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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 3
ANO DE 1938 29 DE NOVEMBRO
II LEGISLATURA
SESSÃO INAUGURAL DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 28 de Novembro
Sob a presidência de S. Ex.ª o Sr. general António Óscar de Fragoso Carmona, Presidente da República Portuguesa, que tinha à sua direita S. Ex.ª o Sr. Doutor António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho, e o Sr. general Eduardo Augusto Marques, Presidente da Câmara Corporativa, e à esquerda S. Ex.ª o Sr. Doutor José Alberto dos Reis, Presidente da Assemblea Nacional, e o Dr. Botelho de Sousa, Presidente, do Supremo Tribunal de Justiça, realizou-se ontem na Sala das Sessões da Assemblea Nacional a sessão inaugural da II Legislatura.
Estavam presentes S. Exas. os Srs. Ministros do Interior, Justiça, Marinha, Obras Públicas, Colónias, Educação Nacional, Comércio e Indústria e Agricultura, e Sub-Secretários de Estado das Corporações e Previdência Social, da Guerra, das Finanças e das Obras Públicas: Sua Eminência o Sr. Cardeal Patriarca, de Lisboa: o Corpo Diplomático acreditado em Portugal; altos dignitários do exército, da armada e do funcionalismo civil.
Ás 16 horas e 26 minutos deu entrada, na sala, onde já se encontravam, os Srs. Deputados e Procuradores à Câmara Corporativa, o cortejo presidencial, no qual se encorporararam comissões parlamentares de recepção ao Chefe do Estado e o Governo. A assistência saüdou com entusiásticos aplausos os Srs. Presidente da República e do Conselho.
O Sr. Presidente da Assemblea Nacional, às 16 horas e 30 minutos, declarou aberta a sessão, em, nome de S. Ex.ª o Sr. Presidente, da República. S. Ex.ª o Chefe do Estado leu então a seguinte mensagem à Assemblea Nacional:
SENHORES DEPUTADOS E DIGNOS PROCURADORES À CÂMARA CORPORATIVA:
No cumprimento do grato dever que me é imposto pela Constituição, abro hoje a 2.ª Legislatura da Assemblea Nacional, e este facto seria já motivo suficiente, se outras razões não existissem, para que eu fizesse algumas considerações sobre a situação geral do País e alguns dos mais importante? problemas que se propuseram à Nacão nos últimos tempos.
A obra de ressurgimento material, há tanto exigida e desde alguns anos iniciada com entusiasmo, tem continuado com ritmo crescente, como se justificava pela sua alta importância; e é de desejar que não afrouxe nos anos próximos, ainda que a defesa nacional obrigue a reservar somas importantes que em tempos mais calmos ou menos perigosos seriam em grande parte destinadas ao fomento económico e à elevação das condições de vida do nosso povo.
Também no domínio moral e político se verifica verdadeiro renascimento, embora aqui os resultados nem sempre sejam visíveis ou neles se atente menos. Temos vivido na ordem e aia paz, sem que reflexo ou repercussão de exemplos ou sugestões exteriores se tenha sentido em qualquer ponto do Pais ou em qualquer sector da actividade nacional. Tal conquista, para nós infelizmente habituados durante tantos anos às desordens provenientes das competições políticas, é sinal evidente de que o País encontrou o seu equilíbrio e antigo modo de ser. Puderam estabelecer-se as condições para a colaboração dos melhores valores nacionais e a Nação está de facto entregue ao esforço e dedicação de todos os seus filhos.
Tem-se continuado a promover a organização corporativa, e a examinar com cuidado as realizações de modo que possa rectificar-se sem graves prejuízos o que a experiência porventura aconselhe a emendar. A transformação desejada prossegue sem impaciências, mas sem demoras prejudiciais, embora com o cuidado que empresa tam delicada exige. É preciso, por um lado, ir deduzindo dos grandes princípios construções parcelares, e, por outro, encaminhando as situações estabelecidas para a nova ordem de cousas. O destino de um povo é sem dúvida obra sua, mas para que verdadeiramente o seja há-de ele mesmo fazer a experiência dos
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princípio que segue; todavia as experiências sociais são já realizações que afectam a vida e bem-estar dos homens ou a sua actividade, o que exige naturalmente que se caminhe com aquela segurança que só a prudência pode dar. Nesta ordem de ideas se filiam as recentes reformas. Pode dizer-se que o quadro da organização ficou definido com o último diploma sobre corporações e ao mesmo tempo mais clara ligação entre estas e a Câmara Corporativa. Assim, ao mesmo tempo que prossegue a obra de organização política da Nação e o aperfeiçoamento dos seus órgãos constitucionais, é montada a máquina que, com espírito de fraterna colaboração, há-de trabalhar para a conciliação dos interesses materiais ou morais da colectividade, na ordem, na justiça e no aspeito pelo interesse geral.
