3 DE DEZEMBRO DE 1937 195
em diante se registe uma fuga de capitais dos países de elevada taxa de juro para os países de juro baixo, o que parece verdadeiramente paradoxal, mas se compreende se pensarmos que os países de baixo tipo de juro são aqueles onde os riscos são menores e onde o capitalista não receia qualquer próxima, embora ainda eventual, catástrofe financeira.
Compreende-se assim o interêsse de um Estado, o nosso ou qualquer outro, em seguir e manter a política do dinheiro barato, que mais do que nunca prevaleceu nos anos recentes de depressão económica. Está reconhecido que isso se deveu mais às intervenções governamentais do que ao livre jogo das forças económicas.
A manutenção do juro a uma taxa reduzida foi sempre preocupação dominante do notável chanceler do Exchequer, que a Inglaterra teve a sorte de encontrar em Neville Chamberlain, e foi um dos pilares da sua magnífica obra que levantou a Grã-Bretanha da angústia financeira do ano de 1931 ao sólido bem-estar contemporâneo. Idêntica política, foi seguida por quási todos os países do bloco esterlino, que assim melhoraram as condições do crédito comercial.
No ano corrente de 1937 a tendência tornou-se ainda mais geral, porque a ela aderiram igualmente os países do antigo bloco ouro, que tinham ficado acorrentados ao juro alto necessário à defesa da sua moeda valorizada em excesso e que agora, depreciada ela, se podiam desembaraçar dêsse fardo caro e nocivo. Para o futuro tudo indica que se procurará continuar a seguir a política do dinheiro barato, necessário à criação de novas indústrias e à expansão comercial. Mesmo reconhecendo que já vamos longe do abismo em que a crise recente ia lançando toda a economia mundial, devemos não esquecer que ainda é longo o caminho a percorrer ate se recuperar a prosperidade completa e segura e que não convém portanto abandonar a política monetária que com feliz êxito se tem seguido.
Não se pode desconhecer que a baixa do juro é hoje geralmente mais acentuada, nos créditos a curto prazo do que nas operações de longa imobilização. Mas com isso não sofre o crédito do Estado, porquanto os bancos só mantêm juros baratos porque é fraca a intensidade das operações comerciais e a correspondente procura de dinheiro. Perante êste facto os bancos vêem-se obrigados a procurar uma colocação remuneradora e garantida para as suas disponibilidades, não absorvidas nas transacções de títulos comerciais, e aceitam os títulos da dívida pública a longo prazo, mesmo a juro baixo. Portanto, a constatação da inferioridade do juro a curto prazo sôbre o juro a longo prazo não é uma objecção contra a emissão dos empréstimos a taxa reduzida, visto que aquele fenómeno facilita ainda a sua colocação.
As considerações expostas servem também para evidenciar o perigo que haveria actualmente em elevar a.s taxas do juro, pois as suas consequências psicológicas seriam do mesmo modo desproporcionadas à extensão do novo encargo. É claro que não se pretende afirmar que durará eternamente o abaixamento da taxa de juro e já se notou no ano corrente uma ligeira elevação dela em Inglaterra. Mas apenas se quere mostrar que a política dos Governos favorável ao dinheiro barato é a que convém manter e acentuar e que felizes são aqueles que o conseguem.
Está neste caso o nosso Govêrno, que assim colhe o fruto do seu longo e prodigioso esfôrço administrativo e da ilimitada confiança que nêle deposita a Nação. Assim a proposta, de lei n.º 186, porque vinca mais essa política, está em perfeita harmonia com os ensinamentos da ciência e as experiências da prática, merecendo por isso, não só aprovação, mas louvor.
Determinada já a útil função económica que o novo empréstimo desempenhará no abaixamento da taxa do juro, cumpre examinar o propósito a que obedece a sua emissão e que parece ser também mais económico do que pròpriamente financeiro. Em primeiro lugar, a proposta apenas autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo, deixando-o assim juiz da oportunidade da operação. Em segundo lugar, o relatório da proposta indica que "é dever estar preparado para, se a situação do mercado se modificar, absorver as disponibilidades que não hajam de ser confiadas ao desenvolvimento das actividades particulares".
Não se trata, pois, de uma crítica emergência financeira, cuja simples suposição enferma de ridícula para quem tenha um conhecimento superficial que seja da nossa brilhante situação orçamental. Não se trata mesmo da conveniência de aumentar os recursos do Tesouro para um fim determinado e urgente, pois o próprio relatório da proposta refere que ultimamente a Tesouraria "não tem precisado das economias do público para fazer face às despesas que não devem ser custeadas pelas receitas ordinárias".
Sòmente o Estado, sempre orientado pela mais pura ortodoxia financeira, entende que normalmente há despesas que devem, pelo seu carácter próprio, ser custeadas pelo empréstimo e não pelo imposto. É axiomático, mesmo em ciência financeira, que, havendo capitais nacionais disponíveis e tratando-se de uma despesa útil, o recurso ao empréstimo é preferível ao recurso ao imposto. Há então a certeza de se não prejudicar a produção nacional, para a qual se não dirigiriam em qualquer caso os capitais absorvidos pelo empréstimo.
Mais ainda, reconhece-se hoje que o Estado tem deveres para com a economia individual ou poupança. Disse Charles Rist:
"Em todas as partes do mundo económico os rendimentos monetários caem a cada momento nas economias individuais, como as gotas da chuva sôbre a superfície terrestre. Uma parte da chuva que assim cai é logo absorvida, pelas raízes vegetais, vai entumescer de seiva os troncos das árvores e as hastes das plantas e espalha-se nas folhas, nas flores e nos frutos. Mas outras gotas, em grande número, infiltram-se através da superfície, insinuam-se nas camadas profundas, onde se concentram, quer em toalhas subterrâneas, quer em regatos que circulam em grandes espaços na escuridão do subsolo. Forma-se assim toda uma canalização invisível, cujo traçado a ciência do geólogo desenha em certos pontos, mas cuja existência só se revela ao resto do mundo quando a água volta à superfície para surgir à luz do dia, nas fontes mais diversas do globo e formar aí, sob a luz do sol, mares, rios e lagos.
Do mesmo modo, emquanto uma parte do rendimento se consome em satisfações e prazeres de toda a espécie, flores e frutos da actividade económica, a parte poupada acumula-se no segrêdo das economias particulares, ou abriga-se nos profundos reservatórios dos bancos. A sua existência só se revela por ocasião das chamadas públicas de capitais, que a fazem brotar para o exterior, ou quando oficinas, fábricas, casas novas, culturas mais extensas e mais perfeitas, estaleiros de navios ou linhas de caminhos de ferro, como que surgindo espontaneamente do solo, deixam adivinhar a sua amplitude e a sua origem".
Esta acumulada riqueza tam eloquentemente apresentada por Rist, dispersa e oculta, carece de ser guiada e atraída, porque, ela mesmo ignora com frequência os meios de se colocar e de frutificar. Ao Estado incumbe especialmente a missão de a proteger e guiar. Pode, pura isso, disciplinar as emissões dos títulos partícula-