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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 77 X LEGISLATURA - 1971 27 DE OUTUBRO

RARECER N. 29/X

Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.° da Constituição, acerca da Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em Brasília em 7 de Setembro de 1971, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Relações internacionais), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Adelino da Palma Carlos, André Delaunay Gonçalves Pereira, António Miguel Caeiro e Eduardo Augusto Arala Chaves, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. O incremento da cooperação internacional, a todos os níveis e nomeadamente na forma intergovernamental, que é uma das características mais marcantes da vida sociedades nos nossos dias, tem-se processado pela intensificação simultânea quer da colaboração à escada mundial, quer das relações internacionais baseadas na ideia regional. O desenvolvimento da primeira, que tem como instrumento técnico por excelência o tratado multilateral geral, é assim completado pelo aprofundamento das relações particulares entre determinados estados com jactes especiais. A cooperação regional, em sentido técnico, não tem necessàriamente na base uma contiguidade sequer proximidade geográfica, antes o conceito de regionalismo tem vindo a ser utilizado com frequência crescente para identificar as formas de intima colaboração entre Estados ligados por afinidades culturais da mais vária ordem, em que muitas vezes a comunhão de tradições históricas e de aspirações humanas, caldeadas por afinidades religiosas que podem não ser estritamente confessionais, mas denotam um modo comum de definir a função do homem na história e na sociedade, podem desempenhar um papel mais determinante do que a proximidade geográfica ou até a afinidade nas instituições políticas.
Surgem assim, ao redor do Globo, relações especiais, no plano bilateral ou multilateral restrito, entre grupos de Nações cuja afinidade radica na história e desempenha papel importante ou mesmo primordial na sua definição presente e na sua projecção no futuro. Deste tipo é a special relationship entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha; mas de nenhuma se poderá dizer que exprime uma mais íntima comunhão de povos do que aquela que se traduz na Comunidade Luso-Brasileira.

2. Vem do Tratado de Paz, Amizade e Aliança, de 29 de Agosto de 1825, a proclamação, particularmente significativa no momento em que de comum acordo se dissolviam os laços da dependência política, da existência para o futuro da "Paz e Aliança e a mais perfeita Amizade" entre as duas Nações irmãs. Não se esquecera, aliás, o aspecto da condição das pessoas físicas, pois se acrescentava que "os súbditos das duas Nações, brasileiros e portugueses, serão tratados nos Estados respectivos como os das Nações mais amigas e favorecidas, sendo os seus direitos respeitados religiosamente". Não era "estran-

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geiro", em vigor, o português radicado no Brasil, como nunca estrangeiros se sentiram em Coimbra tantos brasileiros que por todo o século XIX por lá passaram a "exercitar o ofício de Minerva".
Estava assim desde o início definida a projecção que, entre tantos outros campos, viria a ter no estatuto das pessoas a existência da Comunidade Luso-Brasileira. Dela derivada a ideia de que a própria comunidade gerava um tertium genus entre os estatutos de nacional e estrangeiro, que viria a ser designado pela expressão feliz de quase nacionalidade.
Já nos anos de 1941 e 1942, escrevendo nas colunas da revista 0 Direito, o Prof. Marcelo Caetano narrava como, nas suas entrevistas com um dos pioneiros no Brasil da ideia da quase nacionalidade, o Prof. Barreto Campeio, fora abordada a necessidade de tradução jurídica de tão generosa ideia. Ao apelo do mestre brasileiro, - "falando a mesma língua, correndo-nos nas veias o mesmo sangue, possuindo em grande parte a mesma história, tendo mentalidade comum, havemos de ser estrangeiros uns para os outros, e como tais tratados por lei?" - correspondia o catedrático de Lisboa com estas palavras que a evolução futura viria a tornar realidade: "Há-de chegar o tempo propício para a efectivação do estreito entendimento e colaboração dos juristas dos dois países - e para que as suas sugestões se transformem em vontade acorde dos Governos dos dois Estados."