No terreno das relações internacionais afirmámos desde o primeiro momento a nossa preocupação de evitar que a solução dos nossos problemas constituísse para outros países origem de dificuldades ou perturbações, e a essa preocupação nos temos mantido fiéis. Pensamos assim servir mais do que por outras formas o interesse comum e as boas relações entre os Estados, embora nos não tenhamos hirtado nunca a dar a nossa cooperação sempre que nos foi solicitada, em ordem à paz, à tranquilidade ou á prosperidade do Mundo.
Desta maneira de proceder e da dignidade e independência da nossa vida pública tirámos naturalmente as vantagens da nossa presente situação internacional, das relações de boa amizade com a generalidade dos países estrangeiros e do retorço e estreitamento da aliança com a Inglaterra. Tem-nos esta nos últimos tempos prodigalizado as mais expressivas demonstrações de estima, de segurança e de desejo de íntima colaboração, a que temos correspondido, designadamente com o estudo de problemas que interessam à defesa comum dos dois países, só sendo de lastimar que, a propósito de questões que a nós não compete resolver, se aventem ainda naquele país, a cada passo, embora em domínios estranhos à acção governativa, hipóteses ou soluções em que parece se desconhecem ao mesmo tempo os nossos direitos mais sagrados e as obrigações que sobre a nação aliada impendem para salvaguarda e defesa dêles.
O conflito espanhol tem constituído para nós fonte de grandes preocupações.
Poderia interessar-nos só para o lastimarmos pelos horrores que causa e pelos prejuízos que traz à nação, mais do que simples vizinha, nossa irmã, se não se apresentasse com carácter especial, pois parece que tudo se preparava pura criar ali mais um ponto de apoio para a transformação revolucionária do Mundo.
As declarações feitas, os processos de actuação, as solidariedade existentes com inimigos da nossa tranquilidade e da independência nacional, na lógica de doutrina que negava a própria existência das nações e fomentava toda a revolta contra o poder em países estranhos, convenceram-nos do valor internacional do conflito e especialmente do seu interesse para Portugal. Na conformidade deste pensamento procedemos sempre, defendendo-nos apenas, quando deixámos de manter relações com quando as reatámos com outros, mas sem, em qualquer caso, esquecermos nem o que devemos à nossa dignidade nem o que se deve à solidariedade e à inteira independência das duas nações peninsulares.
Visitei no corrente ano algumas colónias da África Ocidental e pena tenho de não ter podido estender a todo o Império esta visita, que motivos importantes recomendavam, além do desejo pessoal de conhecê-lo.
Sabia que seria grato aos que ali trabalham e lutam que o .Chefe do Estado os visitasse; por outro lado, também os portugueses do continente desejariam que se significasse aos de além-mar a sua amizade e assistência permanentes; e foi-me sumamente grato transmitir a todos estes sentimentos.
Pude ver e com que orgulho! as pegadas dos homens heróicos do passado que tam longe e por tam difíceis caminhos andaram a dilatar o Império; senti que de toda a terra de África se estava ainda o sopro da sua legenda e pude certificar-me também de que os portugueses que estão para além do mar, através de tantos trabalhos e de tantas dificuldades e desgostos, guardam sempre viva, trazendo-a dentro de si a sagrada chama da Pátria!
Pude verificar o esforço enorme dos portugueses na obra colonizadora, certificar-me dos progressos efectuados tanto no campo agrícola, como no comercial e industrial, admirar o magnífico esforço realizado em S. Tomé e sentir na grande colónia de Angola e em toda a parte a ilusão de me encontrar em qualquer lugar do continente, pois que onde o homem actuou a vida e a fisionomia do meio relembram a cada momento a terra portuguesa. São os mesmos os sentimentos, igual a doçura dos costumes, idêntica a sobriedade dia gente que a habita. A crise que incidindo sobre a produção colonial com maior intensidade, gerou ruínas materiais e destruiu interesses legítimo não conseguiu abalar o moral dos portugueses.
