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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122

ANO DE 1937 9 DE ABRIL

SESSÃO N.º 120 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 8 de Abril

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 23 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o último Diário das Sessões.
O Sr. Presidente comunicou à Assemblea o pedido de renúncia dos Srs. Deputados Henrique Cabrita, José António Marques e Domingos Garcia Pulido, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo. A Câmara aprovou o pedido de renúncia dos Srs. Deputados Henrique Cabrita e José António Marques, sobrestando, no entanto, na decisão que respeita ao Sr. Deputado Domingos Garcia Pulido.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na especialidade, da proposta de lei sobre condicionamento industrial, tendo usado da palavra, os Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Diniz da Fonseca, Mário de Figueiredo, Antunes Guimarãis, pela segunda vez, e Almeida Garrett.
Postas à votação as bases IV a XII, concluiu-se a discussão da lei do condicionamento industrial, que foi aprovada com algumas alterações.
Foram ratificados, pura e simplesmente, os seguintes decretos-leis:
N.º 27:5l0, publicado no Diário do Governo de 4 de Fevereiro, que autoriza a Alfândega de Lisboa a celebrar com a Administração do Pôrto de Lisboa o contrato de arrendamento de um armazém;
N.º 27:514, publicado no Diário do Governo de 5 de Fevereiro, que autoriza a Câmara Municipal de S. João da Madeira a vender uma parcela de terreno à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência;
N.º 27:515, publicado no Diário do Govêrno de 5 de Fevereiro, que autoriza a Câmara Municipal de Braga a ceder à União. Eléctrica Portuguesa a linha condutora de energia eléctrica que vai do Monte de Arcos à Ponte do Bico.
Iniciou-se a discussão da proposta de lei n.º 142, sobre despacho e registo de veículos automóveis decreto-lei n.º 27:392, de 26 de Dezembro de 1936), tendo usado da palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis. Posto à cotação este decreto-lei, foi aprovado com algumas alterações.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer sobre a proposta de lei n.º 162 (recrutamento e serviço militar).

Srs. Deputados presentes à chamada, 57.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 5.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 13.
Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Leal Lobo da Costa.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Quedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.

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Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Alberto dos Beis.
José Dias de Araújo Correia.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs: Deputados que entraram durante a sessão:

Diogo Pacheco de Amorim.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
D. Maria Cândida Parreira.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António de Almeida Pinto da Mota.
Domingos Garcia Pulido.
Fernando Teixeira de Abreu.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
João Garcia Pereira.
Joaquim Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José António Marques.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Manuel Fratel.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 17 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 07 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 23 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o Diário, pode pedi-la.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: na p. 501, onde está o meu aparto, e onde se lê, por duas vezes, a palavra «transformadora», deve ler-se «intermediária».

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: envio para a Mesa uma pequena rectificação ao Diário, esclarecendo que na p. 503, col. l.º, lin. 17.ª, onde se lê: «Portanto exclue o condicionamento», deve ler-se: «Portanto não exclue o condicionamento».

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário, considera se este aprovado com as rectificações apresentadas.
Comunico à Assemblea que pediram a renúncia dos seus lugares de Deputados os Srs. Henrique Cabrita, Domingos Garcia Pulido o José António Marques.
Lamento profundamente que estes Srs. Deputados tenham tomado tal resolução e faço os melhores votos para que estas renúncias sejam as últimas.
Vou submeter à consideração da Assemblea estes pedidos de renúncia, pondo em primeiro lugar à votação o pedido de renúncia do Sr. Deputado Domingos Garcia Pulido.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: quanto aos outros Srs. Deputados, eu calculo as razões que terão determinado a renúncia dêles. Porém, quanto ao Sr. Dr. Domingos Garcia Pulido, não as calculo, nem de longe, nem de perto.
Não sei se, porventura, nessas condições, não seria vantajoso que, de alguma maneira, se conhecessem os motivos que determinam o Sr. Dr. Garcia Pulido a pedir a renúncia. E eu digo isto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, porque pode ser, simplesmente, o resultado de um estado de espírito de ocasião.
O Sr. Presidente: - Eu digo a V. Ex.ª o que sei a tal respeito: o Sr. Dr. Domingos Garcia Pulido escreveu-me uma carta, há um mês, na qual me dizia que, por motivos de ordem particular, lhe era impossível continuar a exercer as suas funções de Deputado, exprimindo também o seu desgosto por tal facto e a sua muita consideração por esta Assemblea.
É a única cousa que, a este respeito, eu posso afirmar a V. Ex.ª
Sei, no entanto, que S. Ex.ª foi há pouco vítima de um grande desgosto de família; mas suponho quo êste foi inteiramente alheio ao pedido do renúncia, porque tal pedido é anterior ao desgosto.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A carta é de quando?

O Sr. Presidente: - A carta é de há um mês.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Então não deve ter ligação.

O Sr. Presidente: - Eu esclareço V. Ex.ª Recebi essa carta, mas, como V. Ex.ª sabe, ela não era bastante, porque era necessário que o Sr. Dr. Garcia Pulido fizesse um requerimento pedindo que se lavrasse o termo de renúncia. Sobre êsse requerimento é que eu tinha de proferir o meu despacho, e depois de lavrado o termo é que a renúncia se considerava expressa.
Essa legalização fez-se há dois dias, e é por esto motivo que só agora dou conhecimento do facto à Assemblea.
Não desejava dar conhecimento só de uma das renúncias. Por isso juntei as três.
Se a Assemblea entende que se deve sobrestar na decisão, V. Ex.ªs é que resolvem.
Eu suponho que, na verdade, o Sr. Dr. Garcia Pulido devo ter razões sérias para não modificar a sua atitude. Em todo o caso...

O Sr. Mário de Figueiredo: - É que, Sr. Presidente, não sei se a desgraça que acaba de acontecer ao Sr. Dr. Garcia Pulido poderá ter influído na resolução de S. Ex.ª Por isso requeria a V. Ex.ª que pusesse à consideração da Assemblea este ponto, não se tomando, portanto, uma decisão definitiva antes de auscultar a alma do Sr. Dr. Garcia Pulido. (Apoiados).

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O Sr. Presidente: - Em face da manifestação da Assemblea, considero que ela está de acordo com a sugestão apresentada pelo Sr. Mário de Figueiredo.
Nestas condições, eu próprio me encarrego de fazer essa sondagem, e depois submeterei à Assemblea a decisão definitiva do assunto. (Apoiados).
Vou pôr à consideração da Assemblea o pedido de renúncia apresentado pelo Sr. Deputado Henrique Cabrita.
Os Srs. Deputados que aprovam o pedido de renúncia formulado pelo Sr. Henrique Cabrita deixam-se ficar sentados; os que rejeitam levantam-se.
Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vou submeter à consideração da Assemblea o pedido de renúncia feito pelo Sr. Dr. José António Marques.
Os Srs. Deputados que aprovam este pedido de renúncia deixam-se ficar sentados; os que rejeitam levantam-se.
Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III da proposta de lei sobre condicionamento industrial.
Quanto a esta base está na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Sebastião Ramires, redigida nos seguintes termos:

Base III. - Proponho que à alínea c) se adite, conforme o parecer da Câmara Corporativa, o seguinte:

«... ou para outros nacionais se neste último caso envolver mudança do estabelecimento de um local para o outro».

Está em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém deseja usar da palavra, vai proceder-se à votação.
Vai votar-se a base III com o citado aditamento proposto a respeito da alínea c) pelo Sr. engenheiro Sebastião Ramires.
Os Srs. Deputados que aprovam a base III da proposta com o aditamento do Sr. engenheiro Sebastião Ramires à alínea c) ficam sentados; os que rejeitam levantam-se.
Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV. Sobre esta base está na Mesa uma proposta de alteração do engenheiro Sr. Sebastião Ramires, que diz:

Base IV. - Proponho que soja alterada a sua redacção pela forma seguinte:

«A subordinação ao condicionamento de determinada indústria ou modalidade industrial far-se-á por decreto regulamentar, no qual serão explicitamente indicadas...».

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: volto a esta tribuna para tomar algum tempo à Assemblea acerca da lei de condicionamento industrial, porque, tendo a Assemblea concordado com o Govêrno no que respeita a manter a alteração à disposição que constava da primeira lei do condicionamento industrial relativamente às pequenas indústrias, deliberação que eu acato como soldado disciplinado que sou, entendo que, devido à magnitude do assunto, há toda a necessidade de promover o desenvolvimento dessas pequenas indústrias através do País, isto é, de promover a grande política de regresso à terra, mas de maneira a, quanto antes, levar esse melhoramento importante as populações rurais, garantindo-lhes o socorro da colaboração de pequenas indústrias para complemento do seu esforço na lavoura. Entendo, meus senhores, que deveremos, numa pequena alteração a esta base IV, salientar o desejo o aspiração da Assemblea Nacional de que o Govêrno, ao regulamentar o condicionamento das indústrias, tenha sempre em consideração essa necessidade urgente, inadiável e importantíssima, de facilitar, e até de promover e auxiliar, o desenvolvimento das referidas pequenas indústrias.
Devo dizer que não é só uma questão de sentimento que tem norteado as minhas palavras: há muito de coração em tudo o que digo. Como português que sou, em todos os actos da minha vida não posso esquecer e não posso emancipar-me daqueles sentimentos que foram sempre inseparáveis da raça portuguesa, entre os quais se conta o da bondade.
Mas garanto a V. Ex.ª que o meu coração, da mesma maneira que está subordinado ao cérebro no comando do seu ritmo, também o está nas revelações dos citados sentimentos.
Já quando há sete anos eu pensara no problema do condicionamento das indústrias, não foi só o coração que interveio, mas, sobretudo, a convicção de que o rumo a seguir seria a política de regresso aos campos, para combate do urbanismo o do desenvolvimento excessivo de grandes centros fabris em vários pontos da Nação.
Profundamente nacionalista como sou, furto-me sempre a citar os exemplos estrangeiros; bastam-me, em todos os campos da actividade, as lições recebidas dos nossos avoengos.
Abri ontem uma excepção quando citei dois ases da indústria: um, «Bat'a», que na Checo-Eslováquia estabeleceu em condições modernas e de notável eficiência a grande indústria de calçado; outro, o americano Ford, que reconheceu as vantagens materiais, morais e sociais resultantes do descongestionamento das suas grandes fábricas, subdividindo-as e instalando-as no campo, ao lado da agricultura.
Não me foi possível colher tantos elementos como desejaria, por estar longe do Porto, onde tenho livros o apontamentos, valendo-me da livraria de um amigo para fazer as seguintes citações.
Em primeiro lugar, Guyot afirma que as êmpresas industriais requerem transformação em sub-emprêsas.
Fourier preconiza como fórmula salvadora a combinação do trabalho agrícola e industrial.
Coninck aconselha a supressão do salariato pela multiplicação do patronato.
Godin recomenda a formação de empresas pela coordenação de grupos autónomos.
Dubreull pensa de forma idêntica.
Rorty defende a organização das empresas do forma que os colaboradores lhes levem a capacidade de trabalho, habilidade e esforço, tam notórios nas pequenas indústrias.
Por último, citarei o quo diz Eugênio Varga, antigo professor de economia política de Budapeste, num livro publicado em 1930. Cita ele que Staline (no 6.º Congresso de qualquer capítulo da sua nefasta doutrina) afirmara: «Derrubámos o capitalismo, instaurámos a ditadura do proletariado, desenvolvemos em ritmo acele-

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rado a indústria socialista e a economia rural; mas ainda não extirpámos todas as raízes do capitalismo, bem manifestas na pequena produção das cidades e, sobretudo, dos campos. Já dizia Lenine que a força do capitalismo reside na pequena produção, onde cotidianamente se geram burgueses».
Por seu lado, Lenine afirmava que, «emquanto a Rússia constituir um país de pequenos cultivadores, o capitalismo terá base mais sólida que o comunismo. Só quando a Rússia estiver electrificada e dermos à indústria, agricultura o transportes a base técnica da grande indústria é que a nossa vitória será definitiva».
São lições estas muito importantes, pois se trata de opiniões a ter em conta, porque vem, umas de homens que se aproximam da nossa ideologia, e outras dos nossos piores antagonistas, que é conveniente conhecer para defesa nossa, porque, do facto, êles visam, como factor do triunfo das suas tam deletérias ideas, a supressão dos pequenos casais o pequenas indústrias. É que êles sabem que ali se estimula a personalidade, se cria o ambiento preciso ao trabalho do cérebro para que as ideas se formem.
Naquela atmosfera de solidariedade os operários unem-se entre si, constituindo grupos, que são autenticas famílias e outros tantos óbices ao desenvolvimento das doutrinas dissolventes que sopram do lado do oriente.
Foi a nossa tradição que me determinou, juntamente com as lições colhidas na observação que venho fazendo acêrca da evolução trágica que se opera no mundo, pela muita dedicação que voto a este Estado Novo, que eu sirvo desde os primeiros dias, após o 28 de Maio do 1926, dedicadamente, numa tal obsessão que, há perto de onze anos, quási não vivo para outra cousa, e, também, por conhecer a anarquia que viéramos encontrar e nos atirava para o abismo - foi tudo isso que me determinou, dizia eu, a intransigentemente procurar defender a economia nacional e a Nação Portuguesa de tantos perigos que outros lá fora souberam prever e combater.
Para não me alongar em mais considerações e porque já tomei muito tempo a V. Ex.ªs sobro êste assunto, vou ler a minha proposta de substituição da última parte apenas da base IV, a qual, como V. Ex.ªs verificarão, traduz a manifestação de um desejo muito instante a favor da lavoura, das indústrias caseiras, das pequenas oficinas e, em geral, de toda a população rural.

Proposta de substituição da última parte da base IV

«Nas regras de aplicação do condicionamento ter-se-á sempre em vista a liberdade e defesa do trabalho agrícola e das indústrias caseiras, bem como a necessidade de se promover, de preferência nas zonas rurais, a constituição de pequenas unidades fabris, quer independentes, quer resultantes de subdivisão de empresas».

Lisboa, 7 de Abril de 1937. - João Antunes Guimarãis - José Maria Braga da Cruz - Joaquim, Moura Relvas - Luiz Maria Lopes da Fonseca - Luiz da Cunha Gonçalves - António Pedro Pinto de Mesquita.

Esta proposta é assinada por mim, como seu autor, e mais pelos Srs. Deputados, que lhe deram o valor da sua concordância, Braga da Cruz, Moura Relvas, Lopes da Fonseca, Cunha Gonçalves e Pinto de Mesquita.
Disse.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: acabo de ouvir com agrado, como sempre me acontece, o ilustre Deputado Sr. João Antunes Guimarãis. S. Ex.ª tem duas qualidades que profundamente me atraem: tem, como S. Ex.ª disse, coração quando fala, e o ter coração quando se fala nunca pode ser indiferente a um português que ouve; e tem, sobretudo, o sentido das realidades dos casos conhecidos e vividos de perto, que dão às suas palavras uma grande objectividade.
Creio que desta vez também o Sr. João Antunes Guimarãis manteve estas duas qualidades: falou com coração, com carinho pela terra portuguesa e pelas cousas que conhece, que dão o sentido da objectividade. Mas sinto não poder estar inteiramente de acordo com a sua proposta, sobretudo na parte final.
Não deixou, porém, o Sr. Dr. Antunes Guimarãis de pôr nesta tribuna um problema que, a meu ver, merece a atenção e todo o cuidado desta Assemblea. É um problema que tem importância real, como a tem, a meu ver, esta base IV e a sua parte final, talvez uma das mais importantes da proposta em discussão.
O problema posto pelo Sr. Dr. Antunes Guimarãis é o seguinte: deve-se, no condicionamento feito pelo Govêrno das actividades industriais, ter em conta o trabalho, diz a base: o trabalho caseiro e familiar, o trabalho das pequenas indústrias domésticas, e das pequenas indústrias, mesmo que sejam subdivisões de outras emprêsas?
Creio que ao último período da base poderiam ligar-se dois significados: ou referir-se ao trabalho no domicílio ou ao trabalho levado ao domicílio.
O trabalho no domicilio, ou da pequena indústria doméstica, é diferente do trabalho levado ao domicílio inclusivamente por uma indústria que, não sendo doméstica nem caseira, subdivide o trabalho para o levar ao domicílio.

O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª dá-me licença?
A primeira parte é desnecessária, porque é disposição constitucional. Evidentemente que a aceito. Porém a segunda é que me interessa, mas não só quanto às indústrias caseiras, pois pretendo estender os benefícios às restantes pequenas indústrias, para se lhes conseguir um melhor ambiente de trabalho, sob todos os aspectos.

O Orador: - Vejo que não consegui fazer-me entender do ilustre Deputado.
O problema é outro.
Pode tratar-se de trabalho levado ao domicílio por uma indústria de carácter capitalista, que, subdividindo a sua actividade, leve o trabalho ao domicílio, ou de trabalho feito no domicílio, de uma pequena indústria mas com carácter autónomo. O problema não é o mesmo; e, assim, defendendo calorosamente o trabalho da segunda hipótese, não concordo com a primeira.
O segundo significado merece, a meu ver, todo o apoio. Creio mesmo que o sentido que ele representa dentro da economia constituo o problema crucial em todos os países da Europa, neste momento.
Quanto ao primeiro, não o posso defender, sobretudo com a ampla liberdade que lhe dava a proposta do Sr. Dr. Antunes Guimarãis, porque uma das escravidões modernas tem derivado precisamente do trabalho levado ao domicílio pelas empresas capitalistas. Assim, é considerada como exemplo dessa escravidão moderna a indústria das roupas brancas, organizada em trabalho ao domicílio, mas com autênticos salários de fome.
Idêntica exploração tem sido feita, por outras empresas, da mão de obra desempregada; e, no entanto, todas estas modalidades ficariam abrangidas pela proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis porque eu começo por pôr o problema, relativamente ao significado que devemos atri-

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buir ao último período da base IV. O problema, em meu entender, tem importância.
Disse o Sr. Dr. Antunes Guimarãis, e com uma certa razão, colocado dentro da técnica jurídica, que este significado é realmente constitucional. De facto, o artigo 32.º da Constituição diz o seguinte:
«O Estado favorecerá as actividades económicas particulares que, em relativa igualdade de custo, forem mais rendosas, sem prejuízo do benefício social atribuído e da protecção devida às pequenas indústrias domésticas».
Quere dizer: a Constituição reconhece um benefício social às pequenas indústrias domésticas e manda que elas sejam protegidas.
Estou convencido de que foi este o significado que se quis ligar a este período final, ao redigir a proposta. No entanto, tal como está redigido, poderia ser interpretado como abrangendo também o simples trabalho levado ao domicílio, e, por isso, me parece deve ser esclarecido.
Demais, a proposta, citando os artigos 7.º e 8.º do Estatuto Nacional do Trabalho, não cita o artigo 19.º do mesmo Estatuto, em que se encontra reproduzida expressamente a doutrina do artigo 32.º da Constituição.
Estou, por conseguinte, de acordo com o Sr. Deputado Antunes Guimarãis, quando reclama o esclarecimento do período final da base IV, no sentido de ele compreender de uma forma clara e nítida todo o conteúdo do artigo 32.º da Constituição, porque não pode deixar de o compreender, uma vez que legislamos normalmente, mas amanhã poderiam levantar dúvidas, tratando-se de uma Assemblea Constituinte.
Já que estou no uso da palavra, permitam-me V. Ex.ªs que abuse mais alguns minutos da benevolência da Assemblea para fazer considerações que os técnicos economistas, entre os quais me não conto, estão fartos de ler, de conhecer e de considerar.
Com elas pretendo esclarecer o sentido económico e o horizonte espiritual da parte final desta base.
Estamos hoje em face de dois conceitos de economia: a economia liberal, de que partimos, e a economia corporativa ou humanizada, para que tendemos, e pretendemos realizar.
Fará a economia liberal a finalidade era esta: produção intensiva; produzir através de tudo e por todas as formas.
Para atingir esta finalidade subordinou-se o humano ao económico; a pequena indústria às grandes concentrações; as pequenas economias à super-capitalização.
Destes três movimentos da economia liberal resultaram males que hoje deploramos, quer sob o aspecto humano, quer sob o aspecto económico.
Sob o aspecto humano: a redução do homem a uma simples máquina de trabalho; o trabalho reduzido a simples mercadoria; a desagregação e corrupção da família pela transferência dos seus elementos para a fábrica - a mulher, os filhos, o marido; a despersonalização do próprio homem; e, finalmente, o próprio conceito e valor social da propriedade perdido para uma quantidade enorme de trabalhadores, porque a super-capitalização e as concentrações industriais, levadas ao excesso, como o foram nalguns países, não são mais do que uma colectivização parcial.
Sob o aspecto económico: uma era de grande abundância de produtos, ao lado de uma insatisfação das necessidades fundamentais do homem. A maior pobreza e miséria, ao lado da maior abundância!
A êste paradoxo chegaram, mais ou menos, todas as sociedades modernas.
Estamos numa era de excessos: excessos de produção, abundância excessiva de produtos; excesso de mão de obra - o desemprego -; abundância excessiva de capitais, que não encontram rendimento nem colocação; excesso dos próprios riscos, que inutilizam e paralisam o comércio. Finalmente, para corresponder a esta abundância, o excesso de miséria.
Perante estas consequências, os princípios da economia liberal já não encontram defensores teóricos, mas têm os interesses criados, e estes procuram forçar as duas leis em que toda a economia liberal assentava: a lei da oferta e da procura e a lei dos novos mercados abertos a toda a super-produção.
Simplesmente, a primeira não funciona no meio da super-abundância, precisa da raridade dos produtos por carência local ou temporária.
Como a lei da oferta e da procura não pode funcionar neste ambiente, procura arranjar-se uma raridade artificial no meio da abundância real; defende-se o que alguns autores chamam o neo-maltusianismo económico. Há produtos a mais; destroem-se por centenas e milhares de toneladas, emquanto as necessidades continuam insatisfeitas.
Isto é absolutamente deshumano e paradoxal! A economia liberal, que pôs como finalidade a super-produção, acaba adoptando a destruição dos produtos.
É em face destes resultados que o colectivismo defende como remédio a extensão até às últimas consequências dos males causados pela economia liberal.
Esta depois despersonalizou o homem, desagregou a família, negou a propriedade a milhares de homens ; o colectivismo considera o homem simples molécula da comunidade, declara que família não tem razão de ser, equipara economicamente os sexos e suprime a propriedade para todos.
Ë evidente que este será o caminho lógico para que caminharão todas as sociedades europeias, se porventura não se encontrar um caminho novo, com novo sentido da economia, porque os próprios mercados com que se contava para se poder fazer a colocação das super-produções, os mercados dos países atrasados ou coloniais, estão já neste momento contribuindo para a super-produção, visto que a técnica levada, por exemplo, ao Japão e à própria Rússia os converterá em países concorrentes da super-produção.
É por isso que o sentido da economia, neste momento, é aquele a que aludiu o Sr. Dr. Antunes Guimarãis. Procura-se opor critérios opostos àqueles que seguiu a economia liberal. Reconhece-se que a finalidade verdadeira da economia é a satisfação das necessidades do homem. A produção é um meio e não um fim; meio que no seu próprio exercício não deverá esquecer o sentido humano. Em vez de uma economia de produção, uma economia de consumo; em vez de concentração, desconcentrarão e descongestionamento; em vez da grande indústria, a pequena indústria, o pequeno comércio, a pequena exploração.
É por isso que eu entendo que o artigo 32.º da nossa Constituição e a própria parte final da base IV introduzem realmente um horizonte económico correspondente àquele grande horizonte reconstrutivo de todas as sociedades modernas, no sentido de protegerem as pequenas indústrias, as pequenas economias, as pequenas explorações, ao contrário do sentido em que até agora se fazia toda a exploração capitalista.
Num país pobre como o nosso, e, nesta hora, felizmente ainda atrasado sob o aspecto industrial, não sentimos toda a força do mal-estar que as economias dos outros países estão sentindo ante êste agravamento das consequências da economia liberal. E por isso mesmo lhe podemos fazer frente de forma mais fácil, tomando o sentido da economia humanizada e corporativa. Isso será para nós mais fácil, repito, do que em qualquer outro país em que as grandes concentrações e os gran-

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des trusts seguiram por caminho errado, que dificilmente se poderá corrigir numa ou duas gerações.
Eis porque me parece necessário acentuar este princípio contido na parte final desta base, como representando alguma cousa de valioso nesta proposta. E, recordando o artigo 32.º da Constituição, nós significávamos que a aprovação desta proposta não é realmente cousa sem importância, representando, pelo contrário, o sentido novo de uma economia reconstrutiva. Todo o condicionamento industrial deve ter em vista a defesa das pequenas indústrias, das pequenas economias e das pequenas explorações, das pequenas indústrias domésticas sobretudo, porque a satisfação das necessidades, se é certo que hão-de dirigir-se ao homem, certo é também que têm de se dirigir a ele tal como ele se traduz socialmente, isto é, representado na família.
E tudo isto pode fazer-se sem violências, mas fazendo a defesa das pequenas economias e das pequenas explorações que ainda existem e procurando fomentar, outras por todas as formas.
Êste me parece, Sr. Presidente, ser o verdadeiro sentido da economia moderna.
É este o verdadeiro sentido dos princípios consignados no artigo 32.º da Constituição e na parte final da base IV, que se discute neste momento.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu tenho estado a seguir, com a maior atenção, as brilhantes considerações de V. Ex.ª e, para não ter de usar da palavra, desejaria ser esclarecido por V. Ex.ª sobre este ponto: a alínea final da base IV refere-se ao trabalho caseiro e familiar. O trabalho caseiro e familiar quere significar o trabalho caseiro familiar autónomo e independente, como pretende o Sr. Dr. Diniz da Fonseca, ou quere significar o trabalho caseiro familiar que se apresenta como uma forma de descentralização da fábrica?
Se quere significar o trabalho caseiro autónomo e independente, então é evidente que se fica fora do condicionamento, porque a alínea precisamente o diz. Se se entende que este trabalho autónomo não está abrangido por esta alínea, então a questão é grave, como o Sr. Dr. Diniz da Fonseca afirmou.
Ora eu inclino-me a que o sentido da última alínea da base IV quere referir-se às indústrias caseiras autónomas independentes.

O Orador: - Eu entendo, também, que esse foi o sentido com que se redigiu a alínea; mas como a redacção respectiva faz uma grande diferença da redacção do artigo 32.º da Constituição, e se não invoca o artigo 19.º do Estatuto do Trabalho Nacional, em que se reproduz o referido artigo 32.º do texto constitucional, julgo conveniente que se intercalem, nesta redacção, as palavras «trabalho caseiro e familiar dentro do espírito da Constituição».
Desta forma ficaria, sem dúvida, perfeitamente explícito o que o legislador quis significar.
A minha proposta tem em vista este objectivo apenas.
A técnica moderna favorece as pequenas indústrias domésticas autónomas. A centralização industrial foi impulsionada pela necessidade de se adaptar à energia localizada e fixa a vapor, a mina de hulha; hoje essa energia fixa vai sendo substituída pela electricidade, energia que se pode levar a qualquer parte, pela energia ao domicílio, facilitando assim a montagem de pequenas indústrias eléctricas, com rendimento que não tinham as antigas, accionadas simplesmente pela energia humana.
Calculam as últimas estatísticas de que tenho conhecimento que, se tido comparada a energia de um homem a um décimo de cavalo-vapor, de há uns anos para cá a soma da energia posta ao dispor de cada homem orça por 8 C. V., o que quere dizer que cada homem poderá dispor de energia mecânica num valor equivalente àquele de que poderia dispor um grande senhor romano que dispusesse de oitenta escravos. Desde que um indivíduo pode dispor de oitenta escravos de energia mecânica, não é fácil fazer a reabsorpção da energia humana que fica desempregada pela sua substituição constante por energia mecânica.
As indústrias domésticas podem hoje valorizar-se e atingir um grande valor de rendimento, podem amanhã federar-se como autónomas. A máquina passará a escrava do homem; será humanizada e por ela humanizada a futura economia.
Terminando estas ligeiras considerações, direi que a doutrina desta base representa o verdadeiro sentido justamente revolucionário da economia moderna.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Dr. Diniz da Fonseca é também assinada pelos Srs. Deputados Joaquim Lança, Luiz Maria Lopes da Fonseca, José Cabral e Diogo Pacheco de Amorim.
A proposta é a seguinte:

Proposta de alteração

Propomos que o último período da base IV fique redigido pela forma seguinte:

«Nas regras de aplicação do condicionamento ter-se-á em vista, sempre que seja caso disso, a defesa e a liberdade do trabalho caseiro e familiar, dentro do espírito da Constituição, estabelecendo-se os justos limites em que este deve ser protegido».

Os Deputados: Joaquim Diniz da, Fonseca - Joaquim Lança - Luiz Maria Lopes da Fonseca - José Cabral - Diogo Pacheco de Amorim.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: eu venho à tribuna para fazer, afinal, as considerações que já fiz do meu lugar.
Creio que o problema que está em discussão é este: devem exceptuar-se do condicionamento as pequenas indústrias caseiras manuais ou não devem exceptuar-se estas?
Digo eu: por força da alínea 3.º - mas isto era preciso que ficasse bem esclarecido nesta Assemblea, desde que, dentro dela, sobre a matéria, se suscitam dúvidas - o sentido da alínea 3.ª da proposta, dizia eu, só pode ser este: ela refere-se às pequenas indústrias caseiras manuais e pronuncia-se no sentido de que essas estão fora do condicionamento, porque ao falar de condicionamento não diz que se respeita a liberdade de trabalho em família. Portanto, parece que o que se pretendeu na base foi excluir, isto é, pôr fora do condicionamento, as pequenas indústrias caseiras manuais.
Se assim é, está dada satisfação ao pensamento pelo menos de um sector desta Assemblea.
Digo eu: a alínea refere-se a estas indústrias, e não pode referir-se a outras que não poderão chamar-se caseiras, mas que se apresentam como indústrias que se exercem em casa como forma de desconcentração da fábrica, porque, se a alínea se referisse a estas, não tinha razão de ser a discussão que se está a fazer sobre este ponto, visto que então o condicionamento era o da indústria da fábrica, que tem projecções no domicílio em vista da sua desconcentração, e essas projecções são atingidas pelo próprio condicionamento da

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fábrica. Não se pode, de maneira nenhuma, desta forma, exceptuar-se, porque isso seria dizer-se: condicionou-se a fábrica, mas a projecção da fábrica continua a trabalhar livremente.
Portanto, digo eu que a única questão que está posta é esta:
Não pode falar-se de condicionamento de uma pequena indústria que se apresenta por uma forma de desconcentração de uma fábrica, porque esse condicionamento é o reflexo do condicionamento da fábrica. Do que pode falar-se é do condicionamento ou não condicionamento de pequenas indústrias caseiras autónomas.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Mas V. Ex.ª esquece-se de que está na Mesa uma proposta que diz mais alguma cousa.

O Orador: - Mas o que eu estou a sustentar é precisamente isso. Eu digo que o sentido que ligo a esta alínea 3.ª da base é o que acabei de expor, e que a proposta de alteração realmente não tem sentido, e, portanto, não tenho sequer que a discutir.
O que estou a sustentar é que na minha interpretação, que suponho ser a única admissível desta alínea 3.ª, a proposta do Sr. Antunes Guimarãis, numa certa parte, não tem sentido.
Eis a única cousa que procuro afirmar.
Mas é preciso, já que se levantaram dúvidas, que o problema fique resolvido, e acho que ficaria claramente solucionado se se intercalasse entre «familiar» e «estabelecendo» a palavra «autónoma».

O Sr. Diniz da Fonseca: - V. Ex.ª dá-me licença? Só uma pequena objecção sem nenhum intuito de teimosia.

O Orador: - Óptimo.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Ao citar há pouco o artigo 32.º da Constituição, não tive em vista mais do que frisar o que o nosso diploma fundamental manda proteger. Por conseguinte não é só respeitar o que está criado, mas, adentro do texto constitucional, contém-se mais alguma cousa do que está na própria proposta.

O Sr. Presidente: - Eu chamo a atenção do Sr. Deputado Diniz da Fonseca para a parte final da alínea que diz: «estabelecendo os justos limites em que esta deve ser protegida». Isto está na proposta.

O Orador: - Eu não faço nenhuma oposição a que se intercale a fórmula apresentada pelo Sr. Deputado Diniz da Fonseca. Acho-a útil em face do texto e destas considerações gerais. Mas é evidente que a lei ordinária tem de interpretar-se de harmonia com a lei constitucional, e o que é inconstitucional e repugna...

O Sr. Diniz da Fonseca: - Excepto quando votado por uma Assemblea Constituinte...

O Orador: - Mas esta Assemblea não está agora a funcionar como Constituinte.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Mas podo funcionar em qualquer altura.

O Sr. Presidente:- Quando seja para proposta de alteração à Constituição.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Nós não podíamos entrar na intenção do Ministro.

O Sr. Presidente: - A proposta não é nesse sentido.

O Orador: - Como dizia, eu não faço a mais ligeira oposição à fórmula do Sr. Dr. Diniz da Fonseca. O que digo é que o assunto ficará completamente esclarecido com a proposta que vou ter a honra de enviar para a Mesa, assinada por mim e por mais quatro Srs. Deputados.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo é a seguinte:
«Propomos que se intercale a palavra «autónomo» adiante da palavra «familiar» na alínea 3.ª da base IV».

Mário de Figueiredo - Artur Águedo de Oliveira - Artur Proença Duarte - Manuel Ribeiro Ferreira - Alberto Pinheiro Torres.

O Sr. Diniz da Fonseca (para um requerimento): - Tendo sido o autor da proposta, e como a minha intenção foi somente esclarecer o sentido da proposta e me parece que a alteração do Sr. Mário de Figueiredo dá a mesma satisfação, e porventura, com redacção preferível, não tenho dúvida em retirar a minha proposta para ser substituída pela do S. Ex.ª
Creio que os cinco ilustres parlamentares que comigo assinaram a citada proposta estarão de acordo, uma vez que a finalidade é a mesma.

O Sr. Presidente: - Se a Assemblea concorda, está retirada a proposta.
Foi retirada a proposta do Sr. Deputado Diniz da Fonseca.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: o ideal seria efectivamente criar-se um conjunto de circunstâncias que permitisse rapidamente conseguir uma quantidade grande de pequenas oficinas independentes através do País, e sobretudo junto da lavoura.
Repito, seria êsse o meu desejo; mas, infelizmente, tais circunstâncias não se podem realizar rapidamente. Hão-de levar muito tempo a verificar-se.
Ora o que eu pretendia era que, aproveitando-se justamente os progressos da técnica que permitem evitar as concentrações industriais, utilizando a actual facilidade de transporte do electricidade a todos os recantos do País, se combatessem os males que delas resultam, tornando possível a construção de oficinas modernas, em substituição das que há muitos anos dali saíram devido às fontes de energia hidráulica ou do vapor, insusceptíveis cie transporte, terem determinado a construção do grandes fábricas a seu lado.
Repito: desejo, como V. Ex.ªs, que se criem oficinas, não só autónomas, mas independentes, que sejam propriedade da família.
Ora as indústrias caseiras foram definidas recentemente como indústrias em que só trabalhem parentes que cohabitem. V. Ex.ªs estão a ver a grande dificuldade, na prática, de conseguir reunir um grupo de pessoas capazes de trabalhar em determinadas indústrias, e que sejam parentes o que, ao mesmo tempo, habitem na mesma casa. Pode dar-se isto uma vez ou outra, mas há-de ser muito difícil.
A idea da oficina rural que eu viso na minha proposta não é bem a do oficinas familiares ou caseiras. Estas estão protegidas na Constituição, o dispensar-me-iam de tomar tanto tempo a V. Ex.ªs. São, sim, de carácter familiar, mas se as considerarmos ligadas por laços diferentes dos do sangue, como já aqui disse, unidas, sim, pelos laços do trabalho honrado e visando o bem comum.

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Precisamos de agrupar aqui e além operários e patrões, unidos pelo trabalho, disciplinadamente, mas segundo o espírito de colaboração e nunca de servidão, que eu sempre combati. Ora muito bem. Se não tivéssemos possibilidade de reunir os meios necessários para que em todo o País se multiplicassem essas pequenas oficinas independentes, a que V. Ex.ªs se têm referido, teríamos, por muito tempo, de continuar com as grandes fábricas colocadas em determinados centros industriais, quando não nas cidades, e continuaríamos a assistir ao triste espectáculo de famílias a parcelarem-se; de as raparigas terem de abandonar as casas do seus pais, para irem a grandes distâncias trabalhar. Geralmente, partem de manhã muito cedo, e regressam muitas vezes pela noite, em plena escuridão, correndo perigos de toda a ordem. Assim temos assistido horrorizados à desmoralização da população rural. Muitas vezes se ausentam uma semana inteira, longe da sua terra, partindo a segunda o regressando ao sábado e vivendo longe das famílias, em promiscuidade que eu pretenderia suprimir quanto antes.
Disse V. Ex.ª, Sr. Dr. Diniz da Fonseca, que a subdivisão dessas empresas em pequenas oficinas, colocadas aqui e ali, as colocaria em corta dependência da fábrica ou emprêsa central. Mas os exageros, os abusos, os casos de servidão repulsiva são susceptíveis de fiscalização.
Para que pagamos a tantos e tantos funcionários?
Mas, uma vez devidamente acautelado o trabalho em tais oficinas, resultante da subdivisão de grandes fábricas, não seria preferível ao parcelamento das famílias, à deslocação das raparigas pela noite fora, ou sua permanência longe das famílias?
Não imaginam V. Ex.ªs o que se passa, por exemplo, em certas empresas de tecelagem concentradas em fábricas onde trabalham operários e operárias vindas do léguas de distância.
Ora se a electricidade nos permite agora constituir uma pequena oficina do dez ou quinze operários, junto dos seus lares, em plena aldeia, e oferecendo-lhes, até certo ponto, um ambiente de relativa autonomia, em que eles não estão sujeitos à disciplina férrea das grandes fábricas, e onde o trabalho, longe de parecer-se com servidão, se desenvolve perto das famílias, afastado de certos mestres ou chefes de fábricas que acontece quererem exercer a sua autoridade em domínios bem diferentes dos do trabalho industrial, porque havemos de privar tantos milhares de operários das zonas rurais dos benefícios que a fórmula contida na minha proposta garantiria?
As aldeias eram tam puras E hoje vemos as suas populações contaminadas de males físicos e morais justamente por se obrigarem as mais de família a trabalhar longo de seus lares, abandonando os filhos, e as raparigas a viverem longo da vigilância dos pais. Utilizemos desde já o factor de progresso que é a electricidade, e criemos fontes do trabalho remunerador, no ambiente das aldeias.
Então V. Ex.ª, Sr. Dr. Diniz da Fonseca, julga preferível deixar que vão trabalhar nesses meios distantes essas mais de família, de manhã ato à noite, regressando a casa em plena escuridão?...

O Sr. Diniz da Fonseca: - Não senhor; eu condenei tudo isso!

O Orador: - Condenou, mas qual a maneira de o evitar? A maneira será promover a subdivisão das emprêsas que obrigam a tam grandes deslocações diárias de milhares e milhares de operários, para produzir número equivalente de pequenas unidades rurais que, conseguindo os mesmos efeitos económicos, nunca teriam os inconvenientes de ordem moral e social que apontei. Reparem V. Ex.ªs nos termos da minha proposta de substituição à base IV:

«Nas regras de aplicação do condicionamento ter-se-á sempre em vista a liberdade e defesa do trabalho agrícola e das indústrias caseiras, bem como a necessidade de se promover, de preferência nas zonas rurais, a constituição de pequenas unidades fabris, quer independentes, quer resultantes de subdivisão de emprêsas».

Creio que o assunto está sobejamente explicado. O Govêrno, uma vez aprovada a minha proposta, ficaria habilitado a facilitar o que pretendo. Da minha parte não há evidentemente propósito do impor a subdivisão das empresas actuais. Elas o fariam quando fosse oportuno e animadas pelas vantagens que o Govêrno lhes concederia na mira da conquista do melhoria material e moral dos operários.
Trata-se de uma aspiração minha, que cinco colegas nossos julgaram digna do seu apoio, o que bem merece converter-se numa deliberação da Assemblea Nacional.
Eu sei, infelizmente, os grandes males que das grandes concentrações têm resultado para os povos rurais.
Disse.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna apenas para ver se o Sr. Dr. Antunes Guimarãis e outros Srs. Deputados que tomaram parte neste debate, nomeadamente os Srs. Drs. Mário do Figueiredo o Diniz da Fonseca, me esclarecem sôbre o seguinte ponto:
Desejava saber, dentro da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Dr. Antunes Guimarãis, como é que se poderia conciliar a subdivisão, a pulverização que S. Ex.ª sugere, para as indústrias, não direi para todas, porque evidentemente na maioria ela é impossível, como, por exemplo, na do cimento, na de fiação e em todas as indústrias que requerem instalações complicadas e grandes maquinismos, que não admitem subdivisão. E, no caso de se subdividirem, pregunto eu: como é que, estando a organizar-se corporativamente todas as indústrias, se conciliariam essa subdivisão e essa faculdade, esse não condicionamento da instalação dessas indústrias?

O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - A minha proposta é toda baseada em condicionamento: o Govêrno, ao regular o condicionamento de certas indústrias susceptíveis de subdivisão, atenderá às vantagens de facilitar a instalação das respectivas oficinas no meio rural.

O Orador: - Mas, mesmo nessa hipótese, o caso especial interessará sobretudo a uma indústria isolada no País. Seria impossível condicionar casais de família, porque a organização corporativa que hoje já existe não o permitiria, visto que isso seria destruir o condicionamento que já está feito, ou então havia de ser posto de parte o condicionamento já existente, por exemplo, na indústria da tecelagem.
Mas há mais.
A maioria das indústrias caseiras necessita de energia eléctrica a domicílio, e sem estar resolvido o problema da electrificação do País, a que só tem levantado dificuldades, o caso não tem solução alguma.

O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - Mas a lei não é para ser aplicada em todos os pontos do País ao mesmo tempo; a lei fica para se aplicar através dos tempos; e mal do nós se não realizarmos a electrificação do País quanto antes, para socorro de tantos braços que

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exclusivamente na lavoura ou em oficinas rotineiras não encontrariam o necessário para viver.

O Orador: - O que eu não vejo é como se possa conseguir, no caso concreto que se está tratando, como muito bem frisou o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que as indústrias caseiras autónomas se condicionem dentro da organização corporativa que diz respeito a essas mesmas indústrias.
Eu desejava pois saber se a lei fica acima de qualquer organização corporativa ou se, pelo contrário, a organização corporativa já feita relativamente a êsse produto fica acima da lei de condicionamento.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - Eu dou um esclarecimento a V. Ex.ª
O condicionamento é o condicionamento da indústria ou da fábrica. Quando se manda ter em atenção as pequenas indústrias ou indústrias caseiras, supõe-se que há elementos suficientes para a produção dessa pequena indústria caseira, que indica a orientação de condicionamento, tal como uma grande empresa de tecelagem, satisfazendo já as necessidades do mercado.
O condicionamento faz-se daqui por diante, quere dizer, não se dá a autorização de alargamento de fabrico existente, porque já temos o suficiente para as exigências do mercado nacional e internacional. Mas ainda, se não chegou aí, e ainda se pode dar mais uma autorização. Se houver elementos estatísticos para novas fábricas, as tais indústrias autónomas ficam fora do condicionamento, porque este vai referir-se às grandes indústrias, quere dizer, às indústrias não caseiras.

O Orador: - Concretizando: V. Ex.ª acha que, aprovada a base em discussão nos termos preconizados pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo, um indivíduo pode montar em sua casa um tear e trabalhar nele?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu entendo que sim.

O Orador: - Pois isso é alterar o que está autorizado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Entendo que é o que está na proposta do Govêrno.

O Orador: - Estou de acordo, mas é alterar o que está organizado corporativamente, e isso produzirá uma perturbação grande. Sobretudo no caso especial que estou a focar, dos teares manuais, dá azo a explorações enormes.
Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito e se mais nenhum deseja usar da palavra vai proceder-se à votação.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a base IV. Em primeiro lugar vão votar-se as duas primeiras alíneas desta base, alteradas levemente em harmonia com a proposta do Sr. Deputado Sebastião Ramires, que visa, sobretudo, a suprimir as palavras «por despacho publicado no Diário do Govêrno».
Os Srs. Deputados que aprovam esta parte da base assim redigida deixam-se ficar sentados; os Srs. Deputados que rejeitam levantam-se.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a última alínea e, em primeiro lugar, a proposta de substituição do Sr. Deputado João Antunes Guimarãis, que V. Ex.ªs já ouviram ler.
Os Srs. Deputados que aprovam a proposta do Sr. João Antunes Guimarãis deixam-se ficar sentados; os que rejeitam levantam-se.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Agora vai votar-se essa alínea com a ligeira modificação proposta pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que consiste no acrescentamento da palavra «autónomo» em seguida a «trabalho caseiro».

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Passamos agora à base V. Quanto a esta base não há na Mesa nenhuma proposta de alteração. Vai votar-se.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VI. Quanto a esta base também não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VII. Também não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VIII. Também não há nenhuma proposta de alteração quanto a esta base.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão a base IX.
Sôbre esta base está na Mesa uma proposta de alteração do Sr. Deputado Sebastião Ramires, que é mais rigorosamente, uma proposta de aditamento.
O Sr. engenheiro Sebastião Ramires propõe que no final desta base se acrescente o seguinte:

«Os processos de condicionamento pendentes de resolução e com mais de noventa dias, desde a data da entrada dos respectivos requerimentos nos serviços competentes, devem por estes últimos ser apresentados imediatamente a despacho ministerial, com a informação sobre os motivos da demora».

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O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar o texto tal como está na proposta do Govêrno.
Posto à votação o texto da base IX tal como consta da proposta do Govêrno, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar se o aditamento proposto polo Sr. Deputado Sebastião Ramires.
Posto à votação o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Sebastião Ramires, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão a base X. Quanto a esta base há também uma proposta do Sr. engenheiro Sebastião Ramires. Essa proposta é nos seguintes termos:

Base x. - Proponho que seja alterada a sua redacção pela forma seguinte:

«... através dos seus serviços próprios, e às corporações, e, emquanto estas não existirem, aos organismos de coordenação...»

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão a base XI. Quanto a esta base não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão a base XII, sobre a qual não há nenhuma proposta do alteração.
Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão da proposta de lei sôbre condicionamento industrial.
Passamos a segunda parte da ordem do dia. Essa segunda parte compreende, em primeiro lugar, a ratificação do decreto n.º 27:510, publicado no Diário do Govêrno de 4 de Fevereiro: autoriza a Alfândega do Lisboa a celebrar com a Administração Geral do Porto de Lisboa o contrato de arrendamento de um armazém.
Está em discussão.
Visto que ninguém pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Pôsto à votação, foi aprovada a ratificação pura e simples.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o decreto n.º 27:514, publicado no Diário do Govêrno de 5 de Fevereiro: autoriza a Câmara Municipal de S. João da Madeira a vender uma parcela do terreno à Caixa Geral de Depósitos.
Está em discussão.
Visto que ninguém pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Posto à votação, foi aprovada a ratificação pura e simples.

O Sr. Presidente: - Finalmente temos o decreto n.º 27:510, publicado no Diário do Governo de 5 de Fevereiro: autoriza a Câmara Municipal de Braga a ceder à União Eléctrica Portuguesa a linha condutora de energia eléctrica que vai do Monte de Arcos à Ponte do Bico.
Está em discussão.
Visto que ninguém pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Posto à votação, foi aprovada a ratificação pura e simples.

O Sr. Presidente: - Segue-se a terceira parte da ordem do dia - proposta de lei n.º 142, sôbre despacho e registo de veículos automóveis (decreto-lei n.º 27:392, de 26 do Dezembro de 1936).
Está em discussão.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Antunes Guimarãis.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: eu felicito-me por ter concorrido para que o decreto-lei que V. Ex.ª pôs agora em discussão tivesse baixado à Câmara Corporativa. Efectivamente a Câmara Corporativa, fazendo um estudo detalhado e profundo desse decreto, entendeu modificá-lo, a meu ver muitíssimo bem, adoptando uma proposta que eu aqui apresentei sobre o assunto, apenas lhe fazendo uma pequena modificação.
Quero referir-me à questão das novas placas, das novas inscrições dos automóveis, no sentido de apenas serem obrigatórias para os automóveis que viessem a ser importados, tornando-se facultativas para os que já estão em circulação.
A Câmara Corporativa propôs ainda, e eu entendo que bem, que quando se desse uma transmissão de propriedade de um automóvel, se fizesse a alteração de placas, conforme a nova nomenclatura. Estou de acordo. Mas a Câmara Corporativa apreciou também um dos artigos desse decreto, referente à autorização com que ficaria a Direcção Geral dos Serviços do Viação para cassar cartas em determinadas condições. V. Ex.ªs devem ter lido as considerações acertadas que neste douto parecer se fazem, as quais são absolutamente oportunas. A Câmara Corporativa mostra a necessidade absoluta de se restituírem ao Poder Judicial as suas funções. Evidentemente, meus senhores, que ao estabelecer-se na Constituição que ao lado dos outros poderes do Estado havia a necessidade absoluta de criar o Poder Judicial independente, para garantia dos direitos do todos os cidadãos, não era para que esse Poder pudesse ser esquecido desta forma, evitando a sua intervenção em casos graves, como o de se cassar a carta a condutores do automóveis, amadores ou profissionais. Mas, tratando-se de profissionais, ainda o caso revela maior gravidade, por se tratar do ganha-pão dos condutores e das suas famílias.
Creio que não há necessidade de mais longa justificação, porque ela está feita, e muito bem, no douto parecer, que foca o problema, sob todos os aspectos, com ponderação e inteligência.
Apenas eu entenderia que na base II, quando se diz que a Direcção Geral dos Serviços de Viação poderia mandar cassar cartas, etc., seria conveniente esclarecer que só poderá fazê-lo nos termos do Código da Estrada, e revogar o decreto n.º 26:929, que tinha alterado o referido Código.
É que esse decreto n.º 26:929 mandava cassar a carta por oito dias, e na reincidência por período nunca inferior a quinze, no caso de transgressão dos artigos 31.º, 32.º, 35.º, 41.º, etc., do citado Código.

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Uma simples saída da sua mão, a paragem em sítio diferente do estabelecido na lei e outros casos relativamente de pouca importância implicavam a suspensão do direito de conduzir por oito dias e, nas reincidências, por período nunca inferior a quinze dias.
E isto sem direito de recurso para os tribunais!
Nestes termos vou apresentar uma proposta, que é assinada, além de mim, pelos Srs. Deputados Pinto de Mesquita, Braga da Cruz, Lopes da Fonseca e Ribeiro Ferreira.
É a seguinte:

doptamos as sugestões constantes do parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei n.º 142, com a seguinte redacção da base II:
«A Direcção Geral dos Serviços de Viação só poderá mandar cassar as cartas de condução de automóveis e de livretes da circulação nos termos do decreto n.º 18:406, de 31 de Maio de 1930 (Código da Estrada), devendo ser levantado auto de apreensão devidamente justificado, e ficando revogado o decreto-lei n.º 26:929. de 20 do Agosto de 1936, na parte aplicável».

Lisboa, 7 de Abril do 1937. - João Antunes Guimarãis - António Pedro Pinto de Mesquita - José Maria Braga da Cruz - Luiz Maria Lopes da Fonseca - Manuel Ribeiro Ferreira.

O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vai proceder-se à votação.
Em primeiro lugar será votado o texto do decreto-lei n.º 27:392 com as alterações sugeridas pela Camara Corporativa e que foram adoptadas por alguns Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a base I da Câmara Corporativa, sobre a cobrança de multas.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a base II com a redacção apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis em substituição da redacção que veio da Câmara Corporativa.

Submetida à votação, foi aprovada.

Posta à votação a base III tal como veio da Câmara Corporativa, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada entendo não devermos iniciar hoje o debato sobre a proposta de lei relativa à organização corporativa da agricultura. Esse debate constituirá a ordem do dia de amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

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CAMARA CORPORATIVA

Parecer sôbre a proposta de lei n.º 162

(Recrutamento e serviço militar)

Consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 162 (sobre recrutamento e serviço militar), a Câmara Corporativa, por intermédio das secções 18.ª (Política e administração geral) e 19.ª (Defesa nacional), ouvidas a 15.ª, 16.ª e 17.ª secções, emite o seguinte parecer:

Introdução

A feliz expressão «encarar de frente o problema da defesa nacional» deve encher de júbilo todo o País e, sobretudo, todos aqueles que à causa da defesa nacional dedicam o melhor do seu esfôrço.
É, de facto, verdadeira e bem pungente a afirmação contida na proposta de lei n.º 162, de que a Nação não está suficientemente defendida e de que não temos nem soldados, nem quadros, nem material, nem quartéis; mas o exército vai, finalmente, libertar-se do pesadelo que o está oprimindo.
O Govêrno não deseja - afirma-o peremptoriamente - reincidir em erros passados, de tam funestas consequências; estuda, no seu conjunto, os problemas da defesa nacional, «procurando para o País, dentro das suas possibilidades económicas e financeiras, a armadura que melhor se ajuste ao seu corpo»; e «deverá submeter ao estudo da Assemblea Nacional, em sucessivas propostas de lei, a solução que preconiza para os problemas fundamentais de reorganização do exército».
Como, indubitavelmente, a adopção das soluções preconizadas implicará para o País sacrifícios que não podem deixar de ser grandes, mester se torna que, da presente proposta de lei e das outras propostas anunciadas, seja feito detido exame.
Além da análise objectiva da presente proposta, que constituirá a segunda parte deste trabalho, procuraremos, na sua primeira parte, como intróito da série de pareceres que sobre as referidas propostas de lei esta Câmara vai dar, mostrar a verdadeira situação em que nos encontrámos e em que nos encontramos em matéria de defesa nacional, investigar as suas causas e verificar os erros cometidos, para tirar ensinamentos e para neles não reincidir.
Programa de fácil enunciado, apresenta, contudo, inúmeras dificuldades, que não sabemos se poderemos vencer. Vamos tentá-lo.

PRIMEIRA PARTE

I - Evolução das instituições militares em Portugal até 1910

1.º - A fase feudal

a) Formação e consolidação da nacionalidade

Nos primeiros tempos da nacionalidade o exército tinha as características do sistema feudal, isto é, era, até certo ponto, improvisado na ocasião das guerras, sob o comando directo do rei ou de um lugar-tenente (alferes-mor ou condestável), e compreendia os contingentes fornecidos pelos nobres, pelos senhores eclesiásticos e pelas ordens militares e aqueles que os concelhos ou comunas eram obrigados a apresentar.
O número de lanças e o de peões a fornecer constava de um livro especial, que existia na corte, para os nobres e ordens militares, e dos respectivos forais, para os municípios, onde o recenseamento dos homens válidos estava a cargo do alcaide, que era o delegado do poder real junto dos alvazis (corpo municipal de cada concelho). O serviço militar era obrigatório.
Um largo uso da fortificação, cingindo de muralhas os centros de população mais importantes e elevando alterosos e imponentes castelos, de que ainda nos restam algumas sagradas relíquias (Bragança, Guimarãis, Leiria, Óbidos, etc.), completava o sistema defensivo do nosso País, como sucedia em toda a parte.
D. Diniz, que deu particular impulso às cousas militares, organizou a milícia municipal dos besteiros do conto, alistando regularmente a antiga peonagem dos concelhos, até então muito desordenada, e criou novos postos - os coudéis-mores, coudéis, anadéis-mores e simples anadéis.
D. Diniz nacionalizou, além disso, as Ordens Militares, cujos mestrados em Castela (Santiago e Calatrava), ou mais longe (Templários e Hospitalários), constituíam um perigo para a segurança do reino.
D. Fernando prestou também particular importância à defesa do País, sobretudo depois da segunda campanha com Castela.
Impôs a obrigação do serviço militar até à mais ínfima das classes populares, às quais, até então, não competia pegar em armas, e levantou importantes fortificações, principalmente em torno de Lisboa.

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b) Descobertas e conquistas

D. João I, feita a paz com Castela, reorganizou e aperfeiçoou a força armada, aprestando-a para a primeira grande empresa - a conquista de Ceuta.
Sem destruir nas suas linhas gerais a milícia medieval, D. João I deu-lhe uma organização mais regular e unitária, adequada à nova situação política.
D. Duarte, porém, foi quem, pelo Regimento dos coudéis, definiu de um modo preciso e já uniforme as obrigações militares de cada súbdito e de cada província, conforme os haveres e a categoria social.
As Ordenações Afonsinas (1444), que compilaram toda a legislação militar anterior, constituíram um corpo de doutrina completo e perfeitíssimo para a época, regulando toda a organização e actividade militar do País.

2.º - Fase das ordenanças

(Às ordens do Rei para o serviço militar)

Em 1508 D. Manuel publicou o primeiro regimento das ordenanças (características desta fase), a chamada Lei das Armas, que depois D. João III completou e aperfeiçoou, especialmente com o regimento dos capitãis-mores) que veio substituir o dos alcaides-mores, devido a D. Manuel.
Foram abolidos os besteiros do conto por inúteis e criadas as companhias de piqueiros e arcabuzeiros municipais.
Em 1570 D. Sebastião, que sonhara um Império, publica uma organização notável, pela qual o País era dividido em capitanias, cada uma das quais tinha à sua frente um capitão-mor, nomeado pelo Rei, quando fosse senhor das terras, ou eleito pelos municípios, e um sargento-mor.
Os fidalgos e os que tinham um rendimento superior a 200 $000 réis anuais eram obrigados a ter armas e cavalos.
Os que tivessem 100$000 réis eram obrigados a munir-se de arcabuzes.
Os restantes deviam ter lança, meia lança ou, pelo menos, um dardo.
Eram recenseados todos os homens dos 18 aos 60 anos, com excepção dos fidalgos, eclesiásticos e aqueles que possuíssem permanentemente cavalo.
Cada grupo de 25 homens constituía uma esquadra e 10 esquadras constituíam uma companhia, ou bandeira, tendo cada uma um capitão, um alferes (porta-bandeira), um sargento, um meirinho, um escrivão, 10 cabos e um tambor.
Os capitais, alferes e sargentos eram eleitos pelos camaradas, com a assistência dos capitãis-mores, que eram os alcaides ou os senhores das terras, havendo-os. Os cabos eram nomeados pelos capitais.
Em Lisboa havia uma organização especial: as ordenanças estavam repartidas em 4 terços, cada um dos quais composto de 3:000 homens, sob o comando de um chefe, que se intitulou coronel, e havia ainda o terço dos privilegiados da corte.
A artilharia, principalmente a de campanha, era tida ainda como um instrumento secundário e durante muito tempo foi considerada um mester mecânico, desempenhado pelos bombardeiros (a maior parte estrangeiros).
Aos domingos e dias feriados reuniam-se, para exercícios, duas esquadras, e, uma vez por mês, a companhia. Havia carreiras de tiro, onde os homens praticavam o tiro (fazer barreira), devendo cada soldado fazer, pelo menos, um tiro:
Havia, além disso, dois alardos (revistas gerais) por ano, na Páscoa e no S. Miguel, e exercícios gerais das tropas de cada capitania, tanto de pé como de cavalo, sob o comando do respectivo capitão-mor.
D. Sebastião pretendeu realizar, com as ordenanças, a idea de um povo de soldados, verdadeira nação armada, sem o ónus e os inconvenientes dos exércitos permanentes.
A regularidade desta instrução e a despesa que acarretava não agradava aos povos, e, logo que Filipe II tomou conta do País, foram abolidos os exercícios e até as próprias ordenanças.

3.º - Fase dos exércitos permanentes

a) Organização da Restauração

Com a Restauração iniciou-se uma nova fase na organização das nossas forças militares, pela ameaça iminente em que se estava dos ataques de Espanha.
D. João IV prestou, por isso, particular atenção aos assuntos militares, começando por restabelecer a organização de 1570, introduzindo-lhe, porém, algumas modificações.
O recenseamento passou a abranger todos os homens dos 15 aos 70 anos, com excepção dos filhos únicos de viúvas ou de lavradores e os casados (todos constituindo, em cada comarca, um terço de auxiliares).
A divisão do território foi feita em províncias militares, à frente das quais se encontrava o governador das armas da respectiva província. As províncias abrangiam 25 comarcas, divididas em capitanias organizadas segundo a lei de 1570, isto é, cada uma com o seu capitão-mor, sargento-mor e dois ajudantes.
O exército era constituído por:
1) Terços de tropas pagas ou de l.ª linha, ordenadas em terços e troços, destinadas a sair em campanha (filhos segundos de todas as classes) - sistema de encorporação territorial.
2) Terços de auxiliares ou de 2.ª linha (mais tarde denominados milícias), comandados por mestres de campo, que deviam acudir às fronteiras (cada terço tinha a sua secção de fronteira designada).
3) Terços ou companhias de ordenanças, destinadas à guarnição das praças e fortalezas e ao serviço local.
As cortes de Janeiro de 1641 fixaram a força armada paga em 26:000 homens e 4:000 cavalos, e, com efeito, o efectivo do exército atingiu, nesse ano, o número de 24:000 a 25:000 homens de tropas pagas, outro tanto de auxiliares e um número indeterminado de ordenanças, que, só em Lisboa, eram cerca de 15:000.
A duração do serviço militar não estava fixada, mas procurava-se obter voluntários que servissem por seis anos.
As questões de recrutamento eram reguladas pelo chamado regulamento das levas.
Como órgãos superiores foram criados: o Conselho de Guerra Permanente; e, para o serviço de defesa das fronteiras, a Junta de Defesa, funcionando diariamente com o Conselho de Guerra, do qual era órgão consultivo e de estudo.
As fortificações mereceram o maior cuidado ao novo Govêrno. Construídas umas, reparadas e modernizadas outras, segundo os preceitos e innovações introduzidas na arte da fortificação, sobretudo no Alentejo, onde uma tríplice linha de praças garantia a sua cobertura, elas desempenharam nesta guerra papel do maior relêvo, pois que, ao tempo, toda a acção militar era por elas condicionada (influência da guerra dos trinta anos).
Ainda hoje, ao longo de toda a fronteira terrestre e marítima, um sem número de praças, grandes e pequenas, fortes e fortins, atestam o saber, o cuidado e o esforço grandioso dos nossos maiores. Esses padrões de glória semeámo-los também, sem conta, por toda a

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parte onde as bandeiras vitoriosas de Portugal tremularam ao vento de muitas e esforçadas lutas, nessa época formidável e sem par, que foram as descobertas e conquistas. No norte de África, na costa africana, da América, no Brasil, na índia, na própria Abissínia, na Oceânia, encontram-se ainda imensos restos da nossa grandeza.
D. João IV lançou também os primeiros fundamentos dum sistema de administração do exército, sendo chefe deste serviço o vedor geral, que tinha sob as suas ordens os comissários de mostras. Também prescreveu D. João IV normas regulares de promoção, que não existiam.
A artilharia continuava, porém, a ser a arma mais imperfeita; no entanto, D. João IV melhorou o chamado corpo dos bombardeiros da nómina.
Os engenheiros não constituíam ainda corpo e eram todos estrangeiros ou jesuítas. Só no reinado de D. Pedro II é que foi organizado o primeiro corpo de engenheiros portugueses.
As côrtes fixavam o efectivo das tropas pagas e as despesas militares, tendo sido criado, para fazer face a estas, o imposto da décima e o do real de água.
Além das tropas portuguesas, durante toda a guerra da Restauração, lançou-se largamente mão de tropas estrangeiras, principalmente de cavalaria e até mesmo de infantaria. Esses corpos de tropas, com o nome de regimentos (designação já usual na Europa), eram formados de franceses, holandeses e irlandeses. De cavalaria, organizaram-se regimentos de 4 companhias de cavalaria ligeira, de clavinas e dragões, comandados por coronéis franceses e em que serviam, misturados, cavaleiros desta nação e soldados portugueses. Além destes corpos, muitas companhias de cavalos isoladas foram constituídas e comandadas por estrangeiros, dando-se a estes preferência no comando das companhias por se considerarem mais competentes. Entre os estrangeiros conta-se, como se sabe, um dos discípulos de Turenne, Schomberg, a quem, em grande parte, se devem as últimas vitórias alcançadas.
Nessa longa luta de vinte e oito anos o esfôrço militar de Portugal, de início encorajado pela ajuda da França, foi colossal para poder fazer face às necessidades das operações que se desenrolaram no continente, no Brasil, em África e na índia.
A desordem política, porém, de que Portugal tantas vezes tem sido vítima, tirou-nos a possibilidade de termos sido grandes no continente e de nos colocarmos em melhores condições de defesa. O plano grandioso de Castelo Melhor, o organizador da vitória, perdeu-se com a estúpida e cobarde conjura (a segunda em seis anos) chefiada por D. Pedro, que o afastava do poder e nos fazia perder, ainda por cima, a praça de Ceuta, a nossa primeira conquista em África.
Terminada a guerra da Restauração, as nossas instituições militares não sofreram nenhuma modificação importante; antes, pelo contrário, decaíram novamente, como já tantas vezes tinha sucedido.
Não havia número fixo de terços nem de companhias de cavalos. Levantavam-se e dissolviam-se a cada passo, e a sua própria constituição não era fixa.
A disciplina afrouxou extraordinariamente e os abusos de toda a ordem repetiam-se, chegando os soldados a percorrer as ruas de Lisboa, em bandos, pondo em risco as vidas e os haveres dos cidadãos.
A honestidade e a seriedade dos oficiais também deixava muito a desejar, sendo frequentes os extravios e delapidações, sobretudo na cavalaria, onde os capitais de cavalos cometiam as maiores irregularidades, as quais ficavam quási sempre impunes.
A Guerra da Sucessão de Espanha veio modificar, em parte, este estado de cousas, dando-se início a um novo período de reorganização, fazendo despertar o País da sua longa sonolência militar.
É desta guerra que data a organização do exército permanente, na sua forma menos imperfeita, aproximando-o mais das organizações estrangeiras.
Ainda na previsão da guerra, D. Pedro II ordenara que os efectivos se elevassem a 20:000 homens e 4:000 cavalos, repartidos em 20 terços de infantaria, com uma companhia de granadeiros, e, mais tarde, duas (que pela primeira vez entraram na composição do nosso exército), continuando a cavalaria a ser organizada em companhias ou tropas.
Este número das unidades continuava, porém, a não oferecer estabilidade.
A maior parte das desposas com o exército eram custeadas com o rendimento dos tabacos, então arrematado por 1.600:000 cruzados, ou sejam 640.000$000 réis.
No fim do século foi divulgado o uso do fuzil ou espingarda de pederneira, em substituição dos mosquetes de morrão, e a cavalaria, já no século XVIII, usava obrigatoriamente a pistola e a clavina. A artilharia sofreu alguns benefícios na sua instrução técnica, e, já no século XVIII, também foi organizado, com uma certa regularidade, um corpo de artilharia (troço de artilheiros de Lisboa, com 500 homens e depois l:000). Mais tarde foi organizado outro troço no Alentejo com 8 companhias de 50 praças.
A arma de artilharia, contudo, continuava sendo a mais atrasada, recorrendo-se largamente ao recrutamento de estrangeiros, e os artilheiros continuavam a ser considerados mais como mesteirais e homens de ofício do que como militares; inclusivamente, nem uniforme tinham.
Numerosos estrangeiros vieram servir no nosso exército, entre os quais o general britânico Conde de Gallway, e dois corpos organizados, um inglês, do comando deste general, e outro holandês, do comando do barão de Fagel, foram contratados pelo nosso Govêrno.
Pelo tratado celebrado entre Portugal, a Inglaterra e os Estados Gerais das Províncias Unidas, Portugal comprometeu-se a fornecer à sua custa 12:000 infantes e 3:000 cavalos e à custa dos aliados mais 13:000 infantes e 2:000 cavalos.
Os comandos eram ainda incompetentes, pois a maioria dos postos era dada aos fidalgos, sem se lhes exigir a mais pequena capacidade.
No entanto, e, apesar de tudo, embora as primeiras operações de campanha fossem desastrosas, a breve trecho, adquirida a instrução e o treino necessário, o exército português, na força de 30:000 homens, sob o comando do Marquês das Minas, fazia render, na primavera de 1705, Alcântara, Cáceres, Placência, Cidade Rodrigo, Salamanca e Ávila, e nos princípios do verão fazia a sua entrada triunfal em Madrid.

b) Reformas de D. João V

O contacto das nossas forças com numerosos estrangeiros, isolados ou constituindo corpos, e por nós utilizados nas guerras da Restauração, primeiro, e depois na Guerra da Sucessão, obrigou D. João V a introduzir notáveis alterações nas nossas instituições militares, adaptando-as às similares estrangeiras.
Por sugestão do conselho de guerra, em 1707, D. João V publicou as novas ordenanças.
Os terços, que em 1707 operavam na Catalunha, e as tropas de cavalo foram constituídos em regimentos, cujos comandantes receberam a denominação de coronéis. Nesse mesmo ano foi extensiva a todas as tropas de Portugal a nova organização.
Também foram modificadas as designações dos postos militares, passando a haver mestres-de-campo-generais, sargentos-mores-de-batalha e brigadeiros.

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Terminada a guerra, em 1715, os efectivos do exército foram reduzidos.
Dos 34 regimentos de infantaria a 600 homens e dos 20 regimentos de cavalaria a 480 cavalos ficaram existindo:
20 regimentos de infantaria e 10 regimentos de cavalaria, não contando com o regimento da armada, o da junta de comércio, e o que era sustentado pela Câmara do Porto. O reinado de D. João V, apesar de tudo, representa um período de decadência e um abandono completo das instituições militares.

c) Reformas de Pombal

Quando D. José sobe ao trono e começa a presidir aos negócios da guerra Sebastião José de Carvalho e Melo a situação melhora um pouco.
No entanto, a campanha de 1762 vem-nos surpreender e mostrar quam deficientes eram ainda as nossas instituições militares, que não puderam obstar à invasão espanhola.
As providências que Pombal adoptou resumiram-se em melhorar as condições de disciplina e de instrução; mandar pagar os soldos, que andavam com muitos meses de atraso; preencher numerosas vacaturas nos diferentes postos do nosso exército, mandando recolher aos seus quartéis os militares que, em grande número, deles andavam afastados, pela frequência com que eram nomeados para os cargos civis; e mandar elevar os efectivos das unidades, que se tinham tornado irrisórios.
Apesar, porém, de todas estas medidas, a guerra de 1762 surpreendeu-nos, como dissemos, numa situação ainda bem crítica.
Pombal, pouco versado em assuntos militares e preocupado com os outros sectores da vida pública, tinha esquecido as questões militares.
Avizinhara-se, porém, a guerra, e só então é que ele encarou a sério o problema. Primeiro, pediu o auxílio da Inglaterra; mas esta, que pela organização especial das suas instituições militares nunca pôde mandar ao continente forças numerosas, não o atendeu. Pombal procurou então resolver o problema com os seus próprios recursos.
Instaurou em novas bases a administração da Fazenda Pública.
Instituiu o erário como centro de todas as receitas e despesas do Estado e tomou as seguintes providências de ordem propriamente militar:
Deu uma nova organização ao Estado Maior General - os antigos mestres-de-campo-generais passaram a ser designados por tenentes-generais, como já se usava, havia muito, nas outras nações; os sargentos-mores-de-batalha passaram a ser designados por marechais-de-campo; e criaram-se, à imitação do sistema prussiano, como postos imediatamente superiores aos tenentes-generais, os generais de cavalaria e de infantaria; e, acima de todos, como suprema dignidade militar, a eminente categoria de marechal dos exércitos;
Publicou ordenanças para estabelecer unidade de doutrina tática, que não existia, e regulamentou o uso de distintivos para os diferentes postos da hierarquia militar;
Aumentou o efectivo das tropas;
Contratou 2 batalhões suíços de 800 homens cada um, repartidos em 4 companhias;
Restaurou e melhorou muitas fortificações.
Com todas estas medidas conseguiu Pombal elevar o efectivo do exército de 18:000 homens a 48:000, em quatro meses, número que, um ano mais tarde, no fim da campanha, passou a 60:000.
A 3 de Julho de 1762 desembarcava em Lisboa o Conde de Lippe-Schaumburg, general do exército britânico e senhor de um pequeno estado soberano da Alemanha, que tinha sido contratado por Pombal para organizar, em novos moldes, o nosso exército, o qual, apesar de toda a energia despendida e das reformas de que tinha sido alvo, não se mostrara a par dos exércitos, de outras nações.
Por carta régia de 10 de Julho de 1762 Lippe era nomeado marechal-general do exército português, encarregado do comando superior das forças e director geral de todas as armas.
«Veio o Conde de Lippe, como antes tinha vindo o Conde de Schomberg, como mais tarde deviam vir o marechal Beresford, Solignac e Brumont» (S. Teles).
Lippe fez-se acompanhar por numerosos oficiais estrangeiros, ingleses e alemãis, principalmente, que foram admitidos no nosso exército em todas as armas e em todos os graus da hierarquia.
«Se alguns eram, de facto, de apreciável valor, outros havia que nenhum mérito tinham, e só serviam para incutir, na família militar, a indisciplina, o ciúme e a discórdia» (Latino Coelho).
Para fazer a campanha foi necessário improvisar novas unidades, pois não estava preparada, nem prevista, unia mobilização regular e metódica.
Para isso, os segundos batalhões dos diferentes regimentos passaram a constituir novos regimentos. Organizaram-se, assim, 20 novos regimentos de infantaria, na quási totalidade comandados por coronéis estrangeiros.
Além destas tropas, tomaram parte nas operações cerca de 6:000 a 7:000 homens, que a Inglaterra nos enviou.
Com tropas assim constituídas e organizadas à pressa soube o Conde de Lippe, numa guerra de posições e manobras habilmente combinadas, evitando as grandes batalhas campais, frustrar completamente os progressos do invasor.
«Um exército quási completamente improvisado mostrou, nessa breve campanha, quanto valiam os soldados portugueses, quando submetidos a um comando activo, zeloso, inteligente e sabedor e quando estimulada a natural indolência meridional pelos milagres portentosos da instrução e da disciplina». (Latino Coelho).
«Concluída a paz pelo tratado de Paris, em 1763, reconheceu o Conde de Lippe ser chegada a ocasião de corrigir, na organização do nosso exército, os erros e imperfeições a que dera lugar a inevitável improvisação e, por isso, propôs que ele fosse reorganizado em novos moldes - os então considerados mais aperfeiçoados: os do exército prussiano.
O exército permanente ficou então sendo constituído por 23 regimentos de infantaria, 12 de cavalaria e 4 de artilharia.
Além dos progressos realizados no campo da orgânica, foram publicadas ordenanças de tática, elevando a instrução do exército a um nível notável. As tropas eram exercitadas na firmeza do soldado então exageradamente apreciada, na regularidade e perfeição dos alinhamentos, na mesurada cadência do passo militar e nas marchas em linha ou em batalha, tam predilectas naquele tempo, onde era dominante a tática linear e geométrica. As ordenanças estabeleciam os preceitos relativos à execução dos fogos e das manobras e continham, além disso, regras sobre o serviço nas guarnições e praças de guerra.
A fortificação mereceu os maiores cuidados ao ilustre general prussiano, tendo sido nessa época modernizadas as nossas praças, pela aplicação de novos traçados (Vauban), e construindo-se de novo o forte da Graça, que teve o seu nome. As praças foram classificadas em praças de primeira, de segunda e de terceira

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linha, para bem definir e delimitar a disposição defensiva então em vigor.
Em 1764 era publicada uma nova lei de recrutamento, em harmonia com a nova organização, sendo o País dividido em 7 distritos, em cada um dos quais se recrutava um certo número de regimentos.
Como sempre, porém, afastado do País o Conde de Lippe e posta de parte a idea da guerra, em breve as nossas instituições decaíram assustadoramente, até tomar conta da pasta da guerra Luiz Pinto de Sousa, que novamente procurou fazê-las ressurgir.
Não resistimos à tentação de transcrever o que a respeito desta época escreveu S. Teles:
«Nesta situação nos deveriam encontrar as profundas transformações que se efectuaram durante a revolução francesa; mas é tal a tendência desorganizadora na direcção das nossas cousas militares que bastou um período de vinte anos para destruir todos estes melhoramentos; e quando, em 1801, temos de sustentar uma guerra com a Espanha, é tal o estado do exército que, em seguida a dois vergonhosos combates de guarda avançada, o de Arronches e o de Flor da Rosa, somos obrigados a pedir a paz».
Em 1793 foi nomeada uma junta militar de revisão, presidida pelo Duque de Lafões, encarregada de rever a nossa legislação militar, com o intuito de a simplificar e codificar, melhorando as instituições militares. O resultado, porém, foi completam ente nulo.

d) Reorganização de 1796

Em virtude do estado de ameaça de guerra, motivado pela nossa intervenção nas campanhas do Roussillon, pelo auxílio prestado à Inglaterra em 1793 e 1795 e pela atitude política tomada então, em 1796 foi reorganizado o exército.
Os efectivos foram aumentados, passando a ter:

Cada regimento de artilharia 1:200 homens;
Cada regimento de infantaria 900 homens;
Cada regimento de cavalaria 600 cavalos.

Os terços de auxiliares foram transformados em regimentos de milícias, com 800 homens cada um. Foi criada, além disso, a legião ligeira, composta de 1 batalhão de infantaria, 3 esquadrões de cavalaria e uma bataria de artilharia ligeira a cavalo, num total de 1:379 homens.
Prescreveu-se a extinção de todos os privilégios que isentavam do serviço do exército.
Em 1797 vieram para o País auxiliares estrangeiros: o marechal de campo Sir Carlos Stewart, com 6:000 homens, e o general de cavalaria dos exércitos alemãis Príncipe Cristiano de Waldeck, marechal dos reais exércitos, como «encarregado do govêrno das armas e de todas as tropas em toda e qualquer parte destes reinos» (sic), sendo, porém, comandante em chefe o marechal-general Duque de Lafões.
Além disso, para fazer face às despesas da nova organização, e para garantir a acção do exército, tornaram-se as seguintes providências:
Criação da décima eclesiástica e das comendas;
Criação do papel selado;
Emissão de grande porção de papel-moeda;
Levantamento da carta do Alentejo;
Reparação de fortificações, seu artilhamento e municiamento.
Apesar, porém, de todas as providências adoptadas, o desastre da campanha de 1801 veio provar, mais uma vez, como sempre ficam caras todas as improvisações.

e) Organização de 1806

Depois da vergonhosa campanha de 1801, verificada a insuficiência da nossa preparação militar, foi encarregado de estudar as nossas instituições militares e propor a sua remodelação o marechal Conde de Goltz.
Os relatórios e sugestões por ele apresentados e por José Maria de Sousa Botelho, morgado de Mateus, levaram o Ministro da Guerra, D. João de Almeida de Melo e Castro, conde das Galveias, a nomear um conselho militar, presidido pelo próprio Ministro e composto de nove generais nacionais e estrangeiros, sendo secretário o coronel D. Miguel Pereira Forjaz, para elaborar uma nova organização do exército.
Vejamos, a traços largos, as linhas fundamentais da organização proposta e adoptada, porque foi uma das mais notáveis e aquela que, afinal, tem servido de base a todas as posteriores.
As forças vivas da Nação foram distribuídas em três grandes classes: exército regular, milícias e ordenanças. O exército regular formava três fortes divisões denominadas do norte, centro e sul. Cada divisão compunha-se de 8 regimentos de infantaria, agrupados em 4 brigadas, 4 regimentos de cavalaria e 1 regimento de artilharia, exceptuando a divisão do sul, que tinha 2 regimentos de artilharia. Além disso, havia mais uma legião de tropas ligeiras (no plano primitivo propunha-se a criação de uma por cada divisão).
As milícias formavam 48 regimentos, uniformizados e equipados regularmente; tinham instrução militar em períodos de tempo regulares e serviam unicamente no interior do reino, nos lugares mais próximos dos seus distritos.
As ordenanças compreendiam todos os indivíduos aptos para o serviço militar, que restavam do preenchimento dos corpos regulares e dos regimentos de milícias. Em 1807 foi publicada a nova lei de recrutamento, correspondente à nova organização. Esta lei representa um progresso notável, sendo mesmo uma das mais importantes daquela época e bastante superior à lei francesa de 1818, de Gouvion Saint-Cyr.
O País foi dividido em três grandes divisões territoriais, correspondentes às três fortes divisões do exército regular: norte, centro e sul, abrangendo sete governos e três distritos militares (nas ilhas). As três divisões territoriais eram divididas em 24 brigadas de ordenanças (Algarve, 1; Alentejo, 2; Beira, 5; Estremadura, 6; partido do Pôrto, 4; Minho, 4; e Trás-os-Montes, 2), cada unia das quais subdividida em 8 capitanias-mores e cada uma destas compreendendo 8 companhias de ordenanças. As brigadas de ordenanças correspondiam perfeitamente ao que hoje se chama «distritos de recrutamento e reserva».
Cada brigada fornecia os recrutas para um regimento de infantaria de linha e para dois regimentos de milícias. Cada duas brigadas de ordenanças forneciam os recrutas para um regimento de cavalaria; o de artilharia de cada grande divisão territorial recrutava nas oito brigadas de ordenanças da divisão.
Eram recenseados todos os indivíduos dos dezassete aos quarenta anos, excepto os casados, e o recenseamento, a cargo dos capitais das ordenanças, devia estar terminado no dia 21 de Dezembro.
A duração do serviço militar era de:
10 anos no activo;
8 anos nas ordenanças;
ou então:
14 anos nas milícias;
8 anos nas ordenanças.
Em cada ano os homens do exército activo tinham, por escala, um, dois ou três meses de licença.
A classe anual era dividida em dois grupos desiguais: o menor era constituído por aqueles a quem coubera em sorte ser alistados no exército activo; o maior era formado pelos que eram encorporados nos regimentos de milícias. Faziam parte das ordenanças os que tinham

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completado o tempo de serviço na l.ª ou 2.ª linha, os que tinham mais de quarenta anos, e não tinham servido naquelas situações, e os casados.
A instrução das milícias e ordenanças tinha a seguinte duração:
Os milicianos recebiam instrução durante oito meses no primeiro ano e dois meses em cada um dos anos restantes;
As companhias de ordenanças tinham exercícios nos primeiros e terceiros domingos de cada mês, e, reunidas em batalhões, tinham um exercício nos primeiros domingos dos meses de Março, Junho e Setembro.
A lei admitia também, e pela primeira vez, as substituições directas, para as quais o Govêrno fixara o preço da substituição em 48$000 e os adiamentos para os aprendizes de ofícios, que se podiam alistar até aos vinte anos.
As invasões francesas, que pouco depois tiveram lugar, não deixaram, porém, frutificar a melhor das organizações militares que temos tido. Junot, logo que, por um destes factos inexplicáveis, se apoderou inteiramente do nosso País, tratou de desorganizar completamente o nosso exército, roubando-lhe ao mesmo tempo os seus melhores elementos, com os quais organizou a célebre Legião Portuguesa, que tam gloriosamente se bateu, encorporada nos exércitos de Napoleão, em todos os teatros de operações da Europa.
Iniciada a reacção contra o domínio de Junot, imediatamente se pensou em reconstituir o esfrangalhado e miserável exército português. Encontrando-se os legítimos governadores do reino impossibilitados de exercer as suas funções e de dispor dos arsenais e dos recursos do País, foram-se encarregando dos trabalhos de reorganização as Juntas de Govêrno, que se formaram nos focos revolucionários, especialmente em Bragança, Porto, Coimbra, Faro, Campo Maior e Estremoz. Auxiliados pela Inglaterra e pela Espanha, e com o patriotismo de todos os portugueses, sem distinção de classes e de fortunas, conseguiu-se, ao fim de dois meses, um levantamento completo e obter uma força armada de 16:000 a 18:000 homens de tropas de 1.º linha.

f) Organização de 1808

Imposta pelos ingleses a vinda de Beresford, foram a este general conferidos plenos poderes para reorganizar e disciplinar o nosso exército.
A lei de recrutamento foi também profundamente alterada, mas de uma maneira aviltante para o nosso exército.
Pelas legislações anteriores, desde 1640, e, principalmente, pelas leis de 1764 e 1807, o serviço militar era considerado um dever e uma honra; era uma verdadeira instituição nacional, sendo todos os aptos obrigados a receber instrução, ou nas tropas de 1.º linha ou nas milícias ou ordenanças.
Beresford, porém, levado pelas ideas dominantes na Inglaterra, transplantou para cá essas ideas, destruindo a nossa organização militar e pondo-nos a par da «canalha e da escória da sociedade inglesa, onde se recrutava o exército britânico» (palavras textuais de Lord Wellington, quando foi ouvido pela comissão de reforma do sistema de disciplina do exército), sem atender às diferenças das condições sociais dos dois países, nem às instituições por que, até então, nos regíamos.
Com efeito, por esta lei eram preferidos para o recrutamento das tropas de l.ª linha:
a) Os vadios;
6) Os incorrigíveis;
c) Os que se entregavam a trabalhos improdutivos (empregados das casas de jogo e nas lojas ou fábricas de objectos destinados só para mulheres);
d) Os que se entregavam a trabalhos de mero luxo (ourives, pintores, etc.).
O limite máximo da idade, em vez dos trinta anos da lei de 1808, foi elevado a cinquenta e cinco anos.
Não obstante as preferências da lei, o nosso exército nunca foi constituído por vadios e incorrigíveis; mas, apesar disso, foram publicadas as leis disciplinares mais odiosas em uso no exército inglês e introduzida a chibatada.
Os recrutas não eram recebidos directamente pelos corpos, mas por depósitos (Lisboa, Elvas, Viseu, Chaves, Viana e Pôrto), onde era ministrada a instrução.
Em 1811 e 1812 publicaram-se novas leis de recrutamento, mas a última foi de maior importância.
O recenseamento passou a estar a cargo dos capitais das companhias de ordenanças e abrangia todos os indivíduos dos quinze aos sessenta anos.
Em 1813 reduziu-se o limite máximo da idade a que se estava sujeito para o recrutamento: dezoito aos trinta anos para as tropas de l.ª linha e até aos quarenta e cinco anos para as milícias.
Foi também aumentado o número de casos de isenção, e as duas operações - inspecção sanitária e sorteio - passaram a realizar-se secretamente, e só no momento em que se organizavam as levas é que os homens sabiam que tinham sido apurados e lhes tinha pertencido ser encorporados.
Antes mesmo da convocação dos recrutas, os capitãis-mores podiam prender aqueles que fossem considerados como capazes de se ausentar. Isto prova bem que o recrutamento ia assumindo cada vez maior grau de violência, tornando-se o serviço militar cada vez mais odiado pela população. Os destacamentos de conduta, a princípio reduzidos a quadros, passaram a ser constituídos por fortes, escoltas e os recrutas muitas vezes iam algemados ou ligados com cordas. Era o resultado do regulamento de Beresford.

