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REPÚBLICA PORTUGUESA

SEGRETAR1A-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 79 X LEGISLATURA - 1971 16 DE NOVEMBRO

3.ª REUNIÃO PLENÁRIA, EM 15 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Luís Supico Pinto

Secretários: Exmos. Srs.
Bento de Mendonça Cabral Parreira do Amaral
Álvaro Vieira Botão

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 35 minutos.
Foi lida e aprovada a acta da última reunião plenária.
O Sr. Presidente agradeceu aos Dignos Procuradores a dedicação com que desempenharam os seus mandatos na sessão legislativa finda; referiu-se ao intenso trabalho da Câmara no decurso da última sessão; fez menção ao facto de se terem cumprido dez anos sobre a eclosão do terrorismo em Angola; e à resignação do Cardeal Cerejeira, saudando o novo Patriarca, Sr. D. António Ribeiro; salientou o estreitamento dos laços de amizade entre Portugal e Brasil; felicitou o Digno Procurador Manuel Pimentel Pereira dos Santos pela sua nomeação para governador-geral de Moçambique; referiu-se ao regresso à Câmara do Digno Procurador Eduardo de Arantes e Oliveira: evocou os antigos Procuradores e os Procuradores em exercício falecidos, propondo um voto de pesar pelo seu falecimento, e referiu-se às perspectivas de trabalho para a terceira sessão legislativa.
O Digno Procurador António Martins Morais cumprimentou o Sr. Presidente e fez uma reflexão crítica sobre a legislação das relações colectivas de trabalho.
O Digno Procurador António Maria de Mendonça Lino Netto cumprimentou o Sr. Presidente, evocou a evolução legislativa que conduziu à instituição das corporações, referiu-se às funções constitucionais da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e mencionou as actividades da Corporação de Assistência.
O Digno Procurador Mário Arnaldo da Fonseca Roseira informou a Câmara da entrega de uma decisão arbitral referida pelo orador.
O Digno Procurador Henrique Martins de Carvalho referiu-se à evolução da sociedade contemporânea, mencionou as medidas tomadas pelo Governo na prossecução do bem comum e descreveu a conjuntura internacional dos dois últimos anos.
Foram eleitos os vice-presidentes da Câmara para a terceira sessão legislativa.
Às 15 horas e 9 minutos assumiu a presidência da Mesa o Sr. Presidente da Câmara, secretariado pelos Dignos Procuradores Bento de Mendonça Cabral Parreira do Amaral e Álvaro Vieira Botão.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada à qual responderam os seguintes; Dignos Procuradores:

Alberto Américo Campos Aço.
Alberto Andrade e Silva.
Albino André.
Albino Soares Carneiro.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Martiniano Carreira da Cunha.
Álvaro Braga Vieira.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Álvaro Vieira Botão.
Aníbal Barata Amaral de Morais.
Aníbal de Oliveira.
Aníbal de Sousa Azevedo.
António Aires Ferreira.
António Álvares Pereira Duarte Silva.
António Augusto Lopes Pacheco.
António Augusto Peixoto Correia.
António Cândido Figueiredo da Mota dos Santos Beirão.
António da Silva Carvalho.

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António Duarte.
António Ferreira Plácido.
António Herculano Guimarães Chaves de Carvalho.
António Jorge Martins da Motta Veiga.
António José de Sousa.
António Manuel Pinto Barbosa.
António Maria de Mendonça Lino Netto.
António Martins Morais.
António Miranda Veloso.
António Pereira Caldas de Almeida.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Resende Vaiadas Fernandes.
António Rogério Luís Gonzaga.
António da Silva Rego.
António Simões Coimbra.
António Tierno Bagulho.
Atinando Gouveia Pinto.
Arnaldo Trio Marques Sequeira.
Artur Patrocínio.
Augusto da Penha Gonçalves.
Augusto de Sá Viana Rebelo.
Avelino Meira do Poço.
Avelino de Sousa Campos.
Bento de Mendonça Cabral Parreira do Amaral.
Bernardo Viana Machado Mendes da Almeida.
Carlos Augusto Corrêa Paes d'Assumpção.
Carlos Figueiredo Nunes.
Carlos Krus Abecasis.
Carlos Marques Mendes.
Carlos Saraiva de Campos.
Casimira Rodrigues de Carvalho.
Celso Mendes de Magalhães.
David Ferreira de Assunção.
David Jacinto.
Domingos Maurício Gomes dos Santos.
Duarte Amâncio Leal.
Duarte Pinto Basto de Gusmão Calheiros.
Edison Passos Pinto de Magalhães.
Eduardo de Arantes e Oliveira.
Eduardo Augusto Arala Chaves.
Emílio de Oliveira Mertens.
Ernesto Fernando Cardoso Paiva.
Fernando de Carvalho Seixas.
Fernando Casimiro Pereira da Silva.
Fernando de Castro Fontes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando Emygdio da Silva.
Fernando Gerardo de Almeida Nunes Ribeiro.
Fernando Guedes.
Fernando Ivo Coelho Gonçalves.
Fernando José Martins de Almeida Couto:
Fernando Lourenço Pereira.
Fernando Manuel Gonçalves Pereira Delgado.
Fernando de Melo Costa e Almeida.
Fernando Nuno Martins da Cunha.
Filipe César de Goes.
Francisco Dalva Sousa Aragão.
Francisco José Vieira Machado.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Francisco Pereira da Fonseca.
Francisco Xavier Barreto Caldeira Castel-Branco.
Francisco Xavier Cabral Lobo de Vasconcelos.
Henrique Martins de Carvalho.
Herculano de Amorim Ferreira.
Hermes Augusto dos Santos.
Hugo Mascarenhas.
Inácio de Oliveira Camacho.
Jaime Furtado Leote.
Jaime dos Reis Simões Cordeiro.
Jaime Silva.
João Afonso Ferreira Dinis.
João António de Morais Leitão.
João Carlos Dias de Castro Reis.
João Henrique Dias.
João José Pessoa Trigo.
João de Matos Antunes Varela.
João Moita Dinis.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
João Ubach Chaves.
Joaquim Belford Corrêa da Silva (Paço d'Arcos).
Joaquim Lima Silveira Costa.
Joaquim Marques Alexandre.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Joaquim Vicente Sampaio Freire Cardoso.
Jorge Brum do Canto.
Jorge Olímpio Adrião Sequeira.
José Abel e Lemos Pedroso Saphera Costa.
José Alberto de Carvalho.
José Alfredo Soares Manso Preto.
José de Andrade Soares.
José Augusto Vaz Pinto.
José Duarte Krus Abecasis.
José Ernesto Brigham da Silva.
José Estevão Abranches Couceiro do Canto Moniz.
José Filipe Mendeiros.
José Firmino Henriques.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
José Gabriel Pinto Coelho.
José Hermano Saraiva.
José Honorato Gago da Câmara de Medeiros.
José Maria Caldeira Castel-Branco Mesquita e Carmo.
José Maria Pinto Soares.
José Marques.
José de Mira Sousa Carvalho.
José Nicolau Villar Saraiva.
José de Oliveira Marques.
José Rodrigues.
José Sequeira Marcelino.
Leão António d'Almeida.
Lourenço Varella Cid.
Lúcio Craveiro da Silva.
Ludgero Duarte de Oliveira.
Luís Avellar de Aguiar.
Luís Borges de Castro.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Supico Pinto.
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos.
Manuel Almeida Ferreira.
Manuel Alves da Silva.
Manuel António Fernandes.
Manuel António Lourenço Pereira.
Manuel Bernardino de Araújo Abreu.
Manuel Cardoso.
Manuel da Conceição Mineiro Pessoa.
Manuel Ferreira da Silva.
Manuel Gomes Varela Fradinho.
Manuel Jacinto Nunes.
Manuel Joaquim Fernandes dos Santos.
Manuel José Dias Coelho da Silva.
Manuel José Gonçalves Grilo.
Manuel José de Moura.
Manuel Mendes Leite Júnior.
Manuel Pereira Alves da Silva.
Manuel Pimentel Pereira dos Santos.
Manuel Ramos de Sousa Júnior.
Mário António Coelho.
Mário Arnaldo da Fonseca Roseira.
Mário Inácio de Matos.

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Mário Luís Correia Queiroz.
Mário Pedro Gonçalves.
Martinho Edmundo de Morais.
Miguel José de Bourbon Sequeira Braga.
Nuno Henrique de Macieira de Vasconcelos Porto.
Paulo Viríssimo Cunha.
Pedro António Monteiro Maury.
Pedro Moura Brás Arsénio Nunes.
Raul Lino.
Rómulo Raul Ribeiro.
Sebastião Maria Vaz de Oliveira Lousada.
Serafim de Jesus Silveira Júnior.
Vasco Lopes Alves.
Vasco Manuel Veiga Morgado.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 170 Dignos Procuradores.
Está aberta a reunião.
Eram 15 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura da acta da última reunião plenária.
Foi lida.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Procuradores sabem que a acta lida, como é costume, representa o resumo do que se passou na última reunião plenária; o relato integral foi então publicado nas Actas da Câmara Corporativa, n.° 57, de 26 de Novembro do ano findo, oportunamente distribuída pelos Dignos Procuradores.
Submeto os dois documentos à votação da Câmara.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como os Dignos Procuradores nenhuma objecção fizeram, considero-os aprovados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Dignos Procuradores: No momento em que se iniciam os trabalhos da terceira sessão legislativa da X Legislatura, a todos apresento rendidos agradecimentos: pela dedicação com que desempenharam os seus mandatos na sessão legislativa finda, exprimindo a minha plena confiança em que, neste novo período dos nossos, trabalhos, os membros desta Casa saberão continuar a prestar a sua colaboração no mesmo alto nível de competência e de isenção que tem sido o melhor alicerce do prestígio de um órgão que, ano após ano, se tem afirmado como instrumento do maior valor no processo da feitura das leis e, consequentemente, na definição da ordem político-jurídica da Nação.
Foi intenso o trabalho da Câmara Corporativa no decurso da sessão legislativa anterior. Durante ela houve que dar parecer sobre a proposta de lei relativa à autorização das receitas e despesas para 1971; sobre a pretas a de lei e dois projectos de lei com alterações à Constituição Política; sobre a proposta de lei e um projecto de lei acerca do novo estatuto da imprensa; sobre os projectos de proposta de lei referentes à liberdade religiosa e ao ensino politécnico; acerca da Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses: sobre o Projecto de lei relativo à reabilitação e integração social de indivíduos deficientes; sobre os projectos de decreto-lei respeitantes à duração do trabalho, prestado por força de contrato de trabalho e ao regime jurídico de construção e exploração de estações centrais de camionagem.
Não necessito certamente de chamar a atenção para a importância das matérias tratadas nas propostas e projectos submetidos a parecer da Câmara, nem, consequentemente; para a complexidade e melindre d; análise dos respectivos textos, alguns dos quais com marcadas implicações no conjunto da vida nacional. Não quero, porém, deixar de sublinhar que o facto de a Câmara ser chamada a pronunciar-se, cada vez com mais frequência, sobre diplomas de tão vasto alcance, é reflexo da intensa actividade renovadora do Governo em domínios fundamentais da vida nacional, como é o caso, designadamente, da Constituição Política, da imprensa, da liberdade religiosa e do ensino politécnico.
De entre os factos de maior relevo ocorridos ao longo do ano legislativo anterior, três há que impõem uma referência especial.
Completaram-se dez anos sobre a data em que eclodiu o terrorismo na terra portuguesa de Angola. A partir de então, como se sabe, a agressão estendeu-se a outras parcelas do território nacional, e em toda a parte encontrou a réplica que merecia e porventura não era esperada. Ao encerrar-se esse período, que bem pode ficar na história como a "década de África", é acto de justiça, a que não devo faltar, prestar homenagem a todos os que nas províncias ultramarinas prosseguem no seu obstinado esforço a bem da grandeza da Pátria, e muito especialmente, com a mais íntima emoção, às forças armadas, que ao longo destes dez anos têm escrito páginas de epopeia, pelas quais nos devemos sentir orgulhosos. A presença dos nossos soldados e marinheiros é imposta pela necessidade da defesa de uma unidade, a qual, por sua vez, é o verdadeiro alicerce e a única garantia segura da nossa existência histórica como grande Nação independente.
O esforço que Portugal tem desenvolvido para se defender tem exigido sacrifícios e vai certamente continuar a exigi-los. Mas não impediu que, precisamente, nestes dez anos, se levasse a cabo, tanto na metrópole como no ultramar, uma vastíssima obra de progresso, valorização e desenvolvimento em todos os sectores da actividade nacional. Penso que o facto de ter sido possível conter e desagregar a agressão externa em todas as frentes, e de simultâneamente poder contar-se com recursos humanos e financeiros para acelerar uma rasgada política de fomento e de solidariedade humana, é a melhor e mais concludente resposta que podemos dar aos nossos adversários. É uma resposta que o Mundo começa a compreender. Com efeito, o panorama da opinião internacional acerca, da presença de Portugal em África e hoje muito diferente do que era em 1961. Ainda nem todos querem reconhecer que se trata, de uma presença de valor essencial, não só para a segurança, progresso e bem-estar das populações de vastas áreas da África ao sul do Equador, mas também para o próprio equilíbrio das grandes forças políticas do Mundo. Mas do que já ninguém duvida é de que Portugal não cede nem a maneios políticos, nem a intimidações, nem a agressões, e de que a existência, de uma África portuguesa, é realidade imutável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O segundo acontecimento a que desejo referir-me é o da resignação da Sua Eminência o Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira, que ao cabo de uma longa e fecunda acção pastoral cessou o governo do Patriarcado de Lisboa. O seu nome ficará papa sempre assinalado na história da Igreja em Portugal. Ao novo Patriarca, o Sr. D. António Ribeiro, dirijo respeitosas saudações em meu nome pessoal e no da Câmara Corporativa, exprimindo o voto de que encontre as maiores felicidades no exercício do seu múnus pastoral como Pontífice da Igreja de Lisboa.
O último facto que me propus salientar diz respeitoso estreitamento dos laços de amizade, entre Portugal e o

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Brasil, que encontrou expressão na revisão constitucional e culminou com a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em Brasília em 7 de Setembro de 1971. O novo instrumento jurídico ficará como um passo decisivo na história de dois países que falam o mesmo idioma, enraízam num passado comum e estão profundamente ligados por laços da sensibilidade, da cultura e do sangue. No parecer que, nos termos constitucionais, fomos chamados a emitir sobre a referida Convenção, escreve-se que o voto favorável da Câmara é concedido com raro júbilo. Estou certo de que estas palavras exprimem não só o sentimento da Câmara, mas também o de toda a Nação. Sob a camada superficial dos episódios da história corre o tecido profundo dos sentimentos dos povos; na realidade, nunca o povo português viu no cidadão brasileiro um estrangeiro, mas antes um irmão que vive longe e ao qual está ligado por um afecto que a distância nunca conseguiu arrefecer. É esta realidade que a nova Convenção vem consagrar e aí se encontra a justificação de júbilo com que foi recebida por brasileiros e portugueses.
Foi recentemente designado para o exercício das altas funções de governador-geral de Moçambique o Digno Procurador Manuel Pimentel Pereira dos Santos, que faz parte da subsecção de Política e administração ultramarinas da secção de Interesses de ordem administrativa. A Câmara vai sentir a sua falta, mais encontrará compensação na certeza que tem de que o engenheiro Pimentel dos Santos, a missão que agora lhe foi confiada, continuará a servir o País com o zelo, competência e dedicação de que tantas vezes tem dado provas ao longo da sua carreira profissional e política.
A nomeação para os governos gerais das províncias ultramarinas não implica perda do mandato do Procurador à Câmara Corporativa. E assim que teremos outra vez entre nós o governador-geral cessante de Moçambique, o Digno Procurador Eduardo de Arastes e Oliveira, que a esta Casa e ao País tem prestado os mais altos serviços, e que no governo da grande província portuguesa do Índico teve ocasião de ver acrescentado o seu prestígio de homem público.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

É com tristeza que informo a Câmara que desde a última reunião plenária faleceram os antigos Procuradores Fausto de Figueiredo e José Augusto Correia de Barros, e os Dignos Procuradores em exercício Durando Rodrigues da Silva, que tinha assento na subsecção de Indústrias de construção da secção de Indústria, e Augusto de Castro, que fazia parte da subsecção de Relações internacionais da secção de Interesses de ordem administrativa e foi uma das mais cintilantes figuras da vida pública do nosso tempo como escritor primoroso, jornalista insigne e hábil diplomata. Todos eles prestaram a esta Casa a mais excelente colaboração. Recordo-os com a maior saudade e estou certo de interpretar o sentimento unânime da Câmara ao propor Se exare na acta um voto de pesar.
Dignos Procuradores: Vai começar um novo ano de trabalho. Ao declarar aberta a terceira sessão legislativa da X Legislatura, prevejo que não será fácil, nem leve, a tarefa que durante ela teremos de cumprir. Mas, com a dedicação de todos, havemos de desempenhá-la pela melhor forma, como a Nação espera e merece.

O Sr. António Martins Morais: - Sr. Presidente, Dignos Procuradores: Expressando a V. Exa. a minha alta consideração e cumprimentando os Dignos Procuradores presentes, vou direito ao assunto que me levou a usar à palavra perante esta Câmara.
É este, o da apreciação de alguns aspectos da actual legislação sobre contratação colectiva de trabalho, nomeadamente o Decreto-Lei n.° 48 212, de 29 de Agosto 1969, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 492/70, de 22 de Outubro.
De entre os aspectos que pretendemos focar vamos a ter-nos, agora, sobre a extensão dos prazos estipular neste último decreto-lei, para o decorrer das diferentes fases concernentes à celebração ou revisão de uma convenção colectiva de trabalho, os quais deverão ir da proposta de apresentação devidamente fundamentada até homologação ministerial.
Vejamos, então, quais são os prazos legalmente estabelecidos para as diferentes fases:

Apresentação da proposta:

A proposta será sempre fundamentada - n.° 3 do artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 492/70. Sobre a fundamentação nos deteremos mais adiante. Reportemo-nos, por ora, só a prazos.
Assim, o prazo para aceitação ou rejeição da proposta é de trinta dias, prorrogáveis até ao máximo de sessenta. Estes, prazos começarão a contar quinze dias após a recepção da proposta. Aceite esta, passa-se à fase seguinte:

Negociação:

Esta deve encontrar-se finda seis meses depois da aceitação da proposta, englobando-se neste período de temo se bem interpretamos o disposto no n.° 5 do mesmo artigo 12.° citado, todos os prazos respeitantes à apresentação da proposta, salvo quinze dias, a partir dos quais se passa a contar o prazo para a resposta de aceitação ou rejeição.
Contados até aqui cento e noventa e cinco dias.
Admite-se, no entanto, a prorrogação do prazo de negociação por mais cento e oitenta dias. Atingindo o termo desta, com prorrogação, teremos consumidos trezentas e sessenta e cinco dias, mais de um ano, portanto, e segue-se a

Conciliação:

Esta não deverá exceder sessenta dias aos por adição ao acima, já vamos em quatrocentos e trinta e cinco dias.
Improfícua esta, parte-se para ia que chamaremos última fase a

Arbitragem:

Uma das partes toma a iniciativa, da arbitragem e a outra, notificada, deve nomear árbitro dentro de quinze dias. A notificada não nomeia árbitro; recai na Corporação o dever de o fazer, dispondo de quinze dias para o nomear.
Dispõe o decreto-lei a que nos vimos reportando que a decisão final da arbitragem deve ser proferida dentro de sessenta dias após a nomeação dos árbitros, mas, estou prevista a concessão da sua prorrogação por mais sessenta dias, teremos que esta fase se poderá estender por cento e cinquenta dias, os quais, acumulados aos das fases anteriores, totalisam quinhentos e oitenta e cinco dias, isto é um ano, sete meses e alguns dias.
E se a nomeação dos árbitros for impugnada?
E qual o tempo previsto para a nomeação do arbítrio presidente, esta da competência do Ministério das Corporações?
Mas o processo ainda não se encontra concluído.
O que falta?

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A apreciação e estudo da decisão arbitral pelo Instituto do Trabalho e Previdência. E quanto tempo os serviços daquele alto departamento a apreciar a decisão arbitral?
E se o texto da decisão arbitrai se mostrar "desconforme com a lei e com a equidade"?
Resulta que será devolvido para rectificação e deverá ser entregue, corrigido, passados trinta dias.
Se bem contamos todo o tempo decorrido, não levando em linha de conta o tempo que se poderá vir a perder com a rejeição da proposta de celebração ou revisão por falta de fundamentação considerada válida, a impugnação da nomeação dos árbitros e o tempo necessário aos serviços do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, para apreciação do texto arbitral, teremos ultrapassado um ano e oito meses.
Parece-nos de mais!
V Exa. e os Dignos Procuradores que me escutam serão levados a pensar que lhes estou apresentando a pior das hipóteses. Assim é, na verdade!
Mas posso ilustrar quanto venho dizendo com um exemplo concreto; daí, justamente, devo confessá-lo, esta minha intervenção que importa aos meus procurandos e, amanhã, importará a outros.
Trata-se da revisão, em curso, do contrato colectivo de trabalho para a indústria de lanifícios.
Embora o tempo decorrido, desde a denúncia deste até ao presente, não atinja, ainda, a totalidade do tempo contado acima, certo é, também, não se saber quando será dada por terminada, pois se encontra na fase de arbitragem.
A verdade é que a denúncia daquele contrato foi efectuada em Agosto de 1970 e apresentada proposta para a sua revisão nos primeiros dias de Outubro do mesmo ano.
Não vamos historiar aqui quanto se passou até agora, em relação às diferentes e acidentadas fases desta revisão de convenção, que vigora desde 1 de Janeiro de 1960, em que falharam a aplicação da lei e a intervenção da organização corporativa cimeira.
Importa antes dizer o que se propõe.
Não nos propomos fazer uma análise exaustiva de todas as disposições contidas nos dois decretos-leis referidos, mas sugerir, tão-sòmente, algumas alterações ao seu contexto, que nos parece melhorariam a sua eficiência.
Estas seriam, em nosso entender:

Quanto a prazos:

O encurtamento para metade dos actualmente prescritos, para a negociação e arbitragem.

Em relação à fundamentação da proposta de celebração ou revisão:

Definir em termos precisos como esta deve ser feita, pois a legislação actual nada especifica a este respeito.
Definir, também, a quem caberia apreciar se a proposta está ou não bem fundamentada. Sugerimos o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e a Junta Disciplinar da Corporação da Indústria.
Fixar prazo para esta formalidade.

No que respeita à negociação:

Encurtar o seu prazo para três meses.

Definir como esta deve ser efectuada. Isto para evitar que se chegue à arbitragem com a maioria do clausulado por negociar. Assim aconteceu, por exemplo, com a negociação da revisão do contrato colectivo de trabalho para a indústria
de lanifícios, em que setenta e tantas cláusulas chegaram à fase de arbitragem sem terem sido negociadas. Esta circunstância virá a causar os mais sérios embaraços aos árbitros, quando tiverem de se debruçar sobre clausulado que respeitar, designadamente, a aspectos de ordem técnica a que os mesmos são alheios.

Quanto à arbitragem:

Deveria fixar-se o seu prazo em trinta dias; suficiente, desde que bem definidas as condições em que deveria processar-se a fase de negociação. Fixar prazo para a nomeação do árbitro presidente.
Definir as funções do árbitro presidente.
Para concluir, solicitamos a V. Exa., Sr. Presidente, se digne transmitir ao Governo as sugestões apresentadas perante esta Câmara, modesta achega da nossa parte para o aperfeiçoamento da legislação em vigor sobre contratação colectiva de trabalho.
Mas só mais duas palavras, se V. Exa. me consente.
Hoje, precisamente 15 de Novembro de 1971, termina, por esgotado o prazo - com prorrogação concedida -, a fase de arbitragem para a revisão do contrato colectivo de trabalho para a indústria de lanifícios.
Quando será homologado?
A resposta será dada a seu tempo e, então, W. Exas. ajuizarão da pertinência desta minha intervenção.
Disse.

O Sr. António Maria de Mendonça Lino Netto: - Sr. Presidente, Dignos Procuradores: 1. Sendo esta a primeira vez que uso da palavra em sessão plenária da Câmara Corporativa, desejo apresentar a V. Exa., Sr. Presidente, as minhas respeitosas homenagens e expressar-lhe a maior admiração pela elevada competência e aprumo com que superiormente tem dirigido os trabalhos desta Câmara, tarefa, por vezes, difícil e melindrosa; aqui, em diálogo livre, se confrontam e, na medida do possível, se harmonizam as divergências que realmente existem entre os interesses representados, intervindo na discussão pessoas a diversos títulos qualificadas para a apreciação dos assuntos debatidos. Já no ano em curso, um dos períodos de mais intenso e profícuo labor da Câmara Corporativa, foram emitidos pareceres que ficarão memoráveis, entre os quais se destacam os elaborados sobre as propostas e os projectos de lei de alterações à Constituição Política, bem como das leis de imprensa e liberdade religiosa.
2. Bem se compreende que no início do primeiro período desta terceira sessão da X Legislatura use da palavra, como vem sendo habitual, um dos presidentes das Corporações; mas não posso deixar de sublinhar a circunstância especial de se tratar, desta vez, da Corporação da Assistência.
A Lei n.° 2086, de 22 de Agosto de 1956, que promulgou as bases para a instituição das corporações, logo começou por estabelecer que estas constituem a organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim coordenar, representar e defender os seus interesses para a realização do bem comum (base I).
"A Corporação", como se escreveu no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta daquela lei, "é o único e verdadeiro organismo corporativo, aquele onde os interesses afins ou divergentes são postos em presença para o efeito do seu relacionamento e conciliação, em ordem ao bem comum de todas as actividades que se integram em determinada função social."

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Assim, em 23 de Setembro de 1957, foram criadas as quatro primeiras corporações económicas: Lavoura; Transportes e Turismo; Crédito e Seguros, e Pesca e Conservas. E, decorrido um ano, em 23 de Setembro de 1958, vieram a ser criadas as restantes: Indústria; Comércio; Imprensa e Artes Gráficas, e Espectáculos.
Quanto às corporações morais e culturais, a base XV da Lei n.° 2086 incumbiu o Governo de promover a sua instauração e definir quais os ramos de actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados. Mas só em 23 de Setembro de 1966 foram instituídas três dessas corporações: Ciências, Letras e Artes; Assistência, e Educação Física e Desportos. Apenas a segunda se encontra em efectivo funcionamento.
Apesar de a Constituição plebiscitada em 1933 afirmar que incumbia ao Estado autorizar todos os organismos corporativos, morais, culturais ou económicos e promover e auxiliar a sua formação (artigo 16.°) - disposição constitucional que foi, na sua essência, mantida nas revisões subsequentes - a verdade é que decorreram mais de trinta anos antes de se concluir, no campo legislativo, a integração corporativa de todos os ramos das actividades nacionais.
É certo que os interesses culturais e morais vinham tendo efectiva audiência através da sua representação na Câmara Corporativa, onde constituíam os seguintes grupos (artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 29 111, de 12 de Novembro de 1938): Ciências e Letras; Belas-Artes; Educação Física e Desportos, e Interesses Espirituais e Morais. O mesmo agrupamento se mantém, por outra ordem, com acréscimo do Ensino (Decreto-Lei n.° 43 178, de 23 de Setembro de 1960). Tal intervenção, porém, não oferecia, só por si, suficiente expressão corporativa, consideradas as funções e natureza consultiva da Câmara.
3. O sistema constitucional português comporta a existência de dois órgãos colegiais: Assembleia Nacional, composta de Deputados eleitos por sufrágio directo dos cidadãos (persistência do conceito jurídico de povo), e a Câmara Corporativa, composta por representantes das autarquias locais e dos interesses sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica (representação orgânica dias actividades nacionais). Adoptam-se, pois, critérios diferentes na composição da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.
No parecer emanado desta Câmara acerca da proposta de lei sobre as recentes alternações à Constituição Política, explicava-se que o "governo" cabe à generalidade da população ou a representantes seus, não havendo ninguém cujo poder de direcção política ou cujo ofício governativo não tenha título representativo, e que, por outro lado, essa participação do povo no "governo" não se verifica por uma via exclusivamente individualista. Está previsto - acrescentava-se - que nele participem todos os elementos estruturais da Nação e, portanto, não apenas os indivíduos, mas também as "corporações" ou sociedades primárias em que eles se integram e parcialmente se realizam.
A essência do regime impulsionava naturalmente para a expressão orgânica dos grupos sociais, mas o condicionalismo político e a influência daquilo que se praticava nos países mais relacionados com Portugal fez desviar do rigor dos princípios.
Até à publicação da Lei n.° 2100, de 29 de Agosto de 1959, também o Chefe do Estado era eleito por sufrágio directo dos cidadãos. Seguidamente, passou a ser designado por intermédio de um colégio eleitoral constituído pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e por representantes municipais e ainda por representantes dos órgãos electivos, com competência legislativa, das províncias ultramarinas (artigo 72.° da Constituição).
4. A Assembleia Nacional tem funções legislativas de que o Governo comparticipa, excepto no que se refere a matérias reservadas à sua exclusiva competência (artigo 93.° da Constituição). Para além dessas atribuições exerce a fiscalização e crítica dos actos governativos.
O princípio da separação de poderes nunca foi absoluto. Desde logo se fez sentir a necessidade de criar um poder moderador inspirado numa tendência unificante, e a rigidez do princípio resultou diminuída pela praxe das autorizações legislativas conferidas ao Governo e pelo progressivo alargamento da faculdade normativa que as próprias leis fundamentais lhe foram atribuindo, em primeiro lugar, nos casos de urgente necessidade pública e, depois, a título permanente. Também se consagrou o princípio de as leis aprovadas pelas assembleias legislativas destinando-se a matérias mais essenciais, enunciarem apenas bases gerais, competindo ao Executivo a elaboração dos respectivos decretos regulamentares.
Na verdade, consideradas as suas características, os parlamentos não podem eficientemente intervir na elaboração de leis muito vastas ou que revistam grande complexidade ou carácter acentuadamente técnico.
Deve, ainda, considerar-se que a actividade legislativa das câmaras, sobretudo em momentos de maior perturbação, se viu sèriamente comprometida em lutas políticas e debates improdutivos.
A atribuição de funções legislativas ao Governo pode encontrar, na ortodoxia parlamentar, a justificação de que sendo o Governo uma emanação da maioria, será de presumir que a providência legislativa por ele tomada haveria de ter voto conforme do parlamento (presunção do consentimento da maioria).
De resto, o deslocamento da faculdade de fazer leis não se opera só a favor do Governo; a tendência geral é de a alargar a outros órgãos do Estado. Assim sucede em relação ao Supremo Tribunal de Justiça quando, funcionando em tribunal pleno, tira assentos para uniformização da jurisprudência, com força obrigatória para todos os tribunais (n.° 2 do artigo 769.° do Código de Processo Civil), bem como em relação às corporações, ao estabelecerem, com assentimento do Estado, certas normas de observância geral [base V, alínea b) e f), da Lei n.° 2086], e, até, a outros organismos corporativos, das convenções colectivas de trabalho (artigos 8.° e 24º, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 49 212, de 28 de Agosto de 1969).
Em vez de separação absoluta de poderes, melhor se dirá especificação de funções.
Todavia, a supremacia da Assembleia, mesmo no domínio legislativo, ainda se mantém, por lhe estar reservada competência exclusiva no tocante a certas matérias, nomeadamente liberdades fundamentais, organização judiciária, organização militar e autorização para cobrar as receitas do Estado e realizar as despesas públicas - esta última uma das atribuições históricas do parlamento.
A função fiscalizadora exercida pela Assembleia é a que melhor se adapta a um órgão de representação constituído segundo critérios numéricos, e não com fundamento na profissão ou noutra qualificação dos elementos que a compõem.
Pode compreender-se que, para além do ordenamento corporativo, se forma uma opinião política geral que deve influenciar decisivamente os negócios públicos e as linhais de rumo adoptadas peia governação. É assim que, nos termos do n.° 2 do artigo 91.° da Constituição,

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compete à Assembleia Nacional vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo ou da Administração, podendo declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de quaisquer normas.
5. Oferece interesse observar a evolução que se tem operado em relação à Câmara Corporativa. A esta compete relatar e dar parecer sobre todas as propostas ou projectos de lei e sobre todas as convenções ou tratados internacionais que forem presentes à Assembleia Nacional. Também o Governo a poderá consultar sobre diplomas a publicar ou propostas de lei a apresentar àquela Assembleia.
Salazar admitiu o desenvolvimento gradual da Câmara das Corporações "tanto quanto à pureza do seu carácter representativo como ao funcionamento e influência efectiva na direcção superior do Estado" (discurso de 20 de Outubro de 1949).
Embora os textos constitucionais e a doutrina que os enforma encaminhem para o pretendido ordenamento, a verdade é que a posição da Câmara Corporativa se mantém, essencialmente, a mesma, não obstante os arranjos nos seus agrupamentos internos e a inclusão de mais interesses representados. E compreende-se esta espécie de paragem numa evolução desejada, se tivermos presente a demora com que se tem processado a institucionalização corporativa.
As coisas não poderão correr de outro modo enquanto todas as actividades da Nação não estiverem integralmente representadas nos organismos corporativos, como programàticamente se diz no artigo 20.° da Constituição.
A conflagração mundial, eclodida em 1939, e as crises que se lhe seguiram - tanto no domínio moral como material - dificultaram a natural expansão do regime português. Confiaram-se à organização corporativa, na falta de outra solução mais adequada, tarefas de emergência que, em larga medida, lhe eram estranhas, mas que a economia, duramente influenciada pela guerra, exigia com muita premência.
E de assinalar, porém, o facto de os membros da Câmara Corporativa em efectividade de funções fazerem parte do corpo eleitoral que designa o Chefe do Estado, solução que reduziu decisivamente, adentro da nossa fórmula presidencialista, o relevo do sufrágio universal e inorgânico adoptado entre nós.
No discurso proferido perante a Assembleia Nacional, em 2 de Dezembro do ano findo, o Sr. Presidente do Conselho afirmou que "o Governo tem buscado valorizar cada vez mais a colaboração da Câmara Corporativa na publicação dos decretos-leis; a Câmara, que durante a sua existência se revelou uma das mais úteis instituições constitucionais, continuará a ser o apoio consultivo da Assembleia Nacional e do Governo, permitindo que se exprimam autorizadamente os interesses nela representados".
E o Decreto-Lei n.° 48 618, de 10 de Outubro de 1968, criou na Câmara Corporativa uma secção permanente, composta pelo Presidente da Câmara e por oito Procuradores designados por este de entre os membros da secção de Interesses de ordem administrativa, a que poderão ser agregados, para efeito de dar parecer sobre determinado projecto, até oito Procuradores escolhidos em quaisquer secções pela sua competência na matéria a estudar. Compete à Secção Permanente emitir parecer acerca dos projectos de diploma sobre os quais o Governo consulte a Câmara, nos termos do artigo 105.° da Constituição. Pelo mesmo decreto-lei foi alterada a composição do Conselho da Presidência da Câmara Corporativa, que passou a ser constituído por antigos presidentes da mesma Câmara que sejam Procuradores, pelos vice-presidentes da Mesa, por quatro Procuradores escolhidos pelo Presidente de entre os antigos membros do Governo e pelos presidentes das corporações, estes, portanto, em situação pràticamente maioritária.
Através da última revisão constitucional efectuada, a existência da Secção Permanente aparece agora mencionada no próprio testo fundamental.
Assim se possibilitou melhor aproveitamento do apoio que a Câmara pode dispensar ao Governo quando este use da iniciativa no domínio legislativo.
Tendo presentes os conhecimentos especiais que a feitura das leis hoje exige e revelando-se sempre mais necessária a intervenção dos técnicos e das entidades directamente interessadas, compreendes-se fàcilmente que os pareceres relatados e emitidos pela Câmara Corporativa tendiam a ter cada vez maior influência nos órgãos que ao fim hão-de aprovar as leis.
Todavia, cumpre notar que, embora a Câmara Corporativa reúna no seu seio técnicos e conselheiros competentes nos diversos assuntos a que estão ligadas as actividades nacionais, o elemento principal que caracteriza os membros da Câmara é o da representação dos interesses prosseguidos pelas ditas actividades. E é através da discussão entre pessoas especialmente sensibilizadas para os problemas em causa que se conclui por uma votação, tantas vezes traduzindo soluções de compromisso.
Os Procuradores são, antes de tudo, partes interessadas, embora acumulem, muitas vezes, a qualidade de peritos nas matérias em análise.
Não será descabido admitir que no desenvolvimento da evolução constitucional, e na medida em que se complete e autentique a estruturação dos interesses sociais, venha a adoptar-se o voto deliberativo para as duas Câmaras, transformando-se o sistema realmente em bicamaral.
Com efeito, só a reconhecida morosidade na instauração integral da representação orgânica explica que a Câmara que a deveria completar se limite a dar parecer. Este cabe aos técnicos e conselheiros de que se socorrem, cada vez mais, os órgãos legislativos.
Na verdade, a audição dos interesses nacionais não deveria traduzir-se em fórmulas meramente opinativas.
Sr. Presidente, Dignos Procuradores: 6. A Corporação da Assistência, que iniciou actividades em Abril de 1967, tem exercido a sua acção, nos termos regimentais, em colaboração com o Estado, através do Ministério da Saúde e Assistência e com as demais corporações, no respeito absoluto pelos superiores interesses nacionais.
São comuns a todos os regimentos das corporações económicas as seguintes atribuições: "promover a realização e o aperfeiçoamento das convenções colectivas de trabalho e intervir, sempre que necessário, nas negociações que lhes digam respeito" e "fomentar, nos termos da legislação aplicável, a organização e o desenvolvimento da previdência das obras sociais em benefício dos trabalhadores e dos serviços sociais corporativos e do trabalho".
Ligada, como está, a Corporação da Assistência à representação e defesa das instituições particulares de assistência, onde se encontra vasta gama de empregados, nomeadamente no domínio da saúde, há-de haver pontos de contacto com as demais corporações quanto a problemas relacionados com convenções colectivas de trabalho e funcionamento da Previdência.
Comparando a disposição, comum a todas as corporações económicas, "fomentar e realizar o estudo dos problemas técnicos, económicos e sociais da actividade correspondente, bem como impulsionar e desenvolver a cultura e a preparação profissionais e defesa da activi-

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dade", com a disposição, específica da Corporação da Assistência, "fomentar, realizar e subsidiar o estudo dos problemas inerentes às actividades assistenciais" [alínea f) do artigo 5.º do seu Regimento], encontramos pontos comuns, porquanto a Corporação da Assistência também tem de apreciar, depois de os dissociar nos seus aspectos técnicos, económicos e sociais, assuntos próprios de outras corporações.
Por este processo se realiza, afinal, a colaboração da Corporação da Assistência com as demais no planeamento nacional, colaboração que não é exclusiva das corporações económicas.
7. A criação da nova Corporação revestiu-se da mais flagrante oportunidade e os acontecimentos têm confirmado a conveniência da instituição.
Desde o Plano Intercalar de Fomento passou a ser incluído na programação um capítulo especial de "Saúde", entendida esta em sentido amplo, de modo a abranger a assistência social.
"Da importância dos problemas sanitários" - diz-se no capítulo XII do III Plano de Fomento (1968-1973) - "decorre a necessidade, crescente e largamente sentida, de assegurar o seu enquadramento no desenvolvimento económico-social do País, bem como o reconhecimento da prioridade inerente à saúde, simultâneamente objectivo e factor de progresso."
No parecer subsidiário da Câmara Corporativa (secção de Interesses de ordem espiritual e moral) sobre o projecto daquele III Plano, salientou-se que "a integração dos serviços de saúde no programa nacional de fomento define uma orientação; pois que, naquele sector nem sempre se espera reprodutividade dos investimentos, será preciso ter em conta, além dos objectivos humanitários em presença, a contribuição das medidas sanitárias para o desenvolvimento económico-social da Nação". E dizia-se também:

Assim como um bom nível geral de saúde é factor de desenvolvimento económico-social, a prosperidade económica de uma colectividade possibilita-lhe, em proporção correspondente, os meios materiais favoráveis à melhoria da saúde pública.
È de louvar, sem dúvida, a orientação em que, a par da educação nacional, se pretende erigir a prosperidade da Nação com base no elemento humano, meio e finalidade do progresso.
O incentivo que se pretende dar nos domínios da saúde e assistência traduz-se no montante de 2 337 500 contos destinados aos respectivos investimentos no Plano de Fomento em execução, cobrindo o período de seis anos. No Plano Intercalar de Fomento (trienal) os investimentos não excederam 380 000 contos.
Reunidas no mesmo titular as funções de Ministro das Corporações e Previdência Social e as de Ministro da Saúde e Assistência, iniciou-se, a partir de Janeiro de 1970, uma fase de extraordinária actividade naqueles sectores, com vista à efectivação de "uma política social que assegure, ela também" - como disse o Ministro Dr. Baltasar Rebelo de Sousa no acto de posse -, "a continuidade na evolução".
E assim se entrou no estudo e tomada de medidas concretas no tocante a coordenação das actividades afins dos dois departamentos ministeriais, reorganização de serviços e formação de pessoal, bem como a centros de saúde, desenvolvimento comunitário, promoção social e alargamento da assistência materno-ínfantil.
Trata-se de magnas tarefas que têm profundas incidências nas instituições particulares de assistência e, em especial, nas Santas Casas das Misericórdias, sempre desejosas de se actualizarem nos seus métodos e técnicas, adaptando o passo ao estilo das exigências modernas, mas também muito ciosas do espírito que presidiu à sua criação e inspira toda a sua acção.
A Corporação, formada pelo conjunto das Misericórdias e demais instituições de assistência, tem procurado, corresponder, no melhor espírito de bem servir, dando ao Governo toda a colaboração que os meios disponíveis lhe possibilitam. Merecem particular referência os pareceres emitidos sobre o Estatuto Hospitalar, o Regulamento Geral dos Hospitais e o Estatuto das Instituições, de Assistência Particular.
Na Câmara Corporativa participou a Corporação, por intermédio dos seus representantes, no estudo de importantes projectos de diplomas e na elaboração dos respectivos pareceres, nomeadamente no que respeita ao III Plano de Fomento.
E tendo sido constituído um grupo de trabalho para na parte que interessa às instituições particulares de assistência, acompanhar a execução do III Plano de Fomento e preparar o seguinte, foi apresentado oportunamente ao Governo o parecer das instituições de assistência quanto à revisão do capítulo da saúde para o triénio 1971-1973.
Com alguma mágoa se regista não ter sido ouvida a Corporação sobre as importantes reformas introduzidas pela lei orgânica do Ministério da Saúde e Assistência (Decreto-Lei n.° 413/71, de 27 de Setembro) e pelo diploma referente a carreiras profissionais dos funcionários (Decreto-Lei n.° 414/71, de 27 de Setembro).
Por isso, só agora com alguma inoportunidade pôde a Corporação levar ao conhecimento do Governo as suas sérias reservas quanto ao "princípio de integração progressiva" nos centros de saúde dos vários serviços de saúde e assistência que enforma a estrutura daquele primeiro decreto-lei, sem distinção entre sector público e privado, e que aparece expressamente formulado na alínea e) do artigo 50.° E é uma integração total, como se conclui do n.° 7.° do artigo 56.°
Apesar de o diploma já ter sido publicado, propõe-se a introdução de preceitos no projectado Estatuto das Instituições Particulares de Assistência com vista a aperfeiçoar de modo indirecto, disposições inseridas, com carácter geral, na citada reorganização, que não deverão manter-se com tal amplitude e que nem correspondem, certamente, às reais intenções do Governo (nota enviada ao jornal Novidades pelo chefe do Gabinete do Ministro da Saúde e Assistência, publicada em 7 de (Novembro de 1971).
8. O funcionamento da mais recente Corporação tem sido acompanhado com particular interesse porque, não obstante a sua linha doutrinária, o sistema português se confinara, no decurso dos anos decorridos, às corporações económicas.
Este organismo, de base ideal, constitui organização humanitária das actividades particulares de assistência, limitando-se o legislador a reconhecer as instituições que tenham estatutos ou regulamentos devidamente aprovados nessa qualidade.
Não há nas corporações morais organismos corporativos intermédios. Nem funciona nelas a representação paritária de patrões e trabalhadores, característica específica das corporações económicas.
As actividades particulares de assistência, beneficência ou caridade surgem espontâneamente da iniciativa de voluntários, que se congregam no intuito de as praticarem conjuntamente. O reconhecimento pelo Estado desses grupos primários, aliás sem carácter representativo, pressupõe

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apenas a verificação dos requisitos indispensáveis à sua existência concretizada através da aprovação dos estatutos ou regulamentos.
A fl. 372 do Manual de Direito Administrativo, escreveu o Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano:

Enquanto nas corporações económicas os organismos primários têm já carácter representativo de profissões ou de categorias (os grémios, os sindicatos, as Casas do Povo ou dos Pescadores), nas corporações morais e culturais não sucede assim: as associações ou instituições que as compõem não são de per si representativas, são meras associações de utilidade pública agremiando facultativamente núcleos de indivíduos, e só as corporações representam toda a actividade social desenvolvida pelos seus membros.

9 Concluídos os relevantes trabalhos do último período legislativo, outros vão iniciar-se num ritmo que não permite interrupções. A Câmara Corporativa, sob a alta orientação do seu Presidente, uma vez mais irá corresponder, na medida do que lhe couber, ao instante estorço que de todos se reclama nesta era renovada de reconstrução nacional.

O Sr. Henrique Martins de Carvalho: - 1. Cada geração vê apenas um estreito fragmento da história e humanamente tende a considerar o futuro através das suas preocupações do presente. Quando a perspectiva do tempo se confina a um período muito curto, ainda mais difícil se torna examinar, a uma óptica objectiva, a evolução de um país: só nos rápidos da vida individual ou colectiva um ano ou dois podem constituir mais do que um simples período de transição. Olhando-o, logo os homens de formação progressista o consideram tímido e desencorajador, frente à imensidade e à premência dos desafios contemporâneos, tal como os mais conservadores, e exactamente pelas mesmas razões, lhe chamam apressado e cheio de perigos para a Nação. Uns e outros medem-no afinal pelos seus interesses ou desejos pessoais, e não pelos objectivos e pelo alcance das medidas que durante ele foi julgado possível e oportuno tomar.
Crise é às vezes o rótulo aposto por uma geração à sua época, na crença ingénua de os pais e os avós só haverem conhecido felicidade e bem-estar. E o encadeamento dessas pretensas crises, de que a epistemologia da cultura sucessivamente nos dá consciência, confunde-se com o próprio evoluir da Humanidade no caminho de se realizar e redimir. Pela aceleração assimétrica dos desenvolvimentos produzidos, o drama da nossa idade é em grande parte a consequência do conflito, não raro violento, entre estruturas económico-sociais que já são do século XXI, e soluções políticas - a democracia e o socialismo - muito ligadas à problemática do século XIX. Por isso o Pe. Teilhard de Chardin argutamente comentava, que, na sociedade que se avizinha, provável será vermos convergir três tensões principais: o liberalismo, com o seu culto dos direitos fundamentais e a garantia da respectiva aplicação em concreto; o marxismo, com o reconhecimento da importância excepcional das forças económicas em movimento, e o fascismo, com o sentido do valor político das minorias actuantes. E de tudo isto resulta para o Mundo, necessàriamente, um período geral de acentuada e rápida evolução, com a correspondente alteração ou ruptura dos hábitos e estruturas tradicionais.
Muitos se comprazem em apontar os males do nosso tempo. Por mim, confesso que o admiro apaixonadamente: nele o direito ao trabalho e o direito à saúde, tal como a luta contra a fome ou contra o medo e a promoção cultural e social das populações em conjunto, saíram de um simples "elitismo" e entraram nos desígnios expressos e nos programas da política, e da administração. Em consequência, estes objectivos, igualmente válidos perante Deus e perante os homens, passaram a integrar-se no quadro normal das preocupações dos governos, não como utopias longínquas ou mera pregação de teólogos e de moralistas, mas como linhas de força e compromissos de acção para quem aspira por transformar a própria época porque, efectiva e intensamente, a deseja poder viver.
O pensamento carece de cronologias para melhor se balizar. Sem me atrever a antecipar o julgamento do futuro, creio que 1970 será marcado pela morte de quem foi sem dúvida a primeira figura da geração que nos antecedeu. Convidado, como aliás muitos outras pessoas, a fazer um depoimento a seu respeito, comecei por dizer:

Durante alguns anos colaborador de governos presididos pelo Prof. Oliveira Salazar, nunca então fiz o seu elogio. E sabe-se que, tanto antes como depois, divergi com frequência dos seus critérios e discordei das suas decisões.

Tentei depois uma breve análise dessa personalidade riquíssima, e concluí:

Pense-se que o que se pensar da sua obra, não é possível invocar este homem sem que ressoem na nossa memória as grandes frases dos grandes escritores clássicos. Sim, por que foi tal a força da sua personalidade, nos sectores fundamentais da nossa vida colectiva, que "até os olhos que dele fogem o encontram per toda a parte". Quaisquer que hajam sido os seus defeitos, sempre sobre a minha geração se projecta o seu vulto enorme. E sempre Salazar, deslumbrante ou sombrio, no limiar de todo um século está de pé.

Desaparecido da vida política alguém dessa envergadura, os anos subsequentes - em qualquer país - seriam necessàriamente de transição. Mais acentuada, ainda, quando essa fosse também a situação geral. Por isso, não deve surpreender-nos quanto se está passando entre nós. Antes devemos ser capazes de serenamente o escolher para objecto de reflexão.
2. Tem esta Câmara uma composição por idades que não acompanha a da sociedade circundante. Decerto se trata de uma circunstância inevitável, que até lhe aumenta os conhecimentos e a experiência; mas não deixa de a afastar - pelas leis inelutáveis da vida - do conhecimento directo dos movimentos etários mais jovens e das correspondentes aspirações. E, por outro lado, a própria representatividade liga-a a muitos sectores do establishment. Por uma razão ou por outra, o mesmo acontece a todas as câmaras, em todos os momentos ou países. Porém, isso não constitui motivo para se desconhecerem os factos: importa apenas entrar com eles em conta, na autocrítica das nossas próprias opiniões.
Ora, se nos situarmos no momento logo anterior ao actual, e sejam quais forem as opiniões pessoalmente perfilhadas, recordar-nos-emos de que existia uma grande preocupação e se sentiam fortemente várias solicitações generalizadas. A grande preocupação relacionava-se com as condições de paz pública em que se processaria a mudança previsível para breve. As solicitações centravam-se - pelo menos para largos estratos do escol e da opinião pública - em desejos fáceis de sintetizar: maior aceleração do ritmo de crescimento e melhor distribuição per capita do produto nacional; mais agilidade e eficiência no equacionamento e execução das respostas da

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administração do Estado aos problemas da época, regulamentação actualizada das liberdades essenciais, e alargamento do polígono de sustentação política da acção do Governo, com as consequências correspondentes. Este último desejo significava, na prática, uma certa preferência por maior policentrismo nas decisões e, por conseguinte, traduzia o receio de a evolução conjuntural ser muitas vezes influenciada por um número reduzido de forças ou grupos de pressão. Que o relato nos não ofenda nem alarme demasiado, pois verificações ou reparos de índole idêntica são hoje comuns, ao fazer-se o exame sociológico das situações existentes, mo mundo livre ou nas democracias populares. De tal modo que o presidente Georges Pompidou repetidamente se tem referido à necessidade de desbloqueamento ou desblocagem da sociedade francesa.
Perante uma expectativa internacional quase sempre pouco benévola, processaram-se as mudanças políticas que a idade tornara aconselháveis e os factos haviam imposto por forma de que nos poderíamos orgulhar se não fosse natural em nação tão antiga e estabilizada como a nossa. E, se então se houvesse querido manter o statu quo, o vácuo deixado por um prestígio moral reconhecido por amigos e adversários teria imposto, como única solução, um crescente reforço das medidas de autoridade, contrário aos sinais dos tempos e negador da maturidade cívica que o País tão bem havia sabido demonstrar. Sendo assim, e embora - como tudo - isso tenha o seu preço, qualquer transição inteligente e ordenada viria a determinar uma orientação mais permissiva e conforme aos "padrões europeus", desde a actividade sindical à vida das Universidades, desde a importação de livros à exibição de filmes ou à apresentação de espectáculos teatrais. Em termos de objectividade, isto mesmo entre nós sucedeu.
E decerto se produziram também, embora em escala modesta, os fenómenos que os Estados Unidos conheceram após as crises de Berkeley ou da Universidade de Colúmbia: alguns limites de permissão foram postos tem risco ou excedidos e houve aí necessidade de reencontrar a disciplina, em nome do interesse geral. O arquiduque Otão de Habsburgo, um dos mais lúcidos comentadores da actualidade, escreveu em Junho de 1969 que o Mundo sente neste campo as consequências de a maior parte dos seus dirigentes terem sido formados sob o impacte do III Reich, ou por o haverem servido, ou por haverem lutado contra ele. Tiveram ou souberam o que era ter problemas de consciência perante ordens de repressão. Em consequência, hesitam em dá-las ou fraquejam quando se trata de as executar. Daí, no Ocidente (e nem só nele) estar-se perante uma crise psicológica da autoridade.
Todavia, e sempre em termos objectivos, a transição processa-se entre nós por modo geralmente afastado das perturbações inconvenientes; e fez nascer as primeiras expressões de policentrismo e o alargamento correlativo dos grupos de pressão. Os mais antigos não deixaram de existir (e em todo o mundo há grupos de pressão); mas viram-se contestados por outros e já não detêm um certo exclusivo no acesso à informação política, que inteligentemente haviam conseguido alcançar. A participação das populações na escolha das opções fundamentais começa agora a formar-se em contacto bilateral e da periferia para o centro; e a administração deixou de ser tão acentuadamente selectiva e, quanto às necessidades prioritárias - sobretudo na educação - perdeu timidez perante os novos caminhos e mostras-se receptiva a uma democratização do acesso aos bens de cultura e outros, ou mesmo a uma relativa socialização de soluções.
Direi portanto, como Jacques Delors quanto à sociedade francesa contemporânea, que os movimentos de descompressão estão pouco a pouco atenuando os mecanismos de travagem das influências públicas ou privadas de tendência monopolista. Sem as destruir, porque também são úteis; mas sem lhes permitir o domínio exclusivo - tal é o seu grande risco- quanto aos meios de produção e às estruturas do ensino oficial ou da educação permanente.
Pode, por conseguinte, concordar-se ou não com o caminho escolhido por este ou aquele governante; apoiar-se ou criticar-se esta ou aquela decisão política, ter-se medo das soluções mais ousadas ou repelirem-se a priori quantas o não sejam. Mas, olhando em redor - de nós próprios e do País -, não sei, dentro do parâmetros concretos da vida e do mundo, como poderia ter-se seguido rumo diferente, na prossecução do bem comum.
3. Deste modo, o conjunto vasto e complexo de medidas tomadas pelo Governo, na parte mais importante e significativa, com a colaboração parlamentar, visou corresponder às aspirações atrás enumeradas. Sobretudo a duas: dinamizar a administração pública e regular mais adequadamente os direitos do Homem, como se diz ma O. N. U. ou garantir mais eficazmente as liberdades do cidadão, como no princípio do século se costumava dizer. Integram-se na primeira numerosos diplomas, desde o decreto sobre horário do trabalho à lei do ensino tecnológico, desde a nova lei de seguros à lei sobre recuperação dos diminuídos; reportam-se mais especialmente à outra finalidade a reforma da Constituição e as leis de imprensa ou de liberdade religiosa. Mas a todos os diplomas importantes se referiram o Sr. Presidente da Câmara e os oradores que me antecederam em termos a que muito pouco tenho a acrescentar.
Um volume assim de actividade é situação sem paralelo na nossa, vida pública e gerou as naturais consequências emergentes de um rendimento acrescentado das instituições ao nosso dispor. Como é razoável prever que a maximação do ritmo se mantenha, um dos aspectos a considerar será o da melhor articulação e aproveitamento recíproco dos trabalhos levados a efeito na Câmara Corporativa e na Assembleia Nacional. Mas não é a esses problemas que me desejaria referir, nem tão-pouco ao alcance das leis publicadas, pois acerca delas largamente se pronunciaram a Assembleia e, por vezes, a opinião pública interna e internacional.
Apenas gostaria de anotar que, graças à decisão posta no estudo de muitos assuntos prioritários, o Governo se encontra habilitado, a meu ver, com meios jurídicos e administrativos susceptíveis de operar profundas adaptações e transformações na sociedade portuguesa. Ê isso flagrante na educação e no ensino, onde vastas reformas haviam sido tornadas possíveis pelo recente prolongamento da escolaridade obrigatória. E a elas é de esperar que em breve se juntem novas directrizes sobre os mecanismos do mercado, na política industrial.
Também quanto a estas medidas - como em relação a tudo que seja importante - as opiniões se hão-de dividir e polarizar. Ouvir-se-ão os reparos e, em menor grau as palavras de aplauso; as cassandras anunciarão o fim do Mundo e os reformistas hão-de proclamar a sua desilusão. Isto significará apenas que o Verbo ao fazer-se carne traz sempre consigo o estigma das coisas imperfeitas e perecíveis. Mas os problemas económicos e sociais (disse-o um grande papa) hão-de resolver-se pela razão ou sem ela,

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e não deve ser-nos indiferente que o sejam de uma forma ou da outra.
Estamos na transição para uma sociedade visando uma produtividade dimensionada e distribuída por novos métodos e por maneira diferente. A sociedade industrial alcandorou o capitalismo e o proletariado aos pontos limite de um eixo de tensão bipolar; a sociedade científica procura ultrapassar a tecnologia por novo humanismo e altear a própria estrutura interna da empresa, fazendo surgir entre os dois termos dialécticos um vector de participação consciente, para ambos concorrencial. Que significado poderá ter a contraposição clássica entre os elementos de produção num pais como os Estados Unidos, quando estes dispuserem - e acontecerá dentro de poucos anos - de 30 ou 40 milhões de diplomados por cursos universitários ou equivalentes? Ora, não pode ver-se Portugal como o mundo numa nação. Na dura luta por um futuro melhor, intereesa acima de tudo a capacidade de resposta aos impulsos da contemporaneidade. Com certeza dentro dos parâmetros próprios (e todos os países procuram respeitar os seus), mas não esquecendo o irónico remate do Presidente De Gaulle, numa reunião de especial transcendência: "Neste mundo em transformação, a primeira coisa que não pode subsistir - é a imobilidade..." E nem, o monolitismo soviético da época estalineana a isso conseguiu fazer excepção.
Entre nós, como no estrangeiro, sente-se a necessidade da paz e da ordem, nos espíritos e nas actividades. Porém, em si mesma a ordem não é um fim, é um meio - e um meio para se poderem realizar outros fins. Compreende-se melhor como disciplina livremente consentida na vida económica, social e política, do que como consequência directa de uma constante presença do Poder. O policentrismo pelo Presidente Marcelo Caetano, inegàvelmente facilitado, pode ter inconvenientes e riscos - pois, como atrás disse, nada há na vida sem reverso -, mas não atinge o culto da ordem: evita apenas a sua superstição. E já Santo António, em plena Idade Média, definiu lapidarmente a paz, chamando-lhe "a liberdade tranquila". Não sei se algum dia se deu da paz uma definição mais feliz.
À face do exposto, encerro este comentário à política interna repetindo algumas palavras do parecer da Câmara de 8 de Outubro de 1970, do qual tive a honra de ser relator: "... a cultura é experiência acumulada e espirito renovador, herança do velho saber e réplica aos novos desafios, tradição e revolução em cada momento conjuntural. A posse da existência está sòmente / Na aceitação gostosa dos limites, escreveu um dia António Sardinha. Mas a cultura abrange também, ao lado disso, toda a dramática aventura de uma inteligência que, livremente, quer viver e morrer a interrogar."
5. A conjuntura internacional dos últimos dois anos caracteriza-se igualmente pela transição: o mundo, fatigado de divergir, procura, e paga às vezes por preço excessivo, formas diferentes da confrontação agressiva para resolver os seus problemas mais instantes.
É sensível o facto no contacto entre os países, após a distensão das relações a nível das superpotências. E não
tem lugar sòmente entre o Leste e o Oeste; repare-se, por exemplo, como a Espanha tem procedido relativamente a Cuba ou ao Chile, apesar das divergências ideológicas que possa ter com os Governos respectivos. Em rigor, a contestação total só se mantém entre Israel e os Estados árabes, pois, quanto à União Sul-Africana e a Portugal, até na África Negra tem havido um começo de policentrismo nas decisões:
Deve ser-nos agradável registar que, por uma diplomacia talvez mais maleável (embora sem abdicar do essencial), Lisboa de novo se tornou num ponto de contacto, em alto nível, entre os dirigentes nacionais e internacionais; e que o Ministro dos Negócios Estrangeiros português esteve últimamente no Japão, na Tailândia e no Irão, para só referir visitas oficiais ou semelhantes a países asiáticos.
Mantenho-me no domínio dos factos ao registá-lo. Mas eles também nos devem lògicamente conduzir a tomar a iniciativa de uma estratégia prudente mas corajosa, para corresponder ao sinal dos tempos internacionais. Não aludirei aos aspectos económicos e financeiros da política externa possível. Reportando-me apenas aos entendimentos culturais, e falando como sempre a título exclusivamente pessoal, julgo lícito pôr o problema de saber se não valerá a pena ir ao encontro dos desejos da Roménia, país dos latinos orientais, no sentido de estreitar relações com todos os latinos do Ocidente. Ou se não se aproximará o ensejo de procurar corresponder aos propósitos do Presidente Houphoeut-Boigny sob a forma de um entendimento entre Universidades ou institutos de investigação portugueses e os seus congéneres de Abidjan, na Costa do Marfim.

Todavia, o acontecimento principal - e a grande incógnita - provém do ingresso triunfal do Governo de Pequim nas organizações multilaterais. Sabe-se, pelas constantes da história, que o espaço chinês tende a unificar-se quando a autoridade central é forte e tende a desagregar-se no caso contrário, perdendo então o contrôle dos territórios limítrofes. - a Manchúria, a Mongólia, o Si-Kiang, o Tibete, as províncias do Assan e do Norte da Birmânia, a influência nos estreitos orientais - a favor dos seus vizinhos e, sobretudo, dos Indianos e dos Russos. Por isso, a China e a Rússia sempre embateram, pouco musicalmente, "nas estepes da Ásia Central"... E não se vê por que havia de ser diferente na presente geração.
Por outro lado, sempre também a Rússia enfraqueceu a pressão sobre a Europa e sobre os estreitos ocidentais quando sentiu, na longínqua retaguarda siberiana, ganhar força militar e política o seu amigo, ou inimigo, chinês. Às constantes da história, mais uma vez em curso, podemos agora acrescentar um facto novo: num paradoxo à Chesterton, o sonho do domínio do mundo (e mesmo do mundo socialista) é grande de mais para ser vivido por dois. Por isso, não se me afigura possível prever qual será a atitude da China na balança mundial dos poderes; nem creio sequer que Pequim já esteja firme na política que, a longo prazo, mais lhe poderá convir. Mas julgo improvável de o seu ingresso na O. N. U. resultarem, para já, mudanças sensíveis na política de coexistência. E será a propósito da influência na África - em especial ao longo do oceano Indico- que mais fortemente hão-de colidir ou encontrar campos de ajustamento os interesses chineses com os interesses norte-americanos e ocidentais.
Continua, portanto, o mundo em busca de uma fórmula possível para equilíbrio na paz. Espalhado por quatro continentes, Portugal pode dar algum contributo para essa tarefa; e não deixa de ser importante que muitos compreendam enfim a vantagem de dialogar connosco, isto é, a vantagem em que os ouçamos e eles nos ouçam também.
Estamos longe do equilíbrio desejável e, até lá, ainda havemos de sofrer agravos e incompreensões. Porém, ficaram na nossa memória palavras aqui proferidas, onde a obra de arte se aliou ao sentido transtemporal do rumo exacto. Até lá, portanto, "tenhamos confiança, tenhamos fé na lealdade alheia e na própria, na ordem, no trabalho, na serenidade e seriedade com que havemos de encarar os problemas e acudir às dificuldades". Até lá; "confiemos sobretudo mais que na força das armas, na coesa e firme unidade nacional, no profundo e vivo amor à terra por

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tuguesa, naqueles altos exemplos, valores da nossa história e ideais da nossa civilização, que as armas não matam e o fogo não consegue destruir".

O Sr. Mário Arnaldo da Fonseca Roseira: - Dignos Procuradores: Pedi a palavra, pois me sinto obrigado a dar uma informação à Câmara, na qualidade de presidente da Comissão Arbitral, para dirimir o conflito relativo à revisão do contrato colectivo para a indústria de lanifícios. Conforme foi referido, termina hoje o prazo para ser proferida a decisão arbitral: informo que hoje mesmo esta vai ser assinada e entregue.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, vai proceder-se à eleição do 1.° e 2.° vice-presidentes da Câmara Corporativa.
Vou interromper a reunião por cinco minutos.

Eram 17 horas e 2 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a reunião. Vai proceder-se à chamada para a votação.

Fez-se a votação.

O Sr. Presidente: - Está terminada a votação. Vai proceder-se ao escrutínio. Convido para escrutinadores os Dignos Procuradores Mário Pedro Gonçalves e Manuel Cardoso.

Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Vou dar a conhecer o resultado das eleições. Na eleição para 1.° vice-presidente deram entrada na urna 156 listas, e foi eleito, com 155 votos, o Digno Procurador José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich; para 2.° vice-presidente deram entrada na urna 156 listas, e foi eleito, com 150 votos, o Digno Procurador Luís Maria da Câmara Pina.
Se mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vou encerrar a reunião.

Pausa.

Está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Dignos Procuradores, que faltaram à reunião:

Adelino da Palma Carlos.
Adérito de Oliveira Sedas Nunes.
Afonso de Oliveira Rego.
Afonso Rodrigues Queiró.
Agostinho Pereira de Gouveia.
Aires Francisco Nicéforo de Sousa.
Alberto Sena da Silva.
Avaro Mamede Ramos Pereira.
André Delaunay Gonçalves Pereira.
Aníbal da Cunha Belo.
António Afonso Amaral.
António Augusto Pessoa Monteiro.
António de Azevedo Lima.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Miguel Caeiro.
António do Nascimento Pinto de Sousa.
António Osório de Castro.
António de Sousa Pereira.
Armando Estácio da Veiga.
Armando Manuel de Almeida Marques Guedes.
Armando Pires Tavares.
Arnaldo Pinheiro Torres.
Arsénio Luís Rebello Alves Cordeiro.
Carlos Eugênio de Magalhães Correa da Silva.
Daniel Duarte Silvia.
Diogo Freitas do Amaral.
Eugênio Queiroz de Castro Caldas.
Francisco Dias Barata.
Francisco Xavier de Morais Pinto Malheiro.
Gentil Marques.
Jacob Perianes Palma.
João Manoel Nogueira Jordão Cortez Pinto.
João Mendes Ribeiro.
João Pedro Neves Clara.
Jorge Augusto Caetano da Silva José de Melo.
José do Espírito Santo Silva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Silva José de Mello.
Luís Augusto Ribeiro da Silva.
Manoel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Manuel Joaquim Telles.
Manuel Maria da Silva Costa.
Maria de Lurdes Pintasilgo.
Mário Fernandes Secca.
Mário Jorge Bruxelas.
Salvador Gomes Vilarinho.
Samwell Diniz.
Vítor Manuel Lemos Macedo da Silva.

O Técnico - Bernardo Xavier.

Imprensa Nacional

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