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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 74 X LEGISLATURA - 1971 15 DE JULHO
PARECER N.° 2 8/X
Projecto de proposta de lei n.° 5/X
Ensino politécnico
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 5/X, sobre o ensino politécnico, emite, pela sua secção de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Adérito de Oliveira Sedas Nunes, Álvaro Vieira Botão, António de Resende Vaiadas Fernandes, António Rogério Luís Gonzaga, Armando Manuel de Almeida Marques Guedes, Arnaldo Irio Marques Sequeira, Carlos Krus Abecasis, Eugênio Queiroz de Castro Caldas, Fernando Lourenço Pereira, Francisco de. Paula Leite Pinto, Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho, Herculano de Amorim Ferreira, João de Matos Antunes Varela, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich e Luís Maria da Câmara Pina, sob a "presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. Não levantou qualquer reparo que entidade responsável pelo equacionamento e resolução dos problemas da nossa instrução pública assim houvesse, em 1955, definido educação: "Educação é o processo complexo que tem por fim assegurar a qualquer indivíduo o desenvolvimento da tua personalidade, de maneira a integrá-lo enriquecido na cultura dos seus maiores e por fornia que possa ser em potência um elemento de valorização da sociedade."
A busca da promoção individual pela educação parecia perfeitamente aceitável, mesmo passados já dez anos sobre a bomba de Hiroshima, para além da qual o homem se sentiu empurrado pelo poder diabólico de tantas técnicas desencadeadas por uma simples fórmula matemática.
O então responsável pela gestão da nossa instrução pública não perdeu ensejo de chamar insistentemente a atenção dos pedagogos portugueses para as inevitáveis mutabilidades das culturas em face do continuado desabrochar de novas técnicas e tecnologias. Já era evidente que sob a pressão da técnica que produz a abundância - característica mais evidente da sociedade de consumo - se haviam alterado profundamente não apenas as formas de vivência, mas também os hábitos, os costumes e os meios de comunicação entre as gentes.
Métodos de trabalho e lazeres seguiam no mesmo ritmo acelerado, modificando incessantemente as relações entre os homens e a acção destes sobre a natureza. Esta ia-se desnaturalizando.
A marcha das civilizações na história sempre se processara lentamente. As inovações só limitadamente corroem as tradições, e por isso apenas a mensagem cristã se mostrou capaz de alterar as bases do comportamento do homem da gesta dos Descobrimentos, em relação ao homem integrado nas culturas de Homero.
Mesmo as perturbações com aspecto revolucionário - e algumas houve no decorrer da história - aparecem hoje como vectores culturais sem profundo repercusso na forma de convivência das gentes. Na verdade, parece
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hoje que nos tempos passados era bem lenta a acção abrasiva das inovações sobre as tradições. Era assim lícito falar-se na integração dos jovens de hoje rias culturas de ontem.
No nosso hoje - e isso há apenas quinze anos! - tornou-se geral a certeza de que, efectivamente, a pressão das novas técnicas sobre todas as culturas as modificou de repente. Já não ó possível aceitar a integração dos jovens de hoje em culturas de ontem, porque esse "ontem" parece afastado de séculos.
Daí, e da ideia de educação permanente, resultou ter-se posto de parte a definição clássica de educação e ter-se buscado outra, muito vaga e muito lata: "é a promoção social de todos os jovens, de maneira a torná-los capazes de se adaptarem a sucessivas integrações em mundos prospectivos" 1.
É curioso notar-se que aquela mesma definição aparece em recente publicação socialista incluída numa comunicação apresentada por um membro da Academia das Ciências da Roménia (Coustantin Botez) ao Colóquio Internacional "A educação e o desenvolvimento científico, económico e social", realizado na U. N. E. S. C. O., de 27 a 30 de Dezembro de 1968 2.
Diz o autor:
A acção educativa exerce-se pelas gerações adultas sobre as gerações novas e realiza a socialização do indivíduo, a sua integração na sociedade, o desenvolvimento das suas capacidades e a formação das aptidões necessárias à sua actividade social.
E acrescenta:
No decorrer do processo de educação, a sociedade transmite à nova geração a saia experiência e as suas realizações com o fim de assegurar a sua existência e o seu continuado desenvolvimento. Pela educação inculca-se ao indivíduo a sua adesão ao conjunto de valores da sociedade em que vive numa certa época histórica e assegura-se-lhe as premissas para que ele próprio venha a contribuir, pela sua actividade criadora, para o acréscimo desse conjunto de valores ou Esta ideia vem de longe. O nosso Alexandre Herculano escreveu, em 1841: A instrução pública tem por alvo o indivíduo e a sociedade, o benefício do cidadão e a utilidade da República. E John Stuart Mill, então reitor da Universidade de Santo André, disse na lição inaugural de 1867: A educação ó a cultura que cada geração deliberadamente dá àqueles que vão ser seus sucessores, de modo a permitir-lhes, pelo menos, manter e, se possível, elevar o nível de aperfeiçoamento já atingido. 2. As tecnologias automatizadas que usam avalanchas de técnicas novas criaram inúmeras profissões insuspeitadas há poucos anos. 1 Cf. com os artigos "Essa palavra Universidade" e "O papel da Universidade na formação dos dirigentes", incluídos no vol. I de A Universidade na Vida Portuguesa (ed. Do Gabinete de Investigações Sociais), pp. 9 a 42 e 271 a 310.
Está a estrutura escolar de hoje à altura de formar os operantes eficazes dessas técnicas que mudam de aspecto, momento a momento, como imagens de caleidoscópio?
Lembre-se a energia atómica, que desde o trágico ataque a Hiroshima - há um quarto de século apenas! - tanto impressiona e domina o mundo da ciência, com múltiplas inovações de incalculáveis repercursos sobre a vida pensante e sobre a vida material da humanidade. Inovação esta que brilhou em episódios maravilhosos e foi causa de hosanas ao cérebro humano, se esvaiu e passou a sei tradição, quando - em 4 de Outubro de 1957 - o Sputnik apareceu a indicar, com um bip-bip modesto, o caminho da Lua a cápsula Apolo 11.
Menos de onze anos passados sobre o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra - a 21 de Julho de 1969 -, dois homens pisaram a superfície do nosso satélite natural.
Poucos são os jovens de hoje que se lembram desta data que já é de ontem. Mas nenhum homem da Terra deixará de beneficiar dos 'progressos sem número que centenas de novas industriais e centenas de indústrias já velhas experimentaram, e vão experimentar, mercê doa ensinamentos colhidos nos voos espaciais.
Será (possível formar hoje os operantes técnicos das culturas tecnológicas de amanhã?
A profissão é uma actividade social pela qual se criam, benls, materiais ou espirituais, ou se prestem serviços e para cujo exercício são necessários conhecimentos, adestramentos e capacidades físicas e intelectuais.
Em face da continuada evolução científica, técnica e tecnológica, o exercício das profissões exige cada vez mais conhecimentos e maior preparação social.
Os métodos de trabalho, em face da mutabilidade crescente das organizações, dais gestões e das produções tecnológicas, exigem que os profissionais sejam preparados a conviver com maquinismos cada vez mais complexos, rápidos e eficientes. Os profissionais devem ser educadas antes de exercerem a profissão de maneira que, no decorrer da sua vida activa, se possam sempre actualizar.
Por isso o homem que opera com. as máquinas deve estar apto a conviver com os mais modernos e complexos maquinismos que o auxiliam na produção de bens ou serviços. E deve até estar apto a poder mudar de actividade (profissional. E como a força física, a habilidade manual e a destreza terão içada vez menos importância na condução das técnicas mecanizadas que são as máquinas, a educação profissional deve dar, sem prejuízo do ensino das técnicas especializadas, cada vez mais importância à formação social e intelectual que inculca a cada homem a consciência de que as suas decisões racionais são indispensáveis à execução correcta da técnica complexa que a máquina executa.
Hoje o operário não trabalha com a ferramenta, mas opera com a máquina.
Na educação profissional é preciso nunca esquecer que o aluno de hoje irá operar com máquinas que ainda não estão inventados.
O projecto de proposta de lei n.° 5/X, que o Governo apresentou a parecer da Câmara Corporativa, tem por fim contribuir para a preparação de alguns desses técnicos indispensáveis num país que nos seus vastos territórios anseia por acelerado desenvolvimento económico.
2 O relatório foi publicado exactamente um ano depois (Dezembro de 1969) sob o titulo Une éducation pour notre temps, U. N. E. S. C. O. E Ed. Du Pavillon. Cf. Pp. 151 e 152.
Cf. Elizabeth S. Lawrence, The Origins and Growth of Modern Education, Pelican Book; W. O. Lester Smith, Education, Pelican Book, 1962.
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3. O preâmbulo justificativo da inovação (proposta descreve com grande clareza as características e as intenções do Governo.
São tantas as técnicas para &s quais a Nação necessita de profissionais habilitados que se propõe a designação de ensino politécnico para o movo ramo de ensino que, no fundo, se prebende venha a substituir o chamado ensino médio. Este e aquele situam-se igualmente depois Ao ensino secundário, mas sem serem, por norma, ponte de ligação deste pana o ensino universitário. Destina-se o novo ensino, nos termos do projecto de proposta de lei, "a conferir preparação técnica especializada e adequada ao desempenho de actividades profissionais que não requeiram pela sua própria natureza ou por determinação da lei habilitação universitária".
A designação de ensino politécnico, que contém implicações que a seu tempo se analisarão, visa, no conceito do projecto, exprimir a polivalência do novo ramo de ensino, o qual irá abranger não só os antigos ensinos médios (comercial, industrial e agrícola, que passam a compreender uma gama mais lata de modalidades), mas também ramos novos, respeitantes aos serviços e às artes.
A Câmara relembra que a palavra arte tem tido, tempos fora variados significados.
Refiram-se em primeiro lugar aqueles englobados também na palavra técnica que lhe foi assim sinónima:
1.° O meio de que se serve o artífice para produzir algo de artificial. Com tal significado, a arte opunha-se à natureza, que produz sem reflexão. E também se opunha à ciência, que buscava as leis naiturais sem se preocupar com as suas aplicações. Seja lícito lembrar aqui que o termo alemão kunst significa "habilidade no saber fazer";
2.º Conjunto de processos para atingir um resultado útil, como vem sintetizado na definição tantas vezes repetida, até finais do século XVI:
Ars est systema proeceptorum universalium, verorum, utilium, consentientium, ai unum eumdemque finem tendentium.
Destes conceitos, ainda hoje geralmente aceites, decorrem, entre outras, as expressões artes mecânicas e arfes e ofícios. As escolas de artes e ofícios começaram por ser escolas pós-primárias modestas. Depois ampolaram, ministrando uma cultura geral secundária como base de um ensino de artes oficinais. Nelas se filiam as escolas de artes aplicadas e ofícios artísticos, que rapidamente se Captaram às necessidades crescentes da indústria. Em evolução rápida algumas delas, embora conservando o título, passaram a ser unidades valiosas do ensino médio industrial. Outras ainda, numa evolução mais acelerada, ocupam hoje, em diversos países, posição indiscutível na estrutura do ensino superior.
Refiram-se, em segundo lugar, os significados dados à palavra arte como "produtor de beleza" e não esqueçamos a subjectividade do termo "belo" no decorrer dos óculos. Numa sociedade em mutabilidade acelerada, o conceito de beleza interfere na formal, no volume e na cor de todos os objectos que o homem fabrica e com que enche o meio artificial em que mergulha.
A Câmara julga que se deve pôr em relevo que a palavra artes, incluída no projecto de proposta de lei n.° 5/X, abraça os velhos e novos significados e que pode revestir a preocupação de tornar harmoniosa a convivência do homem com o meio urbano, com as máquinas e com os utensílios que engendra continuadamente, com a finalidade de melhorar as suas condições de vida.
4. Considera ainda a Câmara dever realçar, liminarmente, que o preâmbulo do projecto de proposta de lei sublinha o carácter terminal do ramo de ensino proposto, usando claramente o qualificativo terminal no sentido de habilitante, ou melhor, de habilitante para o exercício de determinada profissão ou actividade. Isto significa que se não trata de ciclos de habilitação à admissão de grau mais adiantado, mas, sim, de uma preparação específica para exercício profissional. E evidente que este facto não elimina o acesso ao ensino superior, embora condicionado a provas de mérito.
A instituição deste novo ensino, pondera-se ainda no preâmbulo, deve contribuir para "descongestionar os cursos universitários, libertando a Universidade de tarefas sem interesse para ela" e criando as condições que tornem possível no futuro desviar da sua frequência "as massas que procuram as escolas superiores, não em razão de uma autêntica vocação cultural, mas em virtude de uma legitima aspiração de título que permita o emprego a nível compensador".
Essa apetência nacional pelos títulos, nem sempre conjugada com a indispensável persistência no trabalho, é causa principal do mau rendimento de alguns níveis de ensino. O nosso pais é daqueles onde ê menor o aproveitamento escolar.
São ainda objectivos desta reforma a constituição das estruturas escolares adequadas à formação de quadros técnicos especializados, com a qualidade e na quantidade exigidas pelo processo do desenvolvimento nacional nos seus diversos sectores (na metrópole e no ultramar), e a concretização das aspirações generalizadas de uma promoção em conjunto, que muitos identificam com a democratização do ensino. Tal promoção colectiva é facilitada pelo facto de hoje se encontrarem abertas vias de actividade mais largas e muito mais numerosas do que aquelas que existiam nos tempos dos nossos pais. E outros promissores campos de actividades se anunciam.
Além dos indicados, e sem falar na possibilidade de aproveitar mais adequadamente indivíduos que se mostrem menos aptos para outros ramos de ensino, podem indicar-se os seguintes, entre os critérios fundamentais do projectado "ensino politécnico":
a) Carácter pós-secundário, prático e profissional dos cursos;
b) Acesso normal através dos cursos secundários técnicos e com o possível aproveitamento de contingentes oriundos dos liceus, mas que neles não desejem prosseguir estudos;
c) Maleabilidade do leque de especializações abrangidas;
d) Planeamento e organização do ensino, com subordinação às necessidades do desenvolvimento regional;
e) Ligação com o sector privado e com os serviços públicos locais, mediante regimes de cooperação quanto a quadros docentes e quanto a instalações e equipamentos;
f) Revisão permanente.
Estes objectivos correspondem, indubitavelmente, a prementes solicitações da nossa época e o Governo, ao afirmá-los, revela lucidez na visão dos problemas que se enquadram na missão da escola perante a sociedade, e isso em ambos os planos em que tal missão se projecta: melhor valorização e mais completo aproveitamento dos homens e melhor preparação do elemento humano para as funções de que dependem a vida da colectividade e o bem-estar colectivo.
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É, porém, uma outra questão o saber se, e em que medida, as soluções propostas no projecto são as mais indicadas para se atingirem os objectivos anunciados.
Há que entrar na análise de cada uma daquelas soluções, em ordem a determinar se merecem igual aceitação.
Nisso consistirá a apreciação do projecto na generalidade.
Ao fazê-lo, a Câmara não poderá deixar de considerar o ensino projectado, não isoladamente, mas como um dos elementos do conjunto educativo em que se integra.
5. Já em mais de um ensejo e designadamente ao pronunciar-se sobre o II e o III Planos de Fomento a Câmara Corporativa emitiu incisivamente o seu parecer quanto à necessidade de incrementar a formação dos quadros técnicos de nível médio e, designadamente, quanto à situação do ensino industrial médio. Não deixa, aliás, o preâmbulo do projecto de referir essa insistente recomendação da Câmara Corporativa e de transcrever alguns passos mais significativos do mais recente dos pareceres em que o problema foi abordado.
É este indiscutivelmente um dos mais graves aspectos da organização do nosso ensino em relação às prementes solicitações económicas, e já se tornou um lugar comum afirmar que os insuficientes níveis médios da nossa instrução pública, especialmente a carência de técnicos de nível médio na indústria, é dos factores negativos que mais se fazem sentir e que mais directamente comprometem a, todavia, indispensável expansão do sector.
Haverá, sem dúvida, por exemplo, que prestar cuidadosa atenção a formação dos técnicos de engenharia formados pelos actuais institutos industriais, insuficientíssimos em número num país que tem extensos territórios a valorizar.
Em recente trabalho do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra 3, faz-se a síntese de dados estatísticos disponíveis com vista à determinação das nossas necessidades de mão-de-obra instruída e qualificada, necessidades decorrentes do planeamento económico. Entre outros elementos reveladores de interesse e reflexão, apresentam-se os que exprimem os níveis de instrução, por categorias profissionais e por sectores de actividades.
O quadro I, adiante inserto, indica dentro de cada classe de profissões da população activa as percentagens dos subgrupos de níveis de instrução. Os dados globais foram extraídos do X Recenseamento Geral da População - 1960.
Não se deve esquecer que a distribuição estatística de uma população em classes e subclasses pode ser discutível e que em inquéritos a uma população numerosa existe o perigo de flutuações na distribuição das unidades contadas pelas classes escolhidas. Esta incerteza existe sempre em qualquer país e quaisquer que sejam os níveis cívicos e culturais das populações recenseadas.
As classes escolhidas foram, de acordo com a classificação internacional, as seguintes:
0 - Profissões científicas, técnicas, artísticas e afins;
1 - Directores e pessoal dos quadros administrativos superiores;
2 - Empregados de escritório;
3 - Comerciantes e vendedores;
4 - Agricultores, pescadores, caçadores e trabalhadores equiparados;
5 - Mineiros, operários de pedreiras e trabalhadores equiparados;
6 - Trabalhadores dos transportes e comunicações;
7/8 - Operários qualificados, especializados e indiferenciados;
9 - Trabalhadores especializados dos serviços, desportos e actividades recreativas;
10 - Pessoas com profissão mal definida;
11 - Forças armadas.
Basta ler as rubricas que servem de argumentos 4 a esta classificação para justificar os receios postos a possíveis deslocações de uma classe para outra, mormente quando ao inquérito se responde 'por simples devolução de questionários preenchidos.
Na feitura do quadro I seguiram-se as seguintes normas:
Segundo o recenseamento, havia em Portugal 3 315 639 pessoas que exerciam profissões (diga-se, entre parênteses, que 2 713 036 eram homens).
Dentro das profissões incluídas na classe 0 (zero) classificam-se 92 073 pessoas; nas profissões da classe 1 (um) ocupavam-se 42 798; etc., conforme se indica no seguinte quadro parcial:
[Ver quadro na imagem]
Dentro de cada uma destas onze classes de distribuição, inquiriu-se do nível de instrução, aceitando os seguintes grupos e subgrupos:
A - Os que nunca frequentaram qualquer escola:
Este grupo subdividiu-se em dois subgrupos:
A' - Os analfabetos;
A" - Os que aprenderam a ler fora da escola e sabem ler.
B - Os que exercem uma profissão e ainda frequentavam uma escola.
C - Aqueles que, exercendo uma profissão, possuem um diploma:
C' - De ensino primário;
C" - De ensino secundário (que tinham também um diploma de ensino primário que não se leva em conta em C');
C''' - De ensino superior (que tinham também diplomas dos ensinos primário e secundário não levados em conta em C e C").
Dentro deste critério de classificação, verificaram-se as percentagens destes grupos e subgrupos em relação aos totais de cada classe. Assim, dentro dos 92 073 indivíduos
3 Cf. Recursos Humanos em Portugal, por Mário Murteira, Isilda Matos e Acácio Catarino (caderno n.° 81, editado pelo Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra - 1969).
4 A palavra "argumento" tem aqui o significado da notação estatística de "designação das cabeças das colunas ou das linhas.
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que exercem profissões da classe 0 (profissões cientificas, técnicas, artísticas e afins) 472 eram (em 1960) analfabetos, o que corresponde a 0,5 par cento do total 92 073; 6419 nunca haviam frequentado a escola, mas sabiam ler, o que corresponde a 7,0 por cento do mesmo total 92 073. E assim sucessivamente, obtendo-se o seguinte quadro parcial de percentagens em relação ao total de cada classe:
[Ver quadro na imagem]
Para todas as classes e dentro de cada classe de profissões se determinaram percentagens análogas que constituem o
QUADRO I
[Ver quadro na imagem]
Em relação ao total da população activa, as percentagens par níveis de instrução seriam:
[Ver quadro na imagem]
Publica-se, no final do parecer, o anexo A em que se encontram agrupados todos os quadros parciais e o quadro I.
O exame deste quadro I torna perplexos tantos quantos vibraram com a campanha de alfabetização levada a efeito desde 27 de Outubro de 1952.
Para eles é incompreensível que no ano de 1960 mais de 30 por cento dos trabalhadores portugueses fossem analfabetos e cerca de 59 por cento nunca tivessem frequentado a escola.
É evidente que os resultados benéficos da chamada "Campanha contra o analfabetismo", desencadeada pelos pretos daquela data, ainda não se podiam reflectir nos anos referentes aos níveis culturais da população activa. No entanto, as percentagens acima são impressionantes e desoladoras.
Outros aspectos que parecem estranhos: os das peritagens referentes à classe 1 que têm a designação directores e pessoal dos quadros administrativos superes", que engloba 42 798 indivíduos.
Pelo quadro I, se verifica que 3,3 por cento deste total de dirigentes de empresas (exactamente 1426 pessoas) são analfabetos; 13 713 pessoas dirigentes (ou seja 32,1 por cento do total) sabem ler, mas não frequentaram qualquer escola; 0,7 por cento frequentam uma escola; 39,6 por cento (ou sejam 16 953 pessoas) têm apenas o diploma primário; 18,5 por cento têm o diploma secundário, e apenas 5,8 por cento têm um diploma superior.
Todas estas percentagens devem, porém, ser tomadas no seu verdadeiro significado, que diverge bastante do que lhe poderia ser atribuído por quem se fiasse na acepção coerente das palavras que classificam a rubrica. À ideia de director de empresa liga-se vulgarmente a noção de um dirigente de unidade de certa envergadura, responsável pela gestão de interesses consideráveis. Ora, segundo os dados referidos ao ano de 1964, somente 2 por cento das nossas empresas tinham ao seu serviço mais de 100 empregados. A grande maioria, era constituída por pequenas unidades, cujo proprietário ou sócio marcante, para efeitos de classificação estatística adoptada, ó um director ou um dirigente administrativo do quadro superior. Todavia as suas funções directivas mal se distinguem muitas vezes das dos seus empregados. Em muitos casos, o designado como dirigente é apenas um capataz.
Não obstante estas reservas, suficientes para retirarem aos dados estatísticos o seu aparente- carácter catastrófico, a indicação ó válida no sentido de comprovar que grande parte da actividade económica nacional está, geralmente, a cargo de pessoas com insuficiente nível de instrução, de que resulta o inevitável e desfavorável repercurso na expansão e actualização das pequenas e médias empresas.
Note-se ainda (e isso pode parecer sintomático!) que nos níveis de instrução não se levaram em conta os diplomados pelo ensino médio.
6. Este quadro I merece mais completa análise.
Antes de mais, devem-se exprimir fundadas esperanças de que durante o decénio intercensual que terminou no fim de 1970 se tenham feito sentir os efeitos da generalização do ensino primário, com consequente diminuição das elevadas percentagens dos iletrados e dos que, embora sabendo ler, não tinham podido completar qualquer grau de ensino.
Há, efectivamente, a lembrar que em redor do ano de 1960 conseguiu-se que perto de 98 por cento das crianças metropolitanas em idade escolar se matriculassem na escola primária, o que corresponde teoricamente à eliminação do ausentismo escolar, flagelo que atormentou o País durante mais de um século e foi então, ainda que não em definitivo, debelado.
É necessário porém que o espírito de campanha contra o analfabetismo não afrouxe, a fim de se anularem as várias causas que, independentemente dos esforços dos Serviços, podem determinar que o recenseamento escolar não abranja todas as crianças e que nem todas as matriculadas tenham, por falta de professores ou de instalações, leccionação ou leccionação adequada.
Feito este pequeno apontamento de passagem, é alarmante ainda o facto de os dispositivos escolares destinados à formação técnica e profissional não terem registado qualquer alteração na sua estrutura fundamental. Tal realidade não autoriza a prever modificações radicais no que diz respeito a pessoal com formação técnica. As dificuldades são muito grandes nas actividades industriais e das artes mecânicas. É efectivamente chocante que apenas 146 865 dos 3 315 639 indivíduos que exercem actividades profissionais (4,4 por cento) possuam um diploma secundário, com a agravante de se incluírem
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neste número cerca de 60 000 empregados de escritório, mais de 20 000 professores do ensino primário, uns 12 500 comerciantes e vendedores, 6500 enfermeiros e parteiras e 4300 elementos das forças armadas. Bastam cerca de 42 000 profissionais com habilitações secundárias distribuídos pelos ramos industriais, o que é simplesmente alarmante. No total das classes numeradas de 4 a 9, que atinge cerca de 720 000 trabalhadores, só uns escassos 20 000 têm diploma secundário (menos de 3 por cento). Exceptuando o caso da classe inicial constituída pelas profissões científicas e técnicas (que inclui todos os quadros docentes, os engenheiros, os médicos, os veterinários e os cientistas em geral), os indivíduos habilitados com cursos secundários apenas atingiam (em 1960) expressão considerável na classe 2 (empregados de escritório), o que parcialmente se relaciona com a absorção, pelo sector dos serviços, dos alunos que iniciaram o curso liceal, mas não foram além do diploma do 2.° ciclo.
7. Parece de "reter um dado revelado pelo quadro em análise. Da população registada como aotiva em 1960, apenas 40 000 pessoas (1,2 por cento do total de mais de 3 300 000) procuravam ampliar a sua cultura frequentando escolas. A modéstia desta percentagem não pode ser totalmente imputada ao desinteresse dos indivíduos pela sua promoção social. Haverá também que relacioná-la com a falta de suficientes articulações entre o sistema escolar e o emprego.
8. Convém dissecar um pouco mais os dados incluídos na categoria profissional que constitui a classe 1 "Directores e pessoal dos quadros administrativos superiores", que, segundo algumas directrizes internacionais, se considera "mão-de-obra" de "alto nível". Subdividindo essa classe em dois subgrupos: 1-a "Administração pública" e 1-b "Administração privada", encontram-se as seguintes percentagens distribuídas segundo os níveis de instrução já fixados:
[Ver quadro na imagem]
O evidente desequilíbrio entre os níveis de instrução dos quadros superiores da administração pública e os da administração privada explica-se pela disciplina regulamentar a que está subordinado o funcionalismo público. Aparentemente, no sector privado a falta de preparação escolar não constitui (ou não constituiu) factor impeditivo das promoções e até de acesso a posições directivas, verificando-se que nas empresas existiam (em 1960) 1426 pessoas que, apesar de analfabetas, exerciam funções de comando, que 13 697 dirigentes sabiam ler sem nunca terem frequentado qualquer escola e que 16 054 pessoas dos quadros superiores da actividade privada possuíam apenas o exame de instrução primária. Dos dirigentes empresariais havia 6696 que tinham um diploma secundário e somente 1191 que possuíam um curso superior.
Independentemente de relembrar o que atrás ficou dito sobre a latitude da classe 1 (que comporta empresas de tomo vário), devemos pôr em relevo que a actividade privada aceita a promoção social dos que ascendem por qualidades reveladas na própria actividade. A partir da publicação do Decreto-Lei n.º 26 115, de 27 de Novembro de 1935, o Estado condicionou a nomeação dos funcionários às habilitações C', C" (2.° ciclo) e C''', Embora legislação recente permita algumas promoções por provas dadas no serviço, a administração pública continua a regular-se por normas onde, obrigatoriamente, o nível de ensino é elemento a considerar.
9. No já citado trabalho Recursos Humanos em Portugal, publicado pelo Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra e da autoria de Mário Murteira, Isilda Branquinho de Matos e Acácio Catarino, considerou-se a participação no emprego total da mão-de-obra de alto nível (englobada nas classes 0 e 1), repartida pelos seguintes sectores de actividades:
(AS) - Agricultura, silvicultura, caça e pesca.
(HE) - Indústrias extractivas.
(IT) - Indústrias transformadoras (ligeiras e pesadas).
(CO) - Construção e obras públicas.
(E) - Electricidade, água, gás e saneamento.
(BS) - Bancos, seguros e comércio.
(T) - Transportes e comunicações.
(Ad) - Administração pública e serviços.
(O) - Outras actividades.
Compararam-se as distribuições (em percentagens de emprego total) por esses subgrupos, entre os dados de 1950 e 1960.
E verificou-se que a mão-de-obra de alto nível empregada em (AS) correspondia a 0,05 por cento de toda a população activa em 1950 e a 0,17 por cento em 1960; em (BS) passou de 1,37 por cento para 2,76 por cento; em (O) passou de 13,33 por cento a 21,57 por cento. Mas baixou em. todos os outros grupos de actividades.
As baixas de 1950 para 1960, nos sectores de desenvolvimento (IT), (E) e (T), foram, respectivamente, de 9,71 para 6,94; de 7,97 para 7,48; de 3,23 para 2,88.
Para o amo de 1960, lançando mão de dados estatístico; de outros países (uns industrialmente desenvolvidos, outros subdesenvolvidos) e tendo em (c)anta todas as precauções da comparabilidade de estatísticas internacional pode afirmar-se que a proporção de mão-de-obra de ate nível (classes 0 e 1) e ainda mais mo que respeita à mão-de-obra científica e tecnológica apresenta em Portugal a percentagem mais baixa da Europa, em geral e por sectores.
O nosso desnível é nítido, não apenas em relação aos países industrialmente desenvolvidos (Estados Unidos, Canadá, Suécia, Grã-Bretanha, França, por exemplo), com em relação aos países insuficientemente industrializados.
Insiste-se em que, mesmo que se tenha presente toda a precariedade das comparações de dados estatística colhidos por diversos organismos internacionais em populações de diferentes preparações cívicas e diferente níveis culturais, tem de se concluir pela existência entre nós de uma gravíssima situação nos quadros técnicos de todos os níveis.
Os problemas da estrutura da "população activa", ou seja da mão-de-obra disponível para a produção, preocupam actualmente todos os responsáveis pelo planeamento económico 5. A fluidez dessa estrutura, dado o aceleramento de
5 Cf. C. Vimont, La population active, P. U. F., 1960; C. Bloch e M. Praderie, La population active dans les pays développés, Cujas, 1966; J. Basile, La formation culturelle et le dirigents, Marabout, 1965; L. Banks, The Economy under the management, Fortune May, 1965.
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mutabilidade das profissões e as solicitações migratórias, complica tanto as previsões dos planeamentos que hoje se considera aconselhável que a periodicidade dos planos se ajuste à periodicidade dos censos. E como estes são operações de grande envergadura, morosas na obtenção de resultados globais e muito dispendiosas, pretende-se voltar a lançar mão do sistema da "amostragem", teoricamente perfeito, mas que não tem provado bem na demografia.
Dos exames feitos em vários países aos dados estatísticos revelados por inquéritos realizados no âmbito da "política da mão-de-obra" ressalta uma forte correlação entre o produto bruto nacional e a percentagem da mão-de-obra de alto nível no conjunto da população activa.
O trabalho português (Murteira, Matos, Catarino) conclui assim:
Comparativamente a outros países e tendo em conta o nível de desenvolvimento económico atingido por Portugal, a nossa situação é geralmente mais desfavorável do ponto de vista dos níveis de instrução, ainda que as estruturas ocupacionais da mão-de-obra se não encontrem geralmente desfasadas. Isto é: grosso modo, parece que a evolução económica "arrastou" a transformação da mão-de-obra em termos de categorias profissionais - sobretudo graças a um êxodo rural relativamente rápido -, mas já não provocou adaptação correspondente do sistema educativo. Este retardou-se, indubitavelmente, face às exigências da procura.
É assim compreensível que todas as projecções efectuadas para o futuro manifestem a necessidade de uma evolução descontínua - se assim podemos designar o fenómeno - no sistema educativo. Queremos significar com esta expressão o facto de a oferta de mão-de-obra instruída ter de sofrer, nos próximos anos, substancial expansão (qualitativa e quantitativa) se o País pretender alinhar-se pelos padrões internacionalmente mais comuns, no referente a recursos humanos.
Mais particularmente, merece ênfase a baixa utilização de mão-de-obra científica e técnica pela economia - assinalável, sobretudo, nas indústrias transformadoras -, os reduzidos níveis médios de instrução dos quadros directivos e administrativos superiores e, aliás, da mão-de-obra em geral.
Tal conclusão só por si justifica as preocupações do Governo no sentido de intensificar a preparação da mão-de-obra qualificada.
Lembre-se, porém, que o retardamento dos sistemas escolares em relação às exigências nascidas do processo sócio-económico global não é, por si só, capaz de evitar a força dinâmica do processo. Este desencadeia-se e desenvolve-se qualquer que seja a estrutura do sistema escolar. Os resultados, e em especial as utilidades que dele podem advir para a sociedade, é que serão diferentes consoante os empresários estejam ou não dispostos a aproveitar inteligentemente os "produtos" da escola. E, evidentemente, consoante os técnicos diplomados sejam ou não preparados para as incessantes mutabilidades tecnológicas.
Seja como for, é absolutamente necessário que o sistema escolar funcione tendo em vista essa característica maior da produção de bens económicos: a rápida e constante mutabilidade das técnicas e tecnologias. É tão grande tal mutabilidade que os próprios bens de consumo, produzidos em série, são incessantemente substituídos por outros.
Se o aparelho escolar for capaz de acompanhar os efeitos das mutabilidades incessantes no campo sócio-económico, os seus efeitos sobre os planos de desenvolvimento serão indubitavelmente positivos.
De longa data se tem chamado a atenção do País para a necessidade de fazer acompanhar tais planos com outros de fomento cultural.
Sob o ponto de vista dos repercussos que o retardamento de uma reforma dos ensinos técnicos pode ter sobre a mão-de-obra, devem salientar-se o predomínio da rotina, ou seja, a resistência à inovação, a falta de poder de adaptação a novas actividades e a novas formas de vivência, as deficiências na utilização de equipamentos que, tendo sido engenhados por especialistas, exigem operantes de nível, e a alta das taxas de acidentes de trabalho numa época em que o homem convive com a máquina.
Haverá, certamente, que olhar com extremo cuidado o ensino de pessoal de gerência, de forma a impedir a frouxidão no planear, a timidez no empreender, a desconfiança instintiva ante a intervenção reformadora, o predomínio da prudência e da poupança perante a iniciativa e o investimento,
10. A insuficiência na formação dos quadros técnicos verifica-se em todos os territórios portugueses e em todos os níveis, mas no presente parecer deve o problema centrar-se principalmente sobre a formação dos técnicos do grau de ensino que hoje se designa de médio e, porventura, num ensino superior que seja sua continuação.
Incumbe actualmente parte dessa missão ao ensino técnico médio, e os estabelecimentos que lhe estão afectos são os institutos comerciais, os institutos industriais e as escolas de regentes agrícolas, cujos (regimes pedagógicos ainda se encontram fixados, por diplomas de 1950 e 1951.
É de notar o prolongado imobilismo das nossas leis fundamentais no campo da educação, e isso numa sociedade que por toda a parte está sendo sacudida incessantemente nas suas formas de vivência e convivência dos homens entre si e de convivência dos homens com uma multiplicidade de máquinas por eles engenhadas e construídas.
Analisar-se-ão apenas os dados metropolitanos referentes ao ensino médio oficial, porquanto as conclusões serão aplicáveis quer ao ultramar, quer à metrópole, seja para o ensino dado pelo Estado, seja para o ensino ministrado por instituições privadas. Julga-se, no entanto, útil relembrar que não se podem fixar as linhas de orientação de qualquer grau de ensino sem se fixarem as bases comuns da educação de todas as crianças.
Ora, a mutabilidade vertiginosa das técnicas fez desaparecer hoje o que parecia válido ontem, inundando o quadro de vivência do homem - actualmente chamado tecnoesfera - com novos bens e serviços - quase todos insuspeitados há poucos anos -, aumentando o império humano sobre a Natureza, acrescentando ao homem anos de vida médio melhor vividos -, e obrigou assim a estabelecer novas normas institucionais pelo facto de ter criado ao homem novos deveres.
Quando, no futuro, o ensino obrigatório for ampliado para além de seis anos (e isso será inevitável), poder-se-á entrar na diversificação de planos de estudos (sem prejuízo de uma formação básica polivalente), pois as tecnologias novas apontam para a especialização.
O ensino obrigatório igual para todos os Portugueses durante seis anos deve ser orientado não apenas no sentido do "saber ler, escrever e contar" correctamente, não
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sòmente no sentido da transmissão de conhecimentos úteis sobre os ambientes natural e artificial que rodeiam o homem desde o berço e se vão ampliando no decorrer da vida, mas também, e porventura principalmente, no sentido humanístico que dá ao homem a noção de que é livre, mas que a sua liberdade tem como fronteiras as liberdades dos outros.
As tecnologias criaram aos homens novos direitos, mas o direito fixará os limites destas novas aquisições sociais.
O homem adquiriu, pelo progresso dos seus conhecimentos e dos seus meios de acção, grande poder sobre a Natureza. Não lhe é, porém, lícito abusar de tal poder.
Estão a ser violados direitos que pareciam sagrados aos nossos avós. A sociedade actual exige que os bens novos, o seu uso e a sua distribuição sejam regulados e defendidos por novos direitos: o do trabalho e previdência, o da energia, o do domínio público alargado, embora com constrangimento do direito de propriedade privada.
Do império do homem sobre a Natureza nasce, dia a dia, um novo direito social e um novo direito de empresa cujas normas novas se devem aflorar no ensino obrigatório e único, a partir da tenra idade.
A sociedade não pode viver em instituições. As instituições são elementos fundamentais de uma cultura. Ora as novas realidades do ambiente natural e artificial, onde o homem mergulha, devem ser ordenadas pelo direito. Já não será possível que a vigência de um código se mantenha um século! As revelações da ciência e das técnicas traduzem-se tão depressa em produções em série que o homem, em qualquer parte do Mundo, sofre, nas suas formas de vivência e convivência, pressões e constrangimentos no sentido de uma uniformidade de comportamento perante a inovação.
As técnicas procuram a eficácia. Umas buscam satisfazer necessidades materiais ou espirituais do homem. Outras procuram ou a satisfação de uma ambição intelectual ou uma satisfação de ordem psicológica.
As sucessivas técnicas da corrida da maratona são muito diferentes das sucessivas técnicas da corrida de 100 m e nada têm de comum com as técnicas de filigranagem e muito menos com as tecnologias que fabricam televisores em série.
Mas, se se sucedem, é porque são cada vez mais eficazes (são cada vez mais técnicas), devendo por isso eliminar as antigas.
É absolutamente necessário que os profissionais estejam aptos a empregar bem as novas técnicas, chamadas assim porque são mais produtivas do que as antigas. É, até, absolutamente necessário que os diplomados fiquem aptos a converter as profissões. Isto só ó possível se o novo ramo de ensino agora proposto se tiver baseado num esquema de estudos cuja característica principal seja o primado da cultura geral.
A cultura geral é uma iniciação às diferentes actividades humanas sem qualquer pormenor respeitante à profissão. Porém, não se concebe hoje sem recurso aos conhecimentos técnicos. Nela se integra tudo o que torna o homem uno, tudo quanto tende para a aproximação dos homens. O ensino profissional, ao contrário, destina-se a diferenciar as preocupações do homem actuante. Mas só a cultura geral pode assegurar a eficácia da especialização.
No ensino técnico médio existem hoje na metrópole apenas três escolas em cada um dos sectores 6 (comercial, industrial e agrícola). Eis os dados estatísticos referentes a essas escolas, no último ano lectivo em que tais dados estão definitivamente apurados (1968-1969):
[Ver quadro na imagem]
Note-se que se tomam apenas em consideração os cursos que têm um diploma terminal, excluindo-se, portanto, as secções de habilitação para o acesso ao ensino universitário que funcionam nos institutos comerciais. De facto, tais secções não podem, sob o ponto de vista da sua função escolar, ser consideradas como cursos profissionais de qualquer grau. O desenvolvimento dessas secções nos últimos tempos é, aliás, em si mesmo, um facto significativo. Talvez constitua uma indicação no sentido de que a procura do diploma concedido pelos institutos comerciais, como estabelecimentos de ensino médio, está na circunstância de ele ser um limiar na ascensão para o ensino universitário.
No ano a que se referem os dados (1968-1969) as inscrições do 1.° ano dos diversos cursos existentes nos três ramos do ensino médio foram, na metrópole, as seguintes:
Institutos comerciais:
Contabilista ............ 837
Perito aduaneiro......... 4
Correspondente........... 6
847
Institutos industriais:
Electrotecnia e máquinas........... 1 095
Construção civil e minas........... 135
Química laboratorial e industrial.. 301
1531
Escolas de regentes agrícolas ........ 99
Quer dizer que 2477 estudantes se matricularam no 1.° ano das escolas técnicas médias metropolitanas em 1968-1969.
Ora nesse ano terminaram, cursos técnicos de grau secundário 6742 alunos, que podem ser divididos por estes ramos: comercial, com 4278 diplomados; industrial, com 2375, e agrícola, com 89.
Convém comparar estes números com alguns outros, referentes ao mesmo ano escolar:
a) Concluíram o 2.° ciclo liceal 15 697 estudantes;
b) Concluíram o 3.° ciclo liceal 7856 estudantes;
c) Requereram admissão a estabelecimentos do ensino superior 7059 estudantes.
11. De há muito se fazem comparações entre o rendimento dos ensinos técnicos médios (c) dos ensinos técnicos superiores que, bem ou mal, se têm considerado suas sequências.
Do ensino médio comercial pode ascender-se à admissão no Instituto Superior de Ciências Económicas e Fi-
5 No sector do ensino comercial médio uma das escolas não é mantida pelo Estado.
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nanceiras e na Faculdade de Economia mediante a frequência e aprovação de uma secção complementar dos institutos comerciais, onde se ministra um ensino nitidamente de âmbito liceal. Das escolas de regentes agrícolas pode passar-se ao Instituto Superior de Agronomia por maneira análoga. Não têm os institutos industriais qualquer secção complementar, mas o acesso dos seus estudantes ao ensino universitário pode fazer-se depois da aprovação em todas as cadeiras do 1.° e 2.° anos desses mesmos institutos.
Ao examinar estas fórmulas híbridas de ingresso - que serão pormenorizadas -, verifica-se que elas foram orientadas, em parte, por comparações do número de anos do ensino liceal.
Aceitando o coeficiente de rendimento, dado por alguns autores, como relação dos diplomas concedidos para a população escolar, afectada por um coeficiente de ponderação relativo à duração dos cursos, chega-se ao seguinte quadro, referente a 1968-1969:
[Ver quadro na imagem]
Este quadro mostra que nos institutos comerciais e nos institutos industriais o aproveitamento é muito fraco. Por outro lado, há muitas desistências no decorrer dos anos de curso, motivadas não apenas pela insuficiente preparação dos estudantes e pelas péssimas instalações escolares, mas também porque os respectivos diplomas não estão socialmente prestigiados.
O grande aproveitamento escolar correspondente às escolas de regentes agrícolas pode ser atribuído ao regime de internato com aulas de estudo, ao ambiente "de corpo" que estas escolas souberam criar, ao nível social dos seus alunos, oriundos, em grande parte, de um escol de produtores agrícolas. Há ainda sem dúvida o factor de nos "curricula" dos cursos não existirem disciplinas que se prestem a uma selecção no início dos estudos.
Do quadro acima se conclui que o número de diplomados no ensino universitário (473) é superior ao do ensino médio (368), mantendo-se a desigualdade no que respeita aos dois graus de ensino da Engenharia (161 agentes únicos para 253 engenheiros).
A posição minoritária do ensino médio pode ser posta em relevo no seguinte quadro de frequências das escolas metropolitanas (ano de 1968-1969):
QUADRO II
[Ver quadro na imagem]
Este quadro exige alguns esclarecimentos, que, porém, não invalidam as conclusões finais.
Em primeiro lugar, salienta-se que no quadro I da p. 3 do volume Estatísticas da Educação (1969, Instituto Nacional de Estatística) não existe qualquer referência ao ensino médio. Os números que acima vêm evidenciados estão incluídos no ensino secundário. Em sub-rubrica deste referido quadro i vêm os dados que respeitam aos institutos comerciais e aos institutos industriais.
Na sub-rubrica "Agrícola" deste citado quadro I vêm incluídos números referentes às cinco escolas práticas de agricultura, aos cursos complementares de aprendizagem agrícola, que são, de facto, ensino obrigatório, pois se estão desviando dos seus fins, desaparecendo perante a pressão da 5.ª e 6.ª classes do ensino primário e da Telescola. Na mesma sub-rubrica estão ainda números do ensino médio agrícola!
Haverá também a esclarecer que:
a) No ensino primário obrigatório estão incluídos os efectivos do ensino primário complementar;
b) No ciclo preparatório (obrigatório também) estão incluídos os efectivos da Telescola;
c) Na rubrica "Outros ensinos" (secundário) estão incluídos os efectivos dos cursos de enfermagem e de serviço social, artístico e eclesiástico, ministrado nos seminários menores;
d) A maioria dos efectivos do ensino normal é composta pelas populações das escolas do magistério primário e de educação física, mas inclui também os alunos que frequentam estágios para os ensinos secundários;
e) Nos ensinos superiores de ciências sociais incluíram-se os efectivos dos seminários maiores e de escolas particulares a que foi reconhecida, pela Junta Nacional da Educação, a capacidade de concessão de diplomas de grau superior.
A parte se esclarece que não se incluíram no ensino médio as secções preparatórias dos institutos comerciais que preparam para a admissão às escolas universitárias de Economia e Finanças, por se considerarem assimiláveis ao 3.° ciclo liceal.
O exame destes números mostra que o ensino obrigatório abarca quase 75 por cento de todos os efectivos e que os ensinos secundários ultrapassam, em população escolar, mais de 21 por cento do total.
É evidente que a percentagem de 0,5 que corresponde ao ensino médio não tem qualquer significado. Este ensino, se concedesse diplomas com finalidade exclusiva e aos quais correspondessem títulos prestigiados, absorveria, certamente, parte importante dos diplomados pelos cursos secundários, técnicos profissionais e grande percentagem dos 15 697 alunos que anualmente terminam o 2.° ciclo liceal.
12. Conclusões análogas àquelas com que se finaliza o parágrafo anterior devem ter sido consideradas suficientes para justificar que se tenha enveredado pela solução de
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organizar um ramo novo de ensino, pondo de parta a que consistiria em reorganizar, porventura ampliando-o com novas secções, o actual "ensino médio".
Este enferma, na verdade, de deficiências graves, que vão desde o insuficiente número de escolas e pequenez dos quadros docentes, à sua localização, à exiguidade das populações que o frequentam e dos níveis do respectivo aproveitamento escolar.
Como já se disse, existem actualmente no território metropolitano apenas três estabelecimentos de cada um dos ramos compreendidos no ensino médio. Nos vastos territórios ultramarinos, onde se impõe o aceleramento do desenvolvimento económico, é igualmente deficiente a rede deste ensino.
Na metrópole os dois institutos comerciais oficiais e 09 três institutos industriais (todos do Estado) localizam-se nas cidades universitárias largamente (apetrechadas com estabelecimentos de ensino superior e onde, portanto, um menor número de jovens se poderá satisfazer com a frequência de um grau de ensino que, socialmente, não goza de elevado prestígio.
Isso explica, em parte, o desinteresse dos alunos pelos cursos médios, desinteresse que necessariamente se reflecte quer no pequeno número de inscrições, quer nas exorbitantes percentagens de perdas e desistências. Como a Câmara Corporativa já acentuou ao apreciar o III Plano de Fomento (Actas da Câmara Corporativa, n.° 77, de 2 de Novembro de 1987, anexo XI), a percentagem de diplomados (em relação à população discente) é, no ensino médio, a mais baixa de todo o sistema escolar nacional.
Já se fez atrás a comparação dos seus índices de aproveitamento com os dos cursos universitários que podem ser sequência deles. Calculando tal índice para. o conjunto dos cinco anos dos liceus, encontrar-se-á um número superior a 3. Tal indicador, aceite como válido por reputados pedagogos, levaria à conclusão de que o ensino liceal é muito mais eficiente do que qualquer dos ensinos a cargo dos institutos industriais e dos institutos comerciais (1,32 e 0,78, respectivamente). Situação da tanta gravidade não poderá explicar-se apenas pelo mau nível dos estudantes, alguns dos quais possuem o 2.° ciclo liceal. Há, sem dúvida, que levar em linha de conta o facto de que muitos dos alunos dos institutos médios não os frequentam com a intenção de obterem um diploma terminal de estudos, mas, sim, com o desejo de encontrar um caminho que os leve à Universidade. Buscam, porventura, um título que lhes dê, justa ou injustamente, prestígio social.
O diploma terminal dos ensinos técnicos médios não é aliciante numa época de vaidade social. E frequente entre nós o desejo de colocar um título à frente do nome, e os diplomas do ensino médio não correspondem a títulos de ostentação. Por outro lado, a evidente falta de correspondência entre os cursos actualmente ministrados (c) as necessidades de formação de mão-de-obra especializada podem frustrar as aspirações espirituais ida juventude.
A própria designação de ensino médio mostrou-se por vezes defeituosa, visto não ter conseguido emancipar-se da acepção de ensino intermediário. Daí o ser constantemente confundida, até em textos oficiais (no Brasil e em França, por exemplo), com o ensino secundário, que a pareceu há cerca de século e medo como único intermediário entre as primeiras letras e as Universidades 7.
Entre nós - há que insistir na verdade! - é manifesta a tendência de o aceitar, principalmente, como canal de acesso às faculdades técnicas; melhor diremos, ao título social que as Universidades concedem.
Lembre-se em primeiro lugar que metade dos alunos do ensino liceal frequenta escolas particulares e que o maior número destas escolas, principalmente fora dos grandes centros, não tem possibilidades para ensinar matérias que necessitam de prática laboratorial. Por outro lado, não existe impulso familiar no sentido de se orientar os jovens para um ensino oficinal. Por parte das autarquias locais recebe o Governo solicitações em favor da criação de escolas técnicas comerciais, que são aquelas que preparam para ias profissões em que se age sentado à secretária. Na província é corrente que os alunos dos ensinos técnicos industriais, uma vez livres da obrigatoriedade de frequentar a escola, se vejam atraídos pelo engodo de um salário como aprendiz, desertando da formação escolar. Mas é nos institutos de ensino médio que se manifesta com mais acuidade o abandono da via que conduz ao diploma terminal. Tal tendência tem grande importância nos institutos comerciais.
Observando o organograma do anexo B, verifica-se, como já ficou expresso, que não é desprezada a hipótese dá acesso às Universidades a partir do ensino técnico secundário, embora com prejuízo dos diplomas terminais. Com os dois primeiros anos de qualquer curso comercial ou industrial poderá o estudante abandonar os estudos normais e ingressar numa secção preparatória aos institutos comerciais e institutos industriais, que ó de nm único ano no curso geral de comércio e de dois anos nos cursos de formação industrial. Estes três ou quatro anos de curso secundário são considerados não apenas para ingresso nos quadros administrativos do Estado, mas também para prosseguimento de estudos, como equivalentes aos três anos do 2.° cá do liceal. (A secção preparatória dos institutos comerciais tem apenas equivalência à secção de Letras do referido ciclo). Por essa equivalência, sem formação específica, pode o estudante do ensino técnico prosseguir estudos em qualquer dos institutos médios, o que permite, por exemplo, a entrada num instituto industrial de aluno que fez a sua preparação no ensino comercial, possibilidade bastante paradoxal.
O acesso aos cursos superiores de Economia e Finanças ou de Engenharia pode fazer-se a partir do final do 2.° ano do ensino médio. Esses dois anos de ensino médio são considerados equivalentes a determinadas alíneas do 3.° ciclo liceal 8.
Não é lícito barrar o acesso de quem o merece ao ensino superior, tanto mais que a habilitação que se obtém pelos caminhos em ziguezague, atrás descritos, deverá, em certos casos, ser considerada mais conveniente para a entrada numa escola superior de carácter politécnico ou tecnológico do que a do ensino liceal.
Na larga gama das escolas técnicas secundárias um único tipo se apresenta com menor possibilidade de acesso ao ensino superior: o constituído pelas escolas práticas de agricultura, escolas que ministram ensino de formação profissional em dois anos 9. A sua base de ensino obrigatório não ó hoje professada como foi nas próprias escolas, mas, sim, ou no curso complementar de
7 Em alguns países a designação de ensino médio corresponde a um grau que antecede o grau secundário.
8 O sistema de equivalências tem sido sucessivamente alargado, com base em critérios por vezes pouco rígidos. Publica-se no anexo C o quadro das equivalências concedidas até 1970.
9 Cf. Decreto-Lei n.° 41881, regulamentado pelo Decreto n.° 41 382, ambos de 21 de Novembro de 1956, e Carlos Proença - "O ensino agrícola elementar" (in n.° 22 do Boletim da Direcção-Geral do Ensino Técnico Profissional).
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aprendizagem agrícola ou em qualquer das modalidades do ciclo preparatório do ensino secundário.
Não contando com a secção da Escola Técnica de Alcobaça, as escolas práticas de agricultura eram apenas duas quando da sua regulamentação em 1957. São hoje seis, mas a da Lajeosa ainda não entrou em funcionamento. Têm carácter regional e são frequentadas no seu conjunto apenas por cerca de 300 alunos, metade dos quais na Escola de D. Dinis (Paia). Este efectivo total é o dobro do que era em 1960-1961. Tem vindo a aumentar lentamente (8 por cento ao ano) e não é provável que suba rapidamente, porquanto as escolas em regime de internato, geral ou parcial, revestem o aspecto de estabelecimentos de assistência, em internato. O diploma de agente rural concedido pelas escolas práticas de agricultura é normalmente terminal.
No que respeita às escolas de regentes agrícolas, situam-se elas, na hipótese de ser licito fixar a equivalência ao 2.° ciclo como condição de ingresso no ensino médio, em dois níveis: são escolas secundárias técnicas profissionais nos três primeiros anos e escolas de ensino técnico profissional médio nos dois últimos anos. Destas escolas há caminho directo até ao ensino universitário, mas só depois dia obtenção do diploma de regente agrícola. Não há qualquer acesso em ziguezague: os alunos não abandonam o caminho normal que busca um diploma terminal. As escolas de regentes agrícolas possuem uma secção preparatória de um ano para a admissão na Universidade Técnica, quer no Instituto Superior de Agronomia, quer na Escola Superior de Medicina Veterinária. A matrícula nessa secção - insiste-se - só está aberta " diplomados pelas escolas die regentes agrícolas.
Aliás o chamado "curso complementar para ingresso no ensino superior" tem tido, desde 1960-1961 até ao presente, uma frequência que se pode fixar em torno de 10 alunos, todos do sexo masculino.
É curioso notar que, desde então até agora, a frequência total tem aumentado à taxa média anual de 10 por cento, de forma que se pode prever que haja duplicação desde aquele ano (600 alunos) até 1970-1971 (que deve ser de 1200).
Refira-se também que a frequência de alunos do sexo feminino se tornou dez vezes maior (de 10 em 1960-1961 a quase 100 em 1969-1970, com tendência para aumentar em 1970-1971).
Nas carreiras de belas-artes também está assegurada uma via técnica até às escolas superiores de belas-artes. E isso sem passar pelo ensino médio. As escolas de artes aplicadas, de nível secundário, podem ser, de facto, ponto de passagem para as carreiras artísticas de pintor e escultor, diplomados por uma escola superior.
Pode resumir-se como se segue o estado de espírito dos diplomados pelo ensino técnico médio: nos diplomados pelos institutos comerciais (que são relativamente poucos) a legislação sobre técnicos de contas abriu-lhes novos horizontes. Os que não buscam o diploma terminal consideram aceitável a via de acesso dos cursos superiores de Economia e Finanças.
Os diplomados com o diploma terminal dos institutos industriais, que dá direito ao título anódino de agente técnico de engenharia, encontram-se naturalmente insatisfeitos. De facto, alguns agentes técnicos têm-se revelado excelentes profissionais de engenharia, e seria justificado um alargamento das suas atribuições e responsabilidades.
Os atritos entre esta classe de diplomados em Engelharia pelas escolas médias e a classe dos engenheiros diplomados pelas Universidades estão muito atenuados, o que pode vir a permitir, sem protestos, acabar com a disposição legal que não consente, dentro dos quadros do Estado, que um agente técnico de engenharia, com provados méritos e larga prática, possa vir a ganhar mais do que um jovem engenheiro acabado de formar.
Quanto aos regentes agrícolas, encontram-se eles enquadrados numa hierarquia do pessoal dos quadros técnicos do Estado como colaboradores zelosos de engenheiros agrónomos, engenheiros silvicultores e médicos veterinários, ou exercem actividades agrícolas particulares.
Procura o projecto de proposta apresentado alicerçar em bases mais amplas a formação dos vários quadros tecnológicos necessários a Portugal, daquém e dalém-mar. Convém levar em conta a já longa experiência do ensino médio metropolitano, mais antigo do que o ultramarino, que muito tomou dele. E convém também não esquecer a experiência colhida no ultramar, com horizontes e possibilidades económicas a outra escala.
Formar tais quadros, destinados a um leque de especializações que cresce e se renova incessantemente, devido à mutabilidade acelerada das técnicas, é tarefa prioritária.
O Governo teve a coragem de apresentar uma solução do momentoso e delicado problema.
Ao ler o projecto de proposta ocorre perguntar se tal tarefa não poderá ser realizada, não como nela se preconiza, mas, sim, organizando um novo ramo de ensino superior ou, até, se não haverá que escalonar o ensino designado como politécnico em dois níveis, médio e superior, conforme as necessidades do desenvolvimento económico, social e cultural do País.
Mas é ponto que se tratará desenvolvidamente mais adiante.
13. Antes, porém, de analisar as três hipóteses aceitáveis de organização, convém recordar que, segundo um recentíssimo inquérito, levado a cabo por firma especializada para a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e para o Gabinete de Planeamento da Indústria, existem na metrópole cerca de 30 000 empresas, das quais apenas 350 têm capital social superior a 10 000 contos. Destas, apenas 40 possuem capital superior a 100 000 contos.
A quarta parte das empresas são industriais, e destas só cerca de 100 têm mais de 100 operários 10.
Consideram-se pequenas e médias empresas (P. M. E.) aquelas que, geralmente por quotas, estão abaixo dos limites acima fixados de pessoal e capital (100 empregados e 10 000 contos).
No entanto, há empresas dessas que podem facturar anualmente mais de 100 000 contos.
Calcula-se que os ordenados do conjunto P. M. E. são da ordem dos 19 milhões de contos, encargos sociais incluídos.
Quase metade dessas empresas metropolitanas têm sede na capital. Mas das 14 500 empresas lisboetas, cerca de metade são pequenos comércios com reduzido número de empregados.
Do inquérito feito resulta que os entraves principais ao desenvolvimento das P. M. E. metropolitanas são: a falta de capital, a incompetência do pessoal e o desconhecimento do mercado.
No pequeno comércio metade dos empresários trabalha mais de dez horas por dia e não tem qualquer possi-
10 Relacione-se este número com o que ficou referido no final do n.° 5.
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bilidade de seguir os resultados do negócio. Não estuda as informações. A razão maior deste facto ó a pouca competência desses empresários.
Uma esmagadora maioria (97 por cento) dos gerentes comerciais e industriais das P. M. E. da metrópole está efectivamente muito pouco preparada para gerir eficazmente uma empresa moderna e acusa grande ignorância nos seguintes domínios:
Percentagens
a) Gestão financeira............ 98
b) Gestão de stocks............. 95
c) Planificação................. 93
d) Controle de produção......... 71
e) Técnicas comerciais.......... 62
É evidente que os dirigentes económicos das P. M. E. não foram formados em escolas de nível adequado.
Verificou-se que no último período de dez anos só as empresas de prestação de serviços incentivaram as suas organizações. Parece não haver dúvida de que o ensino técnico profissional, apesar de todos os seus progressos, deve passar a actuar em novos moldes.
14. Volta a pôr-se uma das três perguntas anteriormente feitas: não seria possível organizar todo o novo ramo de ensino dentro do quadro em que ó ministrado o ensino superior e em escolas de nível superior?
É efectivamente problema, que não pode deixar de ser levantado, o de saber se a reforma, que parece inevitável, não se deveria antes realizar no contexto de uma reforma geral do ensino superior, dentro do qual o actual ensino médio poderia integrar-se como um primeiro escalão. Tendo em mira as finalidades dos actuais ensinos designados como médios, a questão é pertinente.
Esse primeiro escalão seria professado em estabelecimentos especialmente destinados a tal efeito, ou mesmo como primeira fase dos estudos universitários propriamente ditos, a exemplo do que já sucede em alguns cursos escalonados em duas fases, das quais a primeira dá direito ao diploma de bacharel, a segunda ao de licenciado.
Em 1959 elaborou-se um projecto de decreto-lei criando nas três cidades universitárias da metrópole e também em Évora, em Braga, em Luanda, em Lourenço Marques e em Goa os colégios propedêuticos universitários; cada um dos quais seria considerado secção preparatória de uma das três Universidades ao tempo existentes.
Esses oito colégios tinham por fim ministrar o ensino propedêutico universitário num ano para algumas secções e em dois anos para outras.
Previa-se, porém, um terceiro ano em algumas das secções, ao fim do qual se poderia obter o grau de bacharel. Os fins principais da criação dos colégios universitários eram:
1) Descentralizar o ensino superior, criando novos núcleos discentes, numa tentativa de regionalismo do ensino;
2) Instituir núcleos de estudos superiores em duas cidades metropolitanas de vetustas tradições culturais;
3) Permitir que os professores distintos do ensino secundário pudessem trazer a sua colaboração, como encarregados de curso e assistentes, aos colégios universitários. (Desta forma se pensava valorizar, pelo estudo e pela reciclagem, os referidos professores. Esta colaboração apresentava-se como utilíssima, mesmo nas três cidades universitárias, pois já então era manifesta a insuficiência dos quadros docentes);
4) Criar ensinos pluridisciplinares, fugindo ao regime tradicional das Faculdades especializadas;
5) Melhorar o contacto pedagógico entre docentes e estudantes.
Este projecto de reforma de 1959, embora previsse a criação de um curso semestral de Lógica, integrava-se no espírito clássico, onde a chamada cultura geral - ou seja o tronco comum da cultura literária e da cultura científica - aparecia como fundamental: a cadeira de Sociologia e o curso de Instituições Políticas eram obrigatórios nos 2.ºs anos de todas as secções a ministrar.
Por essa altura considerou-se também a hipótese de transformar os institutos industriais e os institutos comerciais e porventura as escolas de regentes agrícolas em secções dos colégios universitários, de forma a categorizar os diplomas do ensino médio. O ensino superior a ministrar nos colégios propedêuticos e o ensino universitário a ministrar nas Universidades (que teriam a seu cargo as "especializações" e a "investigação") passariam a constituir a forma normal de conclusão das carreiras escolares, embora se tivesse sempre em conta que haveria estudos para doutoramento e investigação.
O acesso aos quadros da vida activa processar-se-ia, de um modo geral, através dos colégios e das Faculdades.
Como já ficou dito, tal solução teria a recomendá-la o maior prestigio dos cursos tecnológicos médios, porquanto o público de há muito se habituou a ver na Universidade a instituição que concede títulos académicos, que também o são de categoria social.
15. A primeira dúvida que ressaltou ao espírito de quem preparou a reforma gorada de 1959 foi o da possibilidade de recrutar mais pessoal docente para o ensino superior, recorrendo-se embora à colaboração dos professores dos ensinos secundários.
As possibilidades de formação de professores (de professores habilitados para exercerem o magistério em determinado grau de ensino) constituem sempre o problema número um que o legislador tem de equacionar.
Por essa época havia grandes preocupações respeitantes ao alargamento do número dos professores dos liceus e das escolas técnicas profissionais. Tal alargamento de quadros (sobre os quais se fizeram estudos profundos) só parecia viável com um substancial aumento de vencimentos. Tomaram-se então providências muito discutíveis para facilitar a entrada de licenciados nos estágios.
Agora, porém, foi determinado um aumento substancial de remunerações aos professores dos graus secundários e universitários.
De facto - repete-se! -, o volume e o quilate do pessoal docente são, qualquer que seja o nível do ensino que se considere, simultaneamente o factor decisivo do êxito dos empreendimentos e o mais grave obstáculo às esperanças que se depositam nas reformas pedagógicas.
Diga-se desde já, e insista-se no facto, que o prestigio de uma escola advém, fundamentalmente, do prestígio dos seus professores. Este prestígio decorre do nível intelectual das pessoas, da sua competência, da sua cultura geral, da sua dedicação ao ensino, do interesse que manifestam pelo progresso dos estudantes.
Ao nível das Universidades as publicações e as realizações técnicas de um mestre reflectem-se ma sua reputação.
O problema dos quadros docentes oferece características peculiares nos diversos graus de ensino, mas é apenas nos graus de ensino médio e universitário que interessa agora considerá-lo.
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No ano lectivo de 1968-4909 os números respeitantes aos docentes do ensino médio eram os seguintes:
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Comparando este número com o dos alunos, encontramos menos que 15 alunos por docente, o que mostra que no ensino médio é menor a relação alunos/docente que nos outros graus de ensino e que esta realidade, por hipótese excelente, não é, só por si, garantia de produtividade escolar elevada.
16. Considera-se da maior importância a preparação pedagógica de todos os professores, qualquer que seja o grau de ensino que ministrem no campo oficial ou no ensino particular. Tal importância tem sido salientada em várias publicações recentes e ficou firmada em Espanha durante a recente discussão nas Cortes da Lei Geral de Educação, publicada em 4 de Agosto de 1970. Nesta Lei ficou consignada a obrigação, por parte de todos os candidatos à docência, de seguirem cursos nos institutos de ciências da educação.
A pressão demográfica sobre as escolas é tão grande que a formação de professores de todos os graus revelou impressionantes facetas quantitativas no equacionamento do problema de (recrutamento dos docentes.
Não se esqueça que as máquinas que hoje funcionam normalmente no Mundo dispõem da mesma energia que poderia ser fornecida por 50 000 milhões de escravos trabalhando ao ritmo do tanta. Há ainda em favor desses enormes e diferenciados exércitos de máquinas que hoje servem a humanidade o facto de elas não necessitarem de azorrague para levarem a cabo obras materiais que a imaginação de Gregos e Romanos atribuía ao ciclopes de geração divina. Realmente, fazer pontes com 2 km de vão, a 70 m ou 80 m sobre as águas, pôr a flutuar barcos tão compridos como a torre Eiffel, ir à Lua e voltar dentro de um horário previamente fixado - são trabalhos onde o braço do homem entra em proporção desprezível, mas onde o labor intelectual foi decisivo no engenhar dos maquinismos e na sua organização.
Famílias de máquinas especializaram-se nos diversos trabalhos elementares que durante milénios exigiram os esforços permanentes de quase toda a gente. Outras espécies de maquinismos criaram a abundância, permitindo os lazeres humanos. Já não são precisos os braços de tantas crianças e de tantos aprendizes, escravizados há apenas um século atrás pelas máquinas toscas que se podem considerar avoengos das máquinas de hoje.
A ideia de uma educação alargada a muita gente foi brotando dos cérebros dos pedagogos e dos homens de Estado à medida que as técnicas e as tecnologias foram exigindo dos homens mais poder intelectual e menos física.
A escolaridade obrigatória foi impraticável enquanto a família julgou necessitar do auxílio da criança. As estruturas económicas da sociedade e as suas formas de vivência condicionam, por toda a parte, a escolarização das crianças e dos jovens. Apenas os países altamente industrializados podem fixar a escolaridade obrigatória até aos 16 anos, porque só tais países não necessitam do emprego de braços, mas, ao contrário, aspiram a que todos os seus adultos normais venham a dispor de cérebros bem formados.
Mercê da máquina foi possível concretizar a ideia, utópica no século dos enciclopedistas, de trazer às luzes da instrução a massa de todas as crianças e, a seguir, a massa de todos os adolescentes.
Durante séculos se considerou que para o governo das sociedades só era necessária a formação de um escol. A preocupação de preparar a qualidade de forma nenhuma foi afastada dos fins pedagógicos. Hoje, como ontem, busca-se a qualidade, mas verificou-se, como aliás sempre pareceu evidente, que a qualidade do escol (isto é, de uma camada escolhida) será aprimorada se se alargar o campo da escolha. Nada justifica que a promoção dos melhores venha a processar-se de entre alguns jovens entrados na escola só porque as famílias tinham posses para dispensar o concurso da sua ajuda ou desfrutavam situação social que pretendiam transmitir de pais a filhos. A educação pré-escolar, que devia, evidentemente, ser obrigatória, ó hoje ministrada entre nós a crianças de gente abastada ou aos filhos daqueles que olham para os jardins de infância como locais onde podem deixar os filhos por algumas horas. Se se quiser, de facto, iniciar a promoção colectiva dos Portugueses, há que concretizar o que tem sido desejo de tantos pedagogos e de tantos homens de Estado: a educação pré-escolar.
Onde iniciar e onde terminar com a promoção escolar de todos?
Ao crescer, desde a mais tenra idade, deve a criança - animal educandum - aprender, e o verbo aprender tem a mesma etimologia que apreender, ou seja "apoderar-se de".
De facto, a criança, e depois o adolescente, vai-se apoderando do que tanto a família como a sociedade e as suas instituições, tanto as igrejas como as escolas, lhes vão transmitindo: gestos, conhecimentos, normas de comportamento social e de conduta moral, regras de decisão, orientadas por valores e limitadas por deveres.
O educando foi crescendo e subindo sucessivamente a estratos culturais escalonados, podendo vir até a ser educador do seu ciclo familiar. E que existem famílias de estratos sociais tão baixos que não podem transmitir às crianças mais do que gestos e hábitos rotineiros. Além disso, numa sociedade em que os pais (alarmados uns, resignados outros) se não revêem nos filhos e onde os filhos não buscam modelos nos pais, numa sociedade abalada nas suas estruturas morais, há imperiosa necessidade de rever todo o sistema educativo, a partir de uma educação pré-escolar generalizada. Que prazo de tempo e que meios serão necessários para tão ingente tarefa?
Muito e tantos que, quando os problemas da educação nacional já são encarados como prioritários por grande maioria dos portugueses, há que não perder um único ano dos muitos necessários para acelerar a preparação pedagógica das jardineiras de infância.
O grande problema da educação, principalmente perante as massas escolares, é, em boda a parte do Mundo, o da preparação de professores em todos os graus de ensino.
Muitos autores de várias nações têm posto em relevo o facto de, à medida que o grau de ensino se eleva, ir diminuindo a formação pedagógica dos professores.
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Entre nós, no ensino oficial, não são apenas os professores provisórios que não são obrigados por lei a tal preparação, mas todos es docentes dos ensinos médios e universitários.
No ensino particular, seja qual for o grau, nenhum docente necessita por lei de ter preparação pedagógica.
E certo que os professores das Universidades, porque se encontram em altos estratos culturais, conhecem perfeitamente a grande responsabilidade que sobre eles recai. Sabem que os jovens que entram nas Faculdades estão no período de formação da personalidade.
Ainda há poucos amos o professor universitário impunha-se não apenas pelo seu saber especializado, mas também pela cultura geral e pelo poder de irradiação humana. Impunha-se ainda, como já ficou relembrado, pela sua categoria dentro da sociedade, pelo zelo como mestre, pela dedicação a favor da juventude, pela rectidão de carácter, pelo valor dos seus livros, trabalhos de investigação e realizações.
Isto não basta, porém. Os professores têm de saber ensinar e têm de dedicar muito tempo à orientação, fora das aulas, do trabalho dos seus alunos. Seria de aplaudir que os professores dos ensinos- técnicos estivessem em contacto com as realidades económicas e tecnológicas e vantajoso que os conhecimentos por eles adquiridos no exercício de actividades profissionais ligadas com as matérias que ministram pudessem contribuir para a formação dos futuros técnicos, tão necessários ao desenvolvimento da nossa produção em qualidade e quantidade.
O prestígio das palavras superior e universitário é ainda hoje íman capaz de atrair a juventude.
Os jovens das sociedades tecnológicas, acostumados a continuadas revelações materiais - que consideram formas de progresso -, não conseguem limitar as suas ambições.
Poderemos e deveremos ir ao encontro dessas ambições? Deverá o ensino denominado de politécnico fixar-se no escalão superior? Ficar num nível pré-secundário, mas não superior?
Haverá possibilidade de recrutar pessoal docente em qualquer destas hipóteses?
17. Quanto aos quadros do ensino universitário (e, de um modo mais geral, o do ensino superior), já o assunto foi estudado pelo Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa (G. E. P. A. E.), olhando ao futuro.
O G. E. P. A. E. procedeu primeiro ao seu estudo em duas hipóteses:
1.ª Supôs-se que entre 1966-1967 e 1980-1981 se manteria constante o número de alunos diplomados com o 2.° ciclo liceal;
2.ª Supôs-se que no mesmo prazo de tempo este número continuaria ia crescer a um ritmo determinado por extrapolação.
Embora se saiba que a extrapolação é abusiva em cronogramas, deduz-se do estudo levado a cabo pelo G. E. P. A. E. que na primeira hipótese os efectivos totais do ensino universitário (que em 1966-1967 englobavam 30 000 estudantes) atingiriam 65 000 em 1976-1977 e 79 000 em 1980-1981.
A tais efectivos haveria que juntar os dos ensinos superiores ministrados fora das Universidades; de 6000 passariam, (respectivamente, a 16 000 e a 20 000.
Em conjunto haveria, na primeira hipótese, no ano de 1976-1977, 80 000 alunos e, no ano de 1980-1981, 100 000 alunos b frequentar os ensinos superior e universitário.
O aumento seria muito mais espectacular na segunda hipótese: mas Universidades haveria 69 000 estudantes em 1976-1977 e 92 000 em 1980-1981. Os ensinos superiores não universitários teriam efectivos da ordem dos 17 000 e dos 23 000. Em conjunto, haveria dentro de sete anos 86 000 estudantes e dentro de onze anos 115 000 estudantes 11.
Será prudente não esquecer que a evolução da procura pode vir a depender de factores alheios ao sistema escolar e também que a emigração de jovens pode afectar substancialmente as previsões.
Há, porém, uma razão para rejeitar a primeira hipótese: o inúmero de alunos que prosseguem estudos para além do ensino obrigatório será cada vez maior.
A importância do diploma do 2.° ciclo como condição indispensável à entrada em muitos quadros administrativos e o facto de vir a ser provável a exigência do diploma do 3.° ciclo para a admissão em certos escalões desses mesmos quadros são só por si razão bastante para se pôr de parte a primeira hipótese.
A actual estrutura do 3.° ciclo por alíneas está condenada há muito tempo. Estão os programas tão carregados que se exige um grande esforço a uma população discente que, solicitada por inúmeras distracções e algo desamparada da instituição familiar, não é capaz de um esforço sistemático e metódico ao longo do ano escolar. Parece que os estudantes só dão conta das suas responsabilidades dois ou três meses antes dos exames. Tardiamente as famílias verificam que dois ou três meses são insuficientes para que adolescentes venham a abarcar programas que já eram pesados para oito meses de estudo. Deste modo, o nível do ensino baixa forçosamente e também baixa o nível das exigências. O 5.° ano não aparece hoje às massas estudantis e às famílias como obstáculo difícil de transpor, dado que o podem fazer em duas fases...
Acresce que, ao contrário do que tem acontecido na quase totalidade dos países evoluídos, não foi intensificado o ensino da Matemática e das Ciências, nem introduzida qualquer disciplina técnica mo currículo das matérias liceais. O nosso ensino liceal até ao 5.° ano tem preponderância das matérias literárias e as estatísticas mostram que a secção de Letras é a primeira a concluir-se. A aprovação mesta secção força a tirar-se a outra.
Assim, tudo leva a crer que a segunda hipótese está mais perto da realidade futura do que a primeira hipótese.
Haverá, pois, aumento substancial na população dias Universidades e das escolas consideradas superiores.
Considerando apenas as Universidades metropolitanas, encontram-se, em 1968-1969, os seguintes quadros:
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11 Cf. Mário Murteira, Maria de Lurdes Feio e António Oliveira, Procura do Ensino Superior (ed. ciclostilada Q. E. P. A. E. E. S./2).
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[Ver quadro na imagem]
O exame retrospectivo de dados mostra que os quadros docentes nos seus aumentos não têm acompanhado os da população discente:
[Ver quadro na imagem]
Em 1968-1969, um ano apenas depois do último ano lectivo registado neste quadro, houve mais alunos (86 220) e menos docentes (1192, dos quais 54,6 por cento segundos-assistentes), atingindo-se 30 de relação alunos/professor.
A mesma relação foi 30 no ensino primário, 22 no ensino secundário liceal e 21 no ensino secundário técnico.
É claro que as estruturas dos vários graus de ensino são tão diferentes que tal relação nem sempre pode ter idêntico significado. Tem sido, no entanto, considerado índice aceitável, e os estaticistas da educação consideram que num conjunto nacional se não deve ultrapassar o valor médio de 1 docente para 20 alunos. Isto embora as estimativas optimistas se façam na base de relação 1/30.
Fixado aquele número (1/20), ter-se-á, só na metrópole, necessidade em 1980-1981 de 4600 docentes no ensino universitário (c) superior. Haverá que preparar num decénio mais de 3300 novos professores e assistentes. E diz-se mais, porque haverá passagens à reforma. Note-se que no período de trinta anos, que terminou no ano de 1968-1969, o número de docentes na Universidade aumentou de 715 unidades. A nenhum deles foi exigida preparação pedagógica.
As dificuldades que até há poucos meses impediam maior latitude no recrutamento residem, em parte:
a) Na falta de atractivos das carreiras docentes;
b) Na morosidade das promoções;
c) Na desactualização dos quadros;
d) No desnível das remunerações, quando comparadas com as que o pessoal com alta qualificação científica obtém no sector privado.
As providências tomadas recentemente e destinadas a acelerar as carreiras docentes e a aumentar os estímulos vão, sem dúvida, ter efeitos benéficos, contribuindo para, em boa medida, corrigir a situação actual. Mas não se deve esquecer, que a rarefacção dos quadros docentes (especialmente dos quadros do ensino universitário e superior) é um problema que se faz sentir em todos os Países e que a tendência ó no sentido de se agravar à medida que o desenvolvimento económico se acentua, e isso, precisamente, em virtude de maiores oportunidades de emprego oferecidas aos trabalhadores de alto nível pela criação de novas profissões.
Quaisquer que sejam as providências a ser tomadas no sentido de resolver o problema, nunca poderá esquecer-se que o preenchimento dos quadros docentes das Universidades tem tradicionalmente obedecido a critérios de vigilante selectividade, incompatíveis com mobilizações maciças e apressadas. Tal rigorismo de selecção não tem estado ao abrigo de críticas. Umas são dirigidas à natureza das provas, outras à rigidez dos critérios usados na apreciação curricular, que raramente leva em conta os valores revelados fora da Universidade, especialmente na investigação, nas actividades profissionais e na indústria. Basta lembrar o caso de Einstein, que, não apresentando todos os títulos exigidos normalmente pela Universidade, a ela só tarde chegou e por imposição das suas teorias esquecidas alguns anos em publicações estranhas a congregações escolares.
Os critérios e formalidades de escolha têm evoluído muito lentamente. Criticados violentamente pelos candidatos, nunca foram modificados, mesmo quando os críticos se enroupam nas vestes dos legisladores.
Mesmo com a contestação que invadiu a Universidade, esta não prescindirá de provas de elevado grau de exigência. E na selectividade do pessoal docente e na seriedade da investigação que reside a garantia da autenticidade do ensino.
A necessidade urgente da expansão do ensino superior encontra, pois, como principal barreira a levar de vencida o alargamento dos quadros docentes na escala exigida não apenas pela pressão demográfica sobre as escolas, mas, principalmente, pela continuada subida do nível do ensino em face dos progressos da ciência.
O titular da pasta da Educação ao tempo teve ensejo, em conferência pública, de precisar os seus propósitos. Lembrou então uma outra razão importante que obriga a uma selecção rigorosa do professorado dos ensinos superiores.
E que o prestígio indiscutido do professor resultava do facto de ele ser a única autoridade intelectual com quem o estudante podia ter contacto. Ora a "sebenta" não pode sobreviver mo tempo das edições de bolso e o professor já não é o único mestre dos jovens que o escutam.
O ensino não se dirige a espíritos culturalmente desmobilizados, mas, bem ao contrário, tem de exercer-se em concorrência com todas as outras fontes de informação com que o estudante mantém contacto.
O que o aluno inteligente ouve na aula é imediatamente comparado com tudo o mais que ele sabe ou julga saber.
O ensino superior terá de ser cada vez mais autenticamente superior, isto é, rigorosamente actualizado, inovador, animado pelo impulso da descoberta e alicerçado na investigação.
Com os quadros de 1968-1969, as tarefas puramente lectivas tendem a ocupar todo o tempo que poderia ser consagrado à investigação. O professor não tem tempo para preparar lições dirigidas a um corpo discente onde existem muitos elementos esclarecidos ou com possibilidades extra-escolares de se esclarecerem.
Sugere-se no preâmbulo do projecto que, em face desta realidade nova, não seria oportuno agravar o problema, que já de si não ó simples, com a forçada atribuição à Universidade de uma nova missão que - diga-se de passagem - nunca lhe pertenceu: o da formação dos quadros tecnológicos de nível considerado até agora médio.
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De ponderar é ainda que, dentro da Universidade ou à sua ilharga, a preparação de quadros técnicos médios poderá vir a ocupar uma posição de segundo plano. O ensino tecnológico ficaria assim minimizado. E deve pretender-se que ele se agigante, como ensino fundamental que deve ser.
Uma subalternidade dos ensinos tecnológicos poderia vir a comprometer a eficiência de uma função cuja- importância social e económica nada tem de secundário, antes se apresentando como uma necessidade basilar do desenvolvimento e do progresso colectivo.
A conclusão semelhante se chegará quando se reflectir sobre as diferentes características, quer de organização, quer do teor do ensino a ministrar ao nível médio e ao nível dos ensinos superiores.
A distinção entre um e outro não ó apenas, nem é fundamentalmente, a do maior ou menor número de anos de duração dos cursos. Trate-se antes de dois tipos de adestramento e formação mental que visam fins que não coincidem e que por isso postulam métodos diferentes. Mesmo nos casos em que o objecto do estudo (e, portanto, o programa escolar) pudesse, por hipótese, ser o mesmo, o ensino teria de ser diferente, dominado num caso pela preocupação da aplicação prática e da acção, no outro pela indagação teórica e da compreensão profunda, como ponto de partida do pensamento criador, que, em última análise, se pretende despertar e educar. Esta diversidade de orientação e metodologia depõe contra a solução a que já se fez referência, e que consistiria em considerar como cursos médios os primeiros anos dos cursos superiores.
A primeira vista parece que foram adoptadas soluções deste tipo nos bacharelatos ultimamente criados. A justificação de tais providências deve procurar-se na necessidade de aproveitar o elevado número dos que, tendo realizado parte dos cursos superiores, não conseguiram, por circunstâncias várias, chegar ao fim dos respectivos "curricula". Não se deve considerar um bacharelato como curso médio porque lhe faltam completamente as características deste nível de ensino. E, nos sectores ligados ao ensino, um curso superior incompleto, ocasionalmente aproveitado em face das necessidades da docência da parte complementar do ensino obrigatório e até das deficiências dos quadros de mestres para os ensinos secundários.
Mas importa acentuar que os primeiros anos das licenciaturas (que dão direito a um título universitário) constituem a parte geral dessas licenciaturas, por vezes comum a algumas delas.
Nessa parte geral predominam es disciplinas fundamentais e formativas. As matérias de especialização e as de aplicação, concentradas nos últimos anos das licenciaturas, são aquelas que de facto, pelo seu carácter misto de formação e de informação, apresentam características de um ensino técnico.
E aqui o momento azado para um exame crítico: até que ponto se justificam o intelectualismo, a especulação teórica e o pronunciado pendor doutrinal que, na sequência de tradições medievais, continuam a inspirar, numa época de intensa mutabilidade cultural, todo o ensino universitário?
Os saberes técnicos impregnam toda a convivência entre os homens e dos homens com as máquinas. Pois não será indispensável que as elites universitárias, mergulhadas como quaisquer homens em ambientes "artificiais", saibam como esses saberes (têm transformado os ambientes "naturais"?
18. Os métodos educativos (qualquer que seja o âmbito da palavra educação) constituem sempre uma técnica que tem por fim o desenvolvimento do homem, como animal racional e como pessoa.
A educação é, de facto, uma técnica de cultivo que pretende forjar a vontade, disciplinar o homem em face de uma lógica e de certos valores morais, permitindo-lhe a adaptação ia sucessivas formas de vivência e de convivência. Onde buscar os cultivadores?
Talvez se possa dizer com mais propriedade que a educação é uma sucessão de técnicas de aperfeiçoamento humano que se vão aplicando à medida que o homem sobe a escada etária, subindo de facto a sucessivos níveis culturais até atingir o estado de adulto - etimològicamente adulta, o que cresceu. Assim se justificaria que se falasse de ensino infantil, de ensino primário e por aí fora, até ao ensino pós-universitário. Compreender-se-ia deste modo que as metodologias dos ensinos clássicos diferissem das metodologias dos ensinos artísticos; que a educação física não use os mesmos processos que a educação política, etc. Cada fase de cultivo exige um cultivador eficaz.