g) Organização de 1816

(Redução do exército em 1814 e 1816)

Terminada a Guerra Peninsular, durante a qual fizemos o maior esforço militar da nossa história, chegando a mobilizar 430:000 homens (coronel Taveira e Napier), que sofreram para cima de 20:000 baixas, e passados os entusiásticos festejos com que foram recebidas as tropas no seu regresso à Pátria, foi notavelmente reduzido o efectivo do exército.
Essa redução foi feita nas seguintes bases:
1.ª Proporcionar a força do exército à população, agricultura e rendas públicas por um sistema tal que, pegando em armas o número de homens que as circunstâncias ocorrentes exigissem, este número pudesse aumentar-se progressivamente até se encontrar a Nação toda em armas;
2.ª Distribuir os corpos por quartéis, situados dentro dos distritos do seu respectivo recrutamento, a fim de permitir empregar os homens alternativamente nos trabalhos agrícolas, sem prejuízo da disciplina militar, conservando-se assim o exército sempre apto para a guerra;
3.ª Deminuir a força dos corpos de linha, sem alterar o sistema geral da organização do exército:
Regimentos de infantaria a 10 companhias de 90 homens;
Batalhões de caçadores a 6 companhias de 70 homens;
Regimentos de cavalaria a 4 esquadrões de 80 cavalos;
Regimentos de artilharia a 10 companhias de 80 homens;
Uma companhia de artilheiros condutores de 100 muares;

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Batalhão de engenharia a 3 companhias de 100 homens.
A fôrça total do exército de l.ª linha era assim discriminada:

Homens

24 regimentos de infantaria....... 24:284
12 batalhões de caçadores......... 6:012
12 regimentos de cavalaria........ 6:372
4 regimentos de artilharia........ 3:560
4 companhias de condutores........ 276
l batalhão de engenharia.......... 348
40:840
e 56:620 solípedes.
Os oficiais e sargentos que excediam os quadros continuaram a servir como supranumerários, com os vencimentos que lhes competiam estando no efectivo, e isto como recompensa dos serviços prestados na guerra.
Beresford exerceu o comando em chefe do exército desde 1809. Indisposto com a regência de Portugal, pelo que se tinha passado a respeito da ida do contingente de 15:000 homens do nosso exército para a Bélgica, a pedido de Wellington, e depois da partida da expedição portuguesa para o Brasil, com destino à campanha do Rio da Prata, em Montevideu, resolveu ir, pessoalmente, conferenciar com o rei D. João VI. Regressou em Setembro de 1816, elevado ao alto posto de marechal general e na posse de dois alvarás, datados, de 21 de Fevereiro, contendo um o regulamento para o exército e o outro o regulamento para as ordenanças, e um aviso, com a data de 2 de Junho do mesmo ano, pelo qual era autorizado a recrutar a seu inteiro arbítrio, sem dependência dos governadores do Reino.
Tal foi a origem da organização de 1816, que foi bastante notável pelos princípios novos que encerrava.
De entre eles destacaremos, como o principal:
O reconhecimento da necessidade de a preparação da guerra se fazer desde o tempo de paz.
O território foi dividido em 24 distritos de ordenanças, sendo cada um subdividido em 8 capitanias-mores e cada uma destas em 8 companhias de ordenanças, a fim de melhor evitar as fraudes e desigualdades que nasciam da anterior disposição das capitanias-mores.
A divisão deveria ser de forma que todos os distritos, capitanias e companhias de ordenanças ficassem iguais em população, pois que assim «convinha à boa ordem do serviço de recrutamento e à utilidade das tropas».
Em cada distrito de ordenanças recrutava-se um regimento de infantaria, outro de cavalaria ou um batalhão de caçadores.
Em cada 6 distritos recrutava-se um regimento de artilharia.
A engenharia e os condutores eram recrutados em todo o País.
As unidades de infantaria, caçadores e cavalaria deviam ser aquarteladas dentro dos distritos onde recrutavam ou nas localidades próximas.
As operações de recrutamento eram entregues exclusivamente às autoridades militares e absorviam milhares de oficiais, sargentos e cabos.
Havia, além disso, 7 generais, governadores das armas das províncias, que eram encarregados da direcção superior de tudo que dissesse respeito ao recrutamento do exército activo, bem como ao das milícias e ao das ordenanças, sendo também incumbidos da manutenção da ordem pública, para o que lhes estavam subordinadas todas as tropas aquarteladas dentro dos limites da província.
O comando em chefe superintendia e centralizava todos os serviços das províncias.
O recrutamento das milícias era feito pelo mesmo pessoal e obedecia a um regulamento especial (portaria de 22 de Agosto de 1812). Cada companhia de milícias tinha um distrito particular, para dentro dele fazer o seu recrutamento. As milícias eram constituídas por aqueles que tivessem obtido baixa da tropa de linha e tinham instrução em épocas determinadas.
Em tempo de guerra eram destinadas à defesa local e em tempo de paz eram encarregadas de todos os serviços de polícia no interior do País.
Quanto a efectivos, considerou-se ser essencial ter um exército de 1.º linha de 50:000 a 60:000 homens, sempre pronto a ocorrer à defesa do País, mas licenciado até dois terços, ou mais, para não empobrecer a agricultura e aliviar o orçamento.
As tropas de 1.ª linha, em harmonia com estas bases, compreendiam:

24 regimentos de infantaria (a 10 companhias de 140 homens)...... 33:600
12 batalhões de caçadores (a 6 companhias de 100 homens)......... 7:200
12 regimentos de cavalaria (a 8 companhias de 64 homens)......... 6:000
4 regimentos de artilharia (a 10 companhias de 80 praças)........ 3:200
4 companhias de artilheiros condutores(a 60 praças).............. 240
l batalhão de artífices engenheiros (3 companhias de 200 homens). 600
Soma............................... 50:840
Quadros............................. 6:389
Total geral......................... 57:229
e 6:722 solípedes.
As unidades de infantaria e cavalaria eram agrupadas em brigadas e divisões (12 brigadas de infantaria constituíam 6 divisões; a cavalaria compreendia 6 brigadas).
As brigadas eram formadas com os regimentos que ficassem aquartelados em povoações vizinhas.
As divisões eram formadas pelas brigadas que ficassem mais próximas.
As brigadas de infantaria eram formadas por dois regimentos de infantaria e um batalhão de caçadores.
As brigadas de cavalaria eram formadas por dois regimentos de cavalaria.
Os comandantes das brigadas e das divisões tinham privativamente a seu cargo tudo o que dizia respeito à disciplina, administração e instrução das unidades, correspondendo-se directamente com o comando em chefe, sem ser por intermédio dos governadores das armas das províncias.
A fortificação continuou a merecer os maiores cuidados, como elemento fundamental da cobertura.
Por portaria de 5 de Novembro de 1812 foram as praças classificadas em terrestres e marítimas; das primeiras havia 20, das quais 4 de primeira ordem, e das segundas 26, das quais 2 de primeira ordem.
Ao general em chefe era dado o comando privativo do exército de l.ª linha, das milícias e das ordenanças, das praças de guerra e de todos os estabelecimentos militares, com excepção dos arsenais, fábricas de pólvora e de tudo que dizia respeito à contabilidade, que era da competência do Govêrno.
O orçamento do exército era, por esta organização, de 5:000 contos anuais, isto é, mais da têrça parte da renda de então.
Pela lei de recrutamento da mesma data aumentaram-se os casos de isenção e o tempo de serviço em cada ano ficou reduzido a três meses, porque eram concedidos, anualmente e por escala, nove meses de licença às praças, vencendo metade do pré. A duração do tempo de serviço continuava a ser arbitrária.

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h) Organização de 1820

Em 1820 começa o período das revoluções políticas, em que o exército tomou largamente parte, prejudicando altamente as instituições militares.
Em 1821 foram decretadas várias medidas tendentes a introduzir diversas alterações na organização do exército, todas elas traduzindo, mais ou menos, os desejos da população, que não tolerava, de bom grado, as medidas beresfordianas. Assim, foram licenciadas todas as milícias e abolidas as ordenanças. Por decreto de 28 de Julho de 1821 foi nomeada uma comissão encarregada de reorganizar o exército, o qual, segundo as respectivas bases, era destinado ao serviço do Reino, províncias ultramarinas e colónias, com a denominação de Exército Português ao Reino Unido. Foram também extintos todos os privilégios e isenções dos oficiais e eliminados os lugares de auditores do exército e de brigada, devolvendo-se as suas atribuições ao Supremo Conselho de Justiça e aos juizes do cível (lei de 12 de Dezembro).
Foi igualmente eliminado o comando em chefe em tempo de paz, para evitar que se abusasse da obediência dos soldados, levando-os a praticar quaisquer actos contra o novo estado de cousas.
A comissão apresentou às Cortes os seus trabalhos, que, por terem sido julgados imperfeitos, nem sequer foram discutidos.
A 22 de Março de 1821 foi publicada a organização da Guarda, Nacional, cujo fim era defender a Constituição decretada pelas Cortes e manter a segurança e a tranquilidade públicas.
A guarda nacional devia ser constituída por batalhões, esquadrões, companhias e esquadras.
Eram obrigados a servir na guarda nacional todos os cidadãos portugueses no exercício dos seus direitos políticos, dos vinte e um aos cinquenta anos de idade, com excepção dos padres, jornaleiros e criados de servir.
Quando uma povoação fornecesse até 20 praças formava-se uma esquadra, comandada por um sargento; até 40 praças, duas esquadras, comandadas por um alferes; até 120 praças, uma companhia, comandada por um capitão. Cada batalhão era formado por 4 a 6 companhias, tendo um estandarte com a legenda «Constituição ou morte».
Os oficiais, sargentos e cabos eram eleitos pelas praças das respectivas unidades, exercendo os respectivos cargos por dois anos e podendo ser reeleitos.
A guarda a cavalo formava esquadras de 8 homens, meias companhias até 16 homens, sob o comando de um tenente.
As companhias de 32 a 40 homens eram comandadas por capitais.
Duas companhias formavam um esquadrão sob o comando de um major, tendo também um estandarte análogo ao da infantaria.
A contra-revolução de 1823, chefiada por Marialva e Silveira, em Trás-os-Montes, não permitiu a integral execução desta organização. No entanto, no Porto, durante a sublevação transmontana, constituíram-se algumas unidades da guarda nacional.
A lei de recrutamento correspondente à nova organização fixou, o tempo de serviço, que até então tinha sido de uma grande arbitrariedade, em sete anos para a infantaria e nove para a artilharia e cavalaria, reduzindo-se a dois anos para os voluntários. Nas milícias era de dezasseis anos para os recrutados e catorze para os voluntários.
Em 1829 D. Pedro reduziu a um ano o tempo de serviço para os voluntários; os regimentos de infantaria e cavalaria e os batalhões de caçadores, elevados a regimentos, deixaram de ser numerados, passando a ser designados pelos nomes das respectivas localidades.
Em 1832 foram suprimidas as milícias.
«As campanhas da liberdade, começadas em 1832 e terminadas em 1834 pela convenção de Évora-Monte, se, por um lado, avigoraram o espírito militar e combativo do exército e melhoraram o nosso potencial militar, pelo aumento dos efectivos e desenvolvimento das fortificações, sobretudo das de Lisboa e do Porto, por outro lado, as revoluções que se lhe seguiram até 1851, para determinar a forma da Constituição que a guerra civil nos tinha dado, prejudicaram muito o nosso organismo defensivo, introduzindo o caos na organização e desarmando as fortificações. Estas em breve viram deminuir o seu armamento, que quási só ficava limitado ao necessário para o serviço de salvas e sinais, para que não pudessem ser aproveitadas como apoio às frequentes revoltas políticas e militares.
As fortificações começaram a ser consideradas, não como um elemento de defesa para a estabilidade das instituições vigentes, mas como uma constante ameaça, que era necessário destruir ou inutilizar.
Desde então se mostrou que a disposição natural que tinham os antigos governos para desprezar as questões militares se reproduzia identicamente com o sistema representativo». (S. Teles).

f) Organização de 1834

Por decreto de 23 de Fevereiro de 1834 foi reorganizado o exército, sendo Ministro da Guerra o Conde de S. Lourenço.
Por este decreto foi restabelecida a organização de 1806, com algumas alterações, entre as quais a de passar a numerar os regimentos.
Data desta época a criação das guardas municipais.
Em 1833 estabeleceram-se, pela primeira vez, as readmissões por um ano, com o prémio de 10$000 réis.
A lei de 1836 procurou estabelecer o recrutamento voluntário; sendo, porém, pedido um contingente de 8:700 homens, não pôde ser atingido, voltando-se novamente ao sorteio, sendo o contingente repartido pelos distritos, concelhos e freguesias, proporcionalmente à população e não ao número de apurados, como estabelecia a lei de 1812.
O recenseamento e o sorteio passaram a ficar exclusivamente a cargo das autoridades civis e as juntas de inspecção eram mixtas, fazendo parte delas um único oficial do exército.
O tempo de serviço passou a ser de seis anos para os sorteados e de três para os voluntários.

j) Organização de 1837

Sendo Ministro o Visconde de Sá da Bandeira, foi novamente reorganizado o exército, nas seguintes bases:

Cavalaria:

8 regimentos, sendo 4 de lanceiros e 4 de caçadores a cavalo. Cada regimento era composto de 6 companhias, constituindo 3 esquadrões, e em tempo de guerra era aumentado com um quarto esquadrão.
O efectivo de um regimento era de 460 homens e 390 cavalos.
O efectivo total da cavalaria era de 3:680 homens e de 3:120 cavalos.

Infantaria:

30 batalhões, dos quais 10 de caçadores, assim numerados:
N.ºs 1 a 5 e 26 a 30, caçadores; 6 a 25, infantaria
de linha. Os batalhões de caçadores compunham-se de 8 companhias de 87 homens, com um efectivo de 718 homens (os de infantaria tinham mais um porta-bandeira).

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Os batalhões de infantaria de linha compreendiam, da mesma forma, 8 companhias, sendo uma de granadeiros e outra de atiradores.
Em tempo de paz seria constantemente licenciado o número de praças que excedesse 15:000 homens.

fectivo total da infantaria:
Homens Cavalos

10 batalhões de caçadores...... 7:180 40
20 batalhões de infantaria..... 14:380 80
Soma............... 21:560 120

De dois em dois anos deveria haver manobras com tropas de todas as armas.
O exército constituía 10 divisões territoriais e os regimentos ocupavam quartéis permanentes, dentro dos distritos de recrutamento, para realizar a encorporação regional.
Foram criadas, nesta época, a Escola do Exército e a Escola Politécnica.
Em 1840 o tempo de serviço foi reduzido a cinco anos e o recenseamento tinha lugar dos dezoito aos vinte e cinco anos de idade.
As operações de recrutamento continuaram a cargo das autoridades civis.
Logo em 1842 foi ligeiramente alterada a lei, no que respeita à inspecção sanitária, mantendo-se depois, com ligeiríssimas alterações, até 1856.

1) Organização de 1849

Em 8 de Maio de 1849 foi publicado um decreto que autorizava o Govêrno a organizar o exército. No intervalo da sessão legislativa de 1849-1850, e por decreto de 21 de Julho, foi o mesmo Govêrno autorizado a reorganizar os corpos nacionais, criados pela lei de 23 de Março de 1848, os quais deveriam ser conservados licenciados, e só em caso de guerra estrangeira, ou de rebelião interna, se poderiam empregar activamente fora dos seus respectivos distritos.
Usando dessas autorizações, o Govêrno decretou que o exército compreendesse as seguintes classes:
Estado maior general;
Corpo de estado maior;
Corpo de engenharia;
Corpo de artilharia;
Corpo e depósito de cavalaria;
Corpo e depósito de infantaria;
Oficiais das diversas armas e comissões activas;
Oficiais das diversas armas e comissões passivas;
Estados maiores de praças e mais postos fortificados;
Justiça militar;
Estabelecimentos de instrução científica;
Arsenal, trens e fábrica de pólvora;
Repartição de saúde;
Oficiais em disponibilidade;
Oficiais em inactividade temporária;
Corpo telegráfico;
Corpo de veteranos;
Oficiais reformados;
Asilo dos Inválidos.
Nesta organização manteve-se, quanto a fortificações, a classificação da portaria de 1812.
Em 1851, data em que começou a funcionar regularmente o sistema representativo, e em que se iniciou um período de intensa restauração económica, modificando-se profundamente o sistema das nossas comunicações, pôs-se, de novo, em foco o problema da defesa do País, mormente no tocante a fortificações.
A iniciativa partiu do marechal de campo José Feliciano da Silva Costa, que, em uma memória dirigida em 1852 ao comando em chefe do exército, fazia notar o abandono em que estava a organização defensiva do País.
Em 1856 foi publicada uma nova lei de recrutamento, muito superior a todas as outras anteriores, e que marcou um progresso grande nas nossas instituições militares, porque estabeleceu, pela primeira vez, entre nós, a generalidade do serviço militar.
Foi votada em 1855, sendo Ministro da Guerra o marechal Saldanha.
Estabeleceram-se as readmissões por períodos de três anos.
Determinou-se também, pela primeira vez, que ninguém pudesse exercer cargos públicos sem ter satisfeito as disposições da lei de recrutamento.
Criou-se a reserva do exército activo, na qual se permanecia durante três anos, depois dos cinco do exército activo. Os reservistas, porém, não prestavam serviço algum e só podiam ser convocados em circunstâncias especiais, por uma lei ou por um decreto, quando as Cortes estivessem fechadas.
As Cortes fixavam o contingente, que o Ministério da Guerra dividia pelos distritos, proporcionalmente à população de cada distrito, è a repartição era feita, entre os concelhos, pela junta geral do distrito.
O contingente anual era preenchido: 1.º pelos voluntários; 2.º pelos readmitidos; e 3.º pelos recrutados.
Esta lei foi de sanidade moral (José Estêvão), acabando com as algemas, com o cordel e com as escoltas.
Esta lei era superior à francesa, pois a reserva era mais homogénea. Em França, só em 1868 (marechal Niel) é que adoptaram o mesmo princípio (V. César). Contudo, ainda não foi possível fixar uma idade única para o recenseamento, que ficou sendo dos vinte aos vinte e dois anos.
O Marquês de Sá da Bandeira foi o primeiro Ministro da Guerra que se impressionou com o sensato e esclarecido relatório do marechal de campo Silva Costa, nomeando, por decreto de 2 de Março de 1857, uma comissão, por ele presidida, à qual encarregou de estudar a defesa de Lisboa e do Porto.
A comissão, porém, nada produziu de útil, inaugurando-se assim só clássico expediente das comissões improdutivas, que geralmente têm servido para representar o máximo esforço que entre nós se consagra às questões militares; e, se assunto existe em que ele fosse largamente aplicado, foi, sem dúvida alguma, o da defesa nacional» (S. Teles).
Sobre os trabalhos das várias comissões é curioso transcrever a apreciação do mesmo autor, pelo que encerra de ensinamento:
«Entre nós tem sido sempre guardado o mais rigoroso segredo sobre estes trabalhos e procura-se envolver com grandes mistérios as nossas aspirações defensivas, realmente com precauções muito superiores àquelas que no estrangeiro se empregam para não tornar conhecidos os projectos da mesma espécie, mas reais e definitivos. Sem entrar na apreciação deste sistema de segredo, que por toda a parte está abandonado, não lhe podemos reconhecer vantagem alguma, quando se trate apenas de estudos, e, demais, estudos difíceis, em que a prática tem mostrado que as opiniões estranhas às comissões oficiais não seriam nem excessivas nem inúteis».
Em 1859, sendo Presidente do Conselho e Ministro da Guerra o Duque da Terceira, a pretexto de economias, mas, na verdade, por razões de ordem política, foi abolido o comando em chefe do exército.

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m) Reorganização de 1863 e 1864

Em 1863 e 1864 a organização do nosso exército sofreu mais alterações, mas não modificou profundamente a sua essência.
Houve mudanças nas designações dos postos de estado maior general:
Os tenentes-generais passaram a designar-se por generais de divisão, os marechais de campo por generais de brigada e foi extinto o posto de brigadeiro.
Em 1864 foi também extinta a classe dos almoxarifes.
Em 1868 foi criada uma reserva do exército (9 de Setembro).

n) Organização de 1884

Em 1884 nova reorganização sofreu o nosso exército:
Eis, em resumo, as principais disposições:
O exército compreendia:
O estado maior general;
O corpo de estado maior;
As armas;
As guardas municipais;
Etc., etc.
O estado maior general compunha-se de 36 oficiais, assim discriminados:
1 marechal de campo;
2 marechais do exército;
9 generais de divisão;
24 generais de brigada.
A engenharia compreendia um comando geral, um estado maior, uma ou mais escolas práticas, uma escola e serviço de torpedos, um corpo auxiliar (almoxarifes, caserneiros e guardas), um regimento formado por dois batalhões activos e um de reserva, todos a quatro companhias.
A artilharia compreendia: o comando geral e de campanha; o de ataque e defesa das praças; o de guarnição; o dos polígonos; o das inspecções de material de guerra; e o da manufactura e distribuição;
3 regimentos de artilharia montada, com 10 batarias activas e duas de reserva;
Uma brigada de montanha, com 4 batarias activas e 2 de reserva (quando estas fossem mobilizadas, a brigada passava a ser regimento de artilharia n.º 6);
Dois regimentos de artilharia de guarnição (n.ºs 4 e 5), com 8 companhias activas e 4 de reserva cada um;
4 companhias da guarnição das ilhas.
A cavalaria era constituída por:
Uma inspecção geral, um estado maior e 10 regimentos.
A infantaria compreendia:
Uma inspecção geral; um estado maior; 24 regimentos de infantaria; 12 regimentos de caçadores; e 2 companhias de correcção.

Divisão territorial:

O território continental estava dividido em 4 divisões territoriais:
1.ª divisão - Lisboa (distritos de Lisboa, Santarém e Leiria);
2.ª divisão - Viseu (distritos de Viseu, Guarda, Aveiro, Coimbra e Castelo Branco);
3.ª divisão (distritos do Porto, Braga, Viana, Vila Real e Bragança.);
4.ª divisão (distritos de Portalegre, Évora, Beja e Faro).
As ilhas compreendiam 4 comandos:
Comando da Madeira - Funchal;
Comando oriental dos Acôres - Ponta Delgada;
Comando central dos Acôres - Angra;
Comando ocidental dos Acôres - Horta.

Reservas:

Criadas pela carta de lei de 9 de Setembro de 1868 e pelo decreto de 19 de Maio de 1884, eram compostas:

A primeira reserva:
Pelos militares que tivessem servido nas fileiras do exército activo o tempo fixado pela lei de 1868.

A segunda reserva:
d) Pelas praças que, tendo sido encorporadas na primeira reserva, nela completassem cinco anos de permanência;
6) Pelos refractários que, havendo servido oito anos na efectividade, tinham de completar doze anos de serviço nesta reserva;
c) Pelos aprendizes de música, clarins, etc., que, havendo servido dez anos na efectividade, deviam completar doze anos de serviço nesta reserva;
d) Pelos alunos das escolas superiores que, tendo servido na efectividade o tempo legal, pelo facto de não terem tido aproveitamento, haviam de completar doze anos nesta reserva;
e) Pelos remidos;
f) Pelo contingente de reserva autorizado pela carta de lei de 9 de Setembro de 1868 e anualmente votada para elevar o efectivo de pé de guerra a 120:000 homens.

Lei de recrutamento de 1887 (Conde de S. Januário):
Esta lei fixa, finalmente, uma idade única para o recenseamento - vinte anos. A segunda reserva foi mantida e elevado o tempo de serviço a doze anos:
Três no exército activo;
Cinco na primeira reserva;
Quatro na segunda reserva.
Foram suprimidas as readmissões; as substituições só eram permitidas entre irmãos e as trocas de número só podiam ser concedidas aos mancebos dos mesmos concelhos.
Foi criada a taxa militar fixa de 2$500 e 3$000 réis, que foi de resultados nulos.
Estabeleceu-se o voluntariado condicional de um ano, com o fim de obter sargentos e alferes para os quadros de reserva.
Aos voluntários que soubessem ler e escrever era-lhes permitido, no fim de um ano, passarem à primeira reserva.
Para efeitos de recrutamento e reserva o País foi dividido em 36 distritos de recrutamento e reserva, correspondentes aos 36 regimentos de infantaria então existentes.
Cada distrito compreendia um batalhão de reserva.
Em 1891 a lei de recrutamento sofreu profundas modificações, sobretudo quanto ao funcionamento das juntas, que passaram a ser constituídas pelo comandante do distrito de recrutamento è reserva e dois médicos militares.
Foi abolida a taxa militar e restabelecidas as readmissões, fixando-se várias quantias, conforme os casos.
Foram admitidos adiamentos sucessivos, até três anos, dos alunos dos cursos superiores.
Em 1895 novas alterações foram introduzidas em matéria de recrutamento.
O tempo de serviço foi praticamente reduzido a dois anos, porque, mantendo-se a duração de três, os comandantes das unidades podiam, sem autorização superior, licenciar aqueles que completassem dois anos de serviço (licença registada), com a obrigação de virem servir, durante esse terceiro ano, durante o prazo máximo de trinta dias.
Em 1896 ainda foram introduzidas mais alterações.
Os mancebos apurados eram imediatamente encorporados na segunda reserva e só depois do sorteio é que eram transferidos para as unidades activas.

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Em 1900 novas modificações foram introduzidas na lei. Estabeleceu-se que as praças da segunda reserva, sem instrução, poderiam ser convocadas, em tempo de paz, durante certos períodos, para a receberem (já estava determinado, mas não se cumpria).
Foi permitido aos alunos dos cursos superiores servirem apenas seis meses, repartidos por três períodos, ou mesmo mais, conforme as circunstâncias.

o) Organização de 1899

Em consequência das guerras de Napoleão, que modificaram profundamente a concepção sobre o emprego da fortificação, dos estados na sua aplicação à defesa, e dos progressos realizados no armamento, sobretudo na artilharia, que tornaram ineficazes as velhas praças de guerra, o problema da defesa nacional apresentou-se-nos, a partir dos meados do século XIX, em termos completamente novos.
Um dos principais elementos do nosso sistema defensivo, a cobertura das fronteiras pelas linhas de praças fortes, deixava de ter qualquer valor, e a situação agravava-se ainda com a abertura de novas vias de comunicação, levada a efeito nesse período de renovação construtiva, que, se nos valorizava sob o ponto de vista económico, tornava o País mais vulnerável às invasões.
Perante esta precária situação, o País durante muito tempo ficou apático; cansado de guerras, nada mais se fez do que nomear comissões que pouco produziram, como se disse. Não se reagiu, e os governos apenas se preocuparam com a defesa de Lisboa, única cousa possível com os magros efectivos de que então se dispunha. Em matéria de fortificação, pois, apenas algumas obras, para cobrir imediatamente Lisboa, foram executadas. Esta solução, porém, de defender apenas a capital, e a curta distância, não podia admitir-se de forma alguma.
Não querendo, ou não se podendo, aumentar as despesas, e, certamente, sob a influência da campanha de 1810-1811, começou então surgindo unia nova doutrina sobre defesa do País, a da chamada defesa concentrada, que consistia em escolher, no seu interior, uma zona para a qual as tropas se dirigiriam depois de uma manobra retardadora, executada a partir da fronteira, onde se não podia pensar em resistir com forças deminutas, depois de as nossas fortificações terem perdido o seu valor.
Essa zona, suficientemente grande para poder sustentar o conjunto de todas as forças, das populações próprias e daquelas que a ela se acolhessem vindas das restantes partes do território, deveria, contudo, ser proporcionada aos efectivos previstos, de forma a poderem, eficazmente, fazer frente ao adversário e permitir, posteriormente, passando à ofensiva, reconquistar o resto do território.
De entre os apologistas desta nova doutrina sobressaiu o general Sebastião Teles.
Êste ilustre general preconizou, com efeito, como mais conveniente para a nossa defesa, dentro dos recursos que o País tinha, ou se julgava ter, essa doutrina. Julgava S. Teles que a defesa do nosso País ficaria devidamente assegurada desde que possuíssemos um exército activo de 75:000 homens, um exército de reserva doutros 75:000 homens e de forças de milícias ou territoriais, que ele supunha que poderiam ir de 70:000 até 150:000; isto é, um total entre 220:000 e 300:000 homens.
E isto, abandonando de mão beijada ao adversário a quási totalidade do território!
Em 1899, sendo Ministro da Guerra, fiel à sua doutrina, decretou S. Teles uma organização do exército nessas bases.
Vejamos, a traços largos, essa organização.
O exército compreendia:
1.º O estado maior general e o serviço do estado maior;
2.º As diferentes armas;
3.º Os serviços gerais do exército;
4.º As tropas especiais, abrangendo as guardas municipais e a guarda fiscal;
5.º As reservas.
As tropas das diversas armas formavam:
a) 4 divisões do exército activo;
b) b) Tropas de exército (engenharia, artilharia e cavalaria);
c) Tropas de guarnição das ilhas;
d) Tropas de reserva.
Cada divisão de exército activo compreendia:
Uma companhia de sapadores mineiros;
Um regimento de artilharia de campanha a 8 batarias;
Um regimento de cavalaria a 4 esquadrões;
Um regimento de caçadores a 3 batalhões;
Duas brigadas de infantaria a 3 regimentos de 2 batalhões.
As tropas não endivisionadas eram constituídas por :
1.º Duas companhias de pontoneiros, uma de telegrafistas e uma de caminhos de ferro;
2.º Um grupo de duas batarias de artilharia a cavalo, um grupo de 2 batarias de artilharia de montanha, e dois regimentos de artilharia de guarnição a 2 batalhões;
3.º Duas brigadas de cavalaria de dois regimentos a 4 esquadrões;
4.º 3 regimentos de infantaria a dois batalhões e 3 companhias de artilharia de guarnição destinadas à guarnição das ilhas adjacentes.
As tropas de reserva, destinadas a constituir 4 divisões de reserva, compreendiam:
1.º 2 companhias de sapadores mineiros, uma de pontoneiros e uma de caminhos de ferro;
2.º 4 grupos de artilharia de campanha e dois batalhões de artilharia de guarnição;
3.º 8 grupos de dois esquadrões de cavalaria;
4.º 24 regimentos de infantaria a 2 batalhões.
Nas ilhas adjacentes:
3 regimentos de infantaria;
3 companhias de artilharia de guarnição.
O território era dividido em 4 circunscrições de divisão, compreendendo cada uma delas 6 regimentos ou distritos de recrutamento e reserva. As sedes das circunscrições eram Lisboa, Porto, Viseu e Évora.
Nas ilhas havia dois comandos militares: o da Madeira, com um distrito, e o dos Açores, com dois distritos.
Em tempo de paz algumas unidades concentravam-se. Assim:
A engenharia compreendia apenas um regimento a 10 companhias;
A artilharia compreendia 4 regimentos de artilharia de montanha, um grupo de artilharia a cavalo, 2 regimentos de artilharia de guarnição e 3 companhias de artilharia de guarnição;
A cavalaria, 8 regimentos de 4 esquadrões;
A infantaria, 12 batalhões de caçadores, agrupados em 4 regimentos, e 27 regimentos de infantaria;
Uma companhia de saúde;
Uma companhia de subsistências;
Uma companhia de equipagens.
As reservas do exército dividiam-se em primeira e segunda reserva (lei de 1896).
A primeira era constituída por todos os homens que completassem o tempo legal de serviço nas tropas activas (três anos).

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A segunda era constituída por aqueles que completassem o tempo legal na primeira (cinco anos) e por todos os apurados que não tivessem servido no exército activo ou na armada (doze anos).
Tanto os homens da primeira, como os da segunda reserva, eram obrigados a apresentar-se para exercícios ou manobras por períodos de vinte a trinta dias.
O efectivo do exército, em tempo de paz, era de 1:804 oficiais e 30:000 praças, 5:404 solípedes e 144 bocas de fogo.
Em pé de guerra devia elevar-se a:
3:476 oficiais, 145:639 praças, 15:849 solípedes e 312 bocas de fogo.
O exército compunha-se de 4 divisões activas e 4 de reserva, além dos elementos não endivisionados - tropas de exército.
Quanto a fortificações classificavam-se em fortificações de l.ª classe e de 2.ª classe.
Eram fortificações de l.ª classe:
O campo entrincheirado de Lisboa;
A praça de Elvas;
O castelo de S. João Baptista da Ilha Terceira.
Eram fortificações de 2.ª classe:
A praça de Valença;
O castelo de Viana;
O castelo de S. João da Foz do Douro;
A praça de Cascais.
Em 1901 (Dezembro) novas alterações sofreram as nossas instituições militares.
Foi publicada a nova lei de recrutamento e respectivo regulamento (diploma de grande desenvolvimento e detalhe) e alterações à organização (reorganização Pimentel Pinto).
O sistema de recrutamento continuava a ser , o mesmo - obrigatório, por contingentes anuais.
Eram permitidas as substituições entre irmãos, os adiamentos e as readmissões, quer antes, quer depois do alistamento, e as exclusões.
As juntas sofreram modificações na sua constituição - o médico só tinha voto consultivo - e passaram a percorrer os diversos concelhos.
A força militar compunha-se:
Das tropas activas;
Das tropas de reserva;
Das tropas organizadas militarmente, embora não dependentes em tempo de paz do Ministério da Guerra.
O serviço normal nas tropas activas era de três anos, mas o Govêrno podia passar às tropas de reserva as praças no fim do segundo ano.
Para os refractários o tempo de serviço era de seis anos e para os voluntários de oito anos.
As reservas eram duas:
A primeira constituída pelas praças que tivessem servido nas tropas activas o tempo legal de serviço;
A segunda constituída pelas praças que houvessem completado o tempo legal de serviço na primeira, dos apurados que excedessem os contingentes, dos remidos, dos substituídos e dos amparos.
O tempo normal de serviço nas reservas era de cinco anos na primeira e sete na segunda para os encorporados nas unidades activas, e de quinze anos para os encorporados directamente na segunda reserva (dezoito para os refractários).
Ainda no fim do mesmo ano foi criada uma reserva territorial, composta por todos os homens válidos dos trinta e cinco aos quarenta e cinco anos de idade que tivessem servido no exército activo ou na segunda reserva. Esta reserva era destinada à defesa das localidades.
No mesmo diploma prescrevia-se que a primeira e a segunda reserva do exército eram destinadas a completar os efectivos orgânicos das unidades do activo, a
cobrir as perdas sofridas e a constituir novas unidades para ocupação de pontos estratégicos e de fortificações.
Quanto às reformas Pimentel Pinto, consistiram, essencialmente, em alterar a divisão territorial do País, que passou a ser dividido em três grandes circunscrições militares - a do norte, a do centro e a do sul -, compreendendo cada uma delas duas circunscrições de divisão ou divisões militares territoriais, com sedes: as do norte, no Porto e Vila Real; as do centro, em Viseu e Coimbra; e as do sul, em Lisboa e Évora. As de Lisboa, Porto e Viseu eram comandadas por generais de divisão e as outras por generais de brigada.
Em consequência deste novo arranjo, foi alterada, embora ligeiramente, a constituição das tropas.
Assim, a engenharia foi aumentada com 3 companhias independentes, uma de sapadores de praça, uma de torpedeiros e uma de telegrafistas de praça, e modificada a constituição do regimento para poder fornecer as unidades da arma a 6 divisões em vez de 4.
As tropas de artilharia foram aumentadas em 2 regimentos de artilharia montada (de 4 passaram a 6); mas os regimentos, que eram a 8 batarias, passaram a 6.
A artilharia de guarnição, que se compunha de 2 regimentos a 8 companhias, passou a organizar-se em 6 grupos de 3 batarias. As 3 companhias de artilharia de guarnição independentes transformaram-se em 4 batarias independentes.
A cavalaria passou de 8 regimentos a 4 esquadrões a 10 regimentos a 4 esquadrões e constituíram-se 4 brigadas, com sedes em Estremoz, Elvas, Castelo Branco e Lisboa.
Nas tropas de infantaria os 12 batalhões de caçadores, que existiam agrupados em 4 regimentos, foram reduzidos a 6 batalhões independentes e os 27 regimentos a 2 batalhões foram substituídos por 24 regimentos a 3 batalhões para o continente e 3 regimentos a 2 batalhões para as ilhas.
As brigadas passaram a ser 12 e constituídas por 2 regimentos apenas.
Quanto a efectivos em tempo de paz, é interessante reproduzir aqui alguns números:

O regimento de engenharia tinha 47 oficiais e 1:022 praças;
O regimento de artilharia montada tinha 30 oficiais e 475 praças;
O regimento de cavalaria tinha 27 oficiais e 492 praças;
O regimento de infantaria a 3 batalhões 38 oficiais e 598 praças;
O batalhão de caçadores tinha 25 oficiais e 528 praças.

Em 1907 uma importante medida de ordem militar foi tomada: a criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional, presidido pelo Rei, assistido dos Ministros da Guerra e da Marinha, alta corporação militar destinada a tomar a iniciativa dos estudos de preparação da guerra e correlativas deliberações.
O Conselho era constituído por duas secções, uma do exército e outra da armada, e tinha como dependências:
1.º A Comissão Superior de Estudos de Defesa Nacional, tendo como os seus elementos constituintes o Conselho General do Exército e o Conselho General da Armada;
2.º Duas secções de estudos funcionando junto de cada um desses Conselhos.

II - A organização militar da República
Proclamada a República em 5 de Outubro de 1910, não podia deixar o novo regime de modificar a nossa

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organização militar. E assim, a 2 de Março de 1911 foi publicada uma lei de recrutamento, a qual, com algumas alterações, está ainda em vigor.
Esta lei representou, sem dúvida, um grande progresso, pois substituiu o sistema dos contingentes anuais pelo sistema pessoal geral obrigatório e abriu uma nova fase na evolução das nossas instituições militares - a fase dos exércitos milicianos.
Esta lei foi, como não podia deixar de ser, baseada na nova organização publicada pouco tempo depois, em 25 de Maio, mas cujas directrizes, evidentemente, já estavam traçadas.
A sua publicação antecipada à organização foi feita com intuitos meramente políticos.
Com efeito, nascido o novo regime sob o signo da igualdade, a generalização do serviço militar impunha-se, de facto, às massas, que até ali só viam nas fileiras quási exclusivamente os párias e os desherdados da fortuna. A abolição do sistema de contingentes anuais e das imorais remissões foram, sem dúvida, uma glória das novas instituições e um alto serviço prestado ao País. Infelizmente, porém, a aplicação prática não correspondeu, como veremos, ao que dela era lícito esperar.
Se a antecipação da publicação da lei de recrutamento e mesmo a abolição das remissões foram feitas para tirar efeitos políticos, o abandono dos contingentes não foi resolvido por esse motivo. Razões mais fortes levaram o Govêrno Provisório a essa decisão, e essas razões foram o reconhecer-se que os efectivos da organização anterior não eram suficientes para garantir a defesa do País. As seis divisões activas e as tropas de reserva anteviam-se insuficientes.
As fortificações da fronteira, como se inexistentes fossem, nenhum valor coutavam no potencial militar da Nação e os 1:214 quilómetros de fronteira terrestre, quási toda aberta, faziam valer os seus pesados e insofismáveis encargos.
Os organizadores de 1911 julgaram ser necessário para a defesa do País, mesmo adoptando a doutrina da defesa concentrada, 16 divisões - 8 do activo e 8 da reserva -, e foi nesta base que assentaram os seus trabalhos.
Altamente influenciados pela organização do exército suíço, em que se inspiraram, acalentaram a idea de nos transformar num povo de soldados, idea afinal, já muito velha e sempre nova, como se acabou de ver através do estudo anterior. Mas, porque essa idea é velha e sempre nova, como afirmamos, de que provém? Duma cousa simplicíssima: da desproporção de população entre as duas nações peninsulares e, até hoje, entre as populações das nossas colónias e dos estados ou colónias vizinhos. Em caso de guerra, guerra integral e totalitária como suo as guerras do século XX, todos os recursos demográficos serão poucos. Se o princípio da Nação armada se tem imposto, hoje, mais do que nunca, ele é absolutamente indispensável.
Mas o seu significado e a sua interpretação modificaram-se muito.
Não se trata apenas de armar os cidadãos válidos, como outrora, mas de exigir de toda a população, independentemente de sexo e de idade, a sua colaboração, o seu esforço e a sua inteligência. Trata-se de uma transformação e de uma adaptação completa e integral, que é necessário realizar em tempo de guerra, na perspectiva da qual o País deve estar devidamente apetrechado e preparado a tempo.
E que assim pensa o Estado Novo prova-o o artigo 55.º da Constituição: «A lei regulará a organização geral da Nação para o tempo de guerra, em obediência ao princípio da Nação armada».
Esta concepção, porém, só depois da Grande Guerra tomou vulto e se impôs.
Em 1911 o princípio da Nação armada dizia apenas respeito aos homens válidos e em idade militar. E não esqueçamos que, no estudo que estamos fazendo, ainda nos encontramos em 1911.
Pela organização de 1911 o exército contava três escalões, como anteriormente, mas com outras designações:

Tropas activas;
Tropas de reserva;
Tropas territoriais.

As tropas activas compreendiam:

8 divisões;
Uma brigada de cavalaria a 3 regimentos;
Tropas de exército.

Tropas de artilharia e engenharia do campo entrincheirado de Lisboa:

Artilharia:

Um batalhão de guarnição a 6 companhias activas e 2 secções de reserva;
Um grupo de 2 companhias de guarnição e 1 secção de reserva;
Uma bataria de posição;
Dois batalhões de costa, tendo cada um 7 companhias activas e 1 secção de reserva;
Um grupo de 2 companhias activas de costa;
Uma companhia de especialistas anexa a um dos batalhões de costa.

Engenharia:

Uma companhia de sapadores de praça;
Uma companhia de torpedeiros.

Cada divisão compreendia:

4 regimentos de infantaria a 3 batalhões;
Um grupo de batarias de metralhadoras;
Um regimento de artilharia montada a 2 ou 3 grupos de batarias;
Um regimento de cavalaria, provisoriamente a 3 esquadrões.
No acto de mobilização cada divisão compreendia mais as tropas de engenharia e as formações dos serviços.
As tropas de reserva do exército metropolitano compreendiam:

8 companhias de sapadores mineiros;
Uma companhia de pontoneiros; Brigadas de caminhos de ferro;
8 grupos de artilharia montada;
8 esquadrões de cavalaria;
16 brigadas de infantaria;
3 regimentos de infantaria independentes;
8 secções de tropas de saúde;
8 secções de tropas de administração militar;
3 secções de reserva de artilharia de guarnição;
3 secções de reserva de artilharia de costa.

As tropas territoriais do exército metropolitano eram constituídas por batalhões.
O território continental foi dividido em 8 circunscrições de divisão e cada circunscrição em 4 distritos de recrutamento.
O território das ilhas foi dividido em dois comandos militares: o dos Açores, abrangendo dois distritos de recrutamento, e o da Madeira, um.

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A cada circunscrição de divisão correspondia uma divisão activa, duas brigadas de infantaria de reserva e outras tropas de reserva e territoriais, que, no acto de mobilização, se deveriam transformar, possivelmente, em divisões de reserva.

As sedes das divisões eram:
1.ª Lisboa;
2.ª Viseu;
3.ª Pôrto;
4.ª Évora;
5.ª Coimbra;
6.ª Vila Real;
7.ª Tomar;
8.ª Braga.
As tropas não endivisionadas, em tempo de paz, compunham-se de:

Engenharia:
Um regimento de sapadores mineiros, com uma companhia de projectores e outra de condutores;
Um batalhão de pontoneiros;
Um batalhão de telegrafistas;
Uma companhia de telegrafistas de praça;
Uma companhia de aerosteiros, adstrita ao batalhão de telegrafistas;
Uma companhia de caminhos de ferro;
Uma companhia de torpedeiros;
Uma companhia de sapadores de praça.

Artilharia:
Um batalhão de artilharia de guarnição (sector norte de defesa terrestre do campo entrincheirado de Lisboa);
Um grupo de companhias (sector sul do Tejo);
Uma bataria de artilharia de posição para defesa móvel;
Dois batalhões de artilharia de costa (sector norte);
Um grupo independente (sector sul);
Uma companhia de especialistas;
Oito companhias de saúde;
Oito companhias de subsistências (agrupadas em três grupos de companhias de saúde e três grupos de companhias de subsistências).
As fortificações do continente e das ilhas adjacentes foram classificadas da seguinte forma:

a) Fortificações de l.ª classe:
Campo entrincheirado de Lisboa;

b) Fortificações de 2.ª classe:
Praça de Elvas e suas dependências;
Praça de Valença;
Castelo de Viana;
Castelo de S. João da Foz do Douro;
Castelo de S. João Baptista da Ilha Terceira.

A duração do serviço foi fixada pela lei de recrutamento em vinte e oito anos; assim discriminados:
Dez anos nas tropas activas;
Dez anos nas tropas de reserva;
Até aos quarenta e cinco anos de idade nas tropas territoriais.

A obrigação do serviço militar começava no ano em que os mancebos completassem dezassete anos de idade até àquele em que atingissem os quarenta e cinco anos. Em tempo de paz a prestação do serviço nas fileiras só se tornava efectiva, a partir do ano em que os mancebos completassem vinte anos de idade, época em que eram recenseados e alistados.

O serviço nas tropas activas compreendia: A escola de recrutas - quinze, vinte, vinte e cinco, ou trinta semanas, conforme as armas e serviço;

O serviço do pessoal permanente - de duração não inferior a um ano (eventual);
Escolas de repetição - duas semanas.

O serviço nas tropas de reserva compreendia:

Escolas de repetição - durante duas semanas, de cada vez, em dois anos;
Frequência de carreiras de tiro - aos domingos para aqueles que fossem dispensados do serviço nas tropas activas.

O serviço nas tropas territoriais compreendia:

O exercício de quadros para os graduados - durante uma semana;
Frequência das carreiras de tiro das localidades - ao domingo, e correspondentes cursos de gimnástica e exercícios militares para os mancebos dos dezassete aos vinte anos de idade.
O serviço prolongado ou do pessoal do quadro permanente era desempenhado por:

Voluntários, quando os houvesse;
Por aqueles que, como penalidade, a ele eram obrigados (refractários, compelidos, etc.);
Por aqueles a quem coubesse, por sorteio, essa imposição para preencher os efectivos orgânicos;
Pelos soldados de cavalaria e condutores das outras armas e serviços que não pudessem levar para suas casas e sustentar os solípedes respectivos.
Do sorteio eram excluídas as praças consideradas amparo e outras em condições especiais.
Aqueles a quem coubesse em sorte servir nos quadros permanentes podiam fazer-se substituir, o que veio degenerar em verdadeiras remissões, que mais tarde o Governo regulou, proibindo as substituições directas.
O pessoal permanente era reduzido a um mínimo para garantir a conservação dos quartéis e para instruir especialistas, oficiais, telemetristas, apontadores, etc. Quere dizer: fora das épocas das escolas de recrutas os efectivos das unidades eram, pode dizer-se, inexistentes, nenhum valor militar representando.
Quanto aos quadros, a organização estabeleceu dois grandes grupos - quadros permanentes e quadros licenciados ou milicianos.
Os quadros permanentes eram organizados na base do voluntariado, os quadros milicianos na base da obrigatoriedade.
Para êsse fim a lei de recrutamento estabelecia que todo o cidadão era obrigado a aceitar e a desempenhar as funções do grau para que fosse julgado apto.
Todo aquele que fosse julgado apto para desempenhar as funções de um pôsto era obrigado à frequência das chamadas escolas de quadros, que eram:

Escola Central de Oficiais;
Escolas preparatórias de oficiais milicianos;
Escola de sargentos;
Escola de enfermeiros;
Escola de ferradores;
Escola de artífices;
Escola de sapadores de cavalaria;
Escola de sapadores de infantaria;
Escola de especialistas de engenharia;
Escola de telegrafistas de cavalaria e de infantaria;
Escola de velocipedistas;
Escola de músicos, corneteiros e clarins;
Escola de maqueiros;
Cursos técnicos, cursos de tiro e cursos táticos.
Vejamos, quanto a quadros e a efectivos, as alterações resultantes da nova organização.

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O quadro seguinte mostra que em 1911 houve um aumento de cêrca de 213 oficiais nos quadros permanentes, relativamente aos quadros provisórios, e de 353, relativamente aos quadros definitivos:

Quadros permanentes de oficiais

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Provisóriamente, o quadro definitivo de artilharia de campanha deveria ser de 292.

(b) Provisóriamente, o quadro definitivo do cavalaria deveria ser do 316.
(c) Provisòriamente, o quadro definitivo de infantaria deveria ser de 1:180.

III-A organização de 1926

Terminada a Grande Guerra, onde foi posta à prova a organização de 1911, começou estudando o estado maior do exército, por iniciativa própria, tendo para isso nomeado unia comissão dos mais distintos oficiais, o problema da nossa organização, procurando tirar do grande conflito os ensinamentos necessários.
De uma maneira geral, as conclusões a que se chegou, nesse primeiro estudo sobre a organização de 1911, foram:
1.º Que não se adaptava convenientemente à mobilização geral do exército, a qual, dada a configuração geral do País, o sistema das suas comunicações e a distribuição da sua população, tem fatalmente, mesmo pondo de parte a carência de recursos materiais, de ser escalonada no tempo e no espaço;
2.º Que não se adaptava igualmente à mobilização parcial, quer com carácter regional, quer atendendo ao princípio da antiguidade das classes a mobilizar, em consequência de a rigidez da organização não permitir mobilizar por classes em todo o País, ou mesmo em parte dele, sem ser posta de parte a organização das unidades de tempo de paz;
3.º Que não permitia, pelas razões indicadas no número anterior, a rápida organização de expedições coloniais ou destinadas ao estrangeiro;
4.º Que carecia completamente de tropas em efectivos destinados a garantir a cobertura militar do País, por as unidades estarem distribuídas atendendo apenas à distribuição da população, a qual, como se sabe, se acumula onde menos necessária é, sob o ponto de vista militar, deixando as fronteiras completamente desguarnecidas;
5.º Que a instrução do pessoal era deficientíssima, pela pequena duração das escolas de recrutas, num país com uma enorme percentagem de analfabetos, e pela não aplicação integral da lei, por inexequível. As unidades fora das épocas das escolas de recrutas eram esqueléticas, mal chegando o pessoal para a conservação dos quartéis e o tratamento do gado;
6.º Que a formação dos seus quadros era igualmente defeituosa e que as disposições relativas à formação dos graduados milicianos eram inexequíveis, por representarem um agravamento da prestação do serviço num país onde o espírito militar é muito fraco. Houve necessidade de formar atrabiliàriamente os graduados necessários à mobilização;
7.º Que não se atendeu às existências de material de guerra, organizando-se unidades quási completamente desarmadas e sem qualquer eficiência;
8.º Que os organismos superiores de direcção e administração estavam mal organizados e mal coordenada a sua acção, donde resultava morosidade na administração, má delimitação de atribuições e sobreposição de funções;
9.º Que apresentava deficiência na organização dos quadros de oficiais das várias armas, no tocante a capitais e a subalternos, porque não foram aumentados os respectivos quadros na proporção em que o foram as unidades e não se cumpriu o estabelecido quanto a serviço dos oficiais milicianos;
Além destas deficiências notadas na organização de 1911, que são, por assim dizer, de natureza doutrinária, a forma como foi executada e as providências tomadas, umas durante a guerra e outras por motivos da desordem política, que durante largo tempo se manteve no País, agravaram extraordinariamente o nosso problema militar.
Diversas alterações feitas durante a guerra e depois dela, aliás de pequena importância, não melhoraram a situação (criação de unidades de aeronáutica e de um regimento de obuses de campanha).
Somos assim chegados a 1926.
Por se tratar da organização vigente, e porque o Governo anuncia no relatório que precede a proposta de lei profundas reformas, não nos demoraremos a analisá-la, por haver, naturalmente, em breve, ocasião para isso.
Apenas diremos que nela se procurou remediar os inconvenientes apontados à organização de 1911, e que os trabalhos a ela referentes foram efectuados por um grupo de oficiais dos mais distintos e conhecedores do assunto.
A organização tinha a elasticidade e a maleabilidade necessárias. A falta de sequência na sua execução, a temível herança que nos ficou da guerra e a eterna questão financeira foram as causas dos inconvenientes que hoje se notam.
Uma lacuna, porém, apresentava a organização de 1926, que a actual situação já resolveu satisfatoriamente. Referimo-nos aos altos organismos da defesa nacional, criados em 1935 e de cuja acção muito há a esperar.
A título de informação, e para se avaliar da importância imensa que esse organismo tem, e da complexidade, da obra a realizar, transcrevemos de um artigo do Temps, de 1935, o que o Secretariado de Defesa Nacional produziu em França até àquela data.

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A obra deste órgão ministerial, que seria preciso inventar, se não existisse, diz o articulista, embora desconhecida do público, do Parlamento e da maior parte dos Governos, é, contudo, já considerável. Entre outros trabalhos elaborou os seguintes:
Em 1924. - Instrução sôbre o serviço de transportes em tempo de guerra;
Em 1925. - Instruções sôbre: organização e funcionamento dos serviços de transmissões; regime de transportes; preparação da mobilização industrial; mobilização das indústrias eléctricas; mobilização nacional no quadro do departamento; mobilização científica;
Em 1926. - Instruções sobre: mobilização geral dos países de além-mar; preparação da mão de obra metropolitana; recrutamento e emprego, em tempo de guerra, da mão de obra indígena, norte-africana e colonial;
Em 1927. - Instruções sobre: satisfação das necessidades da população civil em tempo de guerra; colaboração dos prefeitos e das autoridades militares com o fim de preparar a organização dos departamentos em tempo de guerra, preparação da mobilização e mão de obra estrangeira; mobilização económica no domínio agrícola e alimentar;
Em 1928. - Instrução geral sôbre importações em tempo de guerra;
Em 1930. - Instrução sôbre as medidas de protecção, em tempo de guerra, nas regiões do território nacional mais expostas à acção do inimigo;
Em 1931. - Estatuto de mão de obra indígena norte-africana e colonial empregada na metrópole, em tempo de guerra; instrução sobre a protecção do território contra os ataques aéreos.

«A atenção desta trintena de oficiais de elite incidiu sobre todos os problemas gerais da defesa e da própria vida da Nação em tempo de guerra», acrescenta o articulista.
Sob o ponto de vista dos quadros de oficiais, a organização de 1926 fixou-os da seguinte forma, um pouco arbitrariamente e com carácter provisório:

Generais..................... 20
Infantaria................... 1:105
Artilharia................... 425
Cavalaria.................... 252
Engenharia................... 190
Aeronáutica.................. 97

Saúde:

Médicos...................... 152
Farmacêuticos................ 38
Serviço veterinário.......... 38
Serviço de administração
militar 152.................. 152
Picadores.................... 23
Chefes de banda de música.... 33
Extinto quadro do secretariado
militar....................... 78
Extinto quadro auxiliar de
Artilharia.................... 108
Extinto quadro auxiliar de
Engenharia.................... 54
Extinto quadro auxiliar dos
serviços de saúde ............ 24

Além dêstes, há os quadros das comissões, que não foram fixados, e o quadro especial dos oficiais milicianos.
Presentemente deve haver, além dos quadros normais, perto de 1:600 oficiais.

Quadro comparativo

[Ver Quadro na Imagem]

Mas, além dos quadros legais, há cerca de 1:600 oficiais e 700 sargentos.
Isto quanto a quantidade...
Sem entrarmos na apreciação detalhada da organização de 1926, pelas razões já expostas, apresentamos, em síntese, alguns aspectos da nossa situação militar presente.

a) Efectivos e despesas orçamentais

A fôrça armada é constituída por: Exército metropolitano;
Exército colonial;
Marinha de guerra;
Guarda nacional republicana;
Guarda fiscal;
Polícia de segurança pública.
A fõrça armada terrestre tem, sensivelmente, os seguintes efectivos permanentes na metrópole:

Exército.................... 26:600, custando 323:023.887$00
Guarda nacional republicana. 5:700, custando 54:447.214$00
Guarda fiscal............... 5:200, custando 43:418.355$00
Polícia de segurança pública 5:200, custando 37:370.467$00
Soma............ 42:700, custando 458:259.923$00

Os corpos de polícia (G. N. R., G. F., P. S. P.), sem grande valor militar, pela fraqueza de efectivos e idade de grande parte do seu pessoal, absorvem 134:000 contos.

Nas colónias:

Exército.................... 9:500
Guarda fiscal............... 500
Polícia..................... 2:500
Soma............ 12:300

custando 50:232.862$.
Efectivos verdadeiramente irrisórios para a vastidão das nossas colónias.
Total geral para as fôrças terrestres, 55:000 homens, custando 508:492.785$.
Com a marinha despende-se 169:818.309$.

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A despesa total com a força armada é de 678:311.094$ (despesas ordinárias).
Estes efectivos são, evidentemente, deficientes em quantidade e qualidade; as unidades continuam, como anteriormente, com os efectivos esqueléticos e incapazes de adquirir rapidamente o grau de eficiência necessária.
A verba orçamental pára o Ministério da Guerra é assim discriminada:

Pessoal dos quadros .......... 84:168.976$00
Pessoal além dos quadros ..... 27:038.045$00
Classes inactivas ............ 68:871.501$00
Outras despesas com pessoal... 60:047.077$00
Total com pessoal 240:125.599$00

Ficam para solípedes, instrução e
material ..................... 82:898.288$00
Total .................. 323:023.887$00

Só com o pessoal além dos quadros e classes inactivas gasta o Estado o melhor de 95:000 contos.

b) Mobilização

Temos apenas cêrca de 1:400 oficiais milicianos, dos quais a maioria suo médicos.
O número de sargentos milicianos é ainda mais irrisório para a necessidade do exército mobilizado. Tem-se continuado a descurar este capital problema.

c) Instrução

Deficientíssima - as escolas de recrutas têm chegado a durar apenas 28 dias úteis. A instrução das especialidades e dos quadros é dificultada pela magreza dos efectivos e carência de material, que também são causa da falta absoluta de uma instrução objectiva, visando o caso real e concreto da nossa defesa. A instrução dos nossos quadros, sobretudo, ressente-se extraordinariamente desse facto, podendo afirmar-se que o estudo completo e detalhado da defesa do País está por fazer.

d) Recrutamento

As estatísticas de recrutamento são verdadeiramente alarmantes:
Em 1935, de 81:246 recenseados, foram inspeccionados pelas juntas de recrutamento 62:976 e foram apenas apurados 26:330. 13:713 foram apurados nos termos do artigo 79.º do regulamento de recrutamento, mas apurados, de facto, posteriormente, pelas juntas regimentais, cêrca de 2:000 apenas.
O número de dispensados nos termos do decreto n.º 21:843 foi o seguinte, nos últimos anos:

1932-1933 ........................... 1:414
1933-1934 ........................... 1:589
1934-1935 e 2.º semestre de 1935 .... 1:181
1936 (até Novembro) ................. 1:547
Soma ... 5:731

Estas remissões disfarçadas, além de serem pouco morais e aviltarem o serviço militar, têm consequências gravíssimas, quanto ao recrutamento dos graduados e especialistas, porque, na sua quási totalidade, aqueles que se aproveitam delas são os elementos mais cultos e que poderiam vir a dar bons graduados, ou, pelo menos, especialistas, de que o exército moderno- cada vez mais necessita.

IV-O material

Tratámos até aqui da evolução das instituições militares através dos tempos apenas no seu aspecto orgânico e de eficiência geral e não abordámos, senão muito fugitiva e incidentalmente, um factor importantíssimo da força armada - o seu material -, que tanta importância tem na avaliação do potencial militar de uma nação.
Sem nos embrenharmos em averiguações profundas, para que não há tempo, nem meios imediatos à nossa disposição, dedicar-lhe-emos, no entanto, algumas palavras.
Até ao aparecimento do aço no fabrico do material de artilharia, e emquanto as fortificações se construíram de pedra e terra Portugal pôde, com bons resultados, fazer face às suas necessidades bélicas. Para isso tinha o seu arsenal com fundição de canhões, fábricas de armas, de pólvoras, etc. Quando, porém, a artilharia de bronze, que tanto contribuiu para as nossas glórias militares, teve de ceder lugar à de aço, Portugal, país de camponeses, num atraso incrível, sob o ponto de vista industrial, desconhecendo até ainda hoje as possibilidades do seu subsolo, viu-se a braços com uma dupla dificuldade: por um lado, as suas velhas praças, de vetustas muralhas de pedra, nada representavam já em face da artilharia de aço estriado, atirando projécteis cada vez mais poderosos e potentes; por outro lado, via-se incapaz de poder fabricar, como até então, o seu material de guerra, que tinha de adquirir a peso de ouro no estrangeiro. Via-se, assim, desprotegido defensivamente, por falta de couraça, e ofensivamente, por falta de armas. Já nos referimos ao abalo que a desclassificação das nossas fortificações produziu no nosso sistema defensivo e ao aparecimento da doutrina da defesa concentrada.
As dificuldades do armamento tornaram as soluções mais difíceis e complicaram extraordinariamente a situação.
Quando da organização de 1899 o exército estava dotado do seguinte material:

Peças de 8cm M/74 ................. 36
Peças 9cm m/75, m/78, m/86 ....... 120

Nas fortificações de Lisboa havia, além disso:

Peças de 15cm C. m/75 .......... 4
Peças de 15cm P. m/78 e m/86 ... 40
Peças Armstrong de 10cm m/84 ... 6
Peças Armstrong de 12cm m/84 ... 6
Peças Krupp - Bange 10cm,5 ..... 1

A espingarda adoptada era a Kropatschec, excelente material para a época.
Não se podia dizer que estávamos bem armados, mas podia afirmar-se que as 4 divisões de que se compunha o exército do tempo de paz estavam regularmente armadas; as suas unidades tinham efectivos e tinham material correspondente a esses efectivos.
Os progressos constantes do armamento no estrangeiro tornaram, porém, em breve, esse material antiquado, sobretudo o de artilharia.
Com efeito, o aparecimento do material de tiro rápido destronou, quási instantaneamente, o material de tiro lento e até o chamado de tiro acelerado, de que só possuíamos 2 batarias que armavam o grupo a cavalo (adquiridas em 1900).
Nos primeiros anos do século, pouco tempo antes da proclamação da República, em 1904 e 1906, a monarquia fez um esforço apreciável simultaneamente com a sua última reforma orgânica.

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A aquisição de 100:000 espingardas Mauser, 36 batarias Schueider de 7,5, o artilhamento do campo entrincheirado de Lisboa com bocas de fogo de 15 cm a 28 cm e a carriagem completa para uma divisão foi, na verdade, o último grande esforço, quanto a material, e, à parte algum que nos veio da Grande Guerra, de pequeno valor militar, de 2 batarias anti-aéreas e de alguns poucos centos de metralhadoras de vários modelos, adquiridas ultimamente, pode dizer-se que é o material de que ainda dispomos, presentemente, já velho, gasto, antiquado, sem valor militar apreciável.
Sobretudo no material pesado para a defesa da base de Lisboa apenas 2 peças americanas, que guarneceram os Açores, durante a Grande Guerra, vieram somar-se às existências dessa época.
Mas os progressos do material, que até à Grande Guerra se vinham orientando num sentido conhecido, deram origem a novos aspectos do transcendente e complexo problema da defesa do País.
O aparecimento e o rápido desenvolvimento da aviação e da mecanização e motorização tornam o problema quási insolúvel ou, pelo menos, difícilimo de resolver entre nós.
Se o desaparecimento das fortificações foi para nós um golpe profundo no equilíbrio do nosso sistema defensivo, o desenvolvimento da aviação e a motorização são para nós verdadeiramente catastróficos.
O nosso País, estreita nesga, com pouco mais de 200 quilómetros de largura, perante o alcance do armamento moderno, perante a crescente mobilidade e potência dos aviões, como que se adelgaça e encolhe a olhos vistos, sob o aspecto da sua defesa.
As velhas fortificações, cobrindo eficazmente a fronteira, deram-nos tempo, outrora, a que nos preparássemos, recrutando, mobilizando e armando as nossas forças para a luta campal.
Além disso, as guerras eram lentas, os descolamentos difíceis, as vias de comunicação deficientes.
Como poderemos mobilizar as nossas forças se não dispusermos duma cobertura conveniente, numerosa, bem instruída e armada e sabendo tirar do terreno o máximo rendimento?
Se não podemos construir ao longo de toda a fronteira uma linha Maginot, não devemos também pôr de lado os altos benefícios da fortificação, pelo menos da semipermanente e da de campanha.
Estarão feitos esses estudos?
A idea de fortificar apenas Lisboa e a doutrina da defesa concentrada fizeram a sua época.
A Grande Guerra, guerra totalitária já, mostrou bem os inconvenientes de se abandonar ao adversário o território pátrio, por mais pequena que seja a parcela abandonada. E, assim, no estado maior do exército, sobretudo no curso do estado maior, se foi esboçando primeiro e precisando depois, e cada vez mais nitidamente, uma nova doutrina, baseada na necessidade absoluta de defender as fronteiras.
Mas a adopção dessa doutrina, que absolutamente se impõe, tem maiores exigências do que tinha a anterior. E isso é que é necessário não esquecer.
O aparecimento e o desenvolvimento da aviação impõe-nos, além disso, a obrigação de dotar o País com uma força aérea apreciável e um apetrechamento anti-aéreo activo e passivo, ambos dispendiosos, se não queremos ver completamente perdidos todos os outros esforços.
Não basta ter um exército; é necessário ter uma aviação — é necessário preparai a Nação para a eventualidade da guerra aérea, evitando os seus horrores.
A este respeito o nosso activo está, pode dizer-se, em branco. Basta notar que não temos um único abrigo, que não temos uma máscara e a nossa força aérea é deficientíssima, quer em pessoal, quer em material, quer em instrução. O número de pilotos é insignificante. Não há pilotos de reserva ou de complemento. Desprovida até há pouco a arma de material de apreciável potência, os nossos aviadores não estão em condições de utilizar esse material, como se provou agora, quando da aquisição dos 10 aparelhos de bombardeamento, tendo sido necessário recorrer a instrutores estrangeiros.

V Conclusões

Após esta rápida e fugitiva digressão histórica podemos formular as seguintes conclusões:

1.° Que as nossas instituições militares, longe de seguirem uma trajectória regular e ascendente na sua evolução, têm seguido, pelo contrário, uma curva sinuosa.
O potencial militar da Nação, chegando a atingir apreciável valor durante as campanhas, não se mantém após elas e deprecia-se rapidamente.

2.° Que é frequente a falta de previsão em matéria militar. As guerras vieram sempre encontrar-nos desprevenidos.
Nunca aproveitámos dos erros do passado.
A este respeito afirma Sebastião Teles: «A decadência do exército é, em todas as épocas, o resultado de uma direcção superior desgraçada; todos os outros elementos se conservam bons, mas desaproveitados».

3.° Que a falta de preparação militar, longe de afastar as ameaças da guerra, atrai estas. A nossa história é, infelizmente, fértil em exemplos desta natureza, confirmando inteiramente o pensamento de Von der Goltz quando afirma: «Os Estados que, por razões políticas ou orçamentais, cometem a falta de se desinteressarem pelo desenvolvimento das suas forças militares provocam, eles próprios, esse perigo de guerra». Os governos, quando não são apoiados em organismos militares convenientes, ou têm de seguir uma política de expedientes e servilismos oportunistas, sempre perigosos, ou então, e ainda mais perigosamente, uma política de bluff, fazendo afirmações e tomando atitudes que podem acarretar sobre o país o ridículo, ou colocá-lo em situações altamente embaraçosas.
Os Estados têm de ter o exército da sua política; de contrário, terão de fazer a política do seu exército.
E doutrina corrente e há muito tempo estabelecida na Europa.

4.° Que as dificuldades financeiras têm sido quási sistematicamente, embora nem sempre com verdade, a razão para justificar o abandono a que se lançam as instituições militares; mas os factos provam exuberantemente que as improvisações ficam, ao País bem mais dispendiosas.
5.° Que as frequentes lutas e a desordem política têm sido também motivo de enfraquecimento do nosso potencial militar.
O exército perde nelas a sua disciplina, desorganiza-se e acaba por perder a sua coesão e o seu prestígio, degradando-se perante o País e perdendo a confiança em si próprio.

6.° Que a instabilidade governativa e a intriga política têm sido, igualmente, perniciosíssimas para as nossas instituições militares, entravando a acção militar ou impedindo que desta se colham os benefícios que seria lógico e necessário obter para o País.
A falta de inteligente cooperação e entendimento entre a acção política e a militar é, infelizmente, frequente através da nossa história.
Que consequências tremendas não nos acarretaram as intrigas de D. Pedro II, por exemplo, no final da guerra da Restauração!

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7.º Que o povo português tem fraco espírito militar, manifestado na relutância que tem em prestar o respectivo serviço. Mas, quando crises graves se manifestam, e desde que seja bem comandado e dirigido, dá bons soldados, capazes dos maiores heroísmos, sacrificando-se abnegada e resolutamente.
Gosta de aventura, mas é pouco persistente, e a nostalgia da família e da terra assaltam-no a cada passo.
Tem um alto sentimento de justiça, e as medidas menos justas, ou que envolvam desigualdades de tratamento, chocam-no profundamente.
8.º Que o nosso sistema defensivo, mais ou menos equilibrado até meados do século XIX, a partir dessa época - em virtude dos progressos do armamento, sobretudo da utilização do aço no fabrico das bocas de fogo, e das modificações introduzidas na maneira de combater - entrou em crise crescente, e nunca mais teve solução inteiramente satisfatória, agravando-se, pelo contrário, à medida que o progresso das indústrias de guerra vai caminhando.
9.º Que a demasiada confiança na aliança inglesa tem sido também causa do certo relaxamento em cuidar das nossas instituições militares.
Ora a história mostra que é com nós próprios que nos cumpre contar acima de tudo, e que mal vai aos países que deixam aos outros o cuidado de os defender.
10.º Que a corrente de opinião esboçada de algum tempo a esta parte (aliás contra o que estabelece a própria Constituição) de que o sistema de organização ideal para nós é o sistema dos exércitos profissionais -exército pequeno, diz-se, mas de cuidada organização, aperfeiçoada técnica e elevado moral da guerra- deve ser absolutamente condenada.
A desproporção das populações dos dois países peninsulares, a extensão e natureza das nossas fronteiras e do nosso território, e a nossa história assim o exigem.
Um exército pequeno - 2 ou 3 divisões -, como se afirma, só poderia morrer com honra, e o seu inútil e vão sacrifício não daria sequer tempo a que os hipotéticos e incertos auxílios pudessem actuar.
Nada de ilusões perigosas! A adoptar-se semelhante solução, esses auxílios estranhos só podiam ser do género daqueles que nos foram enviados em 1808, e representariam, afinal, a reconquista do País, com os horrores e as consequências que esse período angustioso da nossa história nos revelou.
11.º Que o único sistema de organização que devemos e podemos adoptar é o sistema semipermanente, aliás de larguíssimas tradições no nosso País.
O núcleo permanente, embora variando o seu efectivo com a situação internacional, económica e financeira do País, época do ano, etc., é absolutamente indispensável para constituir o escalão de vigilância da cobertura e o seu reforço imediato, para que as fronteiras não sejam violadas logo de início, garantindo-se assim a mobilização e a concentração oportuna e conveniente das restantes forças.
«Toda a organização militar do tempo de paz, incapaz de assegurar por um primeiro acto de defesa a inviolabilidade do território e a protecção de todos os recursos nacionais mobilizáveis, é de rejeitar em absoluto».
Damos a esta peremptória e firme afirmação do Govêrno o nosso entusiástico aplauso. A ela voltaremos na segunda parte dêste trabalho.
Toda a massa válida da Nação deve ser devidamente instruída e estar em condições de pegar em armas, porque todos os recursos demográficos poderão ser poucos.
Não basta, porém, tomar medidas estritamente militares; é necessário ir mais longe, é necessário preparar toda a Nação para a eventualidade, muito de considerar, de uma nova guerra.
12.º Que, com a preocupação de alcançar a perfeição, não se têm em consideração, muitas vezes, as três condições fundamentais a que devem obedecer as instituições militares: a estabilidade, a oportunidade e a simplicidade.
Com efeito, tem havido uma verdadeira febre reformadora; sem esperar os resultados de determinada medida, já se pensa em a modificar. Cansamo-nos depressa dos homens e das ideas.
Desde o princípio do século passado tivemos catorze organizações, sem falar em alterações de somenos importância (1806, 1808, 1816, 1820, 1829, 1834, 1837, 1849, 1863-1864, 1884, 1899, 1901, 1911, 1926-1929). É reforma de mais e eficiência de menos, porque, no fundo, na maior parte das vezes, os factores importantes e fundamentais -os efectivos, a instrução e o material - não se modificam, antes pioram. A ânsia da novidade e o desejo de certos efeitos políticos é que orientam, em geral, a idea de reforma. Nos grandes países militares, como a Alemanha, Inglaterra, França e Itália, o princípio da estabilidade orgânica é bem mais respeitado, sem prejuízo, no entanto, da perfectibilidade técnica.
13.º Que, finalmente, a situação do momento presente nos aconselha a não perdermos tempo para que a história se não repita e para que, na eventualidade de uma nova guerra, não sejamos surpreendidos uma vez mais e, como sempre, completamente desprevenidos.
É necessário, absolutamente necessário, que a nossa preparação militar entre num ritmo acelerado.

SEGUNDA PARTE

I-Análise concreta da proposta na generalidade

l.-Considerações prévias

O Govêrno, que já vinha afirmando há muito tempo ao País a necessidade de fazer acompanhar o rearmamento da reforma geral do exército, começou por apresentar à apreciação da Assemblea Nacional a presente proposta de lei sôbre recrutamento e serviço militar.
Três assuntos constituem a base fundamental da orgânica das forças militares de qualquer nação: a organização geral, os quadros e efectivos e o recrutamento.
Entre nós tem sido hábito tratar dos dois primeiros assuntos num único diploma; o terceiro costuma ser tratado à parte, em diploma especial - a chamada lei de recrutamento.
Os franceses tratam os três assuntos em diplomas separados.
Com efeito, diz o capitão Léon Vignal:
«Três leis fundamentais, intimamente ligadas umas às outras, e orientadas as três (commandées elles mêmes) por uma lei mais geral, de um carácter puramente civil, a lei sôbre a organização geral da Nação para o tempo de guerra, definem as bases da organização militar do País:
A lei sôbre a organização geral do exército, de 13 de Julho de 1927;
A lei relativa à constituição dos quadros e efectivos do exército, de 28 de Março de 1928 ;
A lei relativa ao recrutamento do exército, de 31 de Março de 1928».
As leis da organização e quadros são leis de pura técnica militar. A lei de recrutamento é, pelo contrário, uma lei política e económica, intimamente ligada à legislação geral e ao estado político e social do País, porque bole com os interesses vitais dêste: agricultura, comércio, indústria, artes, ciências, etc.

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A lei sôbre o recrutamento fornece aos comandos os meios de mobilizar as forças da Nação, dentro do quadro da organização geral do exército, e assegura a constituição do órgão que cobrirá essa mobilização integral.
A lei sobre a constituição dos quadros e efectivos reparte estes entre as armas e os serviços, conforme as necessidades particulares daquelas e destes, e ordena-os de acordo com a função própria de umas e de outros.
A lei sobre a organização geral do exército determina as modalidades da organização do exército de terra em tempo de paz e em tempo de guerra.
Em resumo, a lei de recrutamento fornece os recursos julgados necessários, que a lei sobre a constituição dos quadros e efectivos reparte e ordena num quadro fixado pela organização geral do exército.
A ordem da publicação ou, pelo menos, da sua elaboração não é, pois, indiferente.
É a lei da organização que fixa as necessidades que a lei do recrutamento tem de satisfazer, dentro, evidentemente, de certos limites.
Seria preferível, por isso, examinar primeiro a lei da organização geral e a de quadros, e depois a de recrutamento ou, ainda melhor, todas simultaneamente, não obstante o relatório da presente proposta alguma cousa dizer acerca da organização, que nos habilita a conhecer os seus traços gerais.
Além disso, não devemos esquecer que, como se diz no relatório apresentado em França à Câmara dos Deputados, em 1927, pela comissão de guerra, «êsses projectos (organização geral do exército, quadros e recrutamento) seriam inoperantes se se limitassem ao quadro do Ministério da Guerra, e se não repousassem sôbre uma lei-base, visando o conjunto da organização da Nação para o tempo de guerra, assim como a preparação da mobilização total do País, conforme as exigências da guerra moderna e o princípio da Nação armada, tomado na sua mais larga acepção».
A nossa Constituição semelhantemente estabelece, no seu artigo 55.º, que «a lei regulará a organização geral da Nação para o tempo de guerra, em obediência ao princípio da Nação armada».
O Govêrno ainda não publicou esta lei, mas de supor é que, ao elaborar as propostas de lei do Ministério da Guerra, as tenha já baseado nos princípios que à referida lei hão-de dar corpo e forma.

2. - A cobertura

Pelo que se depreende do relatório, o sistema de organização adoptado é o mesmo que hoje vigora - o semipermanente -, com o que esta Câmara não pode deixar de concordar, por isso estar em harmonia com uma das conclusões da primeira parte deste parecer.
O núcleo permanente é indispensável, como então se disse, para constituir, pelo menos, o 1.º escalão da cobertura - o escalão de vigilância. Serão, porém, suficientes os 25:000 ou mesmo 30:000 homens do quadro permanente, para eficazmente desempenharem esta função? Se os 20:000 ou 30:000 homens estivessem todos na zona de cobertura, responderíamos que talvez; mas, mesmo assim, ficaríamos desprovidos de um núcleo, que é indispensável que exista, para constituir o refôrço dêsse 1.º escalão.
Mas os 25:000 ou 30:000 homens não podem estar todos na zona de cobertura.
As guarnições dos centros importantes de população absorvem grandes efectivos; além disso, os regimentos, os centros de instrução, os distritos de recrutamento e reserva, as escolas, as carreiras de tiro, etc., exigem afectivos permanentes.
Em 31 de Dezembro de 1935 (não nos referimos a igual data de 1936 porque houve há pouco um pequeno aumento na força das unidades) os batalhões de caçadores, grupos independentes de artilharia e toda a cavalaria apenas dispunham dum efectivo permanente em praças de pré (incluindo sargentos, músicos, ferradores, artífices, etc.) que não ia além de 10:000 homens! E convém notar que algumas dessas unidades estão muito longe da zona de cobertura.
O nosso efectivo permanente não pode ser inferior a 50:000 homens, pelo menos durante alguns meses do ano.
De resto, este número não nos deve surpreender. Basta lembrarmo-nos das organizações anteriores, citadas na primeira parte deste trabalho, notando-se que, nessa altura, ainda tinham valor as fortificações fronteiriças.
Em 1816, por exemplo, o efectivo permanente, reconhecido necessário, era de 57:840 homens, e isto há mais de um século, e a seguir a uma guerra, que durou mais de sete anos, e de que saímos vitoriosos.
E hoje, a mais de um século de distância, sem uma única fortificação fronteiriça e com quási o dôbro da população de então, podemos contentar-nos com menos?
De forma nenhuma. Ora, para ter 50:000 homens no quadro permanente é necessário adoptar o serviço de 2 anos, de que, de resto, o próprio relatório nos fala.
Cada soldado custa ao País, anualmente, 2.500$. O aumento de despesa resultante do aumento de tempo de serviço de 16 meses para 24 será, pois, de 41:666 contos por ano. Será verba impossível de inscrever no orçamento?
Mas se, de momento, essa despesa for julgada excessiva, poder-se-á autorizar o Govêrno a licenciar, eventualmente, as praças no 2.º semestre do 2.º ano de alistamento, ficando, efectivamente, reduzida a 20 meses, ou mesmo até a 18, a permanência efectiva nas fileiras. Nesta hipótese, o aumento de despesa seria apenas de 20:833 contos no primeiro caso, e de 10:416 no segundo. Cremos que estas verbas não são incomportáveis. De resto, não será possível fazer economias, mesmo na força armada? Julgamos que sim.
As vantagens que resultarão da adopção do serviço de dois anos serão enormes, e não se limitam apenas à que se refere à cobertura, vantagem essa que, aliás, é fundamental.

3. - A instrução

A instrução, outra das eternas sacrificadas, e uma das fundamentais funções do exército do tempo de paz, seria extraordinariamente beneficiada com o aumento do tempo de serviço.
Não há ninguém que não reconheça que a instrução de conjunto é praticamente inexistente no nosso País.
O efectivo médio dos regimentos de infantaria, com excepção dos de Lisboa e Porto, é de 223 homens, incluindo sargentos, músicos, artífices, etc.
Estas unidades, fora das escolas de recrutas, não podem organizar uma companhia (o número de sargentos, músicos, artífices, etc., anda por 120 a 130; e, portanto, o número de soldados não vai além de 100).
Nos próprios batalhões de caçadores o efectivo médio não vai além de 400 homens (incluindo também sargentos, músicos, etc.), mas alguns há em que não chega sequer aos 300.
Os batalhões de ciclistas, unidades de cobertura, por exemplo, têm um efectivo à roda de 150 praças ao todo!
Os regimentos de cavalaria, a mesma cousa: a média anda à roda de 250 homens.

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O efectivo permanente dos quatro regimentos das duas brigadas de cavalaria é ao todo de 1:237 praças!
É a isto que se chama, sem figura de retórica, unidades esqueléticas.
Como podem os oficiais praticar no comando de companhias, batalhões e regimentos? Impossível. Os nossos comandantes de batalhão e de regimento nunca vêem tais unidades!
Objectar-se-á que se podem fazer manobras e chamar às fileiras, para esse efeito, grandes efectivos.
Puro engano! Entre nós a prática demonstra que é impossível a realização regular dessas manobras.
A experiência da organização de 1911, e de sempre, assim o prova exuberantemente. Além disso, as manobras, que são de uma utilidade incontestável para generais, estados maiores, etc., pouco interessam às unidades inferiores ao regimento e não podem substituir uma instrução demorada.
Mas vejamos o que se passava antes de 1911.
Em 1816 os regimentos de infantaria tinham, em pé de paz, um efectivo de 900 homens, os batalhões de caçadores 420, os regimentos de cavalaria 320 cavalos, os regimentos de artilharia 800 homens.
Em 1899 o efectivo dos regimentos de infantaria era, em pé de paz, de 625 homens, o dos regimentos de caçadores de 1:032, o dos regimentos de cavalaria de 533 e o dos de artilharia de 690.
Verifica-se assim que eram bem maiores do que presentemente os efectivos permanentes das unidades e bem mais eficiente e sólida a instrução de conjunto. Actualmente, em que as exigências da instrução são, sem dúvida, incomparavelmente superiores, os efectivos das unidades, pelo menos durante certos períodos do ano, não lhes deverão ser inferiores.
Ora, para o conseguir, só há uma forma: adoptar o serviço de dois anos, a não ser que se reduzisse muito o número de unidades em tempo de paz, o que seria inconveniente quanto às necessidades da cobertura e da mobilização, que impõem mínimos inultrapassáveis.

Com a elevação de 4 para 6 anos da duração do tempo de serviço nas tropas activas que na proposta se contém concorda a Câmara Corporativa inteiramente.
Realmente, há unidades que não contam na sua área de mobilização o número de praças necessário para atingirem os seus efectivos orgânicos, o que ainda tornava mais precária e irrisória a nossa cobertura.
Com a adopção do serviço de 2 anos e fazendo entrar no exército activo mais duas classes, como o Governo propõe, o problema ficará resolvido satisfatoriamente, e apenas restará a questão, também importante, do número e distribuição das unidades pelo País, em tempo de paz, a que não nos referimos, neste momento, por não interessar à presente proposta de lei.

4. - A mobilização

A mobilização, uma das finalidades fundamentais do exército de tempo de paz, como muito bem acentua o Govêrno, merece deste referências especiais no seu relatório e algumas medidas com as quais esta Câmara concorda absolutamente.
Quere-nos parecer, no entanto, que o assunto não fica inteiramente arrumado, quanto a quadros de complemento.
A Câmara Corporativa, que já por mais de uma vez tem manifestado a sua preocupação a este respeito, chamando para o assunto a atenção da Assemblea e do Govêrno, vem novamente ventilar a questão.
As necessidades da mobilização, desde que se encorporem 25:000 a 30:000 homens, podem avaliar-se anualmente, grosso modo, em cerca de 600 a 750 oficiais e
900 a 1:125 sargentos. Se a forma de recrutar os oficiais milicianos pode satisfazer, a de recrutar os sargentos milicianos, nem em qualidade, e muito menos em quantidade, dá satisfação; e há medidas contidas na proposta que se nos afiguram dificultar bastante este recrutamento.
Assim, as antecipações (verdadeiras remissões) permitidas pelo artigo 31.º, afastando do serviço, logo a seguir às escolas de recrutas, os elementos, por via de regra, mais cultos, à parte o mau efeito moral que produzem naqueles que não têm posses para se utilizarem dessa concessão, vêm dificultar o recrutamento dos graduados milicianos e também dos especialistas.
Como se verifica pelas estatísticas de recrutamento, são, em média, cerca de 1:500, por ano, aqueles que se utilizam desta concessão. Pagando 2.500f cada um, o Govêrno recebe a quantia de 3:750 contos; mas fica privado, possivelmente, de mais de 1:000 graduados e especialistas... E, não havendo graduados e especialistas na proporção devida, a mobilização rápida, metódica e perfeita não é possível.
Há ainda outra medida que se nos afigura inconveniente, porque vem a dar resultados semelhantes.
Referimo-nos às concessões feitas aos mancebos aprovados no exame de instrução pre-militar.
A Câmara Corporativa já em tempo (Janeiro de 1936) elaborou um parecer respeitante ao assunto da instrução pre-militar.
A Câmara entende que essa instrução deve habilitar uma parte importante da mocidade das escolas secundárias para o desempenho das funções de sargentos milicianos e especialistas.
Seria para desejar que esses indivíduos tivessem preferência na admissão a escolas preparatórias de graduados ou de especialistas, a funcionar nas unidades ou fora delas, como for julgado mais conveniente.

5. - A contextura da proposta

Além dêstes assuntos, que são de fundamental importância, a proposta de lei inclue disposições referentes ao recrutamento dos oficiais, que, ou costuma ser tratada na lei da organização geral (1911, por exemplo), ou faz parte, como agora, de um diploma especial.
O caso, à primeira vista, não tem importância de maior; mas, a querer-se tornar este diploma mais geral, então deveria também incluir-se o recrutamento dos sargentos milicianos (destes só incidentalmente se trata) e especialistas, músicos, corneteiros, clarins, ferradores, etc., para abranger o recrutamento de todo o pessoal do exército.
Poder-se-á pensar que o recrutamento para estas diferentes classes deixa de se fazer directamente e que, portanto, não é necessário tratar dele especialmente na lei de recrutamento; mas a alínea e) do capítulo III, referente ao serviço de voluntários, deixa perceber que não é assim, porque dá a estes a faculdade de escolherem a arma ou serviço em que desejarem encorporar-se, mantendo, por consequência, a doutrina vigente.
Mas a solução tem os seus inconvenientes: vai introduzir alterações em bastantes diplomas, e, a não serem imediatamente refundidos, o que não é fácil, pode isso estabelecer a desordem e a confusão.
Esta Câmara é, por isso, de parecer que os capítulos IV e V devem ser eliminados e insertas as suas disposições no código de promoções ou estatuto dos oficiais do exército.
Da mesma forma, o capítulo VI ficará melhor numa lei de organização geral, pelo que a Câmara Corporativa é de parecer que seja eliminado igualmente da proposta. De contrário, seria também lógico inserir disposições similares respeitantes à guarda nacional repu-

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blicana, guarda fiscal e polícia de segurança pública, e, duma maneira geral, a todos os organismos ou instituições para militares.
Em compensação, na proposta faz falta um capítulo de introdução, como têm as leis anteriores, e em que se indique, duma forma geral, a constituição do organismo defensivo da Nação, a constituição das forças metropolitanas, a divisão territorial e os organismos a cargo dos quais ficam os assuntos respeitantes ao recrutamento.

A proposta é omissa a respeito do sistema de encorporação que se deverá adoptar: regional, nacional ou mixto.
A Câmara Corporativa julga, além disso, necessário consignar na proposta disposições transitórias, na hipótese de não serem perfilhadas as suas sugestões a respeito dos capítulos IV e v, visto haver grandes inconvenientes e até impossibilidade de lhes dar execução imediata e sem restrições.
Certamente que isso estará no ânimo do Govêrno; mas é conveniente que fique exarado explicitamente na lei, para esclarecimento dos interessados.

Em conclusão, a Câmara Corporativa, reconhecendo que as medidas propostas pelo Govêrno tendem a melhorar e aperfeiçoar os serviços de recrutamento e a dignificar as instituições militares, dá à proposta, na generalidade, feitas as reservas atrás referidas, o seu parecer favorável.

II-Apreciação da proposta na especialidade

CAPITULO I

A obrigação geral do serviço militar

Do conjunto das disposições da presente proposta resulta que nela só se regulam os serviços de recrutamento para o exército da metrópole. Por isso nos merecem reparo a fórmula demasiado genérica, usada na epígrafe do capítulo i, bem como a designação dada ao presente diploma, que podem levar a supor que se trata de uma lei geral de recrutamento para todas as forças armadas da Nação - metrópole e colónias.
Parece-nos portanto conveniente modificar a designação oficial do diploma, de forma a fazê-lo corresponder ao seu verdadeiro objecto: deverá, pois, chamar-se-lhe «lei sôbre recrutamento e serviço militar na metrópoles.
Feita esta observação entremos na análise dos diferentes artigos da proposta:

ARTIGO l.º

A designação de europeus, usada no artigo 1.º como sinónimo de raça branca ou ariana, dá margem a discussões e presta-se a interpretações do mesmo artigo que, certamente, não estão na intenção do Govêrno.
Pode considerar-se europeu um indivíduo nascido em África, tendo duas ou três gerações de ascendentes também lá nascidos, embora de raça branca pura? ^ Os nossos colonos brancos, há muitos anos estabelecidos nos planaltos de Huíla ou Benguela, embora mantendo-se puros e sem mestiçagem, podem considerar-se europeus, ao fim de tantas gerações?
E será lícito excluí-los do exército da metrópole, quando são tam portugueses e tam brancos como os que mais o são? Terá alguma justificação excluir do exército da metrópole filhos de pai e mãi portugueses e brancos, pelo facto, que não poucas vezes se dá, de o pai ou a mãi terem acidentalmente nascido numa das nossas colónias?
Supomos que não.
Esta Câmara não desconhece os inconvenientes a que pretende obviar a exigência da paternidade europeia; mas acha que, para os evitar, basta que da tabela de isenções conste que determinadas características rácicas e de pigmentação isentam do serviço militar nas forças armadas da metrópole. A circular n.º 4:295, de 7 de Novembro de 1905, mandava aplicar aos indivíduos de cor o número 212 da tabela de lesões ao tempo vigente, e o assunto ficou então satisfatoriamente resolvido. Por disposição semelhante, figurando em diploma competente, poderia também sê-lo agora.
A Câmara Corporativa sugere, por isso, a seguinte redacção para o artigo l.º:

«Os cidadãos portugueses, originários ou naturalizados, «ao obrigados ao serviço militar que lhes for determinado, em harmonia com as suas aptidões físicas e intelectuais.
Os indivíduos residentes no País há mais de cinco anos, aos quais não possa atribuir-se qualquer nacionalidade, são chamados às fileiras com a classe a que pertencem.
Todo aquele que estiver sujeito ao .serviço militar é obrigado a aceitar e desempenhar as funções do grau para que tenha sido julgado apto».

ARTIGO 3.º

Ao n.º 1.º do artigo 3.º deverá dar-se a seguinte redacção:

«1.º Os que tenham alguma das lesões ou características mencionadas na respectiva tabela».

A exigência do § único é matéria do regulamento de promoções aos postos inferiores do exército. Seria mais conveniente que figurasse no diploma respectivo.
De resto, não parece à Câmara Corporativa que seja doutrina a estabelecer de uma forma absoluta. Desde que todos aqueles que têm mais de lm,52 são obrigados à prestação do serviço, será justo e razoável que os que tiverem menos de lm,62 não possam passar de furriéis? Demais, o serviço dos furriéis e dos segundos sargentos é idêntico e a promoção de furriel a segundo sargento é feita por ordem de classificação no concurso para furriéis. E se, inclusivamente, merecerem uma promoção por distinção em campanha? Dizia Napoleão que todo o soldado podia levar na sua mochila o bastão de marechal ..., mas com a condição de ter mais de lm,62, teríamos de acrescentar.
Que se estabeleça essa doutrina para o pessoal dos quadros permanentes e, em tempo de paz, pode admitir-se. Em tempo de guerra, é de eliminar em absoluto porque seria indefensável. Por estas razões deve eliminar-se o § único do artigo 3.º

ARTIGO 4.º

Na lei vigente, além dos indivíduos mencionados no artigo 4.º da proposta, são também dispensados do serviço militar:
a) Os mancebos tripulantes de navios nacionais destinados à pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova, que tenham feito, pelo menos, seis campanhas; dispensando-os do serviço nas tropas activas, a lei deter-

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mina que sejam encorporados na reserva naval (decreto n.º 13:441, de 8 de Abril de 1927);
b) Os mancebos das corporações de formação missionária, incluindo os auxiliares que estejam ao serviço das missões, considerado equivalente ao serviço militar (decreto n.º 12:485, de 13 de Outubro de 1926);
c) Os mancebos, das lavras de minas, que se tenham conservado no serviço destas, desde o recenseamento até aos vinte e seis anos de idade (decreto n.º 11:852, de 3 de Julho de 1926).
O Govêrno pretende acabar com essas dispensas?
A lei de recrutamento, como se acentuou, é uma lei política e económica e não pode deixar de considerar certas categorias de interesses.
No domínio militar, como em outros, as disposições editadas pelas leis estatutárias suo resultantes das soluções dadas a um certo número de problemas, muitas vezes contraditórias, e as melhores disposições são aquelas que garantem o máximo de vantagens e o mínimo de inconvenientes.
O princípio de cada um servir da forma mais útil há muito que substituiu a igualdade absoluta de serviço.
As equipagens dos navios destinados à pesca do bacalhau tem um serviço árduo e difícil que constitue verdadeira escola de sacrifício e abnegação. O seu recrutamento apresenta dificuldades e a interrupção das campanhas para a prestação do serviço militar é muito inconveniente.
Habituados à áspera vida de bordo, temperados na luta constante com o mar, não serão mais úteis à Defesa Nacional fazendo parte da reserva naval do que vindo para terra encorporar-se em qualquer unidade do exército, onde as suas aptidões ficarão desaproveitadas?
Julga a Câmara Corporativa que sim.
As missões católicas portuguesas foram organizadas pelo decreto n.º 12:485, de 13 de Outubro de 1926 -Estatuto Orgânico das Missões - que já é obra do Estado Novo.
Como observa a 15.º secção (Interesses espirituais e morais), o recrutamento dos jovens que se destinam à vida missionária com a necessária vocação é muito difícil, por várias causas, entre outras, a natureza especial do apostolado missionário e a complexidade dos estudos que têm de efectuar.
Difícil é também o recrutamento dos chamados irmãos auxiliares: operários e artífices, catequistas, professores, vigilantes dos colégios, e outros elementos indispensáveis à vida missionária.
A educação da juventude, que se dedica ao apostolado missionário, exige cuidados muito especiais na formação do seu carácter, mentalidade, espírito de piedade, amor da Pátria, abnegação e desinteresse.
Essa educação exige continuidade de acção que se não compadece com interrupções que os façam perder o contacto com o meio missionário.
Por estas razões o referido decreto n.º 12:485 permitiu os adiamentos de alistamento aos mancebos das Corporações Missionárias, incluindo os auxiliares até à sua entrada nos serviços missionários ou à conclusão dos seus cursos profissionais, e considerou o serviço missionário equivalente ao serviço militar. A legislação brasileira; que a este respeito é curiosa, estabelece que o serviço militar dos eclesiásticos será prestado sob a forma de assistência espiritual e hospitalar às forças armadas.
A 15.ª Secção manifestou-se no sentido de ser aplicada aos clérigos de Ordens Sacras a doutrina do decreto n.º 12:485.
A Câmara Corporativa, concordando com o pacerer da 15.ª Secção, sugere a seguinte redacção para o artigo 4.º:

«São dispensados:

a) De todo o serviço militar:

1.º Os cidadãos que façam parte das corporações de formação missionária, incluindo os auxiliares, emquanto permanecerem ao serviço das missões fora da metrópole;
2.º Os clérigos de ordens sacras, os quais, todavia, poderão ser chamados, em tempo de guerra, a prestar serviços de assistência religiosa e hospitalar às forças armadas.
b) Do serviço nas tropas activas, e directamente inscritos nas tropas licenciadas:
Os indivíduos naturalizados depois do ano em que completem 26 anos de idade, e aqueles que certifiquem terem prestado noutro país serviço nas fileiras, equivalente ao exigido pela presente lei.
c) Do serviço nas tropas activas e licenciadas, e directamente inscritos nas tropas territoriais:
1.º Os indivíduos naturalizados no ano em que completem 42 anos de idade, ou posteriormente;
2.º Os pescadores e tripulantes matriculados em navios nacionais destinados à pesca do bacalhau, que mostrem ter participado, pelo menos, em seis campanhas ou temporadas de pesca nesses navios. Estes territoriais serão seguidamente transferidos para a reserva naval».

ARTIGO 5.º

É conveniente substituir a expressão «adiar o alistamento» por «adiar a encorporação», porque se tem reconhecido na vigência do actual regulamento que, muitas vezes, se dá o caso de os adiamentos de alistamento serem concedidos já depois de os mancebos estarem alistados.
Além disso, o adiamento do alistamento obriga os mesmos indivíduos a figurar em recenseamentos sucessivos, chegando muitos a figurar 20 vezes (!), falseando assim o quantitativo do recenseamento anual e complicando desnecessariamente o serviço respectivo.
O adiamento concedido aos mancebos que residirem nas colónias deve acabar, transferindo-se automaticamente o seu recenseamento para a respectiva colónia.
Desde que nas colónias se efectue a prestação do serviço, como é absolutamente indispensável e consta de lei (decreto n.º 21:550, de 31 de Agosto de 1932), não se pode proceder de outro modo.
A exigência do prazo de um ano de residência no estrangeiro, à data do recenseamento, para beneficiar do estabelecido no n.º 2.º da alínea b), implica o impedimento para concessão de licença de ausência para o estrangeiro, a todos os indivíduos, desde o princípio do ano em que completem dezanove anos. Parece excessivamente violento.
Conviria, por isso, voltar ao prazo de seis meses, actualmente em vigor.
Na proposta não estão incluídos na concessão de adiamento de alistamento, embora gozem presentemente dessa concessão:
a) Os tripulantes dos navios que se destinam à pesca do bacalhau (decreto n.º 13:441);
b) Os alunos das corporações missionárias (decreto n.º 12:845);
c) Os alunos dos cursos de regentes agrícolas (decreto n.º 19:908);

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d) Os mancebos que, à data do recenseamento, se encontrem empregados nas minas de combustível (decreto n.º 11:852);
e) Os alunos do Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar (despacho ministerial).
Parece conveniente que a alguns se mantenha a concessão do adiamento, pelas razões de ordem social e espiritual a que atrás se fez referência; quanto a outros, porém, concorda a Câmara em que não há utilidade nem conveniência em continuarem a beneficiar dela.
Sugere-se, pois, a seguinte redacção para o artigo 5.º:
«Em tempo de paz pode ser adiada a encorporação:

a) Por uma só vez:
1.º Do mancebo que tiver irmão recenseado no mesmo ano para o serviço militar;
2.º Dos mancebos que pertencerem à tripulação de navios portugueses em viagem, ou que, no acto da saída, se preveja que não podem estar de regresso antes da época da encorporação.
b) Por mais de uma vez:
1.º Dos mancebos que residirem no estrangeiro, por motivo de estudos, até completarem vinte e cinco anos de idade;
2.º Dos mancebos que à data do recenseamento residirem no estrangeiro há mais de seis meses;
3.º Dos mancebos que frequentarem os cursos ordinários ou de aperfeiçoamento científico, literário ou profissional e se destinarem às corporações de formação missionária, incluindo os auxiliares;
4.º Dos mancebos que frequentarem os cursos dos seminários metropolitanos e se destinarem a clérigos de ordens sacras, até completarem vinte e cinco anos de idade;
5.º Dos mancebos que estiverem matriculados há mais de dois anos como pescadores ou tripulantes de navios nacionais destinados à pesca do bacalhau.
§ único. Os portugueses residentes habitualmente no estrangeiro, depois de completarem vinte e sete anos de idade, podem, em tempo de paz e mediante o pagamento de taxa, ser dispensados do serviço nas tropas activas e, nesse caso, serão inscritos imediatamente nas tropas licenciadas. Em tempo de guerra terão obrigação de serviço idêntico ao dos indivíduos da classe a que pertencem».

ARTIGO 6.º

Êste artigo da proposta é demasiado rigoroso, pois não admite excepção ou isenção do pagamento da taxa militar.
O decreto n.º 17:695, que regulamentou o novo regime tributário (decreto n.º 16:731), insere, nos artigos 116.º a 134.º, casos de isenção do pagamento da taxa militar para aqueles que deixarem de satisfazer a .prestação normal do. serviço militar.
A Câmara Corporativa entende que alguns desses casos se devem manter, sugerindo, por isso, a seguinte redacção para o artigo 6.º:

«Os cidadãos portugueses abrangidos pela? disposições da presente lei, que deixarem de satisfazer a prestação normal do serviço militar por qualquer motivo, ficam obrigados ao pagamento de um imposto ou taxa especial durante o período de duração do serviço militar.
Os refractários e compelidos, bem como os mancebos que faltarem, sem motivo justificado, à junta de recrutamento, pagarão em dobro o respectivo imposto ou taxa especial.

§ único. São isentos do pagamento do imposto ou taxa especial:
1.º Os inaptos para o trabalho e para angariar meios de subsistência, que não pagarem qualquer contribuição ao Estado;
2.º Os que, no País ou no estrangeiro, tiverem sido condenados a pena maior;
3.º Os que pertencerem a corporações de formação missionária, incluindo os auxiliares;
4.º Os encorporados na armada, exército colonial, guarda nacional republicana, guarda fiscal e polícia cívica e os alistados no serviço efectivo da corporação ria Cruz Vermelha, durante o tempo em que se mantiverem no serviço;
5.º As praças julgadas incapazes do serviço militar por doença adquirida em campanha, embora não tenham sido reformadas;
6.º As praças com baixa por incapacidade física, que tenham permanecido efectivamente nas fileiras, pelo menos, quatro anos;
7.º Os reformados por ferimentos recebidos ou enfermidades contraídas em campanha ou em serviço público».

ARTIGO 7.º

A Câmara sugere a seguinte redacção para o segundo período do artigo 7.º:

«No provimento de funções públicas ou administrativas, se os candidatos satisfizerem as condições legais, a prestação efectiva do serviço militar durante o tempo exigido por esta lei constitue motivo de preferência absoluta».

CAPITULO II

Operações de recrutamento

ARTIGO 9.º

Os organismos aos quais compele presentemente a operação do recenseamento são as comissões de recenseamento militar, que funcionam nas câmaras municipais e nas administrações dos bairros de Lisboa e Pôrto.
Na realidade, porém, essas comissões raramente reúnem, e as entidades que, afinal, trabalham na elaboração do recenseamento são os secretários das respectivas câmaras ou administrações, com prejuízo para o serviço das mesmas e sem grande garantia de perfeição.
Será, pois, preferível que tal serviço passe a ser executado pelos distritos de recrutamento e reserva, o que poderá fazer-se sem qualquer encargo e, certamente, com muito maior grau de eficiência.
Além disso, ir-se-á assim de encontro aos desejos das câmaras municipais, que há muito tempo vêm solicitando precisamente que as libertem de tal encargo.
O recenseamento deve ser feito, de preferência, tomando por base a naturalidade dos recenseados.
O recenseamento com base no domicílio, já experimentado em leis de recrutamento anteriores, foi abandonado, por dar lugar a confusões e a abusos.

estas condições, não há conveniência em estabelecer a concessão a que se refere o quarto período, respeitante à transferência do recenseamento.
Pode e deve conceder-se, evidentemente, autorização para os mancebos serem inspeccionados com os da freguesia e concelho em que residia e para serem encorporados nas unidades da zona onde tenham u sua residência habitual; mas o recenseamento deve basear-se sempre na naturalidade.

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Quanto ao último período do artigo, o decreto n.º 19:220, alterado pelo decreto n.º 21:650, estabeleceu que os indivíduos residentes nas colónias prestem o serviço militar na colónia onde residem. E não se vê necessidade de estabelecer a êste respeito doutrina diferente daquela que já está estabelecida.
Êste artigo e o seguinte são omissos a respeito do recenseamento a efectuar nos consulados de Portugal nos países estrangeiros, e não parece conveniente deixar de se fazer o recenseamento daqueles que residem ou nascem no estrangeiro, como preceitua a lei actual.
A proposta também não alude ao recenseamento feito aos dezassete anos, quando é certo que o artigo 20.º estabelece que os mancebos entre os dezoito e os vinte anos são inscritos nas tropas territoriais e constituirão reserva de recrutamento em caso de mobilização geral.
A lei actual estabelece o recenseamento aos dezasseis anos, porque a obrigação do serviço militar em tempo de guerra começa aos dezassete anos.
Será, pois, necessário incluir também nesta alínea do capítulo II as disposições convenientes.
Nestes termos, a Câmara Corporativa sugere que o artigo 9.º seja substituído pelos dois artigos seguintes:

ARTIGO 9.º

«É das atribuições dos distritos de recrutamento e reserva o recenseamento, no mês de Janeiro de cada ano, de todos os mancebos sujeitos ao serviço militar, que, tendo nascido na área do distrito, completem vinte anos entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro desse ano. Os distritos de recrutamento e reserva farão igualmente, mas em separado do anterior, o recenseamento de todos os mancebos que completem no referido prazo dezassete anos de idade.
§ l.º A elaboração dos mapas de recenseamento baseia-se:
a) Nas declarações a que são obrigados os mancebos, nas condições indicadas, e os seus pais ou tutores;
b) Nas relações de nascimento, organizadas para esse fim pelas repartições do registo civil, ou em quaisquer outros documentos ou informações.
§ 2.º Dos mapas de recenseamento deverão igualmente constar:
1.º Os mancebos já incluídos em recenseamentos anteriores e que foram isentos temporariamente;
2.º Os indivíduos que, não tendo ainda ultrapassado a idade de quarenta e oito anos, se verifique não terem sido incluídos em recenseamentos anteriores ;
3.º Os indivíduos a quem no consenso geral seja atribuída a idade de recenseamento e que não provem o contrário por meio de documentos competentes.
§ 3.º Será comunicado para as colónias, a requerimento dos interessados, o recenseamento dos mancebos naturais da metrópole, que lá residam, os quais ficarão obrigados à prestação do serviço militar, nos termos da legislação colonial.
§ 4.º Os mancebos naturais das colónias que residam na metrópole poderão prestar nesta o serviço militar, desde que assim o requeiram ao Ministro da Guerra no mês de Dezembro do ano em que completem dezanove anos -de idade.

ARTIGO 9.º - A

Aos consulados de Portugal nos países estrangeiros compete proceder ao recenseamento dos mancebos nascidos ou residentes na respectiva área consular, e os mapas de recenseamento deverão ser enviados, respectivamente, aos distritos de recrutamento e reserva que corresponderem à freguesia da naturalidade dos recenseados, ou aos indicados por estes».

ARTIGO 10.º

A respeito dêste artigo algumas considerações é necessário fazer.
É materialmente impossível estar concluído o recenseamento em Fevereiro e, consequentemente, estarem nesse mês afixados os respectivos mapas para conhecimento dos interessados. Deverá, por isso, ser alargado o prazo a que se refere o artigo e dar-se a êste uma redacção mais precisa.
Desta forma, a Câmara Corporativa sugere que se dê ao artigo 10.º a redacção seguinte:

«Os indivíduos inscritos nos mapas de recenseamento, que sejam portadores de lesões graves e que, por isso, se julguem incapazes para o serviço militar, poderão requerer até 30 de Abril, à câmara municipal do concelho da sua residência, que, com a assistência do presidente da respectiva junta de freguesia, se proceda à verificação das lesões referidas, pelo médico ou médicos para tal designados, lavrando-se auto de verificação, em sessão pública, o qual será submetido à apreciação da junta de recrutamento, que poderá julgar em face dêle».

b) Inspecção sanitária

ARTIGO 12.º

Quanto às decisões das juntas de recrutamento, esta Câmara desconhece a razão que motivou a alteração do que se acha legislado a tal respeito.
A designação «isento temporariamente», de largas tradições entre nós, satisfaz completamente, porque, de facto, há uma isenção temporária, e não se vê vantagem em adoptar a que se propõe: «adiados para novo julgamento», que é, linguìsticamente, incorrecta. Os mancebos não são adiados; a decisão definitiva a seu respeito é que é adiada para novo julgamento.

ARTIGO 14.º

A doutrina deste artigo é absolutamente defensável. Seria, porém, vantajoso que à junta de recrutamento fosse também atribuída competência para inspeccionar, além dos considerados aptos nos termos do artigo 79.º do actual regulamento dos serviços de recrutamento, os refractários que se apresentem ou sejam capturados, deixando de competir essas atribuições às juntas regimentais. Estabelecer-se-ia assim uniformidade de critério .nas inspecções sanitárias dos mancebos a encorporar.
A Câmara Corporativa sugere, por isso, que o artigo 14.º passe a ter a seguinte redacção:

«Os mancebos que faltarem à inspecção serão considerados aptos para todo o serviço militar e classificados, provisoriamente, para a arma de infantaria, sem prejuízo do destino definitivo que, ulteriormente, devam ter, em consequência do exame a que forem submetidos pelas juntas de recrutamento.
§ único. Os mancebos referidos neste artigo, bem como os refractários que se apresentem ou sejam capturados, deverão, na época da encorporação, ser examinados nas sedes dos distritos de recrutamento pela respectiva junta».

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ARTIGO 15.º

A faculdade de interpor recurso das decisões das juntas de recrutamento, sem qualquer restrição, pode dar lugar a abusos.
Julga esta Câmara, por isso, mais razoável que os inspeccionados só possam recorrer da decisão da junta quando houver desacordo na opinião dos dois médicos.
A alínea b) deverá, pois, ficar assim redigida:

«b) Pelos inspeccionados, quando houver desacordo na opinião dos médicos, que deverá ser comunicado pelo presidente da junta aos interessados, imediatamente após a decisão tomada».

c) Distribuição e encorporação do contingente

ARTIGO 19.º

Refere-se êste artigo a uma questão muito debatida no nosso meio militar e sobre a qual se não tem conseguido unanimidade de opiniões.
A encorporação era feita, nos últimos tempos da monarquia (lei de 1901), de 8 a 12 de Novembro.
Em 1911, a encorporação passou a ser feita de 12 a 15 de Janeiro, para as armas de engenharia, artilharia e cavalaria, serviços auxiliares e metade do contingente destinado à arma de infantaria, e de 12 a 15 de Maio, para a restante metade do contingente da infantaria.
Como depois da guerra o inúmero de apurados baixasse muito, a infantaria passou a fazer também apenas uma encorporação.
Pela organização de 1926 (decreto n.º 13:851, de 1927) estabeleceram-se duas encorporações em todas as armas e serviços, tendo a primeira lugar de 1 a 5 de Maio e a segunda de 1 a 5 de Novembro.
Pelo decreto n.º 16:407, de 25 de Janeiro de 1929, passou a encorporação a ser feita, por uma só vez, de 1 a 5 de Março.
Pelo decreto n.º 21:892, de 22 de Novembro de 1932, regressou-se, de novo, ao regime de duas encorporações; mas, logo no ano seguinte -decreto n.º 23:123, de 12 de Outubro de 1933-, voltou a haver apenas uma, de 1 a 5 de Março (em 1935 foi feita a encorporação de 1 a 5 de Abril).
A solução de tam importante problema, tem resultado numa verdadeira contradança.
O regime de duas encorporações é manifestamente superior. Na verdade:
1.º Distribue mais harmónica e uniformemente os efectivos, os quais não acusam altas e baixas tam acentuadas como na outra solução;
2.º Permite tirar melhor rendimento do material de instrução e do gado;
3.º É mais harmónico com a pequena capacidade dos nossos quartéis;
4.º Torna os efectivos presentes nas fileiras mais homogéneos;
5.º Garante, em cada momento, um efectivo global mais elevado e melhor instruído.
Os inconvenientes apontados a êste regime são devidos a não se ter dado cumprimento integral à organização de 1926 e a terem-se introduzido nesta alterações de carácter parcelar e fragmentário.
Os assuntos de organização ligam-se por tal forma uns aos outros, são tam interdependentes que qualquer alteração, por insignificante que pareça, tem sempre repercussões mais ou menos extensas e profundas.
As alterações introduzidas logo em 1929 na organização de 1929, sem se aguardar sequer os frutos da sua aplicação, foram de resultados desastrosos.
Uma dessas alterações foi a que afectou o recrutamento dos oficiais milicianos.
Pela organização de 1926 a Escola de Oficiais Milicianos funcionava -paralelamente às escolas de recrutas e, portanto, habilitava anualmente dois turnos de oficiais.
Feito o curso com aproveitamento, éramos alunos promovidos a aspirantes a oficiais milicianos, ficando obrigados a um estágio de um mês nas escolas práticas das respectivas armas ou serviços. Aqueles que obtivessem boas informações frequentavam então certos cursos de especialidades ou faziam estágios em unidades e estabelecimentos produtores, conforme as armas e serviços, durante 00 dias. Terminados com boa informação os cursos e estágios de especialidades, eram os aspirantes promovidos a alferes milicianos.
Haveria assim um afluxo constante de novos oficiais que iriam engrossar os efectivos das unidades e que podiam, o deviam, ser chamados a prestar serviço temporário por períodos determinados.
Desta forma, os quadros permanentes das unidades eram muito aliviados no seu trabalho, desaparecendo assim o mais gravo inconveniente das duas encorporações.
É discutível ?e os oficiais milicianos devem também instruir soldados.
Quere-nos parecer que sim, por ser a melhor forma de consolidarem os conhecimentos adquiridos num curso fatalmente muito reduzido.
Além disso, convém não esquecer que II grande massa de subalternos do exército mobilizado deve ser constituída por milicianos e que, para as fôrças apresentarem coesão e solidez, é indispensável que os soldados conheçam os seus graduados e vice versa. Mas, mesmo sem isso, desde que os quadros das unidades estivessem completos, cada oficial só deveria tomar parte numa escola de recrutas por ano e não em duas, como sucedia em algumas unidades.
O facto de haver unidades que não tinham os seus quadros completos não se pode atribuir à organização em si, mas à forma como ela era executada.
Outro inconveniente apontado ao sistema das duas encorporações é o de prejudicar a instrução dos especialistas.
Pela organização de 1920 esta instrução era ministrada, principalmente, nas chamadas unidades de campanha (caçadores, grupos independentes de artilharia, etc.), os quais não recebiam recrutas.
A adopção da encorporação única teve, porém, como consequência que todas aquelas unidades, atenta a limitada capacidade dos aquartelamentos das restantes unidades, passaram a receber recrutas, falseando-se assim, completamente, uma das mais interessantes innovações da organização de 1926.
A proposta de lei estabelece no seu artigo 65.º que é condição indispensável, para o aspirante a oficial miliciano ser promovido a alferes, ter tomado parte, como instrutor, numa escola de recrutas em unidade ria sua arma ou serviço, voltando-se assim ao estipulado em 1926.
Quanto à distinção entre unidades de campanha e territoriais, a proposta claramente mostra que o Governo a manterá.
Desta forma, desaparecem os dois inconvenientes apontados e, por isso, a Câmara Corporativa dá o seu acordo ao estabelecido no artigo 19.º, quanto a encorporações.
A Câmara julga, porém, desnecessário o último período do artigo e sugere a sua eliminação.
É que não se trata de adiamento da encorporação, mas sim do licenciamento após a encorporação, como estabelece o artigo 61.º

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ARTIGO 20.º

A Câmara concorda inteiramente com a doutrina do artigo 20.º, mas entende ser conveniente precisar a entidade a cargo de quem deve ficar o pagamento do respectivo subsídio ou pensão e indicar a base para a determinação do seu valor.
Dêste modo, sugere-se para este artigo a seguinte redacção:

«Em tempo de paz será atribuído pelas câmaras municipais subsídio ou pensão à família dos indivíduos chamados para o serviço militar, cujo sustento esteja exclusivamente a cargo dos convocados e ao qual não possa prover-se por outro modo.
O valor do subsídio ou pensão será fixado tomando por base o salário ou vencimento médio do convocado.
§ único. A doutrina deste artigo é também aplicável à família dos militares convocados para exercícios ou manobras, durante os períodos da convocação».

d) Disposições especiais do recrutamento para a armada

ARTIGO 21.º

A Câmara concorda, inteiramente, com a doutrina do artigo 21.º, mas sugere que se acrescente a expressão «sem filhos» a seguir a «solteiros», para que os mancebos não tenham, de facto, qualquer encargo de família.

ARTIGO 23.º

Não tendo dado o resultado que se esperava o sistema do voluntariado na armada, a Câmara Corporativa sugere a seguinte redacção para o artigo 23.º:

«O recrutamento para a armada deverá, em princípio, fazer-se entre os mancebos que reúnam as condições estabelecidas no artigo 21.º e que sejam designados por sorteio em cada concelho ou bairro.
§ único. São permitidas as trocas com prévia autorização dos Ministros da Guerra e da Marinha».

CAPITULO III

Serviço militar

a) A preparação militar da Juventude

ARTIGO 24.º

A Câmara sugere que sejam intercaladas as palavras «e fiscalização» no quarto período, a seguir à palavra «orientação». Trata-se evidentemente de um lapso, como facilmente concluirá quem leia o período seguinte:

ARTIGO 25.º

Êste artigo deve ser modificado de acordo com o que na apreciação da proposta na generalidade se disse a respeito do recrutamento dos graduados e especialistas.
Assim:
a) O segundo período deverá ter a seguinte redacção:

«Os aprovados no exame de instrução pre-militar terão preferência na admissão a escolas preparatórias de graduados milicianos ou de especialistas e constituirão a principal base de recrutamento de uns e de outros»;

b) O terceiro período deve ser eliminado.

ARTIGO 25-A

Para o Ministério da Guerra poder exercer convenientemente a acção orientadora e fiscalizadora a que se faz referência nos artigos 24.º e 25.º, julga a Câmara Corporativa que é indispensável a criação de um organismo especialmente destinado a esse fim. Sugere-se, por isso, a inclusão na proposta de um artigo novo, assim redigido:

«A ligação, orientação e fiscalização atribuídas ao Ministério da Guerra nos artigos 24.º e 25.º ficarão a cargo de unia comissão composta de um general, que será o presidente, de representantes do Estado Maior do Exército, do Ministério da Marinha, da Mocidade Portuguesa e da Legião Portuguesa, do chefe de saúde do exército e do comandante e três professores da Escola de Educação Física do Exército».

ARTIGO 30.º

De acôrdo com o exposto na apreciação da proposta na generalidade, a Câmara Corporativa sugere para o artigo 30.º a seguinte redacção:

«O tempo de serviço nas tropas activas compreende normalmente:

a) Dois anos de serviço, incluindo o tempo destinado às escolas de recrutas;
b) Quatro anos na situação de disponibilidade.
§ l.º Sempre que as circunstâncias o exigirem, o Governo poderá determinar a manutenção eventual, no quadro permanente, de toda ou parte da classe que terminou o tempo normal de permanência nas fileiras.
§ 2.º Quando as condições do tesouro o exigirem ou razões de ordem económica o aconselharem, o Govêrno poderá autorizar, sem prejuízo da segurança e defesa do País, que os comandantes das unidades concedam licença, sem vencimento, por períodos prorrogáveis de trinta dias, às praças do 2.º semestre do 2.º ano de encorporação».

ARTIGO 31.º

Esta Câmara sugere a seguinte redacção para o artigo 31.º, em consequência da alteração proposta no artigo anterior para a duração do tempo de serviço nas tropas activas:

«As praças que provarem ser o único amparo de seus pais ou irmãos menores, ou sejam casadas e não tenham outros meios de prover ao sustento de sua família, além dos provenientes do seu trabalho, servirão seis meses no quadro permanente e cinco anos e meio na disponibilidade».

ARTIGOS 32.º, 33.º, 35.º e 36.º

Entende a Câmara Corporativa:
1.º Que o artigo 32.º devo ser eliminado;
2.º Que no primeiro período do artigo 33.º deve a palavra «manobras» ser substituída por «instrução»;
3.º Que no primeiro período do artigo 35.º deve ser eliminada a expressão final «na ordem d*» mobilização»;
4.º Que no artigo 36.º deve a palavra «indivíduos» ser substituída pela palavra «militares».

ARTIGO 37.º

A Câmara Corporativa sugere a seguinte redacção para este artigo, sem alterar a sua doutrina:

«Em caso de mobilização ninguém poderá valer-se do cargo que ocupa para se eximir às obrigações

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do serviço militar. O Govêrno, porém, para satisfazer imperiosas necessidades da mobilização civil, poderá, nos termos da lei da organização da Nação para tempo de guerra, determinar que militares pertencentes às tropas licenciadas ou territoriais se mantenham em lugares do Estado, dos corpos administrativos ou em quaisquer empresas privadas».

ARTIGOS 39.º e 41.º

Os artigos 39.º e 41.º devem ser eliminados, visto tratarem de matéria estranha ao objecto das leis de recrutamento militar.

ARTIGOS 42.º, 43.º e 44.º

A Câmara Corporativa sugere:
1.º Que o segundo período do artigo 42.º seja eliminado, atenta a sua inconveniência social e política;
2.º Que o prazo de um ano a que alude o segundo período do artigo 43.º seja aumentado para dezoito meses, harmonizando-se assim a sua doutrina com a sugerida para o artigo 30.º;
3.º Que à condição 3.º de que trata o artigo 44.º se acrescente o seguinte: «indispensável às funções do seu posto», para garantir melhor a constituição dos quadros.

ARTIGO 46.º

Para harmonizar o artigo 46.º com o que se propõe para o artigo 30.º, esta Câmara sugere que o artigo 46.º fique assim redigido:

« As praças da guarda nacional republicana, guarda fiscal e polícia de segurança pública são recrutadas entre os militares em efectivo serviço ou na situação de disponibilidade, que tenham servido, pelo menos, dois anos no quadro permanente e pertençam à 4.ª classe das tropas activas».

ARTIGO 47.º

Reputa a Câmara Corporativa louvável a doutrina do artigo 47.º; contudo, julga vantajoso que se lhe acrescente o seguinte:

«Entre os que estiverem nestas condições serão preferidos aqueles que tenham posto mais elevado e, em igualdade de posto, os especialistas».

Isto tem por fim dar saída a inúmeros cabos que se encontram no exército sem futuro e que são origem, por vezes, de certo mal-estar, e a estimular a formação de especialistas.

ARTIGOS 48.º e 50.º

Quanto aos artigos 48.º e 50.º, a Câmara Corporativa sugere:
1.º Que a palavra «pertençam», que se lê no primeiro período do artigo 48.º, seja substituída pela expressão aã que tenham sido destinados» ;
2.º Que no artigo 50.º o período de «dois anos» seja substituído por «quatro anos», para ficar harmónico com o que se propôs para o artigo 30.º

CAPITULO IV

Recrutamento dos oficiais

a) Oficiais do quadro permanente

Ao apreciar a proposta na generalidade, a Câmara Corporativa foi de parecer de que este capítulo e os dois seguintes deveriam ser eliminados.
Como, porém, a Assemblea Nacional pode não aceitar essa sugestão, far-se-ão algumas observações, quer de ordem geral, quer de ordem especial, sobre os referidos capítulos.
Pretender transformar o Colégio Militar num estabelecimento absolutamente modelar e que os seus antigos alunos consigam conquistar a maior parte das vagas da Escola do Exército, é interessante e útil.
Mas que esta conquista se obtenha à custa de disposições orgânicas, que reservem a maior parte das vagas dos diversos cursos para os alunos do Colégio Militar, será restringir perigosamente o campo de recrutamento e fazer baixar o nivel mental da Escola e, consequentemente, do corpo de oficiais.
Precisamente no momento em que uma chama forte de nacionalismo patriótico se levanta no País, em que a organização da Mocidade Portuguesa vai ter realidade e em que milhares de voluntários se alistam na Legião Portuguesa, a idea de conceder o exclusivo das virtudes militares e patrióticas a um único estabelecimento não parece de aceitar.
Em que situação moral ficariam todos aqueles que pertencem às organizações patrióticas e cuja vocação os impele para a carreira das armas?
E facto que, presentemente, o recrutamento da Escola Militar ainda não é perfeito. No entanto, tem-se progredido bastante nos últimos tempos: a exigência de provas físicas eliminatórias e do 1.º ciclo dos cursos de oficiais milicianos com bom aproveitamento, assim como a de uma garantia de nacionalismo, são correctivos importantes aos anteriores processos de recrutamento.
Muito mais é possível fazer para que na Escola entrem aqueles que melhor possam desempenhar-se da difícil e complexa tarefa que lhes está reservada.
O aprumo, a vocação militar, a coragem, a valentia são elementos que se podem avaliar e que devem intervir em larga escala na escolha dos candidatos.
O Colégio Militar, fundado na Feitoria, em 1802, pelo coronel comandante do regimento de artilharia da Corte, foi, inicialmente, um estabelecimento de assistência destinado a dar educação e instrução aos filhos dos oficiais daquele corpo.
Este carácter de estabelecimento de assistência nunca o perdeu, havendo sempre um certo número de vagas destinadas a ser preenchidas, de preferência, pelos filhos dos mortos, em combate ou naufrágio, dos mutilados, estropiados e feridos em combate, etc.
Tendo sofrido diversas remodelações, passou a funcionar como estabelecimento de ensino secundário, que habilitava para a entrada nos estabelecimentos de ensino superior, incluindo a Escola do Exército (arma de infantaria e cavalaria).
Nunca teve, porém, apesar da instrução ministrada aos seus alunos, verdadeiramente o carácter que tiveram lá fora os colégios do mesmo nome, os quais se destinavam a incutir vocação para a vida militar e a manter as tradições militares e o espírito de casta, que a evolução social tem obliterado.
O Colégio Militar nunca foi em Portugal um estabelecimento exclusivo de preparação militar e os seus alunos abraçaram sempre as mais variadas carreiras. Ultimamente eram estes admitidos na Escola Militar, sem preenchimento de vaga e independentemente do número, nas armas de infantaria e cavalaria e de artilharia de campanha, emquanto existiu este curso. Esta concessão nunca abrangeu, porém, as armas de artilharia e engenharia.
Tal regalia estendeu-se depois aos alunos do Instituto dos Pupilos do Exército, quanto ao curso de administração militar.

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Pelo decreto n.º 14:336, de 28 de Setembro de 1927, alterado pelo decreto n.º 14:962, de 26 de Janeiro de 1928, foram revogadas estas regalias, por se reconhecer a sua inconveniência.
O conselho de instrução da Escola Militar aprovou em sessão de 30 de Novembro de 1927 um parecer enviado ao Ministro da Guerra, do qual extraímos o seguinte período:

«Os inconvenientes, resultantes da concessão de regalias especiais para o prestígio intelectual dos oficiais do exército e para a solidez do princípio educativo da conquista de situações pelo mérito próprio, são de tal forma evidentes que seria da parte deste conselho impertinência insistir mais longamente na sua explanação».

Analisando o quadro estatístico seguinte, referente ao número de alunos que entraram na Escola Militar desde o ano lectivo de 1911-1912 até hoje, verifica-se que a revogação de tais regalias não alterou sensivelmente as percentagens relativas da entrada. Com efeito, até 1927, isto é, no período das regalias, a percentagem de alunos do Colégio admitidos foi de 21,3 por cento, relativamente ao total das admissões; a partir de 1927-1928, data em que foram abolidas as regalias, até agora, essa percentagem foi a de 21,2 por cento, Quere dizer, desceu apenas de 0,1 por cento!

[Ver Tabela na Imagem]

Conclue-se, por isso, que, para que o Colégio Militar possa ser a principal base de recrutamento da Escola do Exército, isto é, para que 75 por cento das vagas possam ser preenchidas por colegiais com a necessária vocação e qualidade, será necessário, não querendo baixar o nivel intelectual da Escola, multiplicar por 3,5, pelo menos, a actual frequência do Colégio.
Diz-se na proposta que o Colégio Militar constituirá a principal base de recrutamento da Escola do Exército e nele ingressarão os indivíduos que pretendam seguir a carreira das armas.
Como se pode saber se uma criança de dez anos quere ou pode seguir a carreira das armas? Como reconhecer que um aluno, uma criança não tem vocação militar ou aptidão para ser oficial?
Por todas estas razões não pode esta Câmara dar parecer favorável á idea de o Colégio Militar constituir, em virtude dê disposições orgânicas, a principal base do recrutamento da Escola do Exército.
Para a hipótese, porém, de a Assemblea Nacional aprovar esta parte da proposta, a Câmara Corporativa chama a atenção para dois pontos deste capítulo.
O primeiro é o que se refere ao limite de idade para a entrada na Escola do Exército.
Limite não deve ser, nem nunca foi, o mesmo para todas as armas.
Se para infantaria e cavalaria se pode admitir o limite de vinte e um anos, para artilharia e engenharia é demasiado apertado.
Com efeito, sendo a idade normal de entrada para os liceus aos onze anos, devem os alunos terminar o curso no ano em que fazem dezoito anos. Ora, como os preparatórios para engenharia têm a duração de três anos, os estudantes que façam anos depois da época dos concursos já não poderão concorrer.
O outro ponto é o que se refere à data da entrada em vigor da lei.
Não se estabelecendo um prazo largo para que o Colégio Militar se reorganize e dê os seus frutos regime, a aplicação imediata das novas disposições redundaria numa escandalosa medida de favor, com prejuízo do nivel intelectual da Escola do Exército, e num prejuízo injusto para aqueles que, com verdadeira vocação militar, se estão neste momento preparando para concorrer aos concursos dos próximos anos lectivos.
Isto não está, evidentemente, no pensamento do Govêrno, mas julga esta Câmara que deve ficar concretamente regulada a forma de pôr em prática o novo sistema, caso a Assemblea Nacional lhe dê a sua aprovação.

b) Oficiais milicianos

ARTIGO 60.º

A redacção do n.º 2.º do artigo 60.º deve ser atribuída a lapso.
Com efeito, o recrutamento dos oficiais milicianos não se faz directamente entre os alunos dos estabelecimentos de ensino superior, mas sim entre os que sejam aspirantes a oficiais.
Por isso, sugere-se a seguinte redacção:

«2.º Entre os aspirantes a oficial miliciano a que se refere o artigo 58.º».

ARTIGO 61.º

Esta Câmara julga o curso completo dos liceus suficiente como habilitação mínima a exigir aos oficiais milicianos, sobretudo para as chamadas armas gerais e serviços da administração militar. De resto, é o que presentemente se encontra legislado.
Nesta conformidade, sugere-se a seguinte redacção para o artigo 61.º:

«Os indivíduos que, ao serem encorporados, possuírem, pelo menos, o curso completo dos liceus, os cursos dos institutos comerciais ou industriais, os antigos cursos médios comerciais ou industriais, ou ainda os cursos práticos constantes do artigo 7.º e seu § único da base I do ensino médio comercial ou do artigo 8.º da base I do ensino médio industrial, a que se refere o decreto n.º 20:328, de 21 de .Setembro de 1931, são obrigados à frequência dos cursos de oficiais milicianos, desde que nada conste em desabono do seu patriotismo ou do seu respeito pelos princípios fundamentais da ordem social estabelecida na Constituição.

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Os estudantes das Faculdades, Institutos ou Escolas de medicina, farmácia, engenharia e medicina veterinária poderão ser licenciados, adiando-se, quanto a eles, a prestação efectiva do serviço até completarem o penúltimo ano do curso que frequentem, desde que tenham menos de vinte e cinco anos de idade e comprovem o seu bom aproveitamento escolar.
Os outros estudantes serão licenciados apenas até à abertura do primeiro curso de oficiais milicianos seguinte à encorporação».

ARTIGOS 62.º E 63.º

Entende a Câmara Corporativa que os artigos 62.º e 63.º regulam matérias que não devem ser incluídas nesta lei, pelo que sugere a sua eliminação.
Além disso não concorda com a doutrina do artigo 63.º
A forma de recrutar sargentos milicianos como estabelece o terceiro período não parece conveniente, quanto à qualidade. Quanto à quantidade, já atrás emitimos opinião. Infelizmente, os oficiais milicianos a instruir e formar anualmente nunca serão de mais, como se disse.
A doutrina do último período também não é de aceitar.
A guerra moderna exige grande quantidade de médicos e veterinários, em particular dos primeiros, não só para as forças em operações, mas também para as populações civis, que não podem ser abandonadas, sobretudo quando a aviação bombardeia sistematicamente as zonas da retaguarda.
Aproveitar os médicos e veterinários como oficiais doutros quadros seria um verdadeiro desbarato de capital precioso, impossível de improvisar.

ARTIGO 64.º

Para haver harmonia com o que se alvitrou para o artigo 30.º, sugere-se que o prazo de um ano, a que se refere o artigo 64,º, seja substituído pelo de dois anos.

CAPITULO V

Disposições especiais relativas a aeronáutica
A manter-se este capítulo contra o nosso parecer, objecta-se que a exigência do curso de piloto aviador miliciano, estabelecida no artigo 67.º da proposta, não está em harmonia com o que se exige para os outros cursos da mesma Escola - apenas o 1.º ciclo do curso de oficiais milicianos, e, ainda isso, só para aqueles que não forem alunos do Colégio Militar.
É uma exigência pesada, porque, para fazer o curso de piloto aviador miliciano, é necessário possuir previamente o curso de piloto de avião de turismo, para obtenção do qual haverá que fazer despesas incomportáveis para muitos.
Num país como o nosso, em que se não tem procurado desenvolver na mocidade o gosto pela aviação, não parece que tal sistema satisfaça às necessidades desta, quer em quantidade, quer em qualidade.
Será mais um apanágio daqueles que têm dinheiro.
No estrangeiro, o Estado procura desenvolver por todos os meios, e cultiva com o maior desvelo e carinho as vocações da mocidade.
Entre nós, infelizmente, este assunto tem sido completamente descurado.
O Estado tem de subsidiar a formação de pilotos, directamente ou por meio de aero clubes, e só então pode exigir que os candidatos à Escola Militar tenham o curso de piloto de avião de turismo.
Se ainda se podia admitir o que a proposta contém relativamente ao recrutamento do quadro permanente, não é de aceitar o que se pretende estabelecer para o recrutamento dos milicianos, porque o número de oficiais seria com certeza limitadíssimo se o Estado não subsidiasse a formação dos pilotos, como acima se sugeriu.
Merece-nos também objecção a doutrina que se contém no segundo período do artigo 66.º
Nem há razão que justifique que a arma de aeronáutica não dê instrução de recrutas aos seus soldados, nem é conveniente que as praças de aeronáutica, quando licenciadas, sejam transferidas para outra arma, porque as necessidades de mobilização são grandes e difíceis de prever e quando for necessário o serviço dessas praças elas desempenharão em melhores condições que quais quer outras os serviços a que são destinadas.

CAPITULO VI

Legião Portuguesa

ARTIGOS 73.º E 74.º

A manter-se este capítulo, a Câmara Corporativa sugere que o segundo período do artigo 78.º tenha a seguinte redacção:

«As restantes forças da Legião Portuguesa ficam sob a autoridade dos Ministros da Guerra e da Marinha e podem ser empregadas na metrópole ou nas colónias em operações de campanha, em serviço do interior, na defesa das costas marítimas ou como força auxiliar da marinha de guerra».

O último período do artigo 74.º não é de aceitar e está em flagrante contradição com o primeiro período e com a doutrina do segundo período do artigo anterior (73.º).
Com efeito, se as forças da Legião podem ser empregadas em operações de campanha e ser chamadas a tomar parte em manobras anuais, a fim de lhes ser garantido o grau elevado de preparação militar, como é que se podem dispensar os oficiais milicianos, que pertençam aos seus quadros, de convocação para períodos de exercícios?
Esta Câmara sugere, por isso, a sua eliminação.

CAPITULO VII

Disposições penais

ARTIGO 75.º

Tratando-se de delitos de carácter essencialmente militar, em virtude do seu objecto e independentemente da qualidade de militar da pessoa que os pratica, julga esta Câmara que tais delitos devem ser julgados pelos tribunais militares e que só no caso de condenação devem os seus aurores sofrer a pena de demissão estabelecida na proposta.
A Câmara Corporativa sugere, por isso, a seguinte redacção:

«Todas as fraudes de que resulte omissão da inscrição de qualquer mancebo no recenseamento são julgadas poios tribunais militares e punidas com a puna de um mês a um ano de prisão.
Os funcionários civis e os oficiais, bom como os sargentos o mais praças de pré, autores ou cúmplices de fraudes de recenseamento militar, serão aqueles abatidos aos quadros a que pertençam e estes ao efectivo do exército ou da armada.

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§ único. As praças de pré, depois de cumprida a pena em que forem condenadas, serão novamente aumentadas ao efectivo do exército ou da armada como soldados, ficando sujeitas a todas as obrigações do serviço militar do escalão a que ficarem pertencendo».

ARTIGO 77.º

Pelas mesmas razões invocadas a respeito do artigo 75.º, sugere-se a substituição de «pêlos tribunais ordinários» para «pêlos tribunais militares» e a seguinte redacção para o último período deste artigo:

«A condenação pelo crime previsto no presente artigo, quando cometido por funcionários públicos ou militares, importa a demissão do serviço».

ARTIGO 78.º

A Câmara Corporativa sugere para este artigo a seguinte redacção:

«Os membros das juntas do recrutamento que ao fitarem dádivas por motivo de isenção do serviço militar de algum mancebo ou empregarem meios ilícitos para o conseguir serão julgados pelos tribunais militares, incorrendo na pena de seis meses a dois anos de prisão e na demissão do serviço, no caso de condenação».

ARTIGO 80.º

Por conter algumas disposições relativas a assuntos estranhos à matéria do recrutamento e por não incluir outras já contidas na lei vigente, sugere esta Câmara a seguinte redacção para este artigo:

«Os indivíduos que protegerem ou prestarem auxílio a refractários e a desertores do serviço militar, ou os tomarem ao seu serviço sabendo que o são, serão julgados nos tribunais militares, ficando sujeitos à pena de um a dois anos de prisão. A mesma falta cometida por funcionários públicos importará a demissão dos lugares ou comissões que desempenharem».

Disposições transitórias

No caso de a Assemblea Nacional não perfilhar as sugestões apresentadas a respeito da eliminação dos capítulos IV, V e VI, a Câmara Corporativa sugere que à proposta seja adicionado um capítulo viu com disposições transitórias, das quais conste:

1.º A data em que estes capítulos entram em execução;
2.º Os diplomas reguladores dos assuntos a que esses capítulos se referem, que devem ser refundidos, e as datas em que começarão a ter efeito as novas disposições.

Eduardo Augusto Marques, presidente.
Domingos Fezas Vital (com declarações).
Abel Pereira de Andrade (com declarações).
José Gabriel Pinto Coelho.

osé Filipe de Fíarros Rodrigues, relator.
Joaquim Anselmo da Mata e Oliveira.
Daniel Rodrigues de Sousa.
João Baptista de Almeida Arez.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Declarações

Votámos que ao artigo 75.º fosse dada II redacção seguinte:

«Artigo 75.º Todas as fraudes de que resulte omissão da inscrição de qualquer mancebo no recenseamento são julgadas pelos tribunais ordinários e punidas com a pena de um mês a um ano de prisão.
Os funcionários civis e os oficiais, bem como os sargentos e mais praças de pré, autores ou cúmplices de fraudes de recenseamento militar, serão, em processo militar, aqueles abatidos aos quadros a que pertençam e estes ao efectivo do exército ou da armada e, em seguida, julgados nos termos atrás estabelecidos.
§ único. As praças de pré, depois de cumprida a pena em que forem condenadas, serão novamente aumentadas ao efectivo do exército ou da armada como soldados, ficando sujeitas a todas as obrigações do serviço militar do escalão a que ficarem pertencendo».
Quanto ao artigo 77.º, entendemos que devem ser incluídos os funcionários civis na sua última parte.
Quanto ao artigo 78.º, votámos pela conservação da doutrina da proposta de lei.
Pelo que respeita ao artigo 80.º, concordámos com a redacção sugerida pela Câmara Corporativa, substituindo porém as palavras «serão julgados nos tribunais militares, ficando» pela palavra «ficarão».

Domingos Fezas Vital.
Abel Pereira de Andrade.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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