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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 170

ANO DE 1938 16 DE MARÇO

SESSÃO N.º 168 DA ASSEMBLEA NACIONAL Em 15 do Março

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretário os Exmos. Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 7 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com uma entenda do Sr. Deputado Melo Machado, o Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado João do Amaral apresentou um requerimento sôbre as águas de Lisboa.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discursão, na especialidade, da proposta de lei respeitante à propriedade industrial.
Sôbre os artigos 7.º e 8.º falaram os Srs. Deputados Diais da Fonseca, Melo Machado e Cunha Gonçalves, e, nas votações, foram aprovadas as alterações propostas pela Câmara Corporativa.
O artigo 9.º foi substituido por outro do Sr. Deputado Cunha Gonçalves e outros Srs. Deputados, depois de sôbre êle terem falado os Srs. melo Machado, Mário de Figueiredo e Lopes da Fonseca.
Sôbre o artigo 10.º falaram os Srs. Deputados Cunha Gonçalves, Mário de Figueiredo, Pinto de Mesquita Machado, Cancela de Abreu, Alberto Navarro, e, nas votações, foi aprovada uma proposta de substituição, do Sr. Pinto mesquita e outros Srs. Deputados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 48.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 8.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 13.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Fíeitas Morna..
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancela de Abreu.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida;
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.

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Srs. Deputados que entoaram durante a sessão:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Cruz.
Joaquim Moura Relvas.
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
José Saudade e Silva.
Juvenal Henriques de Araújo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
Diogo Pacheco de Amorim.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Manuel Fratel.
Manuel Pestana dos Reis.
Querubim do Vale Guimarãis.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 7 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

O Sr. Melo Machado: - Apresento a seguinte rectificação ao Diário da última sessão: a p. 483, col. 1.ª, última linha, em lugar de: «respeitavam a indústrias», deve pôr-se: «se efectivavam».

O Sr. Presidente: - ¿Mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário? Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que mais ninguém pede a palavra, considero aprovado o Diário com a alteração apresentada.
Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Câmara Municipal de Campo Maior solicita Assemblea digna presidência V. Ex.ª aprovação projecto lei ilustre deputado Querubim Guimarãis relativo divisão administrativa por distritos. - Presidente Câmara, Lavadinho Júnior.

De igual teor foram recebidos telegramas dos presidentes das Câmaras Municipais de Fronteira, Grato, Marvão, Aviz, Sousel, Nisa, Monforte, Ponte de Sor e Castelo de Vide.

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra para qualquer assunto antes da ordem do dia, pode pedi-la.

O Sr. João do Amaral: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João do Amaral.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelos serviços competentes, me sejam fornecidas cópias das instruções regulamentares e outras com que se promoveu e assegura a depuração das águas de Lisboa, bem como nota dos meios adoptados na fiscalização das águas não canalizadas, isto é, daquelas que os consumidores se vêem, por vezes, forçados a adquirir para fugirem ao mau sabor das primeiras.
Lisboa, Sala das Sessões, 15 de Março de 1938. - O Deputado João Mendes da Costa Amaral.

O Sr. Presidente: - Visto que mais ninguém pede a palavra, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 7.º da proposta relativa à propriedade industrial.
Há na Mesa uma proposta de alteração, da autoria do Sr. Deputado Melo Machado, relativa ao começo dêste artigo.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: não tencionava intervir na discussão deste problema, porque depois do exaustivo parecer sobre a matéria dos seus artigos, e dos demais esclarecimentos já trazidos à Assemblea, me parecia que nada teria a objectar ou a acrescentar àquilo que já estava dito e muito bem dito.
Porém, a leitura do artigo 7.º e do artigo 8.º, que me parece com ele relacionado, suscitou no meu espírito algumas dúvidas que me permito apresentar à Assemblea, com o intuito, apenas, de as ver completamente esclarecidas.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª, nas suas considerações, tenciona referir-se também ao artigo 8.º, não tenho dúvida em pôr os dois artigos, conjuntamente, em discussão, pela relação íntima que entre êles existe.

O Orador: - Suponho que as considerações que vou produzir não podem deixar de abranger os dois artigos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso estão em discussão os artigos 7.º e 8,º

O Orador: - Sr. Presidente: a substância do artigo 7.º é a seguinte: será objecto de patente a invenção de qualquer artefacto ou produto, a criação ou realização de novos meios ou novos processos de produzir, o aperfeiçoamento ou melhoramento de invenções que tornem mais fácil ou económica a produção ou fabrico. E para que possa ser objecto de patente qualquer destas finalidades, basta, diz o corpo do artigo, que tenham - fim licito e utilidade industrial.
As minhas dúvidas, Sr. Presidente, apresentam-se relativamente à latitude, ou, melhor, ao âmbito do significado que possa ligar-se a estas duas expressões: fim lícito e utilidade industrial.

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Parece-me, Sr. Presidente, que o âmbito da licitude se encontra determinado no n.º 3.º do artigo 8.º, onde se diz que não podem ser objecto de patente as invenções cuja utilização for contrária à lei, segurança pública, saúde pública e bons costumes.
Parece, pois, que contrárias à lei ficarão sendo as finalidades abrangidas por algum dos números do artigo 8.º; mas ilícitas ficarão sòmente consideradas aquelas que forem julgadas contrárias à segurança pública, à saúde pública ou aos bons costumes.
Devem também ser consideradas de utilidade industrial.
Creio, Sr. Presidente, que atrás desta expressão está - como aqui foi bem ponderado e como é doutrina, assente em regime capitalista, em regime que se preocupa com a produção pela produção, que tem como estímulo o lucro ou o interesse - que atrás desta expressão, repito, está a seguinte doutrina: é social e econòmicamente vantajoso tudo quanto tem maior utilidade industrial ou produtiva, e por isso deve ser objecto de protecção jurídica sempre que realize maior produção, mais fácil produção ou forma diversa de produzir.
Sr. Presidente: parece-me - e aqui começa a minha dúvida - que falta, nestas duas condições necessárias para se obter uma patente, a idea de conveniência social.
Não basta, a meu ver, a utilidade industrial, porque um novo invento, uma criação, a realização dum novo processo ou um aperfeiçoamento podem ter evidente utilidade industrial ou de mais fácil produção, mas não terem oportunidade ou conveniência social, nem económica, consideradas dentro duma economia humana.
Numa palavra. Creio que nos artigos 229.º e 31.º da Constituição está esta doutrina: à ordem económica e social humana só interessa a produção de riqueza socialmente útil e incumbe ao Estado impedir as explorações comerciais ou industriais de carácter parasitário ou incompatíveis com os interêsses superiores da vida humana.
Se porventura existir uma nova invenção com utilidade industrial manifesta, mas, todavia, se reconhecer que ela é inconveniente à economia humana, por dar lugar a uma exploração parasitária ou pelas perturbações que pode vir a introduzir na economia, ou ela se mostrar incompatível com os interesses superiores da vida humana, essa nova invenção, em vez de merecer protecção, parece que deve ser impedida ou de alguma forma, pelo menos, condicionada a oportunidade da sua exploração.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O problema que V.Ex.ª está a pôr não é propriamente um problema de propriedade industrial, mas sim de condicionamento das indústrias.

O Orador: - Eu já previa esse argumento, mas vou procurar explicar a V. Ex.ª que não é assim, porque o condicionamento industrial refere-se à concorrência na exploração, emquanto que o problema que estou a pôr neste momento é o da conveniência da exploração e até da conveniência da denunciação do próprio invento.
Essa objecção que V. Ex.ª me faz apresentou-se também ao meu espírito, mas verifiquei que o argumento se poderia filiar na última parte da alínea b) do artigo 11.º, onde se diz que «a exploração será feita de harmonia com as necessidades da economia...».

O Sr. Mário de Figueiredo: - Até respondo a V. Ex.ª, para mostrar que não tem razão, com uma observação que aqui me fez o Sr. Deputado Cancela de Abreu.
V.Exa., não admitindo registo, não admite a concessão da patente, o que implica isto: é que, em vez de estarmos num regime de exclusivo de exploração, estamos no regime de um invento que cai no domínio público. E então será o condicionamento industrial que poderá evitar a tal exploração considerada socialmente inconveniente.

O Orador: - V. Ex.ª dê-me licença que eu ponha o problema, e depois responderei às objecções que qualquer Sr. Deputado me queira dirigir.
É evidente que, pelas considerações que eu estou fazendo, sou conduzido a reconhecer a necessidade de o Estado não só não patentear determinado invento, mas, se ele for considerado nefasto ou perturbador da economia humana, proïbir a sua exploração.
Não estamos pois em face de simples condicionamento industrial.

O Sr. Carlos Borges: - Parece-me que as considerações de V. Ex.ª estão mais ou menos dentro de disposições constantes do artigo 8.º Aí se diz que não podem ser objecto de patente as invenções que tiverem fim ou aplicação prejudicial à segurança ou saúde públicas.
Nestas palavras «segurança pública e saúde pública» pode V. Ex.ª meter tudo, até o que é anti-económico, porque isso vai reflectir-se na própria segurança pública.

O Orador: - É evidente que toda a proposta está moldaria dentro do conceito da economia capitalista, do velho regime da produção pela produção, da produção que visa o lucro acima de tudo; pelo texto em discussão, duas razões únicas condicionarão a concessão de uma patente: que tenha fim lícito e utilidade industrial.
A conveniência social não está prevista nem no corpo do artigo nem exceptuada em nenhum dos outros, visto que a segurança pública não é evidentemente a conveniência social, nem me parece que nas outras excepções do n.º 3.º do artigo 8.º possa caber a extensão interpretativa a que o ilustre Deputado se refere.
A questão pareceria sem importância se eu não pusesse a V. Ex.ªs alguns exemplos, exemplos que não vou tirar exclusivamente da minha imaginação, porque muitos Deputados que me escutam elevem ter conhecimento de que os casos a que me vou referir não são mera fantasia.
Suponham V. Ex.ªs que amanhã se descobre a invenção de um furo artesiano que consegue retirar as águas de uma região, de um ou dois quilómetros quadrados.

O Sr. Botelho Neves: - Isso já está descoberto.

O Sr. Carlos Borges: - Onde?

O Sr. Botelho Neves: - Em Vila Franca de Xira.

O Orador: - Como êste invento é de manifesta utilidade industrial, como o fim é lícito, quere dizer que se poderá conceder a patente de invenção. Simplesmente esta invenção, posta em prática, trará uma perturbação completa, não só no nosso sistema jurídico relativamente à propriedade e regime das águas, como ocasionará o arrasamento completo da economia das populações dessa região.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo) : - Quanto ao regime das águas, é assim mesmo que está estabelecido.

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O Orador: - Simplesmente quando o regime das águas se estabeleceu não se contava com um invento que poderia inutilizar todo êsse regime.
Suponho que numa invenção desta natureza não teríamos de atender, dentro de uma economia humana, apenas ao seu fim lícito, à sua legalidade ou à sua utilidade industrial, mas que havia também que se atender, e a meu ver primacialmente, à conveniência ou inconveniência social do seu registo e exploração.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - Com essa ordem de considerações não se explorava petróleo.

O Orador: - Eu não sei se se poderia ou não explorar petróleo, o que eu sei é que, se o artigo ficar redigido como está, ficaremos em pura e velha exploração capitalista, sem se atender a qualquer outra ordem de considerações, isto é, cada um explora como entende e como quere, sem considerações para com os interêsses da sociedade.
Desejo apenas pôr com clareza a minha idea e depois responderei a todas as objecções que V. Ex.ªs me queiram fazer.
Outro exemplo: suponha V. Ex.ª, Sr. Presidente, que amanhã se inventa um produto químico que permita extrair o azeite da azeitona e dos bagaços prescindindo de lagares. Absolutamente lícito e com manifesta utilidade industrial. Mas eu pregunto a V. Ex.ªs se não perturba a economia humana, se é conveniente e oportuno lançar imediatamente essa exploração, arrasando toda a riqueza que está nos lagares existentes, perturbando todas as pequenas economias tanto em trabalho como em produção, isto é, toda a economia que está estabelecida pelos processos em vigor.
Eu não digo, Sr. Presidente, que se ponha de parte a invenção; o que pregunto é se a lei não deve considerar a conveniência e oportunidade de se lançarem invenções desta ordem apenas porque são lícitas e dão proveito industrial.
Mais alguns exemplos que se referem propriamente aos aperfeiçoamentos.
Inventa-se um aparelho, e a invenção, com uma boa propaganda, consegue uma larga colocação no mercado. E, como V. Ex.ªs sabem, hoje a publicidade de mistificação agrava a febre de invenção, que é alguma cousa diferente da capacidade de invenção.
A capacidade de invenção deve ser evidentemente protegida. Eu não tenho dúvida, alguma em admitir e subscrever êsse princípio. Mas existe neste industrialismo moderno, no fordismo, nesta produção pela produção, que é afinal de contas o- industrialismo convertido em economia doentia, desagregadora e perturbadora de toda a economia humana, a febre da invenção.
Lança-se no merca a o um aparelho construído em série, propagandeado ruidosamente como sendo a última palavra. Efectivamente, faz-se essa larga propaganda e multiplicam-se as aquisições. Hoje gasta-se em publicidade aquilo que antigamente se gastava em melhorar o produto, pela fôrça de resistência dos aparelhos, pela sua boa qualidade. Assim, apresentam-se, muitas vezes, aparelhos que não têm as qualidades de resistência e duração precisas, e procura-se vender o mais barato possível, sem se atender a mais nada.
Suponhamos que se fez um grande reclame dum determinado aparelho nestas condições. O consumidor comprou, mas passado pouco tempo surge nova invenção, que será registada com uma patente, visto que o Estado também não garante, nem a novidade, nem a realidade, nem o merecimento do invento. Essa nova invenção surge com redobrada propaganda dum aparelho que irá substituir o primeiro. Alguns meses depois, o consumidor que tem o aparelho não o pode reparar, se o quiser fazer, porque as peças, que eram fabricadas em série, desapareceram do mercado. O comerciante fica com o seu stock inutilizado, porque não tem compradores que o procurem. A empresa, se não foi a mesma que lançou a nova invenção do aparelho, ficará arrumada, e com ela, possivelmente, muitos dos que dependiam da sua boa marcha.
Pregunto, Sr. Presidente: ¿esta febre de invenções, estas invenções que são aumentadas com a mistificação de uma propaganda mentirosa, pode ser protegida sem se atender à inconveniência da exploração parasitária que se faz através desta febre de invenções?
Eis o problema como eu o vi e a objecção tal como saltou ao meu espírito pela leitura dos artigos 7.º e 8.º, em discussão.
Não vejo acauteladas, nem a conveniência social nem a oportunidade da invenção, como também não vejo acautelados é defendidos os interêsses de uma economia social e humana.
Eis porque me pareceu que devia chamar a atenção da Assemblea para este aspecto do problema, pois entendo que se deve modificar o texto no sentido de se introduzir a idea da conveniência social, que pode ser uma idea de simples oportunidade ou de proibição. No texto destes artigos deve figurar, além do fim de utilidade industrial, a idea da conveniência e oportunidade social.
Eis, Sr. Presidente, o que eu tinha a dizer acerca destes dois artigos.

O Sr. Presidente: - ¿V. Ex.ª tem alguma proposta a apresentar?

O Orador: - Como não posso neste momento apresentar nenhuma proposta que não seja assinada por cinco Srs. Deputados, não posso dizer se o farei. Talvez que a minha objecção tenha surgido apenas no meu espírito.
Tenho dito.

O Sr. Melo Machado: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: emquanto o nosso ilustre colega Sr. Dr. Diniz da Fonseca veio a esta tribuna, no intuito de fazer restringir ainda mais o significado das palavras «utilidade industrial», mandei uma proposta de alteração a este artigo, a qual tinha por fim substituir a palavra «utilidade» por «finalidade».
«Finalidade» é mais amplo, pois compreende-se que é extremamente difícil, perante uma idea inteiramente nova, decidir se ela pode ou não ter utilidade industrial.
Eu vou citar a V. Ex.ªs dois pequenos exemplos, que não são absolutamente ajustados à idea que eu pretendo expor, mas que revelam a possibilidade de momento de entrever as consequências de qualquer invento.
Quando apareceu o primeiro motor de explosão, com certeza que a repartição por onde correu essa patente do invento não podia supor que se tratava de um facto que iria revolucionar o mundo.
Quando apareceu o primeiro invento de máquinas cinematográficas, porventura o funcionário e encarregado de decidir a patente dêsse invento podia ter concluído que ele não teria utilidade industrial, e V. Ex.ª sabe a expansão colossal que veio a ter êsse invento através de vários melhoramentos.
De maneira que a minha proposta tem simplesmente como objectivo não pôr o funcionário, que irá decidir, em dificuldades para dar o seu juízo; não sujeitar os in-

rs. Deputados, não posso dizer se o farei. Tal-à minha objecção tenha surgido apenas no meu

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ventores, que apresentam o requerimento de patente, à má compreensão, porventura indisposição, de funcionário que entenda não ter êle utilidade industrial.
Se se substituir a palavra «utilidade» pela palavra «finalidade», estou convencido de que serão menos frequentes os erros e menos frequentes os prejuízos em favor dos inventores.
A forma como o Sr. Dr. Diniz da Fonseca expôs aqui a sua idea deixou profundas dúvidas no meu espírito, e nem sei como S. Ex.ª poderia remediar o caso, nem como seria fácil prever as conseqüências.
Por êsse caminho, poder-se-ia dizer que não se faria mais do que inutilizar os trabalhos da inteligência, que convém sejam estimulados, porque uma cousa é inventar e outra utilizar o invento.
Evidentemente que se pode dizer que há inventos prejudiciais, mas êsse inconveniente está mais do que prevenido na lei, e parece-me que se não pode ir mais além, porque iríamos coarctar os direitos da inteligência e a utilidade do invento.
Sr. Presidente: as palavras que vim produzir nesta tribuna tiveram simplesmente em mira justificar a proposta de emenda que tive a honra de apresentar, emenda esta que não altera o sentido da proposta, antes a põe em maior facilidade na sua execução.
Tenho dito.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente: sinto não estar de acordo com os dois ilustres Deputados que me precederam. Um julga insuficiente a expressão «fim lícito», parecendo-lhe conveniente acrescentar-se «de conveniência social»; o outro julga insuficiente a expressão «utilidade industrial», que substitue por «finalidade industrial».
A expressão «fim lícito» é tam ampla que compreende o interêsse público, a conveniência social. O Govêrno tem a faculdade de ao conceder a patente, examinar se esta pode, ou não, ser prejudicial ao interêsse público, ao interêsse nacional, c, portanto, à conveniência social.
Eu vejo nos tratados de direito industrial a expressão «fim lícito» interpretada com toda essa amplitude.
A expressão «utilidade industrial» tem um sentido técnico em direito industrial. É indispensável que um invento tenha utilidade, e não basta só a finalidade. Um invento que seja tecnicamente inútil não pode ter patente, porque é uma inutilidade; se é uma inutilidade, não pode o Govêrno conceder patente de invenção a uma cousa que não serve para nada. Portanto, a utilidade é um requisito absolutamente indispensável, e como tal mencionado em todas as leis estrangeiras e defendido por todos os tratadistas da matéria.
Mais interessante me parece ponderar a proposta da Câmara Corporativa na parte em que propõe a eliminação da palavra «descoberta».
A meu ver, a «realização» é que poderia ser suprimida na lei; mas suprimir a palavra «descoberta» parece-me que não é razoável.
Diz o parecer da Câmara Corporativa o seguinte:
«A descoberta de princípios científicos, etc.».
¿Mas porque é que havemos de conceber a descoberta como sendo só de princípios científicos, e não como tendo por objecto o movimento, a aplicação, a realização, digamos assim?
Eu vou exemplificar com factos verdadeiros.
Um químico estava a proceder a uma certa reacção para descoberta de determinado corpo, quando essa reacção explodiu, com grande surpresa sua, porque ele não estava investigando a existência de qualquer explosivo.
Eu pregunto: ¿neste caso, tendo descoberto um explosivo, embora sem querer, trata-se de uma descoberta ou de uma criação?
Criar é tirar do nada, e este indivíduo descobriu apenas.
Outro exemplo: um operário estava a trabalhar com uma máquina. Como V. Ex.ªs sabem, emquanto a máquina está a funcionar, o operário examina o trabalho dela, chegando-lhe de vez em quando a matéria prima ou lubrificando-a. Mas, neste caso, o operário pôs-se a pensar se, tirando-lhe determinada peça, a máquina não trabalharia melhor, e, para experimentar, tirou-lhe essa peça, verificando que, de facto, a máquina principiou a funcionar melhor.
¿Neste caso, há unia descoberta ou uma criação?
E como estes, podem dar-se centenas de casos, como sucede cotidianamente nas fábricas de automóveis, com sucessivas modificações de pequeninas peças - inventos que todos os anos aparecem, como aperfeiçoamentos, nos salões automobilistas.
São verdadeiras descobertas e não criações. Por isso, se vamos eliminar o termo «descoberta», prejudicamos uma grande série de trabalhos, que até hoje têm sido patenteados, e que, de futuro, não o poderão ser.
Passando agora ao artigo 8.º, não vejo razão para suprimir o n.º 2.º, como propõe a Câmara Corporativa.
Pode haver uma determinada exploração de que o Estado tenha o monopólio, e se alguém fizer uma invenção relativa a êsse monopólio, o Estado nega-lhe a patente. Está no seu direito. Mas, simultaneamente, o Estado pode conceder ao inventor duas soluções: ou autorizar que êle explore o invento, subordinadamente ao seu monopólio, como diz o § único que a Câmara Corporativa, acrescentou ao artigo 11.º, ou então adquirir a patente.
¿Porque se há-de proibir esta solução, que é perfeitamente justa e razoável? As razões que a Câmara Corporativa apresenta não me satisfazem, e vejo que esta eliminação só pode ser prejudicial aos interêsses do próprio Estado.
¿Se o indivíduo não pode ter patente, como é que o Estado pode dar-lhe autorização para explorar o invento?

O Sr. Melo Machado: - Por isso é que a Câmara Corporativa propôs a eliminação dêsse número.

O Orador: - Não vejo que o acrescentamento dêste parágrafo não se possa conciliar com o n.º 2.º

O Sr. Mário de Figueiredo: - O n.º 2.º da proposta inicial negava a concessão da patente sobre objecto que constituísse monopólio do Estado. Mas como o monopólio que existe hoje pode não existir amanhã, negava-se sem razão ao inventor a eventualidade de amanhã explorar em regime de exclusivo o seu invento. Por isso é que a Câmara Corporativa admitiu a solução mais razoável de ser concedida a patente mas não poder ser explorada emquanto o monopólio se mantiver. Se este se extinguir antes de expirar o prazo do exclusivo da patente, começa u eficácia deste. Eis por que se propõe a eliminação do n.º 2.º e o sentido do § único do artigo 11.º

O Orador: - Parece-me que as duas disposições se conciliam perfeitamente. Pode ao inventor ser recusada a patente emquanto durar o monopólio.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas amanhã acaba, o monopólio... e o inventor pode já não estar em tempo de registar o invento.

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O Orador: - E nêsse caso começa a patente.
Nas indústrias que estão monopolizadas pelo Estado, o n.º 2.º permite que o Estado adquira a patente.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas o Estado, por hipótese, não adquire, e é êste o motivo por que a Câmara Corporativa propõe a eliminação.

O Orador: - Não adquire nem deixa explorar...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas deixa registá-la, e então uma de duas: ou o monopólio continua, e o concessionário da patente não a pode explorar; ou o monopólio termina, e entra o inventor no regime do exclusivo de exploração.

O Orador: - Agradeço a explicação de V. Ex.ª, mas devo dizer que ela não me convence.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão os artigos 7.º e 8.º
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Vai votar-se, em primeiro lugar, o começo do artigo 7.º, a respeito do qual há na Mesa a seguinte proposta de alteração de redacção, do Sr. Deputado Melo Machado:

«Poderão ser objecto de patente, se tiverem fim lícito e finalidade industrial:».

Submetida à votação, foi rejeitada a proposta do Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 7.º, tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 8.º, tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 9.º. A discussão é sobre se se deve eliminar este artigo, conforme propõe o parecer da Câmara Corporativa.

O Sr. Melo Machado: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: já me custa cansar a atenção da Assemblea vindo a esta tribuna.
Na proposta do Govêrno diz-se que as patentes de invenção são dadas sem garantia de novidade, e a Câmara Corporativa propõe a sua eliminação.
Devo dizer que só conheço quatro países que garantem a novidade do invento, e que são: a Alemanha, a Holanda, a América e, se não me engano, o Brasil.
Estes países, grandes centros industriais e de grandes recursos, têm verdadeiros corpos de engenheiros, que se encontram sempre a par de todo o movimento industrial de invenções e novidades que aparecem no mundo, para que a garantia que se concede seja uma cousa séria.
Os pequenos países, como o nosso, que dispõem de pequenos recursos, de pouco pessoal e de dotações escassas, não podem de nenhuma maneira estudar o problema suficientemente e garantir, portanto, a novidade que lhe apresentam.

O Sr. Mário de Figueiredo: - ¿V. Ex.ª está a defender a proposta da Câmara Corporativa, de eliminação?

O Orador: - Não, senhor. Estou a defender a proposta inicial do Govêrno.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Muito obrigado. Está entendido.

O Orador: - Eu acho que as leis têm de começar por se defender a si próprias. Ora uma lei que quisesse dar a garantia de que os inventos eram novos, sem que
tivesse meios para poder assegurar essa garantia, seria uma lei que começaria por não se respeitar a si própria.
Por consequência, eu voto contra a eliminação proposta pela Câmara Corporativa, porque entendo que é preferível que o Estado diga que não garante a novidade de uma patente a deixar no inventor ou no espírito do público a idea de que se garante uma cousa sem que de facto ela possa ser garantida.
Tenho dito.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente: sou também de parecer que este artigo não deve ser eliminado, porque entendo que ele representa uma defesa do próprio Estado.
A concessão de uma patente é, apenas, o reconhecimento de que o invento tem estes requisitos: o da novidade, o da realidade e o do merecimento. Mas o Estado não garante a sua eficácia prática, e o artigo 9.º não tem outro alcance senão êste: o Estado reconhece que o invento apresenta aqueles requisitos, mas não garante que na prática êle produza os resultados esperados.
Toda a gente sabe que há milhares de inventos registados em todos os países, mas que nunca passaram do papel, porque os respectivos inventores, quando foram experimentá-los, na prática, verificaram que não davam resultado. E eu vou provar isto a V. Ex.ªs com um exemplo de há poucos anos: um indivíduo dos Açores inventou um aparelho de extracção de água por meio de um jogo de movimentos de balanço; posto o aparelho em movimento, nunca mais parava, tirava continuadamente água.
Apresentou as suas reivindicações na Repartição da Propriedade Industrial, demonstrou, a novidade, a utilidade e a realidade do seu invento, emfim todos os requisitos que a lei exigia, mas o Sr. director geral do comércio, que naquele tempo era o Sr. general Oliveira Simões, recusou a patente com o fundamento de que, embora não se pudesse negar a utilidade, a realidade e o merecimento do invento, dava êste a impressão de que era uma espécie de invenção do mótu-contínuo, que era simplesmente irrealizável, e que era, no fundo, uma fantasia.
O inventor recorreu para o Tribunal do Comércio, que revogou o despacho do director da Repartição da Propriedade Industrial e mandou registar a patente, visto o Estado não ser responsável pela eficácia do invento. O Tribunal do Comércio entendeu que o invento tinha merecimento, e pelo facto de na prática parecer um mótu-contínuo não devia ser recusada a patente, visto que, como disse, o Estado não garantia a sua eficácia.
Se êste artigo for suprimido, pode suceder que, amanhã, qualquer comprador de uma patente, verificando que o invento patenteado não tem novidade, nem merecimento, vá pedir ao Estado uma indemnização de perdas e danos. Se o Estado, pois, não tiver esta defesa, não sei como o assunto poderá ser resolvido.
Tenho dito.

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O Sr. Lopes da Fonseca: - Sr. Presidente: eu pedi simplesmente a palavra para dizer que, estando em discussão o artigo 9.º e havendo uma proposta para êle ser retirado, entendo que é por igual perigoso deixá-lo como está ou retirá-lo.
É perigoso deixá-lo, porque, pela forma como está redigido, parece-me estar em contradição com o artigo 7.º
O artigo 7.º diz :
«Poderão ser objecto de patente, se tiverem fim lícito e utilidade industrial:
a) A invenção de algum novo artefacto ou produto material comerciável;
b) A descoberta, criação ou realização de algum novo meio ou processo, ou aplicação nova de meios ou processos conhecidos para se obter um produto comerciável ou resultado prático industrial;
c) O aperfeiçoamento ou melhoramento de invenção que já fora objecto de patente, se se tornar mais fácil ou económico o fabrico do produto ou o uso do invento, ou lhe aumentar a utilidade».

O artigo 9.º diz:

«A patente será concedida sem garantia do Estado sobre a novidade, a realidade e o merecimento do invento».

Há, pois, como que uma oposição entre o artigo 7.º, exigindo determinadas condições, e o artigo 9.º, suprimindo as garantias destas mesmas condições, que são as da novidade, realidade e o merecimento. Aqui, merecimento não pode deixar de ser a utilidade.
É perigoso tirá-lo, porque a sua eliminação pode ser interpretada como rejeição da doutrina.
Êste ponto, a que também aludiu o Sr. Deputado Cunha Gonçalves, parece-me que podemos resolvê-lo, dizendo:

«A concessão da patente implica uma mera presunção jurídica de novidade, realidade e merecimento».

O Sr. Cunha Gonçalves: - ¿V. Ex.ª dá-me licença?...
Estou de acordo com V. Ex.ª; pode apresentar uma emenda nesse sentido.

O Orador: - Realmente, retirá-lo é perigoso; pô-lo é estabelecer uma contradição com o artigo 7.º
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: depois das considerações que têm sido produzidas no sentido de se adoptar a solução da proposta actual do Govêrno, que é a da Câmara Corporativa, ou a solução da proposta inicial do Govêrno, eu mantenho esta posição: é que me parece totalmente indiferente que na lei fique a disposição do artigo 9.º conforme a proposta inicial do Govêrno, ou que na lei seja eliminada a disposição do artigo 9.º
Parece-me que isso é totalmente indiferente.
O artigo 9.º da proposta inicial diz assim:

«O Estado não garante nem a novidade, etc., do invento».

A proposta da Câmara Corporativa sugere a eliminação dêste artigo, de onde poderia concluir-se que, se se elimina a disposição do artigo 9.º da proposta inicial, que diz que o Estado não garante, é porque se entende que o Estado garante.
Ora é evidente que esta conclusão é precipitada.
Se se elimina o artigo 9.º da proposta inicial, que diz que o Estado não garante, daí não resulta para o Estado de maneira nenhuma a obrigação de garantir. Para que resultasse, importava que na lei ficasse uma disposição nestes termos: a O Estado garante».

O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): - Estou a seguir o raciocínio de V. Ex.ª, mas pondero o seguinte, para o caso de ser de facto, eliminado o artigo 9.º: se o Estado fez o registo é porque se convenceu, pelo menos, de que a invenção tinha a novidade, a utilidade e a realidade que a lei exige; e quem quiser, no futuro, argumentar que o Estado dá a garantia dêsses requisitos invocará, além dessa circunstância basilar, a própria decisão da Assemblea Nacional eliminando a disposição em que expressamente se dizia que o Estado não dava essa garantia.
Bem sei que não fica expresso que o Estado garante; mas pode querer-se lançar a dúvida, e esta argumentação que esbocei pode, pelo menos, alimentar essa dúvida.

O Orador: - V. Ex.ª tem razão. E sempre o mesmo argumento. Do facto de na lei não ficar determinada disposição que vinha na proposta, pode deduzir-se a conclusão de que se quis que a lei exprimisse a orientação inversa daquela que era traduzida na referida disposição. Como disse a V. Ex.ª, esta conclusão é precipitada, e a única cousa que pode concluir-se é a seguinte: que o Estado, desde que na lei não figure a disposição do artigo 9.º da proposta, poderá organizar um serviço que venha a verificar os requisitos da novidade, da realidade e da utilidade do invento. O Estado pode vir a organizar êsse serviço, mas também não fica obrigado a organizá-lo. Se organiza o serviço, qual é a conseqüência? É a de que, em vista do trabalho dêsse serviço, o Estado pode recusar - porque tem um organismo com competência técnica para o ajudar nesta solução - a concessão duma patente com o fundamento de que o invento não é novo, nem tem realidade, isto é, que não tem valor intrínseco. Pode o Estado organizar êsse serviço e recusar a patente com o fundamento de que se não trata dum invento, isto é. de que o invento cuja patente se pede não é novo.
Mas mesmo tendo êsse serviço organizado e prestado por pessoas com competência técnica, se o Estado concede a patente, isto não significa que êle se responsabilize pela novidade ou realidade do invento, porque o despacho em que a patente é concedida por ser anulado em recurso para os tribunais competentes e em qualquer tempo, desde que perante êsses tribunais venha a demonstrar-se que a invenção não é nova nem tem realidade, isto é, que não tem valor intrínseco.
Portanto, se a cousa é a mesma na interpretação a dar numa e noutra hipótese, mantendo-se ou dispensando-se o artigo 9.º, ¿valerá a pena estarmo-nos a demorar nesta discussão? Se na lei fica «o Estado não garante a novidade, a realidade e a utilidade do invento», isso significa que escusa de organizar qualquer serviço que verifique estes requisitos do invento; mas pode organizá-lo.
Se na lei não fica isto, o Estado também não garante, mas pode, do mesmo modo, organizar o serviço com competência técnica para verificar aqueles requisitos do invento e recusar a patente, de acôrdo com o seu parecer.

O Sr. Melo Machado (interrompendo): - ¿A V. Ex.ª não parece mais honesto que o Estado diga que não garante?

O Orador: - Como, para mim, é indiferente que fique ou não fique a disposição, não sei se é mais honesto.

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Como se sabe, o Estado não tem tido, na matéria, os seus serviços organizados em condições; todavia, na lei vigente existe uma disposição idêntica à do artigo 9.º, e outra com base na qual o Estado pode recusar a concessão da patente com o fundamento da falta de novidade.

O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): - É mais fácil provar que não é novo do que provar que é novo.

O Orador: - Isso não sei...

O Sr. Presidente: - Acaba de chegar à Mesa a seguinte proposta:

ARTIGO 9.º

A concessão da patente implica mera presunção jurídica do novidade, realidade e merecimento do invento.

Os Deputados: Luiz Maria Lopes da Fonseca - João das Neves - João Antunes Guimarãis - Luiz da Cunha Gonçalves - Luiz Moreira de Almeida.

O Orador: - Eu continuo a insistir: com esta proposta a solução é a mesma.

O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): - ¿Desde que aquela disposição consta expressamente da legislação actual e da proposta inicial do Govêrno, não será perigoso eliminá-la agora? Se V. Ex.ª diz que é indiferente, sob o ponto de vista jurídico, que ela exista ou não, parece preferível mante-la para evitar especulações futuras. O princípio fica mais claro, fica incontestável.

O Orador: - Eu tomarei uma posição qualquer no momento da votação.
A posição que tomo agora é esta: parece-me indiferente uma solução ou outra, e ainda me parece indiferente, e, salvo o devido respeito, perfeitamente inofensiva, a solução constante da proposta agora apresentada pelo Sr. Cunha Gonçalves e outros Srs. Deputados.
Exista na lei ou não exista um artigo com esta redacção, a solução é a seguinte: foi feito o registo; emquanto esse registo não for cancelado, ninguém pode, sob pena de estar a fazer concorrência desleal, explorar o invento a que o registo se refere. Depois de cancelado o registo, então não estamos em presença de uma propriedade exclusiva.
Que se aprove o artigo 9.º tal como consta da proposta do Govêrno, que se aprove a eliminação do mesmo artigo tal como sugere a Câmara Corporativa, que se aprove esta proposta de alteração ou de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves, tudo isto me parece inofensivo.
Quando eu votar tenho de tomar uma posição, mas, sob o ponto de vista da realização prática, considerar-me-ei igualmente tranqüilo se tomar posição relativamente a qualquer destas soluções.

O Sr. Presidente: - Como não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado, vai proceder-se à votação.
Em primeiro lugar essa votação incidirá sôbre o parecer da Câmara Corporativa, que propõe a eliminação do artigo. Se for rejeitada, far-se-á a votação da proposta que acaba de chegar à Mesa, apresentada pelo Sr. Cunha Gonçalves e outros Srs. Deputados.
Foi rejeitada a eliminação do artigo 9.º

O Sr. Presidente: - Em vista desta votação, vou agora submeter ao voto de V. Ex.ªs a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves.
Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.º Sobre êste artigo há na Mesa duas propostas, uma apresentada pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves, no sentido de se elevar a vinte anos o prazo, e outra dos Srs. Deputados Melo Machado, Cancela de Abreu e outros, no sentido de se manter a redacção que consta da primitiva proposta do Govêrno.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o prazo da duração das patentes de invenção tem tido uma larga evolução desde o final do século XVIII, em que a primeira patente foi concedida.

O Sr. Cancela de Abreu: - Para melhor seguirmos o seu pensamento, convém V. Ex.ª esclarecer desde já êste ponto: se não estou em êrro, a alteração proposta por V. Ex.ª incide sobre a proposta inicial do Govêrno, que deixou de constituir a base da discussão, e não sôbre a da Câmara Corporativa. Ora há outras diferenças entre uma e outra, além da da duração do privilégio...

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Dr. Cunha Gonçalves é apenas no sentido de o prazo ser de vinte anos.

O Sr. Cancela de Abreu: - Perfeitamente, mas estamos sem saber qual dos critérios o Sr. Dr. Cunha Gonçalves adopta acêrca do início da contagem desse prazo.

O Orador: - Eu sòmente pretendo demonstrar que o prazo de vinte anos é preferível, para os interesses da economia nacional, ao de quinze ou dezoito.
A duração das patentes de invenção tem vindo aumentando sucessivamente de há tempos a esta parte.
Começou por cinco anos, passou a dez anos, a dezasseis, a dezassete e a vinte. Todos estes prazos estão em vigor na legislação de diversos países.
Quere isto dizer que há uma tendência para a ampliação sucessiva da duração do prazo da patente de invenção.
O que sucede na propriedade industrial é o mesmo que se verifica na propriedade literária, cuja duração foi, sucessivamente, de cinco, dez, vinte, quarenta e cinquenta anos, e nalguns países, como o nosso, é perpétua.
Isto quere dizer, repito, que nos diversos países há uma tendência para a ampliação da duração do prazo da patente, e isto é inteiramente justo pelo seguinte: ¿qual é o motivo por que se concede a um inventor um certo prazo de duração da patente? Há duas razoes. Uma é que esse prazo representa um prémio ao inventor pelo seu trabalho, pelo seu génio inventivo e pelas vantagens que essa invenção possa trazer à economia nacional. A outra é dar-se-lhe o tempo suficiente para a organização da indústria, montagem da fábrica e respectiva aparelhagem.
Verificamos, praticamente, que não basta fazer uma invenção, pois em regra o inventor é pessoa pobre e necessita de capitais para montagem da indústria, o que leva muitíssimo tempo. Muitas vezes, dez anos não são demais.
Há apenas uma objecção, que já me foi apresentada, e que consiste em que, sendo nós um país de pobreza inventiva, digamos assim, temos necessidade de importar invenções estrangeiras; e se concedermos o prazo de vinte anos, estamos impossibilitados de, durante êsse período, importar invenções estrangeiras.
Sr. Presidente: não me parece que o argumento seja de grande pêso, porque a lei é feita para vigorar em território português e para favorecer inventores portugueses.

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O facto de haver uma lei que conceda um prazo de vinte anos não quere dizer que durante esse prazo não possamos importar da Alemanha, por exemplo, onde o prazo é de dezasseis anos, invenções que naquele país já tenham caído no domínio público.
O prazo de vinte anos a uma lei no nosso País não tem repercussão internacional, nem impede a importação das patentes que nos respectivos países caíram no domínio público, ainda que estejam registadas na Repartição Internacional de Berna.
Isto quere dizer que a ampliação do prazo de quinze para vinte anos só contribuirá para favorecer os inventores portugueses, porque, quanto mais pobre é o meio industrial, maior deverá ser a duração da patente e de maior protecção carece o inventor.
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não me convenceram as considerações que acaba de produzir o Sr. Dr. Cunha Gonçalves, relativamente ao alargamento do prazo de quinze anos, da proposta inicial do Govêrno, e fie dezoito anos, da proposta actual da Câmara Corporativa, para vinte anos. E a razão é precisamente aquela a que aludiu o Sr. Dr. Cunha Gonçalves: é que nós somos um país importador de inventos e não um país exportador de inventos. Ora, se somos um país importador de inventos, convém que o invento caia no domínio público num prazo mais curto do que aquele que nos conviria se fôssemos um país exportador de inventos. Porquê? Imaginem V. Ex.ªs o seguinte: um alemão registou um invento na Alemanha. Para que a êsse invento seja atribuído o exclusivo da exploração em Portugal é preciso obter uma patente de invenção em Portugal; a patente obtida na Alemanha não é, portanto, suficiente para se ter o exclusivo da invenção em Portugal. E, de duas uma: ou o inventor que registou a sua patente na Alemanha pede o registo da mesma patente em Portugal, no prazo de um ano, ou não pede. Se pede esse registo em Portugal no prazo de um ano, e a patente lhe é concedida, tem o exclusivo da exploração da patente em Portugal durante um determinado prazo; se não pede o registo da patente em Portugal, no prazo de um ano, êste invento caiu no domínio público em Portugal, pode ser explorado por quem quiser, já não é acompanhado da característica da novidade e, portanto, relativamente a êle, já não pode ser concedida a patente.
Ora, sendo assim - e suponho que nenhum de nós, com grande mágoa, irá até ao ponto de afirmar que nós não somos um país importador de invenções - , parece que dos vários prazos propostos aqui, deveremos aceitar aquele que é mais favorável para nós, desde que somos um país importador de invenções, e esse é o prazo dos quinze anos.
Aqui têm as razões que me levam a defender o prazo apresentado na proposta inicial do Govêrno.
Sr. Presidente: uma outra questão se suscita nesta disposição: é a questão da determinação do momento a partir do qual se deve contar o prazo.
Ao lado da solução indicada na proposta inicial do Govêrno existe a solução da Câmara Corporativa, que é a proposta actual do Govêrno.
Ma primeira, o prazo deve contar-se desde a concessão da patente; na segunda, o prazo deve contar-se ria apresentação do pedido da patente.
¿Qual das duas soluções deve ser adoptada?
Devo dizer que não tenho grandes razões que possa produzir no sentido de se adoptar uma ou outra solução. Vou, portanto, dizer as que tenho de um modo geral para adoptar uma, apesar de reconhecer de boa vontade que realmente não são grandes razões.
Uma é esta.
Nos países onde êste problema se estuda a sério, o prazo é contado desde a apresentação do requerimento. Assim se faz na Alemanha, na Itália, na Inglaterra e, segundo creio, na França.
Se assim é nestes países ¿porque há-de ser de outro modo em Portugal?
¿E que razões os teriam determinado a contar assim o prazo? Não tive tempo para as investigar.
Mas vou produzir uma outra, que também não é uma grande razão, sobretudo para quem quiser argumentar com a letra expressa do artigo 10.º Vou, entretanto, produzi-la. Talvez seja uma falsa razão. V. Ex.ªs a considerarão, e verificarão se o espírito se inclina para a aceitar ou, ao contrário, para a rejeitar.
Se o prazo se conta do momento da apresentação do requerimento, não tem, porventura, importância para o inventor que o seu invento seja divulgado. V. Ex.ªs sabem que às vezes o segredo não é tam perfeito nas repartições que não possa chegar ao conhecimento do público a existência de certo invento.
Se o prazo se conta do momento da apresentação do requerimento, isto significa que o direito ao exclusivo se conta também do momento da apresentação do requerimento.

O Sr. Cancela de Abreu: - Em qualquer caso.

O Orador: - Se é em qualquer caso, então esta razão é uma razão sem razão; mas se não é em qualquer caso, a cousa não se apresenta do mesmo modo.
Partamos do princípio de que o exclusivo se conta da apresentação do requerimento. Então a exploração do invento por terceiro no intervalo entre o momento da apresentação do requerimento e a concessão da patente já constituo uma forma de concorrência desleal. Porém, se o exclusivo existe só a partir do momento da concessão da patente, então a divulgação do invento antes da exploração, e a exploração neste intervalo já não constituirá unia forma de concorrência desleal.

O Sr. Cancela de Abreu: - A contagem do tempo para a duração do princípio não tem nada que ver com o direito do exclusivo que o inventor adquiriu desde a apresentação do requerimento que lhe garante a prioridade.

O Orador: - Não há repugnância nenhuma em que as cousas se passem como eu acabo de descrever.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Não devemos confundir a questão da prioridade do invento com a questão da duração da patente.
Se formos contar o prazo desde a entrada do requerimento, esse prazo ficará desfalcado no caso de haver oposição de terceiros, atrasos nas repartições ou mesmo demora nos tribunais, se houver litígio.

O Orador: - O prazo fica desfalcado... Mas eu não confundo prioridade com duração da patente. A prioridade marca-se pela apresentação do requerimento, mas só significa que quem a tem pode amanhã, sendo-lhe concedida a patente, obrigar alguém que porventura esteja a explorar o invento a deixar de explorá-lo ; não significa que quem já explorava estivesse a fazer concorrência desleal. Mas, se o exclusivo existe desde a apresentação do requerimento, quem explorar o invento depois dela faz concorrência desleal.
Pode não ser isto o que está na lei. Realmente podem V. Ex.ªs ter uma idea diferente desta que eu estou a apresentar. Eu ponho a questão: ¿a exploração do invento no intervalo entre a apresentação do requerimento

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e a concessão da patente constitue ou não constitue concorrência desleal, coutando-se tanto o prazo da apresentação como da concessão?

Vozes: - Sim, senhor, é da lei.

O Orador: - Mas onde está isso? Eu também sei ler a lei e inclino-me a que só constituirá concorrência desleal se o prazo se contar da apresentação do requerimento.

O Sr. Teixeira de Abreu (interrompendo): - Eu julgo que daquele lado se interpreta, conforme o artigo, neste sentido:

«As patentes de invenção serão concedidas pelo prazo de quinze anos, contado da data do respectivo título, findo o qual caïrão no domínio público».

Considera-se a vigência da patente com a apresentação dos documentos.
Eu estou de acordo com a argumentação de V. Ex.ª, mas também compreendo a argumentação da outra parte.

O Orador: - A razão mais impressionante que encontrei é aquela. Poderá não ser uma grande razão, mas é uma razão. Serve? Muito bem! V. Ex.ªs dizem que não serve. Paciência!
Tenho dito.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: parece-me que isto é uma cousa de redacção para a eventualidade de se adoptar a solução que está na proposta inicial e que se me afigura mais justa, dada a demora que pode haver na concessão da patente.
São demorados estes serviços e talvez, como frisou o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, noutros países as cousas se possam fazer com mais brevidade. É possível que neles haja leis para se contar o prazo desde a entrada do pedido da patente; talvez, como digo, nesses países se possa ser um pouco mais rápido no cumprimento destas formalidades do que no nosso. E, por isso, sou levado a aceitar a solução de que o começo de concessão de prazo da patente se conte a partir da data em que a patente é concedida.
Sòmente com a redacção que tem o artigo 10.º pode realmente pôr-se em dúvida se naquele prazo que decorre entre o pedido da patente e a concessão existe ou não a garantia. Para essa hipótese deverá talvez adoptar-se a solução de redigir o artigo 10.º mais ou menos nos seguintes termos:

«As patentes de invenção caïrão no domínio público ao fim de quinze anos contados da data do respectivo título».

Vozes: - É a mesma cousa!

O Orador: - Mas repare a Assemblea em que não se fala no início. Se se disser que dura quinze anos, contando o prazo a partir da data da concessão, poderia alegar-se que até essa data não havia garantia. E claro, é uma questão de redacção.
Tenho dito.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: levantou-se, a propósito do artigo 10.º, uma dúvida que, quanto a mim, parece não colhêr.
Não há dúvida de que no parecer da Câmara Corporativa a questão do prazo é simplesmente para a duração.
Como nós apresentámos uma proposta, não pode haver dúvida de que entre o prazo da apresentação do requerimento e a concessão se dê a exploração ilícita do invento, porque o que determina a propriedade é a data da apresentação do requerimento e a instrução do respectivo processo. De resto, não é provável que alguém se aproveitasse dama indústria, instalando-a, sabendo que a breve trecho apareceriam reclamações procedentes.
De maneira que, confesso, a nova redacção que se pretende apresentar para este artigo não me parece que resolva o assunto, nem interessa excessivamente.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Acaba de chegar à Mesa uma proposta, redigida nestes termos:

As patentes de invenção caïrão no domínio público ao fim de quinze anos, contados da data do respectivo título.

Os Deputados: António Pedro Pinto de Mesquita - A. Cancela de Abreu - Luiz Maria Lopes da Fonseca - Pedro Botelho Neves - Teixeira de Abreu.

O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: venho à tribuna para, em poucas palavras, reforçar a opinião que o Sr. Dr. Pinto de Mesquita há pouco aqui expôs.
Suponho que a Câmara não seguiu com a devida atenção as considerações de S. Exa; parece-me de tal maneira evidente a procedência da sua argumentação, que estranho não haja unanimidade neste ponto de vista.
Quanto à duração do privilégio, sou da opinião dos quinze anos, e não dos dezoito, nem dos vinte, pelas razões que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo já aqui sintetizou.
Quero apenas referir-me ao início da contagem dêsse tempo.
Pregunto: ¿será justo que essa contagem se faça por forma a o inventor ficar prejudicado por causas estranhas à sua responsabilidade? Parece-me evidente que não é justo. Quere dizer: não deve contar-se dentro do prazo do privilégio um período dentro do qual não existe ainda esse privilégio, um período perdido para o inventor, um período em que o inventor, afinal, não pode sequer firmar a sua posição financeira e industrial para a exploração do invento, nem iniciar essa exploração, porque não sabe ainda se a patente lhe será concedida ou não.
Sou, portanto, de opinião que o prazo se deve contar a partir do título de concessão e não do requerimento inicial; isto é, sou favorável ao critério inicial do Govêrno.
Mas levantou-se aqui uma dúvida: a de que, dizendo essa proposta inicial do Govêrno que o privilégio dura quinze anos desde a concessão da patente, parece que não reconhece ao requerente o exclusivo no período que medeia entre a apresentação de pedido e a concessão do título; ora, de facto, êle durará quinze anos mais n meses.
A maneira de evitar esta dúvida de interpretação, que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo formulou, é a que sugeriu o Sr. Dr. Pinto de Mesquita. Não se diz que a patente dura quinze anos; dir-se-á que termina quinze anos depois de concedido o título, o que é diferente. Já não há razão para se pôr a dúvida sôbre se até à concessão do título já existe ou não o exclusivo para o requerente da patente; é evidente que êle existe, embora com carácter provisório, desde o momento em que deu entrada o requerimento na Repartição da Propriedade Industrial.
Por isso advogo esta redacção sugerida pelo Sr. Dr. Pinto de Mesquita, que adoptei, e que é a seguinte:

«As patentes de invenção caïrão no domínio público ao fim de quinze anos contados da data do respectivo título».

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Quere dizer: o direito do inventor dura quinze anos mais o tempo que decorra entre a apresentação do requerimento e a concessão. Por esta forma define-se melhor a solução proposta pelo Govêrno.
Tenho dito.

O Sr. Alberto Navarro: - Sr. Presidente: parece-me que a questão, como está posta, não fica resolvida.
É certo que, em meu entender, o prazo só deve ser contado ao inventor desde a concessão do título, porque não pode obrigar-se o interessado a esperar dois, três ou quatro anos, como pode suceder, contando-se-lhe êsse período como se já tivesse a exploração do seu invento.
Sôbre êste ponto creio que todos estamos de acordo.
Há, porém, necessidade de garantir ao inventor a defesa do seu invento durante este prazo intermédio.
É que não é justo que esteja sujeito a uma concorrência desleal, que lhe pode ser feita ou através de qualquer indiscrição das repartições, ou por um terceiro que vá aproveitar-se do seu invento.
Resumindo: há duas questões distintas. Em primeiro lugar a contagem do prazo, ou desde a data da apresentação do requerimento a registo, ou desde a passagem do título.
A segunda questão é diversa, pois trata de garantir o inventor contra a concorrência desleal que lhe possa ser feita durante o período que vai desde a apresentação do requerimento a registo até à concessão do título, impondo-se incluir nas bases uma disposição neste sentido.
Parece-me que, desta forma, o assunto fica devidamente resolvido.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Cancela de Abreu e. Botelho Neves assinaram duas propostas que, embora não estejam em contradição, não são perfeitamente idênticas.

O Sr. Cancela de Abreu: - É só uma questão de forma, que torna a segunda proposta mais clara do que a primeira, da qual, por minha parte, desisto.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Pinheiro Torres acaba de me fazer uma observação que, embora não modifique o meu ponto de vista quanto ao momento a partir do qual deve contar-se o prazo, é impressionante. Diz S. Exa., impugnando a razão que produzi: ¿como há-de falar-se de concorrência desleal antes da concessão da patente se o mesmo invento pode ser feito por duas pessoas sem conhecimento uma da outra?
E, sendo assim, ¿como há-de considerar-se ilícita a sua exploração antes da concessão do exclusivo?
Mas a questão é precisamente se o exclusivo começa com a apresentação do requerimento em que se pede a patente, se só com a concessão desta. Não ficaria, porém, bem comigo próprio se não viesse pôr diante dos olhos da Assemblea aquela consideração, fornecendo-lhe todos os elementos de que disponho para se orientar e decidir.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar a questão do prazo.
Sôbre esta questão do prazo há, como V. Ex.ª sabem, duas propostas na Mesa: uma, a do Sr. Dr. Cunha Gonçalves, no sentido de ser de vinte anos; e a outra proposta é para ser de quinze anos.
Vai votar-se em primeiro lugar a proposta relativa a vinte anos.

Posta à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a questão de o prazo ser de quinze anos. Posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vamos votar a outra parte da proposta.
Quanto à outra parte do artigo, considero - no caso de V. Ex.ªs estarem de acordo - substituída a primeira proposta subscrita pelos Srs. Deputados Melo Machado, Cancela de Abreu e outros por esta outra proposta que diz: «as patentes de invenção caïrão...»
¿V. Ex.ªs concordam com a substituïção?

O Sr. Cancela de Abreu: - Em absoluto.

O Sr. Presidente: - Ficamos portanto em face de duas propostas: a subscrita pelos Srs. Deputados Pinto de Mesquita, Cancela de Abreu e outros Srs. Deputados e a que subscrevem os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Sebastião Ramires, etc., que diz:

Propomos que se adopte o artigo 10.º da proposta da Câmara Corporativa, com o prazo de quinze anos em vez de dezoito.

Os Deputados: Mário de Figueiredo - Sebastião Garcia Ramires - Alfredo dos Santos Sintra - Carlos Borges - António Cortês Lobão - Francisco Nobre Guedes.

Tenho de começar pela votação da primeira. No entanto tenho uma pequena dúvida, porque a proposta do Sr. Melo Machado, Cancela de Abreu e outros, embora tivesse sido apresentada em primeiro lugar, foi substituída por uma outra que só agora chegou à Mesa.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Essas duas propostas afirmam ambas o mesmo princípio, diferente do da Camará Corporativa. Se V. Ex.ª aceita a substituição da primeira pela última parece-me que esta deve manter a prioridade.

O Sr. Presidente: - Eu não quero prejudicar êsse direito de prioridade.
Vai votar-se em primeiro lugar a proposta assim redigida: «As patentes de invenção cairão...».

Submetida à votação foi aprovada, ficando prejudicada a proposta subscrita pelos Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Sebastião Ramires e outros.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, a discussão continuará na sessão de amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram, 18 horas e 20 minutos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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