Nas primeiras idades do homem - esse caniço pensante de Pascal! -, as metodologias preocupam-se, antes do mais, com a transmissão de gestos habituais e de significados úteis para a vida própria das crianças, como elementos da sociedade. Essa educação infantil foi, durante milénios, como já ficou dito, encargo da família, até ao momento em que os pedagogos criaram o ensino pré-primário, que, indo mais além, se preocupa já com a compreensão de experiências simples, a realizar pelas crianças. Como preparar as jardineiras da infância?
Logo com esse primeiro grau de ensino se revelou a influência da escola sobre a família, influência que se foi acentuando à medida que outros ensinos se revelaram aos jovens. Nos níveis culturais baixos pode a criança - repete-se! - ensinar os adultos insuficientemente formados. A escola, unificadora, tem-se empenhado no sentido de eliminar barreiras entre as camadas sociais.
A reforçar as preocupações já expressas neste parecer, no que respeita à preparação de professores para todos os graus de ensino, evoca-se o pedagogo francês Roger Gal, que escreve numa das suas obras 12:
... [o problema] que condiciona todos os outros ê o dos métodos que presidem à formação dos próprios mestres.
E acrescenta:
Do recrutamento dos futuros mestres, dos métodos empregados na sua formação e no seu aperfeiçoamento durante todo o tempo que exercem o magistério dependem a orientação e a eficácia da pedagogia escolar e pós-escolar. As profissões, cada vez mais numerosas, sentem a necessidade de racionalizar as suas técnicas de formação e de aperfeiçoamento. Em nenhum domínio, porém, essa adaptação é mais necessária do que na pedagogia, onde mudam incessantemente todos os dados: as crianças, que hoje não são iguais às do nosso tempo de crianças, as ciências e as artes, as técnicas, as condições locais, as necessidades de vida, tudo mudou e muda.
O Ministério da Educação Nacional tem-se preocupado com este problema pedagógico, que, segundo Gal, con-
12 Roger Gal, Où en est la Pédagogie!, Buchet-Chastel, Paris, 1961.
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diciona todos os outros: a preparação quantitativa e qualitativa dos professores de todos os graus de ensino.
Na nossa época - e isso pela primeira vez na história - as escolas têm de receber todos, e não alguns.
Esto preocupação candente da preparação de professores levou a ter-se encarregado o Gabinete de Estudos e planeamento da Acção Educativa (G. E. P. A. E.) de rever as suas previsões anteriores, referentes ao pessoal docente do ensino superior, tendo em conta novos dados estatísticos solicitados às Universidades 13.
Partindo de novo valor estimado de alunos a frequentar as Universidades metropolitanas em 1974-1975 (64 100 estudantes) e da relação numérica, também estimada, do número de alunos por cada docente (fixado em 25 em face dos números médios de 1958-1959 até 1968-1960 e dos valores posteriores conhecidos), conclui-se que geriam necessários em 1974-1975 cerca de 2560 docentes.
Supõe-se que todos eles devem ter pelo menos o grau de licenciado. Não se considerou qualquer preparação pedagógica.
Este número (2560) pode ser decomposto em parcelas:
a) Professores de categoria igual ou superior à de primeiro-assistente existentes em 1968-1969 (último ano para o qual estão apurados e registados dados estatísticos) e que ainda estarão ao serviço em 1974-1975. São 580;
b) Pessoal docente não doutorado em 1968-1969, mas que obterá o título de doutor até 1974-1975.
Avaliou-se o seu número em 280, porquanto, por um lado, a média anual de 21 no período de 1958-1959 a 1968-1969 subirá (para cerca de 30) por força do novo regime de doutoramentos (Decreto-Lei n.° 388/70, de 18 de Agosto); por outro lado, as equivalências de doutoramentos feitos no estrangeiro aos nossos (Decreto-Lei n.° 118/70, de 19 de Março) dará no período de 1968-1969 a 1974-1976 cerca de 100 novos doutores 14;
c) Assistentes em exercício em 1968-1969 e que continuarão ao serviço em 1974-1975, embora não doutorados.
Avaliaram-se em 250.
Haverá, pois, que recrutar até 1974-1975 2560-(580 + 280 + 250) = 1450.
Ora no ano lectivo de 1968-1969 licenciaram-se os seguintes alunos das Universidades metropolitanas:
Letras................. 752
Direito................ 108
Ciências Sociais....... 374
Ciências .............. 132
Engenharia............. 253
Medicina............... 286
Agricultura............ 64
Total.................. 1 969
Este número anda em 6 por cento dos alunos matriculados no mesmo ano:
Letras................. 10 838
Direito................ 4 188
Ciências Sociais....... 7 090
Ciências............... 6 832
Engenharia............. 3 392
Medicina............... 6 508
Agricultura............ 829
Total.................. 39 647
Se aquela percentagem de licenciados/matriculados se conservasse, teríamos, para os valores estimados para a população discente nos anos de 1969-1970 a 1974-1975, a média de 2800 licenciados por ano.
Se a taxa subisse paia 8 por cento, conforme o G. E. P. A. E. considera provável (publicação citada ES/5), o número de licenciados por ano seria em média de 3800. (Registe-se que a taxa já foi de 10 por cento e que a sua baixa para 6 por cento ó sintoma assustador. Será a sua causa o abaixamento da preparação escolar dos alunos que entram na Universidade? Serão deficiências do próprio sistema dos ensinos superiores?)
O número de 240 docentes por ano, necessários para o ensino universitário até 1074-1975, parece compatível com o número mais baixo, se não se levar em conta que os assistentes universitários devem ser todos distintos. Haverá em cada curso 8 ou 9 por cento de distinções? E desejarão todos esses licenciados distintos ingressar no professorado universitário?
A experiência diz-nos que o recrutamento dos assistentes universitários feito por contratos não tem sido possível fazer-se só com licenciados distintos. A experiência mostra-nos também que, em geral, existe aumento de classificação entre a licenciatura e o doutoramento.
O recrutamento dos professores universitários pode, aliás, fazer-se hoje, ao abrigo dos artigos 2.° (n.° 3) e 9.° do Decreto-Lei n.° 132/70, por contrato de individualidades especialmente qualificadas que não seguiram a carreira docente desde assistentes.
19. O último trabalho ES/5 do G. E. P. A. E. anula algumas das conclusões do trabalho ES/2 citado no número 17.
Tais contradições não são de admirar, porquanto se fazem extrapolações algo simplistas sobre cronogramas, o que é pouco lícito em geral e especialmente quando se trata de populações escolares que oscilam muito à mercê da legislação e das efectivas possibilidades de se cumprirem as providências legais.
Logo no início dos considerandos do já citado Decreto-Lei n.° 132/70, de 30 de Março, que entrou em vigor em 1 de Abril de 1970, se diz:
Têm-se avolumado nos últimos anos as dificuldades de recrutamento de pessoal qualificado para o exercício de funções docentes e de investigação do ensino superior.
Neste diploma se considera bastante como preparação pedagógica para o ensino universitário o estágio como assistente eventual, e encara-se a possibilidade de ingresso directo na categoria de professores do ensino de outros graus, desde que se possuam as classificações de Bom ou Muito bom na respectiva licenciatura e um mínimo de cinco anos de bom e efectivo serviço como assistente (incluindo neste tempo o do serviço de assistente eventual). Tais condições libertam-nos de concursos ou Exames de Estado, pendendo-se assim o processo, que se revelara eficaz, de averiguar a real preparação dos candidateis a professores dos ensinos secundários.
13 Nova redacção (ES/5) do trabalho Procura do Ensino Superior em Portugal (ES/2) elaborado por Pedro Boseta, com a colaboração de M. L. Mira Feio.
14 Esta avaliação do G. E. P. A. E. poderá ser ultrapassada, se tivermos em conta que há por ano mais de 150 bolseiros requentando estudos pós-universitários fora do País e que este número deverá ser aumentado.
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Estas providências de emergência e o aumento de vencimento constante da tabela anexa ao mesmo decreto-lei farão, porventura, aumentar o número de candidatos à docência universitária. Está-se, porém, no domínio das conjunturas optimistas.
O mesmo diploma ressuscita entre nós a classe dos monitores, auxiliares dos assistentes, que existira no Instituto Superior Técnico desde a Reforma Brito Camacho-Bensaúde.
Os assistentes então recrutados entre estudantes bem classificados dos dois últimos anos do Instituto Superior Técnico nem sempre corresponderam à expectativa, baseada na experiência decorrente nas escolas superiores técnicas alemãs. O Ministério da Educação tinha vindo, desde 1953, a negar a homologação a algumas das propostas feitas com base no Regulamento do Instituto Superior Técnico. A partir de 1956 foi desaparecendo este tipo de auxiliares de ensino. Neste momento existem monitores na Suécia, onde são recrutados entre os diplomados pelo primeiro grau universitário (o que corresponde ao nosso restaurado bacharelato universitário). Mas aí defende-se a nomeação de monitores em benefício destes,
pois se aprende ensinando.
Se for possível fixar-se regime de tempo integral a um número apreciável de professores e assistentes e se tal regime envolver a perigosa possibilidade de se entregar ao mesmo docente regências ou assistências de matérias diferentes (o que vai contra uma das características do ensino superior), será provável uma outra diminuição do número de professores e assistentes a nomear. Deve, no entanto, lembrar-se que mas faculdades de Medicina, nas escolas universitárias de engenharia e de gestão de empresas - só nessas? - será erro impedir os professores e assistentes de exercerem uma profissão ligada ao ensino a seu cango.
Este exercício profissional não deve, porém, ser tão absorvente que venha a prejudicar quer a docência eficaz, quer a assistência magistral devida aos alunos, quer ainda um mínimo de investigação exigido pela deontologia.
20. Em 14 de Março de 1058 (foi anunciado ao País que se pretendia unificar os ciclos preparatórios dos ensinos secundários como forma de prolongar o ensino obrigatório.
Como resultado desta determinação escreveram-se quatro relatórios notáveis 15. Dois deles serviram de guião a projectos análogos levados a cabo noutros países insuficientemente industrializados, por iniciativa da O. C. D. E. Ao conjunto dos estudos nacionais deu a Organização o nome de Projecto Regional do Mediterrâneo. Um dos relatórios incluía uma previsão para o ano de 1975. No despacho em que se ordenava este estudo considerava--se conveniente a sua periódica actualização. Teve o G. E. P. A. E. o merecimento de o fazer e as conclusões a que se chegou estão sintetizadas nos três seguintes estudos:
A) Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa;
B) Relatório-Base para a Revisão do III Plano de Fomento (ES/5);
C) Revisão deste Relatório (trabalho ES/5).
Em relação à metrópole, tais conclusões são:
1.ª As populações universitárias seriam em 1974-1975 as seguintes, respectivamente: 43 000; 56 900; 64 100;
2.ª O número de alunos por cada docente seria segundo a publicação A), 25; na primeira hipótese referida no n.° 17 do presente parecer, 29,1 e 26,9 na segunda hipótese referida no mesmo n.º 17; 25 no trabalho ES/5;
3.ª Os docentes necessários em 1974-1975 seriam 2700; 1952 e 2112; 2560;
4.ª As necessidades de formação seriam: 2430; 781 e 941; 1450.
Deve notar-se que a população universitária prevista no estudo A) para 1974-1975 já foi atingida em 1970-1971 e que, só por isso, a conclusão do estudo (ES/5), rectificação ao trabalho do G. E. P. A. E. (ES/2), ou seja Procura do Ensino Superior em Portugal, que serviu para o Relatório-Base para a Revisão do III Plano de Fomento (elaborado em fins de 1969 e publicado em Janeiro de 1970), é a que fornece apoio mais seguro para as previsões.
21. Acentua-se no preâmbulo do projecto que "a organização dos cursos 16, a sua duração mais curta que a dos cursos universitários e a sua índole, prática e profissional, a até a localização dos estabelecimentos... permitirão ampliar, de forma muito sensível, as possibilidades de acesso à cultura dos nossos estudantes, em especial dos menos favorecidos, contribuindo, portanto, para uma desejável democratização do ensino".
O conceito de democratização do ensino encanta-se, na verdade, intimamente ligado a todos os movimentos de reforma das instituições educativas e tem de reconhecer-se que corresponde, simultaneamente, a aspirações muito vivas das populações e às exigências do progresso.
Trata-se de moção relativamente moderna e por isso mesmo ainda não decantada de poeiras, polémicas e intolerâncias. E noção ainda imprecisa sem a clareza que qualquer ideia deve possuir para ser utilizada como instrumento de acção política.
Tem interesse esclarecer a concepção de democratização do ensino que se encontra na base do projecto, pelo que convém transcrever um passo da conferência proferida pelo titular da pasta da Educação ao tempo da publicação do projecto, pouco após a cessação dias funções governativas:
O homem constrói o mundo em que tem de viver, e procura moldá-lo à sua própria medida". No mundo de hoje há já lugar para todos, se não em correspondência com tais aspirações, pelo menos na equivalência dos méritos, e só quando se possui o mérito a aspiração individual é legítima.
No tempo de Pombal podia afirmar-se, com a simplicidade de quem diz o evidente, que era impossível um plano educativo que fosse de igual comodidade para todos os povos e a todos e a cada um dos particulares. Assim era conforme a toda a boa razão que o interesse daqueles particulares que se acham menos favorecidos haja de ceder ao bem comum e universal. Por interesse dos particulares entendia-se o direito die cada um a ocupar aia vida posição de acordo com a aptidão; por bem comum e universal queria dizer-se
15 Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, 2 volumes, por Campos Tavares, Gomes Ferreira, Estácio da Veiga, Rodrigues da Silva, Guedes Vieira, Silva Graça e Melo Furtado, 1960 e 1961. Análise Quantitativa da Estrutura Escolar Portuguesa (1950-1959) e Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa (Metrópole), estes últimos levados a cabo por uma equipa de mais de cem pessoas, dirigida por Carlos Alves Martins e A. Alves Caetano, A. Simões Lopes e L. Morgado Cândido.
16 Entenda-se os cursos do projectado ensino politécnico.
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o interesse de todos em que as actividades encontrassem os necessários servidores. Ora, a imensa maioria da população tinha de exercer actividades que não exigiam estudos, e que, aliás, ais pessoas não aceitariam exercer se tivessem estudado. Daí o carácter necessariamente aristocrático do ensino: desde que o acesso aos estudos maiores se não podia basear do mérito, tinha de se fundar no privilégio. Na sociedade extemporânea o número de postos de trabalho qualificado aumentou até ao ponto de hoje ser possível atribuir a cada homem tarefa proporcionada à sua aptidão.
Mais adiante disse o conferencista, autor do projecto em análise:
E é também aí que se encontra, a meu ver, a explicação da eclosão do ideal de democratização do ensino. De facto, a possibilidade de ocupar na sociedade um lugar correspondente. ao mérito depende apenas de uma condição: a de que a pessoa com aptidão natural receba a preparação escolar exigida pela função. Não é, pois, fantasia dos ideólogos que a aspiração democrática assume hoje a forma particular de uma exigência dirigida aos estados no sentido de formar os sistemas escolares de modo tal que cada um possa ir tão longe quanto o seu valor lho consentir 17.
Na linha de pensamento do conferencista as aspirações do ensino para todos justificam-se plenamente por se considerar que destarte aumentam as oportunidades de emprego qualificado para a grande maioria. Compreende-se bem que se tenha visto um importante passo no sentido da democratização do ensino precisamente na generalização da educação profissional, e até que se entenda que aquele ideal se não contenta com possibilidades abstractas de cultivar o espírito, antes exige caminhos concretos de integração na vida.
Considera-se, porém, que existe forte correlação entre as actividades produtivas de uma sociedade e o nível cultural a que aspira o seu escol. 0 aumento do nível de complexidade das tecnologias e das acções produtivas de um grupo social é sempre acompanhado por uma subida do nível cultural do mesmo grupo. Tudo se passou como se existissem relações recíprocas de causa e efeito entre o fomento tecnológico e o fomento cultural. O progresso do nível cultural em qualquer classe social só é possível quando se verifica um aumento de complexidade das formas de vivência, traduzido num aumento qualitativo e quantitativo das acções produtivas do conjunto da sociedade.
Há, sem dúvida, estreita ligação entre as duas ordens de actividade: a intelectual e a tecnológica. Assim ó necessário não incorrer no erro de uma planificação educativa com alheamento das possibilidades oferecidas pelo mercado do emprego, pois ele pode alterar, para bem ou para mal, a procura dos bens culturais. De outro modo facilmente se incorre no risco de ministrar cultura desaproveitada pelas actividades produtivas do conjunto da população.
Ministrá-la em excesso é criar um subemprego e o sentimento de frustração das pessoas condenadas a exercer tarefas que ficam, abaixo daquelas para que foram preparadas. Ministrá-la por defeito corresponde a fazer ocupar os lugares por pessoas que não têm o nível de cultura pressuposto pelo respectivo exercício.
A democratização do ensino olhada à luz dos considerandos do projecto é a obtenção não apenas de igualdade de oportunidades ou igualdade de pontos de partida para o acesso aos vários escalões culturais, mas também conseguir o escalonamento dos pontos de chegada, por tal modo que para todos exista real possibilidade de inserção na vida ao nível correspondente ao mérito possuído.
De facto, se o objectivo último a alcançar é o da máxima valorização e aproveitamento das capacidades humanas, individuais, não será suficiente que se eliminem os desníveis que no plano económico se possam levantar a uma abstracta possibilidade de todos atingirem as últimas metas das carreiras escolares.
Tal desiderato não é possível a todos, pois nem todos têm capacidade para tanto. O que é preciso é planear as carreiras de modo a garantir o maior número possível de êxitos e um mínimo de abandonos, organizando etapas terminais sucessivas, capazes de proporcionarem a uns o prosseguimento, a outros uma esperançosa entrada na vida activa.
Compreende-se assim que a instituição de estudos terminais de diferentes graus de ensino constitui importante factor de democratização da cultura e da sociedade na acepção mais construtiva que este conceito pode assumir.
Reconhece-se que a falta ou insuficiência de patamares ao nível médio é idos mais graves defeitos que presentemente obstam ao funcionamento do sistema, visto que é ao chamado nível médio que se situa grande número de oportunidades de emprego qualificado nas sociedades de produção tecnológica.
Parece, no entanto, que o ensino tecnológico não se poderá limitar a escolas de nível médio. Adiante se dirá porquê.
22. A este conceito vago die democratização do ensino junta-se um outro, apresentado por um antigo Ministro da Educação francês.
Oliver Guichard 18 começa por se insurgir contra a tendência de se considerar o ensino como um sistema válido por si próprio.
Ideias idênticas às do Ministro Guichard foram, há anos já, apresentadas entre nós. À escola se deve não apenas a nação dos quadros técnicos e administrativos, mas principalmente a ascensão die todos a diversos níveis culturais da saciedade.
Até ao princípio deste século a escola aspirava a assegurar um nível primário a todos e a ajudar alguns (com certos méritos) a subirem acima do nível cultural de sua família. A escola era, assim, um dos poucos factores capazes de movimentar, aqui e ali, os estratos sociais.
Ora, e além de outros factos, o aumento das tarefas técnicas, motivado pelas necessidades da produção em série, levou às possibilidades da promoção colectiva ao nível dos ensinos secundários.
A democratização pelo ensino corresponde ao alargamento da promoção colectiva. Até há pouco o ensino secundário clássico só se preocupava com promoções individuais.
A educação correspondia, de facto, ao sentido etimológico: conduzir alguém pela mão. Hoje identifica-se com a transmissão a muitos ou a todos, de saberes, de métodos e de valores que cimentam a unidade nacional e dinamizam a sociedade e tal transmissão já não pode ser feita apenas na escola, a qual, mergulhada numa sociedade de
17 José Hermano Saraiva, Conferência de 19 de Junho de 1970, edição ciclostilada.
18 "L'Enseignement, pivot de la société mobile", in Preuves, 4.º trimestre, 1970.
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culturas ràpidamente mutáveis, não pode ser uma entidade fechada sobre si mesma, um sistema rígido contando apenas com os alicerces fundados na Idade Média. Numa sociedade cimentada por valores que se consideravam inabaláveis, um sistema escolar ligeiramente retocado século após século, ao sabor de simples escaramuças entre as inovações e as tradições, era a garantia da estabilidade.
As sociedades ocidentais de hoje, sacudidas pelas tecnologias, buscam um ensino que organize a mutabilidade, agora aceite como facto desejável e natural.
23. Caracteriza-se o movo ramo de ensino, exigido por uma sociedade tecnológica, pelo seu carácter pós-secundário, terminal e profissional.
A sua classificação como pós-secundário resulta de se exigir pana o frequentar arma habilitação colhida já a um nível secundário e mesmo ma, fase final deste.
Assim o princípio geral é o de que a via normal de acesso é a do ensino secundário técnico. Realiza-se, de tal modo, a articulação deste ensino com outro de grau mais elevado, o que pode, na verdade, ter o efeito benéfico de animar de futuro as famílias a considerar o ensino técnico como solução satisfatória para o problema escolar dos seus filhos. Presentemente isso não acontece.
Quem aspirar a ocupar um dia posição que considere superior à do operário especializado opta pelo curso secundário clássico, que é o curso liceal. Na opinião generalizada é o liceu que pode conduzir às escolas superiores e às Universidades.
Esta realidade social, tão característica de uma população sôfrega de títulos, explica que os nossos "cursos técnicos secundários, apesar do muito que por eles se fez nas últimas décadas, tivessem mantido até 1968-1969 uma frequência inferior à do curso liceal.
É sabido que a opção à saída do ensino obrigatório depende, em parte, da capacidade económica das famílias.
Como se considera assente que com a promoção colectiva o nível económico geral aumentará, é provável que, se não se valorizar o ensino técnico, a percentagem daqueles que o escolhem à saída do ciclo comum continuará a situar-se em torno de 50 por cento.
E o grave é que enorme percentagem dos que optam pelo ensino secundário técnico não prossegue estudos até à obtenção do diploma.
Em 1968-1969 concluíram o 5.° ano do liceu 15 697 estudantes. O diploma do curso técnico comercial foi concedido a 3396 estudantes. Ora - o número é significativo! -, chegaram ao fim dos cursos técnicos industriais 1494 jovens, isto é, menos da décima parte dos que ficaram aprovados no 5.° ano.
O pormenor deste número inferior a 1500, é confrangedor: naquele ano diplomaram-se 17 desenhadores, 8 carpinteiros civis, 4 relojoeiros, 3 vidreiros, 1 debuxador.
Nesse ano não houve cinzeladores diplomados, nem ourives, nem litógrafos, nem filigranistas.
Como substituir os operários qualificados que todos os dias são abatidos aos efectivos das nossas fábricas e oficinas?
É certo que grande parte da população discente das escolas industriais abandona os estudos, a sucessivas alturas do curso, aliciada por empresários pouco conscientes que proclamam a superioridade do aprendizado oficinal sobre a instrução escolar. E não é apenas por necessidades económicas ou por insuficiências intelectuais que se verificam as deserções. E também porque o diploma oficial em muitas das profissões não motiva aumento de salário de entrada.
Parece fora de dúvida que o aparecimento de nova possibilidade de promoção pelos estudos aumentará o prestígio do ensino técnico secundário.
Note-se que o princípio geral da admissão ao novo ensino tecnológico com base nos cursos secundários técnicos é completado com regras permissíveis da admissão não apenas de diplomados pelo ensino liceal como até de estudantes do ensino superior.
Quanto aos candidatos oriundos do ensino liceal, distingue-se justificadamente entre os que completaram o 5.° ano e aqueles que possuem uma das alíneas do 3.° ciclo, referidas no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 36 507, de 17 de Setembro de 1947.
Aos primeiros permite o projecto de proposta de lei o acesso apenas aos .cursos que constituem o chamado ramo dos Serviços e mesmo aí exige-se-lhes a prestação de provas da "trame, de admissão. Desde já se pode prever que tal rigor virá a dificultar o objectivo que se teve em vista, e que é o de drenar para actividades profissionais especializadas alunos que, concluída a parte geral do curso liceal, não continuaram os estudos e vão procurar emprego sem possuírem qualquer habilitação específica. Não se afigura aliás, suficientemente justificada a restrição referente aos cursos das alíneas a), b) e d) referidas na base II. Só se faculta a entrada na alínea c) Serviços. Compreende-se que a falta de preparação tecnológica e das práticas oficinais e de campo constitua obstáculo à matrícula nos cursos dos ramos industrial e agrícola, e parece indispensável que os candidatos aos sub-ramos artísticos se mostrem aptos a desenhar, a modelar e a compor.
Porém, tudo parece aconselhar que se aceite a possibilidade de passagem dos diplomados com o 2.° ciclo liceal para novos níveis de preparação tecnológica, nomeadamente em alguns sub-ramos dos Serviços. Hoje é grande o caudal daqueles que, transposto o 5.° ano, desistem de prosseguir estudos liceais e se empregam nos serviços públicos e, também, em actividades do sector privado. São, de facto, em número elevado aqueles que pretendem "ter jeito para tudo" e adaptar-se a "qualquer emprego". Sabe-se que em geral este pessoal não é produtivo. É de aplaudir tentar valorizar, por meio de um ensino técnico de nível mais elevado, estes jovens que não têm "cultura geral".
Aos alunos que tenham completado qualquer das alíneas do 7.° ano é permitido, segundo o projecto da proposta, a matrícula nos diversos ramos do novo ensino tecnológico, independentemente de qualquer exame de admissão. Podia hesitar-se quanto ao acerto desta solução, por duas razões. A primeira é que para os ramos industrial, agrícola e artístico a falta de prática adequada, já evocada quando atrás se negou preparação específica aos diplomados com o 2.° ciclo, continua, válida para os diplomados com o 3.° ciclo.
Esta primeira razão não tem grande peso quando se atenta que um diplomado com o 7.° ano adquiriu com mais dois anos de estudos e mais dois anos de idade, durante os quais recebeu das instituições sociais ensinamentos e regras de conduta, uma maturidade que em geral não possui um jovem com o 5.º ano.
A segunda razão para se hesitar na aceitação do que é proposto decorre do seguinte raciocínio: ora, se aos portadores de um diploma de cultura geral, como ó o correspondente ao 2.° ciclo dos liceus, apenas se permite a entrada em alguns cursos do ramo dos Serviços, mal se compreende que aos que tenham frequentado os cursos correspondentes às alíneas literárias se faculte a entrada nos cursos dos ramos industrial e agrícola, para os quais não receberam qualquer preparação técnica.
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A uma tal objecção acresce, porventura, a que resulta de o 7.º ano liceal constituir a habilitação normalmente exibida para a matrícula nos cursos superiores, servindo, aliás, correntemente essa exigência de critério para a classificação dos cursos superiores como tais.
Primeiro, é de lembrar que há muitos anos se desenha entre os professores e entre os pedagogos uma forte corrente no sentido de se eliminarem as alíneas referidas no Decreto-Lei n.º 36 507, de 17 de Setembro de 1947.
Esta legislação tem vinte e três anos e nos seus preâmbulos deu a "preparação para a vida" como um dos fins do ensino liceal. Tal inovação tomou-se paradoxalmente uma "verdade pedagógica", visto vir patrocinada por grandes autoridades do ensino liceal. Afirma-se isso sem a mais leve ironia.
Mas hoje, após uma vintena de anos de experiência vivida por muitos - administradores escolares, professores, famílias, alunos -, são outras as ideias pedagógicas. 0 regime das alíneas parece estar condenado a desaparecer.
Seja como for, lembremos que nas Universidades de muitos países qualquer diploma de saída dos estabelecimentos de ensino secundário dá ingresso em qualquer Faculdade, porquanto o que se pretende é que todos os alunos tenham a maturidade bastante para virem a estudar por si. Nas escolas superiores técnicas alemãs e no ano lectivo de 1956-1957, 40 por cento dos alunos eram oriundos da secção greco-latina dos ginásios (liceus), um pouco menos (38 por cento) vinham da secção latim-matemática e os restantes (22 por cento) da secção matemática-linguas vivas.
A Câmara também considera da maior vantagem, a abertura de passagens colaterais que permitam o aproveitamento dos alunos que terminaram o liceu e, que por várias razões não ingressaram nas actuais escolas superiores. Desta forma será até possível remediar erros na escolha de um caminho escolar, entre nós frequentes e de nocivas consequências.
Entende, contudo, que esta matéria deverá ser tratada em diploma regulamentar.
24. O novo ramo de estudos apresenta-se ainda como sendo ensino terminal, o que no n.° 4 já foi dito significar ensino habilitante, ou melhor, um ensino habilitante para o exercício de determinadas profissões ou actividades.
O vocábulo não é corrente na nomenclatura ligada à instrução pública, mas tem indiscutível utilidade.
No relatório sobre o projecto de proposta de lei referente ao "ensino politécnico" insiste-se na "distinção que se deve estabelecer entre ensino terminal e ensino superior, noções estas que, em virtude de uma tradição enraizada, andam confundidas na opinião pública", escrevendo-se, a tal respeito, o seguinte:
A existência durante um longo período de uma fase de escolaridade simultaneamente terminal e superior conduziu a uma interpretação de conceitos que faz actualmente parte dos hábitos mentais da nossa população culta.
Por um lado, todo o ensino terminal aspira a ser qualificado de superior; por outro lado, apenas o ensino superior é considerado verdadeiramente terminal.
Esta situação encaminha para a Universidade toda a população que aspira apenas a um emprego a certo nível, visto que, na verdade, a legislação foi-se pouco a pouco adaptando à confusão dos conceitos e hoje o diploma de licenciatura é, mais que um título científico, uma certidão indispensável à conquista do emprego.
Sucede ainda que o facto de não estar prevista na ordenação global do ensino uma forma de escolaridade nitidamente terminal e profissional, não tem impedido que esses ensinos vão surgindo pela própria pressão das necessidades da formação de mão-de-obra; mas verifica-se que tais ensinos reclamam imediatamente a sua inclusão nas Universidades ou, pelo menos, a qualificação oficial de superior.
Poder-se-ia ter acrescentado que esta canalização de todas as aspirações para o grau mais alto do ensino tem causado graves prejuízos, quer ao ensino universitário (que não se pode evidentemente desprender do nível intelectual dos seus estudantes e portanto se vai tornando cada vez menos superior), quer às próprias massas escolares (das quais só pequena parte chega a atingir o fim que se propõe, ficando a maioria desprovida de qualquer habilitação profissional).
Reconhece-se a vantagem de essa distinção entre terminal e superior passar do plano dos conceitos para a orgânica dos conceitos, criando ramos de ensino que terminem no acesso a profissões definidas. Tais novos caminhos têm de possuir travessas que desemboquem noutros. De facto, numa estrutura educativa não deve haver sectores estanques.
A característica da intercomunicação entre ramos do mesmo grau de ensino é da maior importância e não a exigir seria esquecer alguns dos condicionalismos que mais decisivamente modelam a situação escolar portuguesa.
É pungente a situação de milhares de alunos que, caminho andado, verificaram terem-se enganado na senda escolhida. Não havendo, normalmente, travessas de passagem entre caminhos paralelos, só é possível enveredar por outra senda, voltando atrás a entroncamento distante. A Câmara aplaude as providências tomadas pelo Governo no sentido de permitir aos alunos universitários que combateram no ultramar, e adquiriram a maturidade bastante para suprirem por si a deficiência de preparativos específicos, a passagem de secção de estudos sem necessidade de voltarem a frequentar outras alíneas do 3.° ciclo liceal. Tais providências vão permitir recuperar estudantes perdidos ao longo de caminhos sem transversais. Talvez seja de sugerir o alargamento das providências tomadas, de maneira a dar-se' nova expectativa espiritual a muitos indivíduos frustrados na sua vida académica, por um erro de orientação inicial.
E não poderá na verdade deixar de se ter presente que, como já se anotou, a opção entre o liceu (encarado como larga avenida que conduz à Universidade) e a escola técnica profissional (identificada como um emaranhado de veredas que só com dificuldade conduzem a altos cimos) depende pouco das aptidões dos estudantes que saem do ensino obrigatório. Alargar essas veredas e colocar nos seus topos novos ramos de ensino com prestígio social é melhorar, de um jacto, a atracção do ensino técnico.
Não é de mais lembrar que a opção, à saída da escola primária de quatro classes, se situava numa fase de vida na qual a personalidade ainda se não abriu completamente e quando muitas das tendências e capacidades ainda se não podem apreciar.
Esta foi uma das razões evocadas quando da criação do tronco comum dos cursos secundários, concebido como escola única. Escola primária e ciclo preparatório constituem hoje o ensino obrigatório, que deve pôr de lado os níveis sociais e económicos das famílias e estabelecer uma igualdade de oportunidades para todos.
O ensino obrigatório, quando de curta duração, como é o nosso, deve, por princípio, ser uno.
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Estas ideias encontram-se formuladas na seguinte passagem do relatório do projecto:
Só o curso liceal é considerado como via de acesso normal para os estudos superiores, e isso justifica que o ensino técnico só seja procurado pelas classes que não podem custear o ensino liceal. E uma discriminação feita com base na capacidade económica das famílias, que se não pode considerar aceitável, e cuja injustiça é cada vez mais vivamente sentida pelas populações. Mas dos alunos que seguem os estudos liceais, grande parte orienta-se ainda de acordo com as leis da maior facilidade e da maior economia. A facilidade conduz a uma selecção negativa; a razão por que se opta por um curso de letras e não por um curso de ciências é, em bom número de casos, a dificuldade das disciplinas científicas, especialmente a Matemática. A economia conduz a procurar o curso mais próximo. Ora, sucede que o ensino liceal particular (que no corrente ano lectivo tem uma frequência de 75 000 alunos, contra a de 51300 que se encontra no ensino oficial) oferece mais oportunidades para os cursos de letras que para os de ciências. Sobretudo os colégios mais modestos, que funcionam em pequenas vilas, dispõem de secções do 3.° ciclo para os cursos literários, mas não para os cursos científicos.
Estes factos já haviam sido postos em relevo neste parecer.
Acrescentar-se-á que o nosso país ó daqueles onde a percentagem dos alunos dos ensinos científicos e técnicos, em relação ao total da população discente, se apresenta mais reduzida. Como é sabido, o número de diplomados em Engenharia, em Ciências Exactas e Físico-Químicas e em Gestão de Indústrias, por 100 000 habitantes, é hoje indicativo do desenvolvimento tecnológico dos países. Nos planos russos de fomento económico fixaram-se relações entre alunos das secções científicas e alunos das secções, literárias nos graus do ensino secundário e superior. Algumas organizações que se preocupam com o desenvolvimento económico dos países fixam a proporção mínima em 55/45. Na maioria dos países subdesenvolvidos a proporção anda por 30/70, com a agravante de ser muito grande o "refugo" dos ensinos científicos.
25. A concordância que merecem as considerações acabadas de transcrever não impede que se analise de perto a articulação, decorrente do (projecto, entre o novo ramo de ensino e o ensino universitário.
A passagem de um a outro grau de ensino é realmente facultada aos diplomados pelo ramo cuja criação se propõe "sem precedência de exame de admissão, mas de acordo com as condições fixadas em despacho ministerial que atenderá às correlações entre os cursos em que se hajam diplomado e aqueles que desejem frequentar e ainda ao nível revelado durante os cursos".
Considera a Câmara que os termos de tal preceito são demasiado vagos. Pode vir a ser tão estreito que nenhuns diplomados consigam matricular-se nos cursos superiores, ou tão largo que venha a perder-se a tão apregoada função terminal, funcionando os novos cursos como secundários, isto é, de preparação para os ensinos superiores.
Não é lícito travar por qualquer meio a ascensão cultural e por isso se aceita sem discrepância que um diplomado pelo novo ramo de ensino tecnológico não veja no seu diploma - esse diploma que lhe dá acesso imediato ao exercício de uma profissão já socialmente categorizada - um marco para além do qual não pode prosseguir a sua promoção pela escola. Porque o novo ramo de ensino tem características de terminal, a maior parte dos diplomados lançam-se logo no exercício da sua profissão, mas não se coarcta a alguns que deram provas de mérito e acesso a outra profissão defendida por outro diploma.
O ponto será estudado com mais desenvolvimento no exame na especialidade.
O novo ramo de ensino, no enfiamento normal do ensino técnico, pode ser percorrido por alunos oriundos do liceal. E tem de apresentar no seu topo novas possibilidades de ascensão que no pensamento do projecto de proposta só poderia ser por intermédio da Universidade.
De facto, considerava-se que, existindo uma Universidade técnica, não tinha significado qualquer outro ensino que conduzisse a diploma de grau superior.
Este conceito não parece ter, porém, grande solidez, porquanto existem hoje, em vários países industriais, ensinos superiores que pouco têm a ver com as Universidades e delas são pedagogicamente independentes.
Houve em tempos, no nosso país, institutos técnicos (industriais e comerciais, agrícolas e veterinários) destinados à formação de técnicos e tecnólogos superiores e independentes de qualquer Universidade. Alguns começaram, bem modestamente, há século e meio. Mas foram apurando o seu ensino e acabaram por se transformar em escolas universitárias.
Hoje, porém, as Universidades são, muito mais do que outrora, instituições abertas e em premente renovação. Por isso, entre os estabelecimentos de ensino que ao abrigo da nova lei vão ser reformados ou criados, decerto muitos nelas ingressarão desde logo ou num prazo curto, mercê da sua obra, do nível do seu corpo docente e da competência dos seus alunos. E é de admitir que, com o tempo, a todos isso venha a acontecer, enquanto outros irão surgindo, para corresponder às novas necessidades da sociedade portuguesa, em processo acelerado de evolução.
26. No projecto de proposta de lei prevê-se desde já o estabelecimento de quatro sub-ramos de ensino (agrícola, industrial, serviços e artístico) e indicam-se os cursos próprios a determinadas actividades.
Trata-se, como é óbvio, de simples directriz, visto se admitir, e bem, que dentro de cada ramo e sub-ramo possam vir a organizar-se "outros cursos sempre que as realidades económico-profissionais, conjugadas com os critérios pedagógicos, assim o aconselharem", possibilidade que é alargada mesmo ao caso de as necessidades de formação de pessoal qualificado virem a surgir em relação a actividades que fiquem fora dos quatro grandes grupos agora considerados.
Embora a lista dos cursos previstos corresponda de um modo geral a instantes necessidades de formação de quadros técnicos, poderão ser introduzidos desde já aperfeiçoamentos a que se fará referência no exame da especialidade.
Importa considerar aqui a ideia geral que se procura atingir e que é, como se afirma no preâmbulo, a de instituir apenas cursos adaptados às realidades actuais ou do futuro próximo, substituindo "realidades casuísticas por esquemas suficientemente ordenados".
O imobilismo dos esquemas do ensino profissional a cargo do Estado tinha efectivamente originado um evidente desfasamento entre a oferta e a procura no domínio da formação técnica escolar. Por um lado, alguns dos cursos facultados pelos institutos médios a cargo do Estado tinham perdido interesse, até ao ponto de se extinguirem por falta de matrículas. Por outro, cursos que de repente despertaram interesse, por seguirem modelos es-
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trangeiros muito reclamados, surgiram, com êxito em escolas privadas, já que o Estado não adoptou o figurino. A margem dos ramos clássicos criaram-se cursos orientados para novas profissões, muitas das quais aceites por grandes empresas, ao jeito "do que se faz lá fora". O movimento impôs-se, dentro até de um regime de concorrência, e o Estado foi, como atrás se relembrou, até ao ponto de sancionar muitos dos cursos de escolas privadas, dando mesmo a algumas o estatuto de ensino superior.
A definição de novo ramo de ensino agora instituído como pós-secundário, como profissional e como terminal permitir-lhe-á englobar, pelo menos conceitualmente, muitos dos cursos particulares que surgiram. E, como é evidente, não convirá referir-se-lhes agora o título já concedido de instituições que conferem diplomas de grau superior - parece, portanto, que nada impede que dentro do ensino a criar, designado por politécnico, venta a haver escolas superiores.
Essa intenção resulta aliás com toda a nitidez da base IV, a qual estabelece que "os actuais estabelecimentos, públicos ou particulares que ministrem ensino pós-secundário que pela índole, natureza e duração dos cursos ou pelos títulos conferidos se correlacionem com o ensino politécnico, poderão ser integrados no âmbito deste".
Reconhece-se a necessidade e alcance de uma reforma desta natureza, que não deixará, aliás, de deparar com as maiores dificuldades.
27. Prevê-se no projecto a possibilidade de colaboração das empresas e dos órgãos da administração pública na instituição e gestão dos estabelecimentos do novo grau de ensino. Tal colaboração fica dependente de regimes a definir pelo Ministro da Educação Nacional, mas desde já se prevêm para ela dois aspectos: a participação na elaboração e actualização dos programas dos cursos e a prestação do serviço docente pelo (pessoal das referidas entidades, que para esse efeito disponha das convenientes qualificações. Deve esclarecer-se que desde o Estatuto do Ensino Técnico Profissional se tem procurado assegurar a colaboração da empresa privada com a escola, interessando as grandes unidades (fabris e as companhias que absorvem pessoal formado pelo ensino técnico secundário das comissões de patronato. A prestação de serviço docente por pessoal superior das empresas e o exercício da mestrança de oficinas escolares por técnicos das actividades produtivas (necessariamente em horários reduzidos) já estão previstos na legislação do ensino técnico profissional. O alargamento do mesmo regime ao novo ensino é de aplaudir.
Faz ainda o projecto alusão à cooperação das autarquias locais e das empresais particulares na criação e manutenção dos cursos, atribuindo-se prioridade para efeitos de criação oficial aos estabelecimentos que passam vir a dispor dessa colaboração. Encontra-se também uma menção a trabalhos práticos em unidades modelos ou a estágios orientados em empresas e serviços.
O número reduzido de empresas portuguesas de certo porte e o nível cultural médio dos dirigentes das empresas médias não permitem, porém, que se possa alimentar grandes esperanças sabre a generalização desse regime de colaboração que tão útil seria em todos os vastos territórios portugueses, principalmente nas regiões rurais no início de industrialização.
Não há dúvida de que uma articulação mais directa entre a actividade escolar e o ciclo das actividades económicas, bem como a possibilidade de actualização dos programas, métodos e equipamentos sob pressão directa da evolução tecnológica, seriam de grande alcance.
Procurar uma maior maleabilidade sob o ponto de vista da regionalização do ensino, aproveitando pessoal, oficinas e escritórios em funcionamento, seria experiência tentadora.
Tudo isto, porém, sem prejuízo das finalidades básicas do ensino: servir o bem comum e, as necessidades colectivas, e não os interesses de qualquer grupo ou sector económico nacional.
28. Instruir é transmitir conhecimentos. Instruir-se é adquirir, apreender e absorver conhecimentos.
Não conhecimentos quaisquer, avulsos, tumultuosamente descarregados a granel. Um ensino é um conjunto de factos não apenas encadeados e disciplinados, mas também correlacionados de maneira que um elo de determinada cadeia disciplinar se entrelaça com anéis de outras disciplinas.
Um ensino mão é um amontoado de pedras, de cal ou de saibro, mas uma construção estruturada, que se vai erguendo porque se põe em obra, dentro de uma forma prèviamente projectada, cada elemento pré-fabricado segundo determinado molde.
Ensinar é construir sem precipitações, de acordo com um projecto elaborado com tempo.
A instrução não nos aparece como um quadro de input-output em que as informações emitidas pelo corpo docente igualam as informações retidas pelo corpo discente.
E muito menos é captação de mensagens anónimas muitas vezes designada como "escola da experiência da vida".
Sem diálogo com um professor não há, em geral, ensino eficaz. As máquinas que transmitem frases e imagens ou mesmo as pessoas capazes de substituir tais máquinas não conseguem contribuir para a "formação" de um elemento construtivo.
Não há saber absorvido passivamente pela leitura, pela voz ou pela imagem.
De facto só se sabe quando se sabe fazer, isto é, quando se é capaz de transformar os conhecimentos em acções eficazes.
Isto só se consegue ouvindo e trocando impressões, meditando com tempo, relacionando, levando em conta os erros cometidos.
Mesmo um ensino programado usando computadores, embora faça reflectir crianças e adolescentes, exige professores à ilharga dos alunos que estão recebendo, por escrito, conhecimentos e problemas armazenados em bibliotecas de "memórias" organizadas por equipas numerosas de professores distintos.
Os pedagogos da Escola de Educação da Universidade de Harvard chegaram à conclusão 19 de que para aprender um programa de seis anos de Aritmética Elementar (dos 6 aos 11 anos, por exemplo) seriam necessários 50 000 esclarecimentos verbais por parte de professores ou monitores. Tal conclusão, a ser verdadeira, poria em causa os métodos usados no ensino actual, em todos os países e na quase generalidade das escolas de hoje.
Acresce - e nunca o devemos esquecer! - que o ensino de hoje se dirige a uma massa de crianças, de jovens e de adolescentes que vão elevando as suas construções educativas com uma rapidez que torna difícil a meditação e a correlação de factos.
19 B. F. Skinner, The technology of teaching, Meredith Corporation, ed. 1968.
Repare-se que è lícito o emprego da expressão "Tecnologia do ensino", pois o ensino assemelha-se hoje, de facto, a uma produção em sério que devia ser controlada.
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Dada a massa crescente de educandos que se apresenta às portas das escolas de qualquer dos escalões dos ensinos actuais, as necessidades em docentes formados convenientemente, em instalações, em recursos materiais, em pessoal auxiliar, em serviços sociais, em transportes, em alojamentos, em cantinas e restaurantes, vão subir ràpidamente.
Em especial a generalização indispensável e urgente da escolaridade obrigatória, a sua extensão até uma idade em que seja lícita e possível a entrada de jovens em actividades produtivas, a instituição de escolas técnicas, de tecnologia e de gestão administrativa em todo o território nacional, as reformas dos ensinos liceal, superior e universitário, uma nova estrutura da investigação científica e tecnológica exigirão a mobilização de recursos enormes.
Não é apenas a capacidade financeira do Estado que limita tal mobilização. Temos de procurar num futuro breve, ajustar os níveis culturais de mão-de-obra com a - estrutura da produção. Temos ainda de acudir com grande urgência a insuficiência dos quadros docentes.
A análise das relações entre o sistema escolar português e a preparação requerida para as actividades existentes foi resumida na conferência já cifrada: "O número de pessoas com preparação primária é muito superior ao dos postos de trabalho que se satisfazem com essa preparação." A pressão em busca de um emprego leva à ocupação de postos que exigiam preparação adequada por pessoas que só têm a instrução primária. Outros que não prosseguiram estudos além dos elementares obrigatórios procuram nas cidades o que não encontram no campo ou vão mais longe, emigrando "para os países nos quais se verifica uma situação inversa, isto é, onde os postos de 'emprego não qualificado são em quantidade superior ao das pessoas sem qualificação".
"No sector secundário a situação é a oposta: Mais lugares do que pessoas preparadas para o exercer. Daí a ocupação de uma parte de elementos com preparação primária... e também a absorção de uma parte das pessoas com preparação superior. E o subemprego do diplomado universitário, que tem de exercer funções inferiores àquelas para que foi preparado."
Há certamente que planear a educação. Por isso, há anos já, se proclama a evidência de ser sector prioritário o da formação de professores. Esta formação é uma reacção em cadeia, mas, paradoxalmente, o seu início deve procurar-se na Universidade que forma os seus mestres e prepara aqueles que hão-de formar outros docentes.
Põe-se, porém, aos dirigentes pedagógicos um grave problema: a mutabilidade das técnicas (arrastando a mutabilidade das civilizações) é tão rápida, que pode a Universidade (e no fundo todas as escolas, a qualquer nível cultural que se situem) estar a ensinar hoje aos seus alunos aquilo que já não é adequado quando, alguns anos depois, esses alunos se julgam preparados para ensinar ou, simplesmente, para operar.
As escolas produziram títulos que davam direito a ocupar cargos, mas, de repente, o conteúdo das funções mudou radicalmente.
Um operário - aquele que operava com a ferramenta ou com a máquina - verificou, à saída ida escola, que tinha de conviver com maquinismos totalmente desconhecidos. Ele, que tinha aprendido a limar na bancada e a lidar com um torno simples que executava peça a peça, vê-se de súbito em frente de uma máquina complicada e gigantesca que lhe dizem ser um torno e que produz em série dentro de tolerâncias inconcebíveis controladas por servo-maquinismos.
Que dizer de um engenheiro, de um farmacêutico e até de um arqueólogo?
Em face de uma inovação, o operário, o engenheiro, o farmacêutico e o arqueólogo tendem a buscar um sitio dentro da sua velha estrutura para a colocar.
O que se aprendeu na escola foi sempre referência para aquilo que se aprendia "com as mãos na massa". Acontece hoje, porém, que muitas vezes a inovação se não pode enquadrar na referência elaborada durante a formação escolar. Então, o diplomado proclama o direito de considerar inútil tudo quanto aprendeu nas aulas. Neste tudo esquece-se do método e da disciplina mental que lhe inculcaram e que lhe permitirão ir buscar, por si, a reciclagem (passe o neologismo!) dos seus conhecimentos. De facto, a formação de base, que a escola deve dar, permitirá que uma bordadora possa vir a adaptar-se à indústria dos elementos electrónicos miniaturizados depois do uma reciclagem de conhecimentos na indústria.
Há cerca de doze anos (exactamente em Abril de 1959) se chamou, entre nós, a atenção dos professores do ensino primário para a importância fundamental da educação permanente.
Lembrou-se então que a educação - que ó muito mais do que a instrução - é de facto um processo continuado de enriquecimento das personalidades que se vão integrando em sucessivos estratos de uma cultura. A educação só termina com a degenerescência.
A educação tinha por fim transformar um ente receptivo em pessoa actuante e responsável em face da sociedade em que se cultivou. Hoje tem o mesmo fim, mas pretenda que tal ascensão individual se faça integrada numa promoção colectiva.
Qualquer sistema- educativo tem de ser dinâmico, pois qualquer dos promovidos não é ente passivo que receba apenas instrução, mais sim um ente sensível aos choques e aos constrangimentos do seu ambiente, ambiente formado por coisas naturais, por coisas artificiais e por gentes.
O processo educativo tem por fim desenvolver a aptidão intelectual, a habilidade manual e as qualidades morais e isso poderá realizar-se por intermédio da Família, da Escola, da Igreja, e da própria Sociedade.
A educação nunca está terminada. E necessário que a escola (pelo menos a escola) forme os seus alunos, e isto quer dizer que lhes transmita não apenas um conjunto ordenado de conhecimentos - uma instrução -, não sòmente regras de conduta e de acção, mas também um desejo insaciável de adquirir outros saberes. É preciso, fundamentalmente, que lhes inculque um método para procurarem por si aquilo que não saibam.
Essa busca do ignorado, que se sabe existir porque outros o conhecem, tem levado pedagogos responsáveis a defender a ideia da criação de um serviço oficiai que que perderam o contacto com os estudos.
Nesse mesmo amo de 1959, num inquérito sumário, feito por amostragem em cinco concelhos e em seis unidades militares, verificou-se que mais de dois terços dos portugueses nunca mais tinham lido um livro depois da saída da escola primária. Desta maneira deixaram do aplicar as técnicas do "S. L. E.", sigla este do "saber ler, escrever e contar".
Hoje, mais de dez anos passados, aquela importante parcela (que interessava a uma população menos instruída que a actual) deve estar - espera-se! - mais reduzida.
Mas o problema da educação permanente e da reciclagem dos conhecimentos tem te ser encontrado. E tem de o ser com a colaboração das corporações e das forças produtivas. E de notar que as forças armadas já fazem, de forma muito apreciável, reciclagem de conhecimentos.
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Só o Exército, nas suas escolas regimentais, que neste momento são mais de 300, recorda conhecimentos básicos melhora a instrução a mais de 15 000 homens - e não é raro que a este número se juntem muitos civis que, no ultramar, pedem para frequentar escolas militares. Ao nível da acção dos técnicos do ensino agora proposto, ela devia ser um seguimento indispensável do esforço escolar. Devia ser um problema prioritário.
29. O facto de uma nação ter escolarizado quase toda a sua juventude, não quer dizer que qualquer dos seus cidadãos se conserve sempre um "S. L. E.". Vários inquéritos têm mostrado que sem leitura e escrita continuadas um indivíduo vai regressando a um analfabetismo de facto, a partir dos 25 anos.
A ginástica mental do "saber contar", revelam os mesmos inquéritos, é indispensável ao compreender.
Compreender o pensamento alheio e exprimir o seu é fundamental, porque só assim se pode aspirar a enriquecer a personalidade, quer dizer, a educar-se, pelo contacto com outras personalidades mais ricas em valores. Esse contacto pode ser feito através da palavra escrita. Dos actuais processos áudio-visuais de transmissão de ideias e conhecimentos só pode tirar-se proveito completo quando aquele que olha e aquele que ouve, sem possibilidade de se esclarecer pelo diálogo, possui sólida armadura espiritual e um nível cultural de certa altura. Por outro lado, está provado que quem lê pouco não compreende o encadeamento das imagens e das frases dos discursos.
Repete-se: quem lê pouco não compreende o encadeamento das imagens e das frases doe discursos.
O empréstimo de livros pelas bibliotecas públicas tem sido tomado como índice do nível cultural médio de uma região. Em Londres o empréstimo anual das bibliotecas municipais anda por dez livros por habitante, cerca de dez vezes o índice de Lisboa.
Segundo Bernard Roux 20, a expressão "educação permanente" apareceu em França nos anos de 1962 e 1963 e só se generalizou a partir de 1966. Este autor filia-se nas conclusões da Conferência da U. N. E. S. C. O. reunida em 1960 (em Montreal) sobre "Educação dos adultos" e revela que outro pedagogo categorizado identifica formação com "uma missão permanente de adaptarão e reorientação dos trabalhadores".
Sob a pressão do atraso considerável de uma reciclagem permanente dos conhecimentos dos adultos, que são pelo menos "S. L. E.", é de temer que os ensinos (nocturnos, em grande parte) a dar-lhes, venham a ser vazados nos mesmos moldes que os ensinos normais para crianças e adolescentes.
A Câmara, ao chamar a atenção para a necessidade de complementar um ensino normal desactualizado, lembra que os métodos e estruturas escolares não devem ser os da educação clássica. Haveria até conveniência em que os professores fossem outros.
30. Na chamada educação permanente podem vir a ter lugares de relevo não apenas a telescola, mas também o ensino por correspondência.
Embora no Ministério da Educação Nacional se tenham feito estudos sobre esta matéria, nunca o Estado legislou a tal respeito. No entanto, o ensino por correspondência - tão em desfavor entre nós- tem dado sobejas provas de eficácia, contribuindo, nos mais variados países, para a melhoria dos níveis culturais e para o aperfeiçoamento das técnicas. Neste ensino não há diálogo verbal, mas há diálogo escrito.
A Câmara considera do maior interesse que o Estado venha a apoiar as iniciativas particulares que ofereçam garantias de seriedade e de eficiência no domínio do ensino por correspondência. E lembra que, dada a rápida mutabilidade das técnicas, os planos deste ensino nos ramos tecnológicos devem ser revistos e actualizados amiúde.
31. As migrações demográficas, que são de todos os tempo tiveram outrora por causa a busca de alimentos para o homem e para os gados. Depois revestiram aspectos de colonização de novas terras e de aproveitamento dos recursos naturais. Mais perto de nós as migrações internas ou externas foram causadas pela procura de trabalho.
Quando surgiram novas técnicas de produtividade agrícola e pecuária e se revelaram novas profissões industriais; quando se intensificou a necessidade de prestação de serviços, as migrações do campo para a cidade intensificaram-se ao ponto de se ter de planear o arranjo do território.
Os Estados não podem deixar a iniciativa privada o arranjo de novas povoações urbanas. A convivência de muitos homens levanta problemas não apenas técnicos mas jurídicos e sociais que têm de ser equacionados com tempo.
Tudo leva a crer que muitas das povoações actuais venham a desaparecer, que outras venham a fundir-se em torno de aglomerações que hão-de nascer por imperativos de novas indústrias.
A herança regional que a Europa conserva há muitos séculos vai ser também sacudida pelas técnicas.
A tradição regionalista que milhares de anos de agricultura cimentaram vai pesar muito nos novos planos de arranjo do território. As soluções ideais serão mitigadas por compromissos políticos e por sentimentalismos históricos. Não é em vão que toda a Europa se encontra impregnada de história!
Apesar de tudo, a revolução industrial tem sido capaz de concentrar populações em torno de importantes nós de vias de comunicação, de maneira a assegurar uma distribuição económica aos produtos fabricados.
Qualquer novo arranjo regional necessita de escolas dos vários graus de ensino e de serviços culturais capazes de fazer progredir as indústrias que estão na base desse arranjo. Outrora, qualquer aglomerado de certa importância era um centro comercial que concentrava e distribuía produtos da região ou para a região de que era capital.
Hoje o desenvolvimento económico de uma região está correlacionado -e é causa e é efeito- com o equipamento escolar de que dispõe ou que necessita de ter.
É evidente que o novo ramo de ensino tem um grande papel a desempenhar no arranjo regional do nosso país e seria de muita importância que a distribuição de novos colégios, institutos e escolas se não fizesse apenas por critérios políticos e históricos.
32. Os planos de desenvolvimento económico têm tido a preocupação de descentralizar a indústria, de maneira que em todas as regiões venham a encontrar-se possibilidades de transferência de mão-de-obra do sector primário para os outros sectores. Tal descentralização visa, ainda, aliviar a concentração industrial nas grandes cidades e, portanto, evitar migrações dos campos para os grandes centros urbanos, onde não é possível construir alojamentos e infra-estruturas ao ritmo do aumento da população.
20 La formation permanente - Ed. du Centurion, 1969.
Cf. - Jean Le Veugle - Initiation à l'education permanente, Privat Ed., 1968. Cf. Introduction à l'education permanente, U. N. E. S. C. O., 1970.
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A descentralização de fábricas e empresas é evidentemente condicionada pelas disponibilidades em energia e facilidades dos meios de transporte.
Regionalismo e tradicionalismo dinâmicos que constituem - na expressão de Gilberto Freyre - um "passado utilizável" 21 não serão postos abruptamente de parte, mormente em tenras como as do ultramar português, onde as necessidades sociais s económicas têm, necessariamente, de se reflectirem no planeamento da cobertura escolar.
33. A formação dos quadros técnicos nas províncias ultramaritimas assume, de facto, particular importância que merece ênfase.
A vastidão geográfica dos territórios, comportando vários regiões a etnias, e a fraca densidade dos recursos humanos disponíveis para actuarem nos escalões secundário, médio e superior impõem indubitavelmente uma aceleração do esforço da formação daqueles que "sabem por saber fazer".
Até ao presente, tem sido quase exclusivamente com pessoal formado pelas escolas metropolitanas que se tem ocorrido às prementes necessidades de técnicos das províncias ultramarinas. A instituição dos estudos universitários em Angola e Moçambique representou um relevante progresso para a formação de mão-de-obra de alto nível, mas as necessidades de pessoal são tão intensas e tão vultosas que a metrópole terá de continuar a prestar importante contributo, postulado, de resto, pela própria integração espiritual dos territórios que, no seu conjunto, constituem a Nação Portuguesa.
O facto não pode deixar de ser ponderado no momento em que se procura programar uma política nacional de instrução técnica.
34. O número e a distribuição dos estabelecimentos de ensino médio em Angola e Moçambique são insuficientes: três Institutos Industriais (Luanda, Nova Lisboa e Lourenço Marques), outros três Institutos Comerciais (Luanda, Sá da Bandeira e Lourenço Marques), um Instituto misto (Industrial e Comercial na Beira), duas Escolas de Regentes Agrícolas (Tchivinguiro e Vila Pery).
Haverá, necessàriamente, que intensificar a cobertura escolar em sector tão primordial para as economias ultramarinas, de acordo com o previsto nas bases V e VI do projecto. E não se deixará de ser "modernista e progressista", se sempre, se tiver presente o que Gilberto Freyre escreveu em 1968:
Região e tradição, não são forças extintas: continuam vivas. Nos próprios Estados Unidos, onde as influências no sentido da uniformização de comportamento e de atitudes da população nacional pareciam vir destruindo quase por completo as diferenças regionais nesses sectores, recente inquérito sociológico, realizado pelos sociólogos Norval D. Glenn e J. L. Simmons, e de que um dá notícia no n.° 2, vol. 31, do Public Opinion Quarterly daquele país, indica pendores em sentido contrário.
Do inquérito referido por Gilberto Freyre parece poder inferir-se que as tecnologias mão têm a força bastante para só por si uniformizarem as culturas regionais. A tradição e o regionalismo oferecem grande resistência perante os impactos das técnicas.
35. É de facto muito grande a influência do ambiente sobre o homem.
Todos sabemos que as regiões do mundo apresentam uma diversidade sem limites e que a distribuição da população do globo é altamente influenciável pelos diversos meios onde o homem pode viver.
O homem vive actuando sobre o mundo que o rodeia. As sociedades estratificam-se em função dos recursos naturais que o homem extrai da terra e que depois vai transformando para satisfazer as suas crescentes necessidades. A extracção de matérias-primas, depois a sua transformação até aos produtos acabados, têm criado um desfalque tal no meio natural que se pôs em perigo o equilíbrio ecológico.
Em poucos milhares de anos o homem degradou a Natureza. O animal humano serviu-se da inteligência para intensificar de tal forma a pilhagem sistemática do seu meio ambiente que a Natureza se desnaturalizou. Pode de facto assegurar-se que o homem delapidou tão intensamente os recursos naturais que se aventa a hipótese de ter preparado a degenerescência e porventura o desaparecimento da sua espécie.
Patenteou-se que a annuência do homem sobre o meio pode vir a revestir aspectos tão trágicos como os das calamidades naturais.
No último século foi-se avolumando a convicção de que as técnicas, inovando continuamente, não apenas atacavam elementos culturais e tradicionais, mas também podiam destruir os próprios fundamentos económicos de sociedades instaladas em determinadas regiões. Hoje tem-se a certeza de que as técnicas mais avançadas alcançam muitos dos seus fins, prejudicando vastas regiões do globo.
Alarmado com a obra inconsciente levada a cabo em regiões industrializadas - onde o ar, o solo e as águas estão poluídos -, procura-se agora fazer reviver a Natureza enferma, pela aplicação judiciosa, de novas técnicas.
Quando se diz uma nova técnica referimo-nos, as mais das vezes, a uma técnica mais eficiente do que outra empregada anteriormente para atingir os mesmos fins.
Nunca se deve esquecer que os conhecimentos que um técnico aplica hoje mia sua actividade profissional foram absorvidos depois da sua saída da escola.
Um técnico deixaria de o ser se não dispusesse da técnica mais eficaz, pois a eficiência é a característica primordial de todas as técnicas.
Um técnico tem de renovar continuadamente o seu ferramental de teorias, de treino e de receitas. Pode fazê-lo recorrendo ao ensino especial a que chamámos já educação permanente. Mas as mais das vezes fá-lo recorrendo à possibilidade de adquirir por si só aquilo que não sabe.
As escolas são, paradoxalmente, produtores de autodidiactas. O que uma escola qualquer deve ensinar aos seus alunos é a técnica que permite a cada um renovar a sua preparação. Ora, só se remova aquilo que já existe. A escola transmite, de facto, um acervo de conhecimentos úteis e é a partir dele que o diplomado se vai actualizando.
36. Precisemos a nomenclatura. Lembre-se que chamamos disciplina a um subconjunto de conhecimentos em torno de um centro de interesse. Assina a Informática é a disciplina (muitas vezes se lhe chama ciência) que tem como centro de interesse o "tratamento lógico e automático dos dados da informação"; a Zoologia agrupa os conhecimentos que têm os animais como centro de interesse.
21 Gilberto Freyre, Região e Tradição, 2.ª ed., Gráfica Record Editora, 1968.
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Qualquer disciplina é sempre estruturada lògicamente.
Quando se pretende apenas "satisfazer uma necessidade do homem social", buscam-se mas disciplinas cientificas conhecimentos capazes de esclarecer a acção que, com economia de tempo e de esforço, pretende atingir o fim em vista. A maior parte das vezes a acção é orientada por regras e receites empíricas, que, noutras circunstâncias, consideradas idênticas ou análogas, deram resultados aceitáveis.
O conjunto de métodos, processos e preceitos para atingir um resultado útil ao homem que vive em sociedade chama-se uma técnica. A técnica é um "como proceder para...".
As técnicas de hoje procuram o apoio dos conhecimentos correlacionados das ciências e por isso se chamam técnicas científicas.
O cientista pode passar toda a vida na aquisição de conhecimentos sem qualquer aplicação aparente.
O técnico tem por fim produzir algo de bem determinado, lançando mão, quer de um aglomerado desconexo de conhecimentos científicos, quer de receitas aprendidas "com a mão na massa". Mas tais receitas têm de ser meditadas em face dos conhecimentos teóricos que a escola deu!
O cientista é um especialista que pode trabalhar só ou em convívio com cultores da mesma especialidade e sem ser premido pela necessidade de passar do abstracto ao concreto.
O técnico é aquele que sabe fazer, recorrendo embora a conhecimentos que por outros podem ter sido catalogados e correlacionados.
À medida que as técnicas se tornaram científicas pelo facto de cada vez mais buscarem saberes aplicáveis, a diferença emitas o saber e o saber fazer foi-se esbatendo.
As sociedades tornaram-se complexas e as necessidades do homem são cada vez em maior número.
Muitas técnicas se interpenetraram e quase todas passaram a empregar maquinismos que são, fundamentalmente, técnicas materializadas.
As técnicas ou conjuntos de técnicas mecanizadas que têm par fim a produção industriai e a distribuição dos produtos chama-se hoje tecnologias. Por extensão, as tecnologias estudam além de processos, as máquinas e ferramentas que neles intervêm e também a terminologia especial que não vem nos dicionários. Os dicionários, olhados do ponto de vista tecnológico, são cemitérios de sinónimos obsoletos.
A física dos metais é uma ciência, a metalurgia é uma tecnologia.
É muito difícil encontrar uma técnica económica que não seja uma tecnologia.
A gestão das tecnologias é, por extensão, uma tecnologia.
E é impossível encontrar uma tecnologia que se limite a ser um conjunto de regras e receitas. Uma tecnologia é hoje, em regra, uma ciência aplicada.
No foro da produção e da distribuição de bens fabricados todas as técnicas são hoje tecnologias. Por isso a partir de certo nível de especialização o ensino técnico deve passar a chamar-se ensino tecnológico, e esta designação quer dizer que é um ensino de ciências aplicadas a uma utilidade social.
Para designar este grau de ensino (que contém muitos ramos, porque a produção industrial e a distribuição dos Produtos apresentam número elevadíssimo de modalidades) não é preciso adoptar um nome há muito consagrado Para designar um tipo de escolas hierarquizadas há cento e cinquenta anos ao alto da lista das grandes escolas.
37. As técnicas, e portanto as tecnologias, são conjuntos de métodos e processos para se atingirem, eficazmente, determinados fins, a partir de conhecimentos catalogados e por vezes ordenados.
Ora os conhecimentos necessários ao homem para alcançar um fim útil estão hoje ordenados em disciplinas cientificas. Por isso a produção industrial e a gestão das empresas são, cada vez mais, subsidiárias de capítulos importantes de ciências aplicadas.
As tecnologias são assim acervos de estruturas racionalizadas, com base mediata em ciências básicas.
O termo ensino tecnológico, aplicado a um ramo da instrução pública que tem por fim formar pessoal especializado a nível pós-secundário (por vezes superior), é destarte capaz de reflectir a elevada categoria social que se pretende os seus diplomados venham a ter.
A designação ensino tecnológico apenas não será inteiramente adequado quanto a certos cursos previstos de índole artística - mas este problema será visto mais adiante.
A designação de ensino politécnico não parece aceitável porque o adjectivo politécnico ligado ao substantivo escola, tal qual o substantivo politécnico, designa há mais do que um século, na Europa continental, um estabelecimento de ensino da mais alta hierarquia, onde normalmente se entra por concurso para um número fixo de vagas, após uma preparação de nível do ensino universitário, ministrada a estudantes distintos.
As escolas politécnicas e os politécnicos da Europa concedem títulos de aceitação mundial, o de "antigo aluno da escola X", que é bastante para abrir as portas da alta administração pública, das maiores empresas multinacionais, dos corpos técnicos dos grandes Estados.
Nestas escolas professam-se disciplinas científicas e ciências aplicadas a níveis de pós-graduações.
No preâmbulo do projecto de proposto, chama-se a atenção para a conveniência de substituir a expressão "ensino médio", porque não traduzia correctamente o carácter terminal dos estudos projectados e teria, porventura, contribuído para o retraimento da sua indispensável expansão.
A Câmara concorda com esse apontamento, mas não pode aceitar a designação proposta de "ensino politécnico", pedia razão sucintamente exposta, mas que passa a desenvolver.
A) É sabido que o vocábulo politécnico é um composto de origem erudita formado pelas palavras gregas polys e techne e pelo sufixo ico.
Etimològicamente significa, portanto, o que abrange muitas técnicas ou muitas artes e assim nada parecia obstar à sua adopção para referir um ensino que se caracteriza por uma multiplicidade de ramos que já mão são apenas técnicos por terem passado a ser tecnológicos.
Lembre-se, porém, die que os vocábulos nascem com determinados significados, atribuídos dentro de certas culturas. À medida que ia, cultura evoluciona também evolui a língua que é seu principal vinculo.
As palavras nascem, desenvolvem-se ou definham, impõem-se ou morrem.
A exegese dos velhos textos encontra a sua maior dificuldade na interpretação do sentido dos vocábulos.
O sentido etimológico do termo proposto não coincide com o seu sentido actual, porquanto o significado das palavras técnica e técnico evoluiu muito.
Nos dicionários actuais ainda se encontram registados significados correspondentes a conceitos desaparecidos há, pelo miemos, meio século.
B) Comece-se pela evolução dos termos nos países latinos.
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O helenista e pedagogo Alfred Croiset na sua L'Éducation de la démocratie escreveu, nos fins do século passado: "Chamo educação técnica à que permite a cada um exercer o seu ofício, o melhor possível."
Isto escrevia um francês ilustre nos finais do século passado, quando os operárias manifestavam as suas ferramentas e as máquinas eram engenhos que poucos sabiam dirigir. Escrevia-o ainda na esteira do pensamento de Cournot que admitiria a identidade de técnica e prática.
Foi à sombra deste sentido da palavra que em França se estruturou o ensino técnico que era apenas um ensino de "artes e ofícios", ou seja um ensino sistemático de ofícios manuais destinados a classes inferiores da sociedade burguesa.
Não havia pejo em o filiar no aprendizado die artífices treinados para uma destreza de mãos. E evocavam-se as corporações, os corpos de ofícios, as hansas e as guildas que, efectivamente, tinham sido, noutras eras, verdadeiras escolas de artesãos, de oficiais, de mestres, de mercadores. E evocaram-se também, em seguimento à fase do ensino doméstico de mestre a aprendiz, as manufacturas, onde os aprendizes, ainda sem saberem ler e escrever, se adestravam, colectivamente, a tingir as lãs, a fundir as ligas metálicas, a preparar o velame e a cordoaria.
E como as manufacturas se fossem encarregando de grandes fornecimentos, e de grandes construções para as cortes, para as marinhas e para os exércitos, vá de justificar por elas a constituição de aulas e de academias paira a preparação daqueles que deviam constituir os corpos de mestres e de oficiais régios que, esses, já deviam ter instrução e educação necessárias à orientação superior dos projectos do Estado.
Os homens de engenho tinham sido aqueles que com boa habilidade e destreza de anãos também tinham espírito inventivo para engenharem maquinistas. Delas as mais úteis... eram os engenhos die guerra.
E assim a palavra engenheiro é, no século XIV, título sem categoria que designa o chefe dos carpinteiros, ferreiros e pedreiros que se aplicam no ataque e na defesa das fortificações.
Entre nós havia os mestres das ferrarias, os mestres das ferrarias e os mestres das obrais reais, só mimoseados com o título de engenheiro no segundo quartel do século XVI.
E apesar de alguns deles - muito poucos! - terem sido agraciados com a Cruz do Sant'Iago ou com a Cruz de Cristo, a nobreza tinha sobre a sua categoria social a mesma arreigada convicção já expressa por Platão: "Se lhe chamas homem de engenhos é para o injuriar, pois não darás a tua filha ao seu filho."
Os nossos tracistas - era assim que correntemente chamavam aos que traçavam os planos da construção, do ataque ou da defesa de praças fortes - começaram nos princípios do século XVII a adquirir o ensino teórico dado na Aula da Esfera: a Aritmética, a Geometria, a Astronomia, o Desenho.
Entre nós é criada, a 13 de Julho de 1647, a Aula de Fortificação e Arquitectura Militar orientada pelo engenheiro-mor do Reino, e durante quase dois séculos é um fervilhar de criações de aulas e academias, para a formação dos oficiais do corpo de engenheiros ou da marinha.
C) Passe-se agora ao conceito germânico da evolução da palavra técnico identificada, a partir de Kant, como aproximada do conceito de cientifico e teórico.
É o que significa uma frase tal como: "Este insecto tem por nome técnico Deuterosminthurus", já de uso corrente nos países latinos.
Este conceito kantismo de aproximar a técnica à ciência permitiu que na Alemanha os institutos superiores técnicos alcançassem ràpidamente a categoria social das Universidades.
38. É em face da interpenetração, durante mais de um século, das dualidades técnica-prática, de origem latina, e técnica-ciência, de origem germânica, que devemos buscar o actual sentido do termo politécnico ligado ao ensino de várias técnicas.
Em França, as estradas e as pontes foram, durante séculos, traçadas e construídas sob a orientação de frades e monges de algumas ordens beneditinas, que, por isso, se chamaram frades (e ipadres) pontífices. No século XVII criou-se um serviço público, o "Gabinete dos desenhadores do rei", transformado no dia 1 de Fevereiro de 1716 em "Corpo de Pontes e Calçadas".
Este Corpo foi alargando sucessivamente os seus fins à elaboração e desenho de cartas topográficas e à construção de obras públicas.
A necessidade de melhorar a formação teórica dos engenheiras, subengenheiros e condutores do Corpo levou, em 1747, à criação da mais antiga das Escolas de Engenharia Civil do mundo: a Escola de "Ponts et Chaussées".
As funções dos engenheiros saídos desta Escola foram, ao decorrer dos anos, alargadas sucessivamente a domínios técnicos que pouco tinham com a engenharia civil.
Apodada de aristocrática, a Escola esteve para desaparecer na Revolução Francesa, sendo, porém, defendida por Mirabeau na Assembleia Constituinte, em 1790, e conservada sob condição de consentir na admissão dos seus alunos por concurso realizado em todas as províncias francesas.
A Escola passou a chamar-se Nacional e, pela Lei de 19 de Janeiro de 1791, a recrutar os seus alunos não por atestado por parte dos "grandes" do Reino, mas por concurso público para um número de vagas anunciado prèviamente.
Nesta época já existiam em Paris duas outras grandes escolas: a Escola de Minas, criada em 1778, e a Escola Real Militar, criada em 1751, destinada a oficiais das armas que já então se chamavam cientificas (savantes) ou sejam a artilharia e a engenharia. Ambas estas Escolas adoptaram em 1791 o regime do concurso da Escola de Pontes, regime que ainda é hoje o adoptado em França para todas as grandes escolas.
A preparação para os concursos realizava-se dentro das próprias escolas e era feita por alunos do último ano, que se chamavam monitores. Reconhecida como insuficiente a tal preparação dada por monitores, propôs o director da École Nationale des Ponts e Chaussées (Lamblardie) que fosse criada uma escola preparatória que se encarregasse de ministrar durante dois anos os conhecimentos de base indispensáveis aos cursos de aplicação que eram os das três grandes escolas então existentes.
Assim se criou, em 28 de Setembro de 1794, a École Centralle des Travaux Publiques, um amo depois cognominada Escola Politécnica.
Em sucessivas adaptações, a Escola Politécnica de Paris tornou-se na mais cotada das grandes escolas francesas. O título de "ancien élève de l'École Polytechnique" (ancien X) foi sempre dos mais categorizadas da França.
Há mais de um século que só podem aspirar a apresentarem-se ao concurso de admissão à Escola (à l'X, diz-se em francês) os alunos mais distintos que se sujeitam, durante dois anos, a uma intensiva preparação de Matemáticas Superiores, de Física, de Química, de Ciências Geológicas, etc.
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Depois de tal preparação em secções universitárias (embora funcionem nos grandes liceus...), só se apresentam concurso de admissão aqueles que os professores considerem suficientemente habilitados.
De toda a França concorrem, para 300 lugares, cerca de 300 jovens de escol. Em geral só são aprovados 800, mas só entram os 300 primeiros da lista ordenada por classificação.
Aqueles que ficaram aprovados mas não conseguiram entrar têm várias alternativas: concorrer a outras "grandes escolas", apresentarem-se aos certificados de licenciatura das Faculdades de Ciências ou voltarem às "Mathematiques Spéciales" dos "grandes" liceus para se apresentarem novamente ao concurso "de l'X" no ano seguinte.
A Escola Politécnica de Paris depende do Ministério da Defesa. A sua orgânica é militar. Os alunos são considerados cadetes, recebera soldo e a. frequência da Escola ó contada "mo de bom e efectivo serviço nas suas futuras carreiras profissionais nos Corpos de engenheiros do Estado francês. São submetidos a um regime de internato, com horários tão rígidos e sobrecarregados, que só um escol intelectual pode suportar.
O ensino nesta escola é considerado de muito alto nível e diferente de todos os outros ensinos. Só também uma élite seleccionada o pode seguir. Ensino teórico e de investigação não conduz - apôs dois anos de estudo - a nenhum diploma. E composto de cadeiras de Matemáticas, de Mecânica dos Sólidos, de Metrologia, de Estatística e Cálculo de Probabilidades, de Química, de Física, de Química-Física, de Electrónica, de Análise Operacional e de várias outras matérias em regime de opção.
À saída da Escola Politécnica os alunos escolhem, por ordem de classificação e até às vagas existentes, os estudos que desejam prosseguir. À cabeça da lista vêm as duas velhas "grandes" Escolas: Ponts et Chaussées e Mines. Os alunos oriundos da Politécnica entram sem concurso no 2.º ano das grandes escolas de aplicação.
Mas uma vez diplomados por qualquer delas o primeiro título que um engenheiro dos corpos de Estado evoca é o de "antigo aluno da Escola Politécnica". Um francês pode ser engenheiro civil de pontes e calçadas sem passar pela Escola Politécnica, mas mão poderá ingressar no corpo de engenheiros do Estado do Serviço de Ronts et Chaussées, sem ser "antigo aluno da Escola Politécnica".
As escolas politécnicas que surgiram em vários países procuraram decalcar os seus estatutos pela de Paris, viveiro inconfundível do escol francês.
Embora com o título de "escolas superiores técnicas", os politécnicos alemães não deixaram de seguir o que durante mais de século e meio se fez na École Polytechnique, na Ponts et Chaussées e na École de Mines, de Paris.
39. É possível que a designação ensino politécnico tenha, sido buscada para trazer ao novo ramo proposto o lustro que advém do título francês de "polytechnicien" e é, porventura, possível que fosse adoptado, mercê do prestígio que durante o fontismo e depois na construção dos nossos partas e dos massas caminhos de ferro, tiveram entre nós os engenheiros franceses que vieram trabalhar para Portugal oriundos da Escola die Pontes (e, portanto, da Escola Politécnica).
Este prestígio foi tal que muitos portugueses foram estudar nas duas escolas parisienses, e que as nossas Escola Politécnica, Academia Politécnica, e Escola do Exército procuraram (dentro do possível, pois ainda não havia liceus no nosso país) decalcar os seus regulamentos sobre os delas.
Tem-se repetido à saciedade que o Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas criado no Diário do Governo de 12 de Novembro de 1835 (mas que nunca funcionou), foi uma tentativa, para estabelecer entre nós uma escola politécnica com escolas especiais, n maneira francesa. Vejamos:
O Ministro Rodrigo da Fonseca, que fazia parte de um dos ministérios do então marquês de Saldanha, no preâmbulo do decreto apresentado à Rainha (com data de 7 de Novembro), refere-se ao seu decreto dá obrigatoriedade do ensino primário (datado de 7 de Setembro), e escreve:
Este passo era sem dúvida o mais difícil em matéria de instrução, e o que naturalmente devia preceder a todos os outros; mas, para que estas salutares medidas tenham completo efeito é necessário que os conhecimentos superiores, e principalmente as Ciências Físicas e Matemáticas, de cujas luzes está pendente todo o progresso da indústria e riqueza nacional, sejam facilitados e vulgarizados o mais que ser possa.
Refere-se em seguida, o Ministro do Reino à insuficiência das aulas e das academias existentes, bem como ao reduzidíssimo número de estudantes que frequentavam as Faculdades de Matemática e Filosofia da Universidade.
O instituto a criar absorveria todas as aulas e academias existentes (que eram extintas) e compor-se-ia de cinco escalas especiais (Engenharia Civil, Engenharia Militar, Marinha, Pilotagem e Comércio), para cujos diplomas seriam necessários determinados agrupamentos das 24 cadeirais expressamente designadas no decreto. Os cursos de Engenharia teriam cinco anos, o da Marinha e Comércio três e o de Pilotagem dois.
Nada se diz sobre preparatórios, mas o artigo 11.° do decreto é curioso:
Três anos depois do estabelecimento dos liceus, ninguém poderá matricular-se no Instituto como aluno de qualquer das Escolas Especiais, sem apresentar certidão de aprovação em. Gramática Geral e Particular da Língua Portuguesa, Francês, Elementos de Matemática, Desenho, Geografia e História Geral e Particular de Portugal.
Parece, de facto, curioso este antigo, porque os liceus só vieram a ser criados por Passos Manuel um ano depois (em 17 de Novembro de 1836). 0 primeiro liceu português (o de Lisboa) entrou, porém, em funcionamento só em 1839, o segundo (o do Porto) em 1840. Outros se seguiram a partir de 1845.
Como é sabido, nesses tempos agitados dos Governos dos marechais, os Ministérios sucediam-se, a meses ou a semanas, uns dos outros. É sabido também que o ilustre pedagogo Luís Mouzinho de Albuquerque, que a 2 de Dezembro sucedeu a Rodrigo da Fonseca, publicou um decreto suspendendo os diplomas de 7 de Setembro (Regulamento da Instrução Primária Obrigatória e Criação do Conselho Superior de Instrução Pública) e o decreto citado de 7 de Novembro (extinguindo aulas e academias e criando o citado Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas).
A razão de tão infelizes decisões do distinto autor das "Ideias sobre o estabelecimento da Instrução Pública" só pode assentar na cegueira política.
Notemos, no entanto, que em nenhum dos sessenta artigos deste decreto de 7 de Novembro de 1835 aparece a palavra técnica ou a palavra politécnica.
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O "Corpo Cathedrático de Lisboa", formado pelos vinte e dois lentes nomeados para o Instituto, apresentou à Câmara dos Deputados um requerimento pedindo a discussão da matéria.
Contra tal requerimento se pronunciou a "Comissão da Instrução Pública" da Câmara. O extracto da acta de 30 de Janeiro de 1836 termina assim:
Ia discutir-se este parecer, mas moveu-se sobre ele um vivo debate, em que tomaram parte os Srs. Barjona, Passos (Manuel), Seabra, Leonel, etc., que o Sr. Presidente, vendo os espíritos da Assembleia irritados; e perdendo as esperanças de a poder tranquilizar, levantou a sessão; eram 11 horas e meia da noite.
Houve, de facto, larga discussão no Parlamento e fora dele. Nela tomou Alexandre Herculano parte muito honrosa.
O visconde de Sá da Bandeira, Ministro interino da Guerra, e Vieira de Castro, Ministro interino da Marinha no Governo que estava no Poder em 11 de Janeiro de 1837, criaram, na dependência do Ministério da Guerra, a Escola Politécnica 22, tendo como fim principal "habilitar alunos com os conhecimentos necessários para seguirem cursos das escolas de aplicação 22 do Exército ou da Marinha, oferecendo ao mesmo tempo os meios de propagar a instrução geral superior e de adquirir a subsidiária para outras profissões científicas".
Lembre-se que o primeiro director da nossa Escola Politécnica foi (e até 1851) José Feliciano da Silva Costa, que, embora diplomado pela Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho, fora enviado em 1824 para Paris, a fim de obter o diploma de engenheiro "de ponts et chaussées", com o qual regressou de França em 1831.
Foi, já general de divisão, o primeiro chefe do Estado-Maior do Exército.
E, para se vincar bem a influência que a orgânica escolar francesa teve sobre a nossa, relembra-se ainda que a Academia Politécnica do Porto, criada em 13 de Janeiro de 1837, para substituir a Academia de Marinha e Comércio, foi dotada com um curso de "engenheiro de pontes e estradas".
No preâmbulo do Decreto de 11 de Janeiro de 1837 acrescentava-se:
Ela [a Escola Politécnica] pode fornecer os subsídios necessários às diversas ciências e artes, como à ciência do engenheiro civil e construtor; à Medicina; à Cirurgia; à Veterinária; à ciência da Administração e comércio; à agricultura; à ciência do mineiro e ao estudo de artes e ofícios.
Apesar dos cursos preparatórios serem, considerados superiores, a admissão à Escola fazia-se após aprovação num exame cujo programa era de Gramática e Composição nas Línguas Portuguesa e Francesa, Aritmética, Lógica, e Desenho.
Mas logo que apareceram os nossos liceus, decalcados também sobre os liceus criados por Napoleão, como escolas superiores, o figurino da Escola Politécnica francesa foi-se impondo entre nós. A diferença era a seguinte: não havendo em Portugal as secções universitárias dos liceus franceses (Mathématiques Spéciales) era na nossa Escola Politécnica que se fazia todo o ensino preparatório. O prestígio da nossa Escola Politécnica afirma-se nos artigos que Herculano escreveu sobre ela em 1841 e 1843. No fim do século passado e nos princípio deste século XX, as preparatórias para, as nossas "armas científicas" ocupavam na nossa Escola Politécnica e na nossa Academia Politécnica (Porto) três anos, enquanto em França ocupavam quatro: dois de Mathématiques Spéciales e dois de Escola Politécnica após um concurso de entrada considerado como a mais alta barreira do ensino francês.
Ora o prestígio do nome "Escola Politécnica" (só do nome!) era tão grande que em França davam equivalência do nosso curso ao francês para a entrada sem prestação de provas nas grandes Escolas de Paris.
Uma plêiade de ilustres engenheiros portugueses, desde Ressano Garcia a Freire de Andrade, entraram sem concurso mais grandes Escolas francesas, como se fossem franceses oriundos da Escola Politécnica de Paris. E quando a nossa Escola Politécnica passou a designar-se Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa os seus diplomados deixaram de usufruir dessa vantagem!
As designações têm sua importância... e podem, só por si, dar prestígio.
A Câmara considera que não se deve induzir em erro seja quem for pela junção a palavra ensino do vocábulo "politécnico" tão prestigiado internacionalmente.
40. Seria die facto inadequado vir transformar um antigo "ensino médio" em "ensino politécnico".
A Câmara propõe a designação de ensino tecnológico, de resto muito honrosa.
Este nome adapta-se às exigências do tempo em que se vive.
Tem sido aliás essa, desde sempre, a evolução histórica das instituições escolares. Quando os Estudos Gerais deixaram de corresponder às necessidades culturais que nasceram com a Idade Moderna, surgiram as Universidades renascentistas. Com a crise em que estas mergulharam e o ocaso do humanismo clássico, vimos aparecer as Universidades da Reforma e da Contra-Reforma. O intelectualismo foi servido por novas escolas, no tempo do iluminismo esclarecido, e foi ainda a relutância da Universidade napoleónica em acolher no seu seio os saberes técnicos, tornados indispensáveis pela revolução industrial, que levou à criação das grandes escolas superiores francesas que serviram de modelo às mais célebres escolas superiores do continente europeu - repete-se.
O ensino tecnológico, nesta nossa época, em que a produção se faz em série por máquinas não apenas automáticas mas até controladas, minuto a minuto, por outras máquinas, nesta época em que a automatização se tornou automação, nasce espontaneamente como um novo ensino. Nasce da necessidade premente de difundir os conhecimentos necessários às classes superiores. Virá a ser uma expressão histórica, característica da época da sociedade da abundância.
A denominação para um ramo novo que procura servir para o futuro não deve procurar-se no passado.
As técnicas da produção nesta nossa "sociedade de consumo" são dominadas por preocupações de gestão administrativa que muito pouco tem de comum com o "escritório comercial" da pequena empresa do primeiro quartel deste século e quase relação alguma tem com os "serviços administrativos" da empresa média dos anos cinquenta.
Mergulhamos efectivamente numa revolução tecnológica que abarca todos os sectores económicos clássicos: o primário que tanto interessa à agricultura, à pecuária e à
22 As duas designações "Escola Politécnica" e "Escolas de Aplicação" foram importadas de Paris...
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pesca; o secundário onde a indústria ocupa lugar cimeiro; o terciário com a distribuição e o comércio na primazia.
Mas essa revolução tecnológica criou um sector quaternário: o das máquinas a que o homem confiou técnicas de cálculo e processos de contrôle que fixam o raciocínio.
Muito daquilo que se compartimentava nos três sectores clássicos deslocou-se para o novo sector quaternário. A rápida mutabilidade das técnicas e das tecnologias será causa de uma intensificação de transferência de mão-de-obra, especializada ou não, de um sector económico para outros.
No decorrer de uma vida, mais longa e mais agitada que a dos seus avós, cada homem será chamado a exercer mais de uma profissão.
Que a escola prepare os homens para essa verdadeira revolução social!
41. Deve aqui introduzir-se um rápido apontamento sobre aquilo a que se tem chamado, na U. E. S. S., a cultura politécnica.
Sabe-se que no VIII Congresso do Partido Comunista se proclamou, como conclusão, que "a Escola deve tornar-se um instrumento para a reeducação comunista da sociedade". Tal conclusão foi comentada num livro célebre de Kalachnikov, onde se lê:
Educar é preparar os futuros construtores da sociedade nova e os lutadores pelo ideal da classe trabalhadora; ou seja, estudar o trabalho nos seus aspectos actuais e nas suas relações com a técnica material e a organização social.
Saliente-se que até 1925 foi hercúleo o esforço russo para a alfabetização de uma massa apreciável de gentes dispersas nos imensos territórios pertencentes à União Soviética.
As linhas gerais da orientação pedagógica foram ziguezagueando ao sabor da política partidária, política que foi por vezes sangrenta.
As escolas estiveram, de 1920 a 1925, sob administração de vários Comissariados do Povo; não apenas os da instrução, mas também o da mãe e da criança, o da saúde e alguns da produção industrial.
Todos pretendiam moldar a criança e a juventude.
Não há dúvida de que o grande empreendimento educativo dos Sovietes foi o de escolarizar (será este o termo a empregar?) a criança desde a mais tenra idade. Dadas as necessidades de mão-de-obra, os governantes russos promoveram a mulher a trabalhador, para o que foram obrigados a aliviá-la dos encargos de educadora dos filhos. E, escolarizando a criança, foi mais fácil inculcar-lhe hábitos, costumes e mentalidades pré-fabricadas. Por isso, deixou a família o seu papel tradicional de educadora. A escola material e a escola pré-primária russas são, ainda hoje, as mais vigiadas pelas autoridades. O socialismo bebe-se com o leite.
É evidente que cada nação, mesmo que leve em conta o que outras nações fazem, tem a sua maneira de integrar os novos nas culturas dos velhos. Mas é também evidente que, em face dos conceitos revolucionários soviéticos, fez-se tábua-rasa da estrutura escolar czarista, de inegável influência germânica e destinada a poucos "dos de cima". Proclamou-se nos primários anos do bolchevismo que se dam instruir todos, mas, de facto, durante duas dezenas de anos instruíram-se apenas muitos "dos de baixo", (principalmente filhos de membros do Partido, de operários, de soldados e de camponeses e também aqueles que haviam perdido seus pais ou os desconheciam.
Não foi possível ao Governo Soviético lançar-se no ensino de todos, porque não dispunha de professores habilitados em número suficiente para tão gigantesca tarefa.
Começou o novo regime, como já se disse, por instituir, sob a égide do Comissariado da Mãe e da Criança, creches e jardins de infância destinados a lactentes e crianças até aos seis anos.
A estrutura pedagógica seria péssima, mas a verdade é que no aspecto de assistência esses estabelecimentos foram úteis e talvez por isso a sua expansão foi aumentando.
Até à Constituição Soviética de 1936 deu-se preferência para a admissão aias creches dos filhos de membros do Partido, aos filhos de operários, soldados e camponeses. E não foram esquecidos os órfãos e filhos de pais incógnitos, uns e outros em elevado número. A idade dos admitidos ia de seis semanas a seis anos. As creches eram ou de fábricas ou de explorações agrícolas colectivas e embora, como se disse, se tivessem cometido graves erros pedagógicos, em virtude da ignorância do pessoal improvisado, esta fase pré-primária encaminhou para o ensino primário obrigatório centenas de milhares de crianças.
Hoje o ensino maternal russo é excelente. É orientado pelo Estado é gratuito.
Entre 1925 e 1935 todo o ensino soviético foi orientado no sentido de formação de operários e técnicos (de ambos os sexos) para as indústrias. A essa orientação foi dado, não se sabe porquê, o nome de cultura politécnica. Era, no fundo, um ensino concentrado sobre trabalhos manuais executados com materiais fornecidos pelas fábricas da região, que se limitavam a enviar para as creches e escolas refugos de fabrico.
Havia-se acabado com os brinquedos e jogos de crianças, por terem sido "inventos da burguesia".
A imaginação das crianças recaiu sobre os pedaços de madeira ou de metais que constituíram assim um pobre material escolar.
Mas hoje, com "jardineiras de infância" formadas em número bastante,, já existem material e ferramentas apropriadas.
Em 1930 a "cultura politécnica", alargada às escolas primárias obrigatórias de quatro classes, evoluiu em favor de uma "concepção materialista do mundo", com visitas a fábricas e excursões no campo. Mas o "trabalho manual" continuou a considerar-se prioritário.
Enquanto não houve professores primários instituiu-se o "ensino mútuo", 'tão reclamado entre nós nos começos do regime republicano: os alunos mais velhos ensinavam os mais novos.
Criaram-se em seguida escolas de trabalho com dois anos e depois surgiu o "ensino por equipas de trabalho", onde o chefe de turma era o único a ser examinado. Considerava-se que aquilo que o chefe de turma soubesse todos deviam saber, porquanto, segundo os pedagogos de então, havia uma "emulação socialista".
Estas escolas de trabalho, embora consideradas unificadas, foram-se diferenciando, de maneira a servirem de base a escolas secundárias de seis tipos: jardineiras de infância; regentes escolares para as escolas de ensino primário de quatro anos; enfermeiras; comércio; agricultura e indústria.
Em todas estas escolas se ensinava por "complexos". Um "complexo" era um conjunto de disciplinas, transmitido ou orientado por um único professor ou regente. Havia quatro "complexos": o primeiro com as disciplinas de Língua Maternal, Matemática, História do Regime e Geografia; o segundo com elementos de Ciências, de Economia e de Agricultura; o terceiro com Socialismo, Organização do Trabalho e Orientação Política; o quarto
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com Educação Física, Iniciação Desportiva e Manifestações Cívicas.
Mais tarde criou-se nas fábricas um ensino médio diversificado, para estudantes com a idade mínima de 15 anos, e orientado para as profissões, e portanto polivalente. Era também ministrado em regime de "complexos", quer em "cursos diurnos" e "cursos nocturnos", quer em "cursos vocacionais fabris" e em "cursos de formação acelerada".
Quando do 1.° Plano Quinquenal, o ensino médio dividiu-se em três ramos: secundário politécnico, secundário especializado e vocacional técnico, todos eles leccionados nos "lugares de trabalho". Esta transformação marca o início do stakhanovismo, quando cada operário passou a ser pago "segundo os seus méritos" e não "segundo as suas necessidades".
Como os operários mais produtivos (os stakhanóvias.) foram, em grande percentagem, os que frequentavam as "escolas de trabalho", proclamou-se que se devia abolir a "escola burguesa".
Todo o ensino russo é, na denominação britânica, um ensino em sanduíche: ou aulas .entre dois períodos de trabalho ou um pequeno período de trabalho entre dois períodos maiores de aulas.
Em 1932 legislou-se no sentido de constituir cora a Matemática um "complexo" à parte. Em 1934 forma-se um outro "complexo" com uma só cadeira: então foi a vez da Física.
Por essa época, como já, havia alguns professores capazes, criaram-se, a par das escolas de trabalho anexas aos locais da produção, escolas para estudantes não operários, que lembravam as "escolas capitalistas", de inspiração germânica.
Para dar seguimento de estudos aos alunos operários nasceram as Rabfaks (Faculdades de operários).
Para reciclar os dirigentes do Partido, principalmente aqueles que dirigiam fábricas, surgiu o curioso sistema de explicador em casa, que dava lições individuais pagas pelo Estado àqueles que haviam frequentado as "escolas de trabalho".
Havia-se calculado que 648 horas de explicações ministradas em amo e meio seriam o bastante para uma preparação superior aos alunos que já tinham então mais de 30 anos e ocupavam postos importantes. A esta instituição administrativa, cuja acção se dispersava por todo o território soviético, chamou-se Faculdade de objectivo especial, sintetizado nas iniciais F. O. N.
O pedagogo André Zhdanov resumindo, em Janeiro de 1948, os êxitos da instituição, dizia que "inovar não é o mesmo que progredir".
O mesmo pedagogo confessou então que os planos tinham falhado "num único ponto": não se haviam atingido os números fixados para as "produções" de professores, sem os quais não pode haver ensino de alto nível 23.
Relembre-se, de passagem, que o sistema dos "complexos" de disciplinas foi preconizado, entre nós, no relatório "Ciclo Preparatório do Ensino Secundário", da comissão empossada em 14 de Março de 1958 e encarregada de estudar o ciclo unificado dos ensinos secundários. Porém, os "conjuntos" portugueses eram muito diferentes dos "complexos" russos.
42. Em suma, na Rússia (onde o ensino obrigatório é de oito anos - quatro de ensino primário e quatro de qualquer dos ensinos secundários) o ensino politécnico tem duas características: 1.ª Ser dado a operários e agricultores nos locais de trabalho e em sistema rotativo "em sanduíches", como agora se diz: trabalho-ensino-trabalho; 2.ª Ser ministrado em "complexos".
Mas existem, fora dos locais de trabalho, "ensinos de carácter politécnico". Afirmações feitas por um professor russo a revista francesa Education Nationale (n.° 19, de 25 de Maio de 1961), dizem que "se trate, em primeiro lugar, daquilo que em França se chama trabalhos manuais educativos. A criança aprende a servir-se das anãos! e a utilizar as ferramentas. A partir do 1.º ano do secundário temi de fazer também estágios anuais de duas semanas numa organização produtiva. Recebe um salário que, evidentemente, não é tão elevado como o de um operário (pois a criança, tem de 11 a 15 anos), mas lhe dá a noção de ser um trabalhador socialmente útil".
O ensino médio de carácter politécnico destina-se a alunos de 15, 16 e 17 anos. Todos os estudantes que depois dos 17 anos pretendam prosseguir estudos têm de estagiar durante quatro a seis meses na produção. Só depois o ensino se denomina superior.
Podemos acrescentar que o ensino médio russo de carácter politécnico é também um ensino em "sanduíche": escola-oficina-escola, diferente do secundário: trabalho-escola-trabalho.
Este breve apontamento mostra que, certamente, não foi da Rússia que veio a ideia de se chamar ensino politécnico ao raimo agora proposto.
43. As escolas de engenharia dos tempos do império russo tinham as suas organizações decalcadas sobre as das escolas superiores técnicas alemãs. Eram escolas de cinco anos onde se cursavam, a par dos ramos clássicos (civil, minas, química, electricidade, mecânica) alguns mais, como petróleo e comunicações.
A população discente era de origem "burguesa", o que levou à sua completa modificação logo após a revolução de Outubro:
1.° Forçou-se a entrada .dos filhos de trabalhadores, soldados e camponeses, mesmo que não tivessem o curso dos "ginásios" ou das "escolas reais" - que constituíam então, segundo o modelo alemão, o ensino secundário;
2.º Fixou-se em percentagem mínima o número de lugares a preencher pelos filhos dos "burgueses";
3.º Introduziram-se nos planos curriculares disciplinas políticas (Marxismo, Materialismo Histórico e Dialéctico);
4.º Facilitou-se o acesso dos partidários ou dos dirigentes dos Komsomol, mesmo com idade avançada.
Foi manifesta a insuficiente preparação dai maioria dos novos alunos, principalmente em Matemática e Física, pelo que se nomearam "monitores" alunos do último ano (todos "burgueses" nos primeiros tempos do regime) para darem explicações aos "caloiros".
No período 1919-1929 os alunos improvisados chegaram a ser trinta por cento nas escolas superiores das grandes cidades.
Os explicadores eram pagos pelos exiplicandos, mercê de bolsas concedidas a estes pelo Governo.
É curioso que muitos destes estudantes improvisados, (a maior parte dos quais se chegou a formar!) alinharam,
23 Cf. L. Volpicelli, L'Évolution de la Pédagogie Soviétique (Neuchatel, 1954); George L. Kline e outros, Educação
Soviética (Tbrasa ed., S. Paulo, 1959); Las Enseñarvzas Técnicas en la U. R. S. S. (M. E. N., Madrid, 1956); Crasmer, Browme, Contemporany Education (Nova Iorque, 1965); Nigel Grant, Soviet Education (Londres, 1964); John Vaizey, L'Éducation dans le Monde Moderne (Hachette, 1967); B. Suchodolski, Teoria Marxista de la Éducation (Grijalbo, México, 1966).
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a seguir ao 1.º Plano de Fomento (1929-1935), em favor de Trotsky, Zinoviev e Burkharin, pelo que foram abrangidos nas "depurações".
Em virtude disso considerou o Governo que era perigosa a concentração de estudantes, pelo que criou dezenas de escolas superiores em regiões várias, para as quais transferiu milhares de alunos. As novas escolas, embora com poucos professores competentes, diplomaram muitos engenheiros. A acreditar nos dados publicados por Estaline, aquando do 18.° Congresso do Partido (1939), a Rússia, que do tempo do czar diplomava por ano cerca de 9000 médicos, engenheiros e advogados, veio a diplomar 34 600 no ano de 1933 e 106 700 no ano de 1938.
Para "dominar a tecnologia" (a frase é de Estaline) foram criadas nesse período de depuração (1929-1935) as já referidas Faculdades do Povo ou Rabótzi fakultat (Rabfaks) para alunos politicamente "seguros", embora com fraquíssima preparação de base.
Em 1936 criou-se, como também já ficou referido, outro tipo de ensino superior, as "Faculdades de objectivo especial" (F. O. N.), destinadas a pseudo reciclagem dos funcionários do Partido que administravam sem qualquer competência as fábricas ou as explorações agrícolas colectivas.
Com o correr do tempo foram chegando aos 17 anos os filhos dos funcionários do Estado que tinham deixado de ser proletários. A aplicação da lei levantava dificuldades a sua admissão nas escolas superiores, ande cerca de 80 por cento dos alunos eram, de facto, filhos de operários ou camponeses.
Por aquela razão foi, em 1936, considerada nula a obrigação de provar a sua ascendência proletária.
De 1936 até à guerra, à medida que as escolas secundárias obrigatórias (quatro classes, a seguir às quatro classes primárias) e as escolas secundárias complementares (três anos de secundário complementar ou três anos de ensino profissional médio ou três anos de escolas secundárias de tempo parcial para trabalhadores) iam melhorando os seus ensinos, a, população discente das escolas superiores de engenheiros ia-se aproximando, em conhecimentos e métodos de trabalho, do nível europeu.
No pós-guerra, as modificações para melhor aceleraram-se. Por um lado, fixou-se o regime de concurso para um número previamente fixado de vagas; por outro lado, concedeu-se uma bolsa de estudo a cada um dos admitidos. Hoje todas as escolas superiores técnicas russas têm nível elevado e, por isso, a posição social de um engenheiro é salientada. Um engenheiro faz parte do escol russo e é bem remunerado logo que entre nos quadros do Estado. E todos entram, pois não há ainda engenheiros trabalhando em profissão liberal.
Depois do estágio de trabalho, pela altura dos 17-18 anos, os estudantes que saem, quer do 3.° ano do curso secundário complementar, quer do ensino médio de carácter politécnico, podem entrar nas Universidades (cinco anos de estudos e meio ano de estágio) ou mas escolas superiores de engenheiros (o mesmo tempo de estudos e estagio) ou nas escolas médias avançadas (três anos), mas sempre por concurso.
Nas escolas de engenheiros. as aulas são obrigatórias durante seis a oito horas por dia.
O ensino da Matemática é básico no 1.° e no 2.° ano, atingindo os cursos cento e setenta e cinco horas por ano! Os alunos das E. S. E. e das Faculdades têm, no fim de um exame de maturidade (após o 3.° ano), o direito ao uso do título de "candidato em ciências". O título de engenheiro só é conseguido depois da elaboração e defesa de um projecto de engenharia, no final do estágio que segue ao 5.° ano.
Concluído o curso, nenhum engenheiro escolhe o lugar de trabalho. Uma repartição especial reparte os novéis engenheiros.
44. No livro já citado de John Vaizey, que na edição francesa tem o título L'Éducation dans le Monde Moderne, defende-se o ponto de vista de que as máquinas, a televisão, a rádio e o cinema virão a ser repentinamente os grandes meios para ensinar. Por causa da tecnologia - afirma Vaizey -, os diferentes métodos de ensino adoptados em diversos países tendem para uma unificação. Os professores virão a ser substituídos, pelo menos parcialmente, por máquinas, a quem professores escolhidos ensinarão a transmitir conhecimentos e os métodos para se servir deles. Será então possível reduzir o número de professores, que hoje são, em todo o Mundo, perto de 100 milhões. A maioria dos actuais professores não está preparada para a função que exerce. Muitos têm conhecimentos, mas não os sabem transmitir a determinado tipo de alunos. Outros apenas podem transmitir, ano após ano, o que aprenderam tempos antes, na escola, ou nos livros, ou pela imagem. Alguns consideram que "actualizam" o seu ensino juntando novas matérias a todas as que já ensinavam. Dada. porém, a grande pressão demográfica sobre a escola, têm-se improvisado professores sem qualificações académicas.
Actualmente na Rússia existem mais de 1 milhão de jovens que frequentam o ensino superior (cerca de 60 em 10 000 habitantes), mas apenas cerca de 50 000 frequentam o chamado ensino médio avançado, que não é considerado superior, embora as suas escolas sejam frequentadas por alunos com mais de 18 anos, isto é, já com estágio na produção.
A comparação destes dois números tão díspares leva forçosamente a conclusões...
Este ensino médio avançado tem uma estrutura que parece complicada. Por um lado, é designado como semi-profissional porque se destina a operários e agricultores que tiveram a seguinte instrução: dois anos de creche e quatro anos de jardim de infância (o ensino maternal e o pré-primário estão já tão generalizados na U. B. S. S., que se podem considerar obrigatórios); quatro anos de escola primária obrigatória (7 aos 11 anos), mais quatro anos de escola secundária obrigatória (que pode tomar a forma de escolas de trabalho, ou seja, de cursos "em sanduíche" nos locais da produção); em seguida mais três anos de ensino médio secundário (dos 15 anos aos 17) ou de ensino médio semiprofissionais, com regime de "sanduíche" trabalho-estudo-trabalho. Por outro lado, as escolas "avançadas" são de reciclagem para agentes técnicos médios.
Ora na Rússia existem, como já ficou dito, escolas técnicas médias de três anos, para alunos de 15, 16 e 17 anos, e com ensino de carácter politécnico.
Nenhuma destas escolas médias concede o título de engenheiro, mas sim títulos análogos aos nossos de condutores, de dirigentes fabris, de dirigentes agrícolas, de topógrafos, de enfermeiros, de assistentes sociais, etc.
São mais de cem títulos correspondentes a quadros médios, mas qualificados na produção. As escolas médias (tanto "normais" como "avançadas") dão diplomas em número triplo dos concedidos pelas Universidades e escolas superiores de engenheiros. Em nenhum dos diplomas aparece a palavra politécnico.
45. Encontra-se nas recentes reformas do ensino superior britânico o termo politécnico incluído num conceito escolar muito diferente daquele que é usual no continente europeu.
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Da França nos têm vindo muitas das inspirações pedagógicas das nossas reformas. Da Alemanha nos vieo a reforma do Prof. Jaime Moniz que instituiu o regime de classe.
Bastante menos temos importado da Grã-Bretanha no que respeita, ao ensino e à pedagogia considerada como ciência.
Aconteceu, porém, que, a partir de 1930, algumas centenas de graduados universitários portugueses foram à Grã-Bretanha em busca de especializações. Actualmente frequentam as Universidades inglesas uns cinquenta bolseiros já licenciados pelas Universidades portuguesas.
Deste contacto académico, que dura há quarenta anos, advieram para o nosso país ideiam mais assentes sobre o valor das Universidades britânicas e dos seus laboratórios de investigação, e até do nível cívico da grande nação, que no princípio deste século foi cabeça do maior império que jamais houve no mundo.
O grande exemplo de coragem colectiva que a Grã-Bretanha deu ao mundo no decorrer do último conflito mundial criou, por toda a parte, um ambiente de admiração pelo sistema escolar que se julgou estar na, base da reacção do povo britânico perante a adversidade.
Por outro lado, o podar de rápida adaptação britânica e a resolução inabalável dos governos de conservar para o seu país um lugar relevante no mundo da produção industrial, mão deixou de reforçar a admiração mundial por um ensino completo e urgentemente inovado ao ritmo da mutabilidade da tecnologia.
Inovar não é apenas mudar, mas sim progredir num sentido escolhido com base num propósito deliberado.
Não se inova em educação sem inquéritos, sem grupos de trabalho, sem inúmeros, sem intentos assentes.
Nada é mais difícil do que reformar o ensino num mundo que parece frívolo, onde desvairadas gentes buscam novidades que são apenas modas e não inovações.
Um ensino que prepara a inovação é aquele que pode servir o futuro.
A Grã-Bretanha fundamentou as suas reformas dos ensinos superior e universitário em doze relatórios organizados por grupos de trabalho.
O mais famoso desses relatórios foi o Report of the (Robbins) Commitee on Higher Education (H. M. S. O., 1963), que partiu de uma estoutra emaranhada (quando olhada do continente), onde Universidades e escolas normais (teacher training colleges) se misturavam com uma coorte de colégios de educação avançada (colleges of furthor education), os mais importantes dos quais eram os colégios de tecnologia, alguns ligados a Universidades e agora designados por politécnicos.
Não há dúvida de que esta palavra foi agora importada da Inglaterra por pedagogos portugueses.
Relembremos que a Grã-Bretanha teve até ao século XIX apenas sete Universidades. Além das celebérrimas Universidades medievais de Oxford e de Cambridge, das quatro escocesas (St. Andrews, 1411; Glasgow, 1451; Aiberdeen, 1494; Edimburgo, 1583) e do Trinity Gollege de Dublim (1592), só no século XIX apareceram outras, e não mais de quatro: Durham (1832), Londres (1836), Belfast (1849), Manchéster (1880).
Estas quatro Universidades novecentistas eram, aliás, resultados de fusões de alguns colleges de ensinos avançados. A de Londres, por exemplo, é hoje uma união de meia centena de instituições educativas, entre as quais brilham o University College (1826), o King's College (1829), a London School of Economias and Political Sciences (1895) e o Imperial College of Science and Technology (1907).
Em 1960 já havia na Grã-Bretanha (e Irlanda do Norte) vinte e duas Universidades e hoje existem quarenta e seis, muitas das quais uniões de antigos colégios de ensinos avançados.
Tendo em vista o imobilismo das velhas Universidades britânicas, pode-se classificar de revolucionária a modificação verificada. A razão única de tanta inovação é apenas a convicção geral ide que a Inglaterra só poderia não apenas manter mas desenvolver o seu poderio industrial "produzindo", em elevado número, engenheiros, tecnólogos e administradores de empresas.
Isto não quer, porém, dizer, que a Grã-Bretanha tivesse abandonado os ensinos tradicionais humanistas, em que as suas célebres escolas superiores e secundárias tanto se salientaram. Continuam esses estudos, mas a principal preocupação das escolas primárias e das escolas secundárias de hoje é ensinar bem a Matemática e a língua inglesa. Ensinar a língua vincular da cultura e ensinar a língua da ciência de hoje!
Até ao final da 2.a Guerra Mundial as Universidades e colégios avançados tinham como fim principal a formação do "gentleman".
Para além disto, hoje existe na Grã-Bretanha, como por toda a parte a preocupação de se tentar a educação de todos.
Para 1972-1973 está prevista a escolaridade obrigatória até aos 16 anos. Para isso, virão a ser necessários fundos públicos que ultrapassem os 190 milhões de contos anuais, que é aquilo com que o Estado concorre, hoje, para a manutenção das escolas.
Logo depois da guerra criaram-se, em elevado número, colleges of advanced techonology e escolas normais 24. Depois, tem sido uma impressionante sucessão de novos estabelecimentos de ensinos avançados, dedicados à formação de especialistas variadíssimos, como iremos ver.
Existem hoje mais de 7200 colégios médios e superiores, abrangendo ensinos de cerca de 150 especialidades e frequentados quer em regime de tempo integral quer em regime de tempo parcial, uma vez em cursos nocturnos, outras em cursos diurnos. A população escolar de todos estes estabelecimentos é de cerca de 3 milhões de estudantes, incluindo neles cerca de 2,2 milhões de adultos, em ensinos nocturnos.
Algumas destas instituições asseguram ensinos por correspondência, muitos dos quais concedem diplomas reconhecidos pelo C. N. A. A. (Council National Academic Awards).
O grande problema das escolas de further education tem sido a valorização dos seus diplomas pelo C. N. A. A.
46. O Relatório Robbins é o primeiro documento oficial que pretende organizar o ensino superior britânico, tendo em vista a pressão demográfica, sobre as Universidades e o conceito, já mundialmente aceite, da igualdade ás possibilidades para todos os estudantes oriundos quer das Grammar Schools, quer das Modern Schools ou das Júnior Technical Schools.
Como é sabido, existia no Ministério das Finanças (a "Tesouraria") britânico, desde 1919, uma comissão permanente (U. G. C. - University Grants Committee) encarregada de distribuir as subvenções do Estado pelas Universidades. Esta comissão, com outra designação, já existia no Board of Education desde 1889. Nesta data, a verba total a distribuir era de 16 000 libras. Hoje, a verba aproxi-
24 Na Grã-Bretanha todos os futuros professores têm de passar 1 a 4 anos por um teacher training college da Inglaterra ou por um college of education da Escócia.
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ma-se de 200 milhões de libras. Para as construções escolares do ensino superior as subvenções são superiores a 150 milhões de libras.
Até há pouco, a U. G. C. limitava-se a conceder os créditos e a verificar as contas. (Actualmente aconselha as Universidades e escolas superiores, limitando as subvenções a alguns sectores científicos. Como já existem Universidades e colégios de tecnologia totalmente a cargo do Estado, prevê-se que em breve as escolas superiores britânicas venham a ter a sua autonomia reduzida, tanto mais que a U. G. C é hoje um organismo burocrático integrado no Ministério da Educação e da Ciência.
A orientação em favor da interferência, do Estado é manifesta no facto de a U. G. C. ter reduzido os créditos para as Universidades tradicionais, sob pretexto de que as Universidades novas têm de absorvei parte dos estudantes que pretendem entrar nas de Oxford e de Cambridge e em cujos colégios não encontram lugares.
As Universidades britânicas são frequentadas por mais de 130 000 estudantes. Nenhuma delas tem no entanto mais de 20 000 alunos.
47. As escolas pedagógicas superiores britânicas eram em número de 146 (98 a cargo das autarquias locais e as outras particulares) quando da publicação do Relatório Robbins. Tinham então (1963) cerca de 50 000 alunos. Actualmente têm mais de 80 000.
O Relatório Robbins chamou a atenção para a importância da formação pedagógica dos professores de todos os graus de ensino. Este facto deve ser considerado significativo, porquanto na Inglaterra tem sido considerada "ridícula" a preocupação escocesa de preparar professores, mesmo para o ensino superior. Algumas dessas escolas normais foram integradas nas Universidades e concedem o título de Bachclor of Education (B. Ed.).
48. Mas a maior ênfase do Relatório Robbins dá-se sobre a importância primordial que a Grã-Bretanha tem de dar ao ensino tecnológico, se não quiser perder irremediàvelmente a sua posição de potência industrial.
Considera-se hoje que é impossível o desenvolvimento tecnológico sem escolas de vários graus de ensino e sem laboratórios de investigação I & D (Investigação e Desenvolvimento), tanto das indústrias como do Estado.
Até 1820 a preparação do operário britânico era feita por aprendizagem junto de um mestre na arte ou no oficio.
A definição de arte era a mesma que vinha da Renascença (e, porventura, da Idade Média) já atrás referida:
A arte é o conjunto dos preceitos universais, verdadeiros, úteis c concordantes, que tendem para um e mesmo fim.
O impulso decisivo dado pelos Ingleses à indústria de construções mecânicas a partir do século passado - que tem como protótipo o aperfeiçoamento da locomotiva a vapor e o desenvolvimento do caminho de ferro -, foi obra de autodidatas.
A partir de 1820 algumas instituições culturais promoveram conferências para esses autodidatas, logo seguidas de pequenos cursos nocturnos para operários. Depois apareceram, os cursos de tempo parcial. Os lucros da Exposição Universal de Londres (1851) foram destinados à criação das primeiras escolas técnicas dignas deste nome.
Logo a Alemanha tomou a dianteira, ampliando a rede de escolas de ensino técnico, algumas com ensinos em regime de tempo integral, o que foi considerado inovação Perigosa, porquanto se reputava que a formação dos operários só se podia fazer em cursos chamados, como já se disse, Sandwich courses: trabalho-escola-trabalho.
A Alemanha adoptou nos seus cursos de tempo integral o regime de oficinas privativas, misturando os trabalhos oficinas com o ensino de disciplinas.
A primeira lei importante publicada na Grã-Bretanha em favor do ensino técnico foi a de 1889, que autorizava as autarquias locais a cobrar um imposto especial para manter o ensino técnico. Este foi-se impondo e depois da Grande Guerra já eram numerosos os institutos de tecnologia que concediam os Higher National Certificatte, alguns dos quais considerados, pela C. N. A. A., como equivalentes a títulos universitários concedidos após três anos de estudos superiores.
Hoje, os institutos tecnológicos britânicos, contando neles os doze que foram incluídos nas Universidades ou foram o embrião de novas Universidades - chamadas de "tijolo vermelho" -, preparam uma mão-de-obra qualificada, em número elevado, sem qualquer comparação na Europa. Em honra da grande nação industrial que é a Grã-Bretanha, registam-se aqui duas percentagens:
30 por cento dos estudantes universitários são oriundos de famílias de recursos reduzidos;
75 por cento da população escolar dos colégios da further education (universitários, superiores e médios) têm a mesma origem social.
49. Em Maio de 1966 o Governo Britânico anunciou que, na esteira das recomendações do Relatório Robbins e dos anseios de promoção social, poderia autorizar, com base em pareceres da C. N. A. A., que alguns dos Colleges of Advanced Technology pudessem ser considerados como institutos de ensino superior. Nesse caso, poderiam designar-se como politécnicos 25.
A subida de nível de algumas escolas registou-se também na promoção de "colégios de tecnologia" a "colégios de tecnologia avançada".
Algumas das mudanças de nomes só entrarão em vigor no ano lectivo de 1971-1972, porquanto o Governo exigiu instalações residenciais e oficinais melhoradas.
Os defensores das prerrogativas das velhas Universidades consideram todas as providências decretadas em favor da promoção social dos oriundos do ensino técnico como puramente demagógicas e contrárias à formação do gentleman britânico, considerado como protótipo do "homem-bem".
50. Foram quatro as razões que levaram à criação dos institutos politécnicos britânicos:
1.ª Alargar o número de centros de formação da mão-de-obra de alto nível, necessária às tecnologias e às suas gestões;
2.ª Fomentar a qualidade da produção da indústria britânica pela melhoria dos seus dirigentes, visto que, tradicionalmente, os diplomados universitários não seguem, em geral, profissões fabris;
3.ª Valorizar os diplomas técnicos de vários graus, dando aos seus diplomados possibilidade de acesso a um grau académico superior e perfei-
25 Cf. Higher Education in United Kingdom (published for the British Council); El problema tecnológico de la Gran Bretaña (M. Ed. Nac. Madrid. 1958); Momento actual de la Enseñanza Superior en Gran Bretaña - Una reforma en marcha (in "Hojas informativas dei M. Ed. y Ciência", n.° 121, 1970). Comparar com Colm Brogan, The Educational Revolution (London, 1954); University Choice, ed. Klaus Bochm, Pelican Book, 1966.
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tamente idêntico aos graus universitários (B. Sc; B. Eng.; B. Ed.; B. Lit.; B. A.; Mus. B.; M. Sc.; M. Eng.; M. A., etc.); 4.ª Atrair ao Reino Unido estudantes estrangeiros, principalmente oriundos dos países em vias de desenvolvimento da Comunidade e ávidos de um título britânico capaz de os colocar nas órbitas do alto funcionalismo (neste momento, 15 por cento dos estudantes que frequentam os colégios de tecnologia avançada são estrangeiros ou dos países da Comunidade. Esta mesma percentagem se aplica às populações discentes das novas Universidades. Em Oxford ou em Cambridge apenas 2 por cento dos alunos são estrangeiros).
Reconhece-se na Grã-Bretanha que o prestígio das velhas Universidades advém não apenas do atractivo das tradições e do sistema colegial mas, principalmente, da projecção cultural dos seus mestres e do sistema de tutoria.
As Universidades de Oxford e de Cambridge gozam do privilégio do depósito legal, o que quer dizer que as suas bibliotecas se enriquecem a um ritmo superior a 25 000 volumes por ano - tal é o número impressionante (e só ultrapassado pela Rússia) das obras publicadas na Grã-Bretanha. Assim, as duas Universidades famosas têm possibilidades maiores para adquirirem livros técnicos estrangeiros, principalmente americanos, holandeses (escritos em inglês) e suecos (escritos em inglês).
No livro, publicado pela O. C. D. E., da autoria de professor de uma nova. Universidade (ET. J. Perkin, da Universidade de Lancaster) confessa-se:
No fundo, o atractivo das Universidades depende, sobretudo, da sua reputação intelectual: os estudantes buscam cada vez mais e matriculam-se naquelas que prometem estimular o mais possível os estudos especializados, oferecendo assim melhores perspectivas para a carreira profissional. Por sua vez, estas condições dependem da reputação do corpo docente, do número de especialistas altamente qualificados, do volume o do valor dos cursos, da riqueza da biblioteca, da importância do material de laboratório, etc. Por isso as velhas Universidades e os grandes institutos londrinos têm vantagens 26.
Lembre-se, no entanto, que a Comissão Robbins havia proposto 27 que se devia fazer um esforço em favor de cinco grandes instituições (Special Institutions for Scientific and Technical Education and Research), designadas por S. I. S. T. E. R., iniciais das palavras do título, o que levou a nomear as cinco instituições "as cinco irmãs".
Entre estes cinco estabelecimentos eminentes estavam o Colégio Imperial de Ciências e Tecnologia (integrado na Universidade de Londres), o Colégio de Ciências e Tecnologia de Glasgow, o Colégio de Ciências e Tecnologia de Manchester (hoje Universidade de Strathclyde) e o outro Instituto da Tecnologia Avançada, de Manchester.
Porém, a sugestão não foi aceite, por contra ela se terem manifestado publicamente as velhas Universidades e algumas centenas de escolas de further education que continuam fora do ensino superior, principalmente Local Colleges, Arca Colleges e Regional Colleges, que, antes da criação do C. N. A. A., concediam diplomas e títulos que estão agora suspensos. Diga-se, de passagem, que nenhum destes colégios médios tem mais de 500 alunos, havendo alguns que possuem apenas uma fracas dezenas. Apesar disso, a sua especialização parece excessivamente precoce, porquanto pode até começar ao nível das escolas secundárias técnicas.
Nos chamados Colleges of Advanced Technology (muitos dos quais ainda não são superiores) existem estudos de administração, arquitectura, construção civil, comércio, técnica de contas, química aplicada, química industrial, economia, engenharia aeronáutica, engenharia química, engenharia de minas, engenharia civil, engenharia eléctrica, engenharia naval, engenharia geral, engenharia mecânica, engenharia têxtil, tecnologias da produção, tecnologia dos materiais de construção, matemática aplicada, metalurgia, secretariado, óptica oftalmológica, óptica fotográfica, farmacologia, física aplicada, fisiologia, psicologia, sociologia, serviço social, estatística, agronomia, silvicultura e pecuária.
De notar que os respectivos títulos são seguidos de menção do estabelecimento de ensino onde foi obtido o curso.
Há institutos tecnológicos com 23 especializações 28.
Existem ainda escolas, médias e superiores, de belas-artes, ide música, de dança, de artes decorativas, de publicidade, de fotografia, de estética industrial, de intérpretes, de turismo, de ginástica educativa, de recuperação, de pilotagem, de topografia, de monitores desportivos, as técnicas de plástico, de têxteis, de aquecimento e ventilação, de motores, de petróleo, de petroquímica, de papel, de lubrificação, de radiotécnica, de automóveis, de combustíveis, de madeiras, de fundição, de meteorologia, de máquinas-ferramentas, de soldadura, de aeroportos, de hotéis, de gerentes comerciais, de contabilistas, de regentes agrícolas e pecuária, etc.
51. A palavra "politécnico" já era empregada em 1955 pelas escolas de tecnologia avançada anexas às Universidades, como o Batterseea Polytechnic, o Borough Polytechnic, o Chelsea Polytechnic e o Northampton Polytechnic.
Hoje este número aumentou e a preparação escolar exigida aos seus alunos e às outras escolas superiores de tecnologia é a mesma que a exigida aos candidatos à matrícula nas Universidades - as velhas e as novas.
Como é sabido, o ensino primário obrigatório britânico e de seis anos e centrado sobre duas disciplinas: a língua maternal e a Matemática.
Na escola secundária, de quatro classes (e de vários tipos), o ensino é ainda obrigatório e termina por um exame chamado General Certificate of Education, designado pelas iniciais G. C. E. (os alunos podem, em escolas técnicas, tirar o Certificate of Secondary Education).
Com qualquer destes certificados pode passar-se às escolas secundárias avançadas, de dois anos (que finalizam com um exame chamado G. C. E. advance level), ou às escalas técnicas avançadas, já especializadas.
Com qualquer destes certificados poderão os estudantes concorrer ao ensino superior.
Registe-se, no entanto, que a admissão ao ensino tecnológico superior se faz directamente à escola onde se deseja prosseguir ensino especializado, enquanto para a admissão às Universidades o exame de admissão é feita para o conjunto delas, sendo, em geral, a distribuição reali-
26 Cf. H. J. Perkin, New Universities in United Kingdom (O. C. D. -R-, 1969); Burgess et Pratt, L'enseignement technique du Royaume Uni (O. C. D. E., 1971).
27 Robbins Report, pp. 128-130 e 281.
28 Cf. Klaus Bochm, University Choise (Pelican, 1966) e V H. H. Green, The Universities (Pelican, 1969). Cf. Revorts et Education, Sep. 1970, No. 65.
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zada em face de classificação, a não ser que o estudante ganhe uma bolsa do Estado condicionada à frequência de determinada Universidade.
Nas escolas superiores de tecnologia (entre as quais estão os institutos politécnicos) o aluno escolhe ou regime de tempo integral ou regime de tempo parcial. Neste último caso, a firma onde o estudante é empregado tem de garantir que o trabalho profissional será continuadamente seguido e criticado por pessoa competente. O ensino em regime de tempo parcial é sempre dado em "sanduíche". Os pedagogos criticam-no muito porque obriga a uma especialização exagerada, visto o trabalho profissional exigir mais tempo do que o labor (quase sempre nocturno) na escola superior.
Desde o final da 2.ª Grande Guerra, várias comissões (Teviot, Pawy, Barlow, Zuckerman, Schaboroagh, Hayter e Robbins) fizeram inquéritos e relatórios sobre as necessidades britânicas em mão-de-obra de alto nível.
Todas estas comissões, que foram dirigidas por personalidades eminentes e constituídas por autoridades pedagógicas, professores distintos, administradores de grandes empresas e industriais de produções fundamentais, subestimaram quantitativamente aquelas necessidades.
O Relatório Robbins previu que em 1962-1963 a população discente universitária seria de 130 000 alunos e a das escolas superiores técnicas 86 000. Estes números foram ultrapassados. Tende-se para a igualdade. Os números previstos para 1973-1974 eram de 219 000 e 173 000, que foram quase atingidos em 1970.
Em Portugal, onde a população estudantil está sujeita às oscilações devidas à guerra e à emigração e onde têm sido insuficientes tanto a "produção" de professores convenientemente habilitados como a construção de instalações, é muito difícil prever com segurança.
52. Dos estudos de que saiu o Relatório Robbins concluiu-se, sem sombra de dúvidas, que a pressão demográfica sobre ias escolas só pode ser atenuada com a dispersão de estabelecimentos de ensino de certo porte. Uma Universidade moderna não pode iniciar uma "boa produção" de diplomados sem uns dois ou três milhares de alunos, divididos pelos vários departamentos. O Relatório Robbins chegou à conclusão de que logo de inicio as Universidades deviam ser construídas para 3000 alunos, mesmo que durante uns anos só tivessem uma população de escassas centenas. Não é rentável ir construindo à medida que a população aumenta. Contas feitas, verifica-se que pavilhões de aulas, bibliotecas, laboratórios, residências, campos de jogos, auditórios e teatros, convívios, devem ser feitos em conjunto e logo para 3000 estudantes. E tudo deve ter construído num grande terreno adquirido do uma "e", com cerca de 80 ha.
Registe-se, de passagem, que as novas Universidades alemãs foram também construídas em conjunto. A Ruhr-Universität Bochum, com dez edifícios de oito andares e três mais pequenos (custo à roda de 4 milhões de contos), levou três anos a ser construída e apetrechada 29.
O Relatório Robbins apresenta previsões para as novas Universidades, que teriam, cada uma, 3000 estudantes ao fim de dez anos. Estes números foram ultrapassados: a Universidade de Sussex, que começou com 52 alunos, tinha 3250 sete anos depois.
O mesmo relatório regista também o parecer da floria dos seus membros no sentido de que é impossível administrar uma Universidade com mais de 20 000 alunos. Quando se prevê que esse número irá ser atingido dentro de poucos anos, deve projectar-se e construir logo uma nova Universidade.
Nas Universidades colegiais, como são Oxford e Cambridge, o crescimento tem sido feito pela construção de novos colégios que asseguram residência confortável, actividades sociais e tutoria de estudos por professores residentes (ou com grande permanência) no mesmo edifício. Este sistema, bastante produtivo sob o ponto de vista escolar e onde a tradição impõe uma disciplina, é, porém, muito caro. Acrescente-se que os "tradicionalistas" estão convencidos de que o sistema colegial só é eficiente se as autoridades escolares puderem escolher livremente a maior parte dos seus alunos. Este privilégio tem sido combatido violentamente pelos "modernistas", que consideram indispensável a mistura de estudantes oriundos de várias classes sociais. Hoje existem nos velhos colégios de Oxford e Cambridge bolseiros do Estado vindos de todas elas.
53. Entre os vários níveis sociais existiram, ern todos os tempos, certos fenómenos de capilaridade, pelos quais alguns indivíduos se conseguiram, salientar das camadas sócio-económicas onde seus pais haviam vivido, para se guindarem a níveis considerados mais elevados.
A História registou esta ascensão e não deixou de apontar como aventureiros uns de entre esses alguns.
A heroicidade, a manha, a valentia, a força, foram causas dessa mobilidade social durante toda a Antiguidade.
A Igreja Católica foi canal largamente aproveitado pelos indivíduos inteligentes que não eram filhos de algo.
Hoje, porém, como já foi referido no n.° 22 deste parecer, a instrução, generalizada às massas, apagou esses fenómenos de. osmose, pouco importantes, e estabeleceu verdadeiros regimes torrenciais de ascensão sócio-económica.
Todas as classes sociais estão ávidas de instrução para os seus jovens, não apenas porque é a causa mais importante para uma desejada promoção, mas também porque a hierarquia dos salários é fortemente correlacionada com os níveis de ensino frequentados.
E todos sabem também que ama revés escolar, mesmo a nível de ensino obrigatório, pode vir a ser, nos melhores dos casos, causa de estagnação ou perda de oportunidades felizes.
Como é do conhecimento geral e já foi atrás relembrado, têm os economistas posto em relevo que o rendimento nacional aumenta com o número de diplomas concedidos pelas escolas. Pedagogos e sociólogos têm posto em realce que a instrução adquirida nas escolas condiciona os cursos de reciclagem que, a partir desta década, têm de ser generalizados, por estarem iminentes mudanças de sector profissional para a maioria da mão-de-obra. As empresas progressivas, como a Lisnave, entre nós, já têm as suas escolas privativas, não apenas de instrução profissional, mas de reciclagem.
Nesta época, chamada de abundância por muitos ocidentais, e que é, de facto, de produção abundante para a maior parte da população dos países avançados, nesta época em que os maquinismos produzem normalmente cinquenta vezes mais energia do que a população activa da terra poderia vir a produzir no máximo do seu esforço durante oito horas de trabalho físico, torna-se evidente que a transferência do esforço do homem para a máquina se acelerará à medida que os estratos educativos da sociedade se forem modificando no sentido de um aumento de percentagem dos níveis médios e altos.
54. Qual a percentagem de analfabetos?, a dos que atingiram n anos de ensino primário?, e assim sucessivamente.
29 Cf. Vandick da Nóbrega. As Novas Universidades Alemãs, Rio, 1967.
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Consegue-se mesmo avaliar o poder da instrução de determinado país criando um índice que poderia ser, por exemplo, um somatório de parcelas ponderadas por coeficientes que pretendessem dar a importância relativa dos vários níveis de educação. É possível, também, fixar o número médio de anos de instrução para as populações activas.
Todos estes números subiram em todos os países avançados e em desenvolvimento, a partir de 1960, e o aumento tem vindo a acelerar-se. O chamado "stock de instrução" à disposição da indústria americana, que aumentara em 1957 a roda de 3 por cento anualmente, passou a aumentar de 4 por cento de 1960 a 1970 30.
É evidente que tal acréscimo anual só é possível quando, ao lado do regime normal de ensino (tempo integral), existem regimes de tempo parcial (diurno e nocturno), ensinos por correspondência e métodos áudio-visuais com monitores formados.
A existência de todos estes meios ó indispensável se se quiser melhorar o nível do trabalhador.
A Câmara é de parecer que se devem, dar, não apenas no ensino tecnológico, mas em todos os ramos e graus de ensino, possibilidades de avanço educacional àqueles que estão empregados e a todos quantos se desviaram do trilho dos estudos normais, isto é, os adultos que em certa altura da sua vida escolar perderam a sequência de um curso e pretendem não perder oportunidades de retomar estudos, mesmo que sejam respeitantes a .especialização diferente daquela que procuravam quando crianças e adolescentes.
Diga-se de passagem que, sendo em número elevado os indivíduos que "deixaram de estudar" e que desejam retomar estudos, não tem grande significado qualquer dos índices que se baseiam nos anos de estudos passados em educação formal, porquanto, como se tem repetido à saciedade, os conhecimentos deixam ràpidamente de ser úteis na experiência profissional.
Os concursos de promoção que alguns organismos de Estado realizam sistematicamente têm por base a convicção de que a preparação paru os concursos obriga, pelo menos, a uma periódica renovação de conhecimentos.
55. Têm-se feito alguns estudos sobre o custo da educação 31, supondo-se que a educação é um bem produzido para durar e para servir à produção de outros bens.
É muito difícil estabelecer critérios rígidos e universalmente aceites para fixar o custo da educação e quase impossível comparar Custos determinados em épocas diferentes, mesmo que se apliquem as mesmas normas. Não é apenas o dispêndio dos estudos, mas também aquilo que se deixou de ganhar. No princípio do século, com um regime de ensino obrigatório completamente diferente do de hoje, as crianças podiam-se empregar (e houve milhões que se empregaram) com 12 anos. Aqueles que estudavam até aos 25 anos não ganhavam os salários que podiam ter obtido como tantos e tantos adolescentes que entraram nas actividades produtivas logo que deram os estudos por terminados ou quando os interromperam.
Contas bem feitas, bem podemos chegar a conclusões surpreendentes, tais como que qualquer operário especializado vale mais do que a máquina dispendiosa com que opera e que a tripulação de um avião militar tenha custado 'mais do que o aparelho que tripula.
E, dado o custo de uma produção tecnológica, bem se pode concluir que o investimento mais rentável seja o que uma nação faz no campo da educação 32.
Os recursos de um país não são apenas aqueles que o seu meio ambiente lhe pode fornecer, mas principalmente os humanos, capazes de criar e de aplicar os meios bastantes para transformar as matérias-primas em produtos e, ainda, capazes de inovar, de substituir o útil por um "mais útil".
As inovações tecnológicas só podem brotar dos cérebros dos homens formados, isto é, dos homens que, moldados por normas e por valores, possuem conhecimentos e métodos capazes de procurar e encontrar outros 33.
Como se disse, a educação não visa apenas transmitir uma herança e integrar uma geração nova no conjunto das culturas onde conviveram gerações anteriores, mas também criar as qualidades de adaptação a novas fornias, de vivência e de convivência, que as ciências e tecnologias farão surgir.
A aquisição de conhecimentos é hoje secundária na instrução. O fundamental é ensinar métodos capazes de orientar eficazmente a busca de conhecimentos.
E o que é preciso nas escolas técnicas é saber transmitir métodos para a busca de conhecimentos úteis para uma acção.
Isto quer dizer que cada indivíduo instruído pela escola toma uma atitude de expectativa (...) do inesperada. Tal atitude acaba por impregnar toda a sociedade e cria um ambiente de aceitação prévia das mutabilidade? dos vários elementos culturais 34.
A escola de hoje não se limita a transmitir as experiências passadas, nem a catalogação de conhecimentos encadeados em sucessões de causa e efeito. À saída da escola, cada indivíduo deve estar apto e ir depositando no ficheiro "História" muitas das fichas pacientemente elaboradas durante os seus estudos, e a substituí-las por outras que ele mesmo elaborou no decorrer da instrução permanente que tem de acompanhar qualquer actividade profissional.
56. O nosso país tem de reformar e inovar o ensino!
Tem de o fazer promovendo em conjunto toda a população, de aquém e de além mar!
Tem de prosseguir no trabalho insano de eliminar os níveis culturais mais baixos dos estratos sociais da nossa nação plurirracial.
Serão precisas, cada vez em maior número, pessoas conscientemente responsáveis para assegurar uma produção aumentada e para porfiar na promoção permanente, no sentido de se atingirem altos níveis de conhecimentos especializados.
Não é só da escola que depende vir a alcançar-se este desiderato. Se, infelizmente, se verifica que a família demissionou do seu papel de educadora da infância, outras instituições deverão tomar o testemunho da estafeta. É, sem dúvida, oportuno o alargamento do papel da escola para todos àqueles que têm menos de sete anos.
30 Cf. T. W. Schultz, Economic Value of Education, Columbia University Prese, Nova Iorque, 1963.
31 P. Salomon, Théorie Economia et Stratégie d'enseignement, Lib. Gl. de Droit et de Jur., Paris, 1966; M. Ferreira Leite. P. Lynch, K. Norris, J. Sheen and J. Vaizey, The Economics of Education Costing. Fundação Calouste Gulbenlkian, ed. 1968, 1969 e 1970.
32 Cf. F. Harbison and C. A. Myers, Education, Man Power and Economic Growth, Mac Graw Hill Ed., Nora Iorque, 1964.
33 Cf. L. Armand et M. Drancourt, Plaidoyer pour l'avenir, Calman-Levy Ed., 1961; dos mesmos autores, Le pari européen. Fayard, ed. 1968; D. Morse e A. M. Warner, Technological Innovation and Society, Columbia University Press, Nova Iorque, 1966.
34 E. B. Wesley and C. P. Wronsky, Teaching Social Studies in High School, Heath Ed., Boston, 1958.
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A Câmara aplaude todos os esforços em favor do ensino infantil. Considera-se, porém, na obrigação de lembrar que o ensino pré-primário só poderá vir a ser excelente apoio da escola primária quando generalizado. Se continuar a ser ministrado apenas a alguns, persistirão as diferenças que se notam nos resultados do ensino primário. Hoje menos de 75 por cento das crianças que frequentam este ensino obrigatório conseguem-no transpor nos quatro anos regulamentares. Esta percentagem aumentaria, evidentemente, com o funcionamento de um maior número de escolas destinadas a crianças deficientes. A generalização do "ensino de anormais" é, porém, muito difícil em virtude da reacção das famílias.
A Câmara julga oportuno lembrar, também, que a importância do ensino para deficientes tem aumentado em todo o mundo, mercê da continuada baixa da mortalidade infantil. Os avanços da medicina e da assistência médico-social salvam muitos daqueles que a "selecção natural" eliminaria aos primeiros meses de vida.
57. Embora o projecto de proposta de lei n.° 5/X diga apenas respeito a um ramo de ensino pós- secundário, volta a Câmara a relembrar que dificilmente se pode salientar um andar ou uma ala da estrutura do edifício escolar. Cada elemento apoia-se noutros, serve de base a outros ou é parede mediana de duas alas. As canalizações e os fluidos que nelas circulam podem ter torneiras e empanques que momentâneamente isolem algumas secções necessitadas de modificações. Mas um sistema educativo é um todo, sem compartimentos estanques.
A educação é hoje um processo de promoção colectiva, pelo qual se busca elevar continuada e progressivamente não apenas cada um por si, mas em conjunto todos quantos têm possibilidades físicas e intelectuais para subirem aos vários andares existentes no edifício e se inserirem em ambientes culturais sucessivamente superiores.
58. O movimento correntemente designado por "democratização do ensino" - que é, no fundo, o princípio da igualdade de oportunidades para cada um poder, na realidade, ir ascendendo pelas suas qualidades a níveis culturais mais elevados - tem de actuar amplamente nos diversos níveis profissionais. A ascensão pela instrução, seja colhida na escola, antes da actividade produtiva, seja absorvida por reciclagem de métodos e conhecimentos durante esta actividade, tem sido, de facto, influenciada pela origem social do estudante ou do operário, mas em proporção muito menor do que aquela que as estatísticas pretendem mostrar.
Todas as estatísticas mundiais sobre a profissão dos pais andam falseadas, porquanto, cada um tem tendência a indicar para a sua profissão o dístico genérico mais categorizado socialmente que a possa englobar: funcionário público, industrial, comerciante, ferroviário, gerente comercial.
No que respeita às actividades profissionais, o sector que hoje parece necessitado de maior atenção por parte dos reformadores das estruturas dos correspondentes ensinos é aquele que procura melhorar a mão- de- obra industrial.
O ensino industrial é, de facto, o que apresenta actualmente mais diversidades de preparação, por ser larguíssimo o leque das especializações do sector secundário da produção, umas ainda individuais, outras de cunho oficinal, mas já muitas (e de longe as mais produtivas) de carácter fabril e tecnológico.
Acresce que será extensível ao sector terciário o que se vai dizer sobre as necessidades de preparação de mão-de-obra para o sector secundário da produção. E sem dúvida também a alguns sectores artísticos. Não se deve também, esquecer a urgência na formação de pessoal técnico capaz para o sector agrícola.
Olhando o sector da produção industrial, verifica-se que a maior parte dos operantes em qualquer processo de fabrico (oficina, fabril ou principalmente tecnológico) está apenas interessada em certa fase do esquema geral da produção. Trata-se, quer de simples trabalhadores braçais, quer de operários pouco qualificados.
Nos países onde a maioria dos operários é diplomada por uma escola ou seguem "ensinos em sanduíche", tem-se recorrido à "importação" de mão-de-obra braçal, oriunda de países atrasados industrialmente. Mas é tão grande a diferença de produtividade entre os trabalhadores estrangeiros, só capazes de esforços físicos, e os operários nacionais, qualificados pelo ensino, que em termos económicos se está a pôr de parte o recurso à mão- de- obra analfabeta ou apenas valorizada por um ensino primário geral.
Em alguns países insuficientemente industrializados e com reduzidas possibilidades de industrialização encara-se a hipótese de melhorar o rendimento da mão-de-obra a exportar para os países industrializados, por meio de regimes de "ensinos em sanduíche", de ensinos nocturnos e de ensinos por correspondência, tendo em vista as realidades económico- sociais, a idade e as peculiaridades regionais.
Os actuais meios áudio- visuais são adjuvantes preciosos e, por vezes, os únicos processos de que se pode lançar mão. Será supérfluo evocar Mac-Luhan e o seu famoso Understanding media para aceitar que as mensagens pela voz têm, sobre o educando, efeitos muito diversos daqueles que surtem as mensagens pela escrita e aquelas que saltam das imagens.
Além do nível dos trabalhadores não qualificados e do nível dado pelo ensino técnico profissional, há necessidade de outros níveis de ensino.
Com efeito, num esquema de fabrico complexo existem diversos e sucessivos ajustes de fases que exigem coordenação dos trabalhos levados a cabo por diferentes equipas. São, assim, precisos chefes de oficinas, chefes de estaleiros, capatazes, monitores, técnicos de montagem que necessitam de uma instrução superior àquela que se pode colher nas escolas técnicas secundárias. Tal preparação complementar pode ser dada na própria empresa em lições intercaladas no trabalho ou, para jovens que pretendam inserir-se na produção a nível mais elevado, em escolas técnicas médias ou, na designação britânica, escolas avançadas.
Não há qualquer dúvida de que na indústria são necessários operantes de nível médio ou de nível pós- secundário não superior.
Com o aumento da complexidade de muitas das realizações tecnológicas são ainda indispensáveis "estados- maiores pensantes" capares de, em diversas especialidades, actuarem de acordo com planos e projectos e até de serem aptos a modificar o planeado. Trata-se de técnicos pensantes e executantes, conhecedores de metodologias de acção, adquiridas, quer em ensinos superiores não universitários (ministrados em escolas superiores de tecnologia), quer em ensinos universitários (ministrados em Faculdades técnicas).
Considera a Câmara que a qualquer dos diplomas de ambos estes ensinos, quando relacionados com a engenharia, se deve atribuir a categoria de engenheiro.
Raciocínios análogos se aplicam a profissões dos sectores primário e terciário da produção, isto é, a actividades ligadas à agricultura, a pecuária, ao comércio, à gestão administrativa e a várias "artes e ofícios".
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Parece assim que, ao lançarem-se as linhas gerais de um ensino tecnológico, se deve salientar que ele se fará em escolas de dois níveis: médio e superior.
Considera ainda a Câmara necessário que fique claramente estabelecido que está assegurado o ingresso na Universidade de qualquer estudante, com possibilidades físicas e intelectuais, seja qual for o caminho escolhido após o ensino obrigatório.
Dentro do actual regime de estudos as posições do ensino tecnológico médio e do ensino superior não universitário (que compreende o ensino tecnológico superior) ficam assinalados no organograma do anexo D.
59. Deseja também a Câmara que fique expresso o seu parecer de que se devem considerar hieràrquicamente, a par os liceus, as escolas profissionais e as escolas secundárias artísticas.
Não há formação sem informação prévia.
A formação decorre, fundamentalmente, da análise e interpretação de factos e de realidades.
E grande parte da informação profissional pode arrastar conceitos formativos. Não existe nenhuma acção manual que dispense raciocínio e adaptação rápida a situações imprevistas.
Qualquer ensino exige formação metódica, embora nos ramos técnicos a formação seja predominantemente orientada para fins específicos da produção.
Quando se afirma que o liceu deve ser uma escola de formação desinteressada, não se pretende afirmar que qualquer outra escola não tenha fins formativos e muito menos que o liceu menospreze as actividades profissionais.
Os pedagogos, que defendem que todo o ensino obrigatório deve ser longo, formativo e unificado, pretendem, no fundo, que o ensino profissional comece tarde, o que não é possível, porquanto o adiamento da aprendizagem de um ofício - na escola ou já num local de trabalho - não deve ir além dos 13 anos 35.
60. A Câmara não ignora que a formação e aperfeiçoamento da mão-de-obra, levados a cabo, seja só pela escola, seja só no quadro da empresa, seja ainda por simbiose de métodos escolares e de processos oficinais, exige hoje, paradoxalmente, mais intensidade de treino mental do que adestramento de mãos.
Como já ficou dito, a grande preocupação dos responsáveis pelos planeamentos prospectivos deve ser a de preparar gente capaz de vir a adaptar-se a máquinas que ainda não foram inventadas e a processos de produção actualmente insuspeitados.
Os futuros operantes aos vários níveis da produção devem, perante o inesperado, saber escolher racionalmente uma metodologia de acção eficiente. Mais ainda: devem fazê-lo com a preocupação constante de ultrapassar sempre os índices de produtividade atingidos.
Para isso, é fundamental que os ensinos (na escola, na empresa ou de colaboração entre as duas instituições) estejam orientados para o incentivo e fomento de novas tecnologias.
O aluno e o operário aluno devem saber que se pode fazer melhor e que se deve fazer mais e melhor.
Nos países avançados industrialmente, tem-se tentado esclarecer o problema difícil de dosear o ensino teórico com o ensino oficinal e com o ensino dentro da actividade produtora. Não tem sido fácil comparar os resultados obtidos por agentes que vão entrando aos vários níveis da produção, depois de sucessivas formações escolares, com aqueles a que chegam os agentes que entram nas empresas logo após o ensino obrigatório e nelas se vão aperfeiçoando.
Compreende-se que seja difícil avaliar tais resultados e insensato aplicar conclusões decorrentes de inquéritos americanos ou suecos à organização escolar de um país do Terceiro Mundo.
Do muito que se tem escrito sobre a matéria pode concluir-se que no vasto campo que interessa à formação tecnológica deve o Estado aceitar todas as colaborações que lhe pareçam úteis e valorizar todas as experiências levadas a cabo, quer no interior das empresas, quer em escolas particulares, mesmo que estas sejam em grande parte empresas que procuram lucros.
Do que se tem dito ressalta que não é possível fazer-se ensino técnico sem se recorrer a práticas oficinais diárias e a um sistema de estágios verdadeiramente profissionais.
61. A educação ê trabalho de tão vultoso porte que todas as instituições nacionais - as de ordem moral, as de ordem social e as de ordem económica -- têm de colaborar, no sentido de estabelecer um sistema educativo mais eficaz e melhor que o actual.
Porém, todas essas instituições devem ser enriquecidas, não sòmente com meios materiais, mas principalmente com homens adultos competentes.
O projecto em estudo pretende valorizar em muito a formação dos homens actuantes que sabem, executar.
Estabelece a nossa Constituição, no seu artigo 31.º:
O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os objectivos seguintes:
1.º Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos do capital e do trabalho;
2.° Defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário ou incompatíveis com os interesses superiores da vida humana.
A reforma proposta integra-se neste preceito constitucional.
Por isso, a Câmara Corporativa considera oportuna a estruturação, em novos termos do ensino profissional que deverá chamar-se "ensino tecnológico" e poderá ser ministrado não apenas a nível médio mas também a nível superior, pelo que aprova na generalidade o projecto de proposta de lei n.° 5/X.
II
Exame na especialidade
BASE I
62. A base I do projecto de proposta em exame cria o ensino designado por "politécnico", definindo-o como aquele que se destina a conferir preparação técnica qualificada para as actividades profissionais de índole especializada que, embora pós- secundárias, não exijam habilitação universitária.
35 Cf. Antoine Léon - Formation générale et apprentissage du métier, Paris, 1965; Super and Overstreet - The vocational maturity of nineth- grade boys teachers colleges, New York, Columbia Univ., 1960; Jacques Delcourt - Investir en hommes, Bruxelas, 1965; Semaines Sociales de France - L'homme dans la société en mutation, Lião, 1969; Dimitris Chorafas - La formation permanente de cadres, Paris, 1971.
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A referência a preparação técnica qualificada e a actividades profissionais especializadas procura, de facto, sublinhar o nível de especialização que o novo ramo de ensino se destina a proporcionar, impedindo confusões com quaisquer outras formas de preparação profissional a níveis secundários.
As escolas de níveis secundários devem formar operários diplomados e agentes equivalentes noutros sectores da produção e dos serviços.
A última parte do n.° 1 da base I reflecte o pensamento que está no fundamento da inovação legislativa, isto é, ao criar-se um ensino profissional terminal que não exija, por natureza ou por disposição da lei, habilitação universitária, inclui-se no âmbito desse ensino todo o chamado ensino superior técnico não universitário.
Passará assim a haver, ao nível acima das escolas técnicas médias e do curso complementar dos liceus, não apenas as Universidades, mas também as escolas superiores tecnológicas que enfileirarão ao lado de outras escolas superiores que nada têm que ver com as tecnologias ou com as suas gestões.
As escolas superiores tecnológicas têm por fim preparar profissionais e dirigentes superiores, ainda que, acessòriamente, se possam dedicar à investigação. Na renovação dos seus currículos, as escolas superiores tecnológicas terão sempre em conta as inovações decorrentes das actividades de pesquisa realizadas nas Universidades, nos laboratórios nacionais encarregados de sectores especializados da investigação aplicada e para o desenvolvimento e nos laboratórios das empresas produtoras. E também terão em conta os resultados dos seus ensaios e investigações.
O n.° 2 da base I refere-se à inclusão no novo ramo de ensino das actuais escolas de ensino médio. Dado o que ficou dito aquando da apreciação do projecto na generalidade, não se pode prescindir de um escalão médio destinado à formação de agentes coordenadores das equipas de trabalho.
A Comissão de Estudo dos Problemas de Formação da Ordem dos Engenheiros exprime-se assim a propósito do projecto de proposta de lei em exame.
A evolução da ciência e da tecnologia está a produzir em todo o Mundo, não só uma grande diferenciação de cursos como a constante subida do seu nível de conhecimentos técnicos.
Nesta ordem de ideias, impor-se-á cada vez mais uma identificação do ensino ministrado nas nossas escolas com o das escolas congéneres estrangeiras.
É esta Comissão de parecer que o presente projecto de lei, embora possa carecer de algumas emendas de pormenor, constitui uma mudança no sistema educacional português, o que, devidamente conjugado com outras medidas apropriadas, poderá constituir um passo em frente na melhoria do sistema e assim um progresso sócio-económico da comunidade. Este critério, sem dúvida, deve ter o primeiro lugar nas nossas preocupações, devendo-se relegar para segundo plano interesses particulares de classes.
Foi neste espírito que a Comissão de Formação actuou ao analisar as bases de projecto de lei, não podendo avançar mais profundamente no problema, dado as generalidades das mesmas e por falta de conhecimento do esquema geral em que o referido projecto- lei se pretende inserir.
Acrescenta a Ordem dos Engenheiros:
Mas espera que, na concretização do regulamento previsto, seja dada oportunidade à Ordem dos Engenheiros para colaborar activamente na estruturação deste ensino.
Acrescenta ainda ao analisar a base I:
Concorda-se com a criação do ensino politécnico e ainda que nele seja englobado o actual ensino técnico médio, desde que esses actos permitam um melhoramento da qualidade e do nível do ensino ministrado actualmente.
63. O chamado ensino técnico médio é aquele que sendo terminal (por conceder um diploma que habilita para o exercício de determinada função) exige, para ser frequentado, que o candidato apresente o diploma de um curso de escola técnica, profissional secundária ou o diploma do exame do curso geral dos liceus.
É justo, socialmente, que se dê a possibilidade a adultos que já exerceram profissões tecnológicas mas que não possuem qualquer dos diplomas acima, designados, que se apresentem a um exame de admissão de várias provas com programas que incluam matérias de cultura geral, de nível dos cursos gerais secundários.
Para a admissão nas escolas superiores de tecnologia deve exigir-se, quer um diploma de ensino técnico médio, quer o do curso complementar dos liceus.
Parece também justo, socialmente, que se permita a adultos que já exerceram profissões tecnológicas que se apresentem a exames de admissão com várias provas que permitam avaliar se o candidato possui conhecimentos análogos àqueles que os alunos do ensino técnico médio devem possuir quando saem das respectivas escolas, que se podem designar por institutos tecnológicos.
Desta forma, é lícito admitir nas escolas superiores de tecnologia ou noutras os estudantes oriundos das Faculdades (e reciprocamente) e, até, que se estabeleçam equivalências entre algumas das cadeiras das Universidades e outras das escolas superiores.
Mas este ponto será melhor desenvolvido quando se tratar da base XI.
64. Em França, a partir de 1961, criaram-se cadeiras tecnológicas nas Faculdades de Ciências.
Como é sabido, seis certificados (um certificado francês corresponde quase sempre à matéria dada em duas ou três cadeiras e um aluno "normal" pode obter dois "certificados" por ano), dão o título de licenciado em Ciências.
A lei francesa permite que se dê o título de licenciado em Ciências Aplicadas se cinco dos certificados forem dos "antigos" e um de cadeiras tecnológicas.
Ora, desde 1964 que as Faculdades de Ciências francesas podem conceder o diploma de estudos superiores técnicos aos possuidores de um certificado "antigo" e de um certificado tecnológico que tenham realizado um estágio de nove meses numa empresa.
Verificou-se, em França, ser impossível a manutenção nas Faculdades de Ciências de ensinos tecnológicos (mesmo que como tais fossem classificadas as cadeiras de Automatização, Informática, Cálculo Mecânico, Cibernética) e, por isso, no decreto de 1966, que criou os institutos universitários de tecnologia, se determinou que as Faculdades de Ciências deixassem de conceder "diplomas de estudos superiores técnicos" à medida que os I. U. T. (Institutos Universitários de Tecnologia) fossam concedendo diplomas terminais.
Notemos, no entanto, que em 1965 as Faculdades de Ciências de França concederam cerca de 52 000 certificados de ciências puras e apenas 600 certificados de tecnologia. Todas as Faculdades de Ciências francesas concederam naquele ano 6400 diplomas de licenciados em Ciências e sòmente escassas dezenas de licenciados em Ciências Aplicadas.
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Estes números indicaram, aos peritos do Ministério da Educação Nacional francês que as Faculdades de Ciências não estavam organizadas para assegurar o ensino superior das tecnologias com extensão bastante para corresponder às necessidades da produção.
A maior dificuldade revelada foi a da falta de professores, porquanto a Universidade exige títulos da carreira docente: "agregação", "doutoramento", "obras publicadas".
O problema "número um" é - já ficou dito! - o da formação adequada do professorado habilitado para os diferentes graus de ensino. É evidente que será mais difícil equacioná-lo para os ensinos superiores e será grande erro preencher novas vagas com pessoal sem as qualificações bastantes.
Como a França dispõe dos seus tradicionais "Corpos de Engenheiros do Estado" (Pontes e Calçadas, Minas, Telecomunicações, Engenharia Naval, etc.), escolheu a solução de criar os institutos universitários de tecnologia com quadros docentes constituídos em grande parte por engenheiros oriundos das grandes escolas e com larga prática de realizações técnicas.
O corpo docente dos I. U. T. franceses é hoje formado por professores universitários para as cadeiras de base e por professores eventuais ("maîtres de conférences" e "maîtres assistants"), que, se forem engenheiros, acumulam as suas funções nos "corpos" com a docência de disciplinas técnicas ligadas às suas actividades. Estes professores não são titulares. São realizadores: são um misto de homo sapiens e de homo faber. Oriundos da escola politécnica e das "grandes escolas" que a prolongam, são considerados do escol francês, a nível equivalente aos dos professores universitários. Falta-lhes, porém, preparação pedagógica.
65. Haverá que fazer um apontamento sobre o que há poucos anos se chamou em França educação tecnológica.
Como é sabido, um decreto do Governo Francês datado de 6 de Janeiro de 1959 declarou que dez anos depois o ensino francês seria obrigatório até aos 16 anos. Discutiu-se muito sobre a exequibilidade da providência. É que a obrigatoriedade de um ensino é condicionada: o jovem só deve ser obrigado a ir à escola se houver escola apetrechada para o receber. Escola apetrechada quer dizer muito: edifício, mobiliário, orgânica... e professores. Na verdade, a obrigatoriedade do ensino tem de ser dupla: obriga em primeiro lugar o Estado ou a entidade pública encarregada de promover o ensino e só depois obriga o aluno.
Feitas as contas, verificou-se ser impossível elevar a obrigatoriedade dos 14 anos para os 16 anos dentro do curto prazo fixado no decreto. Deve acrescentar-se que, efectivamente, em 1968-1969 muitos departamentos franceses só tinham escolarizados 60 por cento dos seus jovens de 14, 15 e 16 anos.
Também se discutiu muito se havia possibilidade de um tronco comum de "disciplinas formativas" até aos 16 anos ou se se devia alargar o sistema de opções.
Lembremos que hoje em França se consideram fundamentais e obrigatórios os ensinos da língua pátria, da matemática e de uma língua estrangeira. Esta pode ser, aliás, escolhida entre sete (como é óbvio, nem todas as escolas secundárias têm os sete ensinos linguísticos).
Entre as matérias optativas considerou-se que se devia colocar uma disciplina pela qual, durante anos sucessivos, os alunos pudessem tomar conhecimento fundamentado das "realidades técnicas" que enchem o meio ambiente artificial.
Estas opções técnicas foram introduzidas desde a chamada "quatrième" 36, normalmente frequentada, por alunos de 14 anos.
Esta disciplina de propedêutica técnica seria a continuação dos "trabalhos manuais educativos" da instrução primária e das "lições de coisas" das classes 6.ª e 5.ª (correspondentes ao nosso actual ciclo comum).
Desde 1961-1962 até 1968-1969 (enquanto se preparava a execução da escolaridade obrigatória até aos 16 anos) escreveram-se muitas circulares e ordens de serviço para precisar o objectivo da nova disciplina de opção, principalmente porque urgia a preparação dos respectivos professores. Qual a formação de base a exigir-lhes? Engenheiros por escolas superiores não classificadas como "grandes escolas"? Condutores de obras públicas e agentes técnicos? Licenciados em ciências aplicadas?
Discutiu-se muito sobre a formação pedagógica desses professores e também sobre os programas da cadeira.
Tem-se debatido largamente se o ensino propedêutico técnico podia ser ou não formativo.
Haverá aqui que relembrar que não há formação sem informação e que, em geral, qualquer informação pode ser base de formação. Depende tudo da metodologia da transmissão de conhecimentos.
Os pedagogos que defendem a ideia (que parece aceitável) de que a nova disciplina pode ser formativa começaram nos seus escritos a falar em educação tecnológica 37 .
O reitor Jean Capelle, que foi director-geral dos Ensinos no período das discussões, escreveu, pela primeira vez, a palavra tecnologia a respeito da cadeira optativa designada nas instruções:
Introduzindo a tecnologia no ensino secundário, quis-se dar um lugar, entre as disciplinas de formação geral, aos "logos" da técnica, isto é, à metodologia das operações pelas quais a matéria é transformada, segundo o engenho dos homens, para servir à realização de determinadas funções.
O mesmo pedagogo francês foi de opinião de que tal disciplina devia ser escolhida pelos estudantes que se desejavam orientar para os ensinos clássicos, pois "teriam assim a única ocasião de adquirir alguma familiaridade com o mundo da técnica, que é, aliás, o da nossa existência".
No entender de Capelle, o ensino dessa "propedêutica técnica", que mostraria como pode ser transformada a matéria, não deve ser ministrado "com o espírito da produção".
Verifica-se, assim, que a nova disciplina foi incluída no ciclo de observação e de orientação que é o ensino obrigatório como centro de interesses tecnocognitivos para os alunos que optarem por ela (actualmente cerca de 25 por cento em "quatrième" e 20 por cento em "troisième").
É evidente que o ensino desta disciplina, integrado no 1.° ciclo secundário, nada tem de comum com qualquer das disciplinas dos conjuntos que conduzem a diplo-
36 Em França, depois de cinco anos de ensino primário (dos 6 aos 11, para terminar aos 12), existe um ensino secundário de quatro anos (dos 11 ou 12 aos 14 ou 15, para terminar aos 16) legalmente obrigatório. Este ensino é dado em colégios de ensino secundário, em colégios de ensino geral e também em liceus de 1.° ciclo. O ano mais baixo (o nosso 1.° ano do ciclo comum) chama-se "classe de sixième" a que se segue a "classe de cinquième e depois a de "quatrième".
37 Cf. Yves Deforge. L'Éducation Technologique, Casterman. ed. 1970; Ardoino- Propos actuels sur l'Éducation, Paris, 1969.
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mas técnicos pré-secundários. É apenas uma "propedêutica técnica" (por muitos chamada "educação tecnológica e considerada digna de ser disciplina obrigatória). Nele existe ainda muito de antigas ideias sobre o objectivo da tecnologia: catálogo e descrição dos materiais e ferramentas, maquinismos e métodos de fabrico.
66. Um problema importante no que respeita à criação de novos ensinos superiores é o da distribuição das actividades escolares no decorrer do ano. Em todos os países em que a avaliação dos resultados do ensino é feita por exames no fim dos períodos lectivos, gastam-se dois meses estes exames. Sendo um serviço exaustivo para os mestres, criaram-se, por isso, em alguns países, lugares de examinadores.
Há cerca de trinta anos era ainda vulgar que no nosso ensino superior um catedrático desse anualmente, em cada turma, 70 a 75 aulas.
Este número está hoje reduzido a 40, porquanto as escolas superiores funcionam efectivamente de 20 a 25 semanas por ano.
Há quarenta anos os cursos de Engenharia em Portugal absorviam oito horas de permanência na escola, em cada um dos seis dias úteis da semana. Estas quarenta e oito horas semanais foram reduzidas (de vinte e seis a trinta e duas horas) nos "novos planos" aprovados em 14 de Novembro de 1955 (Decreto n.° 40 378). Dos inquéritos franceses resultou que um ensino tecnológico exige um mínimo de novecentas horas anuais de presença escolar, e com estas palavras, "presença escolar", quer dizer-se contacto entre os alunos e os docentes.
Neste número, que poderá servir de base a estruturações futuras, não entra, como é evidente, o tempo do estágio obrigatório a realizar fora da época escolar.
A experiência francesa dos I. U. T. (criados em 7 de Janeiro de 1966) começou em 1967-1968 com as seguintes especialidades: construções civis, obras públicas, mecânica, química, biologia aplicada, informática, estatística, administração, finanças, gestão de empresas, comercialização, serviço social. A lista alongou-se em 1968-1969 às indústrias alimentares, à agronomia e pecuária, à pedagogia.
As especializações deste ensino superior aumentaram em 1969-1970 (economia, geologia aplicada, sociologia) e no presente ano lectivo já andam perto de 35.
Espera-se que atingirão 50, ministradas em cerca de 40 I. U. T. distribuídos por toda a França, pois se pretende que estas novas escolas superiores se instalem nas províncias 38.
67. A Câmara entende que deveria ficar expresso nesta primeira base, como, aliás, vem especificado no projecto de proposta, que o ensino a instituir visa a preparação técnica qualificada para o desempenho de actividades profissionais. Mas não convirá sugerir desde logo, como se fez no projecto de proposta, que este ensino constituirá um "ramo" estruturado em moldes unitários e eventualmente submetido a um mesmo estatuto. Prefere-se, portanto, uma redacção mais maleável, até porque a certos cursos de índole artística não caberá inteiramente a designação de ensino tecnológico.
Finalmente, convém referir desde já que o ensino em causa será médio ou superior.
Nestes termos, e por tudo quanto atrás se disse, julga-se que esta base deve ter a seguinte redacção:
Base I
A preparação técnica qualificada para o desempenho de actividades profissionais será ministrada em instituições de ensino médio e superior, de índole tecnológica ou artística.
BASE II
68. Na base II fixam-se quatro grandes ramos em que se podem agrupar as dezenas de especializações necessárias à economia nacional e que ficarão a cargo do ensino tecnológico.
A classificação não corresponde à que actualmente preside aos estudos do ensino médio, o qual, como se sabe, comporta os ramos comercial, industrial e agrícola.
Hoje não existe, porém, motivo suficiente para autonomizar o ensino comercial, que constitui apenas um dos campos em que se pode subdividir o ramo dos serviços.
Por outro lado, impõe-se a organização do ramo artístico, até porque a actividade artística nos sectores da indústria e dos serviços atingiu importância evidente e está em incremento acelerado.
Quanto à possibilidade, prevista no n.° 2, de virem a ser incluídos cursos de preparação para as carreiras auxiliares da medicina, tem de entender-se que ela só se verificará nos casos em que a preparação requerida para as profissões seja de nível pós- secundário. A prescrição da última parte do n.° 2 afigura-se, pois, redundante.
Por tudo quanto fica referido, considera-se que esta base deve ter a seguinte redacção:
Base II
1. O ensino tecnológico compreende os seguintes ramos:
a) Agrícola;
b) Industrial;
c) Serviços;
d) Artístico.
2. O mesmo ensino pode também abranger a formação profissional para carreiras auxiliares da medicina.
BASE III
69. A base III enumera vinte e quatro cursos, divididos pelos quatro ramos do ensino de que se trata, mas tanto da redacção do n.° 1 como das disposições dos n.ºs 2 e 3 resulta não se tratar de enumeração limitativa, ficando, desde já, previsto que dentro de cada grupo de actividades se possam organizar outros cursos sempre que as necessidades de pessoal de nível médio e de mais alto nível os venham a impor, hipótese que pode dar-se mesmo que se trate de domínios situados fora dos quatro ramos abrangidos no projecto de proposta. E nenhuma censura há a fazer a esta maleabilidade, porque as necessidades de formação evoluem actualmente com um ritmo muito rápido, sendo a lição da experiência no sentido de condenar quadros fixos, que depressa se desactualizam e perdem utilidade.
Recebeu a Câmara sugestões da Ordem dos Engenheiros, do Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores e de outras entidades responsáveis.
Não pode a Câmara aceitar todas as sugestões, por considerar que a indústria nacional não tem ainda as
38 Cf. M. Y. Bernard - Les instituts universitaires de technologie - Dunod, 1970.
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dimensões bastantes para absorver os diplomados que tanta especialização nova imporia.
Em todo o caso existem sectores, alguns deles ligados às artes gráficas, como a fotografia e o cinema, que já justificam, preparação escolar adequada, umas vezes a nível médio, outras vezes a nível superior.
De facto, o número de industriais inscritos no Grémio Nacional dos Industriais de Fotografia é de cerca de 1200.
Além disso, socorrem-se das várias modalidades de fotografia as empresas de publicidade, os fotogravadores, os fotolitógrafos, os produtores de filmes, as bibliotecas, os arquivos, os serviços de documentação, o Serviço Cartográfico do Exército, o Instituto Geográfico e Cadastral, o Instituto de Meios Áudio- Visuais de Ensino, centenas de laboratórios e oficinas, a Televisão, etc.
Portugal importa por ano 600 000 contos de material fotográfico, que é usado por muitos milhares de profissionais e amadores.
A óptica é uma importantíssima ciência básica e a fotografia é hoje uma ciência aplicada de grande projecção.
Pois nunca houve no nosso país uma escola de óptica e uma escola de fotografia!
Escolas especiais de óptica e de fotografia (de nível secundário, de nível médio e de nível superior) existem nos principais países. Na Grã-Bretanha existem 25 de nível avançado e de nível superior. Há escolas diurnas e escolas nocturnas que concedem vários títulos: de "fotógrafo diplomado", de "mestre em fotografia" e de "perito fotógrafo" no ensino médio e de "engenheiro fotógrafo" no ensino superior.
Os grandes produtores de material fotográfico (e há dezenas deles nos Estados Unidos da América, no Japão, nas duas Alemanhas, na França, na Suécia, na Grã-Bretanha, na Holanda, na Itália, na Checoslováquia) possuem as suas escolas, algumas das quais concedem diplomas válidos para empregos oficiais.
Nos Estados Unidos existem a Sociedade dos Cientistas e dos Engenheiros Fotógrafos, a Sociedade dos Engenheiros de Instrumentos Foto- Ópticos e a Sociedade dos Engenheiros Técnicos de Cinema e Televisão. Na Grã-Bretanha existe a Real Sociedade de Fotografia, que promove congressos internacionais de nomeada, com secções de fotografia científica, fotografia industrial, fotogrametria e fotografia artística.
70. No ramo dos serviços far-se-á um ligeiro apontamento sobre um sector que necessita de coordenação: o do serviço social, de importância crescente em todo o mundo e que entre nós surgiu por necessidade da assistência e da saúde públicas, mas que já alargou o seu campo de acção à educação e às empresas particulares.
Parece necessário e urgente estruturar o ensino das assistentes sociais e das auxiliares sociais, que nas suas reivindicações aspiram a diplomas a que correspondam títulos de maior repercusso na sociedade.
Como já ficou dito, é geral este desejo, e os títulos concedidos pela Universidade medieval (bacharel, licenciado, mestre e doutor) continuam, em todo o mundo, mesmo na época da cibernética e da automação, a ter considerável importância. Actualmente, o título de bacharel é desejado por todos aqueles que possuem um diploma de ensino considerado superior.
Como é orientação geral facilitar a promoção pelo ensino de quantos tenham qualidades físicas e intelectuais, as Faculdades universitárias virão a ser pressionadas no sentido de permitir o ingresso em determinados níveis, de alguns dos seus cursos, dos diplomados por escolas superiores.
Dada a apetência de títulos universitários, é de temer que algumas destas escolas (principalmente as que concedem títulos de menor ressonância) tendam a converter-se em simples trajectos, visando os títulos de licenciado e de mestre (este concedido por quase um milhar de Universidades de hoje).
Os ensinos ministrados nas escolas superiores não universitárias deviam ser, fundamentalmente, organizados como terminais, principalmente aqueles (e são quase todos) que habilitam para o exercício de determinadas profissões.
Os institutos de serviço social nasceram de iniciativas particulares, apoiadas pela Igreja, nos anos de 1935 (Lisboa), 1937 (Coimbra) e 1956 (Porto).
O Estado reconheceu-os como escolas superiores competentes para conceder diplomas de assistentes sociais, que o próprio Estado aceita como necessários e suficientes para o exercício de funções dos quadros oficiais.
No ultramar existe, porém, um instituto oficial, em Lourenço Marques. O de Angola é, no entanto, particular, como os da metrópole.
Os cursos ministrados nos actuais institutos superiores de serviço social são de quatro anos (começaram por ser de três anos e meio) e têm tido, em muitas cadeiras, excelente nível, em virtude da categoria de alguns dos seus mestres, uns catedráticos de Direito, Medicina, e outras Faculdades.
Por despacho ministerial de 27 de Abril de 1964 foi autorizado, dentro do Centro de Estudos do Serviço Social e Desenvolvimento Comunitário, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, o funcionamento de um curso de serviço social, análogo aos três cursos particulares já referidos.
Para além dos quatro anos deste curso oficial de assistentes sociais (até 1969-1970 formaram-se 18), estabeleceu-se um segundo nível destinado a "proporcionar a formação requerida pelo exercício de funções de chefia e pela investigação científica correspondente", que conferia (com mais dois anos de estudos) o título de licenciado em serviço social.
Nos anos de 1967-1968 e 1968-1969 matricularam-se neste "curso complementar" cerca de 200 alunos, número que, comparado ao de assistentes sociais existentes (cerca de 1100), é indicador bastante do prestígio do título de licenciado.
71. Os profissionais de serviço social são de dois níveis: os assistentes sociais preparados em escolas superiores e os auxiliares sociais que têm sido preparados a nível secundário.
Parece evidente que a admissão às escolas superiores de serviço social deve ser permitida aos aprovados no curso complementar dos liceus (ensino de base, não profissional), aos auxiliares sociais e aos professores do ensino primário que aspiram a exercer a função de assistente social no campo da educação.
O curso de auxiliares sociais (que pretendem outro título, como o de agente técnico de animação sócio- cultural ou o de educador social) foi criado em 1944 pelo Subsecretário de Estado da Assistência Social, na dependência da Misericórdia de Lisboa. Foi oficializado pelo Decreto- Lei n.° 38 884, de 28 de Agosto de 1952, com dois anos seguidos de um estágio de seis meses.
O curso de auxiliares sociais funciona hoje, também, em duas escolas particulares (Coimbra e Lisboa). Exige-se para a admissão a qualquer das escolas, quer o curso geral dos liceus, quer um diploma de cursos técnicos profissionais.
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É evidente que o título, o currículo, as funções e remunerações destes técnicos devem ser revistos, porquanto tais diplomados não estão em condições económicas e psicológicas para exercerem a sua profissão nos diversos campos de acção referidos em vários quadros do Estado e de empresas privadas.
72. No mesmo ramo dos serviços e ao nível médio devem aparecer como fundamentais as escolas do magistério primário e as escolas de educadores da infância. É de mais conhecida a importância primordial destas escolas na orgânica de qualquer Estado. Existem, de longa data, projectos de organizações destes ensinos normais, que, infelizmente, ainda não podem ser dados a nível superior.
A par da instrução pública deve ser a saúde a grande preocupação dos estadistas. A preparação do pessoal de enfermagem e de assistência hospitalar há-de fazer-se ao nível médio e ao nível superior.
Hoje, quando a rede dos hospitais e das casas de saúde se estende a todo o território nacional e continuadamente se desenvolve, incluindo cada vez mais estabelecimentos especializados e procurando dar assistência a um número crescente de doentes, hoje, quando se busca desenvolver a profilaxia, os campos de acção dos Ministérios da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social, do Interior e da Educação interpenetraram-se de tal forma que é difícil situar com precisão a localização das escolas das técnicas assistenciais e hospitalares.
A formação dos médicos e dos cirurgiões e a dos fisioterapeutas (esta a cargo de escolas especiais nos países anglo-saxões) exige a frequência de hospitais gerais e de centros de reabilitação.
A gama dos técnicos hospitalares é muito grande e, alargada a assistência à profilaxia, entramos no campo da ginástica terapêutica e nas fronteiras da ginástica geral e da iniciação desportiva.
Haverá, sem dúvida, que pensar em escolas de instrutores e monitores de educação física e, ao nível superior, em escolas para professores de ginástica.
73. Não é possível num parecer como este, que obrigou a contactos com variadíssimos "consumidores da produção escolar", muitos dos quais defendem ainda o aprendizado nos locais de trabalho, levar em conta todas as múltiplas sugestões recolhidas e estruturar um quadro de profissões a aprender ao nível médio e ao nível superior.
Parece, porém, que, quanto aos cursos próprios do ramo agrícola, existe a imperiosa necessidade de formar regentes agrícolas nas seguintes especializações: agricultura; horto-frutifloricultura; vitivinicultura; silvicultura e hidráulica agrícola; pecuária; indústrias alimentares agrícolas; administração, gestão e comercialização agro-pecuárias.
Cada instituto de tecnologia agrícola, na metrópole e no ultramar, ministrará os cursos mais indicados para a região onde actuar.
É evidente, porém, que haverá que criar escolas técnicas agrícolas de nível secundário, bastando para isso destacar das actuais escolas de regentes agrícolas os três primeiros anos ou ampliar as escolas práticas de agricultura.
O curso de administração, gestão e comercialização agro-pecuárias parece indispensável, em face das crescentes necessidades de técnicos de administração de empresas agrícolas e pecuárias (metropolitanas e ultramarinas), de organismos corporativos e de cooperativas e outras associações agrícolas, bem como de técnicos de comercialização de produtos, alfaias e maquinismos agrícolas. Dentro de um critério de lógica estrita este curso deveria incluir-se no ramo dos serviços, mas as conveniências de organização escolar recomendam o seu funcionamento dentro de institutos tecnológicos agrícolas, solução aliás idêntica à que se adopta para o curso de indústrias alimentares, que, sob um ponto de vista sistemático, se poderia ter incluído no ramo industrial.
Neste ramo haverá, sem dúvida, que instituir estabelecimentos de ensino médio e esoolas superiores de tecnologia .
Não é possível especificar rìgidamente todas as profissões que exigem preparação escolar prévia. Acontece até que, dada a mutabilidade das técnicas e das tecnologias, bem pode acontecer que a importância dos ofícios evolua ràpidamente, que alguns se venham a extinguir e que outros, ainda insuspeitados, venham a surgir.
As actividades agora enumeradas cobrem vastos campos de especializações variadíssimas, umas ensinadas a um único nível, outras podendo abranger o nível médio e o nível superior. A Câmara propõe as seguintes subdivisões do ramo industrial: metalo-mecânica, electrotecnia, electrónica, construção civil e obras, minas e metalurgia, química, têxteis, papel, construção naval, motores, aeronáutica, fotografia e óptica e topografia.
No ramo dos serviços deseja a Câmara pôr em relevo que considera a preparação dos professores do ensino primário, dos educadores de infância e do pessoal hospitalar como a mais urgente de quantas incumbem ao país.
Poderá parecer estranho que se aceite como defensável a inclusão das escolas normais num ramo de ensino tecnológico. Haverá, no entanto, que notar que a quinta parte (e às vezes mais) das populações das nações mais avançadas frequenta escolas e que o rendimento destas se fixa em termos de produtividade 39. O ensino é hoje, de facto, uma técnica de produção em massa controlada e não repugna, sob o ponto de vista de rendimento, aceitar que as metodologias tecnológicas lhe sejam aplicáveis.
Feito este pequeno apontamento e olhado o projecto de proposta, não se vê razão para associar num mesmo curso o ensino da gestão de empresas e das "relações humanas", visto que se prevê um curso especial de relações públicas. Trata-se de matérias não coincidentes mas afins e que, portanto, há toda a vantagem em associar. Também não se afigura muito defensável a inclusão, no mesmo curso, das matérias de comércio e publicidade. Maior afinidade existiria entre comércio e contabilidade e, todavia, entende-se que a diferenciação está inteiramente prestigiada pelo indispensável grau de especialização que em qualquer desses domínios é possível atingir. Preferível será, portanto, associar a publicidade às relações públicas, porque, embora se trate de matérias diferentes, é de presumir, nos estudantes que sentem vocação para alguma dessas actividades, relativa aptidão para a aprendizagem da outra.
A designação "informações e comunicações" deve ser substituída por "informação e comunicação" (no singular), visto a palavra "comunicações" estar consagrada pela prática ao estudo dos meios técnicos de comunicações (correios, telégrafos, telefones, telecomunicações, etc.), e não à missão de comunicação (jornalismo, locução, etc.). É certo que bem pode acontecer seja mesmo às comunicações que o projecto se queira referir. A Câmara é de
39 Cf. Lê Thành Khôi, A Indústria do Ensino, Livraria Civilização, Porto 1970; Lee Hansen, Education, Income and Human Capital, Columbia Un. Press, 1970.
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parecer que são de considerar rubricas em separado: informação (jornalismo, pelo menos) e comunicações (correios, telégrafos, telefones, telecomunicações).
Deste modo, os cursos do ramo "Serviços" deverão ser, logo de início: administração pública; gestão de empresas; contabilidade; análise de informática; comércio; secretariado; relações públicas e publicidade; informação (jornalismo, radiodifusão e televisão); comunicações (correios, telégrafos, telefones, telecomunicações); turismo; serviço social.
Refere-se ainda promemoria os cursos referentes a técnicos hospitalares (necessàriamente em dois graus), que poderão vir a ser ministrados nos próprios hospitais e centros de saúde, dada a importância fundamental que a prática nas enfermarias e laboratórios terá no decurso dos ensinos.
74. No ramo artístico o primeiro curso previsto aparece com a designação de "estética industrial" (Design). E uma expressão bilingue. E certo que o termo design se encontra consagrado internacionalmente para designar a actividade dos projectistas, dos modelistas e dos miniaturistas das formas dos conjuntos de elementos produzidos pela indústria. Assim se convencionou. Mas também se pode convencionar que tudo isto seja indicado na expressão "estética dos projectos industriais". E como se trata de um texto para uso nacional, parece poder dispensar-se que àquela expressão portuguesa se anexe um vocábulo estrangeiro. (Lembremos, entre parêntesis, que desígnio é vocábulo português, sinónimo de intento, projecto, plano.)
Parece de facto preferível denominar o novo curso por palavras portuguesas, o que com relativa exactidão se consegue com a fórmula "estética dos projectos industriais", que se refere à profissão que busca tornar mais atraentes os produtos fabricados.
Lembra-se que o marquês de Sousa-Holstein, que foi inspector de Belas-Artes, escreveu há quase um século:
O domínio da arte... abrange tudo quanto nos cerca, todos os objectos de uso quotidiano, os móveis das nossas casas, os fatos que nos vestem, a louças, as pratas, tudo, em uma palavra, quanto serve para a vida. Em tudo pode haver belo, não só no sentido limitado da ornamentação e decoração... mas sobretudo no sentido mais lato do objecto e do seu uso.
Parece que será necessário criar um curso médio para desenhadores de plantas e planos respeitantes à topografia, à construção civil, às obras públicas, à construção mecânica e eléctrica. Seria um curso para "desenho técnico".
Refere-se o projecto de proposta ao magistério de desenho. O respectivo relatório justifica a inclusão deste curso da seguinte forma:
A referência ao magistério do desenho justifica-se pelo facto de um grande número dos professores de Desenho do ensino secundário 40 terem tirado os seus cursos nas escolas de artes decorativas, que, como se sabe, são só duas - a de António Arroio, em Lisboa, e a de Soares dos Reis, no Porto. A preparação aí recebida não é especificamente dirigida ao serviço do magistério e a importância progressiva que a disciplina do Desenho está a assumir no ensino secundário 41 é justificação suficiente para a autonomização dos cursos destinados ao magistério da disciplina. Por outro lado, pôr-se-á por este meio fim à anomalia de se considerarem os professores que possuem a habilitação dada por aquelas duas escolas como professores sem habilitação própria, o que tem reflexo na escala das remunerações. O resultado desta situação é que dos diplomados pelas escolas de artes decorativas só procuram o magistério os que não encontram colocação no sector privado. É uma selecção au rebours que não se considera consentânea com a responsabilidade da missão pedagógica.
De facto, os professores dos ensinos secundários e do seu ciclo preparatório são, na maioria, eventuais.
Não se encontra explicação para a reduzida importância que até hoje se tem dado entre nós à educação artística nos "curricula" escolares.
O desenho é sem dúvida meio inestimável para desenvolver as qualidades de observação. O seu ensino exige, porém, contactos directos entre mestre e estudante e impõe a existência de professores convenientemente preparados.
Os professores efectivos têm, como preparação básica, um dos cursos das escolas superiores de belas-artes. Mas como a maioria dos professores (de qualquer grupo) não são efectivos, lança-se mão de professores sem Exame dá Estado e, por vezes, sem a preparação básica adequada. No 9.° grupo do ensino liceal e no 5.° grupo, quer do ensino secundário técnico, quer do ciclo comum, os professores eventuais são, ou pintores, ou escultores (os arquitectos raramente concorrem a lugares de professor), ou licenciados em Matemática e engenheiros (principalmente do sexo feminino).
O número de horas semanais de desenho no liceu está muito reduzido e em geral não existem professores eventuais do 9.° grupo formados pelas escolas de artes decorativas. Porém, como tanto no ciclo preparatório, como no ensino técnico secundário, o desenho ocupa mais horas, tem-se recorrido a diplomados pelas escolas de artes decorativas. À Câmara parece exagerado que diplomados num curso secundário de apenas quatro anos (depois do ciclo preparatório) possam vir a ensinar em escolas técnicas. Mas não repugna aceitar que tais diplomados, depois de dois anos de estudos normais e um ano de estágio, possam apresentar-se a um Exame de Estado para o 5.° grupo do ciclo preparatório.
O curso de Decoração, indicado na alínea d) da base III em análise, deverá seguir-se ao actual curso secundário professado nas escolas de artes decorativas. Têm, no entanto, de ser ponderadas as ligações entre aquele curso médio e os cursos superiores de Pintura e Escultura professados nas escolas superiores de belas-artes.
Lembre-se que o Decreto-Lei n.° 41 362 e o Decreto n.° 41 363, ambos de 14 de Novembro de 1957, tiverem em vista, as disposições da Lei n.° 2043, de 10 de Julho de 1950.
Tiveram estes decretos em mira dar seguimento às bases da mesma lei, dar categoria de superior ao ensino das belas-artes, vincar que a preparação de um arquitecto deve ser fundamentalmente artística e fixar provas de admissão a todos os cursos.
Logo se verificou que a reforma exigia a construção de um novo edifício para a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, e se procedeu à elaboração de um projecto em que fosse visível a necessidade da conjugação das "três artes".
Ainda não foi possível a aprovação de um projecto da escola superior que forma os artistas que se devem con-
40 Talvez melhor se dissesse - dos ensinos secundários.
41 Ou, mais concretamente - nos ensinos secundários e no ciclo preparatório.
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siderar como os criadores de uma das mais altas realizações do espírito humano.
Os diferentes estádios das civilizações têm-se imposto no decorrer dos milénios pelas suas produções artísticas, pelo que se exprime o desejo de serem dadas aos artistas condições de formação muito cuidadas, em mestres, em material e em instalações.
A Câmara emite o parecer de que os arquitectos, embora sofram mais do que quaisquer outros artistas os embates da técnica, se não devem desviar da sua orientação artística.
Chama-se igualmente a atenção para a necessidade imperiosa de desenvolver os ensinos da música, do teatro e de bailado aos níveis secundário, médio e superior. O actual Conservatório, que espera há dezenas de anos uma reforma, deve ser desdobrado em duas linhas de ensino: uma para a música e outra para o teatro.
75. Pelo referido na alínea d) da base III, haverá que indicar desde já os seguintes cursos: Estética dos Projectos Industriais; Desenho Técnico; Decoração; Artes Gráficas; Música; Teatro; Cinema, e Magistério de Desenho.
76. Poder-se-á criticar que se incluam nas listas das especializações, a integrar no novo ensino tecnológico, algumas matérias que até agora não tenham sido consideradas como ligadas a profissões lucrativas. Defende-se a posição lembrando que o magistério não deixa de ser emprego remunerado, que todo o pessoal hospitalar, e de assistência se pode integrar em posição idêntica e que a maioria dos artistas (pintores, escultores, arquitectos, músicos, actores) ganha a vida através das suas produções e das suas actuações.
Numa sociedade de consumo, comprimida pelas técnicas, o próprio artesanato, e mesmo a produção individual da obra de arte, não podem fugir ao emprego de novos materiais, de novas ferramentas, de máquinas e de métodos tecnológicos.
77. Os n.ºs 2 e 3 da base III destinam-se a autorizar o Governo a criar novos cursos sempre que as necessidades de formação de profissionais assim o exija.
São, portanto, duas disposições de conteúdo normativo, divergindo apenas em que o n.° 2 permite a criação de novos cursos dentro dos grupos de actividades enumeradas na base II, ao passo que o n.° 3 autoriza a instituição de cursos profissionais mesmo fora daqueles grandes grupos da acção humana.
Tal insistência reflecte, provàvelmente, a preocupação de combater a rigidez que as estruturas escolares tendem sempre a assumir, deixando aberta a porta para, a todo o tempo, introduzir as correcções que forem sendo aconselhadas pela mutabilidade das técnicas e pelas flutuações no mercado do trabalho.
Mas parece de melhor técnica fundir as duas disposições em uma única, redigida em termos de comportar a possibilidade da criação de cursos, sem qualquer referência aos ramos previstos na base II
Considera-se conveniente começar a base declarando que ao Governo compete em geral instituir os cursos necessários, numa formulação de máxima maleabilidade. Enunciar-se-ão depois os cursos cujo funcionamento se pode imediatamente prever.
A repetição da rubrica "Artes gráficas" no ramo industrial e no ramo artístíco justifica-se pelas duas facetas que a respectiva profissão patenteia.
Nestas condições, julga-se que o preceito deve ter a seguinte redacção:
Base III
1. O Governo instituirá os cursos desta natureza que sejam adequados para formação do pessoal qualificado necessário em qualquer domínio da economia nacional ou do exercício das artes.
2. Consideram-se desde já abrangidos pela presente lei os cursos, existentes ou a criar, quer a nivel médio, quer a nível superior, quer a ambos estes níveis, que correspondam às actividades seguintes:
a) No ramo agrícola:
Agricultura;
Horto-fruti-floricultura;
Vitivinicultura;
Silvicultura e hidráulica agrícola;
Pecuária;
Indústrias alimentares agrícolas;
Administração, gestão c comercialização agro-pecuárias.
b) No ramo industrial:
Metalomecânica;
Electrotecnia;
Electrónica;
Construção civil e obras;
Minas e metalurgia;
Química;
Têxteis;
Papel;
Construção naval;
Motores;
Aeronáutica;
óptica e fotografia;
Topografia;
Artes gráficas e edição de publicações.
c) No ramo dos serviços:
Administração pública;
Gestão de empresas;
Contabilidade;
Análise de informática;
Comércio;
Secretariado;
Relações públicas e publicidade;
Informação;
Comunicações (correios, telégrafos e telefones e telecomunicações);
Turismo;
Serviço social;
Técnicos hospitalares;
Magistério do ensino primário;
Educadores de infância.
d) No ramo artístico:
Estética dos projectos industriais;
Desenho técnico;
Decoração;
Artes gráficas;
Música;
Bailado;
Teatro;
Cinema;
Magistério do desenho para o ciclo preparatório.
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BASE IV
78. Na base IV estabelece-se o princípio da integração no novo ramo de ensino dos estabelecimentos públicos e particulares que já actualmente ministrem cursos pós--secundários e terminais de níveis correspondentes aos dos cursos agora instituídos.
Trata-se de matéria espinhosa. De harmonia com um critério sistemático, todos esses estabelecimentos deveriam ser integrados nos dois graus do ensino tecnológico. E seria essa a única forma de introduzir ordem num domínio que tem sido caracterizado pelas iniciativas isoladas e soluções fragmentadas, surgidas sob pressão de necessidades imediatas, mas não articuladas em estruturas de conjunto. Mas não pode deixar de se atender a que cada uma das situações criadas apresenta características especiais sob os pontos de vista da índole do ensino que ministra, das habilitações requeridas para a admissão e da natureza das funções a exercer pelos respectivos diplomados.
É evidente que, ao fixarem-se na base III as especialidades profissionais para as quais se vão criar sub-ramos de ensino, se não impõe ao Estado a obrigação de criar institutos e escolas para todos eles. Por um lado, pode o Estado criar estabelecimentos com vários ensinos, por outro lado, pode a iniciativa partir de empresa produtora, de associações pedagógicas, de organismos corporativos, de cooperativas ou de indivíduos com competência reconhecida pelo Estatuto do Ensino Particular.
O texto do n.° 2 da base IV, ao fazer depender a integração de estabelecimentos escolares no novo ramo de ensino da "conveniência que dos pontos de vista orgânico e pedagógico se verifique na sua desafectação de outras situações", reflecte precisamente uma grande preocupação e uma certa perplexidade em face das numerosas situações de facto e de direito já existentes.
A preocupação é legítima, mas a verdade é que, se o fim em vista é o de organizar o ensino tecnológico com carácter geral, e se existe a intenção de definir com indispensável clareza os sete níveis sucessivos de ensino - a) Educação pré-primária; b) Ensino primário obrigatório; c) Ensino pós-primário obrigatório; d) Ensinos secundários (liceal, técnico e artístico); e) Ensino liceal complementar e ensino tecnológico médio; f) Ensino superior (tecnológico e artístico) e ensino universitário; g) Ensino pós-universitário ou equivalente -, terá de se proceder com maior firmeza e de se legislar em termos mais precisos.
À Câmara parece que a base IV poderá ter uma redacção mais concisa:
BASE IV
Os estabelecimentos públicos ou particulares que, à data da entrada em vigor desta lei, ministrem ensinos pós-secundários que, pela natureza e duração dos cursos ou índole das funções para que preparam, caibam no âmbito do ensino tecnológico serão integrados nele.
BASE V
79. Na base V estabelecem-se alguns critérios em harmonia com os quais se deverá fazer a progressiva instalação dos estabelecimentos do ensino tecnológico pelas diversas regiões do País, e, ao mesmo tempo, se cria, sob forma de fixação de prioridade, o estímulo à contribuição das actividades económicas locais.
Omitiu-se, porém, a referência ao cânon fundamental da distribuição territorial: concelhio? (distrital? provincial?
Parece ter-se pretendido não fazer referência à divisão administrativa mas certamente às regiões-plano do território.
Nos trabalhos preparatórios pode ler-se a recomendação constante de instruções ministeriais dadas aos serviços, de que "a ideia a atingir é a de que, quando a rede estiver completa, cada distrito disponha de um instituto tecnológico ou de um instituto politécnico, nos casos de regiões com maior necessidade de formação de mão-de-obra".
Lembremos que no preâmbulo do projecto da proposta de lei em análise se escreve:
Pelo presente diploma estabelecem-se as bases para a organização do ensino médio em termos de abranger todos os sectores da actividade profissional que não exigem curso universitário. A denominação ensino politécnico exprime precisamente a polivalência que se pretende atribuir a este ramo de ensino e vem substituir a expressão ensino médio, que não traduzia correctamente o carácter terminal destes estudos, e que, talvez por isso, não contribui para a sua indispensável expansão.
A Câmara considera que a designação ensino superior não é apenas reservada ao ensino universitário.
As Universidades integram-se no ensino superior, mas têm como um dos seus fins primordiais a investigação científica, em cujos métodos de pesquisa serão iniciados os seus alunos. As outras escolas superiores - de tecnologia, ou não - não têm como objectivo principal a iniciação dos seus alunos em projectos de pesquisa.
Ê manifesta a necessidade de criação progressiva de novas escolas de ensino médio, quer para uma única especialidade, quer polivalentes (institutos tecnológicos), e também de novos estabelecimentos de ensino superior (escolas superiores de tecnologia) fora das três actuais cidades universitárias.
Por outro lado, como está bem patente na redacção da base V, deve dar-se prioridade às regiões que possuem núcleos industriais e económicos de importância nacional.
Deve ser preocupação vincular às regiões a mão-de-obra oriunda de famílias nelas instaladas, evitando assim que parte da população escolar tenha de emigrar em busca de escolas distantes.
As ilhas adjacentes devem ser beneficiadas no estabelecimento de uma nova rede de ensino médio que se pretende venha a ter malhas cerradas.
Quanto ao ensino superior não universitário, é manifesta a sua necessidade como elemento de valorização cultural de todo o território português.
Haverá, sem dúvida, que estabelecer regulamentação própria para o ultramar, porquanto as suas realidades são diferentes das realidades metropolitanas, não sendo de consentir generalizações apressadas. Considera-se, contudo, inútil a ressalva do projecto de proposta, pois nos termos constitucionais o diploma não se destina a ser aplicado ao ultramar. A Câmara propõe a seguinte redacção para esta base:
BASE V
1. Na concretização da rede de estabelecimentos do ensino tecnológico observar-se-ão os critérios que melhor satisfaçam a formação dos quadros técnicos exigidos pelo desenvolvimento das várias regiões do território nacional.
2. Na ordem a seguir na instalação progressiva dos estabelecimentos de grau médio serão tomadas em consideração as necessidades de pessoal especializado e a colaboração que possa ser prestada pelas actividades económicas, pelas autarquias e pela organização corporativa à instalação e manutenção dos estabelecimentos.
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3. Serão criadas não apenas nas cidades universitárias, mas também noutras, escolas superiores de tecnologia que englobem ensinos que preparam para o exercício das profissões de maior interesse para o desenvolvimento económico nacional e regional.
BASE VI
Merece inteira concordância a articulação entre a rede do ensino tecnológico e as conveniências do desenvolvimento regional, princípio consagrado na base VI. Também se reconhece a vantagem de intervenção de um órgão técnico de planeamento como melhor forma de evitar as reivindicações locais baseadas, como se escreve no relatório, "mais em aspirações tradicionalizadas ou em emoluções inter-regionais que em necessidades autênticas".
Como se propõe no presente parecer a criação de escolas superiores de tecnologia, convirá também mencionar a perspectiva do planeamento nacional.
A intervenção de um departamento com funções de coordenação interministerial é inteiramente justificada pela estreita correlação que deve existir entre o ensino de técnicos especializados, as conveniências imediatas do desenvolvimento económico e as necessidades de preparar pessoal para trabalhar nos serviços dentro do espírito das novas técnicas administrativas.
Não tem sido possível o levantamento de uma "carta pedagógica" capaz de prestar a cada momento uma informação objectiva sobre o grau do fundamento correspondente aos pedidos formulados pelas entidades locais ao Ministério da Educação Nacional, no sentido da criação de novas escolas ou novos cursos.
Acresce que as correntes migratórias não podem ser seguidas pelo Ministério.
A Câmara propõe a seguinte redacção para a base VI
BASE VI
Os cursos a professar em cada estabelecimento de ensino tecnológico serão fixados por portaria do Ministro da Educação Nacional, ouvido o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, sobre as conveniências de formação de pessoal especializado sob o ponto de vista do planeamento nacional e regional.
BASE VII
81. A base VII tem por fim fixar a nomenclatura. Convém que esta seja adaptada à já referida em vários passos deste parecer.
Acrescenta-se que parece conveniente poder dar um patrono a cada estabelecimento escolar médio: figura da história dia ciência, ou da história pátria, bem como personalidade promotora do desenvolvimento do ensino em Portugal.
A Câmara sugere a seguinte redacção desta base:
BASE VII
1. Os estabelecimentos de ensino tecnológico médio designar-se-ão "institutos tecnológicos".
Os estabelecimentos destinados à preparação de professores do ensino primário, de educadores de infância e de monitores de educação física, chamar-se-ão "institutos de magistério".
Os estabelecimentos destinados ao ensino das artes musicais e cénicas designar-se-ão por "conservatórios".
2. Os estabelecimentos de ensino tecnológico superior designar-se-ão "escolas superiores de tecnologia"
ou simplesmente "escolas superiores" individualizadas pela indicação do ensino ministrado.
Os estabelecimentos de ensino das belas-artes de nível superior chamar-se-ão "escolas superiores de belas-artes" e "conservatórios superiores".
3. Qualquer estabelecimento de ensino tecnológico médio poderá ter como patrono uma figura da história pátria, da história da ciência ou da história do ensino em Portugal.
4. Os estabelecimentos sem patrono serão individualizados pela indicação da respectiva localidade.
BASE VIII
82. É de aplaudir qualquer disposição legal que relembre que a escola se integra numa sociedade, dela recebe ensinamentos e sobre ela reage ao ponto de a fazer evoluir no sentido de uma maior justiça social.
De há muito se havia adoptado entre nós o sistema de recorrer aos técnicos da produção no sentido de apoiar um ensino mais de acordo com as realidades empresariais.
Deve continuar-se nesta senda, autorizando horários reduzidos para técnicos que exerceriam, assim, a docência para além do seu trabalho profissional e receberiam um vencimento calculado na base do dos professores eventuais.
A tal respeito têm-se apresentado argumentos tanto a favor de um vencimento mais elevado como de um vencimento inferior ao dos professores de tempo pleno.
O que será necessário é que as firmas que mereçam ser chamadas a colaborar no grande empreendimento nacional que é a educação se convençam de que desse modo trabalham, de facto, para que a formação dos futuros técnicos possa beneficiar da experiência profissional.
As empresas deverão ter sempre presente que "se aprende ensinando" e, portanto, que a docência exercida pelos seus técnicos os mantém em forma e até lhes melhora a forma, ou seja, a formação.
No texto da base VIII estabelece-se o princípio da colaboração não apenas entre a escola e a empresa mas também entre a escola e os órgãos de administração pública, com o objectivo de aproximar a actividade pedagógica das actividades económicas e administrativas. A Câmara considera que se deve fazer especial menção à organização corporativa.
Já ficou expresso neste parecer que a educação nem é um quadro autónomo dentro da sociedade, nem tem apenas como gestor o Estado. A educação é obra comum a todas as instituições e a todos os indivíduos competentes.
Não esqueçamos ainda que a inovação eficiente chega mais depressa à empresa do que à escola. Esta pode ter tido conhecimento da possibilidade de um novo invento, mas a invenção só como tal se considera quando se transforma em inovação tecnológica.
O técnico empresarial pode trazer à escola os conhecimentos necessários a cursos de educação permanente, que devem ser preocupação constante de qualquer estabelecimento do ensino tecnológico.
A Câmara propõe a seguinte redacção para esta base:
BASE VIII
1. Na instalação, manutenção e gestão dos estabelecimentos do ensino tecnológico é admitida a colaboração dos órgãos da administração pública, dos organismos corporativos e das empresas.
2. Nos regimes de colaboração, a definir pelo Governo, estabelecer-se-á a forma de participação das
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referidas entidades na elaboração e actualização dos programas dos cursos, em ordem a obter o ajustamento permanente dos estudos tecnológicos às necessidades de formação do pessoal e aos progressos da ciência, da técnica e das artes. Neles será prevista a prestação de serviço docente pelo pessoal das mesmas entidades que, para esse fim, possua a necessária preparação.
3. As escolas de ensino tecnológico não devem descurar a educação permanente, devendo recorrer-se nos cursos de reciclagem à colaboração dos órgãos da administração pública, dos organismos corporativos, de outras escolas e das empresas.
BASE IX
83. Constituída por disposições de natureza aparentemente elementar, a base IX contém comandos legais de importância, porquanto define a posição que este ensino ficará a ocupar no conjunto do nosso sistema escolar.
Isso justifica suficientemente que a matéria tenha sido considerada como constituindo base geral do regime jurídico do novo ramo.
A Câmara considera da maior vantagem desdobrar a matéria da presente base em dois preceitos - um relativo ao ensino tecnológico médio, outro dizendo respeito ao ensino tecnológico superior.
Quanto ao ensino médio, a regra geral deve ser a de que a via normal de acesso aos institutos tecnológicos seja a do ensino técnico profissional secundário. Admitir-se-á igualmente a matrícula aos que tenham obtido aproveitamento em cursos equivalentes, devendo as correspondências ser fixadas em diploma especial.
Convirá ainda estabelecer a necessidade de provas adequadas quanto a certos cursos.
Deverão também prever-se casos especiais em que seja de dispensar diplomas do ensino secundário.
Propõe-se, portanto, a seguinte redacção:
BASE IX
1. São admitidos à matricula nos institutos tecnológicos os alunos que hajam obtido aprovação nos cursos correspondentes do ensino técnico profissional.
2. Diplomas especiais fixarão as correspondências referidas no número anterior e bem assim os casos em que poderão ser admitidos alunos de outras origens escolares, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3. Os indivíduos com mais de IS anos poderão ser admitidos em qualquer estabelecimento de ensino tecnológico médio mediante exame efectuado nas condições gerais que forem fixadas pelos departamentos competentes do Ministério da Educação Nacional.
4. Aos adultos que tenham revelado grande vocação artística, patenteada em obras e execuções de mérito assinalado, poderá ser dispensado o diploma do ensino secundário.
5. A admissão aos cursos de teatro, música e bailado será sempre feita mediante provas adequadas, às quais se poderão apresentar os diplomados por qualquer ramo de ensino secundário.
84. E quanto à admissão às escolas superiores de tecnologia? Considera a Câmara que o diploma necessário para a admissão nas escolas superiores de tecnologia deve ser o obtido nos correspondentes institutos tecnológicos ou o de uma qualquer alínea do curso complementar liceal
Devem ser estabelecidas regras próprias para os conservatórios e para as escolas de beas-artes.
Propõe-se, portanto, a seguinte redacção:
BASE X
1. São admitidos à matricula nas escolas superiores, não universitárias, sem dependência de qualquer prova, os diplomados pelo ramo correspondente do ensino tecnológico médio.
2. São admitidos à matricula nas mesmas escolas mediante exame de admissão, os diplomados por escolas de outros ramos do ensino tecnológico médio.
3. São admitidos às escolas superiores de tecnologia, sem quaisquer provas de admissão, os diplomados com qualquer alínea do curso complementar do liceus.
4. São admitidos, sem qualquer exame de admissão, nos conservatórios superiores os diplomados pelos conservatórios médios.
5. A matrícula nas escolas superiores de belas-artes com destino aos cursos gerais de Pintura , de Escultura faz-se sem recurso a qualquer prova de aptidão, quando o candidato é diplomado pelas secções de "Estética dos projectos industriais" e à "Decoração" do ramo artístico do ensino tecnológico médio, ou mediante prova de aptidão quando o candidato é diplomado com qualquer alínea do curso complementar liceal ou por outros cursos tecnológicos.
6. Pode o Ministro da Educação Nacional autorizar, mediante parecer favorável da Junta Nacional de Educação, sobre informação das Escolas Superiores de Belas-Artes, que sejam admitidos nos cursos gerais de Pintura e Escultura, com dispensa total ou parcial das habilitações referidas no número anterior, pessoas que revelem vocação artística excepcional e nível cultural adequado.
85. Como já ficou dito, interessam menos à maioria dos estudantes os currículos dos cursos e a formação obtida através deles de que os títulos.
Em muitos países os nomes pessoais sobrepõem-se a títulos académicos; noutros, são estes que vagamente identificam as pessoas.
Em muitos outros países o título detém imenso prestígio social.
Esta realidade se recorda dado que o projecto de proposta de lei n.° 5/X levantou um grande entusiasmo por se considerar que ele iria alargar o número de bacharéis. Esperava-se e espera-se ansiosamente pela base ou artigo de decreto que fixe os novos títulos.
Parece que só as Universidades poderão, entre nós conceder certos títulos: bacharel, licenciado, mestre, doutor.
E contrária à nossa tradição a concessão de tais títulos por escolas superiores não universitárias. Por isso, é de admitir que estas escolas procurem a sua passagem à categoria de Faculdades.
É geral, em todo o Mundo, a absorção pelas Universidades de escolas superiores não universitárias que no decorrer dos anos foram impondo a qualidade do seu ensino.
Nota-se, no entanto, que tendo a Universidade portuguesa deixado de conceder o título de mestre, por se haverem apropriado as corporações de ofícios, passaram as escolas de belas-artes (agora, justamente, desig-
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nadas de superiores) a adoptá-lo para designar os seus docentes.
Posto isto, lembremos que os liceus não sendo escolas profissionais, não concedem qualquer título, nem no final do seu ensino geral, nem no final do seu curso complementar. O mesmo se não dá com as escolas técnicas profissionais, que ao nível secundário de formação concedem títulos, como "serralheiro diplomado", e ao nível médio concedem títulos como o de agente técnico de engenharia.
É, sobretudo, quanto ao nível médio que se levantam, entretanto, problemas delicados quanto aos títulos e diplomas. Veja-se, por exemplo, o caso dos agentes técnicos de engenharia.
86. É geral a tendência para comparar os cursos pelo número dos anos para se obterem os respectivos diplomas. Os diagramas dos anexos B e C facilitam tal comparação.
No diagrama do anexo B traçaram-se duas horizontais que, grosso modo, são limites superiores do curso geral e do curso complementar dos liceus.
Verifica-se assim que, actualmente, depois do ensino obrigatório, há três anos de ensinos secundários (por vezes quatro em alguns dos cursos de formação técnica, incluindo nestes a secção preparatória para os institutos industriais).
Ter-te-ão assim os seguintes anos de escolaridade normal: liceal 3, comercial 3, industrial 3 (ou 4), artístico 3 (ou 4) agrícola 3.
Ao nível do ensino complementar liceal ou dos ensinos médios técnicos as escolaridades são normalmente: liceal 2, comercial 3, industrial 4, agrícola 2 (ou 3).
A comparabilidade dos números que correspondem à escolaridade normal dos estudantes até obterem um diploma é uma das bases de reivindicações dos actuais agentes técnicos de engenharia.
Pela legislação actual, a admissão nos institutos industriais faz-se por exame de admissão de três ou de sete disciplinas, conforme o candidato apresente o diploma das secções preparatórias das escolas técnicas secundárias (ou o curso geral do liceu) ou o diploma do ciclo preparatório.
Parece evidente que esta última via deverá desaparecer para os alunos normais, porquanto apenas 25 por cento dos candidatos do regime das sete disciplinas consegue aprovação 42 e os aprovados encontram grandes dificuldades em seguir os cursos.
(Escreve-se "alunos normais", porque parece que deve deixar-se aberta a possibilidade de permitir o acesso escolar a profissionais com competência manifestada em anos de serviço e que desejem frequentar escolas em cursos nocturnos.)
O natural é, pois, que a admissão se faça nos institutos industriais pelo resultado de provas sobre três disciplinas após o ensino secundário.
Um aluno com possibilidades físicas e intelectuais poderá saltar a barreira desse exame de admissão no próprio
ano em que termina o ensino secundário.
De pretenderem entrar na Universidade, os alunos dos institutos industriais poderão fazê-lo ao fim dos dois primeiros anos do curso, em igualdade com os diplomados com o curso complementar dos liceus, que tem também dois anos de escolaridade.
Os actuais "agentes técnicos de engenharia" têm, pois, dois anos de especialidade enquanto os engenheiros diplomados pelas Universidades tinham seis de escolaridade para além do 7.° ano liceal (três de ensino geral e mais três de especialidade).
Pois que têm dois anos de ensino após o nível do último ano dos liceus, consideravam e consideram os agentes técnicos de engenharia que não corresponde à realidade do seu curso o título que lhes é dado e que, na sua opinião, corresponde apenas ao de um curso médio como o do condutor de obras públicas francês.
De facto, em França entra-se aos 11 anos no ensino secundário cujos dois primeiros anos são o "ciclo de observação" qualquer que seja a via escolhida (liceus; colégios de ensino geral; liceus técnicos e colégios técnicos; escolas de ensino profissional; ensino terminal). Os ensinos secundários têm, depois dos dois anos de observação, um second niveau de três anos, aos quais se segue um ano para a preparação ao "Brevet d'Agent Technique" (B. A. T.), seguido de outro ano para a preparação ao "Brevet de Technicien" (B. T.). Com este último certificado é que se entra no 3.° nível que, embora superior, é, para as carreiras técnicas, cursado nos liceus técnicos, estabelecimentos onde se ministram simultâneamente ensinos de grau médio e superior (este em dois anos), dando o certificado "Brevet de Technicien Supérieur" (B. T. S.).
Quer dizer que pela via dos "colégios técnicos e dos liceus técnicos" chega-se ao B. T. S. aos 20 anos com 2+3+B.A.T.+B.T.+2 anos de ensino superior, ou seja, com nove anos de estudo depois do ensino primário geral 42.
Em França, o título de engenheiro de artes e ofícios é dado pela via dos liceus clássicos ou pela via do ensino profissional, quer depois do "bacharelato" (título inicial de entrada na Universidade após sete anos de ensino secundário), quer depois do B. T. (obtido, como se viu, depois de sete anos de ensino técnico), quatro anos depois.
Na Bélgica, a entrada no ensino secundário realiza-se aos 12 anos (o que quer dizer que o ensino primário tem um ano de frequência mais do que em França) e a saída depois de seis anos de ensino, quer nos ateneus, quer nos liceus, quer em escolas técnicas. Existem escolas superiores de três anos que dão o título de "engenheiro técnico". (Os cursos de engenharia professados nas Universidades têm cinco anos.) 44
Na Holanda, os ensinos secundários iniciam-se aos 12 anos e, tal como na Bélgica, têm normalmente seis anos. Mas uma das vias técnicas inclui dois anos de ensino, correspondente ao nosso ensino médio (H. T. S.-"Hogere Technische School"), seguido de dois outros anos de 3.° nível.
Estas escolas dão o título de "Register-ingenieur", que dá acesso às escolas superiores (T. H.).
Comparando estas três organizações e mais o que se sabe dos sistemas de ensinos técnicos britânico, alemão e norte-americano, parece que os diplomados pelas futuras escolas superiores de tecnologia no ramo industrial podem vir a ter o título de "engenheiro tecnológico", seguido da referência à sua especialização.
Mas, se será talvez normal, desde já considerar designações adequadas para os diplomados por algumas escolas superiores tecnológicas, em muitos outros casos isso não é viável. Não se pronuncia, pois, a Câmara quanto ao
42 É esta a média dos candidatos admitidos no I. I. L., de 1962-1963 até 1970-14971, ao abrigo da alínea b) do artigo 123.° do Decreto n.º 38 032.
43 Veja-se o organograma da p. 33 do interessante trabalho Apontamentos de Uma Viagem de Estudo sobre Formação de Técnicos em Alguns Países da Europa (ed. Sind. Nac. Eng. Aux. Ag. Téc. Eng. e Cond., 1964).
44 Cf. com o organograma da p. 34 da publicação citada na nota anterior.
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facto. O Governo procederá a estudos - melindrosos, sem dúvida! - de escolha dos títulos a conceder no ensino tecnológico. Voltar-se-á, contudo, ao assunto a propósito da base XII.
Propõe-se portanto a seguinte redacção:
BASE XI
1. O âmbito actual dos estudos universitários deverá ser revisto e ampliado quando se verifique possível e conveniente incluir também nele algum ramo professado no ensino tecnológico superior.
2. O Governo providenciará para que se efectue sempre a necessária equiparação de títulos académicos ou profissionais, nos casos emergentes da presente lei, em ordem a evitar prejuízos para os já diplomados.
BASE X
87. A base X do projecto de proposta fixa os princípios que devem presidir à articulação do ensino tecnológico superior com as Universidades, no que toca ao acesso e transferência dos respectivos alunos.
Desde os séculos recuados que a Universidade tinha como um dos seus fins formar dirigentes superiores, quer para o Estado, quer para a Igreja, quer para o serviço judiciário.
(Mesmo quando Napoleão criou a sua Universidade (cujas características foram conservadas até há pouco) deu-lhe como missão "formar para o Estado um tipo de cidadão amante de Deus, Rei, Pátria e Família".
A palavra "Universidade", no decreto napoleónico de 17 de Março de 1808, tinha o significado de conjunto de ensinos. Só as "Faculdades" eram escolas superiores e concediam graus.
Na Idade Média a Faculdade das Artes foi uma escola preparatória para as outras. Ministrava "ensinos menores". Diríamos hoje que era uma escola secundária. No Renascimento e durante o primado do ensino jesuítico passou a chamar-se "Colégio das Artes". Em Portugal os "ensinos menores" não eram dirigidos pelo reitor da Universidade, que só superintendia no conjunto das Faculdades "maiores".
O professor de uma Faculdade "maior" considerava-se mentor, por vezes "aio" e "preceptor", dos alunos, cujos estudos seguia e orientava. Este sistema persiste ainda nas Universidades de Cambridge e de Oxford, onde os professores são tutores em "colégios".
E as novas Universidades britânicas (como as de East Anglia, Essex, Kent, Lancaster, Salford, Sussex), não podendo criar o "sistema de tutoria", de professor-aluno, adoptaram um "sistema preceptoral": docente-pequeno grupo de alunos.
Lembremos que, pelas mesmas alturas em que Napoleão criou a sua Universidade, Carlos Guilherme de Humboldt, Ministro da Instrução Pública da Prússia, fundava a Universidade de Berlim (1810), separada do Estado e tendo por fins principais transmitir os conhecimentos superiores de muitas disciplinas especializadas e buscar novos conhecimentos.
Durante todo o século passado e até à última guerra mundial as Universidades europeias (e as dos países que seguiram o modelo europeu) eram orientadas pelas duas concepções: a napoleónica, que pretendia formar dirigentes e professores de certo tipo, e a humboldtiana, que pretendia formar especialistas capazes de investigar o desconhecido, isto é, de fazer ciência.
As, necessidades da vida colectiva e, depois, a revolução industrial levaram à criação de escolas profissionais que se
preocupam com o desenvolvimento material da sociedade. Tais escolas foram-se engrandecendo e hierarquizando à margem da Universidade. Primeiro, dentro de uma "sociedade de produção" e, depois, dentro de uma "sociedade de consumo", algumas das escolas técnicas superiores procuraram o lustre da tradição universitária e ou se integraram nas Universidades ou se associaram em Universidades.
Outras negaram-se a integrar-se nas Universidades e instituíram um nível de "grandes escolas", considerado, como um 3.º ciclo. O curioso é que as Universidades criaram também esse novo ciclo.
As Universidades foram forçadas a transformar-se, como as "grandes escolas" e as outras escolas superiores técnicas, em servidoras da sociedade. Os diplomas de umas e de outras passaram a ser títulos para a inserção dos diplomados a vários níveis sociais.
Pela alta função do actual ensino superior não pode haver nele sectores estanques: Universidades por um lado e escolas superiores por outro.
88. As "grandes escolas" francesas pertencem a Ministérios técnicos e os seus alunos são considerados funcionários desde que são aprovados no respectivo concurso de admissão e classificados para preencherem uma das vagas postas a concurso. Como funcionários recebem um ordenado.
A Escola Politécnica depende do Ministério das Forças Armadas, e nenhuma das chamadas "escolas de aplicação", de que ela é escola preparatória, pertence ao Ministério da Educação: Ponts et Chaussées pertence ao Ministério das Obras Públicas, Mines pertence ao Ministério da Economia, Génie Maritime pertence ao Ministério dos Transportes, etc.
Estas escolas de aplicação são o viveiro dos respectivos corpos de engenheiros, com tradições muito antigas.
O Relatório Robbins regista (p. 36) que a única analogia da instrução superior francesa com Oxford e Cambridge não está em qualquer das Universidades, mas no pequeno grupo das Grandes Êcoles de que são paradigmas a Êcole Normale Supérieure e a École Polytechnique. Acrescenta "these are more exclusive in their spheres than any British institution".
As Universidades francesas (são hoje em número de 57 e eram 16 no começo deste século 45) procuraram entrar em competição com as "grandes escolas" criando escolas nacionais superiores de engenheiros, primeiro anexas às Faculdades de Ciências (tal qual aconteceu na Bélgica), depois como organismos independentes.
Em seguida, alguns Ministérios técnicos formaram novas escolas superiores, não apenas para a formação de engenheiros, mas também de outros técnicos.
As "grandes escolas" foram consideradas como fontes de "mandarinatos" e muito atacadas pelo seu regime de admissão e pelo pequeno número de vagas. O Ministério da Educação resolveu reorganizar a Universidade pela chamada "Loi d'orientation de l'enseignement supérieur" que, embora datada de 12 de Novembro de 1968, está longe de estar executada. Esta lei inovou, criando "estabelecimentos públicos de carácter científico e cultural" (E. P. C. S. C), uns universitários e outros independentes das Universidades, e também "unidades de investigação e ensino" (U. E. R.).
45 13 das Universidades francesas funcionam em Paris e nos arredores.
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De entre estes, existem hoje em França três associações de E. H. S. I. (Ecoles Nationales Supérieures d'Ingénieurie) cada uma das quais passou à categoria de "unidades de ensino e investigação" prevista na lei de orientação.
Estas três associações de escolas superiores técnicas ,têm características análogas às da nossa Universidade
Técnica, porquanto cada escola nacional superior de engenheiros que nelas entra continua independente. Assim,
por exemplo, em Tolouse quatro escolas nacionais superiores de engenheiros, (agrónomos; electrotécnicos, electrónicos, informáticos e hidráulicos; químicos; técnicos químicos), consideradas como U. E. R. segundo a lei de orientação, reuniram-se em associação, que tomou o nome de Instituto Nacional Politécnico de Tolouse nome esse que parece ser simples tabuleta que corresponde a um desafio à Escola Politécnica de Paris.
Em Grenoble e em Nancy criaram-se também dois I. N. P. (Institut National Polytechnique) com E. N. S. I., umas que eram independentes e outras que estavam anexas à Universidade e dela se desligaram agora.
Segundo a nova lei de orientação dos ensinos superiores franceses, as Faculdades tenderão a ser suprimidas, para serem substituídas pelos tais "estabelecimentos públicos de carácter científico e cultural" (E. P. C. S. C.) e pelas "unidades de ensino e investigação" (U. E. E. 46).
A lei francesa aceita a existência destes novos agrupamentos polivalentes e pluridisciplinares dentro e fora das Universidades.
A lei francesa (que já houve necessidade de aclarar por cerca de cinquenta decretos e portarias) pretende acabar com a diferença hierárquica entre a ciência e a ciência aplicada. Um Decreto de 20 de Janeiro de 1969 deu aos institutos universitários tecnológicos o estatuto de U. E. R. 47
É de supor que a Lei Faure leve muitos anos a ser executada.
89. Esta base X, que no texto proposto pela Câmara será a base XII, teve de ser adaptada ao sistema do parecer, pelo qual se propõe instituir o ensino superior tecnológico. Parece contudo de acentuar que as condições de equiparação devam constar de regulamento.
Procurou ainda fazer-se referência especial à situação dos diplomados pelos cursos superiores tecnológicos quando pretendam ter acesso ao curso universitário, bem como aos que obtêm grau universitário e se pretendem matricular no ensino tecnológico.
Nestes termos, a Câmara é de parecer que a base deve ter a seguinte redacção.
BASE XII
1. É permitida a transferência de alunos das Universidades para as escolas superiores de tecnologia e reciprocamente, devendo para tal efeito serem definidas em regulamento as condições de equiparação.
2- Será também regulamentada a transferência de alunos de Universidades estrangeiras para as escolas superiores portuguesas.
3. Desde que haja correlação entre os cursos, os diplomados pelas Universidades e pelas escolas superiores de tecnologia terão acesso, respectivamente, ao ensino tecnológico e ao ensino universitário nas condições que vierem a ser fixadas em regulamento.
BASE XI
90. Nenhum reparo de fundo há a fazer à matéria da base XI, cujo sentido geral merece o pleno assentimento da Câmara.
Dado que é este o preceito que estabelece a linha geral da orientação pedagógica a seguir nos cursos, conviria introduzir nele uma indicação no sentido de ser facilitado o estudo aos alunos empregados. A situação do estudante empregado é já hoje muito frequente, e sê-lo-á- ainda, mais no futuro, sobretudo em relação a cursos que exigem como condição de acesso cursos secundários (ou cursos médios) de índole profissional.
Acresce que a preocupação da educação permanente obriga a criar regimes de cursos nocturnos, cursos "em sanduíche" e cursos de reciclagem, que permitam melhor actualização de conhecimentos.
A Câmara propõe a seguinte redacção:
BASE XIII
1. O ensino tecnológico a ministrar tanto a nível médio como a nível superior, sem descurar a cultura geral, científica e humanística dos alunos, revestirá carácter predominantemente técnico e visará proporcionar o conhecimento prático do sector profissional respectivo e estimular a capacidade de inovação tecnológica.
2. Cada curso inclui, além do ensino das disciplines científicas e das respectivas técnicas, actividades complementares de iniciação profissional e de investigação, em aulas práticas, laboratoriais ou oficinais. Procurar-se-á intensificar os estágios orientados em empresas e serviços, sem prejuízo dos planos escolares estabelecidos.
3. A organização dos cursos deve tomar em consideração a situação dos alunos com ocupação profissional.
BASE XII
91. Na base XII do projecto de proposta limita-se a duração dos cursos tecnológicos médios a três anos. Esta deve ser também a duração normal de muitos cursos tecnológicos superiores. Existem, porém, escolas superiores não universitárias (belas-artes, por exemplo, mormente em Arquitectura) que podem ministrar cursos em quatro e cinco anos.
Entende-se que convém devolver aos regulamentos a competência para fixar a duração dos cursos. Por outro lado, julga a Câmara que se deve estabelecer uma norma relativa à atribuição dos títulos profissionais, matéria delicada, que necessita ser ponderada antes de especificada em legislação complementar.
Quanto ao disposto no n.° 2 do projecto de proposta, considera a Câmara que é difícil fixar quaisquer regras para equiparação entre os profissionais formados em estabelecimentos portugueses e os diplomados em escolas estrangeiras. A diversidade das legislações dos vários países impede que, nesta matéria, se possa falar de equiparações. E se o que se pretende é que, na atribuição dos títulos profissionais, se adoptem critérios fundamentalmente idênticos aos que vigoram em países nos quais
46 Existem cerca de 650 U. E. R., das quais 140 em Paris.
47 Cf. J. Minot, L'entreprise Éducation Nationale, Colin Ed., 1970, e lei de orientação do ensino superior em França (Lei Faure), trad. G. E. P. A. E.; cf. André Grandpierre - Une Education pour notre Temps, Paris, 1963; C. Debbasch - L'Université désorientée, Paris, 1971.
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o ensino tecnológico (com este ou outro nome) já se encontra organizado, então a norma resulta de fraca utilidade, limitando-se a constituir uma indicação sem eficácia obrigatória.
Nestes termos, propõe-se a redacção seguinte para a base XII do projecto de proposta (base XIV do articulado proposto pela Câmara):
BASE XIV
1. A estrutura e a composição dos cursos tecnológicos serão estabelecidas por regulamento.
2. Os diplomas escolares conferidos pelo ensino tecnológico dão imediato direito aos títulos profissionais para os quais esses diplomas sejam considerados habilitação suficiente.
BASE XIII
92. A base XII do projecto de proposta destina-se a equiparar os cursos previstos aos cursos superiores, para efeitos de cumprimento do dever militar.
Na orientação seguida pela Câmara dividiu-se o ensino tecnológico em médio e superior, o que acarretará as consequências previstas na lei que fixa o cumprimento do dever militar.
Não é este, pois, o lugar de se resolver o assunto. A Câmara sugere a eliminação da base.
BASE XIV
93. Destina-se a base XIV a consignar o princípio da revisão permanente dos programas, como tem sido corrente em diversas legislações escolares.
A Câmara aceita o texto do projecto de proposta, que passará a constituir a base XV, com emendas de redacção de modo a termos mais explícitos os objectivos dos cursos. Nestes termos propõe-se a seguinte redacção:
BASE XV
Os cursos deverão contribuir para o progresso técnico, económico, social e cultural e para o preenchimento das necessidades do desenvolvimento regional, para o que os respectivos programas serão revistos trienalmente, sendo nessa revisão tomados em consideração os estudos relativos aos planos regionais de desenvolvimento, sem prejuízo da perspectiva global da integração económica nacional e das realidades das várias parcelas do território português.
BASE XV
94. A última base da proposta contém disposições transitórias, nas quais se defere à Direcção-Geral do Ensino Técnico Profissional competência para se ocupar do novo ramo de ensino enquanto um serviço próprio não for instituído e se fixa o prazo de noventa dias para a preparação da legislação regulamentar.
A Câmara considera que um prazo de noventa dias é muito diminuto, mesmo que para a gigantesca tarefa venha a ser nomeada uma comissão a trabalhar em regime de tempo integral.
Têm sido muitos os casos em que as leis e decretos-leis fixam inùtilmente prazos de noventa dias para a elaboração de um regulamento a cargo de um organismo que tem absorventes missões de rotina a assegurar. Propõe-se, portanto, que o prazo seja alargado.
O projecto de proposta de lei n.° 5/X dizia respeito à instituição de um novo ramo pós-secundário que englobaria o actual ensino técnico médio.
O parecer da Câmara é no sentido de se criar o ensino tecnológico em dois níveis: o nível médio (chamado na Grã-Bretanha: "secundário posterior") e o nível superior não universitário.
Em face disso, não pode deixar de se ponderar o seguinte:
a) Parece inconveniente que na fase decisiva de arranque se venha a confiar a orientação de todo o ensino tecnológico a um serviço cuja competência é meramente provisória;
b) Parece não se justificar a escolha de uma direcção-geral de ensinos secundários e médios para superintender em escolas superiores.
Considera-se mais conveniente que seja o regulamento a fixar o serviço competente.
Sugere-se a seguinte redacção:
BASE XVI
No prazo de cento e vinte dias, o Governo procederá à regulamentação da presente lei.
III
Conclusões
95. Ao terminar o seu parecer, a Câmara relembra o que foi sintetizado por Émile Durkheim nos começos deste século:
As práticas educativas não são factos isolados uns dos outros; mas para cada sociedade elas ligam-se num sistema único, cujas diferentes fontes concorrem para o mesmo fim. Cada sistema de educação caracteriza um país e uma época.
A estrutura educativa em determinado país e em certa época é, de facto, um todo onde qualquer elemento não pode ser apenas substituído. Cada peça da estrutura complexa que é hoje um sistema educativo não pode ser apenas substituída por outra.
Porque não pode esquecer-se que é fundamental a formação de técnicos médios, a Câmara tem plena consciência de que o projecto de proposta de lei n.° 5/X merece ser considerado dentro do organograma do anexo D deste parecer.
Logicamente, a Câmara conclui:
I) O projecto de proposta de lei sobre o ensino politécnico, pelos objectivos visados e pelas soluções adoptadas, constitui uma reforma de largo alcance na estrutura do nosso ensino, pelo que exprime a sua concordância na generalidade.
II) A denominação de ensino politécnico deve ser substituída pela de ensino tecnológico.
III) O ensino tecnológico deve ser ministrado a dois níveis: ao nível médio (ou secundário avançado) e ao nível superior.
IV) O articulado deve ser substituído pelo seguinte:
BASE I
A preparação técnica qualificada para o desempenho de actividades profissionais será ministrada em instituições de ensino médio e superior, de índole tecnológica ou artística.
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BASE II
1. O ensino tecnológico compreende os seguintes ramos:
a) Agrícola;
h) Industrial;
c) Serviços;
d) Artístico.
2. O mesmo ensino pode também abranger a formação profissional para carreiras auxiliares da medicina.
BASE III
1. O Governo instituirá os cursos desta natureza que sejam adequados para formação do pessoal qualificado necessário em qualquer domínio da economia nacional ou do exercício das artes.
2. Consideram-se desde já abrangidos pela presente lei os cursos, existentes ou a criar, quer a nível médio, quer a nível superior, quer a ambos estes níveis, que correspondam, às actividades seguintes:
a) No ramo agrícola:
Agricultura;
Horto-fruti-floricultura;
Vitivinicultura;
Silvicultura e hidráulica agrícola;
Pecuária;
Indústrias alimentares agrícolas;
Administração, gestão e comercialização agro-pecuárias.
b) No ramo industrial:
Metalomecânica;
Electrotecnia;
Electrónica;
Construção civil e obras;
Minas e metalurgia;
Química;
Têxteis;
Papel;
Construção naval;
Motores;
Aeronáutica;
Óptica e fotografia;
Topografia;
Artes gráficas e edição de publicações.
c) No ramo dos serviços:
Administração pública;
Gestão de empresas;
Contabilidade;
Análise de informática;
Comércio;
Secretariado;
Relações públicas e publicidade;
Informação;
Comunicações (correios, telégrafos e telefones e telecomunicações);
Turismo;
Serviço social;
Técnicos hospitalares;
Magistério do ensino primário;
Educadores de infância.
d) No ramo artístico:
Estética dos projectos industriais;
Desenho técnico;
Decoração;
Artes gráficas;
Música;
Bailado;
Teatro;
Cinema;
Magistério do desenho para o ciclo preparatório.
BASE IV
Os estabelecimentos públicos ou particulares que, à data da entrada em vigor desta lei, ministrem ensinos pós-secundários que, pela natureza e duração dos cursos ou índole das funções para que preparam, caibam no âmbito do ensino tecnológico serão integrados nele.
BASE V
1. Na concretização da rede de estabelecimentos do ensino tecnológico observar-se-ão os critérios que melhor satisfaçam a formação dos quadros técnicos exigidos pelo desenvolvimento das várias regiões do território nacional.
2. Na ordem a seguir na instalação progressiva dos estabelecimentos de grau médio serão tomadas em consideração as necessidades de pessoal especializado e a colaboração que possa ser prestada pelas actividades económicas, pelas autarquias e pela organização corporativa à instalação e manutenção dos estabelecimentos.
3. Serão criadas não apenas nas cidades universitárias, mas também noutras, escolas superiores de tecnologia que englobem ensinos que preparam para o exercício das profissões de maior interesse para o desenvolvimento económico nacional e regional.
BASE VI
Os cursos a professar em cada estabelecimento de ensino tecnológico serão fixados por portaria do Ministro da Educação Nacional, ouvido o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, sobre as conveniências de formação de pessoal especializado sob o ponto de vista do planeamento nacional e regional.
BASE VII
1. Os estabelecimentos de ensino tecnológico médio designar-se-ão "institutos tecnológicos".
Os estabelecimentos destinados à preparação de professores do ensino primário, de educadores de infância, e de monitores de educação física, chamar-se-ão "institutos de magistério".
Os estabelecimentos destinados ao ensino das artes musicais e cénicas designar-se-ão por "conservatórios.
2. Os estabelecimentos de ensino tecnológico superior designar-se-ão "escolas superiores de tecnologia" ou simplesmente "escolas superiores" individualizadas pela indicação do ensino ministrado.
Os estabelecimentos de ensino das belas-artes de nível superior chamar-se-ão "escolas superiores de belas-artes" e "conservatórios superiores".
3. Qualquer estabelecimento de ensino tecnológico médio poderá ter como patrono uma figura da história pátria, da história da ciência ou da história do ensino em Portugal.
4. Os estabelecimentos sem patrono serão individualizados pela indicação da respectiva localidade.
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revistos trienalmente, sendo nessa revisão tomados em consideração os estudos relativos aos planos regionais de desenvolvimento, sem prejuízo da perspectiva global da integração económica nacional e das realidades das várias parcelas do território português.
BASE XVI
No prazo de cento e vinte dias, o Governo procederá à regulamentação da presente lei.
Palácio de S. Bento, 14 de Julho de 1971.
António de Sousa Pereira.
Armando Estácio da Veiga.
Luís Avellar de Aguiar.
Jaime Furtado Leote.
José Alberto de Carvalho.
Adérito de Oliveira Sedas Nunes [prestando sincera homenagem à brilhante qualidade do parecer, no que se refere à generalidade, assino no entanto vencido quanto aos seguintes pontos, em que discordo do voto da Câmara:
1.° Entendo que o texto proposto pela Câmara deveria ter sido concebido como o de uma lei de fomento e orientação do ensino médio e superior não universitário, e não como o de uma lei destinada a criar um novo ramo de ensino, princípio que de facto o parecer da Câmara consagrou. Por um lado, julgo que havia que aproveitar a oportunidade para definir as bases de uma política que permitisse, com toda a clareza, retirar um número considerável de instituições e especialidades de ensino, já existentes, da situação indeterminada, minorada ou "abandonada" em que têm permanecido, com manifesta injustiça e sério prejuízo privado e público. Por outro lado, interessava, a meu ver, que se enunciassem, com não menor clareza, os termos e as orientações em que deverão realizar-se, com toda a premência que as necessidades do País exigem e na medida do máximo das possibilidades, experiências de criação de novos ensinos e novas instituições de nível pós-secundário e superior, fora das Universidades. Parece-me, com efeito, indispensável que, através de fórmulas mais maleáveis e mais diferenciadas do que as dos estabelecimentos universitários, se fomente decididamente em Portugal - a exemplo, aliás, do que um pouco por toda a parte se está a verificar e do que já noutras épocas sucedeu no nosso país, com evidentes vantagens de que as próprias Universidades vieram também a beneficiar - a criação de instituições de ensino e investigação aptas a corresponder a novas necessidades culturais, sociais e técnicas que a sociedade e a economia modernas não podem deixar de ver satisfeitas. Que, à partida, não se possa estar seguro de que todas essas instituições venham a atingir o mesmo nível de qualidade, não deve constituir motivo para inibições ou argumento paralisador da iniciativa. É corrente, em muitos países, que as qualificações reconhecidas socialmente aos indivíduos portadores de títulos legalmente equivalentes sejam, na prática, diferenciadas em função da qualidade das instituições que lhos concederam. E é assim que, não raramente, títulos não universitários valem mais que diplomas obtidos em Universidades. Faça-se, pois, a experiência com arrojo e não duvidemos de que a prática social saberá, como noutros países o sabe, descortinar a qualidade onde ela efectivamente se desenvolva e afirme. As Universidades estarão sempre a tempo de acolher, se o desejarem, as instituições que, nascidas embora fora delas, as igualaram ou excederam em nível efectivo de ensino e pesquisa. E nada as obrigará a aceitar as que se tiverem ficado por níveis menos elevados.
2.° Discordando do projecto de se criar um novo ramo de ensino, ainda mais abertamente discordo de que tal ramo venha a ser designado de "ensino tecnológico". Não que não dê o meu inteiro assentimento ao propósito de fomentar o ensino das tecnologias industriais e agrícolas, quer ao nível médio, quer ao nível superior. Mas afigura-se-me totalmente inadequado e veiculador de pressupostos a que radicalmente me oponho, colocar sob a alçada daquela designação organismos e ramos do ensino e da cultura, tais como: a administração pública, o serviço social, a enfermagem, o magistério do ensino primário, a preparação de educadores de infância, o jornalismo, a música, o teatro, o cinema, a dança, as próprias artes gráficas. Além de que é obviamente contraditório declarar na base I que "a preparação técnica qualificada para o desempenho de actividades profissionais será ministrada em instituições de ensino médio e superior, de índole tecnológica e artística", e dispor na base II que o ensino tecnológico compreende os ramos agrícola, industrial, dos serviços e artístico.
3. A redacção da base IV não me satisfaz, porquanto apenas determina a integração no novo ramo de ensino dos "estabelecimentos públicos ou particulares" que "ministrem ensinos pós-secundários" que "pela natureza e duração dos cursos ou índole das funções para que preparam" caibam no âmbito desse ramo. Nada se estabelece, portanto, no atinente a critérios a seguir para efeitos de classificação daqueles estabelecimentos, ou de certos dos seus cursos, como médios ou superiores. Julgo que deveria declarar-se expressamente que os estabelecimentos ou cursos onde o ingresso dos estudantes esteja ou venha a estar condicionado pela prévia, obtenção de habilitações escolares idênticas às requeridas para a admissão nas Universidades terão desde logo nível superior. E remeto para as considerações que fiz na parte final do 1.° ponto da presente declaração.
4.° Pelas razões indicadas acima no ponto 2.°, discordo das expressões "estabelecimentos de ensino tecnológico", "escolas de ensino tecnológico", "institutos tecnológicos", "escolas superiores de tecnologia" e outras aná-
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revistos trienalmente, sendo nessa revisão tomados em consideração os estudos relativos aos planos regionais de desenvolvimento, sem prejuízo da perspectiva global da integração económica nacional e das realidades das várias parcelas do território português.
BASE XVI
No prazo de cento e vinte dias, o Governo procederá à regulamentação da presente lei.
Palácio de S. Bento, 14 de Julho de 1971.
António de Sousa Pereira.
Armando Estácio da Veiga.
Luis Avellar de Aguiar.
Jaime Furtado Leote.
José Alberto de Carvalho.
Adérito de Oliveira Sedas Nunes [prestando sincera homenagem à brilhante qualidade do parecer, no que se refere à generalidade, assino no entanto vencido quanto aos seguintes pontos, em que discordo do voto da Câmara:
1.° Entendo que o texto proposto pela Câmara deveria ter sido concebido como o de uma lei de fomento e orientação do ensino médio e superior não universitário, e não como o de uma lei destinada a criar um novo ramo de ensino, princípio que de facto o parecer da Câmara consagrou. Por um lado, . julgo que havia que aproveitar a oportunidade para definir as bases de uma política que permitisse, com toda a clareza, retirar um número considerável de instituições e especialidades de ensino, já existentes, da situação indeterminada, minorada ou "abandonada" em que têm permanecido, com manifesta injustiça e sério prejuízo privado e público. Por outro lado, interessava, a meu ver, que se enunciassem, com não menor clareza, os termos e as orientações em que deverão realizar-se, com toda a premência que as necessidades do País exigem e na medida do máximo das possibilidades, experiências de criação de novos ensinos e novas instituições de nível pós-secundário e superior, fora das Universidades. Parece-me, com efeito, indispensável que, através de fórmulas mais maleáveis e mais diferenciadas do que as dos estabelecimentos universitários, se fomente decididamente em Portugal - a exemplo, aliás, do que um pouco por toda a parte se está a verificar e do que já noutras épocas sucedeu no nosso país, com evidentes vantagens de que as próprias Universidades vieram também a beneficiar - a criação de instituições de ensino e investigação aptas a corresponder a novas necessidades culturais, sociais e técnicas que a sociedade e a economia modernas não podem deixar de ver satisfeitas. Que, à partida, não se possa estar seguro de que todas essas instituições venham a atingir o mesmo nível de qualidade, não deve constituir motivo para inibições ou argumento paralisador da iniciativa. E corrente, em muitos países, que as qualificações reconhecidas socialmente aos indivíduos portadores de títulos legalmente equivalentes sejam, na prática, diferenciadas em função da qualidade das instituições que lhos concederam. E é assim que, não raramente, títulos não universitários valem mais que diplomas obtidos em Universidades. Faça-se, pois, a experiência com arrojo e não duvidemos de que a prática social saberá, como noutros países o sabe, descortinar a qualidade onde ela efectivamente se desenvolva e afirme. As Universidades estarão sempre a tempo de acolher, se o desejarem, as instituições que, nascidas embora fora delas, a igualaram ou excederam em nível efectivo de ensino e pesquisa. E nada as obrigará a aceitar as que se tiverem ficado por níveis menos elevados.
2.° Discordando do projecto de se criar um novo ramo de ensino, ainda mais abertamente discordo de que tal ramo venha a ser designado de "ensino tecnológico". Não que não dê o meu inteiro assentimento ao propósito de fomentar o ensino das tecnologias industriais e agrícolas, quer ao nível médio, quer ao nível superior. Mas afigura-se-me totalmente inadequado e veiculador de pressupostos a que radicalmente me oponho, colocar sob a alçada daquela designação organismos e ramos do ensino e da cultura, tais como: a administração pública, o serviço social, a enfermagem, o magistério do ensino primário, a preparação de educadores de infância, o jornalismo, a música, o teatro, o cinema, a dança, as próprias artes gráficas. Além de que é obviamente contraditório declarar na base I que "a preparação técnica qualificada para o desempenho de actividades profissionais será ministrada em instituições de ensino médio e superior, de índole tecnológica e artística", e dispor na base II que o ensino tecnológico compreende os ramos agrícola, industrial, dos serviços e artístico.
3.º A redacção da base IV não me satisfaz, porquanto apenas determina a integração no novo ramo de ensino dos "estabelecimentos públicos ou particulares" que "ministrem ensinos pós-secundários" que "pela natureza e duração dos cursos ou índole das funções para que preparam" caibam no âmbito desse ramo. Nada se estabelece, portanto, no atinente a critérios a seguir para efeitos de classificação daqueles estabelecimentos, ou de certos dos seus cursos, como médios ou superiores. Julgo que deveria declarar-se expressamente que os estabelecimentos ou cursos onde o ingresso dos estudantes esteja ou venha a estar condicionado pela prévia, obtenção de habilitações escolares idênticas às requeridas para a admissão nas Universidades terão desde logo nível superior. E remeto para as considerações que fiz na parte final do 1.° ponto da presente declaração.
4.° Pelas razões indicadas acima no ponto 2.°, discordo das expressões "estabelecimentos de ensino tecnológico", "escolas de ensino tecnológico", "institutos tecnológicos", "escolas superiores de tecnologia" e outras aná-
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logas, tais como são utilizadas em várias bases, a partir da V. Isto, evidentemente, não significa que esteja em desacordo, já o disse, quanto à urgente necessidade de se criarem, além de outras, escolas médias e superiores de tecnologias industriais e agrícolas.
5.° Mais particularmente em relação à base VII, entendo que os estabelecimentos de ensino exclusivamente médio deveriam ser distinguidos dos de ensino superior (os quais poderiam eventualmente ministrar também cursos de nível médio), muito simplesmente reservando àqueles a designação de "institutos" e a estes a de "escolas superiores", e acrescentando-se num caso e noutro a indicação específica ou genérica das correspondentes especialidades.
6.º Na base X, o n.° 3 permite a admissão, às "escolas superiores" contempladas pelo projecto, dos diplomados com qualquer alínea do curso complementar dos liceus, dispensando-os de provas de aptidão, com o que estou inteiramente de acordo. Mas os n.ºs 1 e 2 da mesma base colocam os diplomados pelos cursos médios dos actuais e futuros institutos exactamente na mesma situação dos diplomados com o curso complementar dos liceus. Consagrar-se-ia e consolidar-se-ia assim, neste aspecto, a injustiça que presentemente vigora e tanta vez tem sido denunciada, ao mesmo tempo que se iria contra os propósitos de democratização do ensino inscritos na 1.ª parte do parecer. A redacção dos n.ºs 1 e 2, da qual não posso senão dissentir, deveria portanto ser outra, estabelecendo nitidamente o direito de, em determinadas condições, os diplomados com cursos médios prosseguirem e concluírem, os seus estudos a nível superior, em escolas superiores adequadas, ingressando nestas em cursos superiores complementares ou numa fase mais adiantada dos cursos superiores normais do que aquela em que seriam admitidos os diplomados com o curso complementar liceal.
7.° A redacção dos n.os 1 e 2 da base XIII - na medida em que insiste no "carácter predominantemente técnico" do ensino a ministrar, no objectivo de "proporcionar o conhecimento prático do sector profissional respectivo", incluindo "actividades complementares de iniciação profissional", bem como na necessidade de "estimular a capacidade de inovação tecnológica" - só a entendo- aceitável desde que essencialmente referida a estabelecimento de ensino propriamente tecnológico. Aplicável genèricamente a escolas da mais diversa índole (incluindo a música, o cinema, o jornalismo, o serviço social, a preparação de educadores de infância, etc.), teria naturalmente de ser concebida em moldes sensivelmente diferentes.
8.° O texto aprovado pela Câmara para a base XIV representa, a meu ver, algum progresso relativamente ao texto da correspondente base XII do projecto de proposta do Governo. Limita-se, com efeito, a declarar que "a estrutura e a composição" dos novos cursos "serão estabelecidos por regulamento", eliminando por conseguinte a restrição, que julgo injustificável, mas está contida no texto governamental, de a duração desses cursos "não dever ser superior a três anos". Todavia, creio que a pura e simples supressão de toda a referência à duração dos cursos não é satisfatória e teria havido toda a vantagem em mencionar, nesta base, a possibilidade de os cursos superiores não universitários serem estruturados, quando conveniente, em dois graus ou escalões: cursos base e cursos complementares. Não no próprio texto da base, mas nos respectivos considerandos, julgo que teria sido útil referir, a titulo exemplificativo, o esquema de três anos de curso-base e dois anos de curso complementar. Os dois graus deveriam ser sancionados por títulos de valor e designação diferentes, como é óbvio.
9.° Do n.° 2 da mesma base XIV, deduz-se que os diplomas escolares conferidos pelas instituições de ensino a que o projecto se refere dão direito apenas a "títulos profissionais". Estabelece-se, deste modo, uma clara destrinça entre a natureza dos títulos académicos atribuídos pelas Universidades (que, nalguns casos, se acompanham, é certo, de títulos profissionais, como o de engenheiro) e a dos títulos meramente profissionais que poderão obter-se nas escolas superiores não universitárias. Não duvido de que este princípio legal de diferenciação tenderá, no circunstancialismo português, a transformar-se num principio de discriminação económica e social, jogando sempre em desfavor dos que não obtenham títulos universitários. Por isso, este ponto, aparentemente talvez secundário, é na verdade crucial pare a eficácia dos esforços, que se propugnam, de democratização nas estruturas do ensino. De modo que, mesmo não retirando às Universidades o exclusivo da concessão dos títulos académicos de bacharel e licenciado, haveria, segundo julgo, que caminhar noutro sentido que não o do confinamento das escolas superiores não universitárias à atribuição de títulos puramente profissionais. Uma hipótese, que perfilho, seria a de, supondo a existência de dois escalões (cursos base e cursos complementares) no ensino superior não universitário, ao primeiro escalão corresponder o título de diplomado e ao segundo o de graduado, equiparando simultaneamente, para todos os efeitos legais, os diplomados aos bacharéis e os graduados aos licenciados. E volto a remeter para as considerações que expus na parte final do n.° 1 da presente declaração. Que os "títulos" se "desvalorizem", como é costume dizer - mas mais correctamente deveria dizer-se: se "democratizem" -, só tem vantagens para a comunidade. Porque então o "titular" valerá muito mais pelo que é, pelo que sabe, pela sua competên
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cia e capacidade, do que pelo "título" de que será portador.]
António de Resende Vaiadas Fernandes.
António Rogério Luiz Gonzaga.
Arnaldo Irio Marques Sequeira.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas.
Fernando Lourenço Pereira.
Henrique Martins do Carvalho [1. Presto igualmente sincera homemnagem ao trabahlo notável do autor do parecer. Mas julgo que, dizendo-se e explicando-se nele, na altura própria, que o novo ensino deve respeitar o statu quo dos cursos que já receberam oficialmente a categoria de superiores, fica a haver entre esse ponto de vista (objectivamente exacto) e os termos amplos da base IV. Estes podem até permitir orientação diferente quanto a cursos já hoje universitários.
2. Também não posso acompanhar tudo o que, se diz, por exemplo, no n.º 85; não vejo razão suficiente para apriorìsticamente se negar a possibilidade de alguns dos títulos aí enumerados virem a ser atribuídos pelos estabelecimentos deste ensino superior, seja qual for a qualidade do ensino ministrado nesses estabelecimentos e o nível da investigação neles levada a efeito.
Repetidamente se deduz do parecer que ficarão a existir entre nós dois ensinos superiores paralelos (cf. o anexo D). Se assim é, deve eliminar-se quanto tenda a tornar um deles hieràrquicamente mais ou menos categorizado do que o outro: devem existir, apenas, as diferenças emergentes da natureza dos cursos professados - e nada mais.
Ao afirmar isto, não tomo sequer posição sobre o fundo do problema. Limito-me apenas - e sempre com todo o respeito - a indicar a contradição existente na óptica do próprio parecer].
José Frederico do Casal-Ribeiro Ulrich.
Luís Maria da Câmara Pina.
Manuel Bernardino de Araújo Abreu.
Manuel Mendes Leite Júnior.
Francisco de Paula Leite Pinto, relator.
Anexo A
[Ver quadro na imagem]
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Anexo B
[Ver quadro na imagem]
1 - Acesso condicionado à classificação mínima de 17 valores nas disciplinas nucleares.
2 - Idem à aprovação em português e matemática dos cursos de formação industrial ( o ensino destas disciplinas pode ser organizado nas escolas práticas de agricultura ).
3 - Acesso reservado a candidatos aprovados nas disciplinas paralelas ministradas no 4.º e 5.º ano do curso de regentes agrícolas.
4 - A habilitação dos dois primeiros anos dos cursos complementares de aprendizagem agrícola só permite o acesso às escolas práticas de agricultura, mediante a aprovação em exame de admissão.
5 - Habilitação especial para ingresso no ensino superior, ministrada em dois anos nos institutos médios industriais e comerciais.
6 - Ingresso de alunos que possuam o 2.º ciclo liceal ou equivalente.
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Anexo C
EQUIVALÊNCIAS DO ENSINO TÉCNICO PARA O ENSINO LICEAL
[Ver quadro na imagem]
1-3 - A habilitação parcial de qualquer curso de formação permite a transição para o ensino liceal mediante registo de provas a estabelecer caso a caso.
2 - Os alunos que tenham concluído o 1.º ano de qualquer curso de formação profissional poderão apresentar-se ao exame do curso geral dos liceus decorridos dois anos depois de terem concluído essa habilitação, desde que provem que seguiram os estudos com regularidade ou desde que façam 18 anos até 31 de Dezembro do respectivo ano escolar.
4 - Os alunos que tenham concluído o 2º ano de qualquer curso de formação profissional poderão apresentar-se ao exame do curso geral dos liceus decorrido um ano depois de terem concluído essa habilitação, desde que provem que seguiram os estudos com regularidade ou desde que façam 18 anos até 31 de Dezembro do respectivo ano escolar.
5 - Admitido a exame do curso geral dos liceus com dispensa da secção de Letras.
6.A - O curso de formação feminina com as disciplinas a que se refere o artigo 33.º do Decreto-Lei nº 37 028, de 25 de Agosto de 1948 (História, Geografia, Ciências Naturais e Elementos de Física e Química) está equiparado ao curso geral dos liceus. Constitui, portanto, habilitação suficiente para admissão a exame das disciplinas do 3.º ciclo.
7 - Habilitações que permitem a apresentação a exame das disciplinas do 3.º ciclo, independentemente da aprovação no curso geral dos liceus.
8 - Habilitações equivalentes ao 3.º ciclo do ensino liceal, para ingresso no ensino superior.
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958 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 74
Anexo D
ESQUEMA GERAL DOS DIVERSOS GRAUS DE ENSINO
[Ver quadro na imagem]
IMPRENSA NACIONAL
PREÇO DESTE NÚMERO 24$80