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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104
ANO DE 1937 16 DE JANEIRO
SESSÃO N.º 102 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 15 de Janeiro
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira,
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente declarou estar na Mesa uma proposta do Governo para serem ratificados os decretos n.ºs 27:478 e 87:479 e que fora retirado o decreto n.º 27:424, que tinha sido enviado à Mesa para ratificação.
Foi negada autorização ao Sr. Deputado Nobre Guedes para depor como testemunha num processo, ficando para resolver a que se refere ao Sr. Deputado Teixeira de Abreu e sendo concedida autorização ao Sr. Deputado Pinheiro Tôrres.
O Sr. Deputado Diniz da Fonseca mandou para a Mesa um aviso prévio.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na generalidade, da proposta de lei sobre hidráulica agrícola, tendo usado da palavra os Sr s. Deputados Araújo Correia e Querubim Guimarãis.
Entrando-se na discussão, na especialidade, usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Mário de Figueiredo, Melo Machado, Cunha Gonçalves, Águedo de Oliveira, Almeida Garrett e Albino dos Reis, fazendo-se a votação sobre as bases I, II, III, IV e V.
A sessão foi encerrada às 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 63.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 6.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 6.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Correia de. Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Pedro Pinto Mesquita Carvalho Magalhãis.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Leal Lobo da Costa.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto. Francisco José Nobre Quedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Saüdade e Silva.
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Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
João Augusto das Neves.
José Pereira dos Santos Cabral.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Angelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
Fernando Teixeira de Abreu.
Manuel Fratel.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra para apresentar qualquer reclamação sobre o Diário, pode pedi-la.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra sobre o Diário, considero-o aprovado. Vai ler-se o
Expediente
Ofício do 1.º juízo criminal de Lisboa pedindo autorização para o Sr. Deputado Francisco José Nobre Guedes ali ir depor num processo no dia 22 de Janeiro.
Ofício do Ministério da Justiça solicitando a comparência, no 1.º juízo criminal da comarca do Porto, do Sr. Deputado Alberto Pinheiro Tôrres, com o fim de depor num processo no dia 1 de Fevereiro próximo.
Ofício do 10.º juízo criminal da comarca de Lisboa pedindo que seja autorizado a depor num processo que corre por aquele juízo o Sr. Deputado Fernando Soares Teixeira de Abreu.
Telegrama da comissão distrital da União Nacional da Guarda associando-se às representações enviadas à Assemblea Nacional pelos organismos administrativos, económicos, morais e sociais do distrito, com o fim de serem atendidas as suas legítimas pretensões. - O Presidente, Francisco Balsemão.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta da Govêrno apresentando, para serem ratificados, os decretos n.ºs 27:478 e 27:479, publicados no Diário do Govêrno de 13 de Janeiro corrente.
Comunico a V. Ex.ªs que na sessão do dia 12 deste mês eu declarei à Assemblea que se encontrava presente na Mesa, para ser ratificado, o decreto n.º 27:424, que promulga o Código Administrativo. Efectivamente, esse decreto tinha sido enviado pela Presidência do Conselho para ratificação, mas posteriormente a Presidência do Conselho retirou o mesmo diploma porque se reconheceu que fora por lapso que ele viera à Assemblea para ser ratificado. Trata-se dum decreto fundado numa autorização parlamentar e, portanto, não tinha de ser submetido a ratificação.
Estão também na Mesa pedidos de autorização para os Srs. Deputados Nobre Guedes, Teixeira de Abreu e Pinheiro Torres deporem como testemunhas. Quanto ao Sr. Nobre Guedes, proponho que seja negada essa autorização e nesse sentido consulto a Câmara.
Foi negada a autorização.
O Sr. Presidente: - Pelo que respeita ao pedido para o Sr. Deputado Teixeira do Abreu ir depor, como S. Ex.ª não está presente reservo o assunto para outra ocasião.
Finalmente, quanto ao Sr. Pinheiro Torres, creio que essa autorização já está concedida, tratando-se de julgamento que foi adiado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diniz da Fonseca para antes da ordem do dia.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra pára mandar para a Mesa o seguinte pedido de aviso prévio:
Aviso prévio
Desejo chamar a atenção do Govêrno e da Assemblea Nacional para a situação criada aos concelhos do distrito da Guarda com a recente divisão provincial, mostrando que ela determina:
1.º Injustiça política e menos consideração pelos legítimos direitos naturais e pelas tradições seculares dêstes povos, com prejuízo dos objectivos assinados à constituição dos órgãos administrativos provinciais;
2.º Desmoralização política dos mesmos povos, pelo convencimento do que a situação de quási abandono a que têm sido votados pelos poderes públicos há mais de meio século, longe de ser reparada, corre risco de consagração oficial;
3.º Inconveniência e inoportunidade desta condição, mormente em povos fronteiriços, nesta hora em que todos devem ser chamados, por maior optimismo, à mais activa cooperação na obra do ressurgimento e da defesa nacional.
Sala da Assemblea Nacional, 15 de Janeiro de 1937. - O Deputado Joaquim Diniz da Fonseca.
Como V. Ex.ª sabe, eu tenho dois avisos prévios que mandei para a Mesa - um no ano passado e outro este ano. Atendendo à natureza e aspecto político do documento que apresento hoje, peço para êle a precedência:
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O Sr. Presidente: - Vou dar seguimento ao aviso prévio de V. Ex.ª e conto pô-lo brevemente em apreciação. Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo Correia.
O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: expus numa das últimas sessões alguns pontos de vista sobre o problema hidráulico português. Ouvi com profundo interesse considerações aqui feitas por outros oradores. Entendo ser necessário que alguma cousa eu diga ainda sobre certos aspectos da questão, quanto mais não seja para marcar ideas minhas a respeito do problema. Falarei apenas, e o mais rapidamente que me seja possível, sôbre o seguinte:
1.º A correlação entre algumas bases e a concepção moderna do direito de propriedade;
2.º A influência dos desenvolvimentos hidro-agrícolas no poder de compra da população portuguesa;
3.º A base financeira da proposta, tal qual dela se depreende, e de sugestões da Câmara Corporativa;
4.º E, finalmente, dos motivos que podem levar à sua aprovação na generalidade.
Sr. Presidente: já em 1934 defini no Congresso da União Nacional certos pontos de vista sobre a questão económica portuguesa. Frisei então a estranha difusão da propriedade, mobiliária e imobiliária, pelas classes que recebem salários mais altos e a criação quási espontânea de numeroso grupo de proprietários que constituem hoje a pequena burguesia rural e urbana. E disse que era esta classe, trabalhadora e ordeira, o mais poderoso sustentáculo dos direitos de propriedade e o mais temeroso inimigo das chamadas ideas subversivas. O capitalismo absorvente do século passado, e dos primórdios do século actual, com os seus excessos, impôs uma aturada defesa das classes menos abastadas, que levou à revisão do conceito de propriedade no sentido da sua subordinação ao bem comum. Já desapareceu aquela concepção exclusivista que permitia a cada um, dentro da sua fábrica, ou da sua quinta, ou da sua herdade, fazer o que lhe aprazia apenas, sem ter em conta as relações sociais e as necessidades do país em que vivia.
O Estado passou a exercer em quási todos os países, naqueles que se dizem ultra-liberais, naqueles que se convencionou chamar conservadores, uma acção absolutamente dominante sobre todas as actividades. Os problemas fundamentais da Nação, mesmo os que envolvem domínio de propriedade privada, são resolvidos voluntária ou involuntariamente sob inspiração sua.
Não se pode tolerar que formas de actividade económica úteis, por culpa dos seus proprietários, sejam ruinosas e improdutivas para a sociedade. E este, em meu entender, o sentido actual da evolução do conceito da propriedade. A essa evolução se deve em grande parte, depois do conflito europeu, a estabilidade da instituição de direito natural que é a propriedade privada.
A proposta sobre hidráulica agrícola, nalgumas das suas bases, e mormente nas I e III, harmoniza-se com a tendência evolutiva dos tempos.
O problema da água tem para mim dois aspectos de grande importância: o económico e o social, ou, talvez mais propriamente se possa dizer, o aspecto económico-social. Pode acontecer que haja necessidade de considerar fundamentalmente o aspecto social e que, consequentemente, a, obra de irrigação, no exclusivo
ponto de vista financeiro, seja inviável, mas que, estudados outros aspectos, se imponha a sua realização. Serão casos excepcionais, mas não são casos impossíveis. Certos empreendimentos na Grécia, na Turquia e mesmo na Itália se realizaram por motivos puramente sociais.
Assim, se a proposta em discussão pretende resolver completamente o problema, se pretende ser geral, devo dizer que, em meu entender, está longe de atingir esse objectivo. Se se deseja uma lei que resolva os casos mais vulgares, ela corresponde ao que se pretende depois de certas modificações.
Diz-se que Portugal é país pobre, é país pequeno.
Na verdade, se se compulsarem os dados estatísticos e económico-financeiros, ou se se fizer ligeiro inquérito ao modo como vive a grande maioria da população portuguesa, chegamos a desoladoras conclusões. Em face dêstes dados podemos afoitamente afirmar que Portugal é país pobre. «Sê-lo-á, porém? ¿Tam parcamente nos dotou a natureza que só com dificuldades se pode arrancar magro sustento para 7 milhões de habitantes - uma densidade de população relativamente pequena comparada com o resto da Europa? Não há inventário das possibilidades económicas nacionais; não há mesmo cifras que permitam estabelecer o rendimento total do País. Mas quem estuda reconhece, logo de princípio, que é possível aumentá-lo pelo melhor aproveitamento do que se possue. Não é preciso ser economista, ou grande sábio, para chegar a esta conclusão. Quere dizer, o atraso do nível social da população portuguesa reside essencialmente no insuficiente rendimento das actividades produtoras: a terra rende pouco e podia render mais; as fábricas trabalham com ineficiência e pagam mal aos operários; recursos potenciais importantes são susceptíveis de exploração económica remuneradora se convenientemente aproveitados. Numa palavra, os rendimentos da população nacional poderiam alargar-se e o seu poder de compra poderia aumentar apreciavelmente.
Ora metade da gente portuguesa vive da agricultura, e é exactamente essa larga percentagem da população nacional que é dotada de mais baixo poder de compra.
Sempre me pareceu, e à medida que os anos passam mais se acentua esta opinião, que o problema português se não poderá considerar inteiramente resolvido emquanto não se conseguir dar largo passo no aumento dos rendimentos da população agrícola. Se o objectivo fundamental de quem governa um país consistir na determinação de condições que levem à melhoria do bem-estar e a progresso no nível de vida da gente desse país, então o nosso problema basilar está no aumento do poder de compra daqueles que vivem nos campos e dá terra extraem os seus rendimentos. Um aumento de poder de compra em cerca de 50 por cento da população portuguesa seria o mais poderoso estimulante da vida económica nacional, considerada no seu conjunto. Actuaria imediatamente sobre as indústrias, que hoje laboram para mercado restrito, digladiando-se e debatendo-se numa concorrência que mina a própria estabilidade da empresa, e que impede o pagamento de salários condignos; actuaria sobre as próprias receitas do Estado, que, acanhadas, obrigam o Ministro das Finanças a ser comedido nas dotações orçamentais e a adiar a realização de cousas que já deveriam estar feitas há muitas dezenas de anos; estabeleceria mais rápida circulação de valores, com inúmeros benefícios para outras classes. 10 por cento de aumento de poder de compra modificaria apreciavelmente o nível de vida da grande maioria da população portuguesa. E o aumento do poder de compra só se obtém por um melhor rendimento da terra, que será consequência do seu melhor cultivo. Dar às populações possibilidades de extrair da terra maiores rendimentos
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sem aumentar proporcionalmente os preços de custo significa alargar o seu poder de compra. E isto conseguir-se-á pela educação e pela exploração eficiente dos campos. Deveria ser esta a finalidade de uma reforma agrária.
O problema não é fácil, mas também não é problema impossível. Simplesmente, como todas as questões económicas, é mester estudá-lo circunstanciadamente, e não encarar na sua discussão apenas esta ou aquela modalidade. Só no conjunto pode ser considerado. Para a agricultura a água pode ser tomada como elemento nobre; sem ela grande parte dos terrenos pouco mais produzem do que nada. A fatalidade das cousas impôs que também para a indústria a água dos rios fosse no nosso País um elemento nobre - sem energia barata a indústria não pode viver economicamente. E se é assim, ¿porque se não hão-de combinar estas duas fundamentais características da economia nacional? ¿Porque não Lavemos nós de estabelecer um plano de aproveitamento tam integral quanto possível dos recursos hidráulicos portugueses?
Certo número de reparos me merece a proposta em discussão. E já que falei há pouco no poder de compra, desejo exprimir aqui uma opinião sobre o destino a dar às terras que podem ser bonificadas. Em meu entender todos os entraves devem ser opostos a que largas áreas irrigadas venham a pertencer a um único proprietário, e a subdivisão excessiva deve ser evitada. Uma reforma agrária nunca deve esquecer a evolução social do país.
Estabelece-se na proposta o princípio salutar do reembolso das despesas a efectuar com os estudos e execução dos projectos por meio de anuidades fixas, que compreendem juros e capital, e a Câmara Corporativa batalha no sentido de em casos excepcionais, se descontar no montante da despesa a reembolsar uma percentagem que poderia ir até 30 por cento.
Parece-me que este assunto é delicado. Na verdade é o Govêrno que toma a iniciativa da irrigação de determinadas zonas, sem consultar os proprietários. Pressupõe essa resolução a maior valia dos terrenos irrigados, e que dentro do prazo de pagamento das anuidades - cinquenta anos no caso presente - o detentor da terra fica em condições de poder liquidar essas anuïdades.
¿E se a Junta, ao traçar os seus projectos, se enganou na previsão dos rendimentos, os quais podem mesmo deminuir por virtude de variação considerável no preço das cousas?
Por outro lado, a experiência diz-me que o sucesso de empresas agrícolas ou industriais depende em grande parte dos directores, dos gerentes ou proprietários dessas empresas. ¿E o abatimento de 30 por cento, pura e simplesmente, não virá recompensar a ineficiência, a indolência, a incompetência? O argumento de outros países, apresentado pela Câmara Corporativa, não me convence. De princípio se verificou, por exemplo, na Grécia, a impossibilidade de se extrair da terra produtos que liquidassem normalmente os encargos dos empréstimos contraídos para as obras de irrigação. Chama-se, ao que lá se fez, processos financeiros maus, talvez explicáveis pelas circunstâncias em que se aplicaram. Na Itália, no Pontino, e noutros sítios, os trabalhos de bonificação não tinham apenas o objectivo económico ou mesmo social. Politicamente impunha-se a execução de obras que mostrassem a vitalidade do regime, e demogràficamente era indispensável fixar na terra alguns milhares de famílias.
Voltando porém à pregunta: ¿deve dar-se ao Govêrno a possibilidade de abater 30 por cento na conta total das obras? Se a área irrigada fosse, por exemplo, de 400:000 hectares, ao preço de 5 contos por hectare, o total despendido subiria a 2.000:000 de contos. Mesmo que se limitasse a 20 por cento desta soma, o abatimento de 30 por cento elevar-se-ia a 120:000 contos. ¿Deverá dar-se a um Govêrno uma autorização desta latitude, e estabelecer-se um princípio que pode dar lugar a abusos graves, resultantes de pressões locais, sobretudo quando se considerar que são projectos para serem executados num largo espaço de tempo?
V. Ex.ªs já sabem que eu admito o princípio de obras com objectivo puramente social. Mas de comêço isso seria estabelecido. Antecipadamente o País tomava conhecimento de que o Tesouro ia contribuir para aquela obra. Deminuir, porém, 30 por cento do custo de empreendimentos que valorizam consideràvelmente terras no domínio privado pouco produtivas não me parece de aceitar, a não ser em casos muito excepcionais. E isso não deverá ser feito sem que todos os factores que justifiquem êsse abatimento sejam postos diante do País - naturalmente através da Assemblea Nacional.
Quanto às taxas de juro o caso põe-se assim: presidiu à elaboração da proposta de lei e dentro da sua economia um princípio que parece razoável. O Estado adianta dinheiro a uma emprêsa que se supõe remuneradora de interêsses particulares. O Estado obtém dinheiro no mercado a uma taxa x - hoje 3 3/4 por cento, amanhã, porventura, mais baixa. São empréstimos consolidados, a longo prazo. Deseja ser reembolsado sem perder no juro. Assim, a média das taxas 2, 3 e 4 por cento devia, logicamente, dar a taxa que o Estado paga nos empréstimos que contraiu para êste fim. Isto por um lado. Por outro lado parece que estas taxas devem estar em relação com o valor dos diversos tipos de terras. ¿Ou terá a Câmara Corporativa elementos que mostrem ser justa a taxa de 2 por cento para terras de 3.ª classe, e injusta a taxa de 4 por cento para terras de 1.ª classe? Se os tem, não os mostra. De resto o Govêrno também não nos diz porque escolheu 2, 3 e 4 por cento.
Ambos estes aspectos - o do abatimento no custo da obra e o dos juros do capital emprestado - constituem, pode dizer-se, a base financeira da proposta. E, como acabo de dizer, nem o Govêrno nem a Câmara Corporativa elucidaram a Assemblea convenientemente. Se uma ou outra destas entidades possue elementos que justifiquem as suas propostas, eu gostaria de os conhecer, porque mais facilmente formaria a minha opinião. Admito que os não tenham, porque o problema é novo em Portugal. E talvez tivêsse havido insuficiência de estudos.
De resto, o meu fraco entendimento diz-me que a taxa de juro não deve ser rígida para todos os casos no País. Ponha-se o seguinte exemplo: são irrigados x hectares de terrenos A com água que já foi utilizada na produção de y milhões de unidades de energia. E evidente que as obras de irrigação são mais baratas. Parte do seu custo já entra no custo da energia. Um outro projecto B se executou, em região vizinha e em idênticas condições, do qual não resultou produção de energia apreciável e onde, consequentemente, o custo por hectare irrigado foi maior. Os que forem ocupar os terrenos da área A têm menos capital a reembolsar e pagam o mesmo juro que os do terreno B. Pode mesmo acontecer que os terrenos A sejam mais produtivos que os terrenos B. ¿Sendo o objectivo nacional e não particular, não haveria maneira, ou possibilidade, de nivelar encargos? Por estes exemplos vêem V. Ex.ª a importância do aproveitamento integral dos rios na possível deminuïção de encargo». Dêle pode resultar maior área aproveitada, de área que nas condições normais seria irremediavelmente condenada a ficar pouco produtiva. Este critério, que é indubitavelmente mais justo
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se olharmos a Nação em conjunto, se se estabelecer um plano nacional, não se pode evidentemente aplicar se se preferir o outro de ir executando projectos aqui ou além, à medida que forem sendo estudados.
¿Qual será dos dois o mais interessante?
Muito do que trata a proposta de lei em discussão deixa no nosso espírito vagas interrogações sobre delicados aspectos do problema. Algumas já foram por mim analisadas, outras necessitam de ser esclarecidas. A tudo, porém, sobreleva uma cousa - e é que êste assunto do aproveitamento das águas nacionais representa na verdade um dos mais importantes factores do progresso económico e social do País.
Sou tios que acreditam que a utilização de vastos lençóis de águas subterrâneas pode desempenhar função eminentemente criadora em certas zonas do sul, como, por exemplo, no Alentejo, e também creio que a irrigação está intimamente ligada à arborização em sítios que a experiência e a ciência mostrem ser mais úteis à regularização de caudais e à melhoria de regime de chuvas. E sôbre este último aspecto o relatório do Orçamento de 1937 manifesta mágoa quando verifica a falta de um plano geral ao incluir 7:500 contos para reforço dos fundos destinados a arborização de serras e dunas.
Por todas as razões por mim expostas nesta tribuna, há anos e agora, parece-me que problemas de importância, natureza e magnitude semelhantes ao que se discute deveriam ser expostos e regulamentados em estatuto fundamental, promulgado depois de cuidadosos estudos e minuciosos inquéritos científicos, económicos e técnicos, onde se congregassem harmoniosamente todos os factores que pudessem torná-lo mais rendoso no ponto de vista social e nacional.
Nêle se definiria a política hidráulica da Nação nos seus aspectos demográfico, social, económico e técnico, e se daria preferência aos projectos que, por virtude das suas condições especiais, a merecessem, e se atenderia a tudo o que o relaciona com outras importantes questões nacionais, entre as quais convém citar - o povoamento interior, a arborização, os portos, o regime dos rios, o regime das chuvas, e sobretudo a produção de energia hidro-eléctrica e térmica. Desse estatuto resultaria um plano nacional de aproveitamentos hidráulicos e nele caberiam logicamente alguns princípios definidos em disposições da proposta de lei. Infelizmente não foi delineado em tempo devido êsse estatuto. O que agora se discute é essencialmente um diploma de ordem jurídica tendente a regulamentar cousas que derivam de obras já executadas pelo Estado ou em vias de execução.
É preciso pois aprová-lo. Dou-lhe o meu voto na generalidade, com as restrições já postas nas considerações que tive a honra de largamente aqui formular, e na esperança de que sejam atendidos certos reparos por mim feitos.
E para terminar desejo agradecer as boas referências dirigidas ao meu modesto nome e congratular-me pela maneira imparcial, serena, correcta e proficiente com que todos os oradores que subiram a esta tribuna trataram um assunto que era na verdade digno de análise séria.
Tenho dito.
O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente: sinto-me um pouco na obrigação do vir a esta tribuna e entrar na discussão desta proposta, a todos os títulos muito simpática. E sinto-me um pouco nessa obrigação pelo incidente suscitado, logo no início da discussão, com um dos nossos mais ilustres e doutos colegas, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente desta Assemblea não permitiu, e muito bem, que eu desse uma explicação à explicação de S. Exa., provocada pela minha intervenção quando interrompeu o Sr. Deputado Araújo Correia, e, portanto, havia Osso ponto que mu obrigava a vir aqui para afirmar a S. Ex.ª e à Assemblea a minha consideração por todos os componentes desta casa. Todos são igualmente merecedores da minha consideração e, só me é permitido distinguir, direi que a personalidade do Sr. Dr. Mário de Figueiredo merece, por direito próprio, essa distinção.
S. Exa. é um dos mais ilustres ornamentos desta Assemblea, e, além disso, um distintíssimo professor do direito. (Apoiados).
A sua colaboração nos trabalhos da Assemblea é sempre interessante e útil, e os seus apartes, em que é fértil, pela vivacidade da sua inteligência, se tom sempre um objectivo do esclarecer ou ser esclarecido, o que creio absolutamente, não deixam, como todos os apartes frequentes, de perturbar o orador na sua exposição, impedindo-o, por vezes, de completar o seu raciocínio.
Nunca me incomodaram os apartes, tanto mais que já venho das pugnas políticas das antigas Câmaras, onde eles fervilhavam; mas, no sistema de trabalho desta Assemblea, achava preferível que os apartes se limitassem a uma interrupção momentânea e a propósito deles se não travasse discussão. Conforme com este modo do pensar se manifestou o Sr. Presidente. E porque assim entendo é que intervim no momento a que me estou referindo.
A V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, afirmo, com a expressão da minha simpatia e amizade, a minha maior consideração.
A proposta de lei que vem prendendo a nossa atenção já está bastante discutida.
Mas, preguntar-se-á: ¿então para que vem mais um Deputado à tribuna?
Falaram lavradores competentíssimos, como o Sr. Melo Machado, falaram economistas distintos, falaram juristas, falou um professor do direito, falou um orador sagrado dos mais distintos, senão o mais distinto da nossa terra, que cantou um hino à água. Para quê mais?
Talvez que a minha própria qualidade, nominalmente algum tanto angelical, justifique esta minha intervenção. Permito-me, invoca-la para fazer votos para que o bom Deus acompanhe esta proposta e permita que ela corresponda na prática e na sua eficiência ao sentimento que a inspirou, à magnífica intenção que presidiu à sua organização e à confiança que esta Assemblea deposita nas iniciativas e no esforço do Govêrno.
Sr. Presidente: durante esta já longa discussão não vi que realmente se fizessem à proposta ataques que pudessem inutilizar a sua aprovação. Não vi. Nem propriamente aquela falta de oportunidade a que se referiu o Sr. Dr. Mário de Figueiredo e que pôs na bôca do Sr. Araújo Correia, aliás por êste ilustre Deputado negada, nem essa. como S. Ex.ª explicou, só tornou evidente. Quero dizer: a proposta tem toda a oportunidade. É uma proposta decidida, franca, não digo audaciosa, mas necessária, decisiva e concludente, determinante a procurar soluções para problemas que vêm preocupando o espírito dos homens públicos e dos economistas de há muitos anos, e que só no domínio do Estado Novo são enfrentados com vigor.
A proposta tem aos meus olhos aquela simpatia, a que já aqui tem sido feita referência várias vezes, que vem do aspecto social que a informa. O interêsse económico parece que pode e deve justificar-se, e aqui tem capital importância, mas o interesso social da questão, que a proposta abrange o pretende dominar, é, a meus olhos, o maior interesse da sua economia.
Nós sabemos muito bem que o regime da propriedade em Portugal vai do minimifúndio do Minho, que levou
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Oliveira Martins a dizer que naquela província algumas loiras de terra havia que não poderiam sepultar o dono, tam escassa era a sua superfície, até ao latifúndio do Alentejo, que tem dado lugar, por vezes, como aliás em toda a parte, a prenúncios de tempestade, visto a terra ter sido sempre o ponto nevrálgico de todas as grandes reformeis sociais.
E então, como muito bem disse o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, precisamos de atender ao problema com atenção e procurar resolvê-lo com prudência.
Todos concordamos, e bom é que os mais directamente interessados também concordem, que os que muito têm devem e podem ter menos alguma cousa, para que os pobres, os que nada têm, alguma cousa possam passar a ter.
É uma melhor distribuição de riqueza o anseio da hora que passa.
Mas, não haja ilusões, nem o Sr. Dr. Mário de Figueiredo as tem, porque é um espírito superior e vê os problemas objectivamente, não podemos do maneira nenhuma conseguir uma distribuição de riqueza que possa realizar a utopia da igualdade económica.
A terra, acumulada e improdutiva, foi sempre a vítima das grandes transformações sociais. Olhou-se sempre para ela com antipatia.
Na Rússia a terra foi também o melhor auxiliar da revolução comunista. O moujik, emquanto se lhe prègou a divisão da propriedade, deu a Lenine o aos companheiros a segurança do êxito revolucionário, mas quando se lhe disse que não tinha direito de propriedade sobre as torras que lhe foram cedidas e se lhe explicou que tudo pertencia ao Estado, todos os meios de produção, as próprias colheitas, e que delas apenas teria uma parte, uma ração familiar, o moujik revoltou-se, e, se não fôsse a violência dos ditadores, os fuzilamentos em massa e as deportações para a Sibéria, já a contra-revolução há muito teria triunfado.
Só o terror aguenta o regime.
A Revolução Nacional fez-se, e em marcha estão, como na presente proposta, soluções necessárias.
Mas não alimentemos ilusões nem nos desvaneçamos com temas românticos.
A desigualdade das classes existiu, existo e existirá sempre.
O que pretendemos é eliminar a luta pelo sistema de mútuas concessões. O que pretendemos é a cooperação.
No fundo, a questão é meramente de ordem moral. E, a propósito e em parêntesis, farei aqui outra espécie de considerações.
Tenho ouvido, na campanha anti-comunista que se tem feito de norte a sul do País, frases de tal maneira impetuosas de mocidade e de ardor combativo, visando profundamente a classe dos que possuem, que me chego a convencer em parte de que, sem ser essa a intenção, se faz puro comunismo.
É do nosso tempo ainda, pelo menos do tempo de todos os presentes, a propaganda republicana. Que não se caia no mesmo êrro, criando, no espírito daqueles a quem se dirigem as palavras, ilusões perigosas.
Ainda não há muito, segundo me foi referido, num dêsses comícios se ouviu esta frase:
«Ao mesmo tempo que sinto uma grande veneração e um grande respeito quando beijo a mão calosa do trabalhador, sinto grande repugnância quando toco na mão enluvada do burguês».
Isto é muito perigoso. Tresanda a demagogia, e, sem querer, pode fazer-se comunismo. Semelhantes a estas, outras frases se ouvem.
Ainda não há muito tempo, no meu distrito, intervim, quando um moço inteligente, simpático e, por êle e pelos seus, da minha particular estima, ocupando uma posição social distinta e pertencendo a uma boa família burguesa,
dizia: - ¡Os burgueses que se não convencerem da bondade da nossa doutrina morrerão às nossas mãos!
Disse eu então: - Cuidado! Muito cuidado, porque poderemos morrer todos.
Só o chamado burguês precisa de conselhos e avisos, o trabalhador igualmente dêles carece. O que é preciso é combater a mentalidade capitalista que existe, afinal, no fundo de todas as ambições humanas.
O que para muitos, não direi para a maior parte, embora talvez não errasse, é a melhor distribuição da riqueza, outra cousa não é que uma simples inversão de posições - o trabalhador passar a capitalista e este a proletário.
Como disse, Sr. Presidente, a terra foi sempre a vítima.
Nós vemos na História a propriedade sempre imolada aos imortais princípios, das revoluções.
Vemos na idade média a propriedade estar concentrada na mão das duas classes privilegiadas-o clero e os nobres.
O resto era a arraia miúda, sem direito a possuir.
Veio a Grande Revolução. Suprimiu os privilégios o apregoou a igualdade económica. Mas começou logo uma outra fase da questão: o problema da desigualdade surge dentro em pouco, pela acumulação capitalista.
E agora a revolução contra esta.
Sempre o mesmo problema candente.
Dizemos hoje: não há o direito do concentrar tanta propriedade nas mãos dos que gozam e não trabalham. A propriedade tem uma função social proeminente e quem lhe não dá êsse carácter e se aferra ao conceito romanista do seu direito é sacrificado. Está certo. Mas, como ontem ouvi dizer - e muito bem -, é preciso muita cautela e prudência, não se torne perigosa a execução da doutrina na solução dos problemas que são apresentados aos nossos olhos.
O direito de propriedade, bem compreendido, mas solidamente defendido, é ainda e sempre a melhor garantia da ordem social.
Ora a proposta do lei encara o problema com prudência e circunspecção.
Ataca a questão dos latifúndios pelo parcelamento, a dos minimifúndios pelo emparcelamento, e ocupa-se da constituição dos casais de família, dos casais agrícolas, fixando à terra o trabalhador, acabando de certo modo com o urbanismo, que é sempre funesto. Tudo isto é apresentado, repito, com serenidade, sem intuitos agressivos e no melhor pensamento de servir a Nação.
Obriga-nos a proposta a dar-lhe o nosso voto e a apresentar aos Srs. Ministros da Agricultura - a êste principalmente, porque o problema interessa sobremaneira à sua pasta - e das Obras Públicas as nossas mais calorosas felicitações.
Vamos agora à, parte económica da proposta, muito rapidamente.
A parte económica - já o disse aqui ontem o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, fundando-se no parecer dos técnicos da Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola -merece também aprovação.
É de lamentar que na nossa Constituição não ficasse a faculdade aos Ministros de virem à Assemblea Nacional discutir os problemas das suas propostas de lei e esclarecer o seu pensamento, desfazendo dúvidas e equívocos.
Todos teríamos a lucrar com isso. Em problemas desta importância seria extremamente útil.
Os dados dos técnicos da Junta Autónoma assentam em previsões - como todas as previsões, falíveis -, mas previsões tanto quanto possível seguras por serem os competentes que as formulam.
Também eu tive interêsse de passar os olhos pelo magnífico relatório da Junta Autónoma de Hidráulica
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Agrícola, há pouco: publicado e que bom seria tivesse sido distribuído neste, momentos pelos Srs. Deputados.
Por favor dum nosso colega - o Sr. Melo Machado -, porque na Biblioteca do Congresso ainda não existe qualquer exemplar que nos possa ser facultado, compulsei alguns dos elementos de trabalho dessa Junta, que merece os maiores encómios.
Os brilhantes quadros dêsse trabalho, os relatórios dos projectos, dos pareceres do Conselho Superior das Obras Públicas, os gráficos e esquemas, as gravuras até, dão-nos a evidente nota do equilíbrio e prudência com que de facto têm sido elaborados êsses estudos.
Vejo, por exemplo, o seguinte: em todos os quadros que existem na rubrica das produções nota-se o desaparecimento da produção do vinho. Acho bem, pois vem ao encontro, do problema da super-produção vinícola, que já aqui prendeu a nossa atenção.
Vejo também, o aumento de produção de legumes, de cereais, etc., e vejo mais: vejo também que nesses trabalhos da Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola se encontra tratado com interesse o problema da criação dos gados.
Vejamos alguns quadros quanto a forraginosas:
No Paul de Magos passam as seguintes forragens do zero actual para - 520:000 quilogramas a cevada verde - 3.600:000 a milharada - 1.240:000 o trevo violeta - 180:000 a mostarda branca - 730:000 a beterraba (raiz e rama) - 900:000 o nabo (raiz e rama).
O mesmo com os outros quadros, mas, de todos, salienta-se o do aproveitamento. da campina da Idanha.
Na campina da Idanha a produção forraginosa toma proporções consideráveis.
Assim:
A luzerna, que está actualmente em zero, passa a ser de 6.350:000 quilogramas -os pastos, de zero para 4.612:000 - a beterraba, também de zero para 8.770:000 - o nabo, de zero para 1.905:000.
Isto não falando já na milharada e no alcácer, que de 384:475, a primeira, passa, para 4.385:000 quilogramas, e o segundo, do 250:244 para 6.230:000.
Ora perante o problema, como é posto pela Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola, vemos que o ponto de vista que interessava ao Sr. Deputado Garcia Pereira - o da criação dos gados - se encontra numa perspectiva de solução bastante favorável, contribuindo portanto para a resolução do problema do abastecimento de carnes à cidade de Lisboa e evitando-se consequentemente, em grande parte pelo menos, a drenagem de ouro para o estrangeiro por motivo da importação de gado.
No que se refere a despesas por hectare também vi, embora rapidamente, o problema através dêsse relatório.
O Sr. Deputado Melo Machado, ao apresentar os seus pontos de vista, referiu-se a poder o custo de beneficiação do hectare atingir 10 contos.
Ora eu procurei ver nesse trabalho o que havia, e verifiquei o seguinte: as duas verbas de maior importância que estilo indicadas no projecto da Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola são as que dizem respeito à defesa, enxugo e rega dos campos do Magos e à defesa, enxugo e rega dos campos de Goucha, cujo projecto não foi considerado pelo Conselho Superior de Obras Públicas.
A verba indicada para: os campos de Magos é de 8.757$36, e para os campos de Goucha de 9.899$.
(Nesta altura assumi a Presidência o Sr. Dr. Albino dos Reis).
É claro, duas verbas muito importantes, as maiores. Mas vamos a ver se há ou não outras inferiores. Há. Temos, por exemplo, a verba indicada para a campina de Idanha-a-Nova, trabalhos êsses já em elaboração - e que não vai além de 2.090$ por hectare.
E a verba do Paul de Magos, onde a Junta conseguiu realizar, por hectare, uma despesa de 3.500$.
Como se vê, estas importâncias estão muito distantes das primeiras.
Ora, perante as cifras que .aqui estão indicadas, não podemos de modo nenhum concluir que a despesa por hectare represento uma verba incomportável com as possibilidades de transformação agrícola que sofrerão os terrenos que vão ser irrigados o as possibilidades do resistência financeira às obras que sofrem os proprietários.
Assim parece, pelo menos, e a experiência o demonstrará.
A parte técnica não me pertence estudá-la, mas quanto a esse aspecto da parte financeira parece-me que a proposta é de aceitar.
Nestas condições, ¿que é que à Assemblea Nacional se apresenta como imperativo na votação? Sem dúvida nenhuma, aprovar esta proposta tio lei na generalidade. Há, porém, na proposta uma parte dolorosa: é aquela em que o Estado, ao contrário do que outros Estados o Governos praticam, obriga, ordena, sujeita, impõe taxas, taxas de conservação de obras, taxas de beneficiação, cobradas correlativamente com as contribuições do Estado, e tudo exige do proprietário no sistema de reembolso absoluto, sem atender às razões de ordem social que impõem da sua parte uma justa comparticipação nos sacrifícios.
Na verdade, visto o aspecto social da questão em que o Estado tem conveniência em intervir, regularizando a nossa economia e resolvendo o problema de modo a assegurar uma maior ordem o tranquilidade na vida social do País, ao Estado compete - e nesse ponto estou de acordo com a Câmara Corporativa - contribuir para essas despesas, porque é essa a sua função. Também o Estado gastou centenas de milhares de contos com a viação publica, transformando as nossas estralas, e não pediu a ninguém o reembolso do capital despendido. Mas o problema é outro, tem outros aspectos? Tem, mas nem por isso se pode concluir que ao Estado não pertence uma grande parte dos encargos, tanto mais que o Estado obriga e sujeita os proprietários a tais soluções e não são estes que solicitam a sua intervenção para as conseguir. Um outro problema ainda. É o da coordenação dos trabalhos. Foi o que abordou o engenheiro Sr. Araújo Correia.
Êste nosso colega duvidou do pleno êxito e eficiência dum trabalho desta natureza sem estar integrado num plano geral de reorganização económica e, sobretudo, quanto ao aspecto do aproveitamento das águas, na parte respeitante à energia eléctrica. Entendeu que êste aspecto do problema devia ser estudado concomitantemente com o que agora discutimos.
O Sr. Dr. Mário de Figueiredo, quando fez a interrupção a que há pouco me referi, disse: «mas S. Ex.ª afirmou, não demonstrou». Até certo ponto parece que a afirmação é axiomática, não precisa de demonstração. Mas, no entanto, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo disse ontem também: - Sim, conviria que assim se fizesse, mas isso não quere dizer que se esqueçam os problemas parcelares. De facto, convém que haja uma orientação geral da parte do Govêrno, de forma a que os problemas, como o salienta a Câmara Corporativa, se não choquem na sua solução e antes, pela sua interdependência, se completem na sua resolução.
Mas então não ficaríamos só no caso dos aproveitamentos hidro-eléctricos.
Teríamos também o problema do revestimento florestal a ponderar.
Parece-me que não se pode aproveitar eficientemente, com regularidade, a energia hidráulica nem fazer o aproveitamento integral dos caudais dos nossos rios,
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sem estes estarem suficientemente regularizados pela arborização das encostas e vertentes das montanhas.
A fixação dêsses terrenos, para evitar o regime torrencial dos rios, é de uma importância capital.
A propósito lembrarei que, quando se discutiu aqui o projecto de reorganização económica, me interessei pelo problema florestal, não só porque o considero de interêsse palpitante e premente na minha região, mas porque vejo que êle é de interêsse evidente para todo o País. Propugnei então por uma maior verba no nosso orçamento para essas despesas, a exemplo do que se tem feito na América do Norte e na Europa em vários países, nomeadamente na Inglaterra, na Itália e na Espanha.
No orçamento para 1933 encontro, se não estou em erro. uma verba, de 5:000 e tal contos, que me parece insuficiente para a solução do problema. Este assunto prende-se directamente com o que está em discussão, a meu ver.
Porém, estes aspectos que trazemos à discussão são aspectos que não inutilizam o valor da proposta e servem apenas como expressão de uma útil coordenação de todas as forças e energias no sentido de se conseguir essa tam almejada prosperidade da economia nacional, aspectos que o Govêrno não se esquecerá de considerar.
Algumas dúvidas que foram aqui apresentadas, como, por exemplo, as que se referem ao reembôlso ao Estado por parte dos proprietários, serão tratadas na especialidade e presumo que se assentará no justo equilíbrio entre os interêsses da Nação e os interêsses legítimos da propriedade, que é e será sempre, mesmo dentro do conceito autuai, equilibrado e prudente, a principal razão da estabilidade social, pois que, quando o direito de propriedade for gravemente atingido em qualquer reforma, teremos o perigo de uma subversão.
As reformas agrárias com aspecto político que se realizaram em diversos países todas fracassaram.
É interessante a êsse respeito o livro do Sr. Pequito Rebelo, um lavrador distinto, economista ilustre e pessoa que tem representado o País ou a Associação de Agricultura em vários congressos no estrangeiro. Nêsse livro verifica-se que estas reformas agrárias são sempre reformas perigosas, e as que vêm envolvidas num aspecto político ruem lamentavelmente. Não é o caso desta proposta. Tem um aspecto político legítimo, um aspecto económico interessante, um aspecto social prudente, e estou convencido de que dará na prática bons resultados, tendo nós o prazer de dar o nosso voto para a sua aprovação a uma proposta que é das mais interessantes, complexas e úteis ao País no plano geral da reorganização que o Estado Novo visa.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Considero, por isso, encerrado o debate na generalidade.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Está em discussão a base I.
Informo a Assemblea de que a respeito desta base está na Mesa uma proposta, apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado o subscrita, além disso, por outros Srs. Deputados, no sentido de se aceitarem as sugestões da Câmara Corporativa.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Poço a palavra!
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: do harmonia com as considerações aqui feitas ontem por mini acerca desta proposta de lei, subo a esta tribuna novamente para apresentar uma proposta de aditamento à base I, proposta de aditamento que visa a substituir o exclusivismo da proposta governamental, a qual chama para o Estado a iniciativa e realização de todas as obras de acentuado interêsse hidro-agrícola, procurando imprimir-lhe aquele espírito de cooperação que informa o Estado Novo.
Procuro assim trazer aqui, de colaboração com alguns ilustres Deputados que também assinam esta proposta de aditamento, e em nome da Nação que representamos, a afirmação ao Govêrno do que ela está pronta, absolutamente decidida, a colaborar com êle. Confia absolutamente em que o Govêrno é capaz de realizar por si só todas as obras, mas sabe muito bem a obrigação que lhe cabe de colaborar com êle na realização dessas mesmas obras. Demais, a Nação já tem noutros campos do actividade manifestado o seu desejo do colaborar, tomando não só iniciativas em grande número acerca de obras importantíssimas, mas concorrendo para elas com o seu esforço, com dinheiro, materiais e outros grandes elementos de valor para a realização dessas obras, entre os quais avulta o decidido empenho do contribuir para a renovação nacional.
Eu quero mesmo crer, meus senhores, que, permitindo-se agora, mercê desta proposta de aditamento, aos lavradores tomarem a iniciativa de obras hidro-agrícolas, não só dos grandes, mas também dos pequenos esquemas que interessam com certeza à maior parte da lavoura portuguesa, nós iremos despertar uma grande vitalidade nas zonas rurais, e concorrer assim para que muitas zonas ainda estéreis, e outras entregues exclusivamente à cultura de sequeiro, escassamente produtivas, possam transformar-se em magníficas hortas, em belos campos de cultivo e encher-se de casais e, consecutivamente, de famílias, que muito concorrerão para o engrandecimento da nação portuguesa.
Nestes termos, proponho um aditamento à base I, que é o seguinte:
«Também aos proprietários assiste o direito de sob a orientação e fiscalização do Estado, mandarem estudar e realizarem obras hidro-agrícolas, para cuja execução, depois de aprovados os respectivos projectos, ou no caso de serem por êles adoptados os das repartições competentes, o Estado concorrerá com recursos financeiros e assistência técnica, em condições equivalentes às estabelecidas nesta proposta de lei para obras hidro-agrícolas realizadas pelo Estado».
Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 14 de Janeiro de 1937. - João Antunes Guimarãis - António Pedro Pinto de Mesquita - Artur Marques de Carvalho - Jorge Viterbo Ferreira - Alberto Pinheiro Torres - José Maria Braga da Cruz - Francisco Cirne de Castro - Manuel Ribeiro Ferreira - João Garcia Pereira - José Maria de Queiroz de Lencastre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a proposta de aditamento à base I, sugerida pela digna Câmara Corporativa e perfilhada pelo Sr. Deputado Melo Machado, creio que não deve ser aceite, e entendo, pelo contrário, que deve ser votada a base I nos termos em que se acha redigida, na proposta.
¿Porque suponho eu que não deve ser votada a proposta de aditamento da Câmara Corporativa? Porque, essencialmente, nessa proposta se contém o seguinte: primeiro, a afirmação de que esta proposta deve ressalvar o regime geral de direito existente sobre aproveitamentos hidráulicos, o regime do decreto sôbre águas de 1919; e para evitar possíveis dúvidas deve isso ser expressamente dito.
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Ora eu creio que não pode suscitar-se, em face desta proposta, a mais ligeira dúvida sobre a questão de saber se continua ou não de pé o regime geral de aproveitamentos hidráulicos previsto no decreto de 1919, porque creio que na verdade esse regime continua em vigor. A proposta nem de longe nem de perto atinge esse regime; a proposta cria um regime particular para aproveitamentos particulares. Nestas condições não Lá necessidade de espécie alguma, é uma redundância, creio que inaceitável, ir-se ressalvar aquilo que por natureza está ressalvado.
Ainda uma outra sugestão a esta base creio que faz a Camará Corporativa: a de se autorizar o Govêrno a publicar - como direi? - num diploma único todas as disposições que sobre a matéria existem.
Ora uma de duas: ou o Govêrno fica autorizado a fazer pura e simplesmente uma miscelânea do direito que já existe, a fazer pura e simplesmente uma colecção de leis extravagantes, ao abrigo dessa disposição, e então escusamos de lhe dar essa autorização, porque até a tem a Imprensa Nacional ou qualquer editor; ou o Govêrno fica autorizado a fazer uma consolidação legislativa modificando o domínio do direito existente, e entendo que essa autorização não lhe deve ser dada, porque nem sequer o Govêrno a pede na proposta.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
O aditamento é expresso:
«Fica o Govêrno autorizado a reünir em um só diploma, com as modificações que a experiência tem aconselhado ...».
O Orador: - Mas então, se é para modificar o domínio do direito existente que a autorização se pretende, estamos no segundo caso que eu apontei, e, repito, a Câmara não deve dar essa autorização, porque a Câmara não deve continuar a orientação de estar permanentemente a demitir-se de uma parte da sua própria competência, tanto mais quanto é certo que o Govêrno tem constitucionalmente na mão o caminho aberto dos decretos-leis.
Portanto, parece-me, na verdade, que não são de aceitar, pelo que expus, as sugestões da Câmara Corporativa.
Quanto à proposta de aditamento à base I que acaba de apresentar, juntamente com outros Srs. Deputados, o nosso ilustre colega Sr. Dr. João Antunes Guimarãis, quero dizer que não me choca e até tenho tendência para aceitar o pensamento que está contido nessa proposta. Simplesmente afirmo o seguinte: que o problema que nessa proposta se considera não é harmónico com o problema tal como está considerado na economia da proposta do Govêrno. É, portanto, um enxêrto que perturba de certo modo a economia da proposta do Govêrno, que trata de aproveitamentos feitos directamente pelo Estado.
E vou mais longe: é um aditamento que considera um problema,, ao qual, uma vez posto, naturalmente nos sentimos inclinados a aderir. Mas realmente não fizemos sobre ele um estudo, já que é um problema de certo modo com um sentido novo; não tivemos os momentos de reflexão necessários para considerarmos todo o alcance dêsse problema.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Está a tempo de o fazer, porque a proposta encontra-se em discussão.
O Orador: - Não digo que não; simplesmente a Assemblea é chamada de improviso para tratar desse problema.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Acêrca do qual ela está assaz esclarecida.
O Orador: - Não sei. Eu mesmo digo a V. Ex.ª, com toda a sinceridade, que, em face do conteúdo da proposta, me sinto naturalmente disposto a aderir a ele. Mas, ao mesmo tempo que digo isto, com a mesma sinceridade afirmo que tenho hesitações sobre a sua finalidade. E porquê?
Porque realmente a proposta tem um certo sentido novo que se enxerta numa questão posta em termos diferentes.
O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o prazer.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Esse aditamento, longe de perturbar a economia da proposta de lei, completa-a.
g Que é que, em última análise, o Govêrno visa económica e socialmente com essa proposta?
Aproveitar e conceder largos tratos de terreno, que presentemente são estéreis, a fim de criar novos casais, para fixação de novas famílias, objectivo para o qual o Govêrno, com o aplauso de todos nós, despenderá importantes quantias do erário público, a juro baixo e a prazo larguíssimo, facultando, além disso, a assistência técnica das suas repartições.
Pois se o Govêrno pretende realizar essa grande obra social, não pretenderá êle também melhorar os casais que já existem e completar a felicidade de tantas e tantas famílias que vivem em pequenos casais onde a rega é escassa, dispersas pela província, levando-lhes um pouco de água para que possam ter as suas hortas e os indispensáveis prados?
Não estará no espírito do Govêrno esta obra eminentemente social, feita de colaboração com todos nós? Evidentemente que sim. Esta minha proposta de aditamento, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, é um brado da Nação a afirmar, quando o Govêrno quere chamar para si essa rude tarefa de resolver o magno problema agrícola do País, que pode contar com a Nação, porque todos estão prontos com a sua fé, com a sua confiança incomensurável a colaborar nessa grande obra.
O Orador: - Eu não sei -em que pese ao Sr. Deputado Querubim Guimarãis - qual é o pensamento do Govêrno. Eu estava a falar não do pensamento do Govêrno, mas da economia da proposta. E dentro dela a primeira dúvida que me aparece ao espírito, em face da proposta de aditamento feita por V. Ex.ª e por outros Srs. Deputados, é esta: permanece o regime de 1919? E aparece-me esta dúvida porque as concessões na proposta de aditamento são feitas sem subsídio, emquanto que, pelo decreto de 1919, os aproveitamentos podem ser feitos com subsídio. Eis o meu primeiro momento de dúvida.
O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - Eu devo dizer que não entrei em consideração com essa lei de 1919, e isto porque nela se prevêem apenas áreas superiores a 50 hectares. Ora, em todo o Entre Douro e Minho, na maior parte das Beiras, numa parte da região extremenha, e até mesmo numa parte do sul, há muitas e muitas freguesias que estuo longe de atingir em área cultivável e irrigável êsse limite que, se para a maior parte do sul do País é insignificante, para as outras regiões é pouco freqüente.
O Orador: - Mas então são aproveitamentos de puro interesse privado..
O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - São aproveitamentos de tanto interesse nacional e social como os grandes, porque visam única e simplesmente
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à fixação de novas famílias em condições de terem uma vida digna, em tudo, do Estado Novo. Apoiados.
O Orador: - Êste conjunto de razões é que me deixa o espírito perplexo em face da proposta nova que é apresentada e sobre a qual eu não pude, repito, pensar os momentos necessários para tomar uma posição como desejava.
Nestas condições, e visto que realmente ela toca a economia da proposta inicial, eu digo que, embora me sinta inclinado a aceitar o seu conteúdo, suponho que ela não deve ser admitida, como enxêrto, na proposta em discussão.
Tenho dito.
O Sr. Melo Machado: - Em primeiro lugar eu quero fazer à Câmara a declaração de que eu e outros colegas perfilhámos o parecer da Câmara Corporativa, para que ele pudesse ser discutido e votado em conjunto com a proposta do Govêrno.
Nesta base I há um aditamento da Câmara Corporativa que me parece que talvez não fosse inconveniente que ficasse. É o seguinte:
Leu.
Ficava mais esclarecido o assunto, visto que da proposta do Govêrno talvez se não depreenda bem se esta lei continua ou não em vigor.
Era esta a sugestão que eu queria fazer à Câmara.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Como talvez alguns dos Srs. Deputados não tenham medido bem o alcance da proposta enviada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis, eu vou ler pausadamente essa proposta para que V. Ex.ªs fiquem bem informados.
A proposta é neste sentido:
Leu.
O Sr. Cunha Gonçalves: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Gonçalves.
O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: eu tenho para mim que a proposta do ilustre Deputado Sr. Dr. Antunes Guimarãis está implicitamente compreendida na letra da base I da proposta do Govêrno.
Diz a base I:
Leu.
Em que é que esta base diverge da proposta do Sr. Dr. Antunes Guimarãis?
Pela base I da proposta do Govêrno, parece que a iniciativa das obras compete exclusivamente ao Govêrno, mas eu digo que nesta base está implicitamente compreendido o estudo das obras da iniciativa particular, pois que, pelo facto de se dizer nesta base I que compete ao Estado essa iniciativa, não quere isto dizer que ele não possa aceitar a iniciativa particular.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Pois se o Estado reserva para si a faculdade de realizar as obras ...
O Orador: - Eu estou a defender a proposta de V. Ex.ª
V. Ex.ª procurou desenvolver esse pensamento para evitar no futuro complicações. Mas eu suponho que, pelo facto de a iniciativa particular apresentar um projecto de trabalhos ao Estado; elaborado por engenheiros da sua escolha, não deixa de estar compreendido no regime, desta proposta de lei.
Há toda a vantagem em que se deixe aos indivíduos que constituem os pequenos casais, e a que V. Ex.ª se refere, a iniciativa de apresentarem ao Estado qualquer pedido sobre a conveniência de se sujeitar a este regime a irrigação dessas regiões.
Isto quanto à proposta de V. Ex.ª, à qual dou o meu inteiro aplauso.
Quanto ao aditamento proposto pela Câmara Corporativa, parece-me que o conviria dividir em duas partes. Na primeira parte ficaria que as restantes obras de fomento hidroagrícola continuarão a reger-se pelo decreto n.º 5:787-IIII e mais legislação aplicável. A segunda ficaria assim:
«Fica o Govêrno autorizado a reunir em um só diploma, com as modificações que a experiência tem aconselhado, toda a legislação referente ao regime jurídico» das águas terrestres e seu aproveitamento».
Quanto à segunda parte, sou de parecer que o Govêrno não carece desta autorização, porque, como frisou o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, o Govêrno tem, pela actual Constituição, atribuições para legislar como entender no período em que a Assemblea na» estiver funcionando.
Há pouco concedemos autorização ao Govêrno para elaborar um novo Código Administrativo, mas isto deu-se porque a Assemblea não estava funcionando.
Quanto à primeira parte, isto é, aquela que dispõe que as restantes obras de fomento hidro-agrícola continuarão a reger-se pelo decreto n.º 5:787-1111 e mais legislação aplicável, já não sucede o mesmo, e a êste respeito devo dizer que a opinião do Sr. Deputado Mário de Figueiredo é, sem dúvida, muito respeitável, mas nós não sabemos se no futuro os tribunais serão da mesma opinião.
Na base II diz-se que são consideradas de fomento hidro-agrícola as obras de aproveitamento de águas públicas para rega, de drenagem, de enxugo e defesa dos terrenos e as de adaptação ao regadio.
Ora o decreto n.º 5:787-IIII respeita precisamente às águas para regas, e, se não declararmos que a legislação actual vigente e que diz respeito aos pequeno» aproveitamentos hidro-agrícolas continua em vigor,, pode supor-se que esta lei revoga essa legislação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - E preciso não ser jurista para supor isso.
O Orador: - Estou de acordo com V. Ex.ª em que não há grave necessidade desta base, mas a opinião de V. Ex.ª e a minha pode não ser a opinião dos juizes quando esta questão porventura se discutir nos tribunais, e portanto toda a cautela é pouca.
Tenho dito.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: entendo que o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis deve constituir matéria de um contra projecto, porque não está perfeitamente lógico no ponto de vista económico e jurídico, naquilo que é a economia da proposta. Em primeiro lugar, há esta diferença muito saliente entre a proposta governamental e o aditamento do Sr. Antunes Guimarãis: é que a iniciativa pertence ao Govêrno, por um lado, e, em outros casos, pertence aos particulares.
O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - Neste segundo caso, o Govêrno, com certeza, muito e muito estimaria a iniciativa dos particulares proposta no
meu aditamento.
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O Orador: - Ponhamos de parte a benignidade do Govêrno para eu poder apreciar aqui o assunto em discussão.
Depois parece-me que as finalidades económicas visadas também não são as mesmas.
A emenda de S. Ex.ª procura reforçar a dos pequenos proprietários, que podem transformar as suas pequenas propriedades em casais de cultura, de regadio, ao passo que a proposta governamental é no sentido de fazer uma operação de larga envergadura e da difusão da pequena propriedade.
O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - Não é de maior envergadura que o plano da minha proposta de aditamento, porque, embora se disperse por muitos milhares de pequenos casais, interessa à maior parte da população portuguesa que habita, especialmente, as regiões nortenha, beiroa, extremenha e algarvia.
O Orador: - Por outro lado, e finalmente, parece-me que o meio usado, o processo financeiro de que se serve a emenda e o que consta da proposta não são perfeitamente coincidentes. Num caso, o Sr. Dr. Antunes Guimarãis pede assistência financeira com um juro barato, por outro lado, o Estado, pela sua intervenção, pelos seus serviços técnicos, faz uma série de obras, que são liquidadas com os particulares a curto prazo. Parece-me que não são absolutamente coincidentes, nem a iniciativa nem as finalidades económicas e sociais visadas, nem os processos financeiros em jôgo. A emenda proposta pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis é muito louvável, possivelmente aceitável; mas eu não tive tempo de reflectir maduramente sobre ela; parece-me que foi metida um pouco à cunha nesta proposta. Devia, talvez, constar de um contra projecto.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Perdoe V. Ex.ª, mas o tempo urge para todos, tanto para os pequenos proprietários, como para os grandes. Não estamos em época de parar, de perder um minuto só que seja.
A iniciativa do Govêrno é feliz, é oportuna, mas também é urgentíssima. Essa iniciativa anda ligada à política do Estado Novo e interessa não só a algumas províncias, mas a toda a Nação. E é preciso aproximarmo-nos cada vez mais do pensamento do Govêrno, procurando que ela bafeje todos os casais onde a água falha, e estimular aquele interesse, traduzido em iniciativas úteis, que nós, homens do Estado Novo, queremos que surjam do povo.
O Orador: - A isso não posso eu responder; eu não sei se o Govêrno tem as verbas necessárias para entrar nesse caminho e a burocracia técnica necessária para isso.
Tenho dito.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: tive a honra de assinar a proposta do ilustre Deputado Sr. Melo Machado, quando perfilhou o aditamento feito pela Câmara Corporativa a esta base.
Deixo aos juristas o discutir se deve ou não ser acrescentado a está base o aditamento proposto pela Câmara Corporativa. Quero crer que tudo deve estar certo, como aqui declarou o Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Subi a esta tribuna para, reforçando um pouco as considerações de S. Exa., dizer que o aditamento proposto pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Antunes Guimarãis me parece um pouco perigoso.
O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - Então V. Ex.ª acha perigoso auxiliar os pequenos casais?
O Orador: - Eu apenas iniciei as minhas considerações, e, na realidade, não podia assim, tam repentinamente, estar habilitado a julgar o seu alcance e todas as suas conseqüências.
No aditamento de V. Ex.ª propõe-se que os particulares possam também executar as obras respeitantes a aproveitamentos hidro-agrícolas, mediante o financiamento do Estado. Ora nós devemos lembrar-nos de que nesta proposta de lei se prevê também o aproveitamento hidro-eléctrico.
O aditamento de V. Ex.ª poderá dar lugar nomeadamente a este facto: é que alguém que quisesse executar o aproveitamento hidro-eléctrico mascará-lo-ia com o aproveitamento hidro-agrícola, e assim obteria o financiamento do Estado.
O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª dá-me licença? ... Isso seria ineficaz, porque o projecto, para ser aprovado, iria às repartições competentes, que o rejeitariam; e como os financiamentos dependeriam da prévia aprovação do projecto ...
O Orador: - Mas poderiam escapar, visto que a própria proposta diz que todo o aproveitamento hidro-agrícola ...
O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª dá-me licença para uma pregunta? Os problemas hidro-agrícolas para irrigação de pequenos casais são compatíveis simultâneamente com o aproveitamento da electricidade?
O Orador: - Suponho que sim. Quantos projectos de aproveitamento tem havido que não têm tido despacho nas repartições competentes por não se querer complicar o problema das centrais eléctricas.
O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª dá-me licença? Também nesse ponto estou em discordância com V. Ex.ª, porque entendo que as pequenas unidades, hidro-eléctricas e outras, não perturbarão o funcionamento das grandes, uma vez devidamente coordenadas.
Mas deploro que fechem moinhos, que se apaguem fornos das aldeias, que vão paralisando pequenas oficinas, insignificantes núcleos de actividades, que constituíam a única garantia de subsistência de numerosas famílias, emquanto as grandes unidades fabris, agrupadas em concentrações, vão medrando.
Apoiados.
O Orador: - Estou absolutamente de acordo com isso. Mas o que V. Ex.ª acaba de afirmar não invalida o que eu quis dizer, isto é, que a proposta de V. Ex.ª complica extraordinariamente o problema, e não sabemos, ao aprová-la, em que situação colocaríamos o Govêrno, tam complexos são os problemas que, pelo aditamento de V. Ex.ª, poderiam ser suscitados. Eu referi-me a um deles, citando-lhe um caso a que poderia dar lugar a proposta de V. Ex.ª Eu conheço de perto estes assuntos; não são portanto fantasias o que estou dizendo, e, repito, com o aditamento de V. Ex.ª muitos iriam aproveitar para mascararem os seus interêsses.
Tenho dito.
O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: em primeiro lugar, quero apresentar as minhas homenagens ao Sr. Dr. Antunes Guimarãis e dizer-lho quanto a sua proposta merece a minha simpatia, acrescentando-lhe que é sempre com prazer que o vejo, coerente nas suas atitudes de defesa dos pequeninos, mais uma voz, apresentar
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uma proposta de alteração à proposta de lei em discussão, visando ainda o mesmo objectivo.
O calor com que S. Ex.ª há pouco se referiu à protecção que é necessário dispensar aos pequenos teve um eco simpático em toda a Câmara e teve, creia o Sr. Dr. Antunes Guimarãis, um eco muito simpático no meu coração.
Mas, Sr. Presidente, a sugestão do Sr. Dr. Antunes Guimarãis apareceu hoje na discussão da proposta de lei do Govêrno na especialidade. Não teve, por consequência, a Assomblea tempo de a apreciar com a devida atenção o com o devido cuidado.
Trata-se duma proposta de lei que vem do Govêrno; não se trata duma iniciativa desta Assemblea, e a proposta do alteração do Sr. Dr. Antunes Guimarãis visa rins diferentes daqueles que o Estado se propõe atingir com a proposta em discussão.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Discordo. Os fins são exactamente os mesmos, isto é, promover a fixação e felicidade de muitas famílias que se encontram espalhadas por numerosíssimos casais no País, mas vivendo precariamente.
O Orador: - Simplesmente V. Ex.ª, que faz justiça às intenções do Govêrno...
O Sr. Antunes Guimarãis: - Absolutamente, e tanta justiça que recebi com inteiro aplauso essa admirável proposta do lei. A minha proposta de aditamento apenas visa a completá-la, chamando para ela a colaboração de toda a Nação portuguesa.
Apoiados.
Todavia, há sempre uma solução. Se de facto a proposta de aditamento vai alterar o pensamento da proposta do Govêrno, S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assemblea tem o recurso de mandar novamente ouvir a Câmara Corporativa.
Mas, em minha opinião, isso não é preciso. Demais, eu de modo nenhum quero contribuir para demorar um minuto que soja a votação desta oportuna e urgente medida do Govêrno.
O Sr. Presidente: - Mas é que esta proposta parece que envolve aumento de despesa, e nessas condições não pode ter seguimento.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Desculpe-me V. Ex.ª, mas a minha proposta não envolve nenhum aumento de despesa. Ela está prevista na lei de reconstituïção nacional e certamente o Govêrno não pode fazer excepções ao desenvolver as bases daquele notável diploma, que, no seu belo e grandioso plano qüindecenal, atende todos os interesses nacionais: os grandes e os pequenos.
O Sr. Presidente: - Para melhor esclarecimento, vou ler a proposta, que é do seguinte teor:
Leu.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Repito, Sr. Presidente, está nas mesmas condições da proposta de lei. Não se trata de subsídios, mas de empréstimos, de que o Estado será reembolsado e exactamente nas mesmas condições que constam da proposta.
O Sr. Presidente: - Não tenho, bem esse ponto de vista.
O Orador: - Mas dizia eu, Sr. Presidente, referindo-me ao ilustre autor da proposta de aditamento, que, se S. Ex.ª faz justiça às intenções do Govêrno ao elaborar a proposta, deve ao mesmo tempo reconhecer que ao Govêrno pertence, duma forma particular, considerar o aspecto da proposta de aditamento, que envolve para o Estado encargos de ordem financeira.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Exactamente como a proposta de lei.
O Orador: - Mas o que V. Ex.ª não sabe é se o Govêrno, se tivesse considerado o caso que V. Ex.ª trouxe à Câmara, lhe daria de momento a mesma solução.
A proposta do lei que o Govêrno mandou a esta Assemblea Nacional refere-se a obras de fomento agrícola de acentuado interesse social e económico; refere-se a obras de cuja execução o Estado toma a iniciativa. Relativamente a outras obras, o Govêrno não se pronuncia. Ora pretende-se pela proposta do Sr. Antunes Guimarãis integrar as pequenas obras de hidráulica agrícola no plano de obras do acentuado interesse económico. Nesta conformidade digo a V. Ex.ª, Sr. Antunes Guimarãis, com a maior franqueza, que não sei neste momento se a proposta de V. Ex.ª é de aceitar. Ela merece a minha maior simpatia e consideração, mas, repito, neste momento, porque não tive tempo de a examinar em todas as repercussões, não sei se lhe devo dar a minha aprovação.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Mas estamos a tempo do a discutir e apreciar.
O Orador: - Parece-me que a proposta de V. Ex.ª, pela importância que tem, devia ser objecto de um contra projecto.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Era demorar!
O Orador: - Estou convencido de que quem esperou tanto tempo poderá esperar mais alguns meses. O País até possivelmente beneficiaria do estudo mais atento que se fizesse da proposta que V. Ex.ª, Sr. Dr. Antunes Guimarãis, trouxe à consideração desta Assemblea.
Nestes termos, entendo que a proposta de V. Ex.ª não pode merecer, neste momento, a minha aprovação. Ela carece de ser objecto, como já disse, de mais demorado exame em todos os seus aspectos.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Se ninguém mais quere usar da palavra, vai proceder-se às votações.
Vai votar-se em primeiro lugar o texto da Base I, tal como consta da proposta do Govêrno.
Consultada a Assemblea, foi aprpvado esse texto.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora um aditamento proposto pelo Sr. Deputado Melo Machado, em harmonia com o parecer da Câmara Corporativa.
Vou desdobrar êsse aditamento em duas partes. A primeira parto será esta: «As restantes obras de fomento hidro-agrícola continuarão a reger-se pelo decreto n.º 5:787-IIII e mais legislação aplicável».
Consultada a Assemblea, foi rejeitada esta primeira parte do aditamento.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ªs, Srs. Deputados proponentes, mantêm a segunda parte do aditamento ou desistem dela?
O Sr. Cunha Gonçalves: - Desistimos dela.
O Sr. Melo Machado: - Exactamente.
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O Sr. Presidente: - Se a Assemblea consente na desistência, escusa de se fazer a votação da segunda parte do aditamento. Vou consultar a Assemblea.
Consultada a Assemblea, deu o seu consentimento.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta do Sr. Antunes Guimarãis.
Consultada a Assemblea. foi rejeitada a proposta do Sr. Antunes Guimarãis.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base II.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai proceder-se à respectiva votação. Em primeiro lugar votar-se á a proposta de substituïção apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado.
Foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a base II da proposta do Govêrno, mas por alíneas.
A respeito desta base, existe na Mesa a seguinte proposta:
BASE II
Propomos:
1.º Que na primeira alínea sejam aditadas as palavras «ennateiramento ou colmatagem».
2.º Que na segunda alínea se suprimam as palavras «profundos ou aluvionários».
15 de Janeiro de 1937. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - A. Cancela de Abreu - António Cortês Lobão - José Nosolini - Diogo Pacheco de Amorim.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a primeira alínea, com o aditamento proposto.
Foi aprovada a primeira alínea, com este aditamento.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a segunda alínea, com a eliminação proposta.
Foi aprovada a segunda alínea, com esta eliminação.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a terceira alínea.
Posta à votação, foi aprovada a terceira alínea, tal como consta da proposta do Govêrno.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III.
Estão sôbre a Mesa duas propostas: uma assinada pelo Sr. Deputado Melo Machado e outra assinada pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Parece-me que de certo modo está prejudicada a votação sôbre a proposta que, relativamente à base m, formula a Câmara Corporativa. E isto pelo seguinte: a Câmara Corporativa julgou indispensável que nesta base se consignasse a declaração «de utilidade pública». Ora nós já votámos a base II e portanto não me parece ser de aceitar irmos agora votar a alteração proposta à base III pela Câmara Corporativa.
Pelo que respeita à proposta de aditamento do Sr. Deputado Cunha Gonçalves, julgo-a de aceitar, mas só na parte em que acrescenta as palavras «lagos e lagoas».
O Sr. Cancela de Abreu: - A base II da proposta do Govêrno falava, pela primeira vez, «em utilidade pública». Portanto, não pode agora a base III vir dizer: «são de utilidade pública». Porventura, o Sr. Dr. Cunha Gonçalves supunha aprovada a proposta.
O Sr. Presidente: - O Sr. Dr. Cunha Gonçalves já explicou que estava de acôrdo em que â sua proposta se limitasse ao aditamento da expressão «lagos e lagoas».
A Câmara Corporativa sugeriu que a base III seja assim redigida:
Leu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Parece-me que há uma certa oposição entre a base III da proposta do Govêrno e a que é sugerida pela Câmara Corporativa. Parece-me, pois, que é preferível pôr primeiro à votação a proposta do Govêrno, se a Câmara assim o entender.
O Sr. Carlos Borges: - Mas há um aditamento.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se, então, a proposta do Govêrno, acrescida do aditamento do Sr. Dr. Cunha Gonçalves, com referencia a acrescentar-se a expressão «lagos e lagoas».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Posta à votação, foi aprovada a base III da proposta do Govêrno, com o aditamento do Sr. Dr. Cunha Gonçalves.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV.
Quanto a esta base, também o Sr. Deputado Melo Machado e outros Srs. Deputados propõem a substituição nos termos sugeridos pela Câmara Corporativa.
A Câmara Corporativa sugere a seguinte redacção:
Leu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu entendo, Sr. Presidente, que esta proposta está também prejudicada pela votação feita com relação à base m.
O Sr. Presidente: - Numa parte está. Quanto ao resto, não.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não se trata de obras, porque de obras .já se tratou na base m, mas sim da declaração da sua utilidade pública. A sugestão da Câmara Corporativa resulta da posição que tinha tomado quanto à base u, e não pode ser aceita porque a Câmara já aceitou a base II conforme a proposta do Govêrno.
O Sr. Presidente: - Vai, pois, votar-se a base IV, tal como consta da proposta do Govêrno.
Posta à votação, foi aprovada a base IV da proposta do Govêrno.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base V.
Quanto a esta base, também o Sr. Deputado Melo Machado propõe a substituição em harmonia com a redacção da Câmara Corporativa, que é nestes termos:
Leu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Está prejudicada. Mas o melhor será eu ir à tribuna dizer porquê.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A questão que está posta é a seguinte: a Câmara Corporativa entendia que a matéria de indemnizações devia reunir-se numa única disposição: a matéria de indemnizações a que se referem as bases II e V da proposta. E, porque entendia isto, deslocou para a base V a parte da base II sôbre indemnizações.
Mas já foi votada a base n, mesmo na parte relativa a indemnizações, e muito bem, segundo creio, porque, ao
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contrário do que parece ter suposto a Câmara Corporativa, em cada uma dessas bases se tratava de indemnizações de natureza diferente.
Pá indemnização por ocupação de terrenos, que é a da base V; e indemnização por expropriação de águas particulares, que é a da base li.
Portanto, estas indemnizações devem fixar-se em bases diferentes; é o que se fez, e muito bem, na proposta do Govêrno.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém mais pede a palavra, vai votar-se a base V, tal como consta da proposta do Govêrno.
Posta à votação a base V, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Como não podemos concluir a discussão, na especialidade, desta proposta, vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã é a continuação da que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Transcrevem-se a seguir as propostas que foram recebidas na Mesa, durante a sessão, relativas à proposta de lei em discussão:
BASE VI
Propomos que na primeira alínea se substitua a fórmula «taxa de rega e dominação» por a taxa de rega e beneficiação».
15 de Janeiro de 1937. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - António Cortês Lobão - A. Cancela de Abreu - Diogo Pacheco de Amo-rim.
BASE VII
Propomos a seguinte alteração:
Adiante da palavra «classes» acrescentar «tendo em atenção a sua situação e exposição, análise física e química do solo e subsolo e».
15 de Janeiro de 1937. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - A. Cancela de Abreu - António Cortês Lobão - José Nosolini - Diogo Pacheco de Amorim.
BASE IX
Propomos que na primeira alínea se acrescentem, adiante da palavra «arrendatários», as palavras «e parceiros, a qual terá personalidade jurídica».
Propomos ainda que na segunda alínea se acrescentem, adiante das palavras «Ministro da Agricultura», as palavras «ao qual compete a aprovação dos respectivos estatutos».
15 de Janeiro de 1937.. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - Augusto Cancela de Abreu - José Nosolini - António Cortês Lobão - Diogo Pacheco de Amorim.
BASE XII
Propomos que na primeira alínea a palavra «agrónomo» seja substituída por «um representante da autoridade».
15 de Janeiro de 1937. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - Augusto Cancela de Abreu - José Nosolini - António Cortês Lobão - Diogo Pacheco de Amorim.
BASE XIII
Propomos que a primeira alínea seja redigida da seguinte forma:
«E obrigatória a utilização da água de rega nas áreas beneficiadas pelos canais em exploração, ficando o Govêrno autorizado a expropriar os terrenos pelo valor que tinham antes das obras, acrescido da capitalização das anuidades já pagas, se os proprietários a não utilizarem».
Propomos ainda que na terceira alínea se acrescentem, a seguir u palavra «arrendatários», as palavras «ou parceiro», e se substitua a palavra «arrendamento» pela palavra «contrato».
15 de Janeiro de 1937. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - A. Cancela de Abreu - José Nosolini - António Cortês Lobão.
BASE XIV
Propomos que à última palavra da primeira alínea sejam acrescentadas as palavras: «ou, quando a expropriação se fizer depois de entrar em exploração o aproveitamento, pelo valor que as terras tiverem nesse momento».
Propomos ainda que, conseqüentemente, na terceira alínea, onde está «pelo referido valor», passe a estar apelos referidos valores».
15 de Janeiro de 1937. - Os Deputados: Albino dos Reis - Mário de Figueiredo - A. Cancela de Abreu - António Cortês Lobão - Diogo Pacheco de Amorim.
O REDACTOR - Carlos Cília.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA