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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 98
X LEGISLATURA- 1972 13 DE MARÇO
PARECER N.º 37/X
Propostas de alteração à proposta de lei n.° 17/X
Organização Judiciária
A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 103.º da Constituição acerca das propostas de alteração à proposta de lei n.º 17/X sobre sobre Organização Judiciária, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso Rodrigues Queiró, João de Matos Antunes Varela, Joaquim Trigo de Negreiras, António Maria de Mendonça Lino Netto, Álvaro Rodrigues da Silva Tavares, Arnaldo Pinheiro Torres, Paulo Arsénio Vivíssimo Cunha, António Afonso Amaral e José Hermano Saraiva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. Durante a discussão da proposta de lei n.° 17/X. a que se reporta o parecer desta Câmara n.° 33/X (Actas da Câmara Corporativa. n.º 91, de 28 de Janeiro de 1972), o Sr. Deputado Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro apresentou propostas que, por terem sido classificadas como de alteração, suscitaram, nos termos do artigo 39.º do Regimento da Assembleia Nacional, a solicitação de novo parecer.
A qualificarão feita sujeita esta Câmara a imposição de Urgência, com prazo muito exíguo para se pronunciar.
Convém, por isso mesmo, formular e resolver a questão prévia da qualificação atribuída às propostas formuladas pelo referido Deputado à luz das suas implicações constitucionais.
2. Alteração é acção ou efeito de alterar, de mudar.
O conceito que, que o radical, o objecto, mantenha identidade.
No contexto do artigo 39.º do Regimento da Assembleia Nacional não parece ser diverso o sentido da expressão.
Adiantando um pouco, há-de ainda aceitar-se que não basta a identidade do género. Por a proposta de lei versar alguns pontos de organização judiciária, não se alcançará legitimidade para propostas de alteração que não versem aqueles pontos, embora versem outros, autónomos, também de organização judiciária.
Em tese contrária, fácil seria, para muitos casos, uma confusão de fronteiras que acabasse por banir todo o alcance real ao qualificativo «alteração».
3. Há nas «propostas de alteração», forma abreviada por que fé designará o objecto do presente parecer, matéria a que quadra bem a classificação que lhe foi atribuída.
É o caso da base I, salvo do seu n.º 2.
Não é, porém, o caso das restantes bases, como o Sr. Deputado proponente parece ter reconhecido, ao classificar de «novas» as bases VII a XIV; e quanto às alte-
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rações propostas para as bases IV e VI, só se justificam para harmonização com a base VII, por este ângulo novas sendo também.
4. Este aspecto, do conceito legal expresso no artigo 39.º do Regimento da Assembleia Nacional relacionado com as propostas de alteração sujeitas à discussão implica problemas que esta Câmara julga não dever subestimar.
Havendo alteração de substância, as propostas caracterizam-se como de iniciativa ou de promoção legislativa.
Como tal caberia ao Governo a sua formulação. E também aos Deputados à Assembleia Nacional, mas pelo processo ordinário ou normal, sem desencadear, automàticamente, a urgência.
Só ao Governo e à Assembleia Nacional (órgão colegial) são concedidas pela Constituição Política (artigo 97.º, § 2.º e artigo 103.º, § 1.°), no processo de urgência e de fixar o prazo para parecer da Câmara Corporativa.
Verifica-se, assim, uma violação da Constituição aspecto processual.
5. Registando o desvio havido na tramitação normal, a Câmara salienta ainda as respectivas consequências.
Se em lugar de propostas de alteração tivesse sido apresentado um projecto de lei, como pelo objecto de lei, como pelo objecto se justificaria, a Câmara, porque não considera provável o rótulo de urgência, teria o prazo de trinta dias para emitir parecer, prazo que não considera demasiado para a transcendência dos temas e seu controvertido carácter.
Vê-se, assim, que uma qualificação menos adequada frusta, numa consequência, a distinção entre projectos e propostas de lei, por um lado, e propostas de alteração, por outro.
Poderá ainda referir-se que a diferença de qualificação se projecta em outro sentido. Inibirá o Presidente do Concelho de Ministros de usar a faculdade que lhe concede o disposto no artigo 101.º, § único, da Constituição de interferir na elaboração da ordem do dia das reuniões da Assembleia Nacional, com vista às prioridades da discussão e votação das propostas do Governo e projectos ou outras iniciativas dos Deputados.
6. A Câmara não pretende de nenhum modo recusar oportunidade à matéria das propostas de alteração nem escusar-se a emitir sobre tal matéria o seu parecer.
Ponderada a vastidão das questões postas e a inclusão, entre elas, de alguns dos temas mais controvertidos e de maior transcendência no sector da organização judiciária, considera apenas que as limitações resultantes da imposição de urgência seriam susceptíveis de afectar consideràvelmente a perfeição e a suficiência possíveis do seu estudo.
Deve este ser meditado e, portanto, mais demorado do que é possível com a etiqueta de urgência.
II
Conclusões
7. Pelos fundamentos expostos, esta Câmara não concede a sua aprovação na generalidade às propostas de alteração.
Palácio de S. Bento, 9 de Março de 1972.
António Miguel Caeiro.
José Alfredo Soares Manso Preto.
José Augusto Vaz pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Adelino da Palma Carlos. [ Vencido. Votei, com o Digno Procurador Relator, que se apreciassem as propostas quer na generalidade, quer na especialidade.
A iniciativa da lei compete indistintamente ao Governo ou a qualquer dos membros da Assembleia Nacional e estes podem apresentar propostas de alteração, a não ser que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores (artigo 97.º da Constituição e artigo 37.º, § 2.º, do Regimento da Assembleia Nacional).