É-me consolador lembrá-lo neste momento e daqui saúdo esses homens heróicos que tam grandes serviços prestam ao seu País, porque eu penso que, se em qualquer parte um português pode honrar Portugal, mais honra lhe dá servindo-o no seu Império, exactamente porque aí o posto é mais difícil.
De vez em quando, com intuitos para nós mais do que suspeitos, fala-se nas colónias portuguesas ou em parte delas como objecto de qualquer transacção. Os que assim falam desconhecem talvez que as províncias portuguesas de além-mar entraram na património da Nação à custa do trabalho, dos sofrimentos e do sangue dós portugueses e que quando as ocupámos não existia em qualquer desses territórios, e de outros que algumas nações hoje dominam, nem governos nem civilização, tendo nós criado tudo o que existe. Isto quere dizer que, tendo-as ocupado à custa de tantas vidas e de tam grande sacrifício de riquezas, trabalhando-as e civilizando-as com amor, não as avaliamos em dinheiro, e que portanto as consideramos fora de todos os acordos ou combinações: sap partes de nós mesmos e formam com o continente um todo uno e incindível que nenhuma vontade nossa ou alheia pode por isso mutilar.
Resolveu o Governo que se celebrassem, com o esplendor e dignidade próprios dos grandes acontecimento, os centenários da Fundação e Restauração de Portugal, que ocorrem nos próximos anos. Entende-se que as comemorações serão uma grande festa nacional e ocasião de se afirmar mais intensamente ainda a nossa vitalidade. E natural que Governos estrangeiros queiram por essa ocasião associar-se e prestar homenagem à nossa contribuição civilizadora, e desde já consideramos bem-vinda a sua colaboração. Mas é sobretudo aos portugueses que se impõe o redobrar de esforços para que aos nossos próprios olhos tanto como aos olhos de estranhos o presente por nós criado seja digno do passado que herdámos de nossos maiores.
Sempre desde que ascendi u suprema magistratura do Estado e em toda a parte, em qualquer canto de Por-
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tugal, tenho sido acolhido em condições que me comovem e enternecem. É sem dúvida sempre esta a atitude do povo português para aqueles que eleva aos mais altos postos e que neles procuram através de tudo cumprir o seu dever, mas desejo relembrá-lo aqui, com o mais vivo agradecimento a toda a Nação.
Confiado na Providência, na colaboração do País, na dedicação do Governo, especialmente do seu insigne Presidente na competência e patriotismo da Assemblea Nacional e da Câmara Corporativa, espero que o povo português continuará incansável a obra do seu ressurgimento é nesta esperança que abro a nova Legislatura.
Lisboa, 28 de Novembro de 1938. - O Presidente da República, ANTÓNIO ÓSCAR DE FRAGOSO CARMONA.
Conclua a leitura, toda a assist~encia de ovacionou, durante alguns minutos, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Ás 16 horas e 40 minutos o Sr. Presidente da Assemblea Nacional disse: - «Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Marques de Carvalho para apresentar cumprimentos e saudações ao Sr. Presidente da República em nome dos Deputados da Assembleia Nacional».
O Sr. deputado marques de Carvalho subiu á tribuna e pronunciou o seguinte discurso:
Exmo. Sr. PRESIDENTE DA REPÚBLICA:
Designado para dirigir a V. Ex.ª as saudações respeitosas da Assemblea Nacional e os agradecimentos mais vivos pela honra insigne que veio dar a esta casa eu sinto - sem o menor traço de falsa modéstia - que as minhas palavras na o podem estar à altura do acontecimento. Mas, Sr. Presidente da República, tranquiliza-me a circunstância manifesta de que por mais descoloridas que sejam, por mais despidas de conteúdo, não conseguirão, na sua insuficiência, apagar o alto significado da presença honrosíssiraa de V. Ex.ª O facto é eloquente por si mesmo, pois nos coloca a nós no dia primeiro desta Legislatura, a receber do Chefe do Estado uma mensagem que por nosso intermédio, se dirige à Nação.
Dêsse modo a delegação nacional que ostentamos atinge, de forma objectiva, a sua plenitude. Mas, além disso. V. Ex.ª Sr. Presidente da República, é o Chefe de Estado que preside, na sua magistratura altíssima, ao desenvolvimento da obra da Revolução Nacional e nós, se somos constitucionalmente um órgão do Estado, somos também queremos decididamente sê-lo um órgão dessa Revolução!
Sr. Presidente da República: não tem nesta casa expressão aquilo que divide os portugueses. Tem-na, e a mais nítida, aquilo que os une: um acendrado orgulho nacional, uma consciência de povo com destino, uma noção exacta dos deveres para com uma civilização cimentada pelo sangue dos seus maiores.
Trouxe-nos aqui um acto de verdadeira união nacional, e não ascendemos aos nossos mandatos pêlos acasos mesquinhos de lutas entre portugueses. Sabemos bem que a nossa eleição representa um referendum e um crédito, e por um o por outro nos consideramos ligados à obra revolucionária do Estado Novo, postulando para a
nossa actuação a preeminência do seu serviço.
Disso V. Ex.ª. Sr. Presidente da República, que o destino dum povo é essencialmente obra sua. Nós queremos forçar o nosso, e é assim que a experiência política portuguesa e a forma específica como estamos fazendo a nossa Revolução atestam ao Mundo virtualidade» criadoras muito para além de moldagens servis de experiências alheias. Vamos avançando, cautelosamente, na orgânica corporativa do Estado, e nesse aspecto, verificado que o rumo está certo, só há que ir rectificando, com firmeza, inevitáveis desvios de coordenadas.
Aludiu V. Ex.ª, Sr. Presidente da República, à nos««a situação internacional.
Nesse plano ganhou singular projecção e estranho relevo o renascimento português e foi possível ver-se que uma obra eminentemente nacional servia, afinal, por acréscimo, a causa comum da tranquilidade dos povos. |Representamos na Europa uma cidadela da ordem e negamos as terras sagradas da Pátria aos semeadores do ódio e aos cultores diabólicos das flores do Mal! E é assim que no jogo do equilíbrio europeu aparece valorizada como instrumento de actuação a aliança anglo-lusa, podendo considerar-se, pelo nosso renascimento, como constituindo já um binário de forçais.
A referência de V. Ex.ª Sr. Presidente da República, à viagem presidencial às terras do Império foi por certo, unia das que mais nos poderia sensibilizar.
Realizou-se com ela o natural desenvolvimento da política tam clarividentemente definida por Salazar no Acto Colonial, mareando no tempo e no espaço o carácter uno do Portugal de aquém e de além-mar.
Quando V. Ex.ª na Ponta do Zaire, proclamou perante o Mundo essa unidade, eram bem oito séculos de História a dar meridiana luminosidade a esse instante de solene afirmação!
Fez V. Ex.ª essa viagem sem precauções militares, sem guardas pessoais e sem aparatosas disposições de segurança. Nada que evocasse domínio pela conquista, pois o domínio pelos vínculos morais foi sempre a característica marcante da colonização portuguesa! As nossas colónias não são assim possessões mais ou menos lucrativas da Nação! Não! Formam com ela um todo uno e indivisível, inteiramente à margem de quaisquer negociações entre os povos.
Foi isto mesmo que a viagem presidencial quis afirmar ao Mundo, e, ao empreendê-la é justo proclamá-lo em nome da Assemblea Nacional. V. Ex.ª bem mereceu da Pátria!
Vêm aí as comemorações centenárias. A Fundação e a Restauração de Portugal serão evocadas festivamente e uma lição de história poderá ser tomada por outros povos. Honradamente talhámos o nosso lugar no Mundo, honradamente o assegurámos e defendemos, honradamente servimos a Humanidade e a Civilização através de esforços heróicos e de canseiras sem conta.
Vieram depois a fadiga, o esgotamento e os desatinos. As virtudes da Grei existiam, porém; as possibilidades reaccionais não se haviam perdido; a Providência não denegara as determinantes da nossa vocação, é assim, em pleno ciclo de renascimento, que as comemorações se vão efectuar.
A Assemblea Nacional orgulha-se de ser mandatária do País neste período histórico e. dentro desse mandato, eu formulo por ela os votos mais vivos pela preciosa saúde de V. Ