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8 DE ABRIL DE 1938 671

Seguiram, anos invernosos, continuarão e crecerão as aguas com, novo mal, que foy trazerem consigo grande poder de areias, e cegaram com, elas a madre do rio, de maneira que donde antes corria tão fundo, que o sitio do Mondego lhe ficava sobranceiro e senhor, veyo a egualar a corrente ordinária com ele, e a força da agua começou a lançar as areias por cima das mais altas margens, senhoreando-se do campo e entupindo cerca e oficinas.
E acontecia, pela muita abundância das areias, subir o rio a tanta altura com qualquer pequena enchente, que não só cobria os campos e alagava o convento, mas lançava por cima da ponte.
Donde naceo que, temendo-se ficar brevemente vencida das areias (a ponte), como já se ia sumindo nelas, tratou a cidade de fazer com tempo outra, que he a que hoje vemos: e afirma-se que foi direitamente fundada sobre a antiga, de que não temos mais que a fama».

Aqui fala Frei Luiz de Sousa da ponte que então existia e era do tempo do rei D. Manuel, a qual, segundo a tradição, fora construída sôbre outra levantada por D. Afonso Henriques - como sôbre aquela de D. Manuel, no século passado, se edificou a actual ponte metálica do Mondego.
Estudos recentes levam a concluir que o rio, desde meados do século XII, a quando da primitiva ponte de D. Afonso Henriques, subiu, pelo assoreamento das areias em frente de Coimbra, mais de 11m,5, ou seja em cerca de oitocentos anos a média de 15 milímetros por ano.
Ouçamos ainda Frei Luiz de Sousa sobre as causas destes males:

«Chega a cobiça ou a multidão e necessidade dos homens a não deixar palmo de terra que não rompa.
Em tempos muito antigos, eram invioláveis as costas e ladeyras que cahião sôbre os rios, com medo do que hoje se padece e, como causa sagrada, estava o cargo de se guardarem à conta dos melhores do Reyno.
Faz perder os campos, muito largos e muito proveitosos, o querer aproveitar montes pela maior parte esteriles, ou pouco frutíferos: achão as invernadas a terra bolida, levão-na ao baixo: e ficam, despidos os altos até descobrirem, os ossos, que são as lageas e penedias do centro, e assim ficão os campos perdidos e os montes não dão proveito».

E assim ficam os campos perdidos e os montes não dão proveito, dizia Frei Luiz de Sousa!
Não conheço, Sr. Presidente, não concebo imagem, mais perfeita, mais real, mais verdadeira do problema do Mondego: o assoreamento do rio, as suas causas, os seus efeitos e até os seus remédios.
Se Frei Luiz de Sousa ressuscitasse e viesse até nós. não teria necessidade de pôr hoje o problema de modo diferente daquele por que, com tanta verdade e tanta mestria, o apresentou ao alvorecer do século XVII, na sua História de S. Domingos.
Teria apenas de sombrear mais negro o quadro que agora se lhe deparava.
É que trezentos anos, até para a vida de um rio - e se este sofre, como o Mondego, de doença crónica -, não passam impunemente, não correm sem palpável e cruciante agravamento dos males.
Êsse agravamento é, afinal, a prova provada da justeza e clarividência com que Frei Luiz de Sousa, há mais de três séculos, viu o problema do Mondego, e mostra ainda quanto justificado fôra o brado dolorido destas suas palavras: «A causa de tanto mal sabida he, e não está tão sem remédio polo estado a que tem chegado , como por ser negócio público, porque estes quasi em nenhuma parte do mundo teem hoje amparo ou raledôr».
Assim era, Sr. Presidenta, no tempo de Frei Luiz de Sousa.
Assim continuou a ser nos trezentos anos até hoje decorridos.
Mas que deixe de ser assim neste momento da vida nacional!
Que possamos todos abençoar a hora em que o assunto veio à Assemblea Nacional -não por mim, não pelas minhas palavras, que nada valem (não apoiados}, mas pelo que a questão em si envolve de justificado anseio e de legítima aspiração de muitos milhares de portugueses, e até, pode bem dizer-se, do País inteiro - porque esta é, na verdade, uma causa nacional.

Sr. Presidente: os campos de Coimbra, esse belo rincão de terrenos que formam o vale do Mondego até Montemor, e até Lares e Figueira da Foz, com área superior a 17:000 hectares, estão sob ameaça alarmante de ruína, pelo assoreamento assustador, sempre crescente, do rio.
O Mondego, que através dos séculos foi o elemento fertilizante, o factor por excelência da exuberância de toda aquela região, transformou-se em agente de morte, em elemento de destruição das terras que o ladeiam.
Entre Coimbra e Montemor corre hoje o rio como grande caleira em nível superior ao dos terrenos marginais.
E não comportando já, pelo volume e intensidade da corrente, o caudal das cheias do inverno - as erosões das margens, sob a violência das águas, originam a cada passo essas malfadadas quebradas, verdadeiros cataclismos, espectros de miséria e desolação.
Rompem-se as motas e, pelas bocas que se abrem, precipitam-se as areias em milhões de toneladas sobre vastas áreas de cultura - terras fertilíssimas, que são ouro, pela riqueza do seu poder criador.
Sepultam-se os campos sob extensas mortalhas arenosas e vão para a miséria os homens, que já assim vivem em sobressalto pela expectativa torturante de perderem num momento o seu pão, sujeito às cheias com que o rio engrossa e transborda no inverno.
Eis em poucas palavras a situação actual - o quadro negro dos campos do Mondego!
É este o objecto do meu aviso prévio - a que V. Ex.ª Sr. Presidente, com noção perfeita da grandeza e oportunidade que nele se contêm, não hesitou em conferir esse mesmo -sentido de urgência de que o acompanhei.

Ao entrar na análise de assunto de iam grande projecção e VII ai interesse, eu pregunto se estaremos, porventura, em face de simples questão de carácter regional ou se ele não será, em mais vasto âmbito, como causa nacional, um problema político, económico e técnico que urge resolver.
Há que considerá-lo, de facto, nos seus aspectos político, económico e técnico, como verdadeiro problema nacional.
Bem merece até que o encaremos no campo da geografia humana - das relações que ligam o homem com a terra -, que Vidal de la Blache, Jean de Brunhes, Frederic Ratzel e outros sobrepõem à geografia política e à geografia económica, entrando em mais largo campo de concepções e mostrando que aos fenómenos infinitamente variáveis e variados verificados à superfície da terra - pertença da geografia física, e de que participa já a actividade do homem - se alia intrinsecamente essa mesma actividade humana como uma das forças da Natureza, parte integrante do conjunto de fenómenos terrestres, em paralelo com êles,