As propostas do Sr. Deputado Sá Carneiro, sujeitas a parecer da Câmara Corporativa, representam alterações, embora profundas, da proposta governamental, mas todas se confinam em matéria de organização judiciária. O argumento de que excedem o âmbito dessa proposta, e, por isso, não eram de admitir, não o tenho por válido, visto que alterar é modificar e tanto pode modificar-se para mais como para menos.
Propostas de alteração são as «feitas no decurso da discussão de projectos ou propostas de lei no sentido de eliminar, substituir, emendar ou aditar algum preceito nos respectivos textos» (Prof. Marcelo Caetano, A Constituição de 1933, p. 81).
Aliás, este entendimento é claramente corroborado pelo artigo 38.º do Regimento da Assembleia, que faz referência expressa a propostas de aditamento, definindo-as, no § 1.º, como as que contiverem matéria nova que se acrescente à disposição ou ao regime da proposta ou projecto em discussão, conservando-lhe o texto primitivo, mas ampliando, restringindo ou explicando o seu dispositivo, mediante a adição de uma base, artigo, parágrafo, número ou alínea.
Segundo o critério adoptado pela Câmara, nem ao próprio Governo seria permitido alterar a sua proposta, ampliando-a, quando o § 1.° do artigo 97.º da Constituição expressamente estabelece que ele poderia fazê-lo, desde que as alterações incidissem sobre matéria ainda não votada.
Por outro lodo, remetidas as propostas de alterações a esta Câmara pelo Sr. Presidente da Assembleia Nacional, a quem exclusivamente incumbe, pelo artigo 31.º, alínea f), do Regimento da Assembleia, admitir os projectos, as perguntas e quaisquer alterações aos textos em discussão enviados para a Mesa pelos Deputados, e solicitado por ele o parecer da Câmara sobre tais propostas, ao abrigo do artigo 39.º do Regimento da Assembleia, sustentei, e sustento, que a Câmara não podia deixar de emitir parecer sobre elas, mesmo que, na apreciação na generalidade, tivesse dúvidas a formular quanto ao procedimento adoptado.
A Câmara usaria, assim, da competência que lhe confere o artigo 103.º da Constituição e daria à Assembleia Nacional a colaboração que lhe foi solicitada pelo seu Presidente e que lhe cumpre prestar-lhe, nos termos do § 3.º do citado preceito constitucional e do artigo 15.º, n.º 3, do seu Regimento.
Repare-se que, mesmo pronunciando-se pela rejeição na generalidade.. a Câmara poderia sugerir a substituição do texto proposto por outro e, até, ainda que não houvesse sido consultada sobre as
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propostas de alteração, como foi, enviar à Mesa da Assembleia, por iniciativa própria, considerações sobre as novas questões suscitadas, como claramente resulta do já referido § 3.º do artigo 103.° da Constituirão, do artigo 15.°. §§ 2.° e 3.°, do Regimento da Câmara e do artigo 40.° do Regimento da Assembleia.
Nem sequer seria inédito o caso de a Câmara, manifestando-se in limine contra a adopção de um projecto, vir a esbudá-lo na especialidade, sugerindo a sua substituição por outro e facultando elementos para a apreciação dos problemas nele colocados. Assim aconteceu, por exemplo, no parecer n.° 32/IX. E ninguém dirá que o regime de fiscalização das sociedades anónimas, tratado nesse parecer, era de maior interesse público que os problemas de organização judiciária versados nas propostas de alteração à proposta governamental. Abstendo-se de estudar as propostas com o fundamento de a sua apresentação representar violação da Constituição no aspecto processual, quadro a constitucionalidade de quase todas elas é para mim evidente em face do artigo 93.°, alínea b), da Constituição Política, a Câmara renunciou - salvo todo o respeito devido aos Dignos Procuradores cuja opinião fez vencimento - a- usar da sua competência legal, o que me parece muito mais grave que o facto de vir a rejeitá-las se, estudando-as, concluísse que eram de rejeitar.]
Afonso Rodrigues Queira.
João de Matos Antunes Varela.
Joaquim Trigo de Negreiros.
António Maria de Mendonça Lino Netto.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Arnaldo Pinheiro Torres.
Paulo Arsénio Virissimo Cunha.
José Hermano Saraiva.
Eduardo Augusto Arada Chaves, relator. (Não divergi na questão da qualificação como matéria nova para a maioria dos pontos versados nas propostas de alteração, mas entendi que a posição a assumir pela Câmara deveria ser oposta à que prevaleceu. A qualificação veio feita por quem de direito, nos termos do artigo 39.º do Regimento da Assembleia Nacional, e à mesma Assembleia competirá, em última instância, decidir se deve ou não subsistir.
Exarando um apontamento, mais ou menos explícito, sobre, esse ponto e prevenindo contra prováveis insuficiências resultantes da exiguidade do prazo de que lhe foi possível dispor para o estudo e reflexão que se impunham, a Câmara emitiria o seu parecer, pelo menos na previsão de possível, e até de certo modo provável, decisão da Assembleia Nacional que, divergindo da sua, considere irrelevantes as objecções de carácter constitucional que foram focadas.
Afigurou-se-me ainda que de qualquer modo não poderia a Câmara recusar parecer sobre a parte da matéria das propostas a que bem cabe, no conceito antes referido, o qualificativo de alteração. Na sobredita orientação, elaborei e apresentei projecto de parecer e votei que fosse discutido, quer na generalidade, quer na especialidade.)
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