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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.°88
X LEGISLATURA - 1972 21 DE JANEIRO
Projecto de decreto«lei n.° 9/X
Estabelecimento de normas aplicáveis às sociedades comerciais
1. O Governo não desconhece a importância e a premência da reforma da nossa antiquada legislação sobre sociedades comerciais. Para a prossecução desse objectivo constituiu-se uma comissão de que fazem parte especialistas das Faculdades de Direito. E têm sido também chamadas a colaborar outras pessoas ligadas à vida prática.
Os estudos vão progredindo. Alguns anteprojectos encontram-se publicados e foram remetidos a diversas entidades, a fim de que estas possam, com o devido tempo, apreciá-los e apresentar sugestões. Assim se continuará a proceder.
A magnitude e o melindre da matéria exigem, todavia, investigação e reflexão, que travam a rapidez desejada. Resulta, consequentemente, indicando que, entretanto, sejam introduzidas modificações de oportunidade manifesta e susceptíveis de realização fragmática. Aos naturais inconvenientes das medidas parcelares contrapõem-se as inegáveis vantagens que as mesmas também apresentam: a de se corrigirem imediatamente deficiências significativas e a de se abrir caminho à reforma de conjunto.
Em tal espírito foram promulgadas as seguintes normas realtivas à fiscalização das sociedades e à responsabilidade civil dos administradores dos membros do conselho fiscal e das entidades afins (Decreto-Lei n.º 49 381, de 15 de Novembro de 1969, Decreto-Lei n.º 648/70, de 28 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 1/72, de 3 de janeiro). E nessa precisa ordem dde ideias se inspira o presente diploma, que procura acudir a outros aspectos do direito das sociedades. Embora se trate de temas diversos, pareceu preferível reuni-los num único texto pois são vizinhos e mostra-se aconselhado reduzir ao mínimo as desvantagens do aumento do número de diplomas que integram o referido ramo jurídico.
2. Por força do artigo 183.º , § 3.º do Código Comercial nenhum accionista, qualquer que seja o número das suas acções, poderá representar mais da décima parte dos votos conferidos por todas as acções emitidas nem mais de uma Quinta parte dos votos que se apurarem na assembleia geral. Exceptua-se o Estado, que nas sociedades a que se refere o artigo 178.º do mesmo diploma, terá tantos votos quantos os correspondentes às acções que a seu favor estiverem depositadas ou averbadas.
A primeira parte do parágrafo data da promulgação do Código. A excepção a favor do Estado foi introduzida pelo Decreto n.º 12 251, de 30 de Agosto de 1926.
Compreendem-se as intenções da lei ao limitar o número de votos de que um accionista pode dispor em assembleias gerais. A verdade, todavia, é que o preceito não tem encontrado na prática realização efectiva, conhecendo-se os vários expedientes utilizados, para evitar a sua aplicação, tais como a constituição de sociedades fictícias apenas para deterem parte do capital de outras, os endossos «em branco» de acções nominativas e as transmissões de acções ao portador com o único fito de legitimar a participação do adquirente nas assembleias gerais.
Acresce que a referida disciplina se revela embaraçosa para os investidores de outros países, cujos sistemas jurídicos desconhecem esta limitação ao poder de voto, sendo, portanto, nociva em relação às associações de interesses portugueses e estrangeiros.
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Dadas as razões que antecedem, afigura-se oportuno alterar o§ 3.º do artigo 183.º do código Comercial, no sentido de não impor uma limitação de votos - excepto no tocante aos titulares de acções com privilégios de voto, hipótese em que se justifica um regime especial -, embora permitindo que os estatutos da sociedade o façam. Deve sublinhar-se que a mudança de forma alguma corresponda a um propósito de restringir a protecção se reconhecem, à luz do que tem mostrado a experiência, entre nós e no estrangeiro, a inoperância de um sistema como o do actual § 3.º do artigo 183.º para essa protecção. As verdadeiras medidas de uma eficaz tutela das minorias são de índole diversa. Ponderar-se-á naturalmente a sua introdução ou reforço no âmbito da reforma do nosso direito das sociedades comerciais. E não se ignora também que várias providências dessa ordem se encontrem já sancionadas pelo diploma respeitantes à fiscalização das sociedades anónimas, acima recordado. Ao mesmo propósito obedece a faculdade prevista no título III deste decreto-lei, a que adiante se faz alusão.
De resto, a solução que fica adoptada no título I do presente diploma está conforme com a tendência das legislações mais modernas. Consagram-na, por exemplo, o direito brasileiro (Decreto-Lei n.º 2627, de 26 de Setembro de 1946, artigo 80.º), o direito alemão (Lei de 11 de Setembro de 1965, § 134, alínea 2) e o direito francês (Lei de 24 de Julho de 1966, artigo 177.º)
3. Em numerosas sociedades comerciais ocorrem divergências entre sócios ou grupos de sócios com igual poder de voto. Os estudiosos da matéria não têm deixado de salientar os inconvenientes que a situação comporta, podendo as suas conclusões resumir-se no título de um importante trabalho publicado no estrangeiro: Beco sem saída ou Arbitragem. Mas para a arbitragem ser possível torna-se necessário que os sócios acordem em realizá-la, o que na quase totalidade dos caso não acontece, mercê da natural continuação dos seus radicais diferendos.
Não parece aconselhado que o legislador atribua aos tribunais competência para dirimir toda e qualquer das aludidas divergências. Justifica-se, porém, que sancione a sua intervenção quando elas se mostrem susceptíveis de paralisar o funcionamento da sociedade e, assim, de determinar a respectiva dissolução, a prazo mais ou menos longo. É o que sucede com as divergências relativas às deliberações de nomeação de administradores ou de gerentes e de apreciação do balanço e contas. Nem será ousadia supor que, em muitos casos, a simples existência de meios de solução forçada desses conflitos concorrerá para atenuar a violência dos mesmos.
A experiência que vai admitir-se talvez aponte ao legislador, no futuro, um passo mais arrojado: a possibilidade de um sócio requerer que a divergência seja decidida por um tribunal arbitral quando a deliberação tenha qualquer outro objecto e se prove que aquela é de molde a ocasionar grave prejuízo à sociedade. Por agora, como a prudência reclamada pelo melindre do tema, o presente diploma, no seu título II, admite tão-só algumas medidas que se julgam apropriadas para as situações consideradas mais instantes.
4. Resolve-se ainda um problema, para que a teoria e a prática têm insistentemente chamado a atenção. É ele o da destituição judicial de administrador ou de gerente, a requerimento de qualquer sócio e com fundamento em justa causa. A solução consta do único artigo que integra o título III do diploma.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo para valer como lei, o seguinte:
TÍTULO I
Limitação do número de votos dos accionistas
Artigo 1.º O artigo 183.º do Código Comercial passa a Ter a seguinte redacção:
§ 1.º.........
§ 2.º.........
§ 3.º Os estatutos podem limitar o número de votos de que cada accionista dispõe na assembleia, quer pessoalmente, quer como procurador, contando que essa limitação se aplique igualmente a todos os accionistas a quem pertença o mesmo número de acções e sem distinção de categoria; a limitação não vale em relação aos votos que pertençam ao estado ou a entidades para o efeito a ele equiparadas, e não vale também para o cálculo de uma maioria de capital exigida por lei ou pelos estatutos, salvo quando estes disponham diferentemente.
§ 4.º Não obstante cláusula contratual diversa, estipulada ao abrigo do parágrafo anterior, e com reserva da excepção constante da parte final do mesmo parágrafo, os privilégios de voto legalmente criados, qualquer que seja a forma que revistam, não podem ser exercidos na medida em que, por força deles, um accionista represente na assembleia mais da décima parte dos votos conferidos por todas as acções emitidas.
§ 5.º (Antigo § 4.º)
§ 6.º (Antigo § 5.º)
Art. 2.º Nas sociedades constituídas antes da entrada em vigor do presente diploma continua a observar-se o preceituado na anterior redacção do § 3.º do artigo 183.º do Código Comercial, enquanto não for tomada deliberação que altere os estatutos no sentido de não haver limitações de números de votos, salvo a que derive da nova redacção do § 4.º do mesmo artigo, ou no de estabelecer as limitações permitidas pela redacção dada àquele § 3.º no artigo 1.º
Art. 3.º Nas sociedades constituídas antes da entrada em vigor do presente diploma, em que o Estado ou entidades para esse efeito a ele equiparadas beneficiavam da excepção prevista na parte final do § 3.º do artigo 183.º do Código Comercial, a deliberação referida no artigo anterior só pode ser tomada com os votos concordantes do estado ou de tais entidades.
TÍTULO II
Divergências entre sócios com igual poder de voto
Art. 4.º Podem ser requeridas as providências a que se referem os artigos seguintes quando, em duas reuniões da assembleias geral distanciadas entre si pelo menos sessenta dias, nas quais hajam participado todos os sócios com direito de voto ou, devidamente convocados, sócios que representem um mínimo de 90 por cento do capital social, não puderam ser tomadas, devido a Ter-se verificado empate de votos, deliberações:
a) De nomeação de administradores ou de gerentes, desde que tomada necessária por força da lei ou dos estatutos:
b) De apreciação do balanço e contas
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Art. 5.º - 1. Se, nos casos previstos no artigo anterior, a deliberação tiver o objecto indicado na sua alínea a), pode qualquer sócio requerer a nomeação de um administrador judicial, que exercerá as respectivas funções conjuntamente com os outros administradores ou gerentes, quando os haja.
2. O tribunal fixará os poderes do administrador judicial e a duração das suas funções, sendo aplicável, quanto ao mais, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 49 381, de 15 de Novembro de 1969.
3. As funções do administrador judicial cessam, necessàriamente, logo que a assembleia geral eleja um administrador ou gerente.
Art. 6.º - 1. Se, nos casos previstos no artigo 4.º a deliberação tiver o objecto indicado na sua alínea b) pode qualquer sócio requerer a convocação judicial da assembleia para apreciação do balanço e contas, nos termos do artigo 1486.º do Código do Processo Civil.
2.º O juiz designará para as funções de presidente da assembleia geral uma pessoa estranha à sociedade, atribuindo-lhe o poder de desempatar, se voltar a verificar-se empate: a pessoa designada deve ser um revisor oficial de contas ou, na sua falta, outrem com semelhante idoneidade.
3. A pessoa designada pelo juiz para presidir à assembleia geral pode exigir da administração ou gerência e da entidade fiscalizadora que lhe sejam facultados os documentos sociais cuja consulta considere necessária ao desempenho das respectivas funções e que lhe sejam prestadas as informações de que careça para o mesmo fim.
TÍTULO III
Destituição judicial de administração ou de gerente
Art. 7.º Não obstante cláusula em contrário, qualquer sócio de uma sociedade comercial em nome colectivo ou por quotas pode obter, nos termos do artigo 1484.º do Código de processo Civil, a destituição judicial de administrador ou de gerente da sociedade, nomeado ou não no pacto social, se ocorrer facto definido na lei ou nos estatutos como justa causa de destituição ou que julgador, em seu prudente arbítrio, como tal considere.
O Ministro da Justiça, Mário Júlio Brito de Almeida Costa.
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