3. Chegou o tempo propício. Já no instrumento fundamental da estrutura jurídica da comunidade luso-brasileira, o Tratado de Amizade e Consulta, assinado no Rio de Janeiro em 16 de Novembro de 1953, se previa no artigo 2.°:

Cada uma das Altas Partes Contratantes acorda em conceder aos nacionais da outra tratamento especial, que os equipare aos respectivos nacionais em tudo que, de outro modo, não estiver directamente regulado nas disposições constitucionais das duas Nações, quer na esfera jurídica, quer nas esferas comercial, económica, financeira e cultural, devendo a protecção das autoridades locais ser tão ampla quanto a concedida aos próprios nacionais.

Estava assim traçado o caminho do estatuto da igualdade, mas não podiam deixar de se ressalvar na época as disposições' constitucionais dos dois Estados que reservavam aos seus nacionais o exclusivo dos direitos mais intimamente relacionados com a polis.
Assim, só através da revisão dos textos constitucionais era possível prosseguir no caminho da igualdade. Mas a intenção firme de o fazer, reafirmada durante a visita oficial do Presidente do Conselho Português ao Brasil em Julho de 1969, veio a ter logo após expressão, quanto à Constituição Brasileira, na emenda constitucional n.° 1, de 17 de Outubro de 1969, e, quanto à Constituição Portuguesa, na revisão de 1971.
Os textos em vigor - o artigo 199.°. da Constituição Brasileira, com referência ao § único do seu artigo 145.°, e o artigo 7.°, § 3.°, da Constituição Portuguesa - permitem, salvo raros casos de jus honorum reservados aos nacionais originários, que seja plenamente consagrado o almejado estatuto da igualdade.

4. Este o nobre e generoso objectivo que se contém na Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada pelos chefes da diplomacia dos dois países em Brasília, no dia 7 de Setembro de 1971. Feliz coincidência essa, que permitiu que a data nacional brasileira em que se comemora aniversário do grito do Ipiranga fique de ora avante a assinalar também a celebração do que supomos ser um dos mais íntimos instrumentos de comunhão celebrado nos nossos tempos, na plena liberdade e independência recíproca, entre duas grandes Nações modernas. Quanto ao objectivo primordial do Tratado, já esta Câmara, por ocasião do parecer sobre a revisão constitucional deste ano, se pronunciou nos termos seguintes: "... a circunstância de um brasileiro residir permanentemente em Portugal, o juntar a todo um conjunto de factores históricos, culturais e tantas vezes étnicos que o assimilam e pratica, mente equiparam aos cidadãos portugueses na sua lealdade, na sua allegiance à comunidade nacional, permite que, sem desnaturação do conceito e da função dos direitos políticos, o gozo destes possa também ser atribuído em Portugal aos brasileiros, no pressuposto de que mutatis mutandis, eles sejam também reconhecidos, eu, igual medida, aos portugueses radicados no Brasil".
Na sequência deste pensamento, a Câmara entende que a Convenção ora em apreço merece sem duvide aprovação na generalidade. Ao conceder tal aprovação fá-lo com raro júbilo, por ter a ocasião de contribui; para este novo passo do estreitamento das relações entre as duas 'Nações; e nota que a assinatura da Convenção indo sem dúvida 'beneficiar os brasileiros radicados em Portugal, terá aplicação quantitativamente muito mais ampla ao largo número de cidadãos portugueses fixado; em terras brasileiras, permitindo a solução de problema por vezes dolorosos e tornando desnecessária a opção pelo abandono da nacionalidade portuguesa que as circunstâncias levaram muitos a ter de praticar. Nesta medida, a solução adoptada representa, e é curial realçá-lo, nobre e generosa atitude das autoridades brasileiras. Mas podemos dizer que tal generosidade foi bem imerecida, e que a consagração do estatuto da igualdade é não só justo prémio, mas rigorosa tradução jurídico da situação e dos sentimentos das comunidades portuguesas no Brasil, cujo nunca desmentido patriotismo e apego à terra de origem jamais impediu a sua perfeita integração e comunhão como elementos válidos e meritórios na sociedade brasileira.

II

Exame na especialidade

5. Entrando no exame na especialidade, cabe notar que há a distinguir entre o estatuto da igualdade em gera e o caso especial da igualdade quanto aos direitos políticos. O estatuto da igualdade traduz-se na equiparação com os respectivos nacionais dos portugueses residente no Brasil, ou dos brasileiros residentes em Portugal. A submissão ao estatuto é voluntária e caberá, nos termos do artigo 5.°, conjugado com o artigo 14.°, aos interessados requerer o seu reconhecimento à autoridade competente. Para os brasileiros residentes nas província ultramarinas parecerá curial que a autoridade competente seja o Ministério do Ultramar ou os governos das províncias; mas decerto o regulamento complementar, a emiti pelo Governo nos termos do artigo 15.°, poderá dar solução a este problema.
A igualdade permitirá o exercício de direitos e deveres em equiparação com os nacionais, sem implicar a perda respectiva nacionalidade - ponto este cuja importância e conteúdo inovador para os dois países é de salientar. A chave técnica do sistema e a autorização de permanência no território, pois nos termos do artigo 6.°, a cessação da

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tal autorização importará na perda do estatuto da igualdade. Cabe, porém, notar que, nos termos do artigo 5.° do Tratado de Amizade e Consulta, os dois Estados se comprometeram a permitir o estabelecimento de domicílio no seu território aos nacionais da outra parte, com ressalva apenas das disposições relativas à defesa da segurança nacional e à protecção da saúde pública.

6. O artigo 9.° estabelece a equiparação dos titulares do estatuto da igualdade aos nacionais para efeitos de extradição, salvo se a extradição for pedida pelo Governo do Estado da nacionalidade. Embora generoso o princípio, lembra-se que pode ser difícil a sua articulação com compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado Português perante terceiros, dado que certas convenções de extradito apenas exceptuam da obrigação de extraditar os nacionais portugueses; como exemplo pode mencionar-se o artigo 6.°, n.° 1.°, do Tratado de Extradição e Assistência Judiciária em Matéria Penal, celebrado entre Portugal e a República Federal da Alemanha, aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei n.° 46 267, de 8 de Abril de 1965.

7. Como atrás se disse, a igualdade de direitos e deveres não implica por si só a igualdade no exercício de direitos políticos. Por um lado, está excluído do regime da equiparação, nos termos do artigo 4.°, o exercício de um restrito número de funções públicas reservadas aos nacionais originários. Por outro lado, o gozo de direitos políticos por portugueses no Brasil ou por brasileiros em Portugal depende de requerimento à entidade competente, e da verificação de um pressuposto de residência permanente. O artigo 7.° exige a verificação de "cinco anos de residência permanente". Certo é, porém, que o § 3.° do artigo 7.° da Constituição só faculta o exercício de direitos políticos aos cidadãos brasileiros que tenham em território português "a sua residência principal e permanente", sem que exista ressalva semelhante no texto constitucional brasileiro. Não pode deixar de entender-se que o exercício de direitos políticos só poderá reconhecer-se em Portugal ao brasileiro que tiver em território português "a sua residência não só principal mas também permanente, embora sejam de certo escassos em número e significado os casos em que os dois requisitos possam não se verificar conjuntamente.

8. Por outro lado, nos termos do artigo 7.°, n.° 3.°, "o gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade". Se se quisesse levar a análise a um extremo rigor, poderia pensar-se que teríamos aqui, para o cidadão português que exercesse direitos políticos no Brasil, um caso de suspensão de direitos políticos em Portugal não previsto pela Constituição, e a que portanto obstaria o artigo 11.º do texto constitucional; imas há que ponderar, além do mais, o carácter voluntário, quer da submissão ao estatuto da igualdade, quer da equiparação nos direitos políticos, o que é de molde a afastar a objecção.

III

Conclusões

9. Nestes termos, a Câmara Corporativa, reconhecendo que a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em Brasília em 7 de Setembro de 1971, se integra numa orientação que merece o franco aplauso da Câmara e realiza adequadamente os fins a prosseguir dentro de tal orientação, é de parecer que ela deve ser aprovada para ratificação, nos termos constitucionais.

Palácio de S. Bento, 26 de Outubro de 1971.

Afonso Rodrigues Queiró.
Diogo Freitas do Amaral.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Henrique Martins de Carvalho.
João Manoel Nogueira Jordão Cortez Pinto.
João de Matos Antunes Varela.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Hermano Saraiva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Luis Maria da Câmara Pina.
Manuel António Fernandes.
Paulo Arsénio Virissimo Cunha.
Adelino da Palma Carlos.
António Miguel Caeiro.
Eduardo Augusto Arala Chaves.
André Delaunay Gonçalves Pereira, relator.

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