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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112

ANO DE 1937 29 DE JANEIRO

SESSÃO N.º 110 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 28 de Janeiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs.Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o Diário das Sessões.
Os Srs. Deputados Lobo da Costa e Henrique Cabrita fizeram declarações sôbre uma carta lida na sessão de 26 do corrente.
Leu-se o expediente.
Os Srs. Deputados Cortês Lobão e José Cabral fizeram considerações sôbre a mudança do nome da actual Rua do Grémio Lusitano e de outras artérias da cidade de Lisboa.

Ordem do dia. - Foi aprovado o texto de última redacção da proposta de alterações à Carta Orgânica do Império Colonial.
Prosseguiu a discussão, na generalidade, da proposta de lei que estabelece o regime jurídico dos contratos de prestação de serviços, falando os Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Correia Pinto, Carlos Borges, Botelho Neves e Pinto de Mesquita.
A sessão foi encerrada às 18 horas e 5 minutos.

Deputados presentes à chamada, 56.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 7.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 12.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Leal Lobo da Costa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
José Alberto dos Reis.
José António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Penalva Franco Frazão.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Miguel Costa Braga.

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Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
Fernando Augusto Borges Júnior.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Querubim do vale Guimarãis.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Ângelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Fernando Teixeira de Abreu.
Henrique Linhares de Lima.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Saudade e Silva.
Manuel Fratel.
Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 60 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 56 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra para apresentar qualquer reclamação sobro o Diário pode pedi-la.

O Sr. Lobo da Costa: - Sr. Presidente: razões de força maior impediram-me de comparecer à sessão de ontem, à hora a que ela abriu, e, assim, entrei nesta sala depois de estar em discussão a matéria da ordem do dia.
Pelo Diário das Sessões de hoje verifiquei que V. Ex.ª apresentou à Câmara uma carta em que o Sr. Dr. Alberto Xavier faz uma rectificação aos vencimentos que lhe foram atribuídos.
Sr. Presidente: tenho muita consideração pelos homens, mas os homens não mo interessam; interessam-me, sim, os princípios. É-me indiferente que os funcionários a que me referi no meu aviso prévio recebam grandes ou pequenos honorários como delegados ou comissários do Govêrno junto de várias emprêsas. Os princípios que procurei focar no decorrer da sessão é que me não são indiferentes. Referi-me ao facto de alguns directores gerais receberem nada menos que cêrca de 10.000$ por mês, e êsse facto é absolutamente provado pela relação que eu recebi oficialmente.
É deveras lamentável que documentos desta natureza, emanados das repartições públicas, saiam com deficiências. Tenho apresentado vários requerimentos nesta Câmara, pedindo informações, e verificado, com desgosto profundo, que na sua maior parte essas informações ou são incompletas ou são menos verdadeiras; e é para lamentar que em dez anos de Estado Novo - e isto vem confirmar aquilo que tive ocasião de dizer aqui - em muitos departamentos do Estado ainda se sigam processos velhíssimos do estado velho.
Nas considerações que fiz no meu aviso prévio não me referi a nomes de pessoas, e neste momento em nada tenho de alterar o meu ponto de vista sôbre o assunto que foi debatido.
V. Ex.ª já ontem esclareceu devidamente êste incidente e eu, pela minha parte, testemunho-lhe o meu grande reconhecimento pela forma inteligente e desassombrada como o fez.

O Sr. Henrique Cabrita: - Sr. Presidente: não estava presente na sessão de ontem, na altura em que V. Ex.ª mandou proceder à leitura de uma carta do Sr. Dr. Alberto Xavier.
Fui eu quem citou, concretamente, o nome do Sr. Dr. Alberto Xavier, e por tal motivo pedi neste momento a palavra.
Tendo-me fundamentado na lista enviada pela Secretaria Geral do Ministério das Finanças, da qual consta o nome do Sr. Alberto Xavier com uma mensalidade de 5.800$, eu nunca poderia supor que num documento oficial, dimanado duma secretaria de Estado, viesse uma afirmação que não fosse exacta.
Dados os esclarecimentos que V. Ex.ª, Sr. Presidente, ontem aqui prestou, acerca da exactidão do que afirma o Sr. Dr. Alberto Xavier, eu registo que não são 5.800$ por mês, mas 1.200$, o que S. Ex.ª recebe como delegado adjunto do Govêrno na C. P.
Quanto a mim, o problema modifica-se na parte que se refere à quantidade, mas, substancialmente, a questão contínua de pé, porque não compreendo como o Sr. Dr. Alberto Xavier pode ser delegado adjunto do Govêrno do Estado Novo na C. P.
Tenho dito.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: ao ler agora no Diário a forma como está escrita a minha intervenção, ontem, no período de antes da ordem do dia, verifiquei que ela foi tomada com bastante inexactidão, relativamente à forma como me exprimi.
Atendendo a que a Assemblea Nacional compreendeu o que eu pretendia, e V. Ex.ª também, talvez não valha a pena rectificar, porque teria de reduzir de novo a escrito as minhas considerações, tam diferentes elas estão da forma como foram proferidas. No entanto, desejaria que ficasse consignado que elas não correspondem, nas suas palavras e na sua expressão, à forma como as proferi.
Eu afirmei que desistia da urgência do meu aviso prévio, atendendo a que tinha tomado parte numa comissão das forças vivas que foram junto do Sr. Ministro do Interior solicitar a sua atenção e a do Govêrno, e que, respeitando a primeira parte do aviso à solicitação dessa atenção, dela desistia pela razão anteriormente apontada.
Ora, esta parte é que foi inteiramente omitida na forma como está redigida. Dados, estes esclarecimentos, dos quais espero seja tomada a devida nota pelos Srs. taquígrafos, julgo que êles serão suficientes.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém mais pede a palavra sôbre o Diário, considero-o aprovado com as rectificações apresentadas.
Vai ler-se o

Expediente

Exposição do capitão da administração militar Martiniano Homem de Figueiredo, dizendo que, tendo recorrido para o Conselho Superior de Promoções, em virtude

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de se achar prejudicado, por ter sido colocado à esquerda de outros seus colegas, injustamente, foi aquele Conselho de parecer que só o Poder Legislativo poderia resolver a sua situação, sendo-lhe rejeitado o recurso.
O reclamante pede que justiça lhe seja feita, sugerindo a modificação da última parte do artigo 5.º do decreto n.º 12:162, publicado na Ordem do Exército n.º 10, 1.ª série, de 1916, e apresenta um documento da sua folha de matrícula com bastos louvores e condecorações por serviços prestados não só na metrópole como também nas campanhas de África e França.

(Despacho: Publique-se a súmula. 28 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).

Telegramas

Sr. Presidente Assemblea Nacional - Srs. Deputados.- Sindicatos nacionais distrito Porto, reunidos, saúdam V. Ex.ªs e associam-se exposição enviada sindicatos nacionais distrito Lisboa, sôbre proposta lei contratos prestação serviços. Trabalhadores portugueses representados sindicatos nacionais, esperando seus justos interêsses sejam defendidos lei verdadeiramente digna Revolução Nacional e alto espírito justiça seu grande Chefe Salazar, pedem alterações sugeridas exposição sejam atendidas. - Pelos sindicatos reunidos, a Comissão: Sindicato Empregados Escritório - Sindicato Contabilistas Guarda -livros-Sindicato Empregados Bancários - Sindicatos Profissionais Indústria Hoteleira - Sindicato Ajudantes Farmácia - Sindicato Trabalhadores Armazéns Vinhos.

Nova direcção Associação Comercial Industrial Guarda, ao tomar posse seu mandato, cumprimenta V. Ex.ª reforça diligências anterior direcção sentido conseguir justiça que esta região tem direito divisão provincial. - Direcção.

Professorado concelho Almeida, afirmando confiança essa ilustre Assemblea, roga patrocínio aspirações Guarda por forma ser-lhe feita justiça pelo Govêrno Nação. - Delegado Escolar, António Fernandes Rodrigues.

(Despacho: Publiquem-se. 28 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).

Dos professores primários do concelho de Celorico da Beira, pedindo criação da província com sede na Guarda. - Delegado Escolar, Fausto.

Do arcipreste do concelho de Figueira Castelo Rodrigo, apoiando e secundando a representação do povo da Guarda.
Do secretário do Govêrno Civil, Homem Almeida, solicitando valiosa intervenção para que o distrito da Guarda com todos os seus concelhos constitua capital província.
Dos superiores e alunos do Seminário da Guarda, no mesmo sentido do anterior telegrama.
Do arcipreste padre Pires, do Freixedas, idem, idem.
Do professorado do concelho de Pinhel, assinado pelo delegado escolar Antero de Andrade, secundando as aspirações da Guarda.
De Fernando Correia, Caldas da Rainha, no mesmo sentido.
De António Tavares Ferreira, concelho de Gouveia, em nome do professorado primário dêste concelho, no mesmo sentido dos anteriores.
Do arcipreste Raimundo de Vilar Formoso, idem, idem.

De José Augusto da Silva, pelo professorado do concelho de Trancoso, secundando as aspirações da Guarda. Do arcipreste padre Rosalino Santos, em nome do clero, pedindo o mesmo.

(Despacho: Noticiem-se. 28 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja usar da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.

O Sr. Cortês Lobão: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: no dia 23 de Janeiro corrente foi aprovada nesta Assemblea uma moção, apresentada pelo Sr. Deputado Querubim Guimarãis, na qual se sugere à Câmara Municipal de Lisboa a substituição da denominação da Rua do Grémio Lusitano, antiga Travessa do Guarda-Mor.
Como não estava presente nessa sessão, desejo, neste momento, comunicar a V. Ex.ªs que a Câmara Municipal de Lisboa oficiou ao Sr. Ministro da Justiça, em Julho de 1934, mostrando-lhe o interêsse que tinha em modificar o nome de várias ruas da cidade, dado que a nomenclatura de muitas delas podia dar a impressão de que naquela altura, isto é, em 1934, ainda existia muito Estado Velho dentro do Estado Novo, e, consequentemente, para que S. Ex.ª o Ministro da Justiça tomasse as medidas necessárias para que o averbamento dos prédios nas respectivas conservatórias, nas ruas cuja denominação ia ser alterada, fôsse feito gratuita e obrigatoriamente. Não houve qualquer resposta a êste ofício.
Em Fevereiro de 1936 voltou o presidente da Câmara Municipal de Lisboa a oficiar ao Sr. Ministro da Justiça, nestes têrmos:

Excelência. - Em meus ofícios n.ºs 57 e 5:219, datados, respectivamente, de 3 de Janeiro do 1934 e 14 de Dezembro de 1935, expus a V. Ex.ª, pormenorizadamente, as razões que influíram no ânimo da comissão administrativa para alterar a nomenclatura de várias artérias da cidade e roguei, por tal facto, a publicação de uma portaria autorizando que se fizessem gratuitamente os averbamentos às descrições dos prédios nas conservatórias do registo predial.
A Direcção Geral dos Serviços Centrais da Justiça e dos Cultos, não respondendo directamente ao assunto, em seu oficio, liv. 177, n.º 121, datado de 30 de Janeiro findo, indica as disposições legais em vigor e informa que V. Ex.ª ordenará as providências necessárias se, após a execução das deliberações da Câmara, se não mostrarem suficientes aquelas disposições.
Como a mudança dos nomes das ruas não interessa propriamente aos proprietários dos prédios, mas sim à cidade, perdoe-me V. Ex.ª que insista pela publicação duma portaria determinando que os referidos averbamentos sejam feitos obrigatória o gratuitamente pelos conservadores.
A bem da Nação.

Lisboa e Paços do Concelho. 17 de Fevereiro de 1936. - O Presidente da Comissão Administrativa, Daniel Rodrigues de Sousa.

A êste oficio, datado de 17 de Fevereiro de 1936, ainda a Câmara Municipal não obteve resposta.
Portanto, fica esclarecido que a Câmara Municipal de Lisboa já em 1934 insistia pela necessidade de mudar o nome das ruas da cidade que, permita-se-me o têrmo, cheira

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a velho - E nós estamos no Estado Novo -, mas não obteve do Sr. Ministro da Justiça a devida autorização.
Tenho dito.

O Sr. José Cabral: - Sr. Presidente: verifica-se que eu, afinal, estava dentro da razão, quando pretendi que se fizesse um aditamento ao projecto, votado há dias sôbre esta matéria, em que ficasse estabelecido que a Rua do Grémio Lusitano passaria a ser a Rua da Legião Portuguesa. Se isto assim se tem feito, não havia esta dificuldade, e a rua tinha automaticamente mudado de designação.
Eu só quero frisar à Assemblea que não era tam desrazoável o meu aditamento como pareceu a alguns dos meus ilustres colegas, que me pediram que desistisse dele. É claro que não tive dúvidas em desistir do aditamento, por atenção para com a Câmara e os meus colegas. De resto, já sabia que a minha moção não passava de simples lembrança à Câmara Municipal e que não tinha poder executório.
O que acaba de dizer o Sr. Deputado Cortês Lobão não é para mim matéria nova, como, de resto, não o é para outros membros da Assemblea. Fez-se contra minha vontade, e apenas vem provar que eu tinha razão. O caso não é tam simples como o Sr. Deputado Cortês Lobão expôs, pedindo ao Sr. Ministro da Justiça que publicasse uma portaria para se fazer, gratuitamente, a designação de ruas, porque sabemos que a modificação desse estado de cousas só se pode fazer por um diploma do facto, igual àquele que o estabeleceu. É claro que essa prescrição fazia parte duma tabela e que não podia ser modificada senão por um decreto, e S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça não podia modificar por sua livre vontade êste estado de cousas, que só poderia ser modificado por outro modo.
Não está certo que nós, Deputados, estejamos a pedir ao Sr. Ministro da Justiça que publique um decreto a fim de obviar a êste estado de cousas.

O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): - Não pode fazer, implica deminuïção de receita.

O Orador: - Seja como for; o que é lamentável é que continue o mesmo estado de cousas e, assim, por exemplo, ainda não há muito tempo ouvi dizer que, na vizinha vila de Almada, havia uma rua que tinha o nome de Buíça; e digo isto, não porque o Buíça tenha morto um rei e eu esteja a protestar, mas porque é a celebração dum acto criminoso, e, portanto, condenável.
A situação é esta e, portanto, não saímos dela. De modo que já outro dia estivo para o dizer, mas um ilustre colega aconselhou-me que não o fizesse.
Uma vez que a Câmara Municipal não pode, porque vai onerar o Estado, uma vez que o Sr. Ministro da Justiça não pode modificar esta situação, e uma vez que a Assemblea Nacional também não pode, visto que na opinião de alguns ilustres colegas traz aumento do despesa, só há uma entidade que o pode fazer: é a Legião Portuguesa.
A Legião Portuguesa não suporta que se continue a chamar àquela artéria, onde vai ter a sua sede, Rua do Grémio Lusitano; e, como está naturalmente indicado, a Legião Portuguesa fará a substituição dos letreiros da rua.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Terei muito prazer em insistir junto do Sr. presidente da Câmara Municipal no sentido de se dar satisfação aos desejos da Assemblea, para que não ponha obstáculos a que o nome da rua seja mudado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - V. Ex.ªs leram no Diário das Sessões o texto, aprovado pela Comissão de Última Redacção, das alterações à Carta Orgânica do Império Colonial. Se algum Sr. Deputado tem alguma observação a fazer sôbre êste assunto, queira dizê-lo.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pode a palavra, considero aprovado aquele texto.
Passamos, agora, à continuação da discussão, na generalidade, da proposta de lei relativa ao regime juridico dos contratos de prestação de serviços.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente e meus senhores: estâmos perante uma proposta de lei que, como já aqui foi salientado, é das mais importantes e das mais oportunas, e que é duma manifesta beleza moral, pela forma elevada e verdadeiramente equilibrada como é tratado o magno problema do trabalho.
Este problema é tratado, repito, nesta proposta de lei, sob uma forma que é absolutamente digna do Estado Novo. Visa ela a garantir o trabalho, dando-lhe a necessária continuidade e permanência, e melhorando as condições em que êle decorrerá, estabelecendo êsse salutar princípio das férias, da protecção à mulher grávida, e tantos outros pontos aqui oportunamente e inteligentemente tratados.
Eu devo dizer a V. Ex.ªs que tive uma grande satisfação ao apreciar esta proposta de lei, no seu curto mas bem redigido e documentado relatório, no seu belo articulado, e também ao ler o parecer da Câmara Corporativa, que é incontestavelmente do uma grande proficiência e nos traz um precioso auxílio, de muito e muito saber, para nos orientar na apreciação e discussão dêste importantíssimo diploma.
Também tenho ouvido com a maior atenção os ilustres Deputados que subiram a esta tribuna, e vejo que todos encararam êste magno problema como êle merece, isto é, não lhe negando o mérito incontestável de fórmula verdadeiramente digna do Estado Novo, embora tenham aqui surgido algumas divergências sôbre pormenores.
O que mais feriu a minha atenção e mais grato é ao meu espírito é que os benefícios garantidos nesta proposta de lei aos operários não tomam o carácter de favor, mas o franco reconhecimento de direitos que legitimamente assistem a todos os que, com o seu trabalho, concorrem para a prosperidade das emprêsas.
Desta harmónica fórmula sai o operário com vários aspectos da sua actividade notavelmente melhorados - melhorado no que respeita a garantias de permanência de situação e noutras vantagens materiais -, mas, acima de tudo, é dignificado, porque se trata do reconhecimento de direitos e não de favores, como já disse.
É que ao citar-se direitos não se omitem os deveres, as obrigações que o operário tem no exercício das suas funções, não só perante a emprêsa e o patrão, mas perante a Nação inteira; e até se estabelece como condição do uso de direitos aqui reconhecidos os bons serviços, a sã conduta, a assiduidade no trabalho, etc.
É de registar, Sr. Presidente e meus senhores, que a linguagem usada nesta proposta de lei só é possível no Estado Novo.
Só agora, depois do monumental trabalho de preparação levado a efeito pelos diferentes Govêrnos da situação do 28 de Maio, é possível falar aos operários numa linguagem tam verdadeira, isto é, dizer-se que

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os operários vão receber importantes melhorias, sem afirmar que elas resultarão do sacrifício de outros factores da emprêsa, isto é, que se irá tirar ao patrão aquilo que se vai dar ao operário.
A fórmula desta proposta de lei é perfeitamente equilibrada, pois o operário recebe aquilo a que tem absoluto direito, porque cumpre os seus deveres devidamente integrado na emprêsa que lhe proporciona trabalho, contribuindo para a sua prosperidade, e nunca se esquecendo de que, na devida proporção, a todos -capital, gerentes e operários - assiste o direito a condigna retribuição, mas por forma a não prejudicar a actividade económica de que todos êles vivem, e que, acima de tudo, é precisa para a Nação.
Outra nota digna de registo: nesta proposta de lei não há uma única palavra que deminua a entidade patronal. Antigamente, sôbretudo em vésperas de eleições, para lisonjear e atrair os operários e ganhar-lhes os votos, o patrão, em lugar de ser apontado como exemplo a seguir e prestigiado como cumpria, era apontado aos operários como o inimigo, o espoliador.
Assim medrava o deletério espírito de classe, que cavava abismos tremendos entre operários, patrões e capitalistas, quando todos juntos, e em boa harmonia, ainda eram poucos para lutar eficazmente contra concorrências esmagadoras.
Mas nesta proposta de lei o operário surge, poderíamos dizê-lo, de braço dado com o patrão, em fórmula bem equilibrada, trabalhando todos, conforme suas competências e em perfeita solidariedade, para o bem de todos, cônscios dos seus direitos, mas escrupulosos cumpridores das respectivas obrigações, auxiliando-se mutuamente, dentro da ordem e daquela disciplina que é a base da justiça social, expressa na hierarquia do Estado Novo, que todos os bem intencionados acatam e respeitam.
É assim que é preciso falar. É necessário que de uma vez para sempre se deixe de deminuir capital e gerentes e se afirme em voz alta aos operários que o patrão deve ser sistematicamente, não só obedecido e respeitado, mas tomado como exemplo a seguir, como meta a atingir, tal qual nas Universidades que frequentámos e nas quais, como alunos, olhávamos os lugares do magistério superior como uma meta a atingir. Assim nos habituámos a respeitar os nossos mestres; e também como se verifica no exército, onde os que sentam praça vêem nos seus oficiais entidades dignas do maior respeito, consideração e obediência e, também, exemplos a seguir.
Sr. Presidente: o patrão nasce por via de regra do operário. O patrão, como muito bem disse anteontem o Sr. Dr. Águedo de Oliveira, nas suas brilhantes considerações, é um dador de trabalho, mas antes de dador foi o criador do trabalho que nasceu da sua iniciativa inteligente e oportuna. Iniciativas que, por isso mesmo, porque delas pode vir a resultar o que de mais precioso se conhece - a criação de trabalho, fonte da ordem e da felicidade -, é preciso amparar e aproveitar, como sempre tenho afirmado nesta tribuna.
Ainda há pouco defendi êste ponto de vista no campo administrativo, pedindo que não se tolhessem as iniciativas locais; e também, a propósito da política hidro-agrícola, alvitrando que, ao lado do Govêrno, se permitissem obras de irrigação de iniciativa particular, devidamente amparadas, no aspecto financeiro e técnico, pelo Estado; e ainda, a propósito de actividades industriais e comerciais, defendendo a conveniência de longe da supressão de pequenas unidades económicas, se promover o seu desenvolvimento para estímulo de iniciativas e consolidação de muitas famílias.

O patrão, quási sempre, nasce do operário capaz de fora das suas horas de trabalho, sacrificar os divertimentos, que atraem a grande maioria, para concentrar a atenção mima idea; mais que isso, é o operário dotado de tenacidade para a idea que lhe brotou do cérebro; e ao qual não falece perseverança para, através de todas as surpresas e dificuldades, por vezes terríveis, não abandonar a árvore que plantou e garantir-lhe solidez, para que frutifique por muitos anos, garantindo assim trabalho a muitos dos seus antigos camaradas, proporcionando-lhes recursos para o bem-estar de suas famílias, e nunca se esquecendo de que, assim trabalhando, serve a sua Pátria.
É por êste motivo que daqui saúdo o Govêrno pela forma equilibrada como o problema é posto nesta proposta de lei.
Repito, porque nunca é demais afirmá-lo: não se trata de pedir sacrifícios aos patrões para cobrir de benefícios os operários, porque estes apenas receberão o que lhes cabe, mas sem ofensa da emprêsa e da Nação.
Desta forma, o que o operário recebe nunca representará sacrifício do patrão.
Numa emprêsa bem organizada, desde que desapareça o espírito de classe e surja a harmónica conjugação de esforços, com iniludível dedicação dos operários, os lucros, repartidos com justiça, devem dar para todos, na equilibrada proporção do trabalho intelectual ou muscular, do risco, etc.
Assim, do reconhecimento dos direitos constantes desta proposta beneficiarão todas as emprêsas.
É preciso que o operário possa confiadamente dedicar-se ao seu trabalho, sem a terrível preocupação da falta de garantia do seu lugar, a sua única fortuna, exclusivo amparo dos seus. Se, por desgraça, em nosso espírito vivesse a preocupação constante de nos poder faltar o indispensável para prover às exigências da família, essa preocupação, por certo, seria o suficiente para prejudicar a eficiência do nosso trabalho. O mesmo acontece aos operários.
Falou-se aqui também em férias. Efectivamente, olhando o problema de unia maneira simplista, pode concluir-se que as férias constituirão prejuízo incomportável para as emprêsas.
Sr. Presidente: todos nós, que fomos estudantes, sabemos bem a utilidade que das férias resulta para uma maior intensificação de trabalho; e ainda hoje, neste alto posto de Deputado da Assemblea Nacional, verificamos quanto é útil e proveitoso, tanto para nós como para a grave missão que exercemos, um pequeno descanso.
Para o operário também essas férias serão de grande utilidade, sem prejuízo da emprêsa, que eles, uma vez retemperados, poderão servir melhor. Caso é que as férias não excedam a capacidade financeira da emprêsa, nem coincidam com épocas de trabalhos inadiáveis; e, ainda, que sejam aproveitadas para restaurar o organismo e não para mais o cansar ou prejudicar.
Eu não fixaria, como consta da proposta, a duração dos períodos de férias. Esperaria, dando para isso a necessária autorização ao Govêrno, que as ciicunstâncias orientassem os limites, aliás variáveis, de indústria para indústria.
Devo, porém, reconhecer que o Govêrno, ao estabelecer períodos reduzidos de férias, demonstrou saber quanto seria grave qualquer deliberação capaz de ferir a solidez das emprêsas, indo além das suas possibilidades.
Esta proposta de lei está toda cheia de aspectos novos e interessantíssimos, qualquer deles capaz de merecer largas dissertações.

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A um ponto se referiu, aqui, o nosso ilustre colega Sr. Braga da Cruz, que merece também a minha atenção: é o dos despachos do Sub-Secretário de Estado das Corporações para esclarecimento de dúvidas que possam surgir na aplicação de preceitos desta proposta, mas despachos que podem, pela sua alta importância, constituir verdadeiras leis.
Reconheço que o Govêrno, ao propor aquela importante autorização para o Sub-Secretário de Estado das Corporações, e a Câmara Corporativa, ao apoiar aquela proposta, tiveram em consideração as condições excepcionais da época de ampla renovação em que vivemos, a qual se não compadece com leis cristalizadas.
E até entendo que o Estado, para conseguir, não só neste campo, mas em todos os outros, um perfeito paralelismo entre todos os seus poderes, teria vantagem em generalizar aquele princípio da constante actualização das leis, mediante despachos ou decretos do Govêrno.
Tal não seria preciso se todos os julgadores estivessem absolutamente integrados nos princípios renovadores do Estado Novo, porque, ao interpretarem as leis, iriam ajustando-as à nova ideologia. Mas é o próprio Govêrno que diz no seu relatório:
«Certas soluções da jurisprudência, embora reveladoras de escrupulosa obediência à letra da lei, estavam longe de corresponder às modernas aspirações do direito português do trabalho».
Por isso, o Govêrno se vê obrigado a recorrer a êsses despachos. É assunto de magnitude e manifestamente difícil em que eu não quero entrar nesta ocasião, para não demorar a discussão desta importante e urgente proposta de lei.
Há ainda um outro assunto interessante a que eu não posso deixar de me referir, como antigo presidente da Junta Geral do distrito do Pôrto.
Entre os oito estabelecimentos de assistência que aquela Junta Geral administrava, havia uma creche-maternidade. Ora a protecção às mulheres grávidas, a que a proposta de lei se refere, limita-se às operárias casadas. Quero crer que o Govêrno quis, assim, obedecer aos acertadíssimos preceitos da Constituição sôbre a família, fazendo-a assentar no casamento e filiação legítima.
São, por consequência, exceptuadas dos benefícios desta lei as operárias não casadas.
Precisamente grande parte das desventuradas que recorriam ao referido instituto da Junta Geral do distrito do Pôrto eram mulheres não casadas que, se não tivessem quem as amparasse em tam difícil situação, ficariam em situações verdadeiramente trágicas.
Sei lá quantas desgraças se evitaram...
Mas convenço-me de que o Govêrno, embora orientado pelos sãos princípios de defesa da família legítima, receberá com aplauso uma proposta tornando extensivas às operárias não casadas aquelas vantagens.
Por minha parte darei o meu voto à proposta que sei já estar redigida nesse sentido por um dos nossos ilustres colegas.
Evidentemente que o Govêrno precisa, e precisa muito, do defender as famílias legítimas; e há providências que seria para desejar que surgissem quanto antes.
Eu quero referir-me ao perigo a que estão ainda expostas as famílias que tiverem por chefes pessoas com alguns recursos: há conluios, deletérios cambões que se organizam para, depois da morte de pessoas, muitas das quais em vida foram dignas de todo o respeito, desfalcarem o património dos seus filhos e, muito pior ainda, levarem a perturbação ao seio de famílias honestíssimas, infamando a memória daqueles que foram dignos e que já não podem quebrar-lhes os dentes peçonhentos, para o que sucede aparecerem testemunhas que deturpam e enlameiam a reputação de mortos ilustres, mas que êles não trepidam em manchar. Felizmente que os tribunais lá estão, e ainda bem, para fazerem justiça. Mas se as leis em vigor não foram informadas pelos princípios salutares da nossa Constituição em tam grande matéria, ¿que hão-de os juízes fazer?
Reformem-se, quanto antes, as leis para a dignificação da família legítima, base principal do Estado Novo.
Mas que se defendam não só os respectivos bens materiais, mas também os morais.
Que não se perturbe, com falsas insinuações, o sagrado respeito que a viúva deve à memória do marido, a veneração das filhas e dos filhos, pelas qualidades do ente querido que a morte lhes roubou.
Outro ponto há nesta proposta - toda cheia de innovações, em feliz desenvolvimento do Estado Novo e da nossa Constituição - que levantou dúvidas à Câmara Corporativa, mas que, na minha opinião, não têm lugar. E aquele que diz respeito a serem abrangidos por esta lei os serviços domésticos e agrícolas.
Eu tenho a certeza de que o Govêrno, ao redigir esta proposta de lei, não pretendeu nela incluir aqueles assalariados. Eu, como lavrador, que conheço de perto a vida das nossas populações rurais, sei quanto seria difícil a sua integração nos preceitos desta proposta de lei, que subentende certa organização e cultura que ainda falece na lavoura.
Aguardemos outra proposta de lei, que em breve teremos a honra de apreciar - quero referir-me à oportuna organização da lavoura -, e aguardemos também que a lavoura depois se organize por forma a vencer as dificuldades que presentemente a assoberbam, para então se estudar a maneira de levar até aos nossos assalariados de serviços agrícolas e domésticos benefícios correspondentes aos que desta proposta de lei hão-de resultar para as emprêsas comerciais e industriais.
Sr. Presidente: eu não quero ser mais longo. Teria ainda muito que dizer se obedecesse ao que o meu espírito me pede em face de tam importante diploma, mas limito-me a tocar os pontos já referidos, na generalidade. Não apresento qualquer proposta de alteração, porque estou informado de que as alterações a que me referi e justifiquei já constam de propostas que vão ser apresentadas por alguns dos nossos ilustres colegas.
Portanto, termino com palavras de íntima saudação e de grande aplauso ao Govêrno por esta oportuníssima proposta de lei, e à Câmara Corporativa pelo seu tam valioso parecer, e com votos de que frutifique, como é desejo do Govêrno e de todos nós.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Correia Pinto: - Sr. Presidente: a proposta de lei que está sôbre a Mesa tem sido largamente discutida, e merece-o em todos os sentidos.
A proposta em si faz o elogio da solicitude, do zelo e da prudência como tem exercido o seu lugar o Sr. Sub-Secretário das Corporações e Previdência Social.
O relatório que a acompanha honra a Câmara Corporativa. Neste relatório há talento, há saber, há uma exposição luminosa e, ao mesmo tempo, há bom senso e um profundo sentir nacionalista, que eu aprecio muito. Quero dizer: o parecer acredita mais uma vez, no País, e perante esta Câmara, a dinastia das corporações.
¿Que interêsse tenho eu em vir aqui discutir esta proposta, depois de o fazerem tantos oradores ilustres, e depois de sair daqui há pouco tempo o Sr. Dr. Antunes

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Guimarães, que caracteriza sempre as suas intervenções nesta Assemblea por um grande bom senso e um grande sentido das realidades, e por quem tenho uma consideração muito grande, porque é no Pôrto - lá onde exerço a minha profissão espiritual!- o que se pode chamar um homem bom em toda a extensão da palavra? (Apoiados).
Venho aqui discutir esta proposta porque ela tende a dignificar o trabalho e proteger os fracos e humildes. E esta dignificação e êste patrocínio aos fracos é o resumo daquela famosa encíclica de Leão XIII, que a Sr.ª D. Domitila de Carvalho aqui citou, há pouco tempo, com uma grande e enternecida admiração.
Na verdade, a Igreja, através dos tempos, não tem feito mais que proteger os fracos.
Resumindo o papel social da Igreja na Idade Média, sente-se que o papel da Igreja para com o povo é alguma cousa que é preciso contar.
O povo era extremamente desgraçado, era vítima de Iodas as extorsões; êle considerava a vida como um fardo incomportável. E a Igreja alimentou na alma dêsse povo o desejo de viver.
Ora a Igreja, nestes tempos que vão passando, não se quere limitar a isto, quere dar ao povo uma vida confortável, com bem-estar que se case com a dignidade da sua pessoa moral.
Os senhores conhecem tam bem como eu, pelo menos, Aires de Gouveia. Foi um grande orador sagrado e um grande orador parlamentar. Falava numa linguagem ligeiramente empolada e sempre com uma grande preocupação de que essa linguagem fôsse purista. Porque êle foi um orador parlamentar, bastará lembrar o seguinte:
Pouco depois da revolta do 31 de Janeiro; no Pôrto, Aires de Gouveia veio ao Parlamento - de que andava afastado havia muitos anos - para fazer um discurso extraordinariamente agressivo para o Govêrno que reprimiu a revolta. Quási chegou a justificar essa revolta pelos abusos do Poder. E era interessante notar a maneira como procedia então Aires de Gouveia. Tinha com os seus hábitos de bispo, e, quanto mais violento e agressivo era, com mais cuidado ajeitava, sôbre o peito, a sua cruz de prelado. Êle era gentilíssimo na tribuna, e para lhes dar uma idea do valor da sua oratória, basta citar êste passo:
Sendo agredido, António Cândido levantou-se e pediu a palavra, como tinham feito todos os outros colegas no Ministério. Então Aires de Gouveia olhou para êle e disse: «Sr. Presidente, o som daquela voz é como se ouvisse o grito estrídulo da águia que, abrindo a envergadura enorme, tentasse aferrar-me nas garras e erguer-me alto, muito alto, para depois, caindo, eu me despedaçar no lajedo frio da minha incapacidade; mas, revertendo ao ponto de partida...» - e continuou o seu discurso cada vez mais violento.
Êle foi empregado de uma casa comercial, foi lente de direito em Coimbra, foi Deputado, Ministro da Justiça, depois de Ministro fez-se padre, foi bispo e foi Ministro dos Estrangeiros. Por isso, uma vez no Parlamento, querendo exemplificar, disse isto: «Eu quis ser estudante e fui lente, quis ser Deputado e fui Ministro, quis ser padre e fui bispo».
¡E foi tudo isto pelos seus méritos!
Li, há pouco, uma biografia onde são narrados estes factos, e conta-se lá o seguinte: a Aires de Gouveia era filho de um comerciante do Pôrto; o pai veio, com dez ou onze anos de idade, fazer serviço, também, numa casa comercial; tinha cama, mesa e roupa lavada, e, aos domingos, ia com o patrão à missa e aos Lausperennes; foi crescendo, fez-se empregado, e, um dia, o patrão mandou-o, quási com carta branca, para Vouzela, a fim de se casar com uma menina de família conceituada e virtuosa; depois, como não tinha filhos, passou-lhe a casa, e, finalmente, deixou-lhe os bens».
É um exemplo, este, do que eram as relações entre o capital e o trabalho há setenta anos, que nos parecem já sete séculos.
De facto, tudo se modificou profundamente, e modificou-se porque a indústria e o comércio tomaram um desenvolvimento enorme, quási prodigioso. O capital foi sofrendo uma secularização progressiva; quis ser apenas o capital categoria económica; esqueceu as regras da moral, para se preocupar apenas com esta fórmula: os negócios são negócios.
Esqueceu-se de fazer justiça cristã e justiça social, e aconteceu, portanto, isto: é que, do lado contrário, os operários, num movimento de reacção muito natural e lógico, trataram de defender-se, de agrupar-se, de fazer valer os seus direitos, de ir para o contrato de trabalho e tantas outras reivindicações sociais. E o Estado não pôde ficar indiferente; órgão supremo, interveio quando devia intervir.
É o que se passa agora com o Estado Novo, na nossa terra.
Êle veio com esta proposta de lei rever o nosso velho contrato de prestação de serviços. Vem dar-lhe mais largueza, mais alcance, mais elasticidade. Vem introduzir-lhe uma modalidade nova, em que ao elemento jurídico antiquado, como diz o parecer da Câmara Corporativa, se junta o elemento económico e social. O Estado vem impor as suas condições, que ficam a fazer parte do quadro, onde, de futuro, se deverão celebrar os contratos de trabalho. E o que faz o Estado, e o que lhe competia fazer.
Meus senhores: ¿imaginam, talvez, que o contrato de trabalho, em matéria de reivindicações sociais, é a última palavra? ¿Imaginam que o operário, para além do contrato, não pensa em mais nada? É um engano. O contrato de trabalho entre os operários, entre os seus orientadores, na própria sociologia cristã, tem contraditores apaixonados. E dizem estes: o contrato de trabalho é essencialmente deprimente, indecoroso, para a pessoa do trabalhador, não tem por êle o respeito que devia ter, chega a ser um contrato imoral.
Isto não é verdade!
O contrato de trabalho existiu sempre; o contrato de trabalho não é reprovado pela Igreja católica. E é preciso que se saiba que os companheiros das antigas corporações eram assalariados.
E o contrato de trabalho - tem-no a experiência demonstrado - traz vantagem para o trabalhador, porque lhe dá a garantia de uma remuneração certa, previamente ajustada e imediata, e o põe a salvo das demoras e dos riscos; e tem vantagem para o patrão, porque lhe garante a propriedade do produto fabricado. Tem vantagem de conjunto para os dois, porque acaba com conflitos; e, ainda, tem vantagem para as emprêsas, porque assim têm uma direcção única, uma direcção muito diligente e discreta, que é a direcção que convém. E claro que os contraditores do contrato de trabalho ensinam ao operário que não deve estar contratado, mas sim associado. Mas é preciso notar que, no regime de associação, não se salva o operário da injustiça, e porque o operário dentro da sociedade ficará sendo sempre um sócio sem capital, um sócio que não pode sofrer riscos e demoras, e portanto numa situação de inferioridade e também de injustiça.
Para onde caminhamos nós? Talvez para um regime de contrato e também de sociedade.
Quem sabe, meus senhores, se, examinado mais atenta e profundamente êste contrato, não será um contrato de reciprocidade de serviços. Mas o operário serve com o seu braço o trabalho. E o capital?

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Dirigir uma emprêsa é servir. Podemos dizer abertamente que o capital é serviço, que há serviço-vontade, serviço-inteligência e riscos, e serviço de responsabilidade. Portanto, vejo eu, no fundo, um contrato de reciprocidade de serviços.
Lembro, a êste respeito, o que se passou com o grande jornal A B C, de Espanha, e com a Frente Popular. Em determinado momento, êsse importante orgão da imprensa espanhola, o de maior importância do regime das direitas, foi surpreendido por uma greve, sem aviso prévio, que tendia a criar dificuldades à vida do referido periódico. Saiu o quadro tipográfico e o director do jornal convidou o chefe da tipografia para uma conferência a realizar em determinado prazo, conferência a que o interessado não compareceu. Em vista disso, organizou um outro quadro, absolutamente ao abrigo da lei e da justiça, Não havia operários com salários mais altos, nem com maiores garantias, dos que os do A B C. Venceu, porém, a Frente Popular, e o antigo quadro apareceu com um contrato de trabalho na mão, para ser readmitido, e o jornal teve de abrir as portas a estes seus inimigos. A emprêsa transigiu, mas o director do A B C abandonou o jornal, até hoje.
E houve um caso ainda pior, em que o despedimento de um operário deu lugar a que sobre êle recaísse a suspeita do ter assassinado um dos patrões. Venceu a Frente Popular e êsse operário voltou para ocupar o lugar que tinha, impondo a um irmão do assassinado a sua entrada nos quadros do pessoal. Alucinado, êste homem puxou de uma pistola e matou o operário.
Nós devemos ter todo o cuidado para que os contratos de trabalho em Portugal sejam garantidos, não pela Frente Popular, mas pela Frente Nacionalista, pela Frente do Estado Novo.
Eu tenho uma grande simpatia pelos empregados e assalariados. Pessoas da minha família não trabalham em altas situações do Estado; nunca pensaram nisso, são trabalhadores modestos em casas comerciais. Sei como essa gente trabalha, e sei que, em geral, percebe ordenados regateados pelos patrões e regateados pela crise que atravessamos; acontecendo, portanto, que essa gente tem de viver com muitas dificuldades. Uma doença, o nascimento de um filho, um acréscimo de despesa criam-lhes situações verdadeiramente graves. E êles não o merecem; são bons, trabalham tanto pela Pátria portuguesa como os melhores portugueses.
Os antigos construíram as catedrais, que são um motivo de admiração e de grandeza impressionante. Os construtores das catedrais ergueram-nas a rezar e a cantar, ergueram essas naves de pedra, que elevam as almas para o infinito, e, hoje, ninguém sabe o nome dêsses trabalhadores. Também essa gente, que trabalha nas grandes emprêsas, levanta êsses colossos e fica na escuridão. Essa gente que trabalha é boa, e o Estado Novo, hoje, que a sindicou, conta com ela para as grandes manifestações patrióticas, para assistir aos comícios anticomunistas, como ela tem uma esperança elevadíssima no espírito de justiça do Estado Novo.
Eu sou, sistemàticamente, pelas propostas do Govêrno. Nunca aqui apresentei emendas, porque as julgo perfeitamente dispensáveis da minha parte. Entendo que essas propostas são precedidas de estudos muito atentos, de inquéritos minuciosos, de observações sistemáticas. O Govêrno não quero dar passos em falso, e quere fazer justiça a todos. A nossa maneira de ver pessoal não tem uma base de informação tam completa, uma visão tam alta como tam realmente o Govêrno. Mas, ao tratar-se desta proposta, devo dizer que voto do coração todas as emendas que tendam a torná-la mais generosa ainda, se isso é possível. Todas as emendas tendentes a fazer com que os assalariados e os empregados visados por essa proposta bemdigam ainda mais o Estado Novo merecem o meu incondicional apoio.
Era isto que me mandava dizer aqui, na Câmara, a minha consciência de padre e de cristão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: perdoe-me V. Ex.ª, e a Câmara, vir tomar parte neste debate, depois da oração impressionante do ilustre Deputado e grande orador Sr. Dr. Correia Pinto. Mas quem tem andado, como eu, em comícios e conferências de propaganda, dirigidos principalmente as massas proletárias, à gente que trabalha, tem por êsse facto obrigação de vir dar o seu contributo a êste diploma, quanto mais não seja para que se saiba que as afirmações produzidas nos comícios e nas conferências não são simples jôgo de palavras, simples expediente de retórica, simples habilidade do política, mas sim a correspondência a uma necessidade do nosso espírito, a um desejo do bem servir a Nação e, por ela as classes menos protegidas, menos favorecidas da fortuna.
O Estado Novo prometeu às classes trabalhadoras uma melhoria compatível com as condições económicas e sociais do País. O Estado Novo cumpre honradamente, até onde lhe é possível, essa sua promessa.
Já oradores ilustres, parlamentares da envergadura dos Srs. Drs. Águedo de Oliveira, Querubim Guimarãis e Lopes da Fonseca, fizeram a apreciação, na generalidade, desta proposta, referiram-se às condições económicas, sociais e jurídicas do trabalho através dos tempos.
A verdade é que, durante muitos séculos, o trabalhador e o patrão viveram em íntima comunidade, em quási familiaridade. Daí resultaram laços de sentimentos e tendências de justiça, uma solidariedade tam grande de interêsses, que nem o assalariado sentia muito o peso do seu trabalho, nem o patrão impunha muito a superioridade do seu capital e da sua iniciativa. No século XIX o capitalismo, a criação das grandes emprêsas despersonalizaram o patrão. O dono do uma emprêsa é geralmente uma sociedade por acções, que representa milhares do indivíduos, tendo uma administração que muda constantemente e que chega a não conhecer os seus empregados. O salário deixou do ser uma remuneração correspondente ao esforço do operário para ser a mercadoria sujeita a esta lei cruel da oferta e da procura. O salário converteu-se em mercadoria, que procura não se desvalorizar. Associaram-se os operários, constituíram-se por sindicatos, primeiro no intuito de conseguirem um pouco mais do bem-estar e de conforto e depois com um fim manifestamente revolucionário.
Já não era aspiração de uma melhoria material da existência; era a Ânsia de destruir, de demolir, de conquistar o Poder, com todas as vantagens que dele podem, resultar.
Da greve-simples reivindicação operária passou-se à greve política e revolucionária. Da greve-movimento colectivo, orientado no sentido duma conquista de carácter material e que podia ser informada por um certo espírito do justiça, passou-se ao movimento destruidor, subversivo, anarquizante. E os directores, os cheios das confederações do trabalho, deixaram de ser pastores das classes, para passarem a ser os directores, os chefes de movimentos sediciosos. Isto tinha de ser necessariamente corrigido.
Por um lado as massas operárias iam para a greve revolucionária; por outro lado os patrões defendiam-se, (até certo ponto com legitimidade), por meio do lock-out, e o Estado assistia à guerra social.
Fez-se o elogio da violência; ensinou-se a técnica da revolução.

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E é assim que o Estado Novo, a Revolução Nacional, encontra operários e patrões neste país provado por tantas desgraças e misérias e que suportou, não sei durante quantos anos, as violências de um grupo de bandidos que tinha o nome de Legião Vermelha e que se dizia destacado das massas operárias, às quais, aliás, para honra dos operários portugueses, nunca tinha pertencido.
O Estado português, o Estado Novo Corporativo suprimiu logo ao operário o direito à greve, negou ao patrão o direito ao lock-out, o propôs-se servir do árbitro entre as duas partes em litígio, propôs-se substituir à guerra social, à luta de classes, tam proclamada e defendida pelos chefes revolucionários, a coordenação de interêsses, de direitos e obrigações.
Obedece a esta orientação a proposta que estamos discutindo.
Por ela, sr. Presidente, se faz um pouco mais de concessões ao operariado.
Sou - tenho muito orgulho em o dizer - da opinião do Sr. Deputado Correia Pinto, que profundamente admiro, como orador, como sacerdote e como homem. Tudo quanto sirva - isto não é demagogia, Sr. Presidente -, tudo quanto sirva para atenuar a miséria, para melhorar a situação da gente que trabalha de sol a sol o que se vale do esforço do seu braço paru ganhar honradamente o pão de cada dia, merece, incondicionalmente, a minha aprovação, porque eu, como o Sr. Deputado Corroía Pinto, também não nasci em berço de ouro, também não tenho ascendências de gente rica e, pelo contrário, os meus parentes também trabalham em profissões muito modestas.
Mas o que valo nestes problemas é o conjunto, é a Nação. E, para a tranquilidade e progresso da Nação, importa realmente que as classes trabalhadoras se sintam defendidas nos seus legítimos direitos e nas suas justas aspirações.
É isto que se pretende fazer nesta proposta. Dá-se pouco, mas dá-se o que se pode. Nós não podemos exigir aos patrões, ao capital, sacrifícios além das suas possibilidades. Isso seria fazermos também guerra social, seria tomarmos o partido duma classe contra outra. Porém, não podemos deixar de exigir ao egoísmo dos patrões um pouco do que elos podem dar para benefício do operário, porque a miséria foi sempre má conselheira, e onde ela chega falta muitas vezes a dignidade e o decoro humano, e o trabalho é qualquer cousa digna que dignamente deve ser recompensada.
Tenho pois, Sr. Presidente, por esta proposta, a máxima simpatia.
Ela concede, duma maneira geral, as férias aos empregados e assalariados, dentro dos limites em que as emprêsas podem suportar êsse encargo, e só por isso já ela não podia deixar do merecer o meu maior aplauso.
Esta proposta sugere-me, no entanto, algumas pequenas objecções que eu não posso deixar de fazer.
Assim, por exemplo, a distinção entre empregados e assalariados tem, como elemento de diferenciação, o facto de se prestar um trabalho intelectual ou um trabalho simplesmente manual. Mas entre o trabalho puramente manual e o trabalho intelectual há gradações, há situações que não são nitidamente nem de um grupo nem do outro. Poderei, por exemplo, apresentar estes casos: o do contínuo duma casa bancária, o do porteiro dum estabelecimento fabril ou do empregado guarda da noite dum hotel. Não se trata dum trabalho manual, nem dum trabalho intelectual. Há, portanto, dúvidas que, por vezes, terão de ser resolvidas. Para a resolução destas dúvidas tem a proposta o § 3.º do artigo 4.º
O orador leu o citado parágrafo.
Eu sou absolutamente hostil à intervenção do Executivo e de agentes de administração no exercício do Poder Judicial. Entendo que a função de julgar anda a dispersar-se muito por organismos e entidades que não tem preparação para a exercer e que não oferecem as garantias indispensáveis para emendar um erro, com conhecimento das leis e de certas normas jurídicas. Já julga muita, gente, o agora até julgam os chefes de secretaria das câmaras municipais. Numa das últimas sessões o meu ilustro colega Sr. Proença Duarte referiu-se a êste facto. Eu quero, pela minha parte, dizer que não estou de acordo com esta orientação de entregar a agentes do Poder Executivo funções que só devem pertencer ao Poder Judicial. É perigoso, inconveniente, e, sobretudo, não dá aos condenados as necessárias garantias de defesa, e isso é muito importante.
Quanto à intervenção, portanto, do Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações na solução de dúvidas referentes a interêsses de assalariados e empregados, pareceria que ela não devia ser bem recebida, porque, em determinado momento, teria um reflexo ou até uma interferência directa em pleitos já postos nos tribunais.
Não é êsse evidentemente o fim da proposta; o que ela quere é que por um despacho do Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações se possam resolver os casos duvidosos, fixando princípios que depois os tribunais tenham de seguir e a que tenham de submeter-se.
Contudo, para acautelar e para, quanto a mim, completar esta disposição, permito-me enviar para a Mesa uma proposta de aditamento.
Há ainda nesta proposta, Sr. Presidente, um outro caso que não me parece estar suficientemente definido: é o direito que se concede para a denúncia ou rescisão do contrato de trabalho por doença do empregado que o impeça de continuar no exercício da sua actividade.
Que a moléstia contagiosa seja um motivo de rescisão do contrato por parte do trabalhador ou do dador de trabalho (dador, traduzindo do francos, porque não me ocorre de momento expressão melhor...).

O Sr. Águedo de Oliveira: - Já o Sr. D. Pedro IV era o dador...

O Orador: - Mas isso era da Carta Constitucional. Não foi um dador de trabalho: foi um dador de trabalhos.
Mas dizia eu: que a moléstia contagiosa seja um motivo de rescisão do contrato, tanto por parte do patrão como por parte do empregado, está bem. Há muitas razões do ordem social e higiénica que o impõem.
Quanto à doença vulgar, é caso mais melindroso, porque tanto pode servir de pretexto para o operário se furtar às imposições da lei o abandonar o serviço, como para o patrão iludir a lei e despedir o operário.
Parece-me que êste motivo da doença devia ser mais esclarecido; neste sentido, por exemplo: «doença durante certo tempo».
Um empregado que falte um, dois ou três dias não deve ser despedido por êsse motivo; não é esta a intenção do legislador. Mas o que é certo é que, tomando à letra esta disposição, podíamos chegar a êste absurdo: o empregado deixou dois dias de ir ao trabalho e o patrão notifica-o de que está despedido.
Que no fim de quinze dias se dê êste direito, ainda, até certo ponto, é aceitável; considero-o deshumano, mas ainda o admitia pela necessidade de realizar, por exemplo, um trabalho que não pudesse sor adiado. Doutro modo, repugna-me, e, por isso, repito: entendo que a doença vulgar não deve ser um motivo de rescisão do contrato do trabalho, a não ser no caso particularíssimo de moléstia contagiosa ou então em condições que mostrem que o operário está incapacitado ou em condições de insuficiência para produzir o trabalho a que se obrigou pelo contrato. Só nestas condições, pois noutras parece-me excessivo.

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O Sr. Presidente: - A forma como está redigida a proposta envolve essa idea de V. Ex.ª
O Sr. Presidente leu o trecho em referência.

O Orador: - A objecção de V. Ex.ª é realmente de um Mestre. Simplesmente eu permito-me dizer a V. Ex.ª que a combinação, desde que não há limite, para nada serve.

O Sr. Querubim Guimarãis (Interrompendo): - É que esta alínea, ou n.º 1.º, está subordinada ao texto do artigo 10.º
Portanto, a doença tem de se subordinar a estas características.

O Orador: - V. Ex.ª talvez tenha muita razão, mas mais importante me pareceu a objecção do Exmo. Sr. Presidente, e todavia ela não dissipou por completo as minhas dúvidas. Não se sabendo qual é o período de doença, fica em aberto um grave perigo. Seria melhor, como aqui disse ontem o Sr. Dr. Lopes da Fonseca -mas isso é impraticável -, que os patrões continuassem a obedecer àqueles velhos princípios, àquelas velhas tradições da nossa terra, em virtude das quais um patrão se envergonha, não só por despedir um seu assalariado, mas ato por o não tratar devidamente. Esta era a nobre tradição portuguesa e oxalá que nós pudéssemos restaurá-la. Mas, apesar de toda a nossa boa vontade, o tempo é de egoísmos e de gozos, não se pensando na solidariedade e no respeito humano.
Há, Sr. Presidente, nesta proposta, uma outra disposição que não pode deixar de ser encarada com profunda simpatia: é a protecção às mulheres antes e depois do parto. Quando não tivesse mais nada, esta disposição honrava inteiramente a proposta e as intenções que a ditaram. (Muitos apoiados).
Era isto o que o meu coração e o meu espírito me impunham que dissesse nesta Assemblea acêrca desta magnífica proposta de lei. (Muitos apoiados).
Termino dizendo: aplaudo calorosamente esta proposta, porque ela é a continuidade das realizações e a efectivação das promessas que o Estado Novo tem feito às classes trabalhadoras. (Muitos apoiados).
Nós podemos afirmar isto perante o País e perante os operários: Salazar disse: «a Revolução continua», e, de facto, a Revolução continua.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Botelho Neves: - Sr. Presidente: seria ocioso alongar-me na defesa desta proposta de lei, porque para isso teria de repetir tudo quanto aqui já foi dito.
Focarei apenas aquele aspecto que me pareceu que levantou dúvidas por parte de alguns dos Srs. Deputados.
Ninguém ignora que a Revolução continua; e, de facto, esta proposta de lei é mais uma pedra na nossa Revolução. Ela vem começar a encarar a solução de um grande problema que, quanto a mim, ainda não fica totalmente solucionado, porque mais se não pode dar neste momento. É preciso preparar mentalidades, auscultar serenamente as possibilidades económicas e dar um passo em frente por forma segura e de maneira que não se torne necessário voltar a dar dois passos à retaguarda. O passo que ora se dá com a aprovação desta proposta é um passo em frente e um passo firme.
Sr. Presidente: pareceu-me que o aspecto económico da proposta foi aquele que mereceu maiores reparos, e que êsses reparos se fixaram principalmente na questão das férias.
De facto, é um princípio novo a estabelecer por lei, mas, quanto a mim, trata-se da generalização de um uso já consagrado pelo tempo. Vai, apenas, um pouco mais além o número daqueles que, de futuro, passarão a gozar dêste direito à vida que todos temos: o direito das férias; vai incidir, principalmente, na classe operária.
Mas é certo que grandes emprêsas, grandes companhias já concedem férias aos seus operários. Não há muito a própria Companhia Portuguesa passou a conceder aos operários das suas oficinas creio que um período de doze dias remunerados.
Quanto à concessão de férias aos empregados no comércio e em escritórios, suponho que não há necessidade de preocupações com as consequências de ordem económica, porque é sabido que se organiza uma escala de férias, que aqueles que ficam trabalhando terão de trabalhar um pouco mais para substituir o trabalho daqueles que vão em férias, e que, na prática, nada há mais a pagar, pois ninguém vem a admitir pessoal para trabalhar durante o período das férias daqueles que as estão gozando. Haverá, porventura, uma melhor distribuição de trabalho ou, possivelmente, um aumento para aqueles que ficam, mas isso tem vindo a normalizar-se, e de há muitos anos é tradição, entre nós, que êsses empregados vão a férias, mesmo, de uma maneira geral, com períodos superiores àqueles que a lei determina como mínimos.
Quanto à parte económica, no que diz respeito às férias de operários, também não creio que a modéstia da pretensão de conceder três ou quatro dias de férias possa vir a influir grandemente. É certo que temos de tomar em linha de conta o número dos operários, porque o trabalho é função do número de operários e das horas aproveitadas. Mas, pregunto eu: ¿há direito de se continuar no regime em que temos vivido, de certos homens serem obrigados a vir de casa para a oficina e da oficina para casa, sem descanso pelo menos nalguns dias por ano, num direito à vida que é reconhecido aos patrões, porque não me parece que nenhum patrão deixe de ter férias e estas não lhe sejam pagas? Todo o patrão vai em férias, e é pago com o produto do trabalho dos operários. ¡Não há o direito de negar aos outros aquilo que queremos para nós!
O aspecto social das férias é importantíssimo.
¿Como se pode exigir que um operário se não brutalize, se não alheie do conjunto do País, se não se lhe der durante o ano o ensejo de fazer ao menos uma viagem através desse mesmo País, a possibilidade de êle tomar conhecimento do desenvolvimento da nossa vida social durante os dias em que não tem de estar preocupado com a sua profissão perpétua, como se se tratasse de um grilheta? Suponho, meus senhores, que será benéfica a influência das férias no aspecto social.
Quanto ao aspecto económico, também temos de encarar o problema. O trabalho não o considero como uma categoria, mas como uma quantidade. O trabalho põe-se com êste aspecto: ¿existe trabalho em quantidade suficiente por forma a garantir a todos aqueles que têm de trabalhar o número de horas necessário para que possam ganhar o indispensável para si e para os seus? Suponho que já não existe essa quantidade de trabalho manual, e que ela tende até a deminuir. É evidente que, por êsse aspecto, êsses três dias de trabalho a menos permitem aumentar o número daqueles que beneficiam da distribuição do trabalho. Parece um aspecto insignificante, mas não é.
Assim, passarei a ler a V. Ex.ª alguns números que demonstram que também sob êste aspecto é de aprovar e de louvar a iniciativa da concessão de férias.
Partindo da doutrina de que o trabalho é uma quantidade, sendo portanto esta o dividendo e o número de

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operários o divisor, começou-se no Instituto do Trabalho a estudar a maneira de fazer com que o trabalho atingisse o maior número.
Analisaram-se as condições de trabalho nacional e observou-se que a maioria das indústrias estava trabalhando com horas extraordinárias, mas que havia um enorme número de operários desempregados. Isto quere dizer que, dando-se mais horas de trabalho, ia-se, nada mais nada menos, do que tirar a possibilidade de ganhar àqueles que estavam desempregados. Eu cito números a V. Ex.ª: Em 1934, data em que êste problema começou a ser encarado sob êste aspecto, concederam-se 1.888:575 horas extraordinárias, ou seja o correspondente a 236:071 dias de trabalho de 8 horas. Quere dizer: as horas extraordinárias absorveram o trabalho correspondente a 236:071 dias de trabalho, que podia constituir ocupação de grande número daqueles que estavam sem emprego. Dificultou-se a concessão dessas horas de trabalho, e tanto assim que em 1935 baixou para 1.127:406 horas, ou sejam 139:675 dias de trabalho; em 1936 baixou ainda essa concessão para 864:087 horas de trabalho, reconhecidamente extraordinárias.
Eu não quero dizer que esta razão fôsse a razão principal do facto que a seguir vou contar, mas, certamente, foi também uma delas. Inscreveram-se no Comissariado do Desemprego, durante o ano de 1934, 29:226 operários e empregados; em 1935 baixou êsse número para 13:283; e em 1936 baixou a inscrição a 4:433.
É certo que o número de horas de trabalho reduzidas não corresponde totalmente à deminuïção desta inscrição, mas não há dúvida de que essa absorpção do trabalho, feita por novos operários, contribuiu grandemente para a deminuïção da inscrição no Comissariado do Desemprego.
Até sob êste aspecto, que posso classificar de matemático, é de aconselhar a concessão de dias de licença.
Mas são razões de ordem geral como aquelas que apontei, e para demonstrar a minha afirmação eu citarei dois casos: um em Portugal e outro na Alemanha. Em Portugal o caso das tachinhas, que constitue como que um exemplo de indústrias localizadas e tradicionais.
Em pequenas aldeias do Minho, onde se empregavam cerca de 400 operários, um industrial montou uma fábrica com respectivas máquinas. Num ano êsse industrial ganhou 200 contos, mas, em compensação, deixaram de ganhar a sua vida centenas de operários, que nada mais sabiam, por hábito inveterado, do que fazer tachinhas.
Baseado na lei do condicionamento das indústrias, que eu reputo de indispensável barreira para que todos os problemas, quer de ordem económica, quer de ordem social, possam ser resolvidos dentro do interêsse geral da Nação, resolveu o Conselho Superior de Indústria oficiar ao Sr. Ministro do Comércio, que era então o Sr. Sebastião Ramires, para que as fábricas fôssem seladas e, assim, conseguiu-se continuar a dar que fazer aos operários; e isto sem prejuízo das pessoas que queiram ter botas com cardas - que, em vez de comprarem cardas feitas pelas máquinas, que poderiam custar $20, as pagavam a $24.
Na própria Alemanha, porque o trabalho escasseia, e porque o desemprego atinge muitos milhares de pessoas, foi proibido o fabrico mecânico dos cigarros, por se pretender o equilíbrio, e a população que se dedicava a êsse trabalho ser enorme.
Já vêem V. Ex.ªs que até sob êste aspecto é de aconselhar a concessão de férias, porque, parecendo que vai agravar o estado económico, vai deminuir o número de pessoas desempregadas.
Outro aspecto que está dentro da razão que levou a proposta a conceder as férias foi a questão do encerramento dos estabelecimentos comerciais.
Parece à primeira vista que os estabelecimentos comerciais, fechando à hora do almoço, estão gozando uma regalia que os patrões querem dar aos empregados, mas estudada a questão, verifica-se o contrário.
O condicionamento das normas e das horas de trabalho e aprovação do horário de trabalho, no que diz respeito aos descansos, obrigava, no período de oito horas, a quem tinha cinco empregados, a meter seis. E fechando-se o estabelecimento, em vez. de se meter mais um, havia, pelo contrário, possibilidades de despedir o empregado. E não podemos também sacrificar o social ao económico, porque se há classes justamente sacrificadas pelo desemprego, é a classe média, à qual se não pode resolver a vida dando-lhe uma picareta e mandando-a trabalhar para o caneiro de Alcântara. Para essa é difícil a resolução do problema.
Sr. Presidente: não me alargo mais neste ponto da concessão de férias. Em meu entender, os períodos mínimos são reduzidos, mas realmente mais não é de aconselhar que se conceda neste momento. Fiz referência especial a êste ponto porque me pareceu que êle era o que mais me chamava a atenção e que êsse ponto poderia fazer supor que o lado económico da proposta não era merecedor de aprovação.
Eis porque me demorei mais uns momentos na sua análise.
Devo dizer a V. Exa, que dou inteiro aplauso a esta proposta, e, se o Sr. Dr. Carlos Borges me permite, eu repetirei a frase de S. Exa.: isto é assim porque a Revolução continua e muito há ainda que fazer em matéria desta natureza.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente e meus senhores: vai já adiantada a discussão na generalidade e, por isso, chego a preguntar a mim mesmo se a minha vinda a esta tribuna pode, de algum modo, contribuir para esclarecimento do alguns dos pontos fundamentais desta proposta, no sentido de melhor aclaração do seu conteúdo.
No entanto, é-me grato ao coração prestar o meu desvalioso tributo numa questão de tal magnitude.
Efectivamente, no desenvolvimento de todo êste problema bem delineado do Estatuto do Trabalho Nacional, estava indicado que o contrato de trabalho viesse a ser objecto duma regulamentação especial.
A êste propósito cumpre-me, naturalmente, e na discussão na generalidade, lançar a vista sôbre o regime jurídico vigente e aproximá-lo do espírito geral da proposta em discussão.
As relações jurídicas do trabalho estavam efectivamente reguladas até hoje com certas deficiências de textos legais.
O diploma fundamental a que nesta matéria teríamos evidentemente de recorrer e que considerar seria o Código Civil, mas não podemos esquecer que o Código Civil data de há setenta anos, e de então para cá, por um lado, o próprio desenvolvimento industrial e comercial, e, por outro lado, a formação duma ideologia, bem diferente daquela que caracterizava a época em que o Código Civil foi elaborado, fez por completo modificar o plano em que se desenvolvem as relações do trabalho.
No entanto, e como razão de justiça, convém não esquecer que o Código Civil, embora elaborado numa época de individualismo, alguns preceitos contém que nos fazem efectivamente concluir que de certo modo foi considerado o carácter próprio da relação do trabalho, e assim é que,

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ao tratar-se de aprendizagem, o Código Civil, que em todos os outros diplomas do relações jurídicas tinha abandonado por completo a velha teoria da lesão em matéria de aprendizagem, fê-la ainda subsistir, aceitando que o contrato do aprendizagem pudesse ser considerado como nulo desde que nas suas cláusulas se manifestasse uma completa falta de equidade.
Que nos revela isto? Que o próprio legislador do Código Civil não deixou de considerar a situação diferente em que se encontravam o operário e o aprendiz, e ver que aquela prestação de consentimento era feita em condições especiais que não permitiam que se aplicasse a teoria geral e normal dos contratos, em geral estabelecida e expressa a propósito do contrato de compra e venda: que a desigualdade visível derivada do contrato não constituía fundamento de anulação.
Vê-se, mesmo, que, num capítulo restrito da sua esfera do acção, foi especialmente considerada esta situação.
Estava indicada a regulamentação mais detalhada dos contratos de trabalho, e é a isso que visa a proposta em discussão.
Da sua contextura geral vê-se que houve um propósito do atender às realidades da vida presente, disciplinar com mais equidade e mais nitidez as relações jurídicas do trabalho, atribuindo no seu conjunto uma solução de justo equilíbrio.
É realmente de louvar esta orientação, e tanto basta para que a oportunidade e a conveniência desta proposta se nos afiguram com uma evidência indiscutível.
Uma vez afirmados estos princípios gerais, convém ver quais são os traços dominantes da nova regulamentação, e, a propósito, aparece logo o problema fundamental da deminuição de contrato de trabalho.
A êste respeito cumpre observar que, se é certo que a proposta, tem o nome de «contrato do prestação do serviços», na verdade, o contrato que por ela é regulado é o contrato de trabalho. O contrato do prestação do serviços, na terminologia do nosso Código, abrange vários outros contratos, que mantêm a sua regulamentação própria.

em entendido que, nalguns desses contratos, como por exemplo no contrato de empreitada, aparece realmente o aspecto característico do contrato de trabalho. Tal como vem definido no artigo 1.º da proposta, êsse contrato é também considerado um contrato de trabalho.
Surge-nos ainda a diferenciação entre empregados e assalariados, problema que é realmente melindroso, por deficiência das leis vigentes.
Até esto momento tem havido por vezes necessidade de estabelecer quási voluntariamente uma certa confusão entre estas duas qualidades, e tem-na havido justamente para se preencherem as diversas lacunas da lei. Muitas vezes tem-se recorrido, no que respeita aos assalariados, de situações reguláveis para os empregados, e vice-versa.
Assim, por exemplo, no que respeita a despedimento do caixeiros, verifica-se que o Código Comercial regula situações jurídicas entre entidades que, de facto, não são aquelas que expressamente estão aí previstas.
Impunha-se, portanto, estabelecer a distinção.
Segue a proposta um critério que, em matéria do tanto melindro, se me afigura defensável.
De uma maneira geral estabelece-se o tópico diferencial, estabelece-se como que o significado desse critério diferencial, apresentando alguns exemplos; aceita-se que muitas dificuldades podem surgir, e procura-se encontrar uma fórmula de solução para essas dificuldades; finalmente, comina-se a solução desses casos ao Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações, por seu despacho.
Parece-me que há que esclarecer a função do Sub-Secretáriado Estado das Corporações, em matéria desta natureza.
Se se pretende significar que ao Sub-Secretário de Estado, é entregue, digamos, não apenas a função administrativa do discriminação, mas também, digamos, a função judicial de julgar a aplicação de um ou outro critério, mesmo que determinado caso esteja afecto aos tribunais, parece-me que não deverá aceitar se, por princípio nenhum, tal solução, mesmo em respeito ao principio da independência dos tribunais, quer ordinários quer especiais.
Ora, eu penso que, efectivamente, o espírito que presidiu à atribuição ao Sub-Secretário de Estado das Corporações das funções de resolução das dúvidas que se suscitarem não lhe dá nem lhe pretende dar poderes para se pronunciar em casos afectos a uma controvérsia judicial.
Parece-me, no entanto, que haverá vantagem em esclarecer devidamente essa questão.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª dá-me licença?

Se V. Ex.ª ainda tem como presumo, considerações demoradas a fazer sôbre a proposta em discussão, eu reservo-lhe a palavra para a sessão de amanhã.

O Orador: - Concordo com V. Ex.ª, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica V. Ex.ª com a palavra reservada, e o debato continuará na sessão do amanhã, sendo a ordem do dia a mesma indicada para hoje com excepção do texto, aprovado pela Comissão de Última Redacção das alterações à Carta Orgânica do Império Colonial, mais o texto, aprovado pela Comissão de Última Redacção, da proposta sôbre a importação de petróleos brutos e seus derivados.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas a 5 minutos.

Durante a sessão foram apresentadas as seguintes propostas:

Proponho que o artigo 2.º seja redigido assim:

Artigo 2.º As cláusulas e condições de contrato individual do trabalho podem ser estipuladas por acordo especial entre o trabalhador e a entidade patronal.
§ 1.º Existindo um regulamento de oficina ou fábrica ou contrato ou acordo colectivo do trabalho, as respectivas disposições serão havidas no primeiro caso como cláusulas tácitas dos contratos de trabalho individuais, aceites pelos trabalhadores por adesão, no segundo caso como cláusulas obrigatórias.
§ 2.º São nulas as cláusulas dum contrato do trabalho individual que sejam contrárias ao disposto num contrato ou acordo colectivo, salvo as que fôrem mais vantajosas para o trabalhador ou para um grupo do trabalhadores.
§ 3.º Na falta de convenção expressa ou de adesão a um contrato colectivo ou regulamento patronal, entender-se-á que as partes sw sujeitam ao costume da terra e da profissão do empregado ou assalariado.

O Deputado Luiz da Cunha Gonçalves.

Proponho que o artigo 3.º seja redigido assim:

Artigo 3.º Os contratos o acordos colectivos serão válidos sómente após a sua aprovação pelo Sub-Secretário do Estado das Corporações e Previdência Social;

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e entrarão em pleno vigor desde a sua publicação no Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, não sendo admissível a qualquer das partes a alegação da ignorância das respectivas disposições.

O Deputado Luiz da Cunha Gonçalves.

Proponho que ao n.º 3.º da alínea b) do artigo 11.º sejam acrescentadas as palavras ao da categoria e funções normais do empregado».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proponho que ao § 3.º do artigo 4.º sejam aditadas as seguintes palavras: «e que não estejam dependentes da decisão dos tribunais».

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 28 de Janeiro de 1937. - O Deputado António Carlos Borges.

Proponho a seguinte modificação ao § 3.º do artigo 9.º:

«O empregado que, não ocorrendo justa causa, se despedir, sem aviso prévio, fica sujeito a uma indemnização igual ao ordenado que corresponder ao respectivo período de antecedência legal».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Artigo 5.º:

«Proponho que o ordenado seja fixado obrigatoriamente ao mês».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

O artigo 7.º deve ser alterado da forma seguinte:

«Os empregados dos quadros permanentes das emprêsas comerciais ou industriais, singulares ou colectivas, que tenham normalmente ao seu serviço mais do que dois empregados tem direito a um período de férias, com remuneração, não inferior a dez, quinze e vinte dias em cada ano civil, conforme tenham mais de um, cinco ou dez anos de bom e efectivo serviço».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

O artigo 8.º deve ser alterado da seguinte maneira:

«As emprêsas comerciais e industriais que empreguem normalmente cinco assalariados, pelo menos, são obrigadas a conceder-lhes um período de férias, com remuneração, não inferior a cinco, dez e quinze dias, conforme tenham mais de um, cinco ou dez anos de bom e efectivo serviço».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proposta de alteração do artigo 8.º:

Acrescentar a seguir à palavra «conceder» o seguinte: «aos dos quadros permanentes», eliminando-se o pronome «lhes».

Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - O Deputado Querubim do Vale Guimarãis.

Proposta de emenda:

Proponho que na alínea l) do artigo 10.º da proposta se acrescente à palavra «doença» o adjectivo «prolongada».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Proponho que os prazos do artigo 9.º sejam reduzidos a metade para os empregados.

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proponho que o § único do artigo 11.º fique assim redigido:

«Quanto aos empregados, o período até dois meses de trabalho será considerado sempre como período de experiência e o despedimento como motivo por inhabilidade do empregado para o serviço».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proponho que o § único do artigo 11.º seja, na parte final, redigido assim: «que o despedimento teve qualquer das causas mencionadas na alínea b) dêste artigo».

Proponho também que o artigo 14.º seja redigido assim:

«O disposto no § único do artigo 11.º é aplicável ao serviço doméstico prestado a hotéis, cafés, restaurantes, casas de hóspedes e a quaisquer emprêsas comerciais e industriais, sendo reduzido a um mês o período de experiência».

O Deputado Luiz da Cunha Gonçalves.

Proponho a seguinte redacção para o § único do artigo 12.º:

«Se o trabalho ajustado nas condições previstas no corpo do artigo for interrompido por caso fortuito, de força maior ou por inhabilidade para o serviço, a entidade patronal será obrigada a pagar apenas o trabalho prestado ou o serviço feito».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proposta de eliminação:

«Proponho que se elimine o período final do corpo do artigo 12.º».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Proposta de aditamento:

Proponho que ao artigo 15.º da proposta de lei seja aditado o seguinte parágrafo:

«§ único. O disposto neste artigo não prejudica o que estiver ou vier a ser estabelecido em regulamentos, acordos ou convenções aprovados pelo Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência Social».

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 28 de Janeiro de 1937. - O Deputado António de Sousa Madeira Pinto.

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Substituição ao artigo 16.º e seu parágrafo:

Proponho que o artigo 16.º da proposta fique assim redigido:

«Às empregadas ou assalariadas ligadas por um contrato de trabalho são dispensadas de prestar o trabalho objecto desse contrato durante trinta dias por ocasião do parto, sem que a entidade patronal possa, quer com base nessa falta de prestação, quer por forma regular e mediante o competente aviso prévio, denunciar o competente contrato».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - Luiz Maria Lopes da Fonseca.

Proponho que o artigo 16.º seja alterado da forma seguinte:

«As mulheres casadas empregadas ou assalariadas ligadas por um contrato de trabalho por tempo indeterminado são dispensadas de prestar o trabalho objecto desse contrato nos quinze dias que precedem e nos quinze dias que sucedem ao parto, e ainda no caso de doença ocasionada pelo parto, sem que a entidade patronal possa, quer com base nessa falta de prestação, quer por forma regular e mediante o competente aviso prévio, denunciar o contrato de trabalho».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proponho que o artigo 17.º da proposta seja substituído pelo seguinte:

«Os empregados ou assalariados que tenham concluído o serviço militar deverão, dentro do prazo de quinze dias, comunicar às respectivas entidades patronais, por meio de carta registada com aviso de recepção ou de notificação judicial, se pretendem ou não aproveitar-se da regalia que lhes é conferida no artigo 29.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
§ 1.º Como está.
§ 2.º Como está.
§ 3.º Os empregados ou assalariados admitidos em substituição daqueles que forem chamados a prestar serviço militar poderão ser despedidos, independentemente de aviso, logo que os efectivos retomem o trabalho».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Proponho que no § 1.º do artigo 17.º, em vez de «dois meses de ordenado ou salário», se diga «seis meses de ordenado ou salário».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proponho que o artigo 18.º passe a ser assim redigido:

«Os empregados e assalariados terão direito à remuneração e indemnização referidas no § 1.º do artigo 9.º no caso de cessação da actividade económica da entidade patronal por causa diversa da falência ou insolvência civil ou a manifesta falta de recursos para promover a exploração comercial e industrial se não forem avisados dessa cessação com a antecedência prescrita no mesmo artigo».

O Deputado Alberto Pinheiro Tôrres.

Proposta de substituição do artigo 18.º:

«Artigo 18.º Os empregados e assalariados terão direito à remuneração e indemnização referidas no § 2.º do artigo 9.º no caso de cessação da actividade económica da entidade patronal por causa diversa das circunstâncias referidas na alínea 3) do artigo 10.º se não forem avisados dessa cessação com a antecedência prevista no artigo 9.º».

Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - O Deputado Querubim do Vale Guimarãis.

Proponho que o artigo 19.º passe a ter a seguinte redacção:

«A transferência da exploração ou traspasse do estabelecimento implicam a conservação dos contratos existentes com os empregados ou assalariados que estejam em efectivo serviço desde que estes não sejam previamente avisados de despedimento nos prazos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 9.º
§ único. Caso o aviso não tenha sido feito com a antecedência legal, a indemnização será a fixada no § 2.º do mesmo artigo 9.º».

O Deputado Alberto Pinheiro Torres.

Proponho a inserção, em aditamento, do artigo 21.º-A., com a seguinte redacção:

«Artigo 21.º-A É de seis meses o prazo de prescrição dos empregados que servem por mês».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Proponho a seguinte modificação ao artigo 22.º:

«Artigo 22.º Os prazos de prescrição estabelecidos na lei para ordenados e salários são aplicáveis à remuneração por serviços extraordinários e à indemnização que for devida por falta de cumprimento das disposições desta lei».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Proponho que o artigo 25.º fique substituído pelo seguinte:

«Artigo 25.º As infracções à disposição desta lei, cometidas por entidades patronais ou empregados ou assalariados, serão punidas com multas, que serão aplicadas segundo o prudente arbítrio do julgador, mas sem nunca exceder os limites estabelecidos nos artigos 28.º e 32.º do decreto n.º 24:402».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

Proposta de aditamento:

Proponho a inserção do artigo 8.º-A, com a seguinte redacção:

«Artigo 8.º-A. O empregado ou assalariado, no prazo de férias, não poderá exercer a sua actividade profissional ao serviço de qualquer entidade patronal».

Lisboa, Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - António Pedro Pinto de Mesquita.

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Proponho o aditamento do artigo seguinte:

«Artigo 26.º A presente lei não é aplicável aos serviçais domésticos que trabalham em domicílios particulares, aos tripulantes da marinha mercante e aos trabalhadores rurais».

O Deputado Luis da Cunha Gonçalves.

Proposta de um artigo novo:

«Artigo... O regime jurídico do contrato de trabalho a bordo será regulado em diploma especial, sem prejuízo da legislação aplicável».

Sala das Sessões, 28 de Janeiro de 1937. - O Deputado Querubim do Vale Guimarãis.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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