O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 407

REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 74

ANO DE 1936 7 DE FEVEREIRO

SESSÃO N.° 70 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 6 de Fevereiro

Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Ex.mos Sr.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves

SUMARIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 42 minutos.
Antes da ordem do dia.-Foi aprovado o último número do Diário das Sessões, com algumas rectificações. Leu-se o expediente. O Sr. Presidente informou a Assemblea de que os Srs. Ministros da Marinha e das Obras Públicas, bem como o Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência Social, tinham vindo pessoalmente agradecer os cumprimentos da Assemblea Nacional. Declarou também que havia recebido já respostas aos pedidos de informação dos Srs. Lobo da Costa e António Augusto Aires.

Ordem do dia.- O Sr. Antunes Guimarãis desenvolveu a doutrina do seu aviso prévio sobre extinção de ónus, redução de laudémios e emparcelamento de glebos. A requerimento do Sr. Melo Machado foi generalisado o debate, tendo usado tia palavra, além daquele Sr. Deputado, o Sr. Àrjuedo de Oliveira.
Concluiu-se a discussão do projecto de lei. n.° 75, da autoria do Sr. Alberto Cruz, tendo usado da palavra ou Srs. Juvenal de Araújo e Alberto Cruz, tendo este último Senhor declarado que retirava da discussão o seu projecto. Consultada à Assemblea, foi consentido que o projecto fosse retirado da discussão.
Iniciou-se, por último, a discussão da proposta de lei n.º 83, sobre a reforma do Ministério da Instrução, tendo usado da palavra o Sr. Marques de Carvalho, a Sr.ª D. Maria Baptista Guardiola e o Sr. Querubim Guimarãis.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 45.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 22.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 10.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Cândido Pedro da Silva Duarte.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Alberto dos Reis.
José António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Paulino António Pereira Montês.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.

Página 408

408 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
António Alberto Bressane Leite Perry de Sousa Gomes.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Leal Lobo da Costa.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
Joaquim dos Prazeres Lança.
José Luiz Supico.
José Penalva Franco Frazão.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. deputados que faltaram à sessão:

Angelo César Machado.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
Artur Proença Duarte.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco José Nobre Guedes.
João Garcia Pereira.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
Manuel Fratel.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada. Eram 15 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 45 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 42 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado tem reclamações a apresentar sobro o Diário das Sessões, pode pedir a palavra para esse efeito.

O Sr. Melo Machado: - Desejo fazer a rectificação seguinte: na p. 403, col. 2.a, lin. 7.ª, onde se diz «Federação dos Sindicatos»... deve dizer-se «Federação dos Vinhos».

O Sr. Almeida Garrett: Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma nota das rectificações que tenho a fazer ao Diário das Sessões.
Estas rectificações são as seguintes:
Na p. 403, pol. l.ª, lin. 17.ª, em vez de «5:000» leia-se «6:000»; lin. 23.ª, onde se lê «perturbações» devo ler-se «especulações»; lin. 35.a, onde se lê «a procura mais deminuta» deve ler-se «o preço mais deminuto».

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do

Expediente

Telegramas

Professores primários do concelho de Santarém, em numero de setenta e seis, reunidos sob minha presidência, concordam e aplaudem a proposta de lei da reforma do Ministério da Educação Nacional, da qual esperam confiadamente engrandecimento da escola primaria portuguesa.-O Director do Distrito Escolar, Manuel Rego.

Solicitamos respeitosamente a aprovação do projecto da reforma do Ex.mo Ministro da Instrução. - Antero Andrade Gomes, rala Marques, Almeida, Zulmira Aguiar, de Pinhel.

Fazemos votos pela aprovação da reforma do Ministério da Instrução, congratulando-nos por termos por chefe o seu ilustro autor. - O Delegado Escolar, José Rolão Candeias, e professoras Maria Conceição Moura, Isabel Lourenço Guerra, Margarida Piteira Segurado, Maria, do Mourão.

Do mesmo teor são também os seguintes telegramas:
Dos professores de Aldeia da Mata.
Da professora Georgina Santos, de Vila Nova da Baronia.
Da professora Santana, de Alvito.
Do delegado da direcção escolar do distrito do Leiria em Alcobaça, Elias Cravo, e do todos os professores do concelho.
Da professora Amélia do Valongo, Aviz.
Dos professores de Vilar Formoso, do concelho de Almeida, Sampaio, Reinas, Gouveia.
Das professoras de Messejana, Purificação de Campos o Júlia de Almeida, do Aljustrel.
Do delegado da direcção escolar do distrito do Leiria em Pombal, Augusto António Guerra, o todos os professores do concelho.

Representações

Ex.ª Sr. Presidente da Assemblea Nacional - Excelência.- A Aliança Evangélica Portuguesa vem manifestar a sua discordância das bases X e XIII da proposta da reforma do Ministério da Instrução Pública.
Lisboa, 3 do Fevereiro do 1930. - A bem da Nação.
Várias assinaturas.

Ministério do Interior - Conselho Nacional de Turismo - Repartição de Jogos e Turismo. - Ex.mo Sr.. Presidente da Assemblea Nacional - Lisboa. - Este Conselho toma a liberdade de chamar a atenção de V. Ex.ª para a doutrina da base IX do projecto do Código Administrativo, que a ser aprovada, vai dar origem à desorganização dum dos mais valiosos institutos com que conta o turismo nacional.
Segundo a base IX do projecto, nos concelhos rurais em que existam praias, estâncias hidrológicas e climatéricas, de altitude, de repouso ou de recreio, ou monumentos ou lugares do nomeada, poderão ser criadas zonas de turismo. Em cada zona de turismo cuja sedo não seja a sede do concelho funcionará uma comissão do iniciativa com a composição, atribuições e competência que vierem a ser-lhe fixadas no Código.
Este é o regime turístico projectado quanto aos concelhos rurais. Quanto aos urbanos nada nos diz a base IX.
Esclarece-nos, porém,- o relatório do projecto, pelo qual ficamos sabendo que nestes concelhos o fomento do turismo fica a cargo dum pelouro da câmara e que as comissões de iniciativas que venham a actuar nas zonas de turismo dos concelhos rurais são dependentes das respectivas municipalidades.
As comissões de iniciativa não são criações do acaso ou filhas dum capricho. Não pertencem ao número daquelas medidas improvisadas que certos legisladores promulgam na ânsia de deixarem uma obra, mas que não

Página 409

7 DE FEVEREIRO DE 1836 409

têm fundamento nem finalidade e que nascem condenadas a uma morte precoce e certa.
As comissões de iniciativa, tal qual hoje existem, susceptíveis, sem dúvida, de se aperfeiçoarem, são fruto duma inteligente e laboriosa preparação. São instituições que nasceram, que se criaram, que se transformaram, com um alto objectivo a cumprir.
Quando aquelas comissões foram instituídas já as câmaras municipais eram velhas de séculos.
Poder-se-ia, nessa altura, ter atribuído as funções turísticas àqueles organismos. Mas tal se não fez, porém, por se ter reconhecido quo essas funções estavam ali absolutamente deslocadas.
A função municipal não se podo confundir com a função turística. Ambas se exercera em campos diferentes. Se, porventura, se podem dar, de quando em vez, algumas ligeiras interferências, estas são sempre num interesso comum. Cada actividade age, com meios que lhe são facultados e com os recursos de que dispõe, dentro do domínio que lhe compete.
O fomento do turismo, em que tanto se fala, mas a quo tantos obstáculos se criam, exige uma organização nacional. O sou incremento só ó possível sob o impulso duma direcção superior, emanada do poder central, quo o estimule o oriente.
A criação de pelouros turísticos e do comissões do iniciativa dependentes das câmaras municipais representa o golpe mais violento e de mais graves consequências que poderia ser vibrado contra o turismo nacional.
Reconhecendo a valiosa cooperação que as comissões do iniciativa podem prestar ao turismo nacional, sob a direcção do competente organismo do Estado, este Conselho tom a honra do solicitar a V. Ex.ª que se digne transmitir a Assemblea Nacional o voto quo emito por que a base IX do referido projecto seja modificada de harmonia com a doutrina exposta.
Sala das Sessões do Conselho Nacional de Turismo, 5 de Fevereiro de 1936. - O Vice-Presidente, M. Silveira e Castro.

O Sr. Presidente: - Comunico a V. Ex.ªs que os Srs. Ministros da Marinha, das Obras Públicas e Sub-Secretário de Estado das Corporações enviaram a esta Câmara um ofício agradecendo os cumprimentos que lho foram apresentados por parte da Assemblea Nacional,
Estão na Mesa respostas a pedidos de informação apresentados pêlos Srs. Deputados Lobo da Costa e António Augusto Aires, do que dou conhecimento a V. Ex.ªs
Se algum Sr. Deputado deseja usar da palavra para antes da ordem do dia, pode fazê-lo.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pode a palavra, vai passar-se à
Ordem do dia
Tem a palavra o Sr. Dr. Antunes Guimarãis, para realizar o seu aviso prévio.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: V. Ex.ª deu-me a honra de incluir na ordem do dia de hoje o meu aviso prévio, e peço a V. Ex.ª que, antes de começar as minhas considerações, me permita que leia o seguinte
Aviso prévio
Desejo tratar em aviso prévio da necessidade urgente:
1.° De se libertarem os bens imobiliários de certos ónus que estavam as actividades neles exercidas, tais como censos, foros o respectivos laudémios, bem como do direito de variadas opções susceptíveis de prejudicarem unidades agrícolas equilibradamente constituídas;
2.° De se generalizarem a todos os domínios directos do Estado, embora administrados por organismos autónomos, as disposições que regulam a remissão dos domínios já encorporados nos próprios nacionais, mas devendo tornar-se a redução à quarentena extensiva aos laudémios vencidos, o não prescritos, sobro os quais importa que não posem juros, nem actualizações;
3.° De serem tomadas providencias tendentes empareceiramento ou remissão do glebas, tendo em atenção as circunstâncias particulares das variadas categorias do casais;
4.º E, consequentemente, de se estabelecer um regime do distribuição do aguas, do plantação do árvores o doutros trabalhos agrícolas mais proveitosos a lavoura nacional.
Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 18 do Dezembro de 1935.- João Antunes Guimarãis, Deputado da Nação.

Como V. Ex.ª vêem, trata-se de um grande conjunto do providências, umas urgentes, outras possivelmente menos urgentes, mais todas elas de incontestável importância para a consolidação da propriedade rural e, portanto, das famílias que vivem nos meios rurais, digamos, da nossa lavoura, onde trabalha cerca de metade da população portuguesa - para a valorizarmos, não só no seu rendimento, mas no respectivo capital, mais ainda, para tornar possível a grande política de regresso e do fixação à torra, para quo a vida ali seja possível, para que o trabalho possa decorrer em paz o sossego, para que seja proveitoso. Visamos a conseguir certa extinção de ónus, de servidões, acabar com prejudiciais direitos de opção, conseguir melhor distribuição de águas e mais conveniente regime de arborização, para acabar com todos estes elementos prejudiciais e perturbadores, génese do discórdias, do pleitos, de litígios e até de conflitos que perturbam a vida tranquila dos meios rurais, levando muitas vozes a tragédias verdadeiramente deploráveis.
V. Ex.ªs vêem que só trata de um conjunto vastíssimo de providências, que caberiam melhor (e essa era a minha grande aspiração) num código rural-código rural do cuja elaboração o Governo tomaria a iniciativa, que as suas repartições estudariam, não deixando de ouvir todos os interessados, para, mais tarde, depois do parecer da Câmara Corporativa, sor aqui apreciado, sor aqui discutido, sor aqui votado.
V. Ex.ªs vêem, portanto, que só trata duma aspiração muito vasta e que não poderia caber num simples projecto do lei - e, sobretudo, partindo de uma pessoa modesta como aquela que neste momento lhes fala. (Não apoiados).
Mas, apresentada sob esta fórmula, V. Ex.ªs não deixarão do reconhecer quo ou, sempre sistemática e absolutamente cioso das prerrogativas da Assemblea Nacional, da nossa faculdade do iniciativa das leis, ao apelar para o Governo, não abdico dessa nossa faculdade ta m basilar. O que eu procuro é lembrar ao Governo a grande urgência, bem notória, do elaborar as bases dum código rural, servindo-se do elementos quo nós, Deputados, não poderíamos utilizar, como são os existentes nas repartições públicas, elementos muitíssimo importantes, que eu já tive ocasião do apreciar durante os três anos em que ocupei uma das cadeiras do Poder.
Sei do quanto se precisa, o que é indispensável reunir, quando se trata de elaborar um simples projecto de lei, quanto mais tratando-se de diploma de tam considerável envergadura.
Vêem V. Ex.ªs, portanto, que eu subi a esta tribuna movido pelo desejo de concorrer, por qualquer forma, para aliviar a lavoura dos inales que ainda a assoberbam,

Página 410

410 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 7

e não faço mais do quo seguir as pisadas de muitos ilustres Deputados da Assemblea Nacional que têm vindo aqui várias vezes apreciar c defender propostas de lei favoráveis à lavoura, como ainda ontem se verificou com as referentes à concessão de créditos para a apanha da azeitona e fabricação do azeito e à melhoria das condições de arrecadação do determinadas verbas relativas a vinhos, etc. Ainda há poucos dias o Sr. Dr. Almeida Grarrett, num oportuníssimo aviso prévio, tratou da questão dos óleos o azeites, e também o Sr. Dr. José António Marques apresentou um projecto de lei sobre plantações de eucaliptos..
Isto mostra que os assuntos relativos à lavoura têm sempre o condão de interessar a Assemblea Nacional, não sendo do admirar que o do meu aviso prévio, da maior oportunidade e verdadeiramente palpitante, seja também de molde a todos interessar-e isso me animou a subir a esta tribuna, para pedir a V. Ex.ªs alguns momentos da sua atenção, a qual não faltariam, como não faltam nesta mesma ordem do dia, assuntos de maior envergadura. Mas esto é-o, também, porque a verdade e que a situação da lavoura é ainda má - apesar de tudo o quo os Governos desta situação, desde os primeiros dias, após o 28 de Maio, têm feito em prol da lavoura nacional, e muito tem sido, ninguém ousaria duvidar, e tanto tom sido quo não há memória de se terem promulgado tantas providências - e não só promulgado como efectivado, com grande utilização de capitais e sem fugir a trabalhos e esforços para melhorar as condições du lavoura.
A lavoura está doente (Apoiados) e está doente por todo o País. Esta moléstia, infelizmente, não se localiza numa ou noutra região existe de norte a sul, de leste a oeste; vem resistindo a todas as medicações, empregadas com verdadeiro desvelo, com dedicação carinhosa, com o maior dos patriotismos.
A lavoura - V. Ex.ª o sabem - foi duramente atingida por esta crise; por ela, a bem dizer, a grande crise começou.
Mas não foi só a circunstância de a ferir em primeiro lugar que fez com que a lavoura, mais do que outras modalidades do trabalho, suportasse maiores prejuízos.
É que a lavoura foi quem primeiro o mais demoradamente a violência da crise atingiu, continua a sofre-la e, por corto, ainda por bastante tempo se ressentirá das consequências desta enorme crise, crise tam grande que os mais distintos economistas querem tirá-la da classificação das crises cíclicas, para a considerarem crise singular, autêntica crise de civilização, crise monumental, que marca uma nova era no mundo, um novo rumo a seguir.
Mas só a lavoura continua doente - é preciso valer-lhe.
Entendo que só devem registar sempre os frutos da bola administração do Estado Novo e nunca perder a ocasião do os salientar e pôr em evidência. Dentro desta norma salientarei quo por todos os Ministérios a economia nacional vem sendo amparada com providências de grande vulto.
Mas é certo que a lavoura ainda teima na sua moléstia, apesar de tantos esforços, emquanto, felizmente para todos, noutros campos de trabalho se registam melhoras consideráveis.
As indústrias atravessam também uma crise muito grave, mas é-nos grato registar que algumas delas já estão em condições satisfatórias tanto para os patrões, que recebem juro razoável dos capitais imobilizados e o prémio do seu esforço, como para os operários, cujos salários já retribuem o esforço despendido.
Contudo, já que me referi a salários, é conveniente salientar a desproporção considerável entre os salários da maior parto das indústrias e os da lavoura,
Os salários da lavoura são os de nível mais baixo, sendo certo que ali se trabalha muito tempo ao sol e à chuva, sujeitos a todas as intempéries e também a todas as incertezas.
V. Ex.ªs notem que estas minhas considerações são para justificar o meu aviso prévio, porque nunca se deve subir a esta tribuna senão quando há motivo de importância e da maior urgência.
Este mal da lavoura já vem de muito longe.
A lavoura portuguesa não sofre só devido à grande crise que surgiu com a guerra. Os males que lhe vieram com a guerra enxertaram-se noutros males já antiquíssimos, porque a nossa lavoura há muitos séculos que está numa situação verdadeiramente desigual em face de outras modalidades de trabalho.
Teve uma época próspera; foi a do começo da nacionalidade.
A acção dos reis conquistadores juntou-se a dos reis povoadores e a dos reis lavradores. Desta forma, à medida que o território foi conquistado, o solo foi arroteado e o povoamento seguiu-se paralelamente.
A população, que fôra calculada em cerca do 500:000 habitantes no período propriamente da reconquistal ao fim da primeira dinastia já estava em cerca de 1.500:000 habitantes.
Para que a população tanto se desenvolvesse e propagasse em tantas terras devidamente arroteadas, para que a Torre do Haver, que ora o erário de Portugal nos seus primórdios, se tivesse enchido de dinheiro, preciso fôra que tivesse havido uma política rural muito acertada, muito inteligente.
Assim podemos considerar a política dos primeiros tempos de Portugal, a verdadeira política rural, auxiliada pêlos reis que, se enchiam a Torre do Haver com o que lhes vinha da lavoura, não o faziam como avarentos que entesourassem improdutivamente, nem como usurários que explorassem os produtores para os aniquilar, para os matar, e, com eles, as únicas fontes de actividade daquela época.
O dinheiro entrava na Torre do Haver e de lá saía, durante muitos e muitos anos, para vitalizar todas as actividades de Portugal, tanto as actividades agrícolas, como, mais tarde, as actividades comerciais, que então começavam a desenvolver-se.
Este período coincidiu sensivelmente com o da primeira dinastia, porque Portugal, quando ela findava, desviava-se para novo rumo, o rumo marítimo, com a chamada política ultramarina.
Eu já tenho ouvido censurar esse desvio para rumo tam diferente do rumo rural primeiramente seguido.
Mas não comungo nessas ideas e bemdigo a hora em quo Portugal obedeceu a essas indicações altíssimas para cumprir a sua missão, afirmada nas descobertas e na colonização.
É certo que durante osso tempo, que foi o tempo mais heróico de Portugal, notava-se nas zonas rurais corto desequilíbrio de produção. Portugal, que já conseguira exportar trigo e outros géneros, passou a importá-los, emquanto se cobria do glória.
Mas, passado esse ciclo glorioso, pretendeu-se retomar o rumo da terra, o rumo rural, não tendo, porém, até agora sido possível consegui-lo. Ainda, como então, existe uma zona enorme de Portugal, ao sul do Tejo e na Beira Baixa, quási despovoada. É certo que a população tem aumentado, mas o desequilíbrio demográfico tem-se mantido, o que quere dizer que não conseguimos ainda regressar a essa política oportuníssima e bem orientada dos primeiros tempos da nacionalidade portuguesa, em que a terra se ia arroteando ao mesmo tempo que se povoava, para garantia do equilíbrio de povoamento entre todas as regiões de Portugal.

Página 411

7 DE FEVEREIRO DE 1936 411

Castelo Melhor, Pombal e, mais tarde, Mousinho da Silveira tentaram o regresso à política da terra.
Mousinho da Silveira, esse, fixou toda a sua atenção na torra; mais do que Pombal, que a dispersara por todas as fontes de trabalho - a indústria, o comércio e a agricultura -, Mousinho, repito, dirigiu a sua atenção especialmente para a terra, procurando libertá-la de todos os ónus e servidões, definindo o seu pensamento na frase seguinte: «tornar a terra livro, para que o homem fosse também livre». Mas o que é certo é que a sua política falhou, porque lhe faltara não só o capital mas outros factores essenciais para realizar a política rural.
É que no metabolismo das nações, na evolução que as nações sofrem através do diferentes épocas, passa-se uma cousa muito parecida com o que se verifica no metabolismo dos organismos, e que nós, os médicos, observamos, temos na máxima atenção, e até respeitamos profundamente.
É que esse metabolismo ou essa evolução, por exemplo, do organismo humano, desde a infância ao período adulto o à velhice, faz-se sem saltos, sem desequilíbrios, por transições insensíveis, mantendo se sempre a mesma temperatura, no inverno como no verão, na infância como na velhice - como permanecem imutáveis ou perfeitamente adaptadas à idade outras funções, sempre em equilíbrio admirável, que se deve à intervenção de determinados órgãos cuja fisiologia é por vezes conhecida, mas também de outros cujas funções ainda se conservam ignoradas.
Há a intervenção de imponderáveis, mas de imponderáveis que nós, os módicos, como disse, não ignoramos; são imponderáveis que respeitamos absolutamente, são imponderáveis com que contamos, porque sabemos muito bem que, se elos podem sor salvadores, também podem aniquilar uma vida.
Meus senhores: na vida das nações passa-se exactamente o mesmo.
Para que esse metabolismo seja equilibrado, para que não seja desconexo, a intervenção de órgãos, de instituições nascidas da observação, da experiência, da sabedoria do povo, é precisa. Constituem o tesouro das tradições que é preciso não ignorar (Apoiados), que é preciso respeitar (Apoiados) o que cumpre ir adaptando às circunstâncias novas nascidas do progresso.
Mas, mais do que essas instituições, há na vida das nações qualquer cousa de imponderável, de espiritual, de muito alto, que é preciso ter sempre em vista.
Em 1832, quando Mousinho da Silveira quis, muito oportuna e inteligentemente, retomar o rumo da tenra, o rumo rural, ele queria fazer apenas a terra livre, para que o homem fosse livre, mas esqueceu-se de que, para que isso se fizesse, era necessário respeitar as instituições que vinham muito de trás, do começo da nacionalidade, e ter também em conta todos os imponderáveis que a alma do povo não ignora.
Ora essas instituições não só não foram respeitadas, como foram aniquiladas, e esses imponderáveis não foram tomados em consideração do que resultou não só falhar a política de Mousinho da Silveira, como também todas as outras tentativas de regresso à terra posteriormente feitas por vários estadistas.
Meus senhores: subi a esta tribuna, porque o problema é grave, mas não só porque o problema é grave, como ainda porque entendo que o momento é propício, é azado, para retomar esse caminho, de há muito - não digo perdido - mas alterado, para voltarmos a seguir o rumo da terra.
Neste momento se congregam factores como em nenhuma outra época da nossa história se verificaram simultaneamente.
A Torre do Haver volta a estar cheia - mais do que cheia, a transbordar, como no tempo de D. Fernando, em que, segundo reza a história, transbordava do ouro o prata.
Hoje transborda também.
Felizmente há recursos; mas há mais do que recursos, há muitas outras circunstâncias que tornam possível e viável essa política, tantas vezes tentada, mas quási sempre falhada.
Além da necessidade de colocar braços, que, ato há poucos anos, eram ocupados em países distantes, levados pela emigração, temos garantidas as bases da organização das fontes de produção o de todos os elementos de trabalho, organização que nos faltou durante muito tempo, especialmente nos com anos de liberalismo.
Os progressos da ciência e da técnica melhoraram os transportes e comunicações e tornaram possível a vida nas aldeias, merco de melhoramentos do ordem sanitária, etc.
A electricidade, levada a todos os recantos, tornará aí possível a fixação de muitas famílias.
Mas vejamos as condições em que se encontra a torra actualmente. Nós vamos encontrá-la, embora a população seja maior, com um considerável expoente demográfico no norte, quási deshabitada no sul, com uma propriedade pulverizada no norte o em parte das Beiras e da Estremadura, e ainda noutros pontos do País, mas com o regime do latifúndios a preponderar ao sul do Tejo e em parte da Beira Baixa. A produção desequilibrada, produzindo-se em determinadas regiões em quantidade, mas sem ter habitantes que sejam consumidores desses géneros, do - que resulta um grande desequilíbrio para regiões já equilibradas, mas assim forçadas a consumir o que as regiões pouco deshabitadas produzem a mais.
Mas eu não vou pôr aqui um problema de tam grande transcendência, qual é o dos latifúndios e minifúndios, porque seria preciso discuti-lo com todos os elementos e esclarecimentos quo ele requereria pela sua grande importância. Não. Eu entendo quo a propriedade - ainda o disse aqui há poucos dias, ao tratar das concentrações económicas-, tem de se adaptar a todas as categorias da colectividade.
A propriedade tem de ser, como já ouvi dizer a um lavrador, o pano quo vista todos os portugueses, grandes, pequenos, ricos ou humildes.
O que é preciso é que sejam promulgadas medidas no sentido de dar à propriedade a elasticidade, e a adaptabilidade precisas para que se adapte a todas as circunstâncias, para que o direito de propriedade aproveite quanto possível ao maior número do portugueses de todas as categorias, como factor de fixação das famílias à terra.
Não tratarei portanto desse assunto.
Evidentemente que, onde houver terras improdutivas, ó preciso que elas produzam. E o Governo, no projecto de código rural que eu peço seja estudado, a fim de oportunamente ser apreciado e votado pela Assemblea Nacional, certamente não deixará de estudar a melhor forma de, dentro dos princípios de equidade, utilizar os terrenos pouco aproveitados, para base de fixação de famílias à terra.
Dizia eu, Sr. Presidente, que há numa grande parto do País enormes propriedades, porventura em grande parte abandonadas, mas noutras regiões dá-se precisamente o inverso, isto é, o desmembramento excessivo, que tem sido causa da improdutividade da terra, como ó fonte de litígios e discórdias, não convidando a fixar ali domicílio, mas provocando o êxodo para os grandes centros industriais e urbanos.
Tenho a certeza de que esse parcelamento tem concorrido altamente para que a lei do Casal de Família, de que é autor o Sr. Dr. Lopes da Fonseca, lei que eu tive a honra de subscrever, não tenha logrado as simpa-

Página 412

412 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 74

tias que seria de desejar, devendo também ter para isso contribuído a obrigatoriedade de residência ali estabelecida.
Citei Mousinho da Silveira, que desonerou a terra o provocou o seu alodiamento, tornando possível o seu desmembramento. Assim, casais que tinham constituído unidades agrícolas perfeitas, desmembraram-se depois disso, livres como ficaram, e como consequência de partilhas o outros óbices.
A terra, como eu dizia, tornou-se improdutiva o ficou em condições de não permitir a vida alegre, como seria para desejar nessa zona rural do nosso Pais.
Do parcelamento resultam inúmeras servidões, inúmeras sobes e muros, péssima distribuição de águas, defeituoso plantio de arvoredo, etc. São grandes cancros da economia fundiária.
Também, Sr. Presidente, não vou discutir aqui o problema da enfiteuse, porque para ele poder ser discutido carecia-se de larga preparação. Há quem lhe encontre vantagens o há quem lhe encontre desvantagens. Teve a sua época em que produziu efeito, concorrendo para provar e cultivar uma grande parte do País. Mas hoje a enfiteuse constituo para muitas das terras já cultivadas outro embaraço, embaraço que se revela na deminuição do valor do prédio. Verificada a faculdade de opção, quando se trata da venda de prédios, a concorrência da praça é quási sempre mínima, porque quando o preço é razoável o senhorio directo opta; o só no caso de ser exagerado é que não opta. V. Ex.ªs não imaginam os prejuízos causados à unidade agrícola, conseguida mercê do grandes esforços e sacrifícios, durante muitos anos e gerações, quando a privam, mercê da opção, de uma das suas glebas: é que a unidade é como uma máquina; tem suas casas, seus armazéns, prados, vinhas, hortas, bravios, águas, etc.
Essa unidade só ó remuneradora desde que se conserve completa. Mas imaginem o caso de o direito do opção incidir sobre uma das parcelas?
Tal facto, por si só, é suficiente para que o capital correspondente a toda a propriedade deminua consideravelmente, porque o receio do que, dias depois da compra, seja exercido o direito de opção sobre uma parte determinada da propriedade ó bastante para deminuir o valor a todas as outras.
É, assim, baixa a capacidade de uma propriedade para garantia de empréstimos precisos à faina agrícola.
Algumas providências têm sido tomadas para facilitar os arredondamentos de propriedades. Esses arredondamentos, porém, representam, por vezes, uma medida anti-económica e anti-social, porque se fazem sacrificando unidades agrícolas menores em benefício de outras, porventura maiores. E o caso das concentrações, quo suprimem pequenas oficinas para valorização das grandes.
Isto que venho dizendo é para mostrar a V. Ex.ªs que, embora eu convide o Governo a mandar estudar um código rural em que se resolva o vastíssimo problema, de fornia a fixar as famílias à terra, há, contudo, providências de grande importância a tomar urgentemente pelo Governo, para que se evite o desmembramento por opções e a consequente desvalorização, dia a dia verificada em muitas propriedades.
O Sr. Águedo de Oliveira (interrompendo}: - Tenho estado a seguir com muito interesse as observações de V. Ex.ª, mas, francamente, ainda não compreendi bem se V. Ex.ª deseja que se proceda no País a uma reforma agrária ou simplesmente a uma modificação das leis existentes.
O Orador: - A uma reforma agrária completa. Entendo necessário que o Governo, depois de cinco óculos «Io afastamento do rumo rural, devo esforçar-se.
por retomá-lo, a fim do encaminhar muitas famílias para as zonas rurais.
Não se trata pois da simples modificação das disposições existentes: trata-se de uma reforma completa, de uma revolução, digamos o termo, de um código que soja digno do Estado Novo, que evite a continuação do desequilíbrio agrícola e demográfico, que vem quási desde o principio da nacionalidade.
O aproveitamento dos terrenos incultos tem de ser feito, com a colaboração do Estado, através do crédito agrícola, que foi outra medida de grande oportunidade e que já tem produzido grandes benefícios e vantagens ao País; e muitos mais há-de trazer ainda, porque uma obra desta envergadura não se pode fazer sem crédito em abundância o taxa de juro baixa, dentro daqueles limites que eu hoje tive a satisfação de ler nos jornais, na notícia relativa à proposta de lei que autoriza a emissão do novo empréstimo de 500:000 contos, a 33/4 por cento.
Só seguindo-se essa orientação, de que todos nos devemos congratular, é que a política rural triunfará.
Trata-se de um conjunto de problemas de ordem material e até de ordem espiritual que só agora é possível resolver.
O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - O direito de opção ó um dos meios de libertação ou da alodialidade da terra, visto que tende a reunir na mesma pessoa os dois domínios que constituem a enfiteuse, ou seja o domínio directo e o domínio útil.
O Orador (continuando). - Afirmo a V. Ex.ª que, na prática, o direito de opção produz inevitavelmente a deminuïção do valor das propriedades.
Tratando-se de uma quinta constituída por diferentes parcelas e incidindo o direito de opção sobre uma ou outra, provoca-se a desagregação dessa unidade económica em benefício de outra, que porventura já estava equilibrada. Portanto, dum direito e de opção - que V. Ex.ª defende resultam consequências que eu condeno. E a concentração feita com sacrifício de unidades pequenas. Ora o que ou alvejo com o emparceiramento não é engrossar uns e deminuir os outros.
Eu quero que do emparceiramento resultem propriedades agrícolas equivalentes em áreas e produções às anteriores, mas com a vantagem de que, estando aglomeradas, reunidas, a sua cultura seria mais rendosa, a fiscalização mais fácil e eficiente, as questões judiciais deminuiriam, as discórdias acabariam e, com elas, os conflitos, para que finalmente houvesse paz na freguesia.
No que respeita à remissão de ónus...

O Sr. Presidente (interrompendo): - V. Ex.ª deseja continuar no uso da palavra?... E que já passaram quarenta e cinco minutos, mas eu posso conceder-lhe mais um quarto de hora.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª, mas eu concluo já; é apenas questão de minutos.

O Sr. Presidente: - Eu concedo quinze minutos.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Como ia dizendo, no que respeita a remissão dos domínios há duas classes a considerar: há domínios que estão na posso de particulares e há domínios que estão na posse do Estado.
Ainda na sessão legislativa passada nós tivemos ocasião de aprovar aqui uma lei em que os domínios do Estado já (incorporados nos Próprios Nacionais eram reduzidos à quarentena. Mas subsistiu, pelo que respeita aos outros domínios, o que está estabelecido nos prazos, e

Página 413

7 DE FEVEREIRO DE 1936 413

que às vezes ó verdadeiramente proibitivo, porque há domínios de três um, quatro um, cinco um, etc., ou seja a torça parto, a quarta parte, a quinta parte, etc.
Ora, dentro da equidade que caracteriza o Estado Novo. julgo quo é de toda a conveniência que o Governo - visto que não posso tomar a iniciativa dum projecto de lei nesse sentido, pois, se o fizesse, certamente que V. Ex.ª, Sr. Presidente, não o admitiria, visto que envolveria deminuição nas receitas do Estado -- generalizasse a todos os outros domínios que estão na posse do Estado a base da quarentena. Nestas condições ó quo eu exprimo uma aspiração, exprimo o meu voto ao Governo.
Contudo, eu daqui lhe pedirei que, embora ordenasse a redução para a quarentena, tornasse a remissão facultativa, porque sei que a remissão obrigatória, como fora promulgada, perturbou a economia de muitas famílias, que tiveram de contrair empréstimos em ocasiões de dificuldades, de grande crise. Não só deveria torna-la facultativa, mas auxiliá-la, mercê do crédito agrícola, para não perturbar mais a já tam perturbada vida das classes rurais.
Sr. Presidente: não vou agora fazer uma dissertação acerca dos diplomas desde há um século promulgados sobre este assunto, porque eles têm sido o autêntico movimento do pêndulo: sim, não. Há períodos em que se tornou extensiva a faculdade da remissão pela quarentena a todos os domínios, e períodos em que essa faculdade foi restringida ou revogada.
Durante os períodos em quo foi permitida, aqueles que dispunham de dinheiro correram imediatamente às repartições para remir os seus encargos mas aqueles quo não tinham disponibilidades não o puderam fazer, e teriam agora, a ser mantida a excepção, de suportar encargos pesadíssimos o indevidos, por isso que as leis já os haviam reduzido à quarentena.
Mas não terminarei, já que estamos apenas a emitir votos, sem dizer que uma das grandes dificuldades com que luta o proprietário rural é a complexidade extraordinária das leis fiscais e a exigência de sisa nas formas de partilhas de imobiliários, que o leva muitas vezes a vender terras de seus antepassados. O esforço realizado para corrigir a referida complexidade nesta última década é formidável, não há duvida, mas a verdade ó quo se misturam, ainda, num caos deplorável, com esses preceitos acortadíssimos, inteligentíssimos, porque brotaram do cérebro dum grande português, a que sobra competência, os preceitos obsoletos doutras épocas e inadaptáveis à política clara do Estado Novo. Mistura se e confunde-se tudo. Mesmo os mais legalistas têm dificuldade em guiar-se em tam confuso labirinto.
Por isso, daqui pedirei ao Governo que, além do código rural, estudo também a codificação dos preceitos fiscais, em moldes dignos do Estado Novo, e por forma a defender a continuidade dos casais agrícolas, base da política rural que há-de tornar possível, após tantos séculos, retomar o rumo da Terra Sagrada da Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bom!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Requeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Defiro o requerimento de V. Ex.ª

O Sr. Melo Machado: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e meus senhores: parece-me que a importância do assunto que aqui nos foi trazido pelo Sr. Dr. Antunes Guimarãis é de molde a que o mesmo mereça toda a atenção da Câmara.
E, para frisar melhor tal importância, eu não venho trazer a V. Ex.ªs nenhuma novidade, mas apenas alguns números que me parecem elucidativos. E que nada monos do que dez distritos no País estão extremamente parcelados. Esses distritos são os seguintes: Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Guarda, Leiria, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Devo ainda dizer a V. Ex.ª que nestes dez distritos a média da área da propriedade anda por 80 ares, na Guarda, sendo, porém, mais baixa em Viana do Castelo e Leiria, onde regula por 27.
O aumento do propriedades quo se tem dado noites distritos é uma cousa também notável, o para ele ou chamo a atenção do V. Ex.ªs
Para os não cansar com números - pois me parece quo a Câmara está um pouco fatigada - eu direi que, por exemplo, no distrito de Viseu havia em 1881 um número de propriedades que era de 662:400, ao passo quo em 1931 havia 1.631:091 propriedades, daqui se concluindo que houve até então - e hoje devo ser pior ainda - um aumento de 908:691 propriedades.
Coimbra passou de 580:000 para 1.257:291, aumentando portanto 677;000 prédios; Bragança passou de 388:782 prédios para 1.203:249, aumentando 814:000.
A propriedade rural levada a este extremo de divisão causa, evidentemente, a miséria, a deserção da terra, a emigração, porque a terra assim dividida é anti-económica.
A exploração de muitas pequenas propriedades distintas umas das outras é uma operação inteiramente anti-económica; por consequência o resultado é o abandono da terra, a miséria das pessoas que dela vivem o a emigração.
Em França fez-se uma experiência sobre o assunto, demonstrando-se que as despesas efectuadas com a cultura do trigo foram:
Leu.
V. Ex.ªs vêem que, à medida que a propriedade se vai tornando mais pequena, o preço da cultura aumenta, de modo que torna a sua economia verdadeiramente destrutiva.
Temos tido na nossa legislação várias tentativas interessantes para impedir a excessiva divisão da propriedade.
Oliveira Martins pareceu querer fixar esses limites em 25 hectares; Elvino de Brito fixou-os em 23; João Franco em 20 e o Dr. Oliveira Salazar em 1/2 hectare.
Todas estas quatro disposições afiguram-se-me que são umas excessivamente largas, e outras, pelo menos a do Dr. Oliveira Salazar, reduzidas. Uma propriedade de 1/2 hectare não se pode dizer que seja uma propriedade.

O Sr. Águedo de Oliveira:- Nessa questão de organização do propriedade há três problemas distintos: há o problema do acesso à pequena propriedade, que não está em causa; há o problema da divisão da grande propriedade latifundiária, que também não está em causa; há o problema do emparcelamento, e esse é que está em causa, pois foi o referido pelo Sr. Dr. Antunes Guimarãis como matéria própria do seu aviso.

O Orador: - Eu respondo com a seguinte afirmação: não falei na divisão da propriedade latifundiária; falei daqueles distritos onde a propriedade está excessivamente dividida. Chegarei, na devida altura, ao emparcelamento.
O que havia a fazer para dar remédio a este mal ora, em primeiro lugar, a deminuição ou isenção de contribuição de registo para as trocas com o fim de constituir uma propriedade contígua..

Página 414

414 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

Eu acho que não devia ser uniformo a fixação de limites da propriedade; ela deveria ter um mínimo consoante as regiões, se bem que pudéssemos dizer que nas regiões do propriedade latifundiária não havia que encarar esse aspecto do problema.
Mas, para atingirmos o fim em que falava o Sr. Dr. Águedo de Oliveira, havia que encarar diferentes hipóteses.
A primeira, isenção da contribuição de registo para as trocas, dentro de determinados limites, nessas regiões. Desde que a troca, na constituição de um grupo do propriedades determinado, não passasse para outros elementos opostos, que também tom interesse, devia ser isenta do contribuição ou pagar contribuição tam pequena que provocasse unia aglomeração do propriedades. Além disso haveria - que tomar a medida da indivisibilidade da propriedade além de um determinado limito do que está estabelecido, que me parece demasiado. E por fim havia o emparcelamento das glebas dispersas. Mas, chegando a este ponto, entre os domínios do próprio assunto fazer emparcelamentos sem cadastro é absolutamente impossível; precisamos para isso de ter uma colecta...

O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - Talvez o direito de opção consiga simplificar o plano...

O Orador: - Evidentemente; isso já se tem feito em variadíssimos países.

O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - Quanto tempo tom V. Ex.ª para fazer gleba?

O Orador: - Não quero dizer quo tenhamos de tomar medidas para isso, mas estou convencido de quo se pode fazer o emparcelamento como devo ser feito, resolvendo radicalmente o assunto, mas só com um cadastro perfeito.
E assim que se tom feito em todos os países, como seja, por exemplo, na Suíça, na Grécia, na Hungria o ultimamente em França.

O Sr. Águedo de Oliveira (interrompendo): - Então é preciso fazer dois cadastros: um antes do emparcelamento o outro depois.

O Orador: - Não temos quo preocupar-nos com essas despesas, a fazer o cadastro tal como agora, e concluir os emparcelamentos que é preciso fazer.
Quanto às objecções que o Sr. Dr. Antunes Guimarãis aqui fez e ao facto de em França haver uma lei desde 1918, devo dizer que os diferentes encargos que recaíam sobre as propriedades dispersas passaram a recair sobre propriedades parceladas, e não havia inconveniente, já porque a propriedade emparcelada tem um valor muito superior a outra, já porque desapareceram muitas estradas e caminhos...

O Sr. Águedo de Oliveira (interrompendo): - Nas regiões devastadas...

O Orador: - Porque esta pulverização excessiva ó que causa um devastamento das regiões...
Creio ter trazido a V. Ex.ªs alguns esclarecimentos sobro esta questão, e só tenho a pedir desculpa a V. Ex.ª do tempo que lhes tomei e agradecer os esclarecimentos que V. Ex.ªs trouxeram ao meu espírito.
Tenho dito.
O orador não reviu.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: confesso que supus que a natureza deste debate era incomparavelmente mais modesta do que a apresentada e posta pelo Sr. Dr. Antunes Guimarãis. S. Ex.ª tinha-se proposto tratar do dois pontos essenciais em matéria de política agrária: a questão dos foros e a questão do emparcelamento; mas, afinal, o que eu depreendi das considerações apresentadas foi a idéa de forçar o Governo a realizar uma autêntica reforma agrária.
Ora, a este aviso prévio, como a outros que só têm sucedido nesta tribuna, eu tenho de formular desde já um reparo: os povos latinos supõem que os governos hão-de fazer tudo, que são um pouco como os azares dos antigos russos, isto é, país de tudo e de todos. Este preconceito, que é tradicional nos povos latinos, repito, tem-se acrescentado à medida que a esses povos surgem chefes da envergadura moral o da categoria intelectual o política do Dr. Oliveira Salazar e de Mussolini.
E até mesmo nesta Assemblea este preconceito parece ter feito excedê-la um pouco no declive da sua competência.
Nós estamos a pedir ao Governo que faça aquilo que mo parece quo também poderíamos fazer.
Auto-limitamo-nos, e auto-limitando-nos renunciamos, na maioria dos casos, à nossa competência própria.

O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu convidei o Governo a tomar providências para o estudo do problema.
Por mim não teria o arrojo de apresentar uma proposta de código rural. Todos esses códigos que são promulgados, em geral, estuda-os o Governo por meio de comissões nomeadas para esse efeito, ou por meio das suas repartições, Q bem poucas elas são para o muito que há a fazer.
O que se torna preciso são preceitos novos. O Governo tomava a iniciativa, usando todos os elementos das suas repartições o ouvindo todos os interesses da Nação, ouvindo a Câmara Corporativa, o trazendo-a à Assemblea Nacional para então nós discutirmos o votarmos.
Eu não quis abdicar duma prerrogativa que me pertence e de que tenho dado provas do que sei defender. Somente não podia tomar a iniciativa de apresentar aqui uma proposta.

O Orador: - Estimei ouvir a interrupção de V. Ex.ª Fica portanto entendido que o Sr. Dr. Antunes Guimarãis deseja, como eu, realmente que só mande estudar este problema, mas de forma nenhuma a Assemblea legislativa formula mais uma petição para quo o Governo legisle, para que o Governo além da sua função característica exerça a nossa.
Eu gostaria de focar os dois pontos essenciais tratados pelo autor deste aviso prévio: a questão dos foros o a questão do emparcelamento.
Dispenso-me porém do tratar da questão Intimamente relacionada com esses dois pontos, como seja a divisão de latifúndios e outras, umas contíguas, outras solidárias, quo surgiram de mistura nas precedentes orações.
A nossa política agrária deve ser orientada num sentida definido e bastante singelo: pão o trabalho para todos os portugueses nos campos de Portugal e, se necessário fosse, publicar medidas, ainda que tivessem um aspecto radical, que de qualquer sorte corresponderiam às sismárias antigas, tradição essa que até certo ponto se perdeu, em benefício do outras orientações de modo de vida económico da Nação, com prejuízo manifesto.
E audacioso da minha parte focar este problema da enfiteuse, principalmente diante de V. Ex.ª, Sr. Presidente, mestre ilustre entro os mestres, e diante de V. Ex.ªs, meus colegas, sobretudo daqueles que têm uma preparação jurídica muito superior à minha.
A enfiteuse foi desde sempre uma questão máxima, uma questão de doutores; assim se conserva, para castigo meu, neste momento.

Página 415

7 DE FEVEREIRO DE 1936 415

O que é, em poucas palavras, a enfiteuse? E um direito do usufruto transmitido de herdeiro para herdeiro, mediante o pagamento de uma certa renda que se chama cânon ou foro e que tem a obrigação de um certo prémio sempre que há mudança ou transacção no respectivo domínio útil. Isto vai assim definido sem rigor jurídico mas com a saliência e objectividade económica indispensável.
A enfiteuse tem vantagens de carácter económico, e são essas as que são importantes. Tem um passado que corresponde realmente às necessidades da vida económica de muitos séculos atrás e tem ainda um certo presente que deriva do que resta desse passado, que é o passado feudal, o da Idade-Média.
Sem capital, com poucos meios, sem nenhuns meios mesmo, a propriedade tornava-se acessível a quem não a tinha. O foreiro podia tratar o prédio enfiteuticado como se fosso cousa sua e inteiramente sua, porque o domínio útil prolongava-se pelas gerações fora, passando dele para os seus directos herdeiros.

O Sr. Carlos Borges: - Nos casos perpétuos...

O Orador: - Absolutamente. O problema actual que naturalmente surge é este: valerá a pena conservar umas reminiscências das servidões tradicionais do direito feudal, sendo certo que elas eram o que se chamava a praga dos foros, pela sua dissemelhança e confusão, e eram ainda uma origem, um manancial perpétuo de questões, de lutas, de demandas?

O Sr. Carlos Borges: - Mas isso era especialmente função da subenfiteuse.

O Orador: - Isso era derivado da própria enfiteuse, sendo a subenfiteuse magnífico instrumento do colonização, mas não quero envolver-mo em tantos problemas, porque isso me levaria longe, longe de mais.
E preciso desde já fazer uma consideração prévia: é que todos os contratos que respeitam à vida económica dos campos são mais efeito do que propriamente causa; e isto deminue, certamente, as possibilidades do reformador, deminue, em grande escala, as faculdades que são concedidas à intervenção do Estado no sentido de resolver os problemas económicos pertinentes.
Em todo o caso, a enfiteuse é apontada hoje como podendo ser ainda um instituto de colonização, um instituto de valorização do solo alagado e um instituto de valorizarão dos terrenos próprios para edificação, pela facilidade do edificar nesses mesmos terrenos.
O direito primitivo, o direito justinianeu - e não me vou referir às fórmulas jurídicas, porque estou a tratar duma política agrária, eu não tenho medo ao termo! - sub-rogava o enfiteuta nos direitos do proprietário e não o obrigava a desembolsar o preço do aquisição, e assim havia aquilo que já disse: a possibilidade duma agricultura sem capital. Havia, além disso, um grande equilíbrio de interesses entre o senhorio útil e o senhorio directo; e havia por outro lado a, possibilidade duma fórmula económica e jurídica que correspondia aos bens do regime de mão morta, aqueles bens que pertenciam a corporações com personalidade jurídica, o se mantinham permanentemente no tempo através das gerações.
A enfiteuse moderna afasta-se do direito justinianeu, e faz surgir o princípio chamado da remissão, o princípio que permito ao enfiteuta, mediante o pagamento duma quantia determinada, desfazer o domínio directo com o domínio útil e passar aquilo que é a propriedade e a posso plena. Mas ao mesmo tempo aparecia, com o princípio da remissão, o direito de opção na venda; o assim a enfiteuse do direito moderno afasta-se notoriamente do direito tradicional romano. Assim é de fazer uma consideração muito simples, também de carácter económico.
Vale a pena enfiteuticar nestas condições? E Valerá a pena enfiteuticar em nossos dias?
Não; porque ao proprietário valia mais a pena vender, receber imediatamente o preço da aquisição. Portanto, só para um caso de cultura de terrenos ásperos e magros, sem possibilidade de exploração regularmente lucrativa, é que valia a pena dar terrenos de enfiteuse em vez de vende-los desde logo. Mas o caso tem sido estudado pêlos peritos e por comissões de legistas que nos vários países se tom encarregado de examinar este problema e outros afins. O caso tem sido estudado em algumas aplicações possíveis.
Com efeito, na doutrina do direito contemporâneo, tem-se achado - desejável manter a figura do contrato agrário da enfiteuse com algumas importantes correcções. Certamente ela não voltaria a ter a antiga auréola, mas ela era no momento actual um possível instrumento do exploração económica da terra e um mais velho com aspectos novos. Simplesmente ela deveria perder o carácter de perpetuidade para ter um carácter temporário e, portanto, a enfiteuse passaria a durar apenas numa geração, em duas gerações, três gerações o máximo. O canon poderia revestir a forma do uma escala máxima, variável, paga em géneros e paga em dinheiro, para resistir a esse torvelinho da quebra de poder do compra que há nas diferentes moedas, e para resistir aos saltos de desvalorização dos produtos, que tem repercussão no nível dos preços. Por outro lado será vantajoso que a enfiteuse, presente ou futura tenha carácter irremissível, porque desde que tivesse carácter remissível, era a figura jurídica tradicional, com seus tradicionais defeitos. Ela teria a sua aplicação nas pequenas propriedades o lotes de terra e, portanto, nas propriedades com menos de 5 ou 2 hectares.
Por outro lado, para que ela tenha realmente o aspecto de instrumento de valorização do solo será necessário que, a par deste esboço de enfiteuse nova, se estabeleçam disposições de interesse do ordem pública, no sentido de obrigar o enfiteuta a um certo número de bemfeitorias. As exigências nacionais de melhoria do solo, a valorização integral da terra nacional assim o requerem.
Desta sorte, haveria um instrumento necessário à valorização dos terrenos, indispensável ao enxugo das terras, haveria um instrumento adequado também à valorização de terrenos para construção dentro das cidades, quando o construtor não dispusesse do capital preciso para a sua construção. Isto quanto ao primeiro ponto, quanto à enfiteuse.
Há um outro ponto, também focado no aviso prévio do Sr. Dr. Antunes Guimarãis, que é o da dispersão parcelar corrigida por aquilo que o Sr. Dr. Antunes Guimarãis chama o emparceiramento, terminologia de que eu não gosto, por provocar confusão. Tenho medo dessa expressão, derivada do parceiro, porque tem um significado jurídico diverso. Ora a dispersão tem dois aspectos fundamentais.
Num primeiro aspecto ela representa a fragmentação dum casal por diferentes propriedades o glebas quási infinitesimais, como sucedo no norte do País, onde há casais que têm de 50 a 200 leiras, algumas delas autênticas leiras e courelinhas de poucos côvados.
Tem um segundo aspecto, relativo à divisão, da propriedade, no sentido de que essa propriedade é constituída pelo que se chama o minimofíndio, por uma propriedade pequena e do difícil cultura. Num caso a fragmentação, no outro a exiguidade infinitesimal conduzem naturalmente u uma exploração económica defeituosa e anti-económica, saliente na imperfeita utilização do solo, que deriva dos muros, das sebes, na impossibilidade de aplicação de instrumentos mecânicos e de adu-

Página 416

416 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

bações, o encarecimento do transportes o nos obstáculos que derivam das servidões, dos atravessadouros o caminhos, surdindo ainda, pelas relações de vizinhança, litígios, demandas, querelas o atentados à regra de viver em boa paz o em boa regra com os vizinhos.
Pode fazer-se uma operação vasta de recomposição da unidade cultural dos diferentes casais ou explorações?
Acho que sim!
Pode fazer-se aquilo a que se chama a experiência do remombramento ou recomposição, como já tem sido realizado noutros países?
Simplesmente é uma operação longa, morosa, difícil, complexa e extraordinariamente cara.
A nossa lei já quis entrar neste caminho mercê do benefício fiscal, como estímulo a esta operação.
E eu posso ler aqui parte do relatório primoroso posto na reforma do Abril do 1928, que diz o seguinte:
«Arriscando entretanto alguma receita, estabelece o decreto favores extraordinários no sentido de ajudar a resolver três grandes problemas da nossa economia social, - o da divisão da grande propriedade e constituição da pequena e da média; o da junção da muito pequena para o revigoramento e constituição da média e da pequena; o da aquisição do terrenos para construção e o da pequena transmissão dos prédios construídos. Não bastardo os favores fiscais para resolver estes problemas, que dependem de um grande número de condições; mas, dando-se, não pôde acusar-se o Estado de por si contrariar a sua solução».
De forma quo os lavores fiscais alguma cousa são, mas muito pouco, e eles obtiveram consagração, proporcionada aos justos limites, no pensamento do reformador do Abril de 1928.
Não creio que deles tenha derivado qualquer solução positiva o eficiente do problema.
A solução que se impõe, que é frequentemente preconizada, consiste em criar comissões que representem a maioria dos interesses em jogo e que imponham, como determinação legal, a todos os proprietários vizinhos a sua decisão, forçando a trocas e permutas, dando arranjo geométrico aos campos, compensando, regularizando e sobrepondo-se aos renitentes e pertinazes para um melhor arranjo agrário local.
Foi o que se fez na Áustria, Alemanha e em França, mas neste país nas regiões devastadas.
Este problema tem pois a dificuldade que S. Ex.ª o Sr. Melo Machado apontou, que é a falta de precedência dum cadastro perfeitamente bem organizado, porque, a seguir a osso cadastro, é necessária uma correcção perfeita que não existe e nem pode existir no nosso regime cadastral. Isto afirmo, porém, sem nos envolvermos outra vez na amplitude deste magno problema da reforma agrária, mas somente nos dois pontos essenciais aqui levantados: a questão de reforma da enfiteuse, a questão do emparcelamento.
Para findar tenho de salientar uma dificuldade máxima, que ó a falta duma organização corporativa nos campos portugueses, que ainda não foi tentada em toda a latitude que tal idéa comporta.
E certo que temos as Casas do Povo, com uma função assaz limitada de previdência.
Temos organizados corporativamente, de modo especial, numa organização portanto sui generis, os produtores de trigo e produtores de vinho.
Mas falta a organização corporativa total, capaz de acompanhar outros sectores onde realmente a organização corporativa se tem desenvolvido, como no campo comercial, industrial e de transporte.
Parece-me, portanto, que antes de mais nada, antes de entrar no caminho decidido duma proposta de reforma rural ou duma solicitação do política agrária nova, é preciso considerar o problema primário do organização corporativa nos campos.
Uma vez focado este ponto, nada mais tenho a acrescentar, pois parece-me esta a condição indispensável para entrar no caminho de estudar a reforma agrária o prepará-la legislativamente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bom!

O orador foi ouvido com especial atenção.

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero encerrado o debate.
Vai entrar-se na segunda parto da ordem do dia - continuação do debate sobre o projecto de lei n.° 75.

O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: faço sempre todo o possível por que as considerações que profiro desta tribuna tenham um carácter objectivo. Mas, neste momento, particularmente objectivas são as minhas considerações, por serem feitas em torno de um trabalho trazido a esta Assemblea por um colega que todos muito prezamos e consideramos pela sua alta envergadura mental e moral, o Sr. Dr. Alberto Cruz, a quem rendo daqui a minha melhor homenagem.
Ontem, já subiu a este lugar o ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Borges, que apontou algumas categorias de funcionários cujos direitos deviam ser acautelados pelo projecto de lei em discussão, e que, entretanto, se acham dele excluídos.
Além desses funcionários, de que aqui se falou, desejo ainda apontar outros, que se encontram em situação perfeitamente idêntica à dos engenheiros contratados pelo Estado. Refiro-me aos engenheiros contratados pelas Juntas Gerais dos nossos distritos autónomos.
É que ao ser estabelecida a autonomia administrativa dos distritos insulares, passaram para ás Juntas Gerais autónomas desses distritos todos os serviços que no continente são directamente dependentes do Ministério das Obras Públicas e Comunicações.
Os engenheiros do antigo quadro deste Ministério que se encontravam a dirigir esses serviços passaram a desempenhar as mesmas funções nas Juntas, sem contudo perderem a sua qualidade de funcionários do Estado.
Quanto a forma de preenchimento das vagas que de futuro viessem a dar-se, estabeleceu-se que as Juntas contratariam engenheiros estranhos aos quadros, desde que me fosse satisfeita a requisição previamente feita ao Ministério das Obras Públicas e Comunicações.
Ao abrigo destes preceitos legais, contrataram as Juntas Gerais autónomas os engenheiros de que careciam e que são os que nesses distritos têm dirigido os serviços de viação e as circunscrições industriais, têm projectado e construído as estradas, estudado os diversos problemas hidráulicos, superintendido nos portos de mar que ficaram a cargo das Juntas, desempenhado, emfim, os diferentes serviços de obras públicas.
A semelhança dos seus colegas contratados pelo Estado, esses engenheiros - para valer-me das próprias expressões do parecer da Câmara Corporativa - «exerceram a sua actividade em serviços de alto interesse público, adestraram-se na execução de obras públicas e valorizaram-se como profissionais».
As provas prestadas, muitas das quais referendadas por lisonjeiros pareceres do Conselho Superior de Obras Públicas, estão patentes, e são constituídas por notáveis melhoramentos realizados nesses distritos, muitos deles de traçado e construção dificílimos, que estão à vista de todos.

Página 417

7 DE FEVEREIRO DE 1936 117

Não é justo que a esses engenheiros se crie uma situação de inferioridade em relação aos seus colegas que trabalharam no continente, visto que exerceram a sua actividade nos mesmos serviços do Estado, descentralizados por razões do mais alto interesse público.
Tenho a satisfação de declarar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara, que esta opinião mio é só minha: é a de todos os Deputados naturais dos distritos autónomos que, por conhecerem directamente os factos e situações a que acabo de referir-me, entendem que, numa lei que porventura venha a promulgar-se no sentido do projecto de lei do Sr. Dr. Alberto Cruz, não podem ficar, por princípio algum, excluídos os engenheiros contratados pelas. Juntas Gerais dos distritos autónomos.
E é assim que, firmando-me neste parecer unânime em que me encontro com os nossos ilustres colegas naturais dos distritos autónomos, eu lamento que o projecto de lei que se discute tenha essa omissão.
Tenho dito.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: são simplesmente duas palavras, pois não quero tomar tempo à Câmara.
Não venho reeditar o que ontem aqui disso em defesa do meu projecto, mas sim agradecer aos Srs. Drs. Carlos Borges o Juvenal de Araújo as palavras imerecidas com que me distinguiram. E tendo verificado, pela argumentação aduzida poios dois ilustres Deputados, que o meu projecto não abrange realmente todos os casos, não quero sor acusado de trazer aqui um projecto particularista, isto é, um projecto que abrange exclusivamente um determinado número do indivíduos.
O meu projecto não previu casos de carácter geral, como devia ter previsto, e como, além disso, tenho a certeza de que o Governo tratará da situação do todos esses funcionários num diploma geral, fazendo-lhes a justiça devida; absolutamente crente, repito, de que o Governo considerará a situação de todos esses empregados do Estado, nessas condições peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, licença para retirar o meu projecto de lei.
Tenho dito.

Consultada a Câmara, foi concedida a autorização pedida.
Tinham sido apresentadas mi sessão anterior as seguintes propostas de aditamento e de substituição a esse projecto:
Proposta da aditamento ou emenda à base I

Proponho que a seguir às palavras: «Quando tenham sorvido com zelo, assiduidade e competência durante dois anos» se intercalem as seguintes: «Quer como contratados, quer como assalariados».

O Deputado A. Cancela de Abreu.

Proposta de aditamento ou emenda à base IV

Proponho que a seguir às palavras: «à data em que foram admitidos ao serviço do Estado como contratados» se intercalem as seguintes: «ou assalariados».
O Deputado A. Cancela de Abreu.

Base I

Proponho a adopção da base I com a redacção sugerida no parecer da Câmara Corporativa. O Deputado A. Cancela de Abreu,.

O Sr. Presidente: - Em vista da decisão da Assemblea, retiro da discussão o projecto de lei do Sr. Dr. Alberto Cruz e passamos à terceira parte da ordem do dia - discussão da proposta de lei n.° 83, sobre a reforma do Ministério da Instrução.

O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: é com alvoroçado entusiasmo que subo a esta tribuna para dar o meu voto à proposta de lei n.º 83, em discussão.
A designação de Ministério da Educação Nacional envolve todo um sentido revolucionário e fecundo, pelo qual a instrução é enquadrada num plano mais alto de educação integral dos jovens que surgem para a vida.
Instruir sem educar não é objectivo que satisfaça, o por certo ninguém deixará de considerar os fins superiores do homem para além daquelas condições da vida de trunsitabilidade pelo mundo.
A velha frase de Vítor Hugo «abrir uma escola é fechar uma cadeia» só estará certa se se entender por escola o templo em que se educa. Se assim não for, se se atribuir à escola apenas a função de instrução, a frase célebre não passará da expressão aparatosa de um erro. (Apoiados).
Ë que a instrução é um instrumento a mais para o bom ou para o mal. - Cabe à educação, e só a ela, dirigir no sentido superior da elevação espiritual. Este objectivo torna-se ainda mais tremendo quando entre nós se está num período da história em que se pretende elevar o nível do País.
O Estado Novo português, a meu ver, em estado absorvido pela economia e pela técnica. Assim tinha de ser de facto, porque encontrou uma casa em ruínas.
Actualmente há que tocar na alma das gerações novas para que a consciência dos homens de amanhã seja aquilo que do vê ser, quando lhes puserem nas suas mãos lavadas os negócios da grei. É por isso. Sr. Presidente, que eu no relatório do projecto de lei que trouxe a nesta Câmara, dizia:

Leu.
O programa de estudo que propus união para o ensino secundário e que a Assemblea Nacional ofereceu à consideração do Governo, através da lei n.º 1:904, estava inteiramente compenetrado desse espírito, c nesse relatório dizia a propósito o seguinte:

Leu.
Eis porque, Sr. Presidente, é natural o meu entusiasmo ao votar a aprovação desta proposta de lei, e não pode ser estranho a esse entusiasmo o facto de ver o departamento do Estado por onde vai fazer-se a educação da. juventude entregue a professor ilustre, que saiu desta rasa e quo logo no seu discurso de posse, discurso notabilíssimo, que ficará na história do pensamento português, deu a medida da traça magnífica do seu espírito. Arai tomar a ofensiva da educação nacional, dizendo que os professores e educadores de boa têmpera devem alinhar no exército da idea, conjugando os seus esforços para que o carácter dos novos, por uma formação nacionalista e cristã', seja posto ao abrigo dos funestos estragos dos ventos de Moscovo.
Educação nacional afirma todo o sentido de formação integral dos portugueses de amanhã. Nesta hora perturbada e incerta, em que o mundo busca um novo equilíbrio, temos de sor fortes mediante a vitória do espírito. Essa geração assim formada será então a geração da vitória - que sucederá à nossa, com tanta razão chamada a geração do sacrifício, a geração do resgate.
Temos a nosso favor, para essa cruzada educacional, um elemento precioso: o fundo atávico da raça.
Fazer a política, do espírito é em Portugal, mais que em qualquer outro país do mundo, fazer autêntica política, nacional.
Salazar disse, numa das suas frases mais luminosas, que uma mentalidade nova fará ressurgir Portugal, e mais tarde, num belo discurso aos vanguardistas, preguntava: onde está a escola? Responde-lhe agora esta proposta: a escola vai tomar a ofensiva da edil-

Página 418

418 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

cação nacional, a escola vai criar a mentalidade nova que há-de assegurar o ressurgimento, a escola vai fazer homens, vai fazer portugueses.
A remodelação terá, porém, de ser completa.
Quanto ao ensino, esperamos que, pela regulamentação desta proposta de lei, será finalmente implantada a verdade dos programas.
Hoje, eles enunciam noções muito aparatosas, mas que antecipadamente se sabe não poderem atingir-se. Visa-se o ensino em latitude mais que em profundidade, pretende-se fazer de cada aluno um enciclopédico, e o exame é um descomunal, compêndio de conhecimentos não assimilados.
O professor deixa de ser o orientador para ser o fornecedor de ideas feitas de conceitos preestabelecidos cie que o aluno terá de ser armazém.
Os programas ficam por dar, e a falta de meros pormenores informativos determinarão o insucesso final.
Tenho pena de que esta proposta de lei, que visa a ser a carta orgânica da educação nacional, não consigne disposições relativas ao sistema de exames.
Julgo errado supor esta matéria simplesmente regulamentar. porquanto a considero nitidamente substancial.
Por iniciativa de um ilustre professor estabeleceu-se no ensino secundário um sistema de exames que foi a medida de mais vulto no elenco notável e a que com tanta verdade o actual Ministro, no seu magnífico discurso de posse, prestou homenagem, chamando-lhe revolucionário.
O actual sistema de exames representa já, a meu ver, uni passo notável no bom caminho, mas entendo que alguma cousa devia ficar consignada na parte substancial desta carta orgânica.
O exame chamado brilhante, que fez as delícias de auditórios numerosos, já hoje não tem lugar. Pretende-se, prefere-se o que o aluno, entregue a si mesmo, sem galerias, sem público fiel, sem júris espectaculosos, realiza perante questões concretas. Observa-se a sua adaptação através das provas escritas, sujeitas a julgamento objectivo. Nos casos de dúvida as contraprovas orais são ainda uma revivescência injustificável do velho sistema. Impõe-se, por isso, que, como aqui já foi proposto pela nossa colega Sr.ª D. Maria Guardiola, estas contraprovas sejam igualmente escritas.
Reputo fundamental, Sr. Presidente, para o êxito de qualquer reforma de ensino, que o actual sistema de exames do ensino secundário não só se mantenha, mas se aperfeiçoe na sua mecânica, que num ponto ou noutro Irai ainda o seu próprio espírito. A organização dos pontos de exame será a parte delicada e difícil, porque será o género das questões - tipo que terá de comandar toda a revolução no ensino.
Provas de formação e de adaptação, a substituir o velho sistema da pregunta e resposta e da tradição verbalística das tiradas de efeito!; Programas descongestionados, para que as lições possam ser bem assimiladas n para não se perder, a personalidade do aluno. Regime de estudo com horas livres, para que fique também um centro de vida, que também ensina quando não é forçado a decorrer dentro das quatro paredes da sala de uma aula! Dar ao aluno o gosto de aprender e não impor toda uma teoria de informação parasitária! E preciso que assim se areje o ensino, para que se crie o condicionalismo necessário para a educação completa dos homens.'
O Estado Novo não o será de facto se não conseguir implantar-se e triunfar neste campo.
Creio que nesta proposta de lei está integrado o verdadeiro sentido da solução.
Apoiados.
São estas, Sr. Presidente, as considerações que faço sobre a generalidade da proposta de lei, reservando-me para, na especialidade, apresentar algumas propostas de emenda.
Tenho dito.

O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Sr.ª D. Maria Guardiola: - Sr. Presidente: a proposta de lei que visa a reforma .dos serviços do Ministério da Instrução Pública diz que este passará a denominar-se Ministério da Educação Nacional.
Esta simples mudança de designação contém em si um vasto programa de realizações, de tam larga projecção no futuro que a sua não efectivação não só compromete o êxito da obra grandiosa já produzida nos vários sectores da vida- nacional, como vai mais longe ainda: ameaça mesmo subverter a própria nacionalidade.
Sr. Presidente: a obra empreendida da reforma moral, social, económica e política do País, mais do que a reforma exterior das nossas leis e dos nossos mecanismos económicos, exige uma renovação de energias espirituais, capazes de produzir um levantamento de consciências e corações a uma consolidação de vontades. «E de uma obra moral que se trata - disse um célebre escritor francês -, é a higiene dos espíritos que é preciso melhorar, é a esterilidade das almas que é preciso atingir, é um mal de opinião e uma crise de vontade que é indispensável curar; a acção das leis seria ineficaz se não fosse secundada pela perfeição moral dos costumes».
O Governo, pelo Ministério da Instrução Pública, enfrentando o problema com a elevação e magnitude com que o faz, prestigia-se e dignifica a Nação.
Não é que neste sector da vida nacional o Estado Novo não tenha produzido já obra notável. A obra prestigiosa do Ministro Sr. Dr. Cordeiro Ramos, em todos os graus de ensino, tem aqui lugar a. justa referência.
Mas o momento é outro, e, por isso mesmo, o problema é agora encarado sob um aspecto mais nacionalista, numa ampla visão de conjunto que abrange, em todos os graus de ensino, a formação integral da mocidade portuguesa - «o seu revigoramento físico, o aperfeiçoamento das suas faculdades intelectuais, a formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e. cívicas, orientadas aquelas pêlos princípios da doutrina e moral cristãs tradicionais do País».
A nova denominação - Ministério da Educação Nacional - é dinamizadora.

(Apoiados).

Formar homens e portugueses no mais alevantado e nobre sentido destas palavras, promover a unidade moral da Nação, o aperfeiçoamento dos costumes e a disciplina social, fazer ressurgir, em suma, a civilização cristã, que atravessa serene e intacta as fases da história portuguesa, colhendo dela ensinamentos para o futuro, é função da escola, que, por ser nacionalista nos seus fins, deverá sê-lo também nos seus meios e nos seus agentes. (Apoiados).
Neste espírito de que estão impregnadas todas as bases da proposta reside, a meu ver, a enorme importância desta, a sua incontestável superioridade sobre diplomas já publicados.
Mas prossigamos!
Concentram-se num só organismo - a Junta Nacional do Educação - todas as actividades orientadoras

Página 419

7 DE FEVEREIRO DE 1936 419

que andavam dispersas por vários organismos. Esta concentração traz, sem dúvida, vantagem para o rendimento dos serviços e facilita a realização da unidade de pensamento e acção que dirige a actividade construtiva e reformadora do Estado.
Leva-se a acção da Junta até aos espectáculos públicos, cujos serviços, com excepção dos problemas do trabalho, transitam, para este efeito, para o Ministério da Educação Nacional. Considero esta iniciativa de largo alcance. Os teatros, e os cinemas têm uma função educativa importantíssima, tanto sob o ponto de vista cultural como pela influência que exercem na orientação dos espíritos e na moralização dos costumes. Importa, por isso, defendê-los de toda a orientação deletéria, repondo-os na sua verdadeira função.

Apoiados.

Sr. Presidente: depois das considerações que acabo de produzir, só uns leves reparos, que me parecem justos.
Refere-se o primeiro aos cursos de organização corporativa a introduzir nas escolas de formação do pessoal docente e em todos os estabelecimentos de qualquer grau de ensino, com excepção do primário.
Entendo que esta iniciativa deveria restringir-se às escolas de formação do pessoal docente e aos cursos superiores. Nos liceus e nas escolas de ensino médio limitar-nos-íamos a fazer viver aos alunos, tanto quanto possível, o regime corporativo, por intermédio das suas organizações circum-escolares - associações escolares, cantinas, associações desportivas, etc. É uma formação que se pretende e não uma instrução. Mais ainda: só assim pode harmonizar-se com este princípio a doutrina da base IX, que manda rever os quadros das disciplinas e respectivos programas no sentido de uma maior concentração das primeiras e simplificação dos segundos.
Determina-se ainda, na proposta que em todo o País será adoptado um só livro de leitura em cada classe do ensino primário elementar, um só compêndio de História de Portugal em cada classe de qualquer estabelecimento oficial de todos os graus de ensino, com excepção do superior, e bem assim um fio compêndio de educação moral e cívica em relação com o respectivo grau de ensino.
Não me demorarei na apreciação deste princípio, claramente justificado na proposta e no parecer da Câmara Corporativa. Mas quero chamar a atenção de V. Ex.ªs para a vantagem que haveria se ele se adoptasse também no ensino da filosofia.
Para a orientação dos espíritos é tam importante a existência de um só livro de filosofia como a de um só livro de história ou de educação moral ou cívica.
Também deve estender-se aos estabelecimentos de ensino particular o princípio do livro único.
Contam-se por alguns milhares os alunos do ensino particular ou doméstico, e importa não abandonar a sua formação à acção dispersiva e anárquica de orientações dissolventes. O Estado tem a obrigação de marcar a mesma orientação nacionalista na formação de toda a mocidade estudiosa de Portugal.
Apoiados.
Srs. Deputados: no ano passado tive a honra de apresentar nesta Assemblea um projecto de reforma do texto constitucional, projecto que mereceu a aprovação de V. Ex.ªs e foi depois convertido em lei do País. Marcavam-se nele os princípios que deviam orientar a formação moral das novas gerações e verifico, com prazer, que são esses também os grandes princípios informadores desta proposta; Oxalá nós saibamos reacender a luz da fé na aluía das novas gerações!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente: não podia, confesso-o com franqueza, deixar passar esta proposta de lei, apresentada à nossa discussão, sem que, por um impulso muito espontâneo e muito natural da minha consciência, não me sentisse obrigado a vir à tribuna dizer algumas palavras sobre a mesma.
Creio que foi o Sr. Presidente do Conselho que disse um dia que alguma cousa de novo se passava em Portugal, e realmente isto que já é designado como um caso especial, o caso portuguez, traz-nos, sem dúvida, ao espírito a certeza de que uma grande revolução se operou e se está ainda operando na consciência nacional e ao nosso sentimento a satisfação de que um mundo melhor nós legaremos aos pósteros, muito melhor do que aquele que herdámos dos nossos antepassados.
Eduquei-me na escola doméstica, na escola melhor que eu conheço, naquela escola que a Constituição do Estado Novo quere manter, fortalecer, dignificar e honrar: a escola da família. Aí aprendi os princípios salutares da moral cristã e por eles tenho procurado regular-me na vida. Mas também entrei na escola, e, em lugar de ver nela, como deveria ver, o prolongamento da família na educação "do espírito do jovem, encontrei, não já aquela rebeldia constante e ostensiva que mais tarde se revelou, mas já a deletéria orientarão filosófica que se herdou do século passado. E tam grande foi esse peso, extraordinário de degenerescência moral, herdado do século XIX, que parecia que o mundo se transformava num verdadeiro inferno.
Todavia, quando surgiu a liberdade como um sol a iluminar o mundo e parecia que com ela se restaurava a dignidade do homem, quando se julgava que as tiranias tinham desaparecido por completo - a tirania do altar, a tirania do trono, a tirania do privilégio, as tiranias, emfim, que formaram o substancia, daquele período ominoso que a filosofia racionaliza chamava noite da Idade-Média, essa liberdade trouxe-nos, como espíritos prudentes previam, outras tiranias
e mais afrontosas ainda. A liberdade trouxe-nos a tirania do capitai, e o trabalho, que devia ser uma dignidade, passou a ser uma servidão. O capital, que devia exercer, a par da sua função de estimulador do progresso material, uma acção de regularizado!' dos princípios da justiça social, transformou-se na mais odiosa, perseguidora e vexatória das tiranias.
Do altar tirou-se Deus e colocou-se lá a Razão, e, quando em certa altura os mestres, os orientadores da mocidade, proclamavam que tinha, emfim, desaparecido por completo a necessidade de uma vida espiritual e de apelo à divindade, porque o triunfo da ciência era tam esmagador que tudo esclarecia e a pó reduzia o dogma; quando se afirmava ser a inteligência a dominadora, e das cadeiras da Sorbonne, depois da revolução de 1830, os mestres, os Latrones vários, proclamavam a ruína do Papado - surgia aquele lionês célebre, moço de dezoito anos, cuja figura me enternece pela vivacidade do seu espírito, pela nobreza, da sua conduta moral, pelo aprumo intelectual e alta dignidade do sou carácter inflexível, a investir com os preconceitos da época e a afirmar a supremacia do espírito sobre a fragilidade da matéria, e era coberto de sarcasmos dos filósofos cruéis, camaradas e professores que apenas lhe admiravam a audácia do alto do seu orgulho nacionalista. Suprema ironia das cousas!
Os filósofos foram-se, e do revoltado moço, que se chamava Ozanam, ficou perpétuo nome através dessa admirável instituição das Conferências de S. Vicente de Paulo, hoje espalhadas pelo mundo inteiro.
Lê-se na biografia desse moço lionês o que foi a acção heróica do seu pensamento superior, a afirmação de uma consciência de tal maneira pura que, formado

Página 420

420 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

em direito, em certa altura, ao ver-se: em contacto com as realidades e os interesses mesquinhos tios clientes, abandonou a carreira do foro.
Isto não quere dizer que na banca de advogado, como no consultório do médico, só nào possa exercer uma acção simpática c nobre, desde o momento que nos imponhamos aquela disciplina moral que nos permita reagir, com êxito, contra todas as solicitações perigosas.
Mas é curioso: a inteligência soberana, o conceito materialista da história, o mundo, afinal, visto apenas através do egoísmo mesquinho, tudo isso primava sobre as mais nobres aspirações do espírito.
A realidade concreta, objectiva, era o dinheiro amassado com o suor e até com o sangue do próximo.
Passam-se séculos, o parecia que a ciência tinha desvendado todos os segredos. Tudo era absolutamente dominado pela inteligência humana.
Mas o enigma permanecia de pé, rindo-se da inteligência orgulhosa.
Estabeleceu-se, no entanto, nos espíritos o preconceito do conflito entre a ciência e a religião.
Mas depois de se afirmar que a ciência era absolutamente incompatível com a religião, de tal forma que, nem podiam as duas marchar paralelamente, pois nunca se entenderiam, apesar de à ciência se apresentarem barreiras que nào pode ultrapassar, é feito em França, há bem poucos anos, um inquérito por iniciativa de Rohert de Flers. já morto, director, ao tempo, do jornal La Figaro sobre o falado conflito a que uma peca então em cena aludia. No inquérito tomam parte mais de oitenta membros da Academia, pertencentes às secções de ciências matemáticas e físico-químicas, e ao interessante questionário respondem esses altos espíritos que o tal conflito nào passava de um anacronismo ridículo.
Reparem agora V. Exªs nesta coincidência: um pensador alemão, Max Scheller, ainda nào há muito citado num parecer da Câmara Corporativa a um projecto de lei da nossa ilustre colega Sr.ª D. Maria Guardiola, afirmava, a respeito do desdém que merecem os problemas religiosos e da pretensa o de que a ciência tudo resolve: - «Dia virá em que só os negros da Austrália prestarão fé a semelhantes incongruências».
E hoje no mundo é já outro o pensamento.
Na verdade verificamos e estamos assistindo a uma constante renovação espiritual. O racionalismo fez perder o sentido das cousas.
Cultivámos demasiadamente a inteligência.
A inteligência dominava tudo. Afinal cria-se cegamente na inteligência e repudiava-se a alma.
Tudo matéria, mas afinal nào dissecava a inteligência no corpo humano. O argumento só servia para a alma.
Um médico faz um exame anatómico e não encontra a alma. O mesmo acontece com a inteligência, que perde todo o seu fulgor, por mais brilhante que tenha sido, desde que a vida se extingue.
Mas na inteligência crê-se.
Cultivou-se então a inteligência e abandonou-se o carácter.
Tratou-se do indivíduo e esqueceu-se a pessoa humana, a molécula social.
Ora a proposta do Sr. Dr. Carneiro Pacheco vem reintegrar o homem, pela educação na escola, na sua função de componente do organismo social.
Sr. Presidente: esta proposta que apresentou à Assembléa o Sr. Carneiro Pacheco, um dos mais distintos ornamentos desta casa, professor ilustre e espírito brilhante, tem a vantagem de afirmar desassombradamente uma posição do Estado Novo, no sector da instrução pública, esboçada inteligentemente nas reformas do Sr. Dr. Gustavo Cordeiro liamos, mas agora apresentada com o carácter de delineamento de um plano, de forma a transformar o espírito da mocidade portuguesa e a criar uma mentalidade nacionalista.
Esta proposta aparece na ocasião oportuna, como necessidade imperiosa.
Pois então não assistimos já a, uma tremenda revolução financeira, em que dos deficits passámos a saldos positivos, tam crónicos, como antes os déficits, de que parece já haver saudades?! . . .
!Sim as críticas aos saldos das contas públicas parecem denotar a nostalgia dos deficits! Será possível?
?Não assistimos nós a uma grande transformação económica, dentro da organização corporativa e de um plano extraordinário de realizações próximas?
Há moralidade na administração publica, ordem nus ruas, economia e prudência nas iniciativas, bom conceito dentro e fora do País. O que falta? A revolução na escola, e essa é a que se propõe fazer o Sr Ministro da Instrução.
Era preciso acabar com a moral laica. Moral laica!
Eu não compreendo o que seja uma moral sem Deus. A rebeldia contra a moral crista era um acto louvável. Sem Deus nem religião, dizia-se.
E dessa mentalidade se ressente ainda a escola.
Adentro do Estado Novo ainda há abusos dessa ordem.
Ainda há poucos dias me contavam que um professor, quando um aluno lia uni trecho em que se falava do céu, disse zombeteiramente e com ar superior:
«Céu! Isso é cousa que não existe senão na mente dos padres». ?Que ficaria pensando o aluno do que certamente lhe ensinaram os pais?
A colocação do cruxifico nas escolas é, pois, conveniente. O aluno verá sempre presente o símbolo da religião que no lar lhe é ministrada.
Não venha, porém, a servir de pretexto aos degenerados que se comprazem em deformar o espírito dos alunos, para desvirtuar o seu magnífico significado.
Mas, dizia eu: há necessidade absoluta de formar o carácter do jovem e dar à educação um papel primacial a que a escola não estava habituada.,
Ê preciso instruir? Sem dúvida. Mas acima de instruir é preciso educar.
O ano passado, a Revue des Denx Mondes, festejando o centésimo quarto ano da sua publicação (ocasião em que costuma fazer uma grande festa, presidida sempre por uma figura notável do país), Pétain, o grande general francês, que presidia, proferiu estas palavras:
«Falta à França um verdadeiro sistema de educação nacional. O nosso sistema pedagógico de agora tem um só objectivo: desenvolver o indivíduo como fim em si próprio. E eis que membros do pessoal docente abertamente se declaram empenhados na destruição do Estado e da sociedade. São estes os mestres que educam os nossos filhos na ignorância ou no desprezo da Pátria».
Também não há muito tempo, numa conferência feita na Escola Central dos Oficiais, o Sr. general João de Almeida, ilustre militar português, dizia:
«Mais do que formar indivíduos instruídos, compete ao Estado preparar portugueses integrados nos objectivos nacionais por ser indispensável que o português, uma vez formado, pense e actue dentro do mesmo ritmo nacional».
Ora estas aspirações são as de todos os que têm a consciência do dever social.
E, por muito que se queira e deva cultivar a inteligência, lia sempre uma maior necessidade: cultivar o criar o carácter.
Sem dúvida nenhuma, que me deslumbram as criações do espírito humano, mas enternecem-se e como-

Página 421

7 DE FEVEREIRO DE 1936 421

vem-me os nobres actos de isenção moral e de domínio das paixões.
Ë o triunfo do carácter sobre a inteligência.
O verdadeiro herói, aquele a que a minha consciência rende maior culto e coloca num verdadeiro altar, é aquele que, sem ser o herói das batalhas, que vence o adversário à custa do sangue derramado, conseguiu vencer o pior inimigo que tem a seu lado constantemente: as suas paixões, os seus egoísmos. O tripúdio que essas paixões podem exercer sobre o carácter só a vigilância constante o pode inutilizar. E ninguém o pode fazer melhor do que aqueles que têm uma boa formação moral desde pequenos.
Sr. Presidente: o assunto é muito grato ao meu espírito e tem para mim um grande interesse. Considero que este problema da instrução, visto fora do quadro da educação, como já aqui se disse, é um problema absolutamente deslocado. Disse-o já o Sr. Dr. Marques de Carvalho, e muito bem: a instrução é um meio, não pode nunca ser um fim.
Um homem instruído, tanto pode ser um santo como um perverso. Nesse agiológio tristíssimo da vida criminal, ?quantos homens de inteligência brilhante e de grande cultura até aparecem a ilustrá-lo tam desgraçadamente?
Se porventura a instrução fosse realmente o fim, e de todo o homem instruído se pudesse esperar unia acção digna e nobre, estava bem.
Não é assim porém. Os factos bem o demonstram.
Ministério da Educação Nacional se passa a chamar pela proposta o Ministério da Instrução Pública. E muito bem. Essa aparentemente insignificante alteração tem uma importância capital.
É preciso educar. A educação é o fim. A instrução o meio.
Há um outro ponto que já aqui foi focado pela Sr.ª D. Maria Guardiola.
É o que diz respeito à encorporação dos espectáculos públicos, do cinema e teatro, no Ministério da Educação.
Muito bem. Estão essas manifestações de arte no plano educativo que o Governo se propõe estabelecer.
Vemos, Sr. Presidente, a cada passo, que no écran correm fitas que têm a aboná-las a credencial com o clássico... "Visado pela Comissão de Censura".
E é claro. Os que confiam demasiadamente no escrúpulo e no cuidado dessas avistas" confiam também os ^seus ao escrúpulo dos censores e assistem ao espectáculo, presumindo que os isentam de contaminações perigosas.
Puro erro!
(Quantas desgraças, quantas perturbações gravíssimas na vida das famílias por vezes!
!E como aí se encontra, em vez de uma fonte de educação dos jovens, ama escola de perversão!
Passemos agora a outro assunto.
Eu sou leigo em matéria de pedagogia, mas tenho prometido a mim mesmo fazer-me um pouco doutor nossa ciência, e estou convencido de que com um bocadinho de esforço ainda um dia saberei alguma cousa de ciência pedagógica.
Já o ano passado, a propósito do projecto do Sr. Marques de Carvalho, meti a foice nessa seara alheia...
E reincido agora.
Quero referir-me ao sistema de ensino nos liceus, ao antigo ensino por disciplinas e ao ensino por classes actualmente adoptado. Na verdade tenho à vista a prova do que afirmo.
Quando aqui o ano passado fiz a apologia do antigo sistema de ensino, caiu sobre a minha humilde pessoa a ciência pedagógica, nesta Assemblea tam bem representada.
O ensino por disciplinas é uma heresia.
Da esquerda (bem entendido... é claro) surgiu o Sr. Dr. Moreira de Almeida, distinto professor e diz: - Horrorosa idea essa; o sistema das disciplinas está banido por completo. O regime melhor é o das classes.
E logo da direita vem a oposição da Sr.ª D. Maria Guardiola, nossa muito ilustre colega, exclamando: - De modo nenhum, que horror! O ensino por disciplinas? Isso fez a sua época!
Mas a verdade é que no regime das disciplinas se instruíram homens notáveis nas letras, nas artes, nas ciências, que ilustraram o século XIX. É não vejo que os do século XX os ultrapassem ou mesmo igualem em certos sectores de inteligência.
Depois a congestão dos programas, o volume do matérias a estudar no regime de classes é simplesmente detestável e torna ineficiente o trabalho, com risco da saúde do aluno e sem o preparar convenientemente para a vida.
Num interessante livro intitulado Educação da Vontade, de Jules Payot, leio o seguinte, a propósito da aglomeração de matérias no ensino secundário:
a Os programas secundários parecem destinados a fazer do todo o aluno um disperso.
Obrigam estes infelizes adolescentes a conhecer superficialmente tudo e não lhes permitem penetrar qualquer cousa a fundo, pela variedade da matéria a absorver".
Mas há uma outra passagem muito mais interessante, que vou ler... Essa passagem é interessante até pelo relevo literário de que se reveste:
"Caminha! Caminha! Novo judeu errante, hás-de andar sem parar, hás-de atravessar as matemáticas, a física, a química, a zoologia, a botânica, a geologia, a história do todos os povos, u geografia das cinco partes do mundo, duas línguas vivas, muitas literaturas, a psicologia, a lógica, a moral, a metafísica, a história dos sistemas...
Caminha! !Caminha para a mediocridade o levando liceu ou do colégio o hábito de tudo estudar superficialmente, de tudo julgar pelas aparências!".
O Sr. Moreira de Almeida (interrompendo)'.- ?Mas V. Ex.ª tem a veleidade do supor que ura aluno do ensino secundário possa profundar qualquer assunto?
O Orador: - Eu respondo a V. Ex.ª ...
No meu tempo de estudante do liceu e com o regime de disciplinas tinha, no 1.° ano, salvo erro, apenas: português, francos e geografia; três disciplinas. Pois chegava ao 2.° ano o tinha os materiais necessários para poder continuar o meu curso e com esses materiais ficava unicamente, para a vida prática ou para seguir um curso. Ficávamos a saber fazer uma redacção na nossa língua e a conhecer razoavelmente o francês.
Hoje há bacharelatos ou formaturas em francês; mas se se dita a um bacharel desses um pequeno trecho, o bacharel não dá conta do recado. Presumo que isso é devido à dispersão de que fala Payot; à apregoada superioridade do regime do classes...
Se em vez de o menino estudar português, francês, zoologia, botânica, geologia, etc., estudasse só três disciplinas em cada ano, ?não profundaria mais os conhecimentos nessas matérias?
A observação é pelo menos lógica. Se os resultados do sistema que há perto de meio século não tem passado de ensaios tivessem sido outros, calar-me-ia. Mas os resultados estão à vista.
O Sr. Moreira de Almeida (interrompendo): Não rendia nada mais e posso documentar a rainha afirmativa noutra ocasião.

Página 422

422 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

O Orador: - Pois em abono da minha afirmativa cito novamente a interessante passagem do Payot que há pouco li.
Como previa e anunciei, manifestou-se já o sector da esquerda e saiu a terreiro o Sr. Dr. Moreira de Almeida.

O Sr. Moreira de Almeida (interrompendo): - - Da esquerda alfabética ...

O Orador: - Felizmente, para V. Ex.ª, para mim e para o País.
O problema começa a preocupar também o próprio país onde fomos buscar a reforma secundária vigente e creio não infringir a verdade afirmando que ali sofrerá modificações.
Não tenho, devo reconhecê-lo, a preparação necessária, nem os elementos indispensáveis para poder tratar a fundo do assunto, mas o que posso afirmar é que será muito difícil a um rapaz, que tom a sua atenção dispersa por vários assuntos, ou, melhor, por várias disciplinas, como sejam o francês, o inglês, a física, a química, a matemática, etc., poder colher bom aproveitamento e dar no cérebro a conveniente arrumação a tanta matéria. De tudo aquilo lhe resulta uma grande confusão. O rapaz chega a certa altura e tem a cabeça desfeita com tanta ciência. Confunde tudo.
Também poderia citar a autoridade do Sr. Dr. Serras e Silva.
Creio que foi S. Ex.ª que, a propósito desta acumulação de matérias no ensino secundário, contou que um estrangeiro, elucidado sobre a vastidão dos programas, resolveu não mandar educar os filhos em Portugal, onde residia, porque Cios n3o teriam tempo para pensar.
O tempo na verdade mal chega aos alunos para ler, o à pressa, as lições.
Sr. Presidente: vou rematar as minhas considerações, pedindo a V. Ex.ª e a todos os Srs. Deputados que me perdoem o abuso que fiz da sua paciência e da sua atenção.

Não apoiados.

O caso linha, realmente, interesso e daria para muito mais largas divagações. Não as farei. Mesmo a hora vai muito adiantada.
O que eu posso afirmar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e posso afirmar à Assemblea é que esta proposta de lei que estamos a discutir me satisfez inteiramente. Sinto, na verdade, que com ela uma transformação grande se vai operar no carácter português e que o ensino passará a ter uma grande eficiência e será organizado dentro do espírito nacionalista do Estado Novo, do modo a poder garantir no futuro, à mocidade portuguesa, uma actuação mais consciente, mais honesta, mais sã, mais digna, realizando-se em fim a reintegração de Portugal na tradição cristã e afastando da escola a chaga do laicismo, osso irreligiosismo oficial que o manto diáfano da fantasia, como diria o Eça, duma neutralidade sedutora não consegue cobrir, tam nua e tam crua é a verdade do conceito revolucionário que a fórmula encerra.
A essa neutralidade do Estado chamou já Viviani, num momento do franqueza, puro eufemismo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Como a hora vai já bastante adiantada, este debate continuará na sessão de amanhã e constituirá a respectiva ordem do dia.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O REDACTOR - Manuel Anselmo.

Texto aprovado pela Comissão de última redacção

Sobre a alteração do regulamento de navegação aérea
Artigo único. É alterado o regulamento de navegação aérea, aprovado pelo decreto n.° 20:062, nos termos seguintes:
a) O § único do artigo 9.º terá esta redacção:
§ único. São consideradas de utilidade pública, ouvidos o estado maior do exército, o Conselho Nacional do Ar e o Conselho Nacional do Turismo, as expropriações necessárias para a instalação dos aeródromos a que se refere este artigo, e bem assim para todos e' quaisquer aeródromos que, pela sua situação geográfica, convenham aos altos interesses nacionais.
b) Ao artigo 13.° acrescentar-se-ão estes parágrafos:
§ 1.° O Conselho Nacional do Ar dará, no prazo máximo de sessenta dias, solução a todos os pedidos que, sobre a instalação de aeródromos, lhe sejam dirigidos.
§ 2.° Os corpos administrativos ficam isentos do pagamento de sisa ou imposto sobre sucessões e doações pela aquisição de prédios destinados à construção de aeródromos e bem assim de contribuição predial devida pêlos imóveis, rústicos ou urbanos, que constituírem o conjunto da instalação.
§ 3.° Todas e quaisquer entidades que, beneficiando do que estabelecem os parágrafos anterior e, único do artigo 9.°, desejarem instalar um aeródromo obrigar-se-ão a fazer as obras de adaptação no prazo que for fixado pelo Conselho Nacional do Ar, coutado a partir da data da posse dos terrenos, e a mantê-lo em condições de utilização, salva dispensa expressa do Estado.

Mário de Figueiredo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Joaquim Diniz da Fonseca.
João Augusto das Neves.
José Cabral.

Página 423

7 DE FEVEREIRO DE 1936 423

CÂMARA CORPORATIVA

Parecer sobre o projecto de lei n.° 81
A Câmara Corporativa, consultada sobre o projecto de lei n.º 81, da iniciativa do Deputado Sr. Dr. José António Marques, emite, pelas secções l.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 20.ª, e ouvido o representante do Sr. Ministro da Agricultura (§ 2.° do artigo 5.° do Regimento da Câmara Corporativa), o seguinte parecer:
O projecto de lei n.° 81 pretende modificar o § único do artigo 5.° do decreto n.° 13:658, de 23 de Maio de 1927, referente à plantação de eucaliptos.
A introdução desta árvore florestal na Europa data dos meados do século findo e em Portugal, principalmente, da publicação de um opúsculo do erudito lavrador do norte José Duarte de Oliveira, feita em 1870, com o título de Breve notícia sobre o eucalipto Globulus.
Ê provável que sejam anteriores o exemplar existente na Quinta do Lumiar, dos duques de Palmeia, a bordadura das propriedades de Carlos Eugênio de Almeida, em Évora, e, em Castelo de Vide, nas propriedades da família Lecoq.
O exemplar do Jardim Botânico de Coimbra é de 1876.
Mas estes casos não tinham a importância económica que na nossa flora florestal estava reservada ao eucalipto.
A mais importante plantação, já com carácter industrial, é a que o súbdito inglês W. Tait fez próximo de Abrantes, a que se seguiram outras.
Apesar de se conhecerem mais de quatrocentas variedades de eucaliptos, foi a Globulus que, pelo seu rápido crescimento, maior rusticidade e fácil adaptação ao solo e clima português, mais se propagou.
Pode mesmo afirmar-se que a única espécie de exploração florestal, até hoje, é a Globulus.
Antes de entrar na análise do projecto de lei n.° 81 é interessante fazer rápida enumeração das principais vantagens da Globulus sobre outras espécies florestais já existentes entre nós: rápido crescimento, nem de longe comparável ao de outras espécies; função melhoradora dos terrenos encharcados; emprego da sua madeira na construção e marcenaria quando abatidos e serrados os eucaliptos em época própria e submetidos a immersão prolongada em água corrente; sua função apícola; seu alto valor industrial como combustível e no fabrico de pasta de papel,.
Sob o ponto de vista de saneamento das regiões palustres dividem-se hoje as opiniões, e aos médicos higienistas compete a decisão definitiva.
É certo que não está confirmada a esperança na eficácia das emanações dos eucaliptos para destruir os mosquitos propagadores de febres palustres, que de começo se alimentara; mas é inegável que, pela sua assombrosa propriedade de absorpção das águas estagnadas e pela enorme evaporação das suas folhas, os eucaliptos são o melhor meio para o saneamento desses focos doentios,
A sua madeira tem já hoje variadas aplicações e mais virá a possuir quando for possível obstar ao seu maior defeito - o torcimento -, devido à disposição especial das suas fibras.
Para mobiliário tem um pulido semelhante ao do castanho.
No campo apícola, tam abandonado entre nós, mas que já teve e poderá vir a ter importante papel económico, a associação de eucaliptos de diversas espécies, fornecendo flores durante todo o ano, marca-lhes lugar notável na alimentação das abelhas; assim é que em S. Paulo só quatro espécies diferentes florescem sucessivamente nas diversas estações. As outras espécies florestais das nossas inatas, pinheiros e carvalhos, não têm para a apicultura valor de longe comparável.
Ainda outra superioridade tom os eucaliptos sobre algumas espécies usualmente empregadas no revestimento de dunas e montanhas: é a de rebentar de touca; os cepos, quando as árvores se cortam convenientemente, dão nascimento a troncos, que, na opinião geral, são de madeira superior à primitiva.
Não se pode deixar de frisar, o valor do eucalipto como combustível.
Segundo a análise do professor Lepierre o eucalipto produz 4:353 calorias e o pinheiro somente 3:200 calorias: l quilograma de lenha de eucalipto corresponde a 550 gramas de hulha.
Num país como o nosso, importador em larga escala de diversos combustíveis, a aplicação da lenha ou madeira de eucalipto em recipientes apropriados para usos domésticos e até, talvez, no automobilismo dá-lhe um valor importantíssimo. Esse valor é confirmado por uni facto característico o curioso. Addis-Abeba. capital da Abissínia, hoje tam conhecida em todo o mundo, muito deve ao eucalipto. Antes de Menelik a capital deslocava-se de região em região. O consumo de lenha para a comitiva do Negus, sua escolta, funcionários, famílias, escravos, etc., fazia grande desbaste nas florestas circunvizinhas e derrotava-as por completo. A falta de lenha forçava a deslocamentos sucessivos da capital. Aquele poderoso e inteligente reinante mandou fazer em volta de Addis-Abeba extensas plantações de eucaliptos, e, como depois nunca mais escasseassem as lenhas, aí se fixou a capital, até então errante.
Nos Estados Unidos da América do Norte paga-se mais cara a lenha de eucalipto.
É justo dizer que, de começo, as plantações de eucaliptos se fizeram de forma bastante censurável. Bordaram-se estradas e taludes de vias férreas de eucaliptos que bem podiam embaraçar o trânsito; plantaram-se nas extremas de propriedades, junto de edifícios, em jardins, e até não faltou a barbaridade de infestar a bela mata do Buçaco de uma árvore de alto valor comercial, mas de negativo valor estético, e com prejuízo da natural beleza daquele notável maciço.

Página 424

424 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

É frequente referir os defeitos inerentes à plantação do eucaliptos. E o primeiro de todos é este: prejudicam os terrenos vizinhos.
Convém especificar a situação dos eucaliptos conforme os locais.
Os eucaliptos, como todas as árvores de grande porte, têm necessidade de emitir raízes profundas, quer para resistir à acção dos ventos, quer para procurar águas nas camadas inferiores; só lançam raízes superficiais quando os subsolos são de tal modo compactos que as suas fortes raízes os não podem romper ou quando à superfície há grandes toalhas do água. Num ou noutro caso esses terrenos só darão produtos precários e de valor muito inferior ao eucalipto. Nos outros casos, pela profundidade a que descem as raízes, pequeno prejuízo podem dar às culturas cerealíferas que vegetam em camadas superficiais não utilizadas pelos eucaliptos. Se é certo que eles não permitem a associação de outras árvores, é também inegável que a certa distância não as prejudicam mais do que um carvalhal, um pinhal, um sobreiral ou um azinhal.
Acusam ainda os eucaliptos de péssima vizinhança de minas, poços, encanamentos, etc.
Transcreve-se a este propósito a autorizada opinião do venerando lavrador e ilustre escritor Dr. Jaime de Magalhãis Lima:
"?Secarão os eucaliptos as fontes, segundo muitos eivem? Desconfio, (lanharam esta fama e provavelmente continuarão a sofrê-la só os que têm minas e canalizações debaixo das raízes dos eucaliptos as não limparem assiduamente. As raízes dos eucaliptos, no seu rápido desenvolvimento, depressa obstruirão completamente essas minas e canalizações, transviando-lhes e sumindo-lhes as á "ruas. Se, porém, houver os necessários cuidados de limpeza, creio que tal não acontecerá, pois sobre este quesito posso dar testemunho de que, tendo há quarenta anos um maciço colossal de eucaliptos sobre uma nascente, nunca esta deu sinal de enfraquecimento. è hoje a que sempre foi."
(Dr. Jaime de Magalhãis Lima, Eucaliptos e Acácias, p. L16).
Entremos na análise do projecto de lei n.° 81.
Pretende esse projecto de lei, como se disse, modificar o § único do artigo f).° do citado decreto n.º 13:608.
Convém observar que algumas disposições deste decreto foram modificadas pelos decretos n.° 15:020, de 11 de Fevereiro de 1928, n.° 16:953, de 13 de Junho de 1929, n.º 19:072, de 27 de Novembro de 1930, e n.º 19:636, de 23 de Abril de 1931.
Destas sucessivas modificações resulta a urgente necessidade de publicar novo diploma que actualize a nossa legislação florestal. Neste diploma introduzir-se--ão as modificações sugeridas pelas associações agrícolas, mas devidamente ponderadas pela estação competente, que, certamente, atenderá ao bem comum, sem se preocupar com quaisquer interesses particulares com ele incompatíveis.
O citado § único do artigo 5.° do decreto n.° 13:658 já foi modificado, como se disse, pelo decreto n.° 19:072, que elevou a um ano o prazo para as reclamações contra as plantações de eucaliptos (artigo 2.°).

QUANTO À BASE I:

Esta base tem por fim alargar de 20 metros para 50 metros a distância a que serão permitidas as plantações de eucaliptos já existentes e futuras.
Afigura-se mais consentânea com o interesse colectivo a doutrina do citado decreto n.° 13:658, § único do artigo 5.°
É fácil fazer a demonstração. Uma superfície de 50 metros em torno de um maciço eucaliptal, por pequeno que seja, terá o comprimento de 1:000 metros, que não é demais, pois para as quatro extremas daria 250 metros para cada uma. Seriam assim 5 hectares de mata sacrificados aos prejuízos possíveis na área de ensombramento das culturas vizinhas, ?Não seria a riqueza colectiva prejudicada? Parece não poder haver hesitação na resposta.
A lei francesa, que parece ainda estar em vigor, fixa em 2 metros a distância da plantação de árvores que atingirem a altura de 2 metros, e em 0,50 metros a distância da plantação das outras; quando houver muros é permitida a plantação de árvores nas extremas se não ultrapassarem a altura deles.
Até pode haver árvores de maior porte, se forem cortadas àquela altura.
Dispõe ainda a lei francesa que todos aqueles espaços podem ser reduzidos se houver contrato escrito entre os confinantes.
E não se esqueça que em França se consideram com especial carinho as culturas florestais.
Nas regiões de propriedades de pequena área a faixa de derrubamento de 50 metros por todos os lados seria a destruição de muitos maciços florestais que já hoje exercem notável função económica. No distrito de Aveiro são os pequenos maciços que fornecem anualmente à Fábrica do Caima muitos milhares de eucaliptos para pasta de papel.
Esta aplicação é de largo futuro pelo aproveitamento, mesmo nas grandes matas, dos desperdícios dos derrubamentos e serrações, quando o transporte para longe não for económico por os desperdícios não terem venda como combustível local.
Convém também não esquecer que a exportação de pasta de papel, em que o eucalipto entra na maior parte, atingiu no ano de 1935 o número de "3:932 toneladas, com o valor aduaneiro de 3:109 contos. Sem o eucalipto não somente aquela exportação deminuiria sensivelmente, mas ainda deixariam de alimentar-se de pasta nacional as nossas fábricas de papel, ê, portanto, aumentaria com certeza a importação de papel estrangeiro.
(Boletim Mensal de Estatistica, Dezembro, 1935).

Nestes termos parece à Câmara Corporativa que o primitivo limite de 20 metros é suficiente para defesa dos confinantes. Não existe necessidade de alterar o limite estabelecido.

QUANTO À BASE II:

Não parece defensável a doutrina desta base.
Há direitos adquiridos sob o domínio das leis vigentes u data das plantações, direitos que não é justo violar. A retroactividade das leis só é justificada se o bem comum a impõe.
Além disso a coacção estender-se-á a todas as árvores não frutíferas, o que não se justifica, pois, se é geralmente aceite que Portugal é, mais do que um país essencialmente agrícola, um país primordialmente silvícola, as culturas florestais, de preferência a todas, as outras, devem ser acauteladas e defendidas.
A orografia tam acidentada de quási todo o continente manifestamente impõe esta defesa. São muitos os benefícios da floresta. O revestimento das encostas conduz à regularização das correntes de água, ao desassoreamento dos seus leitos e dos portos de mar; tem efeito salutar na modificação da secura do clima, mormente nas regiões internas; aumenta a riqueza pública pela multiplicidade dos seus produtos directos e sub-produtos industriais. E não deve esquecer-se a influência que a floresta tem sobre o turismo e a sua eficácia na defesa

Página 425

7 DE FEVEREIRO DE 1936 425

militar, que a Grande Guerra definitivamente demonstrou.
Ainda, se deve atender à influência das inatas na regularização dos caudais pela mais útil captação da hulha branca e consequente electrificação rural.
Há também nesta base uma disposição indefensável. Não são os confinantes que julgam dos malefícios ou benefícios da proximidade das árvores; são entidades estranhas, as câmaras municipais, que se arrogariam esse julgamento.
Casos lia em que a proximidade das árvores pode até ser útil aos confinantes pelo abrigo fornecido às suas culturas.
Dentro de semelhante critério, seriam proibidas as altas edificações, os muros, os olivais, sobreirais, etc., e até os pomares de alto porte.
É possível ter havido exagero nas plantações de eucaliptos isolados, que seria justo remediar. Mas estas averiguações devem cair exclusivamente sob a alçada da entidade competente - a Direcção Florestal - quando reclamadas pêlos lesados. Se as árvores isoladas estiverem ao abrigo de leis anteriores, o seu arranque deveria ser imposto, mas com indemnização do seu proprietário. Estas resoluções e avaliações devem competir somente à entidade oficial acima indicada. Se tiver havido infracção do decreto n.° 13:658, o § único do artigo 5.º indica as penalidades aplicáveis.
Também seria de aconselhar que o Estado substituísse gradualmente os eucaliptos na bordadura das estradas, pelo prejuízo causado no leito das mesmas e aos próprios vizinhos, por outras árvores que melhor sombra dessem aos viandantes.
Igualmente as companhias de caminhos de ferro deviam proceder para com os eucaliptos dos taludes e aterros, que podem dar causa a graves sinistros pela sua queda ou deslocação das travessas e carris.
Estas sugestões devem ser consideradas em futura legislação.

QUANTO À BASE III:

Esta base oferece motivo para maiores reparos.
Há em Portugal uma estação especial, única, a que devem estar sujeitas as árvores silvícolas: é a Direcção Geral dos Serviços Florestais.
Da interferência de qualquer outra entidade em tal matéria resultaria grande perturbação, prejudicialíssima aos serviços a seu cargo.
Se acaso se convertesse em lei a doutrina desta base, cairia sobre toda a terra portuguesa, já bastante onerada com encargos de toda a espécie, uma rede de multas a que ninguém escaparia, com justiça ou sem ela.
Dir-se-á que a Direcção Geral dos Serviços Florestais não pôde tornar efectiva a doutrina, do artigo e parágrafo que se pretende modificar, mas resta sabor porquê. Não é por falta de zelo. A reduzida classe dos silvicultores portugueses é digna de melhor conceito. Tradicionalmente todos os silvicultores oficiais são zelosos, cumpridores, rigorosos no desempenho dos seus deveres, dedicados em extremo pêlos serviços a seu cargo. A obra realizada por eles, desconhecida do grande público, é das mais notáveis do funcionalismo oficial, Reduzidos os seus quadros, minguadas as suas verbas orçamentais, mesmo assim, nas dunas e montanhas, têm realizado unia obra que merece o respeito e admiração de quem conhece a sua atribulada vida. Transferir para outrem funções que só a eles devem ser atribuídas é um atentado contra a classe de um operoso sector da nossa administração pública, o que seria injusto para eles e prejudicial para a agricultura nacional.
Não tem a, Direcção Geral dos Serviços Florestais podido efectivar as disposições constantes da legislação em vigor, simplesmente por não ter suficiente pessoal.
Seria útil expor, se não fosse demasiado extenso, o que a França e a Itália têm feito. Ambos estes países deram ao seu corpo de silvicultores os meios de acção necessários para bem desempenharem a sua benéfica missão.
Isto não envolve censura. É sincera exposição de factos. Oxalá os interesses reais do País neste importante sector sejam devidamente atendidos. Não faltam modelos no que outros povos europeus têm feito.
Pela perturbação que causaria aos serviços florestais e à vida agrícola do País parece à Câmara Corporativa que não deve ser aprovada a base III.
Nestes termos, parece à Câmara Corporativa, pelas secções 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 20.ª:

1.º Que as bases I, II e III do projecto de lei n.º 81 não devem ser aprovadas;

2.° Que os casos isolados de efectuadas plantações de eucaliptos não justificam, perante os interesses da economia nacional, a sua resolução por um diploma de urgência a eles restrito;

3.º Que todas as considerações requerem a publicação urgente; da reforma das leis e serviços florestais, que, estabelecendo em bases seguras a organização geral da economia florestal, resolverá naturalmente o delicado problema a que, no mais louvável intuito, pretendeu encontrar solução o autor do projecto de lei n.° 81.

Sala da Câmara Corporativa, 5 de Fevereiro de 1936.

Abel de Andrade, servindo de presidente.
Afonso de Mola).
José- Rino Fróis.
Manual de Espregneira e Oliveira.
Alfredo Dias Pires.
José Rosado da Fonseca.
Armando Pereira do Amaral.
José Alfredo Monias Sardinhas.
Mário Augusto de Lemos Mendonça.
Albano de Sousa.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
António de Castro Fernandes.
António Pereira Caetano de Morais.
CJ c meneia Dupin de Seabra.
Júlio de Melo e Matos (relator).

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 426

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×