos causados.
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BASE XX
(Base XVII da proposta e n.°s 2, 4, 5, 6 e 7 do artigo 9.° do projecto)
(Recusa da Inserção da resposta)
104. Nos termos da proposta, a publicação da resposta só pode ser recusada quando não tiver relação com o que houver sido publicado, ou quando, pelo seu conteúdo, seja proibida, nos termos da lei, ou ainda quando, tendo extensão superior à fixada na lei, o interessado não aceda a reduzi-la [base XVII, alíneas a), b) e c)].
Também o projecto limita a resposta pelo seu fim, pela sua extensão e pelo seu conteúdo (artigo 9.°, n.° 2).
Tanto a proposta (n.° 2 da base XVII), como o projecto (artigo 9.°, n.° 5) prevêem o recurso a juízo na hipótese de o direito de resposta mão ter sido satisfeito, sendo omissos quanto ao tribunal competente para conhecer da infracção.
Tal tribunal, será o criminal, porquanto a falta de (publicação da resposta, quando ordenada pelo tribunal, é punida com a pena correspondente ao crime de desobediência qualificada [base XXXI, alínea f). da proposta e artigo 9.°, n.° 6, do projecto].
Se a proposta é omissa quanto ao facto de haver ou não recurso da decisão relativa ao pedido da publicação da resposta, o projecto, porém, estabelece que da mesma não há recurso.
A fixação do prazo de dois dias para contestar o pedido e de igual prazo para a decisão, prevista no n.° 7.° do artigo 9.° do projecto, tem em conta a realidade. Trata-se, porém, de matéria a inserir no regulamento da lei e não nesta, motivo por que é excluída.
Tanto a proposta como o projecto mão prevêem o caso de o jornal que devia publicar a resposta ter deixado de aparecer, por, entretanto, haver sido suspensa a sua publicação ou por qualquer outro motivo. Verificada, esta hipótese, o tribunal deve poder ordenar a publicação da resposta em um dos jornais de maior circulação na localidade, ou que seja lido na região, a expensas da empresa proprietária do jornal que a devia publicar.
105. A proposta e o projecto, ainda que em termos diversos, justificam a recusa da inserção da resposta em razão do seu conteúdo: proibida nos termos da lei [alínea b) da base XVII da proposta] ou conter expressões desprimorosas ou que envolvam responsabilidade civil ou criminal (artigo 9.°, n.° 2, do projecto).
Toma-se, pois, necessário saber quando o conteúdo da resposta justifica a recusa da sua publicação.
O projecto estabelece que a resposta não pode "conter palavras desprimorosas". Simplesmente, não se pode exigir do respondente, quando injustamente atacado, a obrigação de proceder para com o caluniador com a maior cortesia. Se este mentiu, há que restabelecer a verdade; e a demonstração desta, independentemente das expressões usadas, envolve sempre desprimor para o mentiroso.
Há necessidade, pois, de estabelecer outros limites ao direito de resposta em razão do conteúdo desta.
Assim, a Lei de Imprensa do Cantão de Vaud, de 12 de Fevereiro de 1888, alterada em 14 de Dezembro de 1947, estabelece:
O editor pode recusar a inserção de uma resposta injuriosa, difamatória, contrária às leis e aos bons costumes ou que ponha em causa de uma forma malévola uma pessoa estranha ao debate. (Artigo 4.°)
A Lei de Imprensa italiana de 8 de Fevereiro de 1948 prevê que a resposta não deve ter um conteúdo que possa dar lugar a uma incriminação penal (artigo 8.°).
Da mesma forma, a Lei turca de 14 de Junho de 1953 dispensa o director de publicar uma resposta ou rectificação que contenha matéria que constitua um delito (artigo 19.°).
A Lei jugoslava de 19 de Novembro de 1960 justifica a recusa da inserção de uma resposta que não se refira directamente à publicação a que se reporta ou que seja susceptível de provocar a apreensão do jornal ou a responsabilidade penal do director.
A Lei de Imprensa do Uruguai de 24 de Junho de 1935 também dispensa a publicação da resposta quando o seu texto seja contrário à moral e aos bons costumes ou atente contra a honra ou tranquilidade privadas ou da pessoa que haja provocado a resposta, seja ou não o redactor responsável (antigo 17.°)
A Lei da Informação brasileira nega o direito à publicação da resposta:
I) Quando não tiver relação com os factos referidos ma publicação;
II) Quando contiver expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas;
III) Quando versar sobre actos de publicações oficiais, excepto se a rectificação partiu de autoridade pública;
IV) Quando se referir a terceiros, em condições que criem para estes igual direito à resposta;
V) Quando tiver por objecto critica, literária, teatral, artística, científica ou desportiva, salvo se esta contiver calúnia, difamação ou injúria (artigo 34.°).
Também pela lei de imprensa grega o editor ou o director da publicação podem recusar a publicação da resposta, entre outros casos, quando ela contiver frases que constituam acto punível [artigo 89.°, alínea a)].
106. E em Portugal? A Carta de Lei de 7 de Julho de 1898, obrigando o periódico a inserir gratuitamente, no primeiro número posterior à notificação, a defesa die qualquer indivíduo ou pessoa moral, injuriados ou difamados no mesmo periódico, apenas punha um limite: não exceder a defesa o dobro ou mil letras de impressão (artigo 37.°).
A Lei de 11 de Abri de 1907 manteve, em termos sensivelmente idênticos, o disposto na Lei de 7 de Julho de 1898 (artigo 35.°), o mesmo fazendo o Decreto de 28 de Outubro de 1910.
O Decreto n.° 12 008, de 29 de Julho de 1926, estabelece os seguintes limites:
A inserção só pode ser recusada:
1.° - Quando não tiver relação alguma com os factos aludidos na referida publicação;
2.° - Quando contiver expressão que importe crime de liberdade de imprensa (artigo 53.°, § 5.°, n.ºs 1.° e 2.º).
O texto do n.° 1 da base XVII da proposta foi inspirado nestes princípios, pelo que a ele adere a Câmara excluindo, por inútil, a alínea, c).
A proposta prevê a hipótese de o periódico deixar de publicar a resposta, facultando ao interessado o direito de requerer ao tribunal a sua publicação. O projecto, porém, vai mais longe, pois regula o processo a seguir (no caso de o direito de resposta não ter sido satisfeito.
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Trata-se de disposições que, dada a sua natureza, devem constar do regulamento da lei.
Pelo exposto, alvitra-se para a base xx a redacção seguinte:
BASE XX
(Recusa de inserção da resposta)
1. A publicação da resposta pode ser recusada quando:
a) Não tiver relação com o que houver sido publicado;
b) Pelo seu conteúdo, seja proibida nos termos da lei.
2. Se o periódico deixar de publicar a resposta, poderá o interessado requerer em tribunal a sua publicação.
3. Na hipótese de o periódico ter deixado de se publicar, a decisão do tribunal c a resposta serão publicadas em um dos periódicos de maior circulação na localidade, a expensas do responsável pela publicação que originou a resposta.
BASE XXI
(Base XVIII da proposta)
(Direito de esclarecimento)
107. A referência feita a qualquer pessoa singular ou colectiva pode ser feita por forma clara e directa ou por modo vago e impreciso.
Na primeira hipótese, a pessoa que se considere prejudicada pode usar do direito de resposta; na segunda, assiste-lhe o direito de solicitar do director da publicação que declare por escrito, no prazo de cinco dias, se as referências, alusões ou frases equívocas respeitam ou não ao requerente, esclarecendo-as devidamente. E o que se designa por direito de esclarecimento.
Na nossa legislação surge pela primeira vez esse direito no Decreto de 28 de Outubro de 1910, ao dispor:
Quando em alguma publicação houver referências, alusões ou frases equívocas, que possam implicar difamação ou injúria para alguém, poderá quem nelas se julgar compreendido notificar, nos termos dos artigos 645.° e. 649.° do Código de Processo Civil, o autor do escrito, se for conhecido, e na sua falta o director ou redactor principal se a publicação for periódica, para que declare terminantemente por escrito, no prazo de cinco dias, se essas referências, alusões ou frases dizem ou não respeito ao requerente e dê publicidade pela imprensa à mesma declaração. (Artigo 33.°)
Esta disposição foi reproduzida no artigo 54.° do Decreto n.° 12 008, que lhe acrescentou as palavras:
Tratando-se de imprensa periódica, a declaração será feita no mesmo lugar em que foi feita a publicação.
Se o notificado deixar de fazer ia declaração ou não a fizer pela forma indicada neste artigo, incorrerá na multa de 500$, que lhe será imediatamente imposta pelo juiz, o periódico será suspenso por dois meses e o queixoso terá direito à competente acção criminal e civil. (§ 2.º do artigo 54.°)
Também o Decreto de 28 de Outubro de 1910 dispunha:
Se o autor, director ou redactor principal do periódico ou editor da publicação não periódica mão fizerem
declaração alguma, ou, fazendo-a, ela não for terminante, o queixoso 'terá direito à competente acção criminal e civil, presumindo-se que o escrito se refere ao queixoso. (Artigo 33.°, § 3.°)
Não se vê razão para acabar com esta presunção. A primeira qualidade do jornalista consiste em ter a noção da responsabilidade. Não pode ferir a reputação de alguém, por meio de alusões ou frases equívocas. Se o faz, quando convidado a esclarecê-las, só tem uma atitude a tomar: declarar se sim ou mão as mesmas visaram o requerente.
Se, em vez disso, se remete a um prudente silêncio, é legítima a presunção de que se referia ao queixoso.
Há toda a conveniência em que o esclarecimento seja prestado com a possível brevidade, a fim de tranquilizar a pessoa que, bem ou mal, se sentiu atingida pelas alusões ou frases equívocas.
Pelo exposto, alvitra-se para a base XXI a redacção seguinte:
BASE XXI
(Direito de esclarecimento)
1. Se em qualquer publicação periódica houver referências, alusões ou frases equívocas ou imprecisas que possam, implicar difamação ou injúria para alguém, poderá a pessoa que por elas se julgue abrangida requerer ao director da publicação, por carta com aviso de recepção ou por notificação judicial, que:
a) Ouvida o respectivo autor, declare inequivocamente, por escrito, no prazo de cinco dias, se aquelas referências, alusões ou frases respeitam ao requerente, esclarecendo-as devidamente;
b) Publique essa declaração no primeiro número do periódico que for distribuído, nos termos do n.º 3 da base XIX.
2. Quando o director não publique a declaração ou o faça por forma equivoca, poderá o interessado pedir ao tribunal que determine a publicação do requerimento, nos termos indicados no número anterior, com a nota de que não foi respondido, ou a publicação da declaração escrita que lhe tiver sido enviada.
3. Se o director do periódico não publicar a declaração, ou, publicando-a, esta for equívoca, o requerente terá direito à resposta e à respectiva acção criminal e civil, presumindo-se que o escrito em causa se refere ao mesmo requerente.
4. O direito de esclarecimento é extensivo às publicações não periódicas, aplicando-se ao autor, ou, não sendo este publicamente conhecido, ao editor, o disposto para o director do periódico; o requerimento e a declaração serão publicados por conta do responsável, em folheto, se assim for acordado, ou, na falta de acordo, em três periódicos à escolha do interessado, não podendo, neste casto, o requerimento e a declaração ter extensão superior a cem linhas.
BASE XXII
(Base XIX da proposta)
(Entrega oficial da publicação)
108. Em França, o depósito legai das publicações é muito antigo. Instituído pelo Decreto de 5 de Fevereiro de 1810, foi mantido pela Lei de 21 de Outubro de 1814 e pela Ordonnance de 7 de Janeiro de 1828.
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Ninguém, podia vender ou distribuir um escrito sem ter antes depositado cinco exemplares no Ministério do Interior, um na Biblioteca Real, um na Biblioteca do Conselho de Estado, um na Direcção-Geral da Livraria e outro na prefeitura.
No que respeita aos jornais, as Leis de 9 de Junho de 1819, 17 ide Março de 1822 e 11 de Maio de 1868 estabeleceram um regime particular: dois exemplares eram entregues na prefeitura ou subprefeitura ou na câmara municipal e dois outros no tribunal.
A Lei de Imprensa francesa de 1881 dispunha:
Na ocasião da publicação de cada folha ou fascículo do jornal ou escrito periódico serão remetidos ao procurador da República, ou à mairie, nas cidades em que não houver tribunais de 1.ª instância, dois exemplares assinados pelo gerente. Igual depósito será feito no Ministério do Interior, com relação a Paris e ao departamento do Sena, e, nos outros departamentos, na prefeitura ou subprefeitura, ou na mairie nas cidades que não forem cabeças de departamento ou de arrondissement. (Artigo 10.°)
O regime de depósito legal é hoje regulado pela Lei de 21 de Junho de 1943 e pelo Decreto da mesma data, modificado pelos Decretos de 4 de Novembro de 1960, 16 de Janeiro de 1962 e 1 de Agosto de 1963.
O depósito não visa o exercício da censura, embora possa servir para fins de polícia. (Of. H. Blin, A. Chavanne e R. Drago, Traité du Droit de la Presse, p. 36.)
O depósito é feito antes da venda ou distribuição, salvo para as edições musicais, em que deve ser feito no prazo de três meses.
Quando se trate de depósito a efectuar pelo editor, este deve ser efectuado quarenta e oito horas antes de a obra ser posta à venda ou distribuída. Se o depósito for efectuado por via postal, a entrega no correio deverá efectuar-se três dias antes de ser posta à venda. (Ob. cit., p. 38.).
A lei de imprensa de Espanha distingue, para efeito de depósito, os diários e os semanários das outras publicações. Destas devem depositar-se seis, com a antecipação que em regulamento se determine, a qual nunca poderá exceder um dia por cada cinquenta páginas ou fracção.
Quanto aos jornais, serão depositados dez exemplares meia hora antes, pelo menos, da sua difusão, assinados pelo seu director ou pela pessoa em quem este delegue (artigo 12.°).
Em Portugal, o depósito foi previsto, entre outros diplomas, na Lei de 22 de Dezembro de 1834 (artigo 7.°), na Lei de 7 de Julho de 1898 (antigo 16.°), ma Lei de 11 de Abril de 1907 (antigo 34.°) e no Decreto n.° 12 008 (artigo 7.°).
Nos termos deste último diploma, a entrega é feita no próprio dia em que for feita a publicação ou no dia seguinte quando esta tenha lugar à noite. Os exemplares, em número de oito, serão entregues um ao delegado do procurador da República na comarca ou distrito criminal onde a publicação periódica tiver a sede da sua administração, um a cada um dos Ministérios do Interior e da Justiça e a cada uma das Bibliotecas de Lisboa, Porto, Évora, Braga e da Universidade de Coimbra.
O regime da proposta fixa ainda (n.ºs 2 e 3) a obrigatoriedade da entrega de exemplares ao Ministério da Justiça, e à entidade competente para a instrução dos processos penais, exceptuando, contudo, certo tipo de publicações: cientificas, literárias, artísticas, etc. Finalmente (n.° 4), estabelece que o editor da publicação não periódica deve entregar um exemplar no dia da publicação desde que aquela contenha assuntos de carácter político, económico ou social.
A Câmara propõe um sistema mais simples. O Serviço de Depósito Legal deve estar organizado de modo a enviar a todas as entidades interessadas os exemplares das publicações. Os directores e editores nada mais devem fazer senão entregar a uma única entidade, no dia da publicação, o número de exemplares que lhes for prescrito.
109. No regime previsto na base XIX da proposta, o número de exemplares a entregar será fixado em regulamento e a entrega, quanto aos periódicos, efectuar-se-á no próprio dia em que for feita a publicação e com meia hora, pelo menos, de antecedência sobre o início da distribuição (base XIX, n.° 1).
Esta base mereceu do Sindicato Nacional dos Jornalistas os seguintes reparos:
Não se compreende a obrigatoriedade de os directores terem de fazer a entrega de um certo número de exemplares dos periódicos pelo menos meia hora antes da distribuição, a não ser que os objectivos deste prazo sejam proceder a um exame com possíveis efeitos de apreensão.
Estaríamos então perante um outro tipo de censura prévia, agora à distribuição, a qual pode comportar ainda mais perigos do que a ora existente, na medida em que as empresas, temendo prejuízos semelhantes, serão naturalmente levadas a uma censura interna ainda mais rigorosa.
Além disso, há que atender aos prejuízos que uma tal medida pode provocar à distribuição de um órgão que visa conter informação, sobretudo no momento em que a rapidez desta, deve ser característica de qualquer jornal.
Quanto ao primeiro reparo - exame para efeito de apreensão -, sem pôr de parte a ideia de que uma das finalidades da obrigatoriedade da entrega à autoridade administrativa é para esta., tal como acontece 'em França, exercer, sendo caso disso, o seu poder de polícia,, a situação não se modificou em relação ao disposto no Decreto n.° 12 008 em vigor, porquanto, verificadas as hipóteses previstas no seu artigo 10.°, qualquer autoridade pode proceder à apreensão.
A intervenção da autoridade administrativa está condicionada, nos termos da proposta, com as alterações que se sugerem, à verificação dos pressupostos previstos na sua base IX - constituir o escrito ou imagem crime contra a segurança exterior ou interior do Estado, ultraje à moral pública e incitamento ao crime.
A autoridade deve conciliar, na medida do possível, as necessidades de ordem pública e de defesa da moral com o princípio da liberdade de imprensa, limitando a sua intervenção aos casos em que a venda e distribuição do jornal seja capaz de perturbar a tranquilidade pública de causar ultraje à moral ou de pôr em risco a segurança do Estado.
Que esse princípio tem estado presente no seu espírito mostra-o o número limitado de apreensões verificado em Portugal, a contrastar com as que todos os anos se verificam em França e se verificaram em Espanha quando da II República. Providência excepcional, só em casos excepcionais e devidamente justificados é que a autoridade ordenará a apreensão. Na hipótese de não se verificarem os pressupostos legais e a autoridade ter feito uso indevido do poder que a lei lhe confere, da sua decisão cabe recurso por desvio de poder, ficando o jornal com direito à indemnização que lhe for devida.
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A imprensa dispõe, porém, de outras armas que limitam arbítrio não só das autoridades que podem ordenar a apreensão como daquelas que, interposto recurso hierárquico, a sancionam. Trata-se da pena do silêncio, tantas vezes aplicada pela imprensa de todo o mundo. O homem público condenado pela imprensa à pena do silêncio é homem que não conta. Podem as reformas que empreender ser as mais adequadas que, se a imprensa não lhes dá vulto, as mesmas passarão despercebidas; pode a sua palavra ser eloquente que, se a imprensa não se fizer eco da mesma, não será escutada. O favor ou desfavor da opinião pública, fonte de entusiasmo ou causa de desânimo, dependem, em grande parte, da imprensa.
Por isso, e com justificada razão, todos aspiram a ter uma "boa imprensa".
Assim, e dados os antecedentes em matéria de apreensão dos jornais no País, não parece que, na ordem prática, o receio do Sindicato Nacional dos Jornalistas se justifique.
110. Procede, porém, a razão invocada na parte final da crítica do Sindicato.
Na verdade, como já se acentuou na apreciação na generalidade, a informação deve, quanto possível, ser rápida e completa. Ora, quando o progresso espectacular dos meios de comunicação satisfaz o requisito da rapidez, não faz sentido que esta seja entravada por uma medida que provoque um atraso no seu conhecimento por parte do público.
Por isso, reputa-se suficiente que os exemplares de cada número do periódico sejam entregues imediatamente antes ou no próprio início da venda ou da distribuição. Era esta uma velha tradição dos jornais portugueses, à qual não será alheio o facto de uma grande parte dos jornais de Lisboa, serem impressos em locais situados a pequena distância do Governo Civil.
Em França, não sendo, por via de regra, a venda e a distribuição feitas directamente pela empresa jornalística, mas por uma outra sociedade, entre a publicação e a venda ao público medeia um espaço de tempo suficiente para a autoridade ordenar, sendo caso disso, a apreensão, com o fim de evitar os danos que a circulação do jornal podia causar.
Em Portugal, pelo contrário, são as empresas jornalísticas que procedem directamente à venda, e o jornal, mal acaba a impressão, passa logo às mãos dos encarregados da distribuição.
Assim, uma vez impresso o jornal, um dos primeiros exemplares deverá ser mandado entregar à autoridade administrativa local, podendo, efectuada a entrega, iniciar-se a distribuição, sem se aguardar o decurso da meia hora referida no n.° 1 da base XIX da proposta ou qualquer outra fracção de tempo.
Em Espanha, sendo Presidente do Governo o jornalista Luís Gonzalez Bravo, é que a Lei de 7 de Janeiro de 1879 estabeleceu que, duas horas antes da distribuição do jornal, devia ser entregue às entidades nela referidas determinado número de exemplares, prazo que na lei actual de imprensa foi reduzido para o mínimo de meia hora, o que à Câmara se afigura excessivo por incompatível com a rapidez da informação.
Em razão das considerações feitas, sugere-se para a base XXII a redacção seguinte:
BASE XXII
(Entrega oficial das publicações)
1. Os directores dos periódicos devem mandar entregar à autoridade administrativa local, a determinar em regulamento, e no inicio da distribuição, os exemplares de cada número que naquele diploma forem fixados.
2. É obrigatório o envio ao Serviço de Depósito Legal do número de exemplares, a fixar em regulamento, de todas as publicações, no dia da sua distribuição:
BASE XXIII
(Base XX da proposta)
(Publicações para a infância e adolescência)
111. Em França, as publicações periódicas ou não, que, pelo seu carácter, apresentação ou objecto, se destinem de preferência às crianças e adolescentes estão sujeitas a uma regulamentação especial (Lei de 16 de Julho de 1949, alterada, pela Lei de 29 de Novembro de 1954, Ordonnance de 23 de Dezembro de 1958, Decretos d(c) 15 de Julho de 1960 e de 25 de Março de 1966 e Lei de 4 de Janeiro de 1967).
As publicações destinadas à juventude não devem conter nenhuma ilustração, descrição, crónica, rubrica ou inserção que apresente sob uma luz favorável o banditismo, a mentira, o roubo, a preguiça, a cobardia, o deboche ou todos os actos que a lei qualifica de crimes ou delitos de natureza a desmoralizar a infância ou a juventude ou a inspirar ou a manter prejuízos étnicos (Lei de 16 de Julho de 1949, artigo 2.°).
A infracção ao disposto na referida lei é punida com prisão de um mês a um ano e multa, sem prejuízo da publicação de outras disposições que regulem especialmente a matéria. A decisão é publicada e o tribunal ordena a apreensão é a destruição das publicações incriminadas.
Quando a infracção for cometida por um periódico, a sentença pode ordenar a sua suspensão pelo prazo de dois meses a dois anos que, no caso de reincidência, pode tornar-se definitiva.
Nos termos do artigo 14.° da Lei de 16 de Julho de 1949, alterado pela Lei de 4 de Janeiro de 1967, pode proibir-se a exposição, circulação e venda a menores de 18 anos de qualquer publicação que, em razão do seu carácter licencioso ou pornográfico, da provocação ao crime e à violência, constitua um perigo para a juventude.
Quanto à importação para venda ou distribuição gratuita em França de publicações destinadas à juventude -, depende de autorização do Ministro da Informação, tomada mediante parecer favorável da comissão de vigilância e controlo que funciona no Ministério da Justiça.
O fabrico, importação, exposição distribuição o venda das publicações obscenas é punido com a pena de prisão de dois meses a dois anos (Decreto-Lei de 29 de Julho de 1939, artigo 119.°), podendo a autoridade administrativa proibir a venda de publicações desta natureza e a sua exposição na via pública (Lei de 16 de Julho de 1949, artigo 14.°).
O Ministro do Interior, por sua vez, pode proibir a circulação, distribuição ou venda de jornais ou de outros escritos, periódicos ou não, redigidos em língua estrangeira (Lei de 29 de Julho de 1881, artigo 14.° modificado pelo Decreto-Lei de 6 de Maio de 1939) (cf. Juris-Classeur Administratif, fasc. 270, pp. 8 a 10).
Na Itália, o disposto no artigo 528.° do Código Penal é aplicável aos que exponham, distribuam ou vendam publicações destinadas às crianças e adolescentes, quando sejam susceptíveis de ofender o seu sentimento moral ou de constituir para eles incitamento à corrupção, ao crime ou ao suicídio (Lei de Imprensa, artigo 14.°).
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Esta disposição corresponde à exigência de reprimir a acção deletéria de certas publicações que incide sobre a formação moral e mental das novas gerações. Uma imprensa que se demite da sua tarefa educativa para semear no fértil terreno da consciência infantil e juvenil os germes da corrupção e da imoralidade, ou favorecer o desencadear de baixos instintos ou brotar de sugestões nocivas, não merece ser protegida, mas, sim rigorosamente reprimida (cf. Cassiodoro Cantareno, Codice della Legislazione sulla Stampa, p. 144).
Pela Lei de Imprensa de Espanha, a impressão, edição e difusão das publicações destinadas principalmente às crianças e- adolescentes são reguladas por um estatuto especial (artigo 15.°).
Em execução desta lei foi publicado o Decreto n.° 195/67, de 19 de Janeiro, que aprovou o Estatuto de Publicações Infantis e Juvenis. Este Estatuto fixa o conteúdo das publicações para crianças e adolescentes, o regime das empresas e das publicações, das infracções e das sanções.
Em Portugal, no que respeita à juventude, as coisas não podem processar-se de modo diverso.
Na medida em que o cinema dá a maior guarida à violência, às perversões sexuais e às drogas, aumenta a criminalidade infantil. Há necessidade, pois, de evitar que a imprensa seja contaminada por aqueles inales, tão certo é que as crianças e adolescentes são vulneráveis às más leituras. A saúde mental da juventude carece tanto ou mais de defesa do que a sua saúde física.
Justifica-se, assim, que as publicações para a infância e adolescência fiquem sujeitas, no que respeita à disciplina do seu conteúdo, a legislação especial. A isso visa a base XX da proposta a cuja matéria, em razão do exposto, nada há a objectar devendo, porém, abranger não só as publicações destinadas à infância ou à adolescência, mas ainda as secções especializadas das publicações periódicas que se destinem à mesma finalidade.
Pelo exposto, alvitra-se para a base XXIII a redacção seguinte:
BASE XXIII
(Publicações para a infância e a adolescência)
As publicações periódicas ou não, destinadas à infância ou à adolescência,, bom como as suas secções especializadas de análoga natureza ou finalidade, ficam sujeitas, no que respeita à disciplinai do seu conteúdo, a legislação especial.
BASE XXIV
(Base XXI da proposta e artigo 17.° do projecto)
(Imprensa estrangeira)
112. Pela base XXI da proposta a importação, a conservação em depósito, o anúncio, a exposição e a circulação de imprensa publicada no estrangeiro serão regulamentados de harmonia com os princípios consignados no mesmo projecto de diploma.
Ainda, nesta parte, o que se preceitua está de acordo com o estabelecido na Lei de Imprensa de Espanha, em que a difusão em território nacional dos impressos editados no estrangeiro será submetida ao disposto (naquele diploma e nas disposições regulamentares correspondentes (artigo 55.°, n.° 2).
Efectivamente, pelo Decreto n.° 747/1966, de 31 de Março, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 55.° da Lei de Imprensa, regulamentando-se a distribuição em Espanha das publicações editadas mo estrangeiro e importadas pelas entidades inscritas no "Registo de empresas importadoras de publicações estrangeiras".
Em França, os jornais e escritos estrangeiros gozam das mesmas garantias que os jornais franceses em matéria de venda e de difusão, com a seguinte restrição: os mesmos podem ser proibidos pelo Ministro do Interior. A proibição respeita aos jornais e escritos de providência estrangeira, mesmo quando redigidos em língua francesa e impressos em França (cf. H. Blin, A. Chavanne e R. Drago, Traité du Droit de la Presse, p. 118).
No Brasil, os jornais, periódicos, livros e outros quaisquer impressos publicados no estrangeiro têm livre entrada, mas aos que contiverem alguma das infracções previstas nos artigos 15.° e 16.° da Lei da Informação pode ser proibida a entrada, por portaria do juiz de direito ou do ^Ministério da Justiça e Negócios Interiores (Lei da Informação, artigo 60.°).
Assim, uma vez que a importação, exposição e circulação da imprensa publicada no estrangeiro se revestem de características especiais e dada a necessidade de evitar que, os estrangeiros se sirvam da imprensa para de qualquer modo, influir na política portuguesa, não se vê inconveniente cm que a regulamentação se faça de acordo com os princípios definidos nesta lei para a imprensa portuguesa, tendo em conta os superiores interesses do País. Nada há, portanto, a objectar à base XXI da proposta, cujo n.° 1 se perfilha inteiramente. Quanto ao n.° 2, a Câmara propõe um aligeiramento do preceito, eliminando as especificações nele constantes.
A Câmara sugere, portanto, para esta base XXIV a seguinte redacção:
BASE XXIV
(Imprensa estrangeira)
1. A importação, a, conservação em depósito, o anúncio, a, exposição o a circulação da imprensa publicada no estrangeiro, periódica ou não periódica, serão regulamentados de acordo com os princípios fundamentais definidos na presente lei para a imprensa portuguesa, e os superiores interesses do País.
2. O mesmo critério se adoptará para definir o estatuto dos profissionais ao serviço da imprensa estrangeira:
CAPITULO IV
Empresas jornalísticas e editoriais
BASES XXV e XXVI
(Bases XXII e XXIII da proposta e artigo 10.° do projecto)
113. A proposta (bases XXII e XXIII) e o projecto (artigo 10.°) ocupam-se das empresas jornalísticas e editoriais. Quanto às primeiras, a proposta estabelece que o seu património e capital pertencerão, necessariamente, a pessoas singulares ou colectivas ou a sociedades de nacionalidade portuguesa, residentes ou com sede em Portugal.
O projecto, por sua vez, estabelece que as empresas jornalísticas terão, pelo menos, dois terços de capital português (artigo 10.°, n.° 5) e, quando o periódico pertencer a uma sociedade anónima, todas as acções terão de ser nominativas, o mesmo se observando quanto às sociedades anónimas que sejam accionistas daquela que é proprietária do periódico (artigo 10.°, n.° 4).
Segundo a proposta, deverão ser portugueses e residir em Portugal, não só os administradores, mas ainda os directores e gerentes das empresas jornalísticas, ao passe que o projecto só exige a qualidade de portugueses os administradores das referidas empresas.
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114. O problema da propriedade das empresas jornalísticas não é novo e para o resolver têm sido encaradas várias soluções. Nas democracias populares, a solução consiste pura e simplesmente em abolir a propriedade privada para a imprensa e colocar esta na mão do Estado ou de organizações deste: populares, sindicais, culturais, científicas, profissionais, da juventude, etc. A estas organizações, sendo as detentoras dos jornais e das tipografias caberia a fiscalização a direcção da imprensa.
Dá-se, assim, execução ao pensamento de Lenine, que já em 1917 preconizava a nacionalização dos jornais e empresas de publicidade, como forma de as libertar da influência capitalista. A sua efectivação corresponde a pôr a imprensa ao serviço do partido que detém o poder, fazendo dela um seu instrumento.
Nos Estados Unidos da América, a comissão para a liberdade de imprensa chegou à conclusão de que o Governo deveria diligenciar por manter a concorrência entre os jornais e facilitar a sua criação, travando o desenvolvimento de trusts.
Em Inglaterra, a Comissão Real de Inquérito aos Jornais elaborou um Livro Azul, que foi presente ao Parlamento em 1949, e no qual se considera que, no domínio dos jornais, a empresa independente é uma das condições de uma imprensa livre e que proibir a um particular ou a um grupo de particulares a publicação de um jornal constituiria uma ofensa à liberdade individual e à da imprensa.
Todavia, no sentido de melhorar a situação existente, formulou as seguintes recomendações:
I) Que os jornais, periódicos e agências de informação sejam submetidos à possibilidade de inquérito por parte de uma autoridade de contrôle;
II) Que os jornais que pertencem ao mesmo grupo (Chain Newspapers) sejam obrigados a indicar claramente em subtítulo a sua dependência da sociedade proprietária comum;
III) Que, se um jornal detém o monopólio numa zona importante, rural ou urbana, deve ser submetido às exigências restritivas da Comissão dos Monopólios (inquéritos e contrôle);
IV) Que o acordo existente para travar as formas de concorrência extrajornalística deve ser prorrogado indefinidamente;
V) Que seja instituído um conselho geral de imprensa, composto de vinte e cinco membros representando os proprietários, editores, chefes de redacção e outros jornalistas e de membros que não pertençam à profissão, na proporção de 20 por cento, de entre os quais seria escolhido o presidente.
Os fins deste conselho seriam, entre outros, os de salvaguardar a liberdade de imprensa, desenvolver o sentido da responsabilidade junto do público, melhorar os métodos de recrutamento, de formação e de educação profissionais, censurar as formas indesejáveis de conduta jornalística e estabelecer um código de honra da profissão.
De um modo geral, tem-se entendido que a criação de monopólios em matéria de imprensa, tornados possíveis pelo desenvolvimento exagerado dos cartéis ou pela intervenção do Estado, corresponderia a suprimir as diferenças que existem de jornal para jornal e equivaleria à ruína da herdade de imprensa. Por isso, embora a propriedade de jornal não seja de comparar à de qualquer indústria ou comércio, ela deve ser reconhecida, em princípio, a quem disponha de meios suficientes para criar a respectiva empresa jornalística (cf. Jacques Bourquin, La Liberté de la Prense, pp. 270 e segs.).
Entretanto, este princípio sofre restrições, visito que, como já foi observado ao apreciar-se a base VIII da proposta, a tendência actual é no sentido de reservar para os nacionais do respectivo país não só o direito de fundar empresas jornalísticas, mas ainda o de participar no seu capital e de as administrar e dirigir. A razão é óbvia.
A economia europeia e americana dos últimos anos caracteriza-se pela grande concentração de empresas e pela sua internacionalização. Ao lado das grandes empresas nacionais, abrangendo as mais diversas actividades, surgem as empresas multinacionais, Cujo campo de operação se estende a vários países. A taxa de crescimento dos investimentos no estrangeiro aumenta de ano para ano, sendo superior, em alguns países, à taxa de acréscimo do investimento nacional. Mesmo em países muito industrializados, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos da América, dominam, já largos sectores da indústria.
Se a expansão das empresas multinacionais não for travada ou disciplinada, os conflitos entre elas e os governos dos países onde exercem as suas actividades são inevitáveis.
Ora, esses conflitos assumiriam particular gravidade se abrangessem a imprensa, visto esta juntar à função de informação a de formação da opinião pública e a de pressão junto dos governos através da propaganda e, na actividade económica, por meio da publicidade.
Assim, há toda a conveniência em impedir que a imprensa, ou parte dos seus órgãos, fique na dependência de interesses internacionais, económicos ou políticos, e em assegurar a sua orientação por nacionais. A infiltração estrangeira, verificada de modo directo ou indirecto na imprensa de vários países, já deu as suas provas, sobrepondo os interesses dos países detentores do capital aos daqueles que a haviam permitido e tolerado.
Dada a importância extraordinária da imprensa, a própria segurança interna e externa do Estado obriga a impor determinadas restrições à constituição das empresas jornalísticas. Na mesma linha de orientação, estas só poderão ser administradas e dirigidas por nacionais do respectivo país.
Assim, a lei francesa estabelece que toda a publicação periódica, seja qual for a forma da sua exploração, é obrigada a tornar público o nome e qualidade daqueles que têm a seu cargo a sua direcção de direito e de facto.
Por outro lado, para evitar a violação da lei & a ocultação dos verdadeiros responsáveis, a mesma lei preceitua:
Toda a pessoa que comprovadamente tenha emprestado seu nome ao proprietário, co-proprietário ou ao comanditatário de uma publicação, de qualquer maneira e de modo especial pela subscrição de 1 acção ou de uma parte numa empresa de publicação será punida com três meses a dois anos de prisão e com multa cujo mínimo será 200 000 francos e o máximo uma soma igual a cinquenta vezes o montante da subscrição, da aquisição ou da comandita dissimulada. As mesmas penas serão aplicadas àquele em proveito do qual a operação do "empresta-nome" será feita. No caso em que a operação de "empresta-nome" tenha sido feita por uma sociedade ou associação, a responsabilidade prevista no presente artigo será aplicável ao presidente do conselho de administração ou gerente, segundo o tipo de sociedade ou associação. (Cf. Ordonnance, de 25 de Agosto de 1944, artigo 4.°)
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Também, a Lei da Informação brasileira, depois de estabelecer que a propriedade de empresas jornalísticas é vedada a estrangeiros e a sociedades por acções ao portador e que a responsabilidade pela sua orientação intelectual e administrativa caberá exclusivamente a brasileiros natas, dispõe:
Qualquer pessoa que emprestar seu nome ou servir de instrumento para violação do disposto nos parágrafos anteriores ou que emprestar seu nome para se ocultar o verdadeiro proprietário, sócio, responsável ou orientador intelectual ou administrativo das empresas jornalísticas será punida com a pena de um a três anos de detenção a multa de dez a cem salários mínimos vigentes na capital do país. (Artigo 3.° e §§ 2.° e 5.°)
115. O projecto, no caso de o periódico pertencer a uma sociedade anónima, estabelece que todas as suas acções terão de ser nominativas, o mesmo se observando quanto às sociedades anónimas que sejam accionistas daquela que é proprietária do periódico. Não foi outra a orientação seguida em França, ao estabelecer-se:
No caso da sociedade por acções, estas devem ser nominativas. A sua transmissão depende da aprovação do conselho de administração. (Ordonnance de 26 de Agosto de 1944, artigo 6.°)
A Lei de Imprensa de Espanha não só consigna que, quando a forma adoptada seja a de sociedade anónima, as acções serão nominativas e intransmissíveis a estrangeiros, mas ainda que a actividade jornalística deve figurar nos estatutos entre os que fazem parte dos seus fins sociais (artigo 20.°).
O problema é delicado. A fundação e manutenção das empresas jornalísticas exige capitais avultados. A exigência de as acções serem nominativas, se, por um lado, facilita o conhecimento dos seus proprietários, por outro, afasta das empresas pessoas que, por motivos de ordem fiscal ou outras, só estariam dispostas a. subscrever acções ao portador.
116. No que respeita às empresas jornalísticas, o objectivo da proposta e do projecto é o mesmo: o seu domínio por parte de nacionais.
Quanto às empresas editoriais, a proposta estabelece que devem ser portuguesas, sendo o projecto omisso quanto à constituição do seu capital e à nacionalidade dos seus fundadores e administradores.
A proposta não distingue as empresas editoriais já existentes das que venham a fundar-se, pelo que, aprovada a lei nos termos propostos, todas passariam a ser portuguesas.
Existem, porém, empresas editoriais estrangeiras, as quais, radicadas em Portugal há muitos anos, não criaram problemas que justifiquem a modificação do seu regime jurídico. Por outro lado, sendo Portugal um dos signatários da Associação Europeia de Comércio Livre, pode suscitar-se a questão relativa à correcção desse procedimento, atento o disposto no artigo 16.° da referida Convenção, em que se acordou o seguinte:
Os Estados Membros reconhecem que não deveriam aplicar-se restrições ao estabelecimento e gestão de empresas económicas nos seus territórios por nacionais de outros Estados Membros, pela concessão a estes de tratamento menos favorável do que o concedido aos seus próprios nacionais, de modo a comprometer os benefícios esperados da eliminação ou da ausência de direitos e de restrições quantitativas no comércio entre os Estados Membros.
De qualquer modo, não se vê inconveniente em se isentar do condicionalismo previsto na proposta as empresas editoriais já existentes à data da publicação deste diploma. Da mesma isenção deverão beneficiar as pessoas colectivas que se proponham editar revistas de carácter exclusivamente técnico ou científico.
A Câmara adere aos objectivos da proposta e do projecto considerando conveniente que seja definido o princípio de que a sede e direcção efectiva das editoras se devem situar no País e de que, pelo menos, a, maioria do capital seja português.
Para os editores de publicações periódicas deve prescrever-se que tenham nacionalidade portuguesa as pessoas singulares e que sejam administradas ou geridas por portugueses as pessoas colectivas.
Todo o capital dos jornais será português e, no caso do respectivo editor ser uma sociedade anónima, todas as acções serão nominativas.
Afigura-se que estas determinações bastarão para atingir as finalidades visadas pelo projecto e pela proposta.
Sugere-se, portanto, a seguinte redacção:
BASE XXV
(Requisitos das empresas editoras)
1. As pessoas colectivas, incluindo as sociedades que tiverem personalidade jurídica, podem constituir-se editoras de publicações periódicas e não periódicas quando reunam os seguintes requisitos:
a) Terem a sede e a direcção efectiva em Portugal;
b) Serem portugueses e residirem em Portugal os administradores ou gerentes das editoras de publicações periódicas;
c) Ser português todo o capital, quando se trate de pessoas colectivas que empreendam predominantemente publicações de natureza jornalística, ou ser português a maioria do respectivo capital social, quando se trate de outras publicações;
d) Serem nominativas todas as acções nas sociedades anónimas que empreendam predominantemente publicações de natureza jornalística; quando se trate de outras publicações, serão nominativas as acções representativas da maioria do capital a que se refere a alínea anterior.
2. Não ficam sujeitas às restrições do número anterior as pessoas colectivas editoriais estrangeiras, ou nacionais com participação de capital estrangeiro, que exerçam a sua actividade em Portugal à data da publicação desta lei, e ainda as que se dediquem a publicação de revistas de carácter exclusivamente cientifico ou técnico.
BASE XXVI
(Requisitos das pessoas singulares editoras)
As pessoas singulares que pretendam editar publicações periódicas devem ter a nacionalidade portuguesa e residir em Portugal.
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CAPITULO V
Regime de exame prévio
BASE XXVII
(Base XXIV da proposta)
(Pressupostos e âmbito)
117. Num "estado de direito" a Administração deve agir em conformidade com a lei.
Esta, como a régua lésbica de chumbo que, no dizer de Aristóteles, serve para medir as coisas adaptando-se a elas, deve adaptar-se às circunstâncias, de modo que o poder da Administração se possa exercer em dois domínios essenciais: manutenção da ardem pública e organização e funcionamento dos serviços públicos.
As necessidades que visa a satisfazer não se compadecem com delongas ou atrasos.
Por isso, a lei prevê certas circunstâncias de facto em que a autoridade administrativa, não podendo assegurar o exercício das suas funções pelos meios normais, assume poderes extraordinários.
É o caso da declaração do estado de sítio, com suspensão total ou parcial das garantias constitucionais (Constituição Política, artigo 91.°, n.° 8.°).
Mas, como se acentuou no relatório da proposta de lei n.° 14/X sobre alterações à Constituição Política (Actas da Câmara Corporativa, n.° 61, de 3 de Dezembro de 1970, pp. 569-70), "o estado de sítio é uma forma extremamente violenta de responder a situações de perturbação: envolve suspensão, e não mera restrição, de direitos individuais; implica a substituição das autoridades civis pelas militares ou, pelo menos, a subordinação daquelas a estas. Ora a verdade é existirem casos em que se torna preciso estabelecer um regime de excepção, sem, todavia, se mostrar indispensável, ou sequer conveniente, ir até ao ponto de instaurar o império da lei marcial".
Em conformidade com o exposto, e versando o regime de necessidade, a revisão dia Constituição em curso acrescenta dois parágrafos ao artigo 109.° da Constituição. No § 6.° faculta-se ao Governo, ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional e quando se não justifique a declaração de estado de sítio, adoptar as providências necessárias para reprimir a sua extensão, com a restrição de liberdades e garantias individuais que se mostrar indispensável.
A proposta, na parte relativa à imprensa, está de acordo com o preceito a inserir na. revisão da Constituição.
Na verdade, a publicação de textos ou imagens só pode ficar dependente de exame prévio nos casos em que seja decretado estado de sítio ou ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional. O referido exame não pode abranger toda a matéria, mas só a fixada na lei. Por outro lado, a existência dos pressupostos em que assenta a possibilidade de estabelecer o exame prévio deverá ser confirmada pela Assembleia Nacional, que se pronunciará sobre a existência e a gravidade da situação.
Simplesmente, a Câmara, quando se pronunciou sobre a revisão constitucional (parecer n.° 22/X, Actas da Câmara Corporativa. n.° 67, de 16 de (Março de 1971, pp. 659-660), propôs algumas alterações ao texto do Governo. Em conformidade com as sugestões então feitas, introduzem-se agora as necessárias modificações.
118. Não obstante o cuidado havido no condicionalismo no exame prévio, o Sindicato Nacional dos Jornalistas põe-lhe reservas, com o fundamento de envolver a instituição da censura pelo Poder Executivo, em condições a definir pelo mesmo Poder.
Mas não lhe assiste razão. O Governo, verificados determinados pressupostos resultantes da aprovação da alteração à Constituição, podia estabelecer o exame prévio nos termos mais amplos, visto este caber na forma genérica do § 6.° do artigo 109.°, relativa "à restrição de liberdades e garantias individuais que se mostrar indispensável".
Em vez disso, limita, o seu âmbito às matérias abrangidas pelo n.° 1 da base XI da proposta (base XII do texto da Câmara) e manda submeter à Assembleia Nacional, na primeira reunião que se efectue após a ocorrência dos factos, o reconhecimento do estado de subversão e a gravidade deste, em razão da qual se teria estabelecido com carácter precário o exame prévio. O preceito justifica-se.
O homem só pode realizar-se na sociedade e a existência desta depende da salvaguarda de valores comuns e essenciais. A ordem, condição da liberdade de expressão do pensamento, é um deles, pois na desordem e na anarquia reina a lei da selva, isto é, a do mais forte.
Na vida dos povos, a salvação da Pátria é ainda a primeira lei - salus populi prima lex esto. Assim sucedia na velha Roma, assim acontece na generalidade dos países.
A ocorrência de actos subversivos graves conduziu entre nós à suspensão dos direitos e garantias individuais e à fiscalização da imprensa, como se pode ver, entre outros, dos diplomas seguintes: Cartas de Lei de 14 de Agosto e de igual dia de Setembro de 1840, Cantas de Lei de 6 e 22 de Fevereiro d(c) 1844, Decreto de 20 de Abril de 1844, Carta de Lei de 20 de Abril de 1846, Decreto de 7 de Outubro de 1846, Decretos de 5 de Novembro e de 6 de Dezembro de 1846, de 6 de Janeiro e de igual dia de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1847.
Os primeiros dos referidos diplomas foram publicados no dia seguinte à ocorrência dos actos subversivos que os justificaram. Hoje, porém, tudo é mais rápido: a informação e a subversão. Esta pode surgir de um momento para o outro e revestir a forma mais inopinada. O que se passa no mundo e a que se aludiu neste parecer ao proceder-se à apreciação da proposta ma generalidade ilustra o asserto. Torna-se, pois, necessário habilitar o Estado a utilizar as armas que forem julgadas indispensáveis à defesa da ordem.
Não foi outro o propósito da Constituição do Reich de 1919, ao conferir ao Presidente da República o poder de tomar as providências necessárias, incluindo a utilização das forças armadas e a suspensão da eficácia de múltiplas normas constitucionais, nos casos de ameaça de perturbação da ordem e segurança públicas.
Também a Constituição francesa de 1958 confere ao Presidente da República, o poder de tomar as providências exigidas peias circunstâncias ma, hipótese de as instituições republicanas, de a integridade do território ou de a execução dos compromissos internacionais serem ameaçadas de maneira imediata e, de o regular funcionamento dos poderes públicos constitucionais ser interrompido (cf. Constituição francesa, artigo 16.°).
O Presidente, ouvidos o Primeiro-Ministro, os Presidentes da Assembleia Nacional e do Conselho Constitucional, fez uso da autorização assim concedida, em 23 de Abril de L9&1, aquando do putsch dos generais em Argel. Foram então proibidos os escritos, periódicos ou não, que de qualquer modo apoiassem a subversão ou difundissem informações secretas de ordem militar ou administrativa. Em 29 de Setembro de 1961, por decisão do Presidente da República, a proibição referida foi prorrogada até 15 de Julho de 1962. Uma ordonnance de 13 daquele mês e ano havia, por sua vez, de a prorrogar até 31 de Março de 1963.
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Quando da guerra de 1939 a 1945, o Governo Francês instituiu o contrôle da imprensa, designadamente através da censura prévia (Decreto-Lei de 24 de Agosto de 1939, Ordonnances de 5 de Maio de 1944, 18 de Junho e 15 de Outubro de 1945).
Após a guerra, foram publicadas várias disposições destinadas a habilitar o Governo a tomar em períodos de mise en garde todas as providências destinadas a garantir a segurança das operações de 'mobilizarão ou da 'acção das forças militares (cf. Ordonnance de 7 de Janeiro de 1959).
Também, com base numa ordonnance de 16 de Janeiro de 1969, o Conselho de Ministros pode, sem intervenção do Parlamento, decidir a mise en garde, estado de acordo com o qual lhe é lícito adoptar um certo 'número de procedimentos que não requerem a declaração de estado de sítio integral ou pairei ai (cf. parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.° 14/X, relativa às alterações à Constituição).
Em França, durante o período de estado de sítio, à, autoridade militar investida do poder de policia assiste o direito de proibir a publicação de escritos e as reuniões susceptíveis de provocar ou de manter a desordem (Leis de 9 de Agosto de 1849 e de 3 de Abril de 1879).
Durante o estado de emergência, uma vez declarado sobre qualquer parte do território, o Ministro do Interior e os prefeitos podem tomar todas as providências para assegurar o contrôle da imprensa, das emissões de rádio, das projecções cinematográficas e das representações nacionais (Lei de 3 de Abril de 1955, artigo 11-2.°).
A generalidade dos termos empregados na lei - todas as providências para assegurar o contrôle d'a imprensa - permite concluir que abrangem a censura prévia (cf. R. Drago, "L'État d'urgence, Lois du 3 avril et du 7 août 1958 et les libertés publiques", in Rev. Droit Publ. 1955, pp. 687 e seguintes).
Pela Lei de 16 de Março de 1956 foi o Governo Francês autorizado "a tomar qualquer providência excepcional com vista ao restabelecimento da ordem, à protecção das pessoas e dos bens e salvaguarda do território".
Resumindo: em França, e não obstante o regime jurídico da liberdade de imprensa existir há quase dois séculos, não se tem hesitado em pôr limites a essa liberdade, incluindo nestes a suspensão dos jornais e a censura prévia, sempre que os períodos excepcionais justifiquem essas providências excepcionais (cf. Henri Blin, Albert Chavanne e Roland Drago, Traité du Droit de la Presse, pp. 32 e seguintes).
É evidente que as providências previstas, que abrangem o estabelecimento do exame prévio, só devem ser tomadas para reprimir a subversão e prevenir a sua extensão e podem ser restritas apenas a uma parte do território. Acto essencialmente político, compete à Assembleia Nacional conhecer do mesmo, para o efeito de se pronunciar sobre a existência e a gravidade dos actos subversivos.
O exame prévio, longe de ser uma providência inovadora, situa-se na orientação tradicionalmente adoptada em períodos de crise, em que a circunstâncias extraordinárias item de corresponder poderes extraordinárias.
Bastou a onda de raptos que no ano findo e no corrente ameaçou a segurança dos diplomatas, com violação das normas de direito internacional, para que alguns países se vissem obrigados a suspender as garantias constitucionais.
Aos governos cumpre prever os acontecimentos e tomar as providências necessárias a impedir a perda da fazenda e da vida dos cidadãos através da perturbação da ordem e da segurança públicas.
Só não procedem assim os governos que, sem força nem prestígio para conjurar a anarquia, têm a perda de autoridade e a subversão da ordem como um destino inexorável. Desses governos pode afoitamente dizer-se: não morrem; suicidam-se.
Será preferível que o exame prévio, mesmo limitado às matérias abrangidas pelo n.° 1 da base XI da proposta (base XII do texto sugerido pela Câmara), não funcione. Para tanto, basta que não se verifiquem as condições previstas nos n.ºs 1 e 2 da base XXIV da proposta ou que, verificando-se, a imprensa, através da autodisciplina, o torne dispensável. E o que se passa na Grã-Bretanha, onde, embora o relatório da Comissão Real sobre a Imprensa tivesse assinalado certos abusos (publicação de notícias falsas ou deformadas, vulgaridade e gosto do, sensacional), no conjunto, a apresentação da imprensa é, por via de regra, boa. (Cf. "Diffusion de la pensée et de l'information en Grande-Bretagne", in Censure et Liberte d'Expression, p. 93).
Mas, a funcionar o exame prévio, os seus inconvenientes, que os tem, devem reduzir-se ao mínimo. Na verdade, "se não se conhece sociedade que tenha reconhecido aos seus membros o direito a exprimir o seu pensamento sem fixar a esse direito um limite: o respeito de um certo número de valores, considerados como os fundamentos do grupo social e subtraídos, como tais, à contestação", também é certo que toda a limitação, mesmo fundada num princípio, tende necessariamente ao abuso (cf. Censure et Liberte d'Expression, p. 109).
Há que encontrar, pois, o justo equilíbrio entre a liberdade de imprensa, bem social que a todos cumpre respeitar, e a necessidade de defesa desses valores indispensáveis à vida em sociedade, dado que só nesta o homem pode realizar o seu destino.
Sobre os examinadores fica a pesar uma grande responsabilidade. No desempenho das suas delicadas funções deverão comportar-se com a maior objectividade, com vista a assegurar o "direito de todos a uma informação honesta".
Das suas decisões cabe recurso para o contencioso administrativo, que a recente proposta de alteração da Constituição consagra nos termos mais amplos.
A necessidade de fundamentarem devidamente tais decisões, sob pena de correrem o risco de as verem revogadas, reduz, só por si e em larga escala, a margem de arbítrio, que é o maior mal de que têm sofrido os censores de todas as épocas e países.
Pelo exposto, a Câmara aceita o regime de exame prévio nos casos previstos na proposta - estado de sítio ou ocorrendo actos subversivos graves -, nada tendo a objectar à matéria da base XXIV, que passará a base XXVII, em que o mesmo se consigna, alvitrando para a mesma a redacção seguinte:
BASE XXVII
(Pressupostos e âmbito)
1. A publicação de textos ou imagens na imprensa periódica pode ficar dependente de exame prévio, nos casos em que seja decretado estado de sitio.
2. Ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional, poderá o Governo, independentemente da declaração do estado de sitio, a fim de reprimir a subversão ou prevenir a sua extensão, tornar dependente de exame prévio a publicação de textos ou imagens na imprensa periódica.
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3. O exame prévio destinar-se-á a assegurar a tutela dos interesses referidos na base XII.
4. A existência dos actos subversivos e a gravidade deles deverão ser submetidas à apreciação da Assembleia Nacional.
CAPITULO VI
Da responsabilidade penal, civil e administrativa
BASE XXVIII
(Disposição geral)
119. A proposta nas bases XXV, XXVI, XXVIII, XXIX e XXX e o projecto nos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 do artigo 3.° ocupam-se da responsabilidade penal. Há necessidade de completar a matéria versada nestas disposições e de incluir outra relativa à responsabilidade civil e administrativa, as quais, atenta a sua conexão, devem ser incluídas no mesmo capítulo, dividido em três secções.
A primeira base deste capítulo constituiria uma base nova, - a XXVIII do texto que se sugere - e para a qual se alvitra a seguinte redacção:
BASE XXVIII
(Disposição geral)
As infracções das normas que regulam o regime jurídico da imprensa dardo origem a responsabilidade penal, civil e administrativa.
Secção I
Responsabilidade penal
BASE XXIX
(Base XXV da proposta e n.ºs 1 e 5 do artigo 3.° do projecto)
120. A Constituição Francesa de 1793 definia a liberdade como "o poder que pertence ao homem de fazer tudo o que não prejudique os direitos de outrem".
O seu limite moral contém-se na máxima: "Não faças a outrem o que não queres que te façam a ti."
Deste maio, a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa não pode ser considerada em abstracto, mas relacionada com o exercício ide outras liberdades e a necessidade de salvaguardar outros direitos.
Assim, desde que a Constituição consagra entre os direitos, liberdades e garantias individuais "o direito ao bom nome e reputação", as lei ordinárias não podem deixar de proteger os particulares contra a calúnia, a difamação e a injúria. O direito à livre expressão do pensamento deve ceder perante um direito mais forte - o da pessoa mimada a ser protegida contra as agressões que atentem contra a sua vida e integridade pessoal ou contra o seu bom nome e reputação.
Por outro lado, a protecção dos interesses individuais não pode dissociar-se da protecção dos interesses da família, da sociedade e do Estado. A proibição, por exemplo, de imprensa pornográfica interessa igualmente a família e os indivíduos. O mesmo se pode dizer quanto aos escritos susceptíveis de perturbar a paz pública ou de atentar contra a segurança externa ou interior do Estado.
Os abusos praticados por meio da imprensa em prejuízo dos interesses dos particulares, da sociedade ou do Estado, quando juridicamente tutelados, constituem, na designação geral e corrente, crimes de imprensa, quando talvez fosse mais correcto designá-los por crimes praticados atrais da imprensa.
Estes crimes variam de país para país, não só quanto h incriminação, mas ainda às leis que a prevêem: Código Penal, lei de imprensa, leis especiais.
Umas vezes, quando cometidos no exercício da liberdade de opinião, assemelham-se aos delitos de carácter político, aplicando-se-lhes o que se acha estabelecido para estes quanto à extradição. Em outras, porém, revestem a característica de delitos comuns. Estão neste caso as infracções cometidas com ofensa de direitos e interesses particulares. Mas mesmo quando, em razão do seu regime particular, os delitos de imprensa estão previstos na respectiva lei, nada impede que o direito comum, penal ou de processo panai lhes seja aplicável na medida em que não seja incompatível com as disposições da mesma lei. (Cf. H. Blin, A. Chavanne e E. Drago, Traité du Droit de la Presse, p. 154.)
121. Em Portugal, à semelhança do que se tem passado noutros países, não se tem seguido um sistema uniforme quanto ao regime penal dos abusos da liberdade de imprensa.
Como o direito penal comum, à data das primeiras leis de imprensa era o das Ordenações, extremamente rigoroso, as incriminações pelo abuso da liberdade de imprensa passaram a ser formuladas com todos os seus elementos na respectiva lei. A primeira Lei de Imprensa, de 4 de Julho de 1821, consagrou o título n, artigos 8.° a 21.°, aos abusos da liberdade de imprensa e às penas que lhes correspondiam, penas que, diga-se de passagem, raras vezes foram aplicadas.
Na vigência desta lei notabilizou-se pela virulência da linguagem o Pe. José Agostinho de Macedo, que na Gazeta Universal, na Tripa Virada, na- Besta Esfolada e no Desengano deixou páginas indeléveis que marcaram o alvorecer da liberdade de imprensa com a nota da licença quanto ao uso da linguagem mais despejada.
Outros jornalistas, ainda que sem o seu talento, procuraram imitá-lo, contribuindo para que Oliveira Martins, no Portugal Contemporâneo, delineasse o seguinte esboço da imprensa dessa época:
Os jornais pareciam escritos por arrieiros na estalagem, sobre os albardões dos machos em descanso. O frade e o arrieiro, a liberdade e a brutalidade, vêem-se fundidos nessas folhas que a velha violência portuguesa inspira, com um sentimento que a nossa história já revelara nos tempos da expulsão dos Judeus.
As leis de imprensa sucedem-se, mais ou menos liberais, mas a "velha violência" mantém-se. Foi esta uma das constantes da liberdade de imprensa, designadamente no segundo quartel do século XIX.
A Lei de Imprensa de 22 de Dezembro de 1834 estabelece penas especiais para os abusos da liberdade de imprensa. Nos §§ 1.° a 7.° do artigo 14.° enumeram-se os diferentes abusos da liberdade de imprensa contra a religião, os bons costumes, o Estado, os empregados e os particulares. Ainda esta lei, verdadeiro Código de Processo Penal, aia parte relativa aos crimes de imprensa, regulou a forma do seu processo.
Na sua vigência, como se referiu na apreciação da proposta ma generalidade,, as garantias de liberdade d
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A violência de linguagem mantinha-se. E com ela "uma longa e nunca interrompida série de absolvições, em todos os casos, por mais escandalosos e criminosos que fossem", como se lê no parecer da Comissão de Legislação Criminal, presidida por Joaquim António de Aguiar, sobre o projecto apresentado à Câmara, em 1840, pelo conde de Taipa.
O projecto aprovado por Canta de Lei de 19 de Outubro de 1840 deu nova organização ao júri, mas, na ordem prática, tudo continuou na mesma: a impunidade manteve-se.
Por isso, o Governo, em 1845, propôs às Cortes que fosse alterada a competência do tribunal para o julgamento.
A respectiva proposta, ainda que tivesse merecido o acordo da Comissão, mão chegou a ser aprovada pelo Parlamento.
Assim se chegou a 1850, em que na sessão de 1 de Fevereiro foi apresentada a proposta que, uma vez aprovada, havia de converter-se na Lei de 3 de Agosto de 1850.
Esta lei modificou profundamente o regime jurídico-penal da imprensa e os crimes de abuso da sua liberdade, longa e minuciosamente enumerados nos §§ 1.° a 14.° do artigo 3.° As penas - prisão de seis meses a três anos e multa de cem mil réis a um canto de réis - são mais severas do que nas leis anteriores.
Não admira, pois, que a apresentação da proposta que havia de converter-se naquela lei suscitasse protestos, contando-se, entre estes, o redigido por Almeida Garrett e assinado pelos mais notáveis escritores e jornalistas da época, entre outros, por Alexandre Herculano, Lopes de Mendonça, A. Fontes Pereira de Melo, Latino Coelho, José Estêvão, Rebelo da Silva, Rodrigues Sampaio, Bulhão Pato, Barbosa du Bocage, João de Andrade Corvo e José Maria de Casal Ribeiro. O referido protesto concluía deste modo:
Os abaixo assinados limitam-se a um protesto simples, mas, quanto neles cabe, enérgico e solene, contra todas as disposições do dito projecto-lei, em que são postergados os direitos e garantias inalienáveis da liberdade de pensamento, ficando assim seguros de que, se essa liberdade tem de perecer, ao menos os seus nomes não passarão desonrados à posteridade com a mancha de cobardia ou de conivência em semelhante atentado. (Cf. Obras de Almeida Garrett, 1966 - Lello & Irmão, Porto, vol. I, p. 1244.)
O período de vigência da Lei de 3 de Agosto de 1850, mais conhecida pela "lei das rolhas", foi curto. Revogada pelo Decreto ditatorial de 22 de Maio de 1851, manteve-se em vigor, com pequenas alterações, a legislação anterior a 1850.
Publicado o Código Penal de 1852, a Lei de 17 de Maio de 1866 consagrou, e pela primeira vez, o sistema de repressão dos crimes de imprensa pelo direito penal comum, ao dispor:
Aos crimes de abuso na manifestação do pensamento são aplicáveis as penas respectivas estabelecidas no Código Penal. (Artigo 5.°)
Uma única excepção:
No caso de agressão injuriosa ao sistema representativo fundado na Carta Constitucional da monarquia e acto adicional da mesma carta, será aplicável a pena de três meses a um ano de prisão e multa correspondente. (Artigo 5.°, § 1.°)
O processo seria o que competisse nos termos da legislação comum (artigo 6.°).
O regime de direito comum quanto à repressão dos crimes de imprensa durou até à publicação do Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890.
Com o fundamento de que se tinham agravado os abusos de manifestação do pensamento pela imprensa, atacando-se os poderes constituídos, injuriando-se, ameaçando-se e difamando-se o Chefe do Estado e a sua família, substituindo-se o conselho avisado pelo apodo afrontoso e a discussão serena pela invectiva atrabiliária, o Decreto de 1890 estabeleceu um direito penal repressivo especial para a imprensa, que, de um modo geral, era mais rigoroso do que o de direito comum, designadamente nos casos de reincidência e de acumulação de crimes (artigo 8.° e seus parágrafos).
Por outro lado, além da suspensão da venda do periódico, o referido decreto previa que, verificadas determinadas circunstâncias, aquela suspensão fosse substituída na sentença condenatória pela supressão definitiva do mesmo (artigo 7.° e § 3.°)
Pela Lei de 7 de Julho de 1898 regressou-se novamente ao sistema repressivo de direito comum, que voltou a regular as sanções criminais por delitos de abuso da Uberdade de imprensa.
As razões constam do relatório do respectivo projecto e são as seguintes:
Não me propus fazer no projecto que tenho a honra de apresentar uma nova e especial classificação dos delitos de imprensa. Bem sei que há quem sustente que deixar a imprensa em tudo sujeita ao direito comum é submetê-la umas vezes a repressão excessiva, outras conceder-lhe inteira impunidade, e, por isso, quem, consequentemente, pugne pela necessidade de uma lei especial. Não me parece que a questão, como tantas outras de jurisprudência, se possa e deva resolver em tese, mas só em presença da legislação positiva do país em que se trata de regular o livre exercício da imprensa.
Naquelas nações em que o Código Penal é, por antigo, anterior à enorme expansão que a imprensa tem adquirido, ou naquelas em que a legislação criminal, por demasiado genérica, não pode facilmente aplicar-se às especiais condições dos abusos na manifestação do pensamento, é justo e indispensável elaborar lei particular que acompanhe este singular delito desde a sua génese, a publicação, até ao seu último termo, o castigo.
A Lei de 11 de Abril de 1907, mantendo o regime penal de direito comum como regra, abriu uma excepção a favor dos réus por crimes de imprensa que não tivessem sofrido condenação alguma por crimes desta natureza, tornando obrigatória a substituição da pena de prisão por multa que, pelo Decreto n.° 1, de 15 de Dezembro de 1892, era meramente facultativa e só admissível quando houvesse circunstâncias atenuantes numerosas e importantes (artigo 22.°).
A tendência no sentido de criar para a imprensa um regime penal repressivo mais benévolo acentua-se no projecto de Trindade Coelho (1907), em que se estabelece a substituição obrigatória da pena de prisão, que seja aplicável pelo Código Penal, pela pena de multa, salvo quanto aos crimes punidos pelos artigos 159.°, 160.°, 169.°, 170.° e 171.° daquele Código, e na proposta de lei de Francisco José de Medeiros, de 11 de Agosto de 1909, em que as sanções a aplicar são as do Código Penal, não podendo, porém, quando pela primeira vez se impusesse a pena de prisão, exceder-se uma terça parte da penalidade aplicável (artigo 17.°).
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O Decreto de 28 de Outubro, embora preceituasse que as penas aplicáveis aos crimes de abuso da liberdade de imprensa seriam as do Código Penal, admitiu diversas excepções, umas favoráveis aos agentes de crimes de imprensa, outras com vista à sua punição com rigor maior. Entre as primeiras conta-se a determinação de que nas três primeiras condenações por crimes de imprensa seria substituída a pena de prisão por multa. Também, quando o processo dependesse apenas de acusação pública, o juiz não seria obrigado a aplicar as regras gerais sobre reincidência e sucessão de crimes.
Ern contrapartida, o crime de calúnia passou a ser mais severamente punido. Com efeito, a pena de prisão, que tinha no Código Penal o limite máximo de um ano, foi elevada até dois anos, e o limite mínimo passou de três dias para três meses, sendo proibido substituir a pena de prisão por multa. Por outro lado, cumulou-se aquela pena corporal com a de multa. Finalmente, e pela primeira vez, concedeu-se sempre ao ofendido a indemnização por perdas e danos que pode ser fixada mesmo que se não faça prova dos factos que a justifiquem (cf. Revisto, de Legislação e Jurisprudência, ano 53.°, pp. 309 e 310).
Ainda o Decreto de 28 de Outubro de 1910 modificou os elementos dos crimes previstos nos artigos 181.° e 182.º do Código Penal, porquanto a publicação pela imprensa de injúrias, difamação ou ameaça contra as autoridades públicas considera-se feita na presença delas (artigo 14.°).
Posteriormente à publicação do Decreto de 28 de Outubro de 1910, foram previstos os crimes de imprensa de falta de respeito à Bandeira ou ao Hino Nacional e de espalhar boatos falsos.
Pelo Decreto n.° 12 008, de 29 de Julho de 1926, consideram-se abusos de liberdade de imprensa "os crimes previstos nos artigos 157.°, 159.°, 160.°, 181.°, 182.°, 407.°, 410.°, 411.° e parágrafos, 412.°, 414.°, 420.° e 483.° do Código Penal, nos artigos 3.° e 4.° do decreto de 28 de Dezembro de 1910, nas Leis de 9 e 12 de Julho de 1912 e no Decreto n.° 2270, de 12 de Março de 1916, quando cometidos pela imprensa" (artigo 11.°).
122. Em França, a Lei de Imprensa de 1881 enumera os crimes e delitos cometidos por Tia da imprensa ou por qualquer outro meio de publicação - provocação de crimes ou delitos (artigos 23.°, 24.° e 25.°); delitos contra a causa pública (artigos 26.°, 27.° e 28.°); delitos contra as pessoas (artigos 29.° e 34.°); delitos contra chefes de Estado e agentes diplomáticos estrangeiros (artigos 36.° e 37.°); publicações proibidas (artigos 38.° e 40.°). Este elenco de crimes foi posteriormente aumentado com vista a preencher as lacunas que se tinham verificado. As penas a aplicar são de prisão ou multa. Todavia, a decisão condenatória pode conter, a título de pena complementar, o confisco dos escritos incriminados ou a supressão de certas passagens. E a chamada "censura" judiciária.
Pela lei espanhola, "a infracção das normas que regulam o regime jurídico da imprensa dará origem a responsabilidade penal, civil e administrativa" (artigo 63.°).
A Lei do Estado de Hessen, de 20 de Fevereiro de 1958, alterada pela Lei de 22 de Fevereiro de 1966, prevê várias infracções pela sua transgressão punidas com penas de Prisão e multa ou uma destas pernas (§ 21.°, n.ºs 1 a 4).
Pela Lei da Informação brasileira constituem crimes na exploração ou utilização dos medos de informação e divulgação os previstos nos artigos 14.° a 24.° da mesma lei.
A lei de imprensa italiana não só pune severamente a difamação cometida, por meio da imprensa a que se aplica a pena de prisão até seis anos e multa não inferior a 100 000 liras (artigo 13.°), como a pessoa ofendida pode pedir, além da indemnização dos danos patrimoniais, segundo o artigo 168.° do Código Penal, uma importância a título ide reparação de danos morais. Essa importância é fixada tendo em conta a gravidade da ofensa e a difusão do impresso (artigo 12.°).
123. O projecto, cingindo-se ao direito comum, estabelece que "não serão criadas categorias especiais de crimes para punição dos actos exercidos por meio da imprensa,imas este exercício será sempre considerado como circunstância agravante" (artigo 3.°).
Todavia, dado o especial condicionalismo da imprensa, a aplicação do direito comum sofre, no projecto, algumas modificações, a saber:
a) No caso de difamação, ao contrário do que sucede com o disposto do Código Penal, é sempre obrigatória a prova da verdade dos factos imputados (artigo 3.°, n.° 4);
b) Ainda que a responsabilidade criminal só seja de exigir ao autor do escrito ou ao director da publicação, mo caso de o escrito não ser assinado (artigo 3.°, n.° 2), as empresas proprietárias, editoras e noticiosas serão sempre solidariamente responsáveis pela (reparação do dano (artigo 4.°);
c) As empresas referidas na alínea anterior em cujas publicações ou notícias tenham sido cometidos delitos, ou que tenham, infringido as disposições desta lei, poderão os tribunais aplicar multas até 500 000$ e determinar a suspensão até um ano (artigo 15.°).
A proposta, por sua vez, limitando-se a definir os crimes de imprensa (base XXV), também remete paira o direito comum, acrescentando, porém, aos crimes neste previstos os referidos ma base XXXI.
Deste modo, tanto o projecto como a proposta não contêm .uma enumeração dos crimes de imprensa, tal como consta do Decreto com força de lei n.° 12 008, ainda em vigor (artigo 11.°).
124. Não se afigura de exigir tal enumeração. Na verdade, mão se toma necessário repetir na Lei de Imprensa o que consta do Código Penal quanto à incriminação de determinados (factos, quando foram cometidos por escrito ou desenho publicados, ou por qualquer meio de publicação e em relação às respectivas sanções, porquanto estas, constando da lei, comum ou especial, são de aplicar. O que não pode verificar-se é a punição por crimes mão devidamente qualificados e em relação aos quais, em data anterior à verificação dos factos imputados, não hajam sido previstas as respectivas sanções, atento o velho princípio consagrado no Código Penal (artigos 5.° e 18.°, quanto aos crimes, e nos 84.° e 85.°, quanto às penas) - nullum crimen, nulla poena sine legc.
Num caso oumoutro, o que haverá é necessidade de completar os artigos do Código Penal, cora vista à sua adaptação aos crimes cometidos por meio da imprensa.
Assim, o Decreto n.° 12 008 dispõe no § único do artigo 11.° que os crimes previstos nos artigos 159.°, 160.°, 181.° e 182.°, quando cometidos pela imprensa, "consistam apenas na publicação do escrito em que haja injúria, difamação ou ameaça contra as pessoas aí indicadas".
Ora, afigura-se de manter esta disposição, embora limitada a sua aplicação a entidades em relação às quais se
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justifica uma especial protecção quanto às ofensas de que possam ser vítimas.
Pelo exposto, alvitra-se para a base XXIX a redacção seguinte:
BASE XXIX
(Climas de imprensa)
1. São aplicáveis aos crimes cometidos através da imprensa as normas peitais comuns, com as especialidades constantes da premente lei.
2. Os crimes de injúria, difamação ou ameaça dirigidos contra o Chefe do Estado Português ou contra Chefe de Estado Estrangeiro de visita a Portugal, contra membros do Conselho de Estado ou do Governo, ou ainda contra qualquer diplomata, estrangeiro acreditado em Portugal, consuma-se com a publicação do texto ou imagem em que haja inequívoca expressão injuriosa, difamatória ou ameaçadora.
3. Os crimes cometidos por meio da imprensa contra as autoridades públicas consideram-se sempre praticados na presença delas.
BASE XXX
(Base XXIX da proposta e n.° 4 do artigo 3.° do projecto)
(Prova da verdade dos factos)
125. No silencio da proposta e do projecto quanto aos crimes previstos nos artigos 407.°, 410.°, 411.° e parágrafo e 414.° do Código Penal, pode concluir-se que os mesmos continuam em vigor.
Nem poderia ser de outra forma. O direito ao bom nome e reputação constitui um, dos direitos e garantias individuais (Constituição Política, artigo 8.°, n.° 2). Por isso, a lei penal deve estabelecer sanções para aqueles que ofendem a honra e a consideração alheias. Na verdade, sendo o direito à honra um dos bens jurídicos da personalidade humana, o Estado não pode deixar de o proteger e tutelar.
E se, entre nós, nos primeiros tempos da nacionalidade, não se admitiam as acções de injúrias, antes "cada hum as vindicava pelas armas" (Pereira e Sousa, Classes de Crimes), as injúrias escritas passaram a ser especialmente punidas a partir de D. Duarte pela Lei de 26 de Abril de 1435 sobre "libelos famosos" ou "pasquins".
E, embora as Ordenações se referissem a injúrias, distinguindo as simples das qualificadas, considerando a injúria por escrito como atroz, a verdade é que a definição do crime de difamação, na sua configuração actual, só foi dada pela primeira vez pelo Código Penal de 1852, ao estabelecer no artigo 407.°:
Se alguém difamar outrem publicamente, de viva voz, ou por escrito publicado, ou por qualquer meio de publicação, imputando-lhe um facto ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduzindo a imputação, será condenado a prisão por seis dias a seis meses e multa correspondente. (Cf. L. da Silva Araújo, Crimes contra a Honra, p. 21.)
126. A proposta ocupa-se da injúria e da difamação para o efeito da aplicação da pena, estabelecendo, quanto à difamação, a admissibilidade da prova da verdade dos factos imputados.
O projecto também admite em termos idênticos a exceptio rei veritatis (artigo 3.°, n.° 4).
A solução está longa de ser pacífica.
Pelo Código Penal, a verdade dos factos imputados no crime de difamação só pode provar-se nos dois casos indicados no artigo 408.°:
1.° Tratando-se de factos imputados a empregados públicos e relativos ao exercício das suas funções;
2.° Imputando-se factos de outra natureza, que constituam crimes sobre que haja condenação ainda não cumprida ou acusação pendente em juízo.
Assim, a regra é a da proibição da prova da verdade dos factos imputados, salvo as duas excepções referidas. A primeira justifica-se pelo direito dos cidadãos em fiscalizar os funcionários públicos em tudo quanto respeite ao exercício das suas funções; a segunda para evitar que o condenado por crime já expiado pelo cumprimento da perna passa continuar a ser alvo de difamações por parte dos seus concidadãos (cf. Relatório do Projecto Ministerial do Código Penal Italiano de 1887).
A doutrina do Código Penal mão fora modificada pelas leis de imprensa anteriores a 1910. O Decreto de 28 de Outubro deste ano é que estabeleceu, e pela primeira vez, o princípio oposto: nos crimes de difamação pela imprensa é admissível, em regra, a exceptio rei veritatis, porquanto a mesma, só se mão pode fazer quando a difamação visa um Chefe de Estado nacional ou de nação estrangeira ou um ministro diplomático de um Estado estrangeiro (artig 17.°, § 3.°).
O Decreto n.° 12 008, Lei de Imprensa em vigor, dispõe:
Além dos casos em que o Código Penal admite a prova sobre a verdade dos factos difamatórios imputados, será ela tombem admitida, contra administradores e fiscais de quaisquer sociedades ou empresas civis, comerciais, industriais ou financeiras que tenham recorrido a subscrição pública paia a emissão de acções ou obrigações, quando os factos imputados forem relativos às respectivas funções. (Artigo 14.°)
Por outro lado, para os efeitos deste decreto, a injúria considerar-se-á difamarão quando dirigida a qualquer autoridade (pública, para o efeito 'de o acusado ser obrigado a provar a verdade do facto que a injúria em si contém (artigo 16.°, § 1.°).
Quando a injúria for dirigida contra pessoas particulares ou contra as pessoas indicadas no artigo 14.°, mas sem (referência ao exercício das suas funções públicas, o acusado só será obrigado a justificar os fundamentos da injúria quando o ofendido o requerer (artigo 16.° § 2.°).
Em face do regime previsto para a prova- da difamação, a primeira questão que poderia suscitar-se é esta: dada a igualdade dos cidadãos perante a lei (Constituição Política, artigo 5.°), justificar-se-á a criação de uma situação de privilégio a favor dos jornalistas, através da admissibilidade da prova da verdade dos factos difamatórios que lhes sejam imputados, quando a generalidade dos cidadãos a não pode fazer?
Por outro lado, se a difamação através da imprensa é, por via de regra, mais grave do que a feita de viva voz, por que razão se concede aos agentes daquela um direito - a admissão da prova - que se nega aos autores desta?
127. Tanto a admissibilidade da prova da difamação como as consequências penais desta têm sido encaradas da forma mais diversa.
Assim, pelo Código Penal alemão de 1870, a prova da verdade dos factos difamatórias ou injuriosos é admitida nuns casos e (recusada noutros, mas, quando é feita a
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prova da veracidade dos factos, a mesma não constitui obstáculo à aplicação da pena prevista no artigo 185.°, quando a intenção injuriosa resulta da forma ou das circunstâncias em que a ofensa foi cometida (Código Penal,
artigo 102.°).
O Código Penal da Áustria de 1852 não permite, em caso algum, a prova da verdade dos factos desonrosos, mesmo verídico, desde que respeitem à vida privada ou familiar de uma pessoa (§ 49.°).
O Código Penal belga de 1867 distingue enfare imputações feitas a funcionários em relação a factos relativos às suas funções e a factos respeitantes à vida privada. o primeiro caso, o arguido pode fazer prova dos factos imputados; no segundo, não pode fazer outra prova que não seja aquela que resulta de um julgamento ou de outro acto autêntico (Código Penal, artigo 447.°).
O Código Penal búlgaro de 1951, tal como acontece na proposta e no projecto, admite a prova de difamação em termos amplos, porquanto o acusado que faça a prova de que os factos imputados são conformes com a verdade é isento d(c) pena (Código Penal, artigo 166.°).
Pelo Código Penal da Dinamarca de 1930 é admitida a prova dos factos imputados, mas a mesma não isenta de pena o acusado quando tenha formulado a acusação por forma ofensiva ou quando mão tenha motivos suficientes para emitir a ofensa (Código Penal, artigo 270.°).
O mesmo Código considera circunstância agravante o facto de a ofensa ter sido feita por meio da imprensa ou por outra forma susceptível de lhe dar uma grande difusão (Código Penal, artigo 267.°, 3.°).
Pela Lei Criminal da Gronelândia de 1954, o autor da difamação "pode ser condenado, mesmo na hipótese de fazer prova" dos factos imputados, desde que a difamação seja ultrajante na forma e o seu autor não tenha razão válida para a formular (artigo 71.°, n.° 3).
O Código Penal de Listenstaina de 1859, além de punir mais severamente a difamação praticada por meio da imprensa (artigo 493.°), não admite a prova dos factos quando estes respeitam à vida privada e familiar das pessoas (artigo 490.°).
O Código Penal do Luxemburgo de 1879 também distingue entre calúnia por imputações feitas em razão de factos relativos ao exercício de funções públicas ou respeitantes à vida privada, admitindo a prova dos factos imputados no primeiro caso e recusando-a no segundo (artigo 447.°).
O Código Penal da Noruega de 1902, modificado,, nesta parte, pela Lei n.° 1, de 10 de Março de 1939, admite, de um modo geral, a prova da verdade da difamação, mas o crime é punível, mesmo feita essa prova, se o acusado procedeu sem motivo respeitável ou se a ofensa foi formulada de modo inadmissível em razão da forma ou da maneira como o ofensor se exprimiu (artigo 249.°, 2.°).
Ainda o acusado não poderá fazer a prova da veracidade da ofensa quando esta respeita a acto punível e pelo qual o ofendido tenha sido absolvido ou quando o tribunal entenda que a ofensa apresenta um carácter inadmissível [artigo 249.°, n.° 4, alíneas a) e 6)].
O Código Penal holandês de 1881 admite a prova da verdade nos casos seguintes:
1.° Quando o juiz entende que a mesma é necessária para averiguar se o arguido agiu no interesse público ou pela necessidade de se defender;
2.° Quando é imputado a um funcionário um facto cometido no exercício das suas funções (artigo 263.°).
Pelo Código Penal da Polónia de 1932, a prova da só pode ser feita quando o autor da ofensa agiu para defender um interesse público ou privado justificado, seu ou de outrem, e se a prova não respeita a circunstâncias da vida privada ou familiar (artigo 255.°, § 3.°).
Pelo Código Penal suíço de 1942, o arguido não é admitido a fazer a prova da verdade dos factos imputados se a ofensa à honra das pessoas foi feita sem ter em atenção o interesse público ou sem outro motivo bastante ou tendo por fim o desígnio de dizer mal de outrem, designadamente quando a prova respeitar a factos da vida privada ou familiar (artigo 173.º, n.° 3).
128. Quanto às leis de imprensa, de um modo geral, como sucedeu nas leis portuguesas anteriores a 1910, não contêm qualquer preceito sobre a admissão da prova da verdade dos factos imputados no caso de difamação, pelo que esta só pode fazer-se nos termos em que é permitida no direito penal comum.
A Lei francesa de 29 de Julho de 1881 dispõe no artigo 35.°:
A verdade do facto difamatório, mas somente quando se refira a funções, poderá ser estabelecida pelas vias ordinárias, no caso de imputações contra os corpos constituídos, contra os exércitos de terra e mar, contra as administrações públicas e contra todas as pessoas designadas no artigo 31.° (ministros, membros das duas câmaras e funcionários públicos). A verdade das imputações difamatórias e injuriosas poderá igualmente ser estabelecida contra os directores e administradores de qualquer empresa industrial, comercial ou financeira, que tenha recorrido publicamente à economia particular ou ao crédito.
Pela referida lei era proibida a prova dos factos imputados quando eles respeitassem à vida privada, remontassem a mais de dez anos ou tivessem sido prescritos, amnistiados, reabilitados ou revistos.
A partir da Ordonnance de 6 de Maio de 1944, a exceptio rei veritatit é admitida não só em relação aos funcionários públicos, mas ainda nas difamações contra os particulares, salvo quando os factos respeitantes à vida privada, remontando há mais de dez anos, tenham prescrito ou tenham sido amnistiados.
O critério que não admite a prova dos factos da vida privada é bastante vago e tem concorrido para decisões contraditórias.
De um modo geral, entende-se que respeita à vida privada o facto cuja publicação não interessa ou respeita ao público, como, por exemplo, a vida conjugal das pessoas, incluindo a das vedetas de vida notoriamente escandalosa (cf. H. Blin, A. Chavanne e E. Drago, ob. cit., p. 276).
Na Itália, em caso de difama-ção por meio da imprensa, a sanção é muito pesada, pois a pena de prisão a aplicar pode ir até seis anos e a de multa não será inferior a 100 000 liras (Lei de Imprensa, artigo 13.°).
Por outro lado, no caso de condenação, é obrigatória a publicação da sentença a fim de se conseguir a mais rápida e eficiente reparação da ofensa.
A severidade na (repressão da difamação, quando cometida por meio da imprensa, tem sido justificada naquele país como consequência da sua maior potencialidade criminosa, da extensão das suas consequências no espaço e no tempo e da influência que pode exercer sobre uma infinita multiplicidade de pessoas. A lesão da reputação do ofendido é por vezes irreparável. Daí a mais rigorosa repressão. Quanto à reparação pecuniária, ela é fixada tendo em conta não só a gravidade da ofensa, mas ainda a difusão do impresso (artigo 12.°).
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Quando a ofensa consiste na atribuição dê um facto determinado, a prova da sua veracidade é admitida no processo penal, nos seguintes casos:
1.º Se a pessoa ofendida é um funcionário público e o facto que lhe è atribuído respeita ao exercício das suas funções;
2.° Se, pelo facto atribuído à pessoa ofendida, é instaurado ou iniciado contra ela um processo penal;
3.° Se o queixoso pede formalmente que o tribunal alargue a matéria que pode ser objecto de prova, de forma a averiguar a verdade ou falsidade do facto que lhe é atribuído (Código Penal, artigo 596.°).
Ainda, antes da sentença definitiva, ofensor e ofendido podem acordar em entregar a um júri de honra a decisão sobre a verdade dos factos imputados (Código do Processo Penal, artigo 9.°).
Peia lei de imprensa grega, o crime de difamação definido no artigo 362.° do Código Penal, quando cometido através da imprensa, é punido com. pena de prisão nunca inferior a seis meses e multa nunca inferior a 50 000 dracmas metálicas (artigo 61.°, n.° 2).
Quanto à prova da verdade dos factos ou da afirmação difamatória, a mesma não é admitida sempre que envolva, presumivelmente, factos da vida particular ou familiar de uma pessoa (artigo 61.°, n.° 4).
A Lei da Informação brasileira pune com a pena de prisão de três a dezoito meses e multa de dois a dez salários mínimos da região a difamação de uma pessoa, imputando-lhe factos ofensivos da sua reputação.
A excepção da verdade somente é admitida:
a) Se o crime é cometido contra funcionário público, em razão das suas funções, ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;
b) Se o ofendido permite a prova (artigo 21.°).
A pena cominada nos casos de calúnia, difamação ou injúria é aumentada de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
1) Contra o Presidente da República, Presidente do Senado, Presidente da Câmara dos Deputados, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Chefes de Estado ou Governo estrangeiros, ou seus representantes diplomáticos;
2) Contra funcionário público, em razão das suas funções;
3) Contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública (artigo 23.°).
129. Da resenha feita ressalta, em. primeiro lugar, que a vida privada ou particular constitui uma espécie de coutada onde não pode caçar livremente a maledicência, e muito menos a difamação. A divulgação de factos da vida privada, verídicos ou não, não tem razão de ser. Os indivíduos que aceitam ou procuram a obscuridade de uma vida modesta e simples devem ter as suas compensações. Uma delas consiste, precisamente, em não serem incomodados através da divulgação de factos que se situam dentro dos limites da sua vida privada ou familiar.
Toda a revelação pela imprensa da vida pessoal de quem não desempenha funções públicas, mesmo que não tenha o carácter de uma difamação ou denúncia caluniosa, pode ser considerada como excedendo os limites da liberdade de expressão e permitir uma acção com vista à reparação do dano causado. O interesse do indivíduo deve, neste domínio, apagar o da colectividade. Os jornais só podem intervir quando se trate de pessoa ligada à vida pública e a sua intervenção se justifique em razão da posição e da actividade oficial do lesado. (Cf. Jacques Bourquin, La Liberte de la Presse, p. 206.)
Em segundo lugar, ninguém pode difamar ou injuriar sob pretexto de informar. A acusação, mesmo verídica, só deve ser formulada quando o autor tenha uma razão válida para o fazer.
É necessário reduzir, na medida do possível, o vício da calúnia e da má língua que envenena a vida do País e em que se comprazem tantos portugueses, os quais, "na falta de elementos, e no desejo de cumprir o dever de informar, inventam, e como a força que os impede é poderosa, o hábito pronunciado e a obrigação imperativa, nenhum limite julgam existir à capacidade inventiva - nem a honra, nem a tranquilidade, nem o bom nome dos outros os dispensam da obrigação de informar -, talvez melhor, de caluniar e difamar". (Cf. Manuel Rodrigues, Problemas Sociais, p. 111.)
Há uma imperiosa necessidade de estabelecer um limite para a permissão de censura à vida particular, pelo que nem sempre a prova da verdade dos factos imputados deve admitir-se nem, provados esse>s factos, isentar-se, por tal motivo, o difamador da responsabilidade criminal.
Assim, a exceptio rei veritatis não seria permitida, quando não houvesse interesse social ou um interesse particular legítimo na divulgação dos factos imputados.
Por outro lado, "o difamador deverá ser punido sempre que o fim único da imputação de factos, embora verdadeiros, for o de ferir a reputação do difamado". (Cf. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 53.°, p. 312.)
130. Ainda no que respeita à difamação, tem-se entendido que, "apesar de se ter tornado evidente a ofensa, se não houver dolo, isto é, se não se verificar o animus diffamandi ou propósito deliberado de ofender a honra ou consideração alheias, não há crimes". Cf. L. da Silva Araújo, Crimes contra a Honra, p. 33, e autores citados.) Este entendimento está de harmonia com o disposto no artigo 414.° do Código Penal, em que se exige que a imputação seja feita maliciosamente.
Assim, desde que falte o animus diffamandi ou injuriandi, ou seja a intenção de difamar ou injuriar, não há lugar a aplicação de qualquer pena, com excepção dos casos contemplados no n.° 2 da base XXIX.
Em razão das considerações feitas, sugere-se para a base XXX, base XXIX da proposta, a redacção seguinte:
BASE XXX
(Prova da verdade dos factos)
1. No caso de difamação, é admitida a prova da verdade dos factos imputados, salvo quando, tratando-se de particulares, a imputação haja sido feita sem que o interesse público ou o do ofensor legitimasse a divulgação dos factos imputados ou ainda quando estes respeitem à vida privada ou familiar do difamado.
2. Tratando-se de injúria, a prova a fazer, de harmonia com o disposto no número anterior, só será admitida depois de o autor do texto ou imagem, o requerimento do ofendido, ter concretizado os factos em que a ofensa se baseia.
3. Se o autor da ofensa fizer a prova dos factos imputados, quando admitida, será isento de pena: no caso contrário, e, bem assim, quando não concre-
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tizar os factos cm que ela se baseia ou estes não justifiquem a ofensa, será punido como caluniador.
4. Quando a imputação for do facto criminoso, é também admitida a prova do mesmo, mas limitada à resultante da condenação por sentença passada em julgado, que não tenha ainda sido cumprida.
5. Se a pessoa visada pela difamação ou injúria for o Presidente da República Portuguesa ou algum Chefe de Estado estrangeiro ou seu representante em Portugal, não é admitida a prova das imputações.
BASE XXXI
(Base XXVI da proposta e artigo 3.° do projecto)
(Autoria e cumplicidade)
131. Como já foi referido, o jornal é o resultado da colaboração de muitas pessoas (autor do escrito, director, chefe de redacção, redactores, repórteres, colaboradores, fotógrafos, impressores, tipógrafos, distribuidores).
Determinar da entre estais pessoas quem é responsável pelos delitos de imprensa e em que grau, constitui problema complexo, ao qual têm sido dadas as soluções mais diversas.
Há quem entenda que, (resultando o crime da convergência, de duas acções - escrever e publicar -, quando os agentes são distintos são ambos criminosos.
Por isso, na lógica desta afirmação, a Lei de 7 de Julho de 1898 estabelecia:
Pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa serão responsáveis o editor e o autor; na falta de editor também o dono ou administrador do estabelecimento em que a publicação se efectuou; podendo-o ser, além e independentemente destes, todos os que se provou terem sido agentes do crime, nos termos do capítulo I do Código Penal (artigo 17.°).
O Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890, também dispunha:
A responsabilidade criminal, e bem assim a civil, que anda conexa com ela nos termos do direito comum, por abuso de liberdade de imprensa periódica, pertence ao editor do periódico de ao autor da matéria cuja publicação é incriminada, como incursos ma disposição do artigo 20.°, n.° 1, do Código Penal (artigo 3.°).
A Lei de 11 de Abril de 1907 aboliu o editor e, consequentemente, a responsabilidade que lhe atribuíam os diplomas referidos. Assim, a responsabilidade criminal pelos abusos de liberdade de imprensa ficou a pertencer ao autor do impresso, mas rua imprensa periódica será também punido como seu cúmplice o director ou redactor principal do periódico se não repudia a responsabilidade da publicação, declarando nos autos e no mesmo periódico que desconhecia o escrito ou desenho antes de publicado, s que lhe não daria publicidade se o tivesse conhecido (artigo 7.°).
O projecto de lei de imprensa de Trindade Coelho remetia para o direito comum,, ao estabelecer:
São agentes do delito de imprensa todos os que nos termos do Código Penal houverem de ser considerados autores, cúmplices ou encobridores (artigo 4.°).
§ único. Quando, chamado a juízo, o director do Periódico não indicar o autor, e o corpo de delito não descobrir este, será responsável peio delito o director do periódico.
Ao director seria aplicada a pena de desobediência se, não indicando o autor, .este fosse descoberto pelo corpo de delito e a correspondente ao crime de falsas declarações quando a indicação do autor fosse falsa (artigos 5.° e 6.°).
Pelo Decreto de 28 de Outubro de 1910 a responsabilidade criminal é sucessiva, visto responderem por ela sucessivamente:
1.° O autor do escrito, se for susceptível de responsabilidade e tiver domicílio em Portugal, salvo nos casos de reprodução não consentida;
2.° O editor, se for susceptível de responsabilidade e domiciliado em Portugal, se não indicar o autor e, indicando-o, se este não se achar nas condições que lhe respeitam;
3.° O proprietário, se, não se verificando quanto ao autor e editor o disposto nos anteriores números, se verificar, todavia, em relação a ele;
4.° O dono do estabelecimento que tiver feito a impressão do escrito, ou, na sua falta, quem o representar, quando não se verificarem as condições acima exigidas para o autor, editor e proprietário (artigo 21.°).
O Decreto n.° 12 008 manteve o princípio da responsabilidade sucessiva.
Assim, respondem pelos abusos da liberdade de imprensa:
1.° O autor do escrito, se for susceptível do responsabilidade e residir em Portugal;
2.º O editor, se não indicai- quem é o autor;
3.° O director do jornal, que é sempre havido como cúmplice, salvo se declarar nos autos e no periódico que não conhecia o escrito ou desenho antes de publicado e não consentiria na sua publicação se o tivesse conhecido.
Ainda para os efeitos da responsabilidade criminal, o director do periódico é presuntivamente o autor de todos os escritos não assinados e responderá como autor do crime, se não se exonerar da sua responsabilidade.
Por outro lado, pelo pagamento da multa e da reparação em que forem condenados os agentes do crime de abuso de liberdade de imprensa, são responsáveis, além dos agentes, os proprietários das publicações incriminadas e os do estabelecimento onde tiver sido feita a impressão (artigo 22.°).
132. A responsabilidade sucessiva, que os franceses designam, por responsabilidade en cascade, foi prevista na Lei francesa, sobre a imprensa de 2 de Julho de 1881.
A ordem, a partir da Ordonnance de 25 de Agosto de 1944, é a seguinte:
1.° Os directores da publicação (na Lei de 1881, os gerentes ou editores);
2.° Na sua falta, os autores;
3.° Na falta dos autores, os impressores;
4.º Na falta destes, os vendedores, distribuidores e afixadores (artigo 42.°).
A preocupação manifestada pela lei francesa no sentido de responsabilizar um criminoso só encontra paralelo no país clássico da liberdade de imprensa, a Grã-Bretanha, em que, segundo um criminalista, basta um tudo nada para haver delito (but a very little is sufficient), porquanto, alem dos autores, directores e editores, "quem o tiver lido e o vender ou emprestar é réu do crime de publicação (publisher), e sujeito desde logo ao respectivo
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processo" (Gaspar de Queirós Ribeiro, Relatório e Projecto de Lei sobre Liberdade de Imprensa, p. 68).
A responsabilidade a título de autor principal estabelecida no artigo 42.° da lei francesa não impede o procedimento contra os outros responsáveis, pois, sempre que os gerentes ou editores forem processados (actualmente os directores), os autores do escrito sê-lo-ão também como cúmplices; e poderão sê-lo sob o mesmo título e em todos os casos todas as pessoas a quem se possa aplicar o artigo 60.° do Código Penal (artigo 43.°).
Também os proprietários dos jornais ou escritos periódicos são responsáveis pelas condenações pecuniárias (artigo 44.°).
Os próprios impressores e vendedores podem ser considerados cúmplices se, tendo conhecimento do carácter difamatório da publicação, procederem à sua impressão e difusão, bem como todas as pessoas que reunam as condições ou os requisitos previstos no Código Penal para a cumplicidade.
Mesmo na hipótese de não se verificarem os requisitos da responsabilidade penal, como autores ou cúmplices, pode haver responsabilidade civil fundada nos artigos 1362.° Os seguintes do Código Civil, desde que haja culpa ou negligência.
133. O Brasil adopta o regime de responsabilidade sucessiva desde a Lei de Imprensa de 80 de Setembro de 1830.
A Lei da Informação em vigor dispõe:
São responsáveis pelos crimes cometidos através da imprensa e dos emissores de radiodifusão, sucessivamente:
1.° O autor do escrito ou transmissão incriminada (artigo 28.°, § 1.°), sendo pessoa idónea, e residente no País, salvo tratando-se de reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá como seu autor quem a tiver reproduzido;
2.° Quando o autor estiver ausente do País, ou não tiver idoneidade para responder pelo crime:
a) O director ou redactor-chefe do jornal ou periódico; ou
b) O director ou redactor registado de acordo com o artigo 9.°
3.° Se o responsável, nos termos do número anterior, estiver ausente do País ou não tiver idoneidade para responder pelo crime, responderá, no caso de jornais ou periódicos, o gerente ou proprietário das oficinas impressoras.
4.° Os distribuidores ou vendedores da publicação ilícita ou clandestina, ou da qual não conste a indicação do autor, editor ou oficina onde tiver sido feita a impressão. (Lei da Informação, artigo 37.°)
Tratando-se de agência noticiosa, são responsáveis:
1.º O autor da notícia transmitida, sendo pessoa idónea e residente no País;
2.º O gerente ou proprietário da agência noticiosa, quando o autor estiver ausente do País ou não tiver idoneidade para responder pelo crime (artigo 38.º).
134. Em Espanha a infracção das normas que regulam O regime jurídico da imprensa dá origem a responsabilidade penal, civil e administrativa (artigo 63.°).
A responsabilidade penal será exigida perante os tribunais de harmonia com o estabelecido na legislação penal (artigo 64.°).
Quanto à responsabilidade civil por actos ou omissões ilícitas, não puníveis, será exigível aos autores, directores, editores, impressores e importadores ou distribuidores de impressos estrangeiros com carácter solidário (artigo 65.°, n.° 2).
Por outro lado, a infracção dos preceitos legais e regulamentares em matéria de imprensa está sujeita a sanções impostas por via administrativa, independentemente de a mesma ser ou não constitutiva de delito (artigo 66.°).
Para o efeito da lei, as infracções administrativas podem ser: muito graves, graves e leves, variando as sanções de harmonia com o grau de gravidade das infracções (artigos 67.°, 68.° e 69.°).
135. O princípio da responsabilidade sucessiva foi aceite em ledos os cantões da Suíça a partir de 1942.
O responsável é o autor do escrito. Se este não puder ser descoberto ou se a publicação foi feita sem o seu consentimento ou contra sua vontade, o editor, ou, na sua falta, o impressor, será punido como autor da infracção (Código Penal, artigo 27.°).
A Bélgica elevou esta norma a princípio constitucional: quando o autor do escrito é conhecido e domiciliado na Bélgica, o editor, impressor ou distribuidor não pode ser perseguido [Constituição, artigo 18.°, alínea 2)].
A lei de imprensa do Uruguai distingue os delitos de imprensa em graves e leves (artigos 20.° e 21.°).
Quanto aos primeiros, são responsáveis o autor do escrito incriminado ou o redactor ou editor respectivo.
Relativamente aos delitos leves, serão punidos como autores o redactor responsável, tratando-se de uma publicação periódica, e o editor das publicações não periódicas (artigo 24.°).
136. A proposta ocupa-se no capítulo VI, subordinado à epígrafe "Abuso da imprensa", da autoria e cumplicidade nos crimes de imprensa (base XXVI), da responsabilidade dos tipógrafos e impressores (base XXVII) e da responsabilidade dos proprietários (base XXVIII).
O projecto, por sua vez, remete para a lei geral, quanto à responsabilidade criminal, com a excepção relativa a autoria do crime, porquanto, não sendo o escrito assinado, será tido como autor quem exercer as funções de director da publicação (artigo 3.°, n.° 2).
137. As questões versadas nas disposições referidas são das mais delicadas que qualquer lei de imprensa pode suscitar. Na verdade, podendo a autoria dos crimes ser intelectual, moral ou material, sendo autores do crime não só os que o executam ou tomam parte livre na sus execução, mas ainda os que concorram directamente pari facilitar ou preparar a execução nos casos em que, seva esse concurso, não teria sido cometido (Código Penal artigo 20.°, n.ºs 1 e 2), nos crimes, por exemplo, de difamação e injúria, quando cometidos pela imprensa, difícil averiguar quem são os autores e o grau da sua responsabilidade, porquanto não só o autor do escritor mas ainda o director do jornal que autorizou a sua publicação, ou os tipógrafos e impressores que asseguram a sua impressão, deram causa à sua realização.
Além disso, ao lado da autoria existe a cumplicidade sendo, à face da lei penal, cúmplices:
1.º Os que directamente, aconselharam ou instigar outro a ser agente do crime, não estando compreendidos no artigo 20.°;
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2.° Os que concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos em que, sem esse concurso, pudesse ter sido cometido o crime (Código Penal, artigo 22.°).
Ora, como ensina o Prof. Doutor Eduardo Correia, "para saber se uma certa comparticipação pode enquadrar-se ou não no conceito de autoria, é antes de tudo necessário averiguar-se, sem ela, o facto deixaria ou não de ser cometido. É mister, por outro lado, que o agente represente a necessidade da sua actuação moral ou material para a realização do crime: se o agente não conhecer as circunstâncias que fazem cova, que, sem o seu auxílio, o crime não tivesse sido praticado, estaremos tão-só em face de um caso de cumplicidade ou de uma autoria por negligência" (cf. Direito Criminal, vol. II, p. 260).
Indagar, porém, em relação a crimes que resultam da actividade associada de muitas pessoas, como são os da imprensa, quais delas são imputáveis como autores - autoria dolosa ou por negligência - ou como cúmplices, visto haverem concorrido efectivamente para facilitar ou preparar a execução, seria tarefa difícil e até inoportuna, pelo número excessivo de pessoas que não poderia deixai' de abranger tal indagação.
Por isso, as leis de imprensa estabelecem, quanto à responsabilidade penal, um certo número de regras com vista a limitar mais ou manos essa imputação.
De entre estas leis, Luís Osório manifestou a sua preferência pela alemã, em que "o responsável é o redactor, isto é, a pessoa que está encarregada de determinar o que deve ser ou não publicado. Ele, tendo o direito e a obrigação de examinar os escritos e resolver se devem ou não ser publicados, é evidente o principal responsável pelo abuso" (cf. Notas ao Código Penal Português, vol. 3.°, p. 432).
Também a lei francesa, como já se referiu, considera autores principais o director ou editor, quaisquer que sejam as suas profissões ou denominações, punindo, na sua falta, os autores e, na falta destes, os impressores, vendedores, distribuidores ou afixadores (Lei de 1881, artigo 42.°).
Outras leis, porém, consideram primeiro responsável o autor do escrito incrimado (Lei da imprensado Uruguai, artigo 23.°) e (Lei da Informação brasileira, artigo 37.°, n.° 1). Nos termos desta última lei, quando o autor do escrito estiver ausente do país ou não tiver idoneidade para responder pelo crime, responde o gerente ou o proprietário das oficinas impressoras (artigo 37.°, n.° 3).
Para o projecto, o responsável é o autor do escrito ou, não estando este assinado, o director da publicação.
Simplesmente, dado que tanto o autor do escrito como o director da publicação não podiam executar o crime sem o concurso de outras pessoas - tipógrafos ou compositores -, os mesmos deveriam ser considerados co-autores.
É que, compondo-se o crime de abuso de imprensa de diversos elementos - a expressão, a impressão e a publicação -, o seu sujeito activo é diferente conforme as regras que se adoptarem para o determinar. Pela aplicação das regras do direito penal comum (artigos 20.°, 21.° e 22.° Código Penal), a comparticipação no crime estenderia a pessoas que apenas de uma forma predominantemente material facilitaram a sua execução. Daí a necessidade estabelecer regras especiais com vista a limitar essa comparticipação.
138. A isso visa a base XXVI da proposta, que contempla várias hipóteses, a saber:
a) Publicação não consentida. Neste caso será considerado autor do crime a pessoa que a tiver promovido. Na verdade, se o autor do escrito ou imagem não desejou a publicação, falta o elemento subjectivo que justifique a imputação;
b) Escrito não assinado, assinado com pseudónimo ou com nome falso. Nesta hipótese, tratando-se de publicação periódica, responde como autor o director ou o redactor responsável. No caso de publicação não periódica, responde o autor. Se este não for indicado no prazo marcado ou quando a indicação não seja exacta, responde o editor;
c) Fora das hipóteses previstas na alínea anterior, são considerados como cúmplices os directores dos periódicos ou os respectivos redactores, ou, tratando-se de imprensa não periódica, os editores.
A proposta não prevê o caso de o autor do escrito estar ausente do País. Todavia, parece que a hipótese deve ser contemplada, sob pena de se correr o risco da atribuição da autoria a pessoas em relação às quais é difícil tornar efectiva a inerente responsabilidade.
Por outro lado, não parece justo que o redactor compartilhe com o director a responsabilidade penal, dado que é a este que compete, nos termos da base XVI, a orientação do periódico, tendo sobre ele todos os poderes de decisão.
A proposta não prevê, igualmente, quem é responsável pela publicação ilícita ou clandestina ou pela notícia transmitida através de agência de informação ou noticiosa.
Deste modo, alvitra-se para a base XXXI a redacção seguinte:
BASE XXXI
São responsáveis criminalmente pelos crimes cometidos através da imprensa:
a) O autor do texto, se residir em Portugal, salvo nos casos de publicação não consentida, nos quais responderá quem a tiver promovido;
b) Tratando-se de textos ou imagens não assinados ou, sendo assinados com pseudónimo ou com nome falso, caso a identidade do autor vão seja indicada no prazo que for marchado ou essa indicação não seja exacta, ou quando o autor do texto ou imagem não residir no País, responderão como autores os directores dos periódicos e os editores da imprensa não periódica;
c) Fora das hipóteses previstas na alínea anterior, são considerados cúmplices os directores dos periódicos e os editores da imprensa não periódica;
d) Tratando-se de publicação ilícita ou clandestina, sendo considerada como tal a não registada nos termos da base XV e aquela a que faltem as indicações referidas nas bases XVI e XVII, responderão como autores os seus distribuidores e vendedores;
e) O autor do texto ou imagem transmitidos através de agência de informação noticiosa o publicados na imprensa, portuguesa, se residir em Portugal, ou, na sua falta, o director, gerente ou proprietário da agência que residir no País.
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SECÇÃO II
Responsabilidade civil
BASE XXXII
(Artigo 4.° do projecto)
(Responsabilidade civil)
139. Directamente relacionada com a matéria da responsabilidade criminal encontra-se a civil em consequência de factos ilícitos.
Neste domínio, o princípio da responsabilidade sucessiva, geralmente aceite para a determinação da responsabilidade criminal, cede perante o da responsabilidade solidária ou subsidiária.
A vítima de um abuso de liberdade de imprensa deve ser ressarcida do dano sofrido, ligando-se em alguns países (Grã-Bretanha e Estados Unidos) mais importância ao pagamento da indemnização do que propriamente ao castigo da infracção.
Ora, o autor do escrito, o director da publicação periódica ou o editor da não periódica poderiam libertar-se facilmente do pagamento da indemnização, indicando como autor uma pessoa insolvente contra a qual seria imitai a propositura de uma acção destinada a esse fim.
No sentido de evitar a fuga, e tendo em atenção a natureza das publicações, a lei responsabiliza as empresas, solidária ou subsidiariamente, pela indemnização do dano causado.
Assim, a lei francesa prevê a responsabilidade civil dos proprietários dos jornais ou escritos periódicos pelas condenações pecuniárias pronunciadas em proveito de terceiros contra as pessoais referidas nos artigos 42.° e 43.° da mesma lei (gerentes, editores, directores, autores, impressores, vendedores, distribuidores ou afixadores).
A responsabilidade civil, com base nos artigos 1382.° e seguintes do Código Civil, pode ser fundada em mera culpa ou negligência.
Assim, o impressor que, nos termos do artigo 43.° da Lei de 1881, é isento de (responsabilidade penal fica sujeito à civil desde que tenha procedido com culpa.
A culpa dos impressores resulta com frequência do facto de continuarem a impressão, não obstante o aviso ou a advertência do lesado.
A lei italiana e mais precisa e clara, ao dispor:
Pelos crimes cometidos por meio de imprensa são civilmente responsáveis, solidariamente com os seus autores, o proprietário da publicação e o editor (artigo 11.°).
Pela Lei de imprensa grega os proprietários dos jornais são civilmente responsáveis, juntamente com os que hajam sido condenados, pelo pagamento da importância fixada pelo tribunal como indemnização por perdas e dia/nos morais devida à parte lesada (artigo 90.°).
A Lei de imprensa espanhola preceitua:
A responsabilidade civil derivada do delito, quando não possa .tornar-se efectiva em relação aos autores a que se refere o artigo 15.° do Código Penal, recairá com carácter subsidiário na empresa jornalística, editora, impressora, importadora, ou distribuidora de publicações estrangeiras (artigo 65.°).
Nos termos do artigo 49.° da Lei da Informação brasileira, aquele que no exercício da liberdade de manifestação, do pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar os danos morais e materiais:
1.° Quando tenha provocado desconfiança no sistema bancário ou abalo de credito de instituição financeira ou de qualquer empresa, ou prejuízo no crédito do Estado;
2.° Quando procure obter favores, dinheiro ou vantagem para si ou para ou toem para não fazer ou impedir que se faça determinada publicação;
3.° Nos casos de calúnia, difamação e injúria.
Nos demais casos só é obrigado à reparação dos danos materiais.
Se a violação do direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação em jorna] ou periódico, responde pela reparação dos danos o que explora o jornal ou o periódico.
Tratando-se de imprensa não periódica, responde pela reparação do dano:
a) O autor do escrito, se for indicado no mesmo;
b) A pessoa natural ou jurídica que explora a oficina impressora, se do impresso não constar o nome
do autor.
A empresa que explora o meio de informação tem acção de regresso pana haver do autor do escrito ou da notícia a indemnização que pagar em virtude da responsabilidade referida (Lei da Informação, artigos 49.° e 50.°).
140. No que respeita a Portugal, a responsabilidade civil por factos ilícitos vem regulada no Código Civil, nos seguintes termos:
Aquele que, com dolo ou mera culpa, viola ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legai destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (Código Civil, artigo 483.°).
Assim, são vários os pressupostos que a condicionam:
... um facto voluntário do agente, pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei é capaz de agir ilicitamente; em segundo lugar, é preciso que o facto do agente seja ilícito (... viola ilicitamente...); em terceiro lugar, que haja um nexo de imputação do facto ao lesante (aquele que, com dolo ou mera culpa, violar...), depois, que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano não chega, a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil; por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que c dano é resultante da violação, pois só quanto a esta manda a lei indemnizar o lesado (Prof. Doutor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, p. 356).
Nos crimes de imprensa o facto voluntário do g consiste, em regra, na afirmação de um facto injurioso e difamatório ofensivo dia honra e consideração do lesada.
Como o dano resultou da actividade associada de várias pessoas (autor, director, editor, empresário), todos, embora em grau diferente, são responsáveis por ele.
Ora, quando forem várias as pessoas responsáveis pelo dano, a fim de melhor acautelar os interesses do lesado credor da respectiva indemnização, a sua responsabilidade é solidária (Código Civil, artigo 497.°).
Na fixação da indemnização deve atender-se não só aos danos patrimoniais, mas ainda aos não patrimónil que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (Código Civil, artigo 496.°).
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Nos crimes contra a honra, no aspecto da reparação do dano moral, não poderá deixar de ter em conta a gravidade, natureza e repercussão da ofensa, em razão a maior ou menor difusão do escrito, da intensidade do sofrimento do ofendido e da sua posição política e social.
Na Grã-Bretanha, os tribunais fixam, quando é caso disso, indemnizações de elevado montante; nos países latinos, as mesmas são fixadas, por via de regra, em importância meramente simbólica.
Reagindo contra esta tendência, o decreto de 28 de Outubro de 1910 preceituou que se o acusado não quiser provar ou de facto não provar as imputações, seja qual for a razão ou pretexto, será punido como caluniador errai prisão correccional até dois anos, mas nunca inferior a três meses, não remível, e multa correspondente, além da indemnização de perdas e danos que o juiz fixará logo em 200$000 réis sem dependência de qualquer prova, ou fixará na quantia certa, maior ou menor do que 200$000 réis, que o júri determinar à vista das provas, se o caluniado tiver reclamado inicialmente quantia superior.
O Decreto n.° 12 008 mantém esta disposição, elevando, porém, para 4000$ o limite mínimo da indemnização de perdas e danos (artigo 17.°).
A Lei de imprensa grega, por sua vez, estabelece que a indemnização por perdas e danos morais nunca pode ser inferior a 50 000 dracmas nem superior a 500 000, sendo o limite mínimo elevado para 200 000 dracmas sempre que o director ou editor for condenado por qualquer das infracções previstas nos artigos 361.° a 363.°, inclusive, do Código Penal (artigo 89.°, n.ºs 2 e 3).
141. A proposta não contém qualquer base que se ocupe da responsabilidade civil. O projecto, por sua vez, estabelece: a responsabilidade civil será exigível nos termos do n.° 2 do artigo anterior, ou seja ao autor do escrito, sendo tido como autor quem exercer as funções de director da publicação nos casos de o escrito não ser assinado, mas as empresas proprietárias, editaras e noticiosas serão sempre solidariamente responsáveis pela reparação do dano (artigo 4.°).
Esta disposição reproduz, no essencial, o que se acha consignado no artigo 11.° da Lei da imprensa italiana.
Assim, sugere-se a inclusão na Secção II, sob a epígrafe "Responsabilidade civil", de uma base assim redigida:
BASE XXXII
(Responsabilidade civil)
A responsabilidade civil sara exigível dos responsáveis nos termos desta lei, mau as empresas proprietárias, editoras e noticiosas serão sempre solidariamente responsáveis pela reparação do dano.
Secção III
Responsabilidade administrativa
BASE XXXIII
(Bases XXVIII e XXXVI da proposta e artigo 15.º do projecto)
(Multas administrativas)
142. A proposta prevê a aplicação aos proprietários dos periódicos ou de publicações não periódicas de uma multa por cada infracção (base XXVIII). Nada dispõe, porém, quanto ao quantitativo da multa e à natureza da infracção.
O projecto, porém, prevê a aplicação de multa até 500 000$ e a sanção de suspensão até um ano para as empresas jornalísticas, editoras e noticiosas em cujas publicações ou notícias tenham sido cometidos delitos ou que tenham, infringido o disposto nesta lei (artigo 15.°).
Qual a natureza desta infracção? Situa-se no domínio do direito criminal ou no do direito administrativo?
O jornal é uma obra colectiva que exige a associação de meios pessoais e materiais. E, como a autoria pode ser intelectual, moral ou material, podem ser considerados autores materiais não só os que executam o crime, mas ainda aqueles que, proporcionando os meios materiais indispensáveis à sua realização, concorrem directamente para preparar ou facilitar a sua execução.
Assim, os proprietários dos periódicos podem ser passíveis de sanções criminais como com/participantes no facto criminoso.
Quanto à sua responsabilidade civil, solidária ou subsidiária, é admitida na legislação da generalidade dos países.
Simplesmente, "entre a simples indemnização civil de perdas e danos por um lado, e a pena criminal por outro, existe um grupo de sanções específicas que correspondam a um tipo específico de ilícito: o ilícito criminal administrativo" (cf. Prof. Doutor Eduardo Correia, Direito Criminal, tomo I, p. 20).
Dado o (carácter público da imprensa, o Estado não pode desinteressar-se do seu funcionamento. A violação do seu regime jurídico justifica a aplicação de sanções de diversa natureza: penais, civis e administrativas.
As primeiras suo aplicadas pelos tribunais competentes que também conhecem da responsabilidade civil. Quanto às infracções que, pelo seu conteúdo e especial configuração, se situem no domínio do ilícito criminal administrativo, a sua apreciação compete à autoridade administrativa, bem como a aplicação das respectivas sanções.
O recurso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo assegurará aos infractores a defesa dos seus direitos.
143. A Lei de imprensa de Espanha estabelece que a infracção dos preceitos legais e regulamentares em matéria de imprensa é objecto de sanção por via administrativa independentamente de ser ou não constitutiva de delito (antigo 66.°).
Aos proprietários ou às empresas podem ser aplicadas sanções variáveis conforme a gravidade das infracções: infracções leves, multa de 1000 a 50 000 pesetas; graves, multa, de 50 000 a 100 000 pesetas; muito graves, suspensão das publicações periódicas até dois meses nos diários, até quatro meses nos semanários e publicações quinzenais e até seis meses nas publicações com maiores intervalos. Quanto às empresas editoriais: suspensão até três meses e multa de 100 000 a 500 000 pesetas.
Deste modo, a matéria das bases XXVIII e XXXVI da proposta (responsabilidade dos proprietários e contravenções) e a do artigo 15.° do projecto, passaria a constituir a secção III subordinada à epígrafe "Da responsabilidade administrativa", dando-se à base que engloba aquela matéria a seguinte redacção:
BASE XXXIII
(Multas administrativas)
1. Como medida coactiva para a observância dos deveres impostos por esta lei e pelo seu regulamento, podem ser aplicadas às pessoas singulares o às pessoas colectivas, incluindo sociedades, que se constituam editoras as multas de 500$ a 100 000$.
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2. A aplicação destas multas é da competência do Governo, com recurso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo.
CAPITULO VII
Das sanções
BASES XXXIV a XXXIX
(Bases XXX a XXXIII da proposta e artigos 3.° e 15.° do projecto)
144. As bases XXX, XXXI, XXXII e XXXIII da proposta tratara das sanções a aplicar pelos crimes de imprensa.
Como já se referiu, tanto as nossas leis como as leis estrangeiras têm. seguido nesta matéria critérios diversos: umas remetem para o direito comum, outras estabelecem uma repressão especial, orientada ora no sentido de um maior rigor penal, ora no sentido de uma repressão mais benévola.
O projecto não estabelece sanções especiais para as infracções punidas pela lei geral, quando cometidas por meio da imprensa, mas este exercício será sempre considerado como circunstância agravante (artigo 3.°, n.° 1).
A proposta, mantendo fundamentalmente o direito comum ao preceituar que os crimes de imprensa são punidos com as penas estabelecidas na lei geral, prevê outros crimes de imprensa, que não constam daquela lei, bem corno as respectivas sanções (bases XXX e XXXI).
Estabelece, por outro lado, que as penas serão as previstas na lei geral, mas agravadas.
Este agravamento não carece de justificação.
Na verdade, seja qual for o sentido que se atribua à pena - retributivo, preventivo geral ou preventivo especial -, na medida desta não podem deixar de ser considerados todos os elementos do crime e, entre eles, a culpa do agente, a importância do interesse ofendido, o grau de intensidade da ofenda em razão da maior ou menor eficácia dos meios de agressão utilizados (cf. Prof. Doutor Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II. pp. 317 e seguintes).
Difamar alguém de viva voz, imputando-lhe um facto ofensivo da sua honra e consideração, ou fazê-lo por meio da imprensa não è a mesma coisa. No primeiro caso, a publicidade real e efectiva da ofensa é restrita a um número limitado de pessoas, ainda que indeterminado. No segundo, porém, pode atingir uma infinita multiplicidade de pessoas, tantos os leitores do jornal que, por sua vez, ainda podem chamar a atenção de outras pessoas para o facto, tão certa é a tendência para se acreditar em tudo quanto se publica e que possa ser ofensivo da honra ou da consideração de outrem, mormente quando o ofendido desempenhe qualquer função pública.
Assim, a lesão da reputação do ofendido é tanto mais grave quanto maior for a difusão do impresso e o seu grau de credibilidade.
Sendo as consequências do crime muito mais graves no espaço e no tempo, quando cometidas pela imprensa, alguns códigos penais consideram circunstância agravante o facto de a ofensa ter sido feita por meio da imprensa ou por outra forma susceptível de lhe dar uma grande difusão (Código Penal da Dinamarca, artigo 267.°, n.° 3).
Efectivamente, quando o crime é cometido de viva voz, extinta esta, cessa a objectivação da ofensa, embora esta se conserve na memória dos que ouviram a imputação ofensiva.
Mas já não acontece o mesmo quando cometido pela imprensa, pois, em (tal hipótese, o crime continua a produzir os seus efeitos por um período de tempo indefinido e muito para além do momento em que se consumou. A sua influência prolonga-se no tempo e pode estender-se não só aos contemporâneos do evento mas ainda aos vindouros que, através da leitura do jornal coevo dos seus antepassados, podem formar sobre a personalidade mora} destes um juízo que nem sempre correspondera. É verdade.
Por isso, no sentido de lhe atenuar os seus efeitos, a lei italiana de imprensa prescreve não só a obrigatoriedade da publicação da sentença condenatória de um crime de imprensa (artigo 9.°), como a responsabilidade civil do proprietário em publicação e do editor (artigo 11.°), como manda atender, na fixação da reparação pecuniária, a maior ou menor difusão do impresso (artigo 12.°).
É este o regime que, nas suas linhas gerais, vem consagrado na proposta e no projecto, quanto à agravação da pena (base XXX da proposta e artigo 3.° do projecto) e na proposta, quanto à publicação de decisão (base XXXV) e por isso a Câmara, nada tendo a objectar à sua matéria, dá-lhe, em princípio, a sua aprovação.
145. Segundo a proposta (base XXXI), são também considerados crimes de imprensa:
a) A publicação de impressos que não tenham sido submetidos a exame prévio, nos casos excepcionais em que este seja obrigatório, ou que nele tenham sido reprovados, e, bem assim, a publicação de impressos suspensos, mandados apreender ou clandestinos;
b) A infracção ao disposto no n.° 3, alínea a), da base IX, ou seja a publicação, distribuição, venda ou afixação de escrito ou imagem cuja publicidade integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado, ou ultraje à moral pública ou constitua provocação pública ao crime ou incitamento ao emprego de violência;
c) As infracções ao disposto no n.° 3, alíneas b), c) e d) da base IX, ou seja, quando o impresso, suspenso de acordo com o disposto nesta lei, não tenha sido submetido a exame prévio ou neste tenha sido reprovado ou seja clandestino;
d) A infracção ao disposto na base XV - falta de publicação de notas oficiais e de rectificações oficiais;
e) A falta de publicação de resposta, a requerimento das pessoas referidas no n.° 2 da base XVI, e a falta de declaração a que se refere a alínea a) do n.° 1 da base XVIII ou a falta de publicação dessa declaração, nos termos constantes da alínea b) do mesmo número;
f) A falta de publicação de resposta, quando ordenada pelo tribunal, nos termos regulados nas bases XVI e XVII, e a falta de publicação do requerimento e declaração, nos termos dos n.ºs 1 e 3 da base XVIII.
146. Quanto às alíneas a), b) e c), não há dúvida de que o crime de imprensa se consumou pela publicação proibida.
Já não é tão pacífico o asserto quanto às infracções a que se referem as alíneas d), e) e f) da base XXXI da proposta, porquanto o que está ali em causa não é a publicação de qualquer escrito ou imagem, mas a falta de publicação de notas oficiosas, notificações oficiais ou d respostas, requerimentos ou declarações nos termos previstos na lei.
Ora, se a publicação é o elemento material que consuma o crime de imprensa, como se estabelece na base XV da proposta, parece que, na sua falta, não existe crime desta natureza.
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Todavia, os factos ilícitos que aquelas alíneas contemplam estão directamente relacionados com a actividade da
Imprensa: o director do jornal que não inserir a nota oficiosa ou não publicar a resposta a que era obrigado viola uma norma legal, sendo por isso passível de sanção penal.
São estas sanções, bem como as relativas aos factos, que integram as infracções a que se referem as alíneas a), b) e c) da base XXXI da proposta que devem constar da lei, e para isso não há necessidade de consignar que "são também considerados crimes de imprensa".
Pelo exposto, as sanções nela previstas devam figurar na base que no texto proposto contemplar não só as penas aplicáveis aos crimes de imprensa, mas ainda, nos crimes relacionados com a sua actividade e previstos nesta lei.
147. Quanto à base XXXII, suspensão temporária dos periódicos ou o cancelamento da respectiva inscrição, a sua matéria é delicada e merece por isso alguma reflexão.
Em primeiro lugar, há que distinguir entre a suspensão temporária dos periódicos e a suspensão definitiva, como consequência do cancelamento da respectiva inscrição (base XXXII).
A primeira, para que seja eficaz, tem de ser rápida ou imediata. A guerra ou a paz podem depender de uma campanha da empresa. Se o jornalista sabe manejar a pena, encontrará sempre um público disposto não só a lê-lo, mas a segui-lo. Napoleão, segundo Metternich, dizia que os jornais significavam para ele tanto como um exército de 300 000 homens. Por isso de Santa Helena escrevia:
"Abandonar a imprensa a si mesma significa, certamente, dormir junto de um perigo" (cf. J. A. Castro Farinas, De La Liberdad de Prensa, p. 101).
Assim, dado o perigo que representa, por exemplo, a propaganda de guerra, a prática de actos de terrorismo ou o incitamento ao uso de processos violentos para a, subversão da ordem política e social, a autoridade para o conjurar ou afastar mão pode estar à espera que, denunciado o facto ao tribunal competente, este, dada a gravidade do crime, venha a determinar a suspensão do periódico decorrido um ou dois anos após a sua prática. Não. O exercício da liberdade de imprensa não é ilimitado, pois tem como fronteiras naturais o respeito pelos direitos e liberdades de outrem, a honra dos cidadãos, o interesse da comunidade, a ordem jurídica e moral.
Se estas fronteiras são violadas e por forma a causar grave dano à sociedade e ao Estado, este não pode deixar de se defender, com vista a evitar o perigo ou a reduzir os efeitos do dano.
Ora, um dos meios de que pode lançar mão para lograr esse objectivo consiste precisamente em pôr termo à actividade criminosa através da suspensão do periódico em que a mesma se desenvolve.
Pelo Decreto n.° 2270, de 12 de Março de 1916, as autoridades policiais e administrativas podiam, verificadas determinadas circunstâncias, ordenar mão só a apreensão dos periódicos, mas ainda a suspensão da sua publicação pelo prazo de três a trinta dias (artigo 2.°).
É que a via administrativa, teoricamente discutível pelos abusos a que se presta, é, na ordem prática, a única eficaz.
Por isso, em períodos de crise, os Governos de muitos Países, com lei que a preveja ou sem ela, a têm utilizado.
Medida excepcional, só deve ser determinada em razão da gravidade ou frequência dos crimes cometidos através do respectivo periódico. Mais do que a aplicação de uma sanção é, as mais das vezes, um. aviso de carácter preventivo susceptível de evitar um mal maior.
Ainda que o alarido das paixões, tanto mais alto quanto mais injustas, nem sempre deixe ouvir a voz serena da razão, bastará suspender o jornal por poucos dias para este sobrestar na sua campanha ou diminuir a sua intensidade, mormente quando for convencido de que as consequências, quanto à perturbação da paz pública, excederam de longe o que teria previsto.
Nos crimes por abuso de liberdade de imprensa, quando houvesse acumulação de três ou mais dos ditos crimes, ou quando em período não superior a dezoito meses se tivessem verificado duas condenações, a suspensão temporária da venda pública ou o agravamento da multa prevista no § 2.° do artigo 8.° podiam ser substituídos na sentença condenatória pela suspensão definitiva do periódico (Decreto de 29 de Março de 1890, artigo 8.°, § 3.°).
Também o Decreto n.° 12 008, de 29 de Julho de 1926, lei de imprensa em vigor, preceitua:
O periódico que foi condenado três vezes pelo crime de difamação será suprimido, e o director do periódico que pela terceira vez for condenado pelo mesmo crime será incapacitado, pelo tempo de cinco anos, para dirigir qualquer periódico (§ 2.° do artigo 17.°).
Deste modo, a supressão do periódico prevista no Decreto n.° 12 008, deve ser substituído pelo cancelamento da respectiva inscrição, consignado na base XXXII da proposta, mas só quando a gravidade ou frequência dos crimes cometidos a justifiquem.
148. O problema suscitado na base XXXIII da proposta, quanto h possibilidade de interditar, temporária ou definitivamente do exercício da profissão, os directores e redactores dos periódicos e os editores, não é menos delicado.
Na verdade, contando-se o direito ao trabalho e a liberdade de escolha da profissão ou género de trabalho, entre os direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses, embora aquele deva ser exercido nos termos que a lei prescrever (Constituição, artigo 8.°, n.ºs 2.° e 7.°), qualquer restrição só pode ser imposta quando devidamente justificada.
É o que acontece com os funcionários públicos, em que a pena de demissão ou perda de emprego pode ser com declaração de incapacidade para tornar a servir qualquer emprego, ou sem essa declaração.
Todavia, pronunciar-se-á sempre a demissão do empregado público quando este for condenado a qualquer pena maior (Código Penal, artigo 76.°, n.° 11) ou, quando fora do exercício das suas funções, for encobridor de coisa furtada ou roubada, ou cometer o crime doloso de falsidade, ou o de furto, de roubo, de burla, de quebra fraudulenta, de abuso de confiança, de fogo posto, e que a pena decretada, na lei seja a prisão, nos casos em que o Ministério Público acusa independentemente de denúncia ou acusação particular (Código Penal, artigo 65.°, § único).
Ora, as qualidades e requisitos que se exigem dos directores e redactores de jornais e dos editores não devem, de um modo geral, ser inferiores aos que se exigem do comum dos funcionários. Através do exercício da sua profissão, dado o carácter público da imprensa, os jornalistas estão Intimamente ligados à comunidiade de que fazem parte. O seu papel na formação da opinião pública - eco das aspirações, sucessos e desilusões da comunidade - exige deles ideias claras sobre os problemas nacionais ou, pelo menos, sensibilidade para poder distinguir o que neles é 'essencial e permanente do que é puramente acessório.
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Livres e independentes dos governos, deverão sê-lo, quanto possível, dos grupos de pressão económica ou política para poderem opinar, divulgar e informar com a maior objectividade. Divulgadores de programas e das directrizes dos governantes, deverão ser, igualmente, intérpretes das preocupações, aspirações e anseios justos dos governados.
Devem possuir coragem e autoridade moral que lhes permita denunciar crimes, abusos, erros, prepotências e injustiças.
A Lei de imprensa de Espanha não permite que sejam directores dos jornais os condenados por crime doloso ou por três ou mais infracções em matéria de imprensa ou que hajam sido punidos disciplinarmente pelo júri de ética profissional três ou mais vezes por pena superior à de simples advertência pública, ou ainda, administrativamente, e também por três ou mais vezes, por infracção grave, prevista na lei, e no prazo de um ano (artigo 36.°)
À semelhança do que acontece com os advogados e os médicos, o ideal seria que fossem os próprios jornalistas a conhecer da violação das regras profissionais e a aplicar as respectivas sanções.
Mas, enquanto não se for para essa solução, através da constituição da respectiva ordem ou da constituição de tribunais especiais formados por membros designados pelo sindicato e pelo grémio que representem, respectivamente, os jornalistas o as empresas e presidido por um magistrado nomeado pelo Governo, deverá atribuir-se aos tribunais competência para interditar do exercício das suas funções os jornalistas, quando o crime por eles cometido revele grave violação dos deveres inerentes a profissão e houver fundamento para recear, em razão da personalidade do agente ou do seu desprezo pelos limites estabelecidos nesta lei para a liberdade de imprensa, a perpetração de outros crimes contra o Estado e as pessoas.
Em razão das considerações feitas, a Câmara sugere que a matéria das bases XXX, XXXI, XXXII e XXXIII da proposta passe, atenta a sua importância, a constituir um capítulo sob a epígrafe "Das sanções", dando-se às bases por ele abrangidas a redacção que a seguir se alvitra.
CAPITULO VII
Das sanções
BASE XXXIV
(Base XXX da proposta e n.° 1 do artigo 3.° do projecto)
(Penas aplicáveis)
Os crimes de imprensa, salvo quanto aos casos previstos nesta diploma, são punidos com as penas estabelecidas na lei geral, mas o jacto de serem cometidos por meio de imprensa será sempre considerado corno circunstância agravante.
BASE XXXV
(Base XXXI da proposta)
(Sanções especiais)
As infracções ao disposto especialmente nesta lei serão punidas do seguinte modo:
a) As infracções ao disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 da base X, com prisão até um ano e multa correspondente;
b) A infracção ao disposto na base XIV, com prisão até dois anos e multa correspondente; quando a extorsão respeite a dinheiro ou valores, aplicar-se-ão as penas de furto agravadas, dependendo, em todos os casos, o procedimento criminal da queixa do ofendido;
c) A infracção ao disposto no n.º 2 da base XI, com multa de 30 000$ a 300 000$, revertendo a favor do Estado as importâncias recebidas pelas empresas jornalísticas com ofensa do preceituado na referida base;
d) A infracção ato disposto na base XVIII, a falta de publicação de resposta, quando ordenhada pelo tribunal, e a falta de publicação do requerimento e declaração, nos termos dos n.°s 2 e 3 da base XXI, com as penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada;
e) A falta de publicação da resposta a requerimento das pessoas referidas no n.º 2 da base XIX, quando infundada a recusa, e a falta de declaração a que se refere a alínea a) do n.° 1 da base XXI ou a falta de publicação dessa declaração, nos termos constantes da alínea b) do mesmo número, com multa de 1000$ a 20 000$.
BASE XXXVI
(Base XXXII da proposta e artigo 15.° do projecto)
(Suspensão dos periódicos)
1. Em atenção à gravidade ou frequência dos crimes neles cometidos, pode ser determinada a suspensão temporária dos periódicos ou o cancelamento da respectiva inscrição.
2. Da suspensão temporária dos periódicos ou do cancelamento da respectiva inscrição cabe recurso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo.
BASE XXXVII
(Base XXXIII da proposta)
(Interdição do exercício da profissão)
1. A medida de interdição do exercício da profissão pode ser imposta pelos tribunais competentes aos profissionais da imprensa quando o crime cometido revela grave violação dos deveres inerentes à profissão e for fundadamente de recear, pela personalidade do agente ou por manifesto desprezo pelos limites estabelecidos nesta lei para a liberdade de imprensa, que outros crimes graves ponham directa ou indirectamente em perigo o Estado ou as pessoas.
2. Constituem índices especialmente reveladores da perigosidade uma condenação a pena maior ou três condenações por crimes dolosos cometidos pela imprensa.
3. A medida de interdição temporária tem o máximo de um ano.
BASE XXXVIII
(Efeitos da interdição)
Durante o período de interdição, o delinquente não pode exercer a profissão jornalística ou editorial nem directamente, nem por interposta pessoa.
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BASE XXXIX
(Autoridades que podem propor a medida de interdição)
1. A medida de interdição podo ser imposta cumulativamente com as sanções de carácter feriai ou ser isoladamente decretada, nos termos da legislação respectiva.
2. Na fase preliminar do processo de segurança ou na fase instrutória do processo criminal podo ser aplicada a medida de interdição, a título provisório, com duração não superior a um mês e sujeita a computação na medida que for definitivamente adoptada.
3. Têm competência para propor a medida de interdição o Ministério Público o a Secretaria de Estado da Informação e Turismo.
CAPITULO VIII
Da acção penal
BASES XL a XLII
(Bases XXIV e XXXV da proposta e artigo 3.° do projecto)
149. A base XXIV trata da acção penal pelos crimes de imprensa, a qual será exercida nos termos estabelecidos no Código de Processo Penal e na legislação complementar.
Também nesta parte a orientarão não tem sido uniforme, estabelecendo algumas leis processo especial para os crimes de imprensa, remetendo outras para o processo comum.
Assim, a Lei de 4 de Julho de 1821, em vez dos juizes privativos, criou em vários distritos conselhos de juizes de facto para conhecer e qualificar os delitos cometidos por abuso da liberdade de imprensa (artigo 22.°).
Para exercerem o cargo de juizes de facto seriam eleitos quarenta e oito homens bons, de que o acusado, à medida que os seus nomes fossem saindo da urna. podia recusar vinte, ao passo que a acusação só podia fazê-lo em relação a seis (artigos 24.° e 44.°).
Esta lei regulou minuciosamente o processo nos juízos sobre os abusos de liberdade de imprensa (artigos 30.° e 59.°).
Por outro lado, criou um tribunal especial de protecção da liberdade de imprensa, que, além de tomar conhecimento das apelações que para ele fossem interpostas, propunha às Cortes todas as dúvidas sobre que as autoridades e juizes a consultassem, prestando-lhes ainda informação do estado era que se achasse a liberdade de imprensa, dos obstáculos que fosse preciso remover e dos abusos que devessem remediar-se (artigo 63.°).
O julgamento pelos juizes de facto teve como resultado a impunidade dos acusados e os abusos dos jornais. Silva Carvalho acusava-os de, "com raríssimas excepções", serem redigidos por mãos mercenárias e corrompidas, que nada mais se propunham que extorquir o oiro e saciar as vinganças.
O abade de Medrões, Deputado às duas primeiras legislaturas, Inocêncio António de Miranda, no Cidadão Lusitano, descrevia com tintas negras a sociedade vintista e observava: "O povo andava confundido pelos delírios dos Periódicos." "Nós estamos na época dos faladores; soltavam-se os vínculos da língua e da perna; cada um diz o que quer, e escreve o que lhe sugere a sua imaginação escandecida" (cf. Alfredo da Cunha, Elementos para a História da Imprensa Periódica Portuguesa, p. 216).
A Lei de imprensa de 22 de Dezembro de 1834 regulou, igualmente, a forma de processo nos delitos de abuso da liberdade de imprensa (artigos 19.° a 26.°).
A Lei de 3 de Agosto de 1850 consagrou o título m à forma de processo, abrangendo o processo preparatório (artigos 32.° a 44.°), fianças (antigo 45.°), o processo de acusação (artigos 46.° a 61.°), o processo por difamação ou difamação a particulares (artigos 66.° a 68.°), o dos réus ausentes (artigos 69.° e 70.°), o processo no Supremo Tribunal de Justiça (artigos 71.° a 73.°).
A Lei de 17 de Maio de 1866 submeteu, pela primeira vez, o processo dos crimes de imprensa à legislação comum (artigo 6.°).
O Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890, manteve, quanto à forma do processo, o direito comum com ligeiras alterações (§ 5.° do artigo 8.°).
Pela Lei de 7 de Julho de 1898, os crimes de ofensa, injúria e os de difamação, quando não for admissível prova sobre a verdade dos factos imputados e o procedimento judicial não depender de requerimento de parte, serão julgados por um tribunal colectivo (artigo 24.°).
Nestes crimes, quando o procedimento judicial dependesse do requerimento da. parte, os autores poderiam ser processados no juízo do domicílio do ofendido (§ 2.° do artigo 26.°).
Por este diploma voltou-se ao regime de processo especial, regulado minuciosamente nos artigos 21.° a 38.°
A Lei de 11 de Abril de 1907 seguiu a mesma orientação. O processo nos crimes de imprensa é regulado no capítulo IV, artigos 19.° a 31.°
Os crimes de liberdade de imprensa são julgados pelo júri.
O Decreto de 28 de Outubro de 1910, mantendo a competência do júri, regulou a. fornia de processo para determinação da responsabilidade por abuso da imprensa nos artigos 29.° a 31.°
Não é diferente o regime processual do Decreto n.° 12 008, Lei de Imprensa em vigor, que, nos artigos 23.º a 27.°, regula o procedimento judicial pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, consagrando os artigos 28.º a 52.° à matéria de competência e forma do processo.
Por este diploma, os crimes de abuso de liberdade de imprensa serão julgados com a intervenção do júri, salvo os seguintes, que serão julgados em tribunal colectivo:
1.° Os crimes de ameaça contra o Presidente da República ou contra, os membros do Governo no exercício das suas funções ou fora delas;
2.° Os crimes de ofensas contra soberanos ou chefes de Estado de nações estrangeiras ou contra a pessoa de qualquer diplomata estrangeiro acreditado em Portugal;
3.° Os previstos na. Lei de 12 de Julho de 1912;
4.° Os crimes de difamação, calúnia e injúria;
5.° Os previstos nos artigos 420.° do Código Penal (artigo 27.°)
150. Da breve resenha feita ressalta que na punição dos crimes de imprensa o processo criminal adoptado foi, por via de regra, o especial.
O caso encontra explicação no direito vigente. Assim, à data da publicação da primeira, lei de imprensa (4 de Julho de 1821), vigoravam ainda as Ordenações Filipinas em que as formas processuais adoptadas eram duas: a do processo ordinário e a do processo sumário ou verbal, uma mais confusa e arbitraria do que outra. A do sumário, adoptada para os crimes mais graves, orientada no sentido de se conseguir a confissão do réu, não assegurava a este as condições necessárias à sua defesa.
Compreende-se, assim, que uma das preocupações do projecto de Soares Franco fosse a de estabelecer a ordem do processo nas juízos sobre os abusos dia liberdade de
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imprensa. De resto, o propósito do reformar o processo criminal esteva do pensamento das Cortes que aprovaram aquela lei, como resulta do facto de terem ordenado a formarão de uma comissão para elaborar o respectivo Código, comissão que não chegou a desempenhar-se do mandato que lhe fora conferido.
A reforma de Mouzinho da Silveira, de 16 de Maio de 1832, organizando a magistratura do Ministério Público, classificando os crimes e regulando o respectivo processo, traduziu-se na melhoria do existente. Não foi, porém, suficientemente profunda para dispensar o processo especial nos crimes de imprensa que, publicada a Lei de imprensa de 22 de Dezembro de 1834, passou a ser regulada por esta.
Também o Decreto de 29 de Novembro de 1836, que estabeleceu nova- divisão do território, e o de 13 de Janeiro de 1837, que reformou o processo civil e criminal, e que vieram a constituir a reforma de 1837 ou a Nova Reforma Judiciária, diploma fundamental do processo criminal até à publicação do Código de Processo Penal em vigor, não lograram, no aspecto dos crimes de imprensa, melhor êxito. O processo especial continuou, salvas as excepções das Leis de 17 de Maio de 1866 e de 1890, em que se consignou que o processo seria o que competisse Da legislação comum, ainda que com algumas alterações.
Um traço dominante das leis de imprensa consistiu no julgamento dos crimes de imprensa pelo júri que, por via de regra, absolvia as acusados.
A quase certeza da impunidade conduzia facilmente à licença.
Esta levou o autor da Ode à Liberdade de Imprensa, Almeida Garrett, ao referir-se ao propósito de regular a censura, não obstante o facto de ter sido abolida pelas Constituições de 1822 e 1826, a dizer que "o Governo não podia obrar diferentemente do que obrava para evitar a licença" (cf. V. Gomes de Amorim, Garrett - Memórias, t. I, pp. 416 e 417).
Essa licença levou um jornalista francês - Emilio de Girardin - a desqualificar por esta forma a profissão em que se notabilizara: "Le journalisme est à la liberte de la presse ce que l'ombre est a la lumière. La liberté de la presse est un droit politique: le journalisme est une profession commerciale" (cf. Alfredo da Cunha. ob. cit., p. 165).
Há, pois, necessidade de impedir que a liberdade se transforme em licença, tanto no interesse da comunidade como na defesa do prestígio da profissão de jornalista, uma das mais nobres e desinteressadas que o homem pode exercer.
151. A adopção dos princípios gerais da lei penal substantiva e adjectiva e a atribuição da competência aos tribunais normalmente indicados para conhecer das mesmas infracções, quando não cometidas através da imprensa, justamente apontadas no relatório como um dos princípios informadores da proposta, visam essa finalidade.
Na verdade, como observa Carnellutti, desde que a Constituição estabelece a igualdade dos cidadãos perante a lei não se justifica urna situação de privilégio ou uma zona de imunidade quanto aos que utilizam a imprensa em relação aos outros cidadãos, isto tanto no que respeita à lei substantiva como à adjectiva.
A lei não prevê a competência do tribunal quando o impresso for clandestino. Há, assim, necessidade de completar a base XXXIV da proposta com essa indicação.
Há, por outro lado, necessidade de estabelecer normas destinadas a assegurar a celeridade do processo, bem como a alargar a competência do Ministério Público, quando os factos imputados se relacionem com o exercício de funções públicas.
Em Itália, par exemplo, constitui obrigação do juiz proferir a sentença, em qualquer caso, dentro de trinta dias após a data em que a respectiva denúncia- do crime foi feita (lei italiana da imprensa, artigo 21.°).
152. A base XXXV da proposta ocupa-se da publicação das decisões proferidas nos processos por crimes de imprensa, as quais, sendo condenatórias serão publicadas gratuitamente nos próprios periódicos. Nos casos de absolvição ou isenção da pena, o réu tem o direito de fazer publicar a respectiva decisão à custa do denunciante.
Tanto a Lei de 11 de Abril de 1907 (artigo 35.°), como a de 7 de Julho de 1908 (artigo 37.°, n.° 3), só obrigam à publicação da sentença quando seja condenatória.
A Lei italiana de imprensa, por sua vez, dispõe:
Ao pronunciar uma condenação por crime cometido através da publicidade de um periódico, o juiz ordenará a publicação da sentença, integralmente ou por extracto, no mesmo periódico (artigo 9.°), nada estabelecendo quanto à hipótese de a decisão ser absolutória.
Todavia, o réu que se vir injustamente acusado deve ter direito à mesma reparação para não ficar a ideia de que teria agido por forma ilícita.
A proposta não contempla a hipótese de o periódico ter deixado de se publicar à data da decisão, caso em que a mesma deverá ser publicada em um dos periódicos de maior circulação na localidade a expensas do responsável: o réu no caso de condenação, o denunciante no de absolvição.
De harmonia com as considerações feitas, o capítulo viu, subordinado à epígrafe "Da acção penal", terá a seguinte redacção:
BASE XL
(Base XXXIV da proposta e n.° 3 do artigo 3.º do projecto)
(Regras de processo e de competência)
1. A acção penal por infracções cometidas por meio da imprensa e regulada pelo Código de Processo Penal e legislação complementar.
2. A competência para o julgamento é determinada como se a infracção não tivesse sido cometida pela imprensa.
3. Quando o texto ou imagem forem clandestinos, c competente o juízo do local em que se vendam, distribuam ou afixem.
4. A existência de outras acções penais contra o acusado não suspende a que tiver por objecto infracção cometida através da imprensa.
5. Nos processos de ausentes e naqueles em que, sendo facultativo o recurso, dele se não prescinda, é o julgamento feito oralmente, com intervenção do tribunal colectivo.
6. O processamento e o julgamento dos processos relativos a crimes cometidas através da imprensa terão prioridade sobre o restante serviço, salvo o que despeita a processo com, réus presos ou a outros a que haja sido concedida, nos termos da lei, prioridade.
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BASE XLI
(Base XXXIV da proposta)
(Regra de legitimidade)
1. Tratando-se de ofensas contra Chefes de Estado estrangeiros ou seus representantes acreditados em Portugal, o exercício na acção penal depende, do pedido do ofendido, feito directamente ou por via diplomática.
2. Consistindo a infracção em imputação de factos relacionados com o exercido das suas funções, feita a funcionários públicos, civis ou militares, ou a pessoas que exerçam funções no Estado, institutos públicos, corpos administrativos, organismos corporativos e instituições de previdência, é suficiente a denúncia ao Ministério Público nos casos em que, pela lei geral, dependa de acusação do ofendido.
BASE XLII
(Base XXXV da proposta)
(Publicação de decisões)
1. As decisões condenatórias por crimes de imprensa cometidos através de periódicos, salvo dispensa do ofendido, serão gratuitamente publicadas, por extracto, nos próprios periódicos, devendo dele constar as factos provados, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas c as indemnizações fixadas.
2. Nos casos de absolvição o réu tem o direito de fazer publicar a respectiva decisão, também por extracto, à custa do ofendido.
3. Quando o periódico através do qual se cometeu o crime tenha deixado de se publicar, a decisão condenatória ou absolutória será publicada num dos periódicos de valor circulação na localidade, a expensas do responsável.
Disposição final
BASE XLIII
(Base XXXVII da proposta)
153. Finalmente, a base XXXVII da proposta estabelece que o Governo publicará a regulamentação da lei no prazo de noventa dias.
Dada a complexidade da regulamentação de uma lei desta natureza, o prazo de noventa dias afigura-se insuficiente, pelo que poderá vir a verificar-se o que tem sucedido quanto à regulamentação de outras leis, em que o prazo fixado foi largamente excedido.
Deste modo, julga-se mais prudente fixá-lo em cento e oitenta dias.
Pelo exposto, alvitra-se a seguinte redacção:
BASE XLIII
(Publicação do regulamento)
o Governo publicará no prazo de cento e oitenta dias a regulamentação da presente lei.
Disposições que não foram objecto de apreciação
a) Do projecto de lei
154. O exame na especialidade constante dos números anteriores respeita não só à matéria da proposta como à contida no projecto, sempre que a deste se relacionava com a de cada uma das bases que foram objecto de apreciação.
Também o texto que se sugere, em consequência desse exame, engloba não só a matéria da proposta como a do projecto, aceitando ou rejeitando, conforme o que se afigurou melhor, a deste ou a daquela.
Por isso, o exame, artigo por artigo, do projecto, conduziria a repetições inúteis sem qualquer vantagem e com alguns inconvenientes em um parecer já bastante extenso.
Deste modo, a Câmara limitar-se-á a examinar a matéria do projecto que porventura não tenha sido já objecto de exame, ou seja a contida nos artigos 16.° e 18.°
Respeita o primeiro a uma disposição de carácter provisório e destinada a vigorar enquanto perdurar a guerra nas províncias ultramarinas. A publicação e difusão de quaisquer notícias de carácter militar fica sujeita, enquanto durar a guerra, à consulta prévia e obrigatória de uma comissão, que funcionará no Ministério da Defesa Nacional.
No caso de esta comissão não se pronunciar no prazo de vinte e quatro horas, ter-se-ia como aprovado o texto submetido à sua apreciação (projecto, artigo 16.°, n.ºs 1 e 2). Ora, em tempo de guerra, interessa não só a fiscalização das notícias propriamente militares, mas ainda a de todas que, directa ou indirectamente, possam influir nas operações de mobilização, na protecção das pessoas e dos bens e na salvaguarda do território.
E, se na guerra clássica, travada entre exércitos, a frente e a retaguarda são solidárias na defesa do País, não se aguentando uma quando a outra cede, a necessidade dessa solidariedade avulta quando se trata de guerra subversiva. O Sr. Presidente do Conselho, em discurso recente, definiu esta modalidade de guerra nos seguintes termos: Alimenta-se de actos terroristas, disseminados por aqui e além, com atentados que criam a insegurança da população e obrigam a dispersar tropas e polícias. Utiliza pequenos grupos dotados de grande mobilidade e beneficiando da iniciativa e da surpresa. Em vez de procurar ocupar territórios e de travar batalhas campais, o seu fito é a desmoralização das populações, acompanhada da infiltração de uma propaganda capciosa que, primeiro abale os espíritos nas certezas adquiridas, depois aproveite as dúvidas para criar a instabilidade e o descontentamento até, finalmente, conquistar larga audiência e apoio que destrua os reflexos da defesa e a vontade de combater, conduzindo pela renúncia à capitulação.
E, com profundo sentido das realidades, acrescentou: "nesta guerra não há frente nem retaguarda", demonstrando com clareza meridiana que a frente está não só nos lugares em que o terrorismo pratica os seus actos de violência, seja Cabo Delgado, seja Tancos, mas ainda em todos os sítios onde o adversário procura instalar as suas ideias derrotistas: nas escolas e nas almas.
Mas se a frente está em todas as partes do território, os Portugueses também devem estar em toda a parte para se solidarizarem com os soldados que defendem as fronteiras de Portugal e com os que velam para salvaguardar a sua vida e fazenda ou para combater as ideias derrotistas insinuadas por qualquer quadrante da opinião pública.
Essas ideias não se infiltram apenas nas notícias de carácter militar, pois podem surgir em quaisquer outras. Por isso, a vigilância deve estender-se a tudo o que possa contribuir para comprometer o esforço de guerra da Nação e o moral das forças em campanha.
De resto, não era no prazo de vinte e quatro horas que a comissão, para dar ou negar a sua aprovação, podia certificar-se da exactidão de notícia respeitante a factos ocorridos no mato e a milhares de quilómetros de distância.
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O caso ocorrido na guerra da Crimeia com a tornada de Sebastopol, anunciada e festejada quase um ano antes de se verificar, mostra a necessidade de se proceder com o maior cuidado na transmissão de notícias militares, tanto mais que a primeira impressão que o leitor colhe de determinado acontecimento é, por via de regra, a que rica.
A Câmara, pelas razões expostas ao apreciar a matéria da base XXIV da proposta, já se pronunciou no sentido da admissão, verificadas determinadas circunstâncias, do regime prévio que, sendo mais amplo que o preconizado no artigo 16.° do projecto, o abrange.
Não há necessidade, pois, de incluir no testo que se sugere a matéria deste artigo.
155. No artigo 18.° do projecto prevê-se a entrada da lei em vigor seis meses depois da sua publicação. Trata-se da chamada vacatio legis, que faz depender o início da vigência das leis e regulamentos do seu decurso (Decreto-Lei n.° 22 470, de 11 de Abril de 1933, artigos 1." e 7.°; Lei Orgânica do Ultramar Português, base LXXXVI).
A proposta, partindo do principio que a lei não deverá entrar em vigor antes de ser regulamentada, fixa o prazo de noventa dias para essa regulamentação, prazo que, no texto que se sugere, é elevado para cento e oitenta dias, o que equivale aos seis meses previstos no artigo 18.° do projecto.
b) Da proposta de lei
156. Quanto à proposta de lei, a Câmara sugere a eliminação da base VII (direito de publicação), da base XXII (requisitos a que devem obedecer as empresas jornalísticas e editoriais) e da base XXVII (responsabilidade dos tipógrafos e impressores).
No que respeita à base VII afigura-se à Câmara que se o autor dos textos ou imagens tem os direitos que são atribuídos à generalidade das pessoas na base V do texto proposto (base IV da proposta), não há necessidade de lhe fazer qualquer referência especial.
Da base VII da proposta, tal como se encontra redigida, poderia deduzir-se, pelo menos na aparência, a ideia de que o autor dos escritos ou de imagem pode exigir da imprensa ou de qualquer órgão desta a sua publicação, desde que a matéria versada não contrarie a função social desta e sejam observadas as normas legais.
Ora, a empresa jornalística é livre de publicar ou de não publicar qualquer texto ou imagem, conforme o juízo que formar a respeito do interesse e oportunidade da publicação.
157. Quanto à base XXII da proposta, sugere-se a eliminação por a sua matéria estar contemplada na base VIII da mesma proposta, designadamente na redacção que se sugere para a mesma no texto proposto.
158. A base XXVII da proposta trata da responsabilidade dos tipógrafos e impressores, a qual tem variado de país para país e dentro da mossa legislação.
Assim, pela Lei de 4 de Julho de 1821 o impressor só respondia quando não constasse quem era o autor ou o editor (artigo 7.°)
A lei não previa a responsabilidade do impressor quando o autor, embora conhecido, não aparecesse para a assumir, mas, tendo surgido a hipótese, o Governo submeteu o caso ao Soberano Congresso para que ele decidisse o que deveria observar-se. A comissão respectiva, na sessão de 25 de Janeiro de 1822, pronunciou-se neste sentido:
À vista de todos os termos do artigo 7.°, parece à comissão que ele não precisa ser ampliado e nem mesmo declarado; porque é axioma em direito que aonde há a mesma razão há a mesma lei; e assim como pelo mesmo dito artigo o livreiro ou publicador respondo pelos abusos cometidos nos escritos que vender ou publicar impressos em países estrangeiros, apesar de constar que ele não é o seu autor; e por nenhuma outra razão, senão porque concorre para o abuso com a publicação ou com a venda, e porque a responsabilidade não deve verificar-se na pessoa do autor, assim também por identidade de razão não pode deixar de reputar-se o impressor responsável, concorrendo ele como concorre, para o abuso, posto que não seja autor, e não podendo verificar-se a responsabilidade no mesmo autor ou por não aparecer, ou por qualquer outro motivo: pelo que sem razão se reputa omisso no artigo o caso de que se trata.
A opinião assim emitida, fundando-se na analogia ou indução por paridade, não mereceu, e bem, a concordância de todos os congressistas. O Deputado Borges Carneiro, entre eles., pronunciou-se no sentido de que, "quanto ao pretérito, o impressor não é responsável; quanto, porém, ao futuro é necessário que se declare para evitar semelhantes, males".
Fernandes Tomás, com o sentido das realidades que caracteriza o político, terminou deste modo as suas considerações:
O caso é para se alterarem fórmulas, porque fórmulas são para os casos ordinários. Muito embora se discuta o projecto, o que digo é que merece algum cuidado, e parece que se deveria mandar dar ordem aos impressores que não imprimam senão escritos em que eles forem responsáveis. Este é o meu voto.
Por último foi votada a seguinte emenda apresentada pelo Deputado Felgueiras:
Logo que um autor for pronunciado réu por abuso de liberdade de imprensa, será esta pronúncia publicada, e desde o dia seguinte ao da publicação, se o réu não estiver preso ou não residir em juízo, ficará o editor, e na sua falta o impressor, responsável pelos abusos que se contiverem nos escritos subsequentes do mesmo autor, enquanto ele não for preso, não compareça ou não for absolvido (cf. Diário das Cortes, 1822, pp. 20 a 25).
A Lei de 22 de Dezembro de 1834, quanto à responsabiládade, coloca mo mesmo plano o autor, editor, publicador ou gravador de estampas ou de qualquer escrito litografado ou impresso (antigo 14.°, § 2.°).
Pela Lei de 7 de Julho de 1898, os tipógrafos', impressores, distribuidores ordinários e vendedores ambulantes de periódicos não serão sujeitos à responsabilidade pelas faltas que praticarem em virtude dos seus misteres (§ 1.º do artigo 17.°), mas se exorbitarem, constrangendo ou determinando alguém a praticar o crime, respondem como outro qualquer agente.
O Decreto de 28 de Outubro de 1910, mantendo embora o princípio de que os tipógrafos, impressores, distribuidores ordinários e vendedores não incorrerão em responsabilidade alguma pelos actos que praticarem no exercício dos seus misteres, abre duas excepções. A primeira respeita à 'afixação ou exposição em lugares públicos de quaisquer impressos que contenham alguma das ofensas previstas nos artigos 159.°, 160.°, 420.° e 483.° do Código Penal. A segunda tem maior alcance: os tipógrafos, impressores e distribuidores são responsáveis na falta de autor, editor, proprietário e dono do estabelecimento que
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tiver feito a impressão ou quando aqueles não forem susceptíveis de responsabilidade (artigo 23.°).
pelo Decreto n.° 12 008, os tipógrafos, impressores, distribuidores ordinárias e vendedores não incorrerão em responsabilidade alguma pelos muitos que praticarem no exercício da sua profissão, salvo nos casos do artigo 10.°, se eles conheciam o conteúdo da publicação, (artigo 20.°).
Pela proposta os tipógrafos e impressores não incorrerão era responsabilidade criminal em dois casos:
1.° Quando se mão tenham apercebido da natureza criminosa) da publicação;
2.º Tenham actuado em consequência, de ordens recebidas da entidade directamente responsável nos termos desta lei e que exerça legalmente a sua actividade.
O projecto remete para o direito comum, visto não contemplar de forma especial a responsabilidade de tipógrafos e impressores.
Nada a objectar, visto a lei geral bastar para a incriminação e punição dos tipógrafos que hajam incorrido em responsabilidade penal.
Em razão das considerações feitas, alvitra-se a eliminação da base XXVII da proposta.
III
Conclusões
159. A Câmara Corporativa, tendo estudado e apreciado a proposta de lei n.° 1,3/X e o projecto de lei n.° 5/X sobre o regime jurídico da imprensa, dá, na generalidade, parecei favorável à sua aprovação e, na especialidade, sugere que, de harmonia com as considerações feitas, o seu texto seja substituído pelo seguinte:
CAPITULO I
Disposições gerais
BASE I
(Definição de Imprensa)
1. Entende-se por imprensa, para os efeitos desta lei, toda a reprodução gráfica de textos ou imagens destinada ao conhecimento do público.
2. Não são abrangidas pelo número anterior as reproduções feitas em discos ou pelo cinema, radiodifusão, televisão e processos semelhantes, bem como os impressos oficiais e, dentro dos limites da sua utilização corrente, as reproduções de textos ou imagens usados na vida privada e nas relações sociais.
BASE II
(Classificação da Imprensa)
1. A imprensa abrange publicações periódicas e não periódicas.
2. A imprensa periódica é constituída pelos jornais e outras publicações que, sob o mesmo título, apareçam em série contínua ou em números sucessivos com intervalo não superior a um ano.
3. As publicações periódicas, ou periódicos, presumem-se obras colectivas, resultantes do trabalho de profissionais da imprensa ou da colaboração de não profissionais, sob a responsabilidade de um director, sem prejuízo, porém, do direito dos autores à posterior publicação dos seus trabalhos.
4. Nas publicações não periódicas incluem-se, entre outras, os livros e outras publicações análogas, quer editadas de uma só vez, quer em volumes ou fascículos.
BASE III
(Empresas editoriais e jornalísticas)
1. São empresas editoriais as que têm por objecto editar publicações não periódicas, com distribuição directa ou através de livreiros e revendedores, e importar ou distribuir imprensa estrangeira, periódica e não periódica.
2. Constituem empresas jornalísticas as que se destinam à edição de publicações periódicas.
3. As agências noticiosas são havidas como empresas jornalísticas.
BASE IV
(Profissionais da Imprensa periódica)
1. Consideram-se profissionais da imprensa periódica, para os efeitos da presente lei, todos os que, habilitados com o respectivo título profissional, façam parte da direcção ou redacção de periódicos ou de agências noticiosas, desempenhando as suas funções com carácter permanente, efectivo e remunerado.
2. Em estatuto próprio serão definidos os direitos e deveres dos profissionais da imprensa periódica, os requisitos indispensáveis ao exercício da sua actividade e as respectivas categorias, por forma a salvaguardar-se a sua independência e dignidade.
CAPITULO II
Liberdade de imprensa, suas garantias e limitações
BASE V
(Liberdade de imprensa)
1. A imprensa exerce a função social de permitir a expressão do pensamento, a divulgação dos conhecimentos e a difusão de informações, tendo em conta o interesse colectivo.
2. É lícito a todos os cidadãos utilizar a imprensa de acordo com a função social desta e as prescrições da lei.
3. Na difusão de informações a imprensa deverá comportar-se com objectividade e boa fé, abstendo-se de publicar notícias falsas eu deturpadas.
BASE VI
(Direito de acesso às fontes de Informação)
1. Aos profissionais da imprensa, no exercício das suas funções, é garantido o acesso as fontes oficiais de informação.
2. Cumpre às autoridades e seus agentes facilitar o acesso as fontes de informação, dentro dos limites ilegais e sem prejuízo do interesse geral e do funcionamento normal dos serviços.
3. O Estado e as entidades de interesse público podem, quando a sua importância o justifique, organizar serviços destinados a proporcionar ao público uma informação verídica.
4. O acesso às fontes de informação não envolve o direito de examinar processos pendentes, quer judiciais, quer administrativos, nem o de obter reprodução de documentos cuja divulgação pública não se justifique.
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5. Os factos e os documentos considerados confidenciais ou secretos por motivos de interesse público ou por respeitarem à vida íntima das pessoas não são susceptíveis de informação.
6. A recusa injustificada da informação envolve responsabilidade disciplinar do respectivo funcionário.
BASE VII
(Origem da informação)
1. Não tendo a notícia indicação da sua origem, presumir-se-á que ela foi directamente colhida pelo seu autor, como tal se Considerando o director do periódico, sempre mie o escrito não seja assinado.
2. Toda a publicidade inserta no periódico terá um autor ou responsável, identificado no texto ou perante a administração do jornal, boletim ou revista, que procederá ao seu registo.
3. Os textos ou imagens publicitários insertos na imprensa periódica e que, pela sua apresentação, possam confundir-se com a matéria editorial, terão de ser identificados, quanto à sua natureza, de modo uniforme e inequívoco.
BASE VIII
(Direito ao sigilo profissional)
1. É reconhecido aos profissionais da imprensa o direito ao sigilo profissional em relação à origem das informações ou notícias que publiquem ou transmitam, salvo quanto às que interessem à segurança exterior ou interior do Estado ou respeitem à verificação ou punição de crimes públicos a que corresponda pena maior.
2. Cabe aos tribunais determinar se o segredo profissional se justifica quanto à origem de informações ou notícias pertinentes a crimes públicos a que não corresponda pena maior, crimes semipúblicos e particulares ou à vida íntima das pessoas.
BASE IX
(Direito a constituição de empresas)
É livre a fundação e exploração de empresas jornalísticas e editoriais, bem como a participação nelas, desde que se observe o disposto nesta lei, na lei comercial e na demais legislação aplicável.
BASE X
(Direito de circulação de escritos e imagens)
1. É livre a circulação de textos ou imagens, desde que se observem as disposições legais.
2. Considera-se que há circulação de um texto ou imagem quando tenham sido distribuídos pelo menos seis exemplares, ou ele tenha sido afixado ou exposto em lugar público, ou colocado a venda.
3. É proibido distribuir, divulgar, vender, afixar ou expor publicamente e ainda importar, exportar, deter em depósito ou anunciar, para algum daqueles fins, qualquer impresso que:
a) Contenha texto ou imagem cuja publicação integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado ou ultraje à moral pública ou constitua provocação pública ao crime ou incitamento ao emprego da violência;
b) Haja sido suspenso de acordo com o disposto nesta lei;
c) Não tenha sido submetido a exame prévio, ou neste tenha sido reprovado, nos casos excepcionais em que, segundo o presente diploma, tal exame se estabelece;
d) Seja clandestino.
4. Os textos ou imagens que nos termos do número anterior não devam circular serão apreendidos por mandado judicial ou, quando a urgência e a gravidade das circunstâncias o justifiquem, pela autoridade administrativa.
5. O Estado e os agentes administrativos que determinarem a apreensão são civilmente responsáveis pelos danos causados às empresas, se tais agentes tiverem agido com intenção ilícita ou erro manifesto.
BASE XI
(Garantias da liberdade de Imprensa)
1. Para garantia da liberdade de imprensa e da não sobreposição dos interesses particulares ao interesse público, o Governo poderá providenciar, sempre que se mostre necessário, no sentido de:
a) Impedir a concentração de empresas editoriais ou jornalísticas;
b) Obstar à acção de terceiros que possa restringir a independência das mesmas;
c) Fiscalizar a actividade daquelas empresas a fim de averiguar quem são os seus proprietários e as pessoas que efectivamente as dirigem, a proveniência dos seus recursos financeiros, bem como a tiragem das suas publicações;
d) Obviar à excessiva concentração da imprensa mediante a fixação de um número máximo de publicações periódicas da mesma natureza por cada empresa jornalística;
e) Regular a actividade dos profissionais de imprensa de forma a assegurar-lhes a independência e os meios de trabalho adequados ao exercício da sua missão;
f) Promover a publicação de obras de reconhecido mérito, quando os seus autores não tenham podido fazê-lo, concedendo para tanto subsídios e prémios.
2. As empresas jornalísticas e editoriais não poderão receber, directa ou indirectamente, subsídios ou quaisquer auxílios de proveniência estrangeira.
BASE XII
(Limites da liberdade de imprensa)
O uso da imprensa, com os fins indicados na presente lei, apenas será limitado para assegurar:
a) O acatamento da Constituição, o respeito das instituições, a unidade e independência do País ou o seu prestígio na ordem interna e no conceito internacional;
b) A defesa da ordem pública interna e da paz externa e as exigências da defesa, nacional e da segurança do Estado;
c) A não divulgação de informações que respeitem a matérias classificadas de muito secreto, secreto ou confidencial ou que, em-
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bora sem esse carácter, possam prejudicar os interesses do Estado, se existirem normas do Governo determinando reserva;
d) A autoridade, independência e imparcialidade dos tribunais;
e) A prevenção do crime e a protecção da saúde;
f) O respeito dos direitos e garantias reconhecidos por lei aos indivíduos, às autarquias locais e às outras pessoas colectivas, públicas ou privadas, e bem assim a protecção dos interesses da família.
BASE XIII
(Discussão e crítica)
O disposto na base anterior não obsta à discussão e crítica das leis, regulamentos e mais actos da administração pública e da organização corporativa e, bem assim, da forma como os respectivos órgãos e agentes lhes dão cumprimento, com vista ao esclarecimento da opinião pública ou a sua preparação para as reformas a efectuar pelos trâmites legais, à boa execução das leis e ao respeito pelos direitos das pessoas, desde que a crítica não contenha injúria ou difamação.
BASE XIV
(Extorsão por meio da imprensa)
Ninguém pode obter ou procurar obter para si ou para outrem dinheiro, valores, favor ou vantagem que acarrete prejuízo para outra pessoa sob a ameaça ou a pretexto de fazer ou impedir a publicação, transmissão ou distribuição de qualquer texto ou imagem.
CAPITULO III
Imprensa periódica e não periódica
BASE XV
(Instituição do registo)
1. Nos serviços centrais de informação haverá um registo:
a) Das empresas jornalísticas;
b) Das empresas pessoas singulares editoras de imprensa periódica;
c) Das publicações periódicas;
d) Dos profissionais da imprensa periódica;
e) Dos editores da imprensa não periódica;
f) Das agências noticiosas estrangeiras admitidas em Portugal;
g) Dos profissionais ao serviço da imprensa, estrangeira.
2. As entidades e os profissionais a que se refere o numero anterior não podem iniciar o exercício das respectivas actividades sem obterem a sua inscrição no registo.
3. Também de prévia inscrição no registo depende a publicação dos periódicos, sendo havidos por clandestinos os não registados.
4. O registo é público e será organizado por forma a permitir, em cada momento, uma identificação completa e actualizada das inscrições.
5. A inscrição no registo só poderá ser recusada com fundamento na lei.
BASE XVI
(Direcção e edição de periódicos)
1. As publicações periódicas editadas por empresas privadas terão una director livremente escolhido pela entidade proprietária, de entre as pessoas de nacionalidade portuguesa, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, que não tenham sido condenadas em pena maior ou por algum dos crimes enumerados no § único do artigo 65.° do Código Penal e que não hajam sido condenadas por três ou mais infracções relacionadas com o exercício da imprensa.
2. Compete ao director a orientação da publicação, com direito a decidir sobre todo o conteúdo desta, incluindo a publicidade e exceptuadas as inserções obrigatórias. Cabe-lhe igualmente representar a empresa pelo que toca à composição, impressão e circulação do periódico, ou em outras matérias relativas às funções do seu cargo.
3. O director poderá ser coadjuvado por directores-adjuntos ou subdirectores designados pela mesma forma que o director de entre as pessoas que reunam os mesmos requisitos.
4. Em caso de impedimento, o director será substituído pelo director-adjunto ou subdirector, em quem recairão, durante o impedimento, as atribuições e responsabilidades estabelecidas na lei para o director.
5. As publicações periódicas, sob pena de não poderem ser expostas, vendidas ou de qualquer modo difundidas, conterão obrigatoriamente, em cada um dos seus números, os nomes do director e do director-adjunto ou subdirector, quando existam, a indicação da entidade proprietária, da sede da respectiva administração e o estabelecimento onde foram compostas e impressas e a data da publicação.
BASE XVII
(Edição da imprensa não periódica)
1. Toda a imprensa não periódica, salvo quando expressamente exceptuada na lei, terá um editor, pessoa singular ou colectiva, responsável pela publicação.
2. Nenhuma publicação que deva ter editor poderá ser posta à venda ou por qualquer outra forma posta a circular sem indicação do nome ou da designação comercial daquele, do estabelecimento onde foi composta e impressa e da data em que se fez ou concluiu a impressão.
3. No caso de a edição ser mandada executar pelo autor da publicação sem intervenção de um editor devidamente registado, esta deverá sempre indicar, no lugar onde habitualmente se insere a designação do editor, tratar-se de edição do autor.
BASE XVIII
(Inserção de notas oficiosas e de rectificações oficiais)
1. As notas oficiosas do Governo deverão ser publicadas na íntegra e correctamente, tom indicação da sua proveniência, por todos os periódicos a que forem remetidas pelos serviços centrais de informação, no primeiro número impresso após a sua recepção.
2. Os periódicos são também obrigados a inserir, no número seguinte ao da sua recepção, as comunicações oficiais que lhes sejam remetidas, através dos serviços centrais de informação, por qualquer órgão
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da administração pública, para rectificação ou aclaração de afirmações ou informações inexactas ou menos correctas por eles publicadas sobre a respectiva actividade.
3. A rectificação ou aclaração será feita gratuitamente, na mesma página e local onde tiver sido impressa a afirmação ou informação rectificada, com os precisos caracteres tipográficos desta, e limitar-se-á aos factos nela referidos, não podendo ultrapassar o dobro do espaço ocupado por aquela, excepto, quanto a este último aspecto, nos casos previstos no n.° 5.
4. A publicação da rectificação ou aclaração não poderá ser acompanhada, no mesmo número, de quaisquer comentários do periódico ou de terceiros.
5. As disposições desta base são aplicáveis às decisões finais proferidas em processos de inquérito ou semelhantes, instaurados em consequência de acusações ou referências feitas na imprensa a funcionários públicos.
BASE XIX
(Direito de resposta)
1. Os periódicos são obrigados a inserir a resposta remetida por qualquer pessoa singular ou colectiva que se considere material ou moralmente lesada pela publicação de texto ou imagem que de algum modo se lhe refira.
2. O direito de resposta pode ser exercido pelo interessado ou por seu representante legal e, no caso de morte daquele, pelo cônjuge sobrevivo, ou por descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido, dentro de trinta dias a contar da data da publicação ou daquele em que a mesma chegue ao conhecimento do interessado.
3. A resposta será publicada dentro de dois dias, a contar do seu recebimento, se a publicação for diária, ou, se o não for, no primeiro número impresso após a recepção.
4. Aplicar-se-á à resposta o disposto nos n.ºs 3 e 4 da base anterior, com extensão limitada à do escrito ou imagem que a tiver provocado, mas podendo atingir sempre cinquenta linhas. Estes limites podem ser ultrapassados até ao dobro do espaço do texto ou imagem que provocou a resposta, desde que o interessado se prontifique a pagar a parte excedente pelos preços ordinários, que nunca poderão ser superiores aos da publicação de anúncios no Diário do Governo.
5. Quando à publicação da resposta forem feitos comentários com carácter de réplica, o interessado terá direito a nova resposta.
6. O direito de resposta é independente de procedimento criminal pelo facto da publicação, bem como do direito à indemnização pelos danos causados.
BASE XX
(Recusa de inserção da resposta)
1. A publicação da resposta pode ser recusada quando:
a) Não tiver relação com o que houver sido publicado;
b) Pelo seu conteúdo, seja proibida nos termos da lei.
2. Se o periódico deixar de publicar a resposta, poderá o interessado requerer em tribunal a sua publicação.
3. Na hipótese de o periódico ter deixado de se publicar, a decisão do tribunal e a resposta serão publicadas em um dos periódicos de maior circulação na localidade, a expensas do responsável pela publicação que originou a resposta.
BASE XXI
(Direito de esclarecimento)
1. Se em qualquer publicação periódica houver referências, alusões ou frases equívocas ou imprecisas que possam implicar difamação ou injúria para alguém, poderá a pessoa que por elas se julgue abrangida requerer ao director da publicação, por carta com aviso de recepção ou por notificação judicial, que:
a) Ouvido o respectivo autor, declare inequivocamente, por escrito, no prazo de cinco dias, se aquelas referências, alusões ou frases respeitam ao requerente, esclarecendo-as devidamente;
b) Publique essa declaração no primeiro número do periódico que for distribuído, nos termos do n.° 3 da base XIX.
2. Quando o director não publique a declaração ou o faça por forma equívoca, poderá o interessado pedir ao tribunal que determine a publicação do requerimento, nos termos indicados no número anterior, com a nota de que não foi respondido, ou a publicação da declaração escrita que lhe tiver sido enviada.
3. Se o director do periódico não publicai- a declaração, ou, publicando-a, esta for equívoca, o requerente terá direito à resposta e à respectiva acção criminal e civil, presumindo-se que o escrito em causa se refere ao mesmo requerente.
4. O direito de esclarecimento é extensivo às publicações não periódicas, aplicando-se ao autor, ou, não sendo este publicamente conhecido, ao editor, o disposto para o director do periódico; o requerimento e a declaração serão publicados por conta do responsável, em folheto, se assim for acordado, ou, na falta de acordo, em três periódicos à escolha do interessado, não podendo, neste caso, o requerimento e a declaração ter extensão superior a cem linhas.
BASE XXII
(Entrega oficial das publicações)
1. Os directores dos periódicos devem mandar entregar à autoridade administrativa local, a determinar em regulamento, e no início da distribuição, os exemplares de cada número que naquele diploma forem fixados.
2. É obrigatório o envio ao Serviço de Depósito Legal do número de exemplares, a fixar em regulamento, de todas as publicações, no dia da sua distribuição.
BASE XXIII
(Publicações para a infância e a adolescência)
As publicações periódicas ou não, destinadas à infância ou à adolescência, bem como as suas secções especializadas de análoga natureza ou finalidade, ficam sujeitas, no que respeita à disciplina do sei) conteúdo, a legislação especial.
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BASE XXIV
(Imprensa estrangeira)
1. A importação, a conservação em depósito, o anúncio, a exposição e a circulação da imprensa publicada no estrangeiro, periódica ou não periódica, serão regulamentados de acordo com os princípios fundamentais definidos na presente lei para a imprecisa portuguesa e os superiores interesses do País.
2. O mesmo critério se adoptará para definir o estatuto dos profissionais ao serviço da imprensa estrangeira.
CAPITULO IV
Empresas jornalísticas e editoriais
BASE XXV
(Requisitos das empresas editoras)
1. As pessoas colectivas, incluindo as sociedades que tiverem personalidade jurídica, podem constituir-se editoras de publicações periódicas e não periódicas quando reunam os seguintes requisitos:
a) Terem a sede e a direcção efectiva em Portugal;
b) Serem portugueses e residirem em Portugal os administradores ou gerentes das editoras de publicações periódicas;
c) Ser português todo o capital, quando se trate de pessoas colectivas que empreendam predominantemente publicações de natureza jornalística, ou ser português a maioria do respectivo capital social, quando se trate de outras publicações;
d) Serem nominativas todas as acções, nas sociedades anónimas que empreendam predominantemente publicações de natureza jornalística; quando se trate de outras publicações, serão (nominativas as acções representativas da maioria do capital a que se refere a alínea anterior.
2. Não ficam sujeitas às restrições do número anterior as pessoas colectivas editoriais estrangeiras, ou nacionais com participação de capital estrangeiro, que exerçam a sua actividade em Portugal à data da publicação desta lei, e ainda as que se dediquem à publicação de revistas de carácter exclusivamente científico ou técnico.
BASE XXVI
(Requisitos das pessoas singulares editoras)
As pessoas singulares que pretendam editar publicações periódicas devem ter a nacionalidade portuguesa e residir em Portugal.
CAPITULO V
Regime de exame prévio
BASE XXVII
(Pressupostos e âmbito)
1 - A publicação de textos ou imagens na imprensa periódica pode ficar dependente de exame prévio, nos casos em que seja decretado estado de sítio.
2. Ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional, poderá o Governo, independentemente da declaração do estado de sítio, a fim cie reprimir a subversão ou prevenir a sua extensão, tornar dependente de exame prévio a publicação de textos ou imagens na imprensa periódica.
3. O exame prévio destinar-se-á a assegurar a tutela dos interesses referidos na base XII.
4. A existência dos actos subversivos e a gravidade deles deverão ser submetidas a apreciação da Assembleia Nacional.
CAPITULO VI
Da responsabilidade penai, civil e administrativa
BASE XXVIII
(Disposição geral)
A infracção das normas que regulam o regime jurídico da imprensa darão origem a responsabilidade penal, civil e administrativa.
Secção I
Responsabilidade penal
BASE XXIX
(Crimes de imprensa)
1. São aplicáveis aos crimes cometidos através da imprensa as normas penais comuns, com as especialidades constantes da presente lei.
2. Os crimes de injúria, difamação ou ameaça dirigidos contra o Chefe do Estado Português ou contra Chefe de Estado estrangeiro de visita a Portugal, contra membros do Conselho de Estado ou do Governo, ou ainda contra qualquer diplomata estrangeiro acreditado em Portugal, consuma-se com a publicação do texto ou imagem em que haja inequívoca expressão injuriosa, difamatória ou ameaçadora.
3. Os crimes cometidos por meio da imprensa contra as autoridades públicas consideram-se sempre praticados na presença delas.
BASE XXX
(Prova da verdade dos factos)
1. No caso de difamação, é admitida a prova da verdade dos factos imputados, salvo quando, tratando-se de particulares, a imputação haja sido feita sem que o interesse público ou o do ofensor legitimasse a divulgação dos factos imputados ou ainda quando estes respeitem à vida privada ou familiar do difamado.
2. Tratando-se de injúria, a prova a fazer, de harmonia com o disposto no número anterior, só será admitida depois de o autor do texto ou imagem, a requerimento do ofendido, ter concretizado os factos em que a ofensa se baseia.
3. Se o autor da ofensa fizer a prova dos factos imputados, quando admitida, será isento de pena; no caso contrário, e, bem assim, quando não concretizar os factos em que ela se baseia ou estes não justifiquem a ofensa, será punido como caluniador.
4. Quando a imputação for de facto criminoso, é também admitida a prova do mesmo, mas limitada à resultante da condenação por sentença passada em julgado, que não tenha ainda sido cumprida.
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5. Se a pessoa visada pela difamação ou injúria for o Presidente da República Portuguesa ou algum Chefe de Estado estrangeiro ou seu representante em Portugal, não é admitida a prova das imputações.
BASE XXXI
São responsáveis criminalmente pelos crimes cometidos através da imprensa:
a) O autor do texto, se residir em Portugal, salvo nos casos de publicação não consentida, nos quais responderá quem a tiver promovido;
b) Tratando-se de textos ou imagens não assinados ou, sendo assinados com pseudónimo ou com nome falso, caso a identidade do autor não seja indicada no prazo que for marcado ou essa indicação não seja exacta, ou quando o autor do texto ou imagem não residir no País, responderão como autores os directores dos periódicos e os editores da imprensa não periódica;
c) Fora das hipóteses previstas na alínea anterior, são considerados cúmplices os directores dos periódicos e os editores da imprensa não periódica;
d) Tratando-se de publicação ilícita ou clandestina, sendo considerada como tal a não registada nos termos da base XV e aquela a que faltem as indicações referidas nas bases XVI e XVII, responderão como autores os seus distribuidores e vendedores;
e) O autor do texto ou imagem transmitidos, através de agência de informação noticiosa e publicados na imprensa portuguesa, se residir em Portugal, ou, na sua falta, o director, gerente ou proprietário da agência que residir no País.
SECÇÃO II
Responsabilidade civil
BASE XXXII
(Responsabilidade civil)
A responsabilidade civil será exigível dos responsáveis, nos termos desta lei, mas as empresas proprietárias, editoras e noticiosas serão sempre solidariamente responsáveis pela reparação do dano.
SECÇÃO III
Responsabilidade administrativa
BASE XXXIII
(Multas administrativas)
1. Como medida coactiva para a observância dos deveres impostos por esta lei e pelo seu regulamento, podem ser aplicadas às pessoas singulares e às pessoas colectivas, incluindo sociedades, que se constituam editoras as multas de 500$ a 100 000$.
2. A aplicação destas multas é da competência do Governo, com recurso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo.
CAPITULO VII
Das sanções
BASE XXXIV
(Penas aplicáveis)
Os crimes de imprensa, salvo quanto aos caso, previstos neste diploma, são punidos com as pena. estabelecidas na lei geral, mas o facto de serem cometidos por meio de imprensa será sempre considerado como circunstância agravante.
BASE XXXV
(Sanções especiais)
As infracções ao disposto especialmente nesta lei serão punidas do seguinte modo:
a) As infracções ao disposto nas alíneas b), c) e d) do n.° 3 da base X, com prisão até um ano e multa correspondente;
b) A infracção ao disposto na base XIV, com prisão até dois anos e multa correspondente quando a extorsão respeite a dinheiro ou valores, aplicar-se-ão as penas de furto agravadas, dependendo, em todos os casos, o procedimento criminal da queixa do ofendido;
c) A infracção ao disposto no n.° 2 da base XI com multa de 30 000$ a 300 000$, revertendo a favor do Estado as importâncias recebidas pelas 'empresas jornalísticas côa ofensa do preceituado na referida base;
d) A infracção ao disposto no base XVIII, a falta de publicação da resposta, quando ordenada pelo tribunal, e a falta de publicação do requerimento e declaração, nos termos dos n.ºs 2 e 3 da base XXI, com as penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada;
e) A falta de publicação da resposta a requerimento das pessoas referidas no n.° 2 da base XIX, quando infundada a recusa, e a falta de declaração a que se refere a alínea a) do n.° 1 da base XXI ou a falta da publicação dessa declaração, nos termos constantes da alínea b) do mesmo número com multa de 1000$ a 20 000$.
BASE XXXVI
(Suspensão dos periódicos)
1. Em atenção à gravidade ou frequência dos crimes neles cometidos, pode ser determinada a suspensão temporária dos periódicos ou o cancelamento da respectiva inscrição.
2. Da suspensão temporária dos periódicos ou de cancelamento da respectiva inscrição cabe recurso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo.
BASE XXXVII
(Interdição do exercício da profissão)
1. A medida de interdição do exercício da profissão pode ser imposta pelos tribunais competentes aos profissionais da imprensa quando o crime cometido
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revele grave violação dos deveres inerentes à profissão e for fundadamante de recear, pela personalidade do agente ou por manifesto desprezo pelos limites estabelecidos nesta lei para a liberdade de imprensa, que outros crimes graves ponham directa ou indirectamente em perigo o Estado ou as pessoas.
2. Constituem índices especialmente reveladores da perigosidade uma condenação a pena maior ou três condenações por crimes dolosos cometidos pela imprensa.
3. A medida de interdirão temporária bem o limite máximo de um ano.
BASE XXXVIII
(Efeitos da Interdição)
Durante o período de interdirão, o delinquente não pode exercer a profissão jornalística ou editorial, cem directamente, nem por interposta pessoa.
BASE XXXIX
(Autoridades que podem propor a medida de Interdição)
1. A medida de interdição pode ser imposta cumulativamente com as sanções de carácter penal ou ser isoladamente decretada, nos termos da legislação respectiva.
2. Na fase preliminar do processo de segurança ou na fase instrutória do processo criminal pode ser aplicada a medida de interdição, a título provisório, com duração não superior a um mês e sujeita a computação na medida que for definitivamente adoptada.
3. Têm competência para propor a medida de interdição o Ministério Público e a Secretaria de Estado da Informação e Turismo.
CAPITULO VIII
Da acção penal
BASE XL
(Regras de processo e de competência)
1 - A acção penal por infracções cometidas por meio da imprensa é regulada pelo Código de Processo Penal e legislação complementar.
2. A competência para o julgamento é determinada como se a infracção não tivesse sido cometida Pela imprensa.
3. Quando o texto ou imagem forem clandestinos, e competente o juízo do local em que se vendam, distribuam ou afixem.
4. A existência de outras acções penais contra o acusado não suspende a que tiver por objecto infracção cometida através da imprensa.
5. Nos processos de ausentes e naqueles em que, sendo facultativo o recurso, dele se não prescinda, e o julgamento feito oralmente, com intervenção do tribunal colectivo.
6. O processamento e o julgamento dos processos relativos a crimes cometidos através da imprensa terão prioridade sobre o restante serviço, salvo o que respeita a processo com réus presos ou a outros a que haja sido concedida, nos termos da lei, prioridade.
BASE XLI
(Regra de legitimidade)
1. Tratando-se de ofensas contra Chefes de Estado estrangeiros ou seus representantes acreditados em Portugal, o exercício da acção penal depende do pedido do ofendido, feito directamente ou por via diplomática.
2. Consistindo a infracção em imputação de factos relacionados com o exercício das suas funções, feita a funcionários públicos, civis ou militares, ou a pessoas que exerçam funções no Estado, institutos públicos, corpos administrativos, organismos, corporativos e instituições de previdência, é suficiente a denúncia ao Ministério Público nos casos em que, pela lei geral, dependa de acusação do ofendido.
BASE XLII
(Publicação de decisões)
1. As decisões condenatórias por crimes de imprensa cometidos através de periódicos, salvo dispensa do ofendido, serão gratuitamente publicadas, por extracto, nos próprios periódicos, devendo dele constar os factos provados, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas.
2. Nos casos de absolvição o réu tem o direito de fazer publicar a respectiva decisão, também por extracto, à custa do ofendido.
3. Quando o periódico através do qual se cometeu o crime tenha deixado de se publicar, a decisão condenatória ou absolutória será publicada num dos periódicos de maior circulação na localidade, a expensas do responsável.
Disposição final
BASE XLIII
(Publicação do regulamento)
O Governo publicará no prazo de cento e oitenta dias a regulamentação da presente lei.
Palácio de S. Bento, 16 de Junho de 1971.
António de Sousa Pereira.
Domingos Maurício Gomes dos Santos.
Luis Borges de Castro. [O parecer reflecte, tanto no relatório corno no articulado, um tom geral de pouca confiança da colectividade nos seus órgãos de informação que, por injustificável, não é de aceitar.
Tal falta de confiança ressalta especialmente das redacções que fizeram vencimento nas bases a que especificadamente me referirei.
Assim, não votei as seguintes soluções que fizeram vencimento:
Base IV - É unívoco o conceito de "jornalista", o que não acontece com o de "profissional da imprensa periódica", que poderia abranger todos os trabalhadores das empresas jornalísticas.
Optei, portanto, pela adopção do primeiro conceito.
Base X - Admiti a apreensão pela autoridade administrativa das publicações que não devam circular por serem ilícitas. No entanto,
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e porque a utilização desse instrumento não pode admitir-se arbitrária, segui a opinião do sector da Câmara que sustentou não deverem os meios de actuação rápida de que dispõe a Administração ser usados para fins diferentes dos que os justificam e que, portanto, conviria jurisdicionalizar, ainda que a poxteriori, a sua utilização, para averiguar se foi correcta.
Base XV - Para além das objecções de ordem jurídica que suscita, o registo apresenta implicação de ordem factual que me levou a não aderir à opinião que fez vencimento.
Qualquer registo - civil, predial, comercial - deve servir para identificar ou descrever pessoas ou coisas e recordar as alterações que sofram. Não deve ser utilizado para impedir ou dificultar o exercício de uma actividade a determinado indivíduo ou entidade. Na realidade, esta base, com a redacção do parecer, poderá levar a concluir que sanciona a exigência de autorizarão prévia para se ser jornalista ou editor.
Base XXVII - Em relação ao exame prévio - mal que circunstâncias excepcionais podem tornar necessário - convirá tomar disposições adequadas, tanto para impedir que o seu uso seja afastado do seu fim próprio como para, na medida do possível, reparar o mal decorrente de ter sido impedida uma publicação por precaução excessiva e injustificada.
Assim, não só deve a lei regular em pormenor o seu mecanismo - pois que, em matéria desta importância, não se compreende que a Assembleia Nacional aliene o seu poder legislativo, dispondo de voto de confiança que a Nação lhe conferiu -, como prever remédios para a hipótese de ter sido reprovada em exame matéria que não merecia tal tratamento.
Bases XXVIII, XXXIII e XXXVI - Assim como admiti, através do meu voto, a intervenção da autoridade administrativa no combate à violação da lei quando tal intervenção se me afigurou justificada, de igual forma discordei da colaboração desta autoridade quando ela é inoportuna.
De facto, parece difícil invocar urgência na aplicação das multas e suspensões previstas.
Se a colectividade especializou órgãos incumbidos de punir, bom é que lhes entregue o cumrprimento dessa árdua missão.]
Celso Moídos do Magalhães. [Vencido na especialidade, quanto aos pontos abaixo referidos, que julgo mais relevantes e que, em inteira concordância com as razões aduzidas pelo Digno Procurador, Sr. Conselheiro Eduardo Arala Chaves, votei, conforme o proposto pelo mesmo Digno Procurador, ou seja:
Inclusão, na base X (Direito da circulação de escritos e impressos), de um n.° 5, com a seguinte redacção:
A autoridade administrativa, como colaboradora do Ministério Público, remeterá a este os elementos probatórios do ilícito que se quis prevenir ou remediar.
Eliminação das duas últimas linhas da alínea a) do n.° 1 da base XI, onde se diz: "bem como tiragem das suas publicações". Entendo que tiragem das publicações - pelo menos no que se refere aos jornais diários - não deve ser objecto de fiscalização, por injustificável e, até de certo modo, impraticável.
Supressão da base XXXVI (Suspensão dos periódicos).
Alteração do n.° 1 da base XXXVII (Interdição do exercício da profissão) para:
A medida de interdição da profissão pode ser imposta pelos tribunais competentes as profissionais da imprensa ou, com as necessárias adaptações, às pessoas colectivas e sociedades editoras, quando o crime cometido revele grave violação dos deveres inerentes; profissão e for fundadamente de recear pela personalidade do agente ou por manifestar desprezo pelos limites estabelecidos nesta lei para a liberdade de imprensa, que outros crimes graves ponham, directa ou indirectamente, em perigo o Estado ou as pessoas.
Alteração do n.° 3 da mesma base XXXVII para:
A medida de interdição temporária tem limite máximo de um ano para as pessoas singulares e de noventa dias para as pessoas colectivas e sociedades.
Inclusão na base XXXVIII (Efeitos da interdição de um n.° 2, com a seguinte redacção:
A interdição aplicada às pessoas colectivas e às sociedades não constitui justa causa para o despedimento dos empregados e assalariados, nem fundamento para a supressão ou redução do pagamento das respectivas remunerações.]
Gentil Marques. [Vencido pelas razões que a seguir apresento:
1.° Verifiquei que os textos da proposta do Governo, do projecto dos Srs. Deputados e do parecer da Câmara incidiam, por assim dizer, exclusivamente sobre os problemas de jornais diários e das suas empresas, omitindo quase por completo a problemática referente à imprensa não diária.
2.º Ora pois, tal como proclamei, por várias vezes no decurso das reuniões, isso não corresponde, de modo algum, ao que se pode e deve apontar como a planificação geral da imprensa portuguesa (e toda ela está, afim de contas, em face do estudo da lei da imprensa), porque a imprensa não diária (e nesta posição de especial relevo, pela quantidade e pela qualidade, a especificamente chamada "imprensa regional") possui actualmente, para as suas seis centenas de publicações, um índice de tiragem de ordem de cerca de três milhões e meio de exemplares por semana e de uma tiragem anual que orça aproximadamente os duzentos e cinquenta milhões de exemplares - o que ultrapassa, desde logo, as próprias tiragens da imprensa diária.
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3.° Porém, para lá do aspecto quantitativo - que se reveste, de muita importância nas ambiências que forma e domina, constituindo um veículo extraordinário da opinião pública -, temos de considerar, fundamentalmente, os seus méritos, de primeira grandeza, nos aspectos moral, social e intelectual da população, em todos os seus escalões. Na verdade, hoje em dia a imprensa não diária (e, muito em especial, a imprensa regionalista), apesar dos obstáculos imensos que encontra constantemente pelo caminho, é a que mais devotadamente se dedica a estudar e a aprofundar, com a independência que lhe permitem as questões internacionais, nacionais e locais - em certos casos com autêntico brilho e invulgar valor -, contribuindo assim para um melhor e maior conhecimento do tempo que vivemos e das gentes que nos rodeiam.
4.º Em consequência de tudo quanto acabo de afirmar - numa síntese das minhas muitas intervenções nos debates, como procurador representante dos problemas e dos interesses da imprensa não diária, considero-me vencido na especialidade nas bases que passo a mencionar, por serem aquelas que julgo de maior responsabilidade:
Base IV - Chamei a atenção, por mais de uma vez, para o facto de já existirem, devidamente homologados, os Estatutos do Grémio Nacional da Imprensa Diária, do Grémio Nacional da Imprensa Não Diária e do Sindicato Nacional dos Jornalistas que definem e classificam os profissionais da imprensa, nos seus diversos sectores. Parece-me, pois, desnecessário o n.° 2 da referida base IV, que propõe a redacção de um novo estatuto para o mesmo efeito, o qual, segundo suponho, somente poderá levantar confusões e equívocos, tanto mais que deve estar a entrar em vigor o Decreto-Lei n.° 49 058, de 14 de Junho de 1969, que estabelece uma unificação ainda mais perfeita entre os profissionais da imprensa diária e da imprensa não diária. Propus, portanto, a anulação desse n.° 2, mas não consegui ver aprovada a minha proposta.
Base VIII - Votei e voto a proposta apresentada pelo Digno Procurador Eduardo Arada Chaves na sua declaração de voto.
Base X - Também neste caso votei e voto a favor da proposta apresentada pelo Digno Procurador Eduardo Arada Chaves, na sua declaração de voto, como a mais útil e conveniente para todos nós.
Base XV - Estive e estou de acordo com a proposta do Digno Procurador Manuel da Silva Costa, pois também entendo que "o registo proposto constitui uma norma anticorporativa, visto que retira ao organismo profissional o direito de julgar em definitivo, de harmonia com a lei, sobre a qualidade dos candidatos ao exercício da profissão" e, além disso, apresenta-se como uma duplicação desnecessária, criando ainda aborrecidos problemas de morosidade aos que vivam ou exerçam a sua actividade mais longe de Lisboa. Subscrevo, portanto, neste caso, a declaração de voto do Digno Procurador Manuel da Silva Costa.
Base XVIII - Devo declarar que votei pelo corte da linha "por qualquer órgão da Administração Pública" no n.º 2 da referida base. Por outro Lado, apresentei uma proposta (que foi vencida) no sentido de não obrigar os jornais da província (alguns dos quais de formato bem pequeno) a inserir rectificações ou ocupando o dobro do espaço da afirmação ou informação rectificada, o que pode trazer grandes inconvenientes para os referidos jornais. Do mesmo modo, defendi também - e também fui vencido - que as publicações da imprensa não diária (principalmente os mensários) deveriam poder acompanhar a inserção das rectificações com os comentários julgados oportunos, pois, de outra maneira, estes perdem toda a actualidade.
Base XXVII - De ocordo com as razões apresentadas, subscrevo a este respeito a declaração de voto do Digno Procurador Manuel da Silva Costa.
Base XXXII - Esta base estabelece a responsabilidade civil solidária pela reparação do dano às empresas jornalísticas, editoras e noticiosas. Tal como afirmei - e aqui reafirmo - muitas das publicações da imprensa não diária pertencem a associações culturais, recreativas, desportivas ou até a proprietários individuais que confiam a sua execução a um director responsável.
Como podem ser solidários com situações que desconhecem, na maioria dos casos?
Base XXXIII - Considerei e considero excessivas (para quase todas as publicações da imprensa não diária, que não vivem desafogadamente, antes pelo contrário, e muitas vezes à custa de sacrifícios e de abnegações) multas administrativas (e, portanto, ao abrigo de critérios variáveis) que podem ir até 100 000$. Com raríssimas excepções, qualquer publicação da imprensa regional com uma multa dessas ou semelhante terminará imediatamente a sua existência!
Base XXXV - Igualmente, pelos motivos atrás expostos, embora vencido, votei e voto contra as alíneas c) e e) do n.° 1 da base XXXV, por não julgar admissível qualquer possível multa no valor de 300 000$ e 20 000$, respectivamente (nos casos de infracção
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ao disposto no n.° 2 da base XI e do n.° 2 da base XIX) para as publicações e empresas da imprensa não diária.
Base XXXVI - Mais uma vez subscrevo a declaração de voto do Digno Procurador Eduardo Arala Chaves, por a considerar a mais coerente com a defesa do direito ao trabalho, e, por isso mesmo, julgo de substituir a base XXXVI do parecer do Sr. Relator pelas bases XXXVI (Interdição da profissão), XXXVII (Efeitos da interdição) e XXXVIII (Autoridades que podem propor a medida da interdição) e que foram apresentadas, como já referi, pelo Digno Procurador Eduardo Arala Chaves.
Base XLII - Finalmente, votei no sentido de se eliminar o n.° 3 da base XLII, pois pode provocar problemas muito sérios e graves, no que respeita à imprensa regionalista em terras pequenas, nas quais se publicam apenas dois periódicos - isto para não me referir às localidades (e são muitas, por esse País fora) onde existe somente uma publicação, o que anula por completo o objectivo do próprio articulado deste n.° é, inútil e injusto.]
António Augusto Lopes Pacheco. [Vencido em vários pontos do parecer adoptado pela Câmara Corporativa, perfilho, na generalidade e na especialidade, o voto, também de vencido, do Digno Procurador Manuel Maria de Silva Costa, pelas razões expostas no seu voto. Faço-o para evitar a apresentação de razões similares sobre os mesmos pontos, mas, entretanto, não queria deixar de expressar, ainda que sucintamente, a minha discordância nos seguintes aspectos, que considero fundamentais:
Base IV - Considero a definição de pnofissionais da imprensa, na parte em que se diz: "todos os que, habilitados com o respectivo titulo profissional", incompleta e algo imprecisa, já que aquela se devia acrescentar: "passado pelo Siondicato Nacional dos Jornalistas".
Capitulo II - Base V - Não se garante, em absoluto e sua efectividade, o acesso às fontes de informação, dadas as limitações apresentadas em alguns das articulados, onde se vêem, por exemplo, expressões como "divulgação pública os justifique" e "interesse público". A responsabilidade quer e exige termos e expressões concretas, e não de sentido vago.
Base XI - Não encontro justificação para se omitir a inserção obrigatória da tiragem das publicações, facto que é clara prática universal.
Capitulo III - Base XV - Não é compreensível a exigência de um registo no que se refere a profissionais de imprensa, desde que se mantenha o n.º 2 desta base. Com o artigo do referido n.º 2, ainda que com a garantia dada no n.º 5 da mesma base, só complicações podem surgir, como entraves e demoras de toda a ordem, para o exercício da profissão.
Capítulo V - Base XXVII - A redacção desta base, além do mais, presta-se a possíveis erros de interpretação, e há que frisar a incerteza de apreciação oportuna por parte da Assembleia Nacional sobre os casos previstos, especialmente pelo seu largo período de inactividade.]
Manuel Maria da Silva Costa. [Vencido, pelas seguintes razões principais:
a) Não posso perfilhar, em muitas afirmações do parecer (e salvo sempre o devido respeito, bem como o mérito da investigação realizada pelo relator), o substrato doutrinário que conduziu à sobrevalorização dos abusos da liberdade de imprensa, num passado longínquo, em desfavor da justa apreciação do contributo decisivo dessa mesma liberdade para a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana e para o progresso social, económico e político nos países de governo representativo, especialmente a partir de 1945. Na história contemporânea, a liberdade de imprensa exprime-se também por uma colecção de factos que traduzem violação da lei e perturbação da ordem, mas define-se principalmente como síntese das liberdades básicas e instrumento de defesa destas contra a autoridade ilimitada do Estado;
b) Sem prejuízo de entender que o contraprojecto da Câmara aperfeiçoa, em pontos importantes, as fórmulas de que se partiu, imputei às soluções nucleares o ilogismo de pretenderem integrar dois elementos cuja oposição deve considerar-se irredutível: o princípio da liberdade de imprensa é antagónico do princípio da intervenção do poder político na vida da imprensa. A análise crítica das experiências internacionais impôs a conclusão quase unânime de que, se a liberdade de imprensa exige um sistema legal que a consagre, pressupõe igualmente a independência dos órgãos incumbidos de velar pela sua protecção. Os parâmetros da liberdade de imprensa fixaram-se assim com nitidez: ela deve ter, mas exclusivamente, os limites que as leis gerais impõem aos actos das pessoas; só os tribunais podem sancionar os abusos cometidos no exercício dessa liberdade. É que a simples possibilidade de intervenção do poder político, sobre conter a hipótese de coacção injustificada - tanto mais que neste domínio é impossível determinar previamente as acções exigidas pelo bem comum -, fere os valores morais e psicológicos abrangidos no conceito sociológico de liberdade de imprensa. E já nem se invoca a tendência inata do poder político para se absolutizar, para confundir " verdade com a sua opinião e para identificar a legitimidade com o seu arbítrio;
c) Sustentei que, tanto pelo âmbito das disposições como pelo carácter de algumas delas (v. G. as relativas à constituição de
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empresas jornalísticas), quer a proposta do Governo, quer o projecto dos Srs. Deputados, obedecem simultaneamente aos comandos do § 2.º do artigo 8.º e do artigo 23.° da Constituição Política. Por consequência, contestei que, sem abstrair das normas superiores, fosse possível consagrar nesta lei "deveres dos profissionais do jornalismo e das empresas jornalísticas", omitindo a definição dos seus "direitos", que interessa vitalmente à salvaguarda da sua "independência e, dignidade", previstas no texto constitucional, e constitui, do meu ponto de vista, condição indispensável ao correcto exercício da liberdade de expressão do pensamento através da imprensa.
Na especialidade, votei vencido, entre outras, as bases abaixo mencionadas, nos. termos e com os fundamentos seguintes:
Base IV - Na doutrina e na legislação portuguesas os profissionais Ida imprensa periódica, cuja actividade preenche os requisitos definidos na redacção adoptada pela Câmara, denominam-se jornalistas. Não se vê, nem o parecer o refere, qualquer fundamento para substituir esta denominação tradicional - e universal - pelo composto "profissional da imprensa periódica". Pelo contrário, é obviamente nociva a concorrência de dois títulos para a mesma actividade. E os Decretos-Leis n.º 46 833, de 11 de Janeiro de 1966, e 49 064; de 19 de Junho de 1969, se bem que não regulamentados e carecidos de reformulação parcial, definem a profissão de jornalista em termos que absorvem inteiramente o conceito era proposto. Com a vantagem, porém, de submeterem o exercício desta actividade de interesse geral relevante a preceitos deontológicos específicos (harmonizando-se assim como os princípios que vieram a adquirir força legal no Decreto-Lei n.° 40 058, de 14 de Junho de 1969). De facto, retomam do Decreto-Lei n.° 31 119, de 30 de Janeiro de 1941,, o instituto da carteira profissional (ou do cartão de identidade, que, em certos casos, a pode substituir) como "título de habilitação obrigatório e insubstituível" para o exercício da profissão de jornalista. Dado que a posse da carteira profissional, por sua vez, depende de qualificações determinadas e sujeita a regras deontológicas especiais, o regime legal em vigor libertou os jornalistas da pura condição de assalariados e sancionou, embora timidamente, o princípio da sua autonomia verso empresas privadas interessadas no jornalismo como actividade económica, ou para fins ideológicos ou políticos - princípio intangível para protecção do direito do público à informação verdadeira e objectiva. Porque, na redacção sugerida pela Câmara, a base IV não revoga a legislação citada, nem a norma genérica estabelecida no antigo 4.° do Decreto-Lei n.° 49 408, propugnei a referência expressa à carteira profissional de jornalista e ao apelativo da profissão consagrado pelo uso.
Base VIII - A estatização das fontes de informação desarma os particulares para o exercício consciente a voluntário dos deveres de cidadania: a participação nas decisões que afectam a sociedade será sempre coercitiva quando os cidadãos não disponham de informações independentes das do Estado e paralelas às do Estado. Mas as fontes particulares de informação constrangem-se na razão directa da sua desprotecção legal: se a colaboração com a imprensa põe em risco a segurança das pessoas, exige vocação de herói ou de mártir. O direito do jornalista ao sigilo profissional funda-se, portanto, no interesse público da informação verídica. Por isso mesmo, foi acolhido na legislação de muitos países e encontra cada vez maior aceitação na doutrina e na jurisprudência. Já em 1948 uma resolução da Subcomissão de Informações das Nações Unidas reclamou para o jornalista a garantia da "salvaguarda do segredo de todas as fontes de informação de que tenha feito uso honroso" (cf. Roger Clausse, Le Journal et l'Actualité, Verviers, 1967, p. 214). Generalizou-se, entretanto, o reconhecimento dos sólidos fundamentos profissionais do sigilo (enquanto imunidade necessária à profissão e como exigência da probidade intelectual do jornalista). Trata-se, aliás, de um sigilo de natureza especial: diz apenas respeito à proveniência das informações sobre factos normalmente destinados a publicação. Como a revelação dos factos socialmente significativos constitui um serviço público, sustentei que a lei deve proteger lucidus ordo o sigilo profissional do jornalista (referido, evidentemente, ao exercício da profissão), de tal modo que as únicas excepções admissíveis - revelação de matéria susceptível de pôr em perigo a independência nacional ou relativa aos segredos de Estado, aos processos em segredo de justiça ou à vida íntima dos cidadãos, quando esta não tenha repercussão pública - possam ser decretadas pelos tribunais sem qualquer dúvida interpretativa. Contestei, além disso, as restrições ao direito do sigilo adoptadas no parecer da Câmara por aderência a argumentos relacionados com a necessidade de eficácia na investigação de qualquer crime, por entender que a lei deve isentar o jornalista do desempenho de funções policiais e que semelhante redução desse direito, concorrendo para a não divulgação de factos integradores de crimes, impede ou obstaculiza muito mais a prevenção do ilícito ou a punição dos criminosos. Defendi, por outro lado, que a dispensa do dever do segredo, admissível também em casos excepcionais, cabe exclusivamente nas atribuições do organismo que representa e disciplina a profissão: preceito deontológico específico, a sua cessação deve ser julgada no âmbito profissional e segundo critérios profissionais. Afastada a hipótese de transferir para a matéria dispositiva estes conceitos, votei a solução mencionada pelo Digno Procurador Eduardo Arala Chaves na sua declaração de voto.
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Base X - Para regular a apreensão de impressos ilícitos seria a meu ver suficiente a fórmula recolhida no projecto dos Srs. Deputados (artigo 6.°). Prevalecendo a .proposta, sustentei que o texto do n.° 5 impunha uma opção com repercussões em toda a economia da lei: ou se escolhe a liberdade, tutelada judicialmente, com todas as suas vantagens, mas também com os seus- riscos, ou se prefere a prevenção e repressão por via administrativa, com o perigo inerente de facultar ao poder político a concessão ou negação do direito à informação verdadeira e objectiva. Em matéria de liberdade de imprensa a experiência da generalidade dos povos comprova que a intervenção da autoridade administrativa atrai inevitavelmente o arbítrio: onde ela se admite preponderam as decisões discricionária. Este entendimento parece, aliás, quase pacífico: para justificar a intervenção administrativa, o parecer argumenta, sobretudo com razões de natureza pragmática, potencializadas na alegada, morosidade da máquina judicial. É fácil contrapor que nada impede se adoptem providências para conseguir neste domínio maior celeridade processual, ou que a apreensão de um impresso ilícito poderá ser determinada como preliminar ou incidente do respectivo processo. E a solução acolhida no parecer tem o grave inconveniente de confundir poder de polícia com poder de acção penal: confere a autoridade administrativa competência ,para decidir se houve violação da lei e para aplicar a pena da apreensão. Porque, no meu modo de ver, qualquer apreensão implica um julgamento e a apreciação casuística do pretenso ilícito deve caber aos tribunais, advoguei que a apreensão se fizesse somente por mandato judicial. Como solução de recurso admiti depois a que vem referida na declaração de voto do Digno Procurador Eduardo Arala Chaves.
Base XI - Propugnei a reformulação desta base, tendo em conta, por um lado, o perigo de reservar aos critérios da Administração um poder quase ilimitado de intervenção na vida das empresas jornalísticas e, por outro, a conveniência de "fixar as restrições a qualquer liberdade na lei que regule o seu uso", e não em diplomas adicionais. Seria esta a sede adequada de disposições tendentes a subordinar as empresas jornalísticas a critérios deontológicos e a garantir a sua independência em relação ao poder político e ao poder económico. O próprio fenómeno da concentração da imprensa aconselha a fixar imediatamente a distinção necessária entre a função intelectual e a função comercial das empresas jornalísticas na linha ainda há pouco preconizada em França (v. "Le Rapport Lindon", Le Monde, 31 de Dezembro de 1970). Sendo inviável avançar desde já para soluções que excedem o âmbito da proposta e do projecto em análise, sustentei a possibilidade e a urgência de introduzir no estatuto da empresa jornalística duas garantias indispensáveis ao exercício idóneo e responsável da liberdade imprensa: o respeito pela boa fé dos leitores, que, implica a afirmação inequívoca, dos princípios sobre os quais se estabelece a relação de confiança entre o jornal e o leitor, e a salvaguarda do direito a uma informação verdadeira e objectiva, "livre de pressões económicas, políticas ou ideológicas", que depende do reconhecimento da autonomia do jornalista como perito da informação assim caracterizada e da independência colectiva das redacções como representantes da função intelectual na em. presa.
A orientação sugerida coincide com a que informa a declaração adoptada, por unanimidade, pelo Conselho da Europa, em 25 de Janeiro de 1970, a propósito das relações entre a imprensa e os direitos do homem, declaração que introduz a noção de independência editorial, precisando que esta implica-a não ingerência, do Estado e do proprietário" e que "o chefe da redacção e a sua equipa devem assumir a plena responsabilidade do que se publica" (cf. Philippe Gaillard, Tecnique du Journalisme, Presses Universitaires de France, Paris, 1971, p. 10). Propus, em consequência, para esta base urna redacção consignando que as empresa? jornalísticas deverão:
a) Adaptar para cada publicação um estatuto editorial, que regulará as suas relações com os leitores e que será inserto na mesma publicação no prazo de seis meses e sempre que lhe sejam introduzidas modificações;
b) Estabelecer, para cada publicação um estatuto interno, que garanta a autonomia dos jornalistas enquanto peritos da informação verdadeira e objectiva e reconheça ao conselho de redacção o direito de audição eu todos os assuntos de importância para a vida da publicação, excepto a gestão administrativa, e bem assim em todas as circunstâncias graves (designação do director e da chefia da redacção, fusões, concentração, fixação da linha geral da publicação);
c) Publicar anualmente um relatório e contas, nas condições que a lei fixar para as sociedades anónimas, mas da qual constará, necessariamente, a lista dos sócios ou accionistas e a sua participação no capital social;
d) Assegurar aos jornalistas a liberdade de defenderem nas publicações onde trabalham os seus interesses sindicais e a deontologia profissional;
e) Favorecer o ensino de jornalismo ao nível universitário, designadamente através de facilidades para a realização de estágios profissionais.
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Base XIV - Intentei a eliminação do registo dos jornalistas [alíneas d) e g) do n.° 1] substancialmente porque:
a) É uma disciplina na orla da inconstitucionalidade. O parecer não faz prova convincente de que se justifique, neste caso, a excepção a liberdade de escolha da profissão garantida pelo § 7.° do antigo 8.ª da Constituição Política;
b) Já na redacção sugerida para a base, e com maior probabilidade no regulamento a publicar, ameaça de muito perto os direitos protegidos pela Convenção n.° 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada por Portugal em 1959, e pela Recomendação sobre a discriminação (emprego e profissão) adoptada, pela Conferência Internacional do Trabalho em 25 de Junho de 1958;
c) Afigura-se-me constituir uma norma anticorporativa, visto que retira ao organismo profissional o direito de julgar em definitivo, de harmonia com a lei sobre a qualificação dos candidatos ao exercício da (profissão;
d) É uma restrição inédita em Portugal, no que diz respeito as profissões exercidas no âmbito das empresas privadas, e, quanto aos jornalistas, sem paralelo no Ocidente, exceptuada a Espanha;
e) Enquanto mero cadastro dos profissionais da imprensa, duplica inutilmente o processo burocrático estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 46 833, de 11 de Janeiro da 1966, onde se dispõe que a carteira profissional de jornalista, título obrigatório e insubstituível para o exercício da profissão, será registada, "no continente e ilhas adjacentes, no Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, é, nas províncias ultramarinas, nos centros de informação e turismo".
Base XXVII - Combati o preceito que pràticamente submete ao poder discricionário do Governo a instauração ou restauração da censura, além do mais, por entender que constitui a máxima contradição imaginável em bases cuja finalidade primordial é o exercício da liberdade de imprensa, agrava o regime estabelecido no § 8.º do artigo 91.º da Constituição para crises correspondentes ao estado de sítio e subtrai eficácia à competência atribuída à Assembleia Nacional na alínea f) do artigo 93.º da lei fundamental. Obtendo vencimento o exame prévio, sustentei que a sua existência suspende o exercício da liberdade de imprensa, pelo que deveria depender sempre de autorização da Assembleia Nacional - quando menos da ratificação a curto prazo por parte deste órgão de soberania. Propugnei noutra fase que a Câmara, preferindo inspirar-se no direito a constituir e não podendo antecipar um juízo quanto ao conteúdo definitivo do § 6.° do artigo 109.° da Constituição, adoptasse para a redacção desta base, por coerência com o parecer emitido sobre a proposta de revisão constitucional, o critério de configurar o "estado de emergência" como resultante da ocorrência de "actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional" (cf. Actas da Câmara Corporativa, n.° 67, X Legislatura, 1971, p. 660, col. 1.ª). Por ter vingado solução diversa, situações que antes couberam na definição de "estado de emergência" descrevem-se no contraprojecto sob o nome de "estado de subversão". Em qualquer caso, trata-se de formas muito atenuadas do "estado de sítio", pelo que objectei a que comportassem mais severa restrição dos direitos fundamentais, com menor interferência obrigatória do principal órgão representativo. Finalmente, impugnei a redacção do n.° 3 por considerar que o exame prévio terá assim aplicação inconfinada, dado o carácter doutrinário, impreciso ou ambíguo da generalidade dos limites fixados na base XII.
Bases dos capítulos VI e VII - Pretendi ver reconhecido que a legislação geral prevê e pune todos os crimes que possam, ser praticados por meio da imprensa. Defendi, além disso, que as especialidades indispensáveis são contempladas satisfatoriamente no artigo 3.° do projecto dos Srs. Deputados (e, quanto à responsabilidade civil, no artigo 4.°), cuja formulação perfilhei. Não pude, portanto, aderir a orientação prevalecente, em particular no que diz respeito à suspensão dos periódicos e à interdição do exercício da profissão de jornalista. Quanto à base XXXVII, a redacção do contraprojecto deu satisfação parcial ao meu ponto de vista, jurisdicionalizando a interdição do exercício da actividade profissional. Porém, optou infundamentadamente, salvo o devido respeito, por um tratamento das sanções por violação das regras profissionais que coloca os jornalistas em desigualdade relativamente aos advogados (Estatutos da Ordem, artigos 548.°, 646.º e 647.°), aos médicos (Estatutos, artigos 129.° e 143.°) e aos engenheiros (Estatutos, artigos 8.° e 86°), quando a função social da imprensa e o valor intrínseco das suas regras deontológicas impunham a consagração de um regime disciplinar semelhante ao que vigora para aquelas profissões. A este respeito, contestei a presunção, admitida no parecer, de que depende "da constituição da respectiva ordem que sejam os próprios jornalistas a conhecer da violação das regras profissionais e a aplicar as respectivas sanções". Como decorre da interpretação conjugada do disposto no artigo 1.° e no § único do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 23 050, de 23 de Setembro de 1933, è nos §§ 3.° e 4.º do artigo 3° do Decreto-Lei n.° 49 058, de 14 de Junho de 1969, a atribuição a um orga-
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nismo corporativo profissional de poderes especiais para intervir no ordenamento do exercício da profissão e para garantir a observância de normas deontológicas próprias não está subordinada a designação por ele adoptada (ordem ou sindicato), a condição necessária e suficiente é o "interesse geral relevante" do objecto da profissão. Ora, este carácter da profissão de jornalista, implícito na doutrina do parecer, resulta já, em parte, da legislação em vigor (Decreto-Lei n.° 46 833, de 11 de Janeiro de 1968, e Estatutos do Sindicato Nacional dos Jornalistas). Nada impede, portanto, se reconheça a competência disciplinar específica do Sindicato Nacional dos Jornalistas, consagrando a solução que o próprio parecer reputa "ideal". Mas impugnei especialmente a disposição relativa à suspensão dos periódicos e ao cancelamento da respectiva inscrição (que, nos termos da lei em análise, equivale a proibir a publicação), porque, no meu entendimento, invalida as garantias de liberdade ida imprensa solenemente enunciadas noutras bases. Não sofre dúvida a bondade do princípio da suspensão dos periódicos, quando através Ideies se pratiquem crimes de especial gravidade ou se reincida na ofensa dos direitos das pessoas e da sociedade, desde que a suspensão seja decretada pelos tribunais. A equivocidade da proposta era preocupante, mas o parecer resolveu-a no pior sentido, atribuindo à Administração, e não aos tribunais, o poder de aplicar a pena capital às publicações periódicas. De harmonia com o texto sugerido, qualquer crime que a Administração considere grave ou qualquer sucessão de crimes, mesmo leves, pode importar a suspensão ou a supressão de um periódico. A Administração é assim investida na competência de um tribunal superior, com poder de agravar, segundo o seu arbítrio, as penas aplicadas por via judicial. Entendi que o temor da sanção mortal, se não submete os periódicos à orientação política e ideológica da Administração, representa uma forma de coacção incompatível com a liberdade de imprensa. E sustentei que de pouco servirá, neste contexto, o direito de recurso para o contencioso administrativo: a subsistência de um periódico depende da relação que se estabelece com o seu público, baseia-se nos hábitos de leitura e a intensidade dos contactos, forma-se de valores fluídicos que demoram anos a constituir-se e são, em muitos casos, insubstituíveis. Se estes valores forem eliminados por uma suspensão injusta ou arbitrária, a indemnização que vier a ser ordenada pelo contencioso permitirá recuperá-los? A perda de leitores pode ser já então irreparável. E é óbvio que a suspensão injustificada ofende o direito à informação. Pugnei, pois, pela jurisdicionalização do poder de suspensão ou supressão de periódicos, no convencimento de que, se a lei absorver o que se propõe no contraprojecto, a liberdade de imprensa acaba na base XXXVI.]
Fernando Guedes. [1. Entendo, que para se garantir a liberdade de imprensa é a prevalência do interesse público sobre o particular, não se tornam necessárias providências como as consignadas nas alíneas a), c) e d} do n.° 1 'da base XI, e por isso me pronunciei pela sua supressão.
2. Sendo pacificamente aceite a dificuldade de sobrevivência da generalidade das empresas editoriais e jornalísticas, devido à sua eirada dimensionação perante as exigências actuais e as previsíveis, a concentração poderá vir a ser indispensável, se não se quiser optar pela extinção de grande número. Deixar nas mãos do Poder Administrativo a faculdade de, caso a caso, permitir ou não essa concentração, parece-me grave e fonte possível de sérios inconvenientes.
3. A fiscalização permitida ao Governo, quando o entenda, pela alínea c) parece-me escusada e naturalmente desagradável, podendo assumir o aspecto de meça e estranha curiosidade ou de perturbadora devassa, que nenhuma empresa pode, de bom grado, aceitar. Tendo presente o que ficou aprovado, quanto a registo, na base XV, e que há departamentos oficiais, como as conservatórias do registo comercial, as repartições de finanças, etc., onde necessàriamente podem ser obtidas informações do tipo aqui previsto, a ingerência do Governo na vida interna das empresas não deveria poder ser levada até onde esta alínea permite. De referir ainda a inoperância (pelo menos aparente) do regime estabelecido, uma vez que, além de se não estabelecer qualquer padrão legal que permita conhecer da bondade das situações a averiguar (para além do que se estatui no n.° 2, não se dispõe de qualquer regime consequente de carácter cominatório.
4. A possibilidade conferida ao Governo de, a pretexto de obviar à excessiva concentração da imprensa, poder fixar, para cada empresa jornalística, o número máximo de publicações da mesma natureza que lhe será permitido editar pode vir a revelar-se extremamente perigosa. Desde Jogo, a expressão "mesma natureza" é excessivamente vaga para poder ser usada na matéria de tanto melindre. Depois há que considerar existirem, ou poderem vir a existir empresas especializadas em determinado tipo de publicações, e poder o Governo limitar-lhes o número máximo significa, ou pode significar, permitir a este impedir a natural e justa expansão daquelas.
5. Quando da discussão da alínea c), tive a honra de propor a criação, na Corporação da Imprensa e Artes Gráficas, de um instituto para o contrôle de tiragens. Já comum em grande número de países, um tal instituto parece-me ser da maior importância entre nós, não só pela moralização que iria permitir num aspecto relevante da vida da imprensa periódica, mas até pela importância de que se reveste para a publicidade, hoje elemento fundamental da economia das empresas jornalísticas. Infelizmente, a Câmara não aprovou a minha proposta.
6. Tendo em consideração que a Câmara aprovou as alíneas a), c) e d), afigura-se-me que o melindre das matérias consideradas e a gravidade dos regimes previstos deveriam impor, desde logo, uma definição e concretização mais pormenorizadas na própria lei, e não, como eventualmente se pode admitir que venha a suceder, no diploma regulamentar.]
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David Jacinto. (Perfilho a declararão de voto do Digno Procurador Manuel Miaria da Silva Costa.)
José Abel e Lemos Pedroso Saphera Costa.
Afonso Rodrigues Queiró.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Henrique Martins de Carvalho. [1. Considero não apenas de aprovar, mas de aplaudir, a iniciativa do Governo no sentido de elaborar uma proposta de lei de imprensa, conforme há muito era desejo de sectores dos mais extensos e representativos da opinião pública nacional.
Votei, por isso a seu favor. Mas nem sempre pude acompanhar na especialidade as opiniões que fizeram vencimento na Câmara Corporativa. Darei um exemplo significativo.
2. Tal como a entendo, a liberdade de imprensa está tanto melhor assegurada, num Estado de direito, quanto mais as condições socio-políticas e sócio-culturais permitem ampliar a área da jurisdicionalização em detrimento das decisões tomadas por via administrativa. E isto sem embargo de esta última ser sempre necessária, nos domínios que lhe são próprios.
Ora, diversas bases garantem à Administração a indispensável intervenção em períodos de crise e dão-lhe a possibilidade geral - aliás comum às legislações estrangeiras - de apreender as publicações, quando seja caso disso, e de intentar, fazer intentar ou permitir que sejam intentadas, contra os responsáveis, as correspondentes acções judiciais. (E isto além da sua competência para aplicar "multas por contravenções", conforme constava - e muito bem - do n.° 2 da base XXXVI da proposta do Governo.)
Sendo assim, pareceu-me que a Administração já se encontrava habilitada com os poderes necessários para uma acção rápida e eficaz. Teria preferido, por isso, que o n.° 1 da base XXXVI, segundo o texto aprovado pela Câmara, entregasse apenas à competência dos tribunais a suspensão dos periódicos e o eventual cancelamento das respectivas inscrições.
3. Por outro lado, e apesar da proposta do Governo ser um âmbito indubitavelmente vasto, julgo que o parecer da Câmara e o articulado por ela proposto não deveriam deixar de incluir também uma adequada referência à organização do ensino do jornalismo nível do ensino superior.]
João Manoel Nogueira Jordão Cortez Pinto.
João de Matos Antunes Varela.
Maria de Lurdes Pintassilgo. [Votei vencida as seguintes disposições do parecer:
Base VI, n.°s 2 e 3 - Não concordo com a parte final do n.° 2, em que se condiciona o acesso às fontes de informação por parte dos profissionais de imprensa "ao interesse geral e funcionamento normal dos serviços". Parece-me que o objectivo em vista será suficientemente acautelado pela sujeição desse acesso apenas aos "limites legais", dado que, cada vez mais, o conceito de "funcionamento normal dos serviços" incorpora a tarefa de informações a prestar ao público através da imprensa e o tempo gasto nessa tarefa.
Tão-pouco dei assentimento à inclusão no texto fia lei do n.° 3 desta base. Não creio que se favoreça o acesso às fontes de informação e a probabilidade de uma informação verídica através da pulverização de serviços de informação que este número, na latitude com que está expresso, parece sugerir. No caso de serviços de pequenas dimensões e não diversificados, tal medida seria uma sobrecarga do orçamento sem que daí resultasse o benefício correspondente. No caso de serviços altamente diversificados e integradores de departamentos técnicos, os serviços de informação exigem pessoal muito qualificado para se poder garantir a veracidade técnica da informação. A experiência existente neste domínio nas empresas privadas e a teoria da informação levam à conclusão de que os serviços de informação, a serem centralizados, devem sê-lo sempre na escala mais ampla possível para que fique assegurada a qualificação dos que neles trabalham, a adequação das infra-estruturas materiais e, no termo do processo, a própria veracidade da informação.
Base X, n.° 4 - Não me parece que a apreensão de textos as imagens possa ser feita pela autoridade administrativa. Por três razões:
O critério fundamental na difusão da informação faz intervir três variáveis - o tempo, o facto, o leitor -, relacionando-as entre si: no momento próprio, o facto exacto a transmitir deve chegar ao conhecimento do leitor. A intervenção da autoridade administrativa poderia tender (até por excesso de zelo) a "proteger" o leitor, comprometendo assim o critério enunciado e impedindo a informação de circular no momento próprio.
O juízo das condições justificativas da privação do direito de circulação a textos ou imagens, nos termos enunciados no n.° 3 desta base, pertence exclusivamente ao foro da autoridade judicial, não podendo, a meu ver, constituir atribuição da autoridade administrativa, que se veria assim indevidamente sobrecarregada.
Ainda que se possa recear o mal provocado pela circulação de textos ou imagens nus condições do n.° 3 durante o tempo que medeia entre a sua duplicação e a apreensão pela autoridade judicial,. não se pode deixar de recear outros males maiores, nomeadamente o de o leitor permanecer sempre na condição de "protegido" e, portanto, de menor, e o de se gerar facilmente na opinião pública - em contacto com fontes estrangeiras de informação, num mundo cada vez mais planetário - uma desconfiança, de graves consequências, quanto à veracidade da informação divulgada na imprensa portuguesa.
Base XV, n.°s 1, 2 e 5 - Não posso concordar com a "inscrição no registo" dos serviços centrais de informação como condição prévia para o exercício das actividades dos profissionais da imprensa periódica, porque:
Julgo esta prática discriminatória pela situação de excepção em que coloca os pro-
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fissionais da imprensa periódica relativamente às outras profissões exercidas no quadro das empresas privadas;
Não considero esta medida capaz de resolver o problema de fundo que julgo estar subjacente a esta disposição, i. c, a verificação da preparação técnica adequada dos referidos profissionais; para resolver tal problema haverá medidas positivas de ordem cultural a propor, que serão sempre mais eficazes do que as medidas restritivas;
Receio que o disposto a este respeito venha reforçar o concerto de profissão subjacente à base XIV - um conceito de tal modo rígido que se verificará ser incompatível com a mobilidade do mundo moderno.
Base XVI, n.° 1 - Parece-me ver estabelecida nesta base uma prioridade, do capital sobre o trabalho na empresa jornalística que julgo incompatível com os princípios do estado social e corporativo em que vivemos. Nilo há hoje dúvida sobre a necessidade de que todos os que trabalham em qualquer empresa devem estar cada vez mais associados às grandes decisões da empresa. Acresce a este princípio de ordem geral o facto de que a empresa jornalística é diferente da empresa com objectivos unicamente comerciais - o "produto" que vende os factos, as ideias, a informação) não pode ser discricionàriamente comercializado como o são os bens materiais. Importa salvaguardar, em benefício da veracidade da informação, a anterioridade dos valores culturais em relação ao lucro comercial. Por outro lado, a escolha dos directores das publicações periódicas unicamente por "livre decisão da entidade proprietária" abstrai, do problema recente dos quadros técnicos nas empresas dos países altamente industrializados: o desemprego como resultado de fusões realizadas só ao nível das entidades detentoras do capital, a criação de questões de consciência nos quadros, que se vêem obrigados a pôr em prática orientações de que discordam, o progressivo desinteresse e cepticismo desses quadros pelo bem comum.
Ainda quanto a esta base, discordo do carácter meramente penal da lista dos requisitos estabelecidos para os directores das publicações periódicas. A estabelecerem-se na lei alguns requisitos, estes deviam decorrer do tipo específico de actividade que é a imprensa. Com efeito, numa época cm que a informação se tornou uma ciência autónoma, com as suas leis próprias quanto à recolha, tratamento e difusão da informação, a lei torna-se omissa se não se referir às exigências que dessa autonomia decorrem. Assim, a acrescentar à preparação indispensável em gestão de empresa há a necessidade de uma especialização no domínio da informação. No contexto português, esta especialização poderia não consistir necessariamente num diploma particular, mas sobretudo no carácter polivalente e interdisciplinar da personalidade e formação de quem viesse a assumir tais funções.]
José Hermano Saraiva.
António Maria de Mendonça Lino Netto.
António Miguel Caeiro.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares. [Vencido, por entender que:
a) O princípio consignado no n.° 3 da base IV da proposta de lei ao prescrever que "a imprensa periódica, enquanto desempenha a função de difundir informações, deve circunscrever-se às que provenham de fonte conhecida" é essencial para impedir que à imprensa se faça eco de boatos, do "diz-se" anónimo, e que, por isso, não devia ter sido omitido;
b) A redacção do n.° 4 da base VI, segundo o parecer, correspondente ao n.º 4 da base V da proposta de lei, presta-se à interpretação de que o acesso às fontes de informação envolve o direito de obter reproduções de documentos cuja divulgação se justifique.
Ora, conformo a proposta de lei, o que há a atender, para tal efeito, é se os documentos são destinados ou não à publicação;
c) Não deviam ser pura e simplesmente isentos de responsabilidade criminal os autores, não residentes em Portugal, de textos e imagens publicados na imprensa portuguesa - alíneas a) e c) da base XXXI do parecer;
d) As isenções de responsabilidade constantes da base XXVII da proposta de lei, relativas aos tipógrafos e impressores, têm plena justificação.
Sem elas os referidos profissionais ficarão sujeitos às regras gerais quanto à culpa e ao dolo, que não poderão considerar-se afastadas, designadamente, só por haver ordens da entidade responsável.
Ora, dada a situação em que se encontram os tipógrafos e impressores, tais isenções correspondem a uma visão realista de problema, que evitaria uma série de melindrosas questões e dificuldades, quer quanto ao entendimento de qual deva ser a sua posição, direitos e deveres quanto ao trabalho que realizam, quer quanto à posterior definição de quais serão as suas responsabilidades e de como elas se deverão apurar.]
Eduardo Augusto Arala Chaves. [Vencido, na especialidade, quanto aos seguintes pontos, que considerei de maior relevo:
1.° Sobre a base VIII: O sigilo profissional possibilita a transmissão e conhecimento geral de notícias que, de outro modo, por exigência do informador ou outras razões que se imponham ao jornalista, manter-se-iam desconhecidas.
Ora, esse conhecimento insere-se na liberdade de imprensa e pode ser vantajoso por exemplo, para alertar o Estado quanto a problemas da sua segurança.
Ponderando esta face do problema, entendi que a base viu deveria, no n.° 1
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começar pela afirmação do direito ao sigilo profissional e limitar, no n.° 2, esse direito relativamente às matérias de segurança exterior e interior do Estado, de crimes públicos e de assuntos pertinentes à vida íntima das pessoas, em função do predomínio do interesse na investigação sobre as razões invocadas para o sigilo.
A decisão, neste caso, caberia ao presidentes das relações, ouvido o procurador da República e o organismo corporativo respectivos, numa adaptação do sistema criado, para situações afins, pelo Decreto-Lei n.° 47 749, de 6 de Junho de 1967. 2.° Sobre a base X: Reconhecendo que a máquina judicial não pode garantir, em todas as circunstâncias, a prontidão que casos específicos reclamam, aceitei que a apreensão possa ter lugar por mandado da autoridade administrativa, mas actuando na sua função colaboradora do Ministério Público, titular da acção penal, segundo o princípio expresso no artigo 7.°, n.° 1.°, do Decreto-Lei n.° 35 007, de 13 ide Outubro die 1945.
Além de entroncar o caso especial no direito comum, o sistema asseguraria a vantagem de se alcançar uma rápida apreciação técnica sobre a legalidade da apreensão e sobre a utilidade da sua manutenção.
Votei, portanto, o acrescentamento de um número, a seguir ao n.º 4, com a seguinte redacção:
A autoridade administrativa, como colaboradora do Ministério Público, remeterá a este os elementos probatórios do ilícito que se quis prevenir ou reprimir.
3.° Sobre a base XIV: O lugar próprio para prever e punir o crime de extorsão, mesmo que cometido pela imprensa, é a lei penal comum, e os interesses tutelados não devem divergir pela circunstância de ser utilizada a imprensa como meio específico de extorquir.
Votei, portanto, a eliminação da base XIV, e, consequentemente, também da alínea b) do n.° 1 da base XXXV.
4.° Sobre a base XXXVI: A providência designada por "suspensão dos periódicos" é por natureza uma modalidade da medida de interdição da profissão aplicada às empresas.
Ora, penso que a jurisdicionalização dessa medida por via dos tribunais comuns de jurisdição ordinária tem idêntica razão de ser - muito importante - para as pessoas colectivas e sociedades e para as pessoas singulares.
É o direito ao trabalho que está posto em causa. Defendê-lo através daquela jurisdicionalização é, segundo creio, elementar, e não desarma perigosamente o Estado, que dispõe, com inteira eficácia, do exame prévio para situações excepcionais definidas na lei e da possibilidade de apreensão, para os casos de delinquência.
Portanto, as bases XXXVI, XXXVII, XXXVIII e XXXIX seriam, na minha proposta, substituídas pelas seguintes:
BASE XXXVI
[Interdição às profissão)
1. A medida de interdição da profissão pode ser imposta pelos tribunais competentes aos profissionais da imprensa ou, com as necessárias adaptações, às pessoas colectivas e sociedades editoras, quando o crime cometido revele grave violação dos deveres inerentes e profissão e for fundadamente de recear, pela personalidade do agente ou por manifesto desprezo pelos limites estabelecidos nesta lei para a liberdade de imprensa, que outros crimes graves ponham directa ou indirectamente em perigo o Estado ou as pessoas.
2. Constituem índices especialmente reveladores de perigosidade uma condenação a pena maior ou três condenações por crimes dolosos cometidos pela imprensa.
3. A medida da interdição temporária tem o limite máximo de um ano para as pessoas singulares e de noventa dias para as pessoas colectivas e sociedades.
BASE XXXVII
(Efeitos da interdição)
1. Durante o período da interdição, o delinquente não pode exercer ar profissão jornalística ou editorial, nem directamente, nem por interposta pessoa.
2. A interdição aplicada às pessoas colectivas e às 'Sociedades não constitui justa causa para o despedimento dos empregados e assalariados, nem fundamento para a suspensão ou redução do pagamento das respectivas remunerações.
BASE XXXVIII
(Autoridades que podem propor a medida de interdição)
(O texto integral da base XXXIX do parecer desta Câmara.)
5.° Tende esta lei para um regime que comete aos jornalistas e às empresas, sob sanções, o juízo, nem sempre fácil, sobre a oportunidade e sobre a inocuidade dos seus trabalhos.
Alguns terão dúvidas, designadamente sobre temas que se proponham tratar, e sentirão a honesta necessidade de recorrer, em várias circunstâncias possíveis, a um juízo alheio esclarecido.
Teria utilidade, a meu ver, a criação de um conselho de imprensa, embora com funções meramente consultivas.
Neste sentido sugeri.]
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João de Paiva de Faria Leite Brandão.
José Alfredo Soares Manso Preto.
José Augusto Vaz Pinto. (Votei a inclusão, na lei, de sanções administrativas, como a .prevista na base XXXVI, "Suspensão de periódicos". Mas entendo que o n.° 1 desta, base, tal como está redigido, tem latitude demasiado vaga para a gravidade das sanções que prevê. Parece-me, por isso, que a possibilidade de aplicação destas sanções deverá ficar limitada aos casos em que os textos e as imagens publicados na imprensa constituíssem crimes contra a segurança exterior ou interior do Estado; e, então, bastaria a comissão de um só destes crimes - que são numerosos - para poder fundamentar a aplicação de alguma das sanções previstas.
Por outro, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, previsto no n.° 2 da base, não dá garantia eficaz da fiscalização jurisdicional. Na verdade, o caso não é semelhante ao que se prevê com o recurso instituído no n.° 2 da base XXXIII, em que o Supremo Tribunal Administrativo podará "com plena jurisdição", concluir da legalidade da multa e do seu montante. Aqui, apesar da plena jurisdição que se confere ao Tribunal, o recurso será de um acto discricionário, e, assim, por sua própria natureza, limitado à apreciação da legalidade dele. Apesar da letra da lei, será, afinal, um recurso de simples anulação, dom um só fundamento possível, o desvio de poder. E este será pràticamente impossível de definir.)
José Fernando Nunes Barata
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha.
Joaquim Trigo de Negreiros (relator).
IMPRENSA NACIONAL
PREÇO DESTE NÚMERO 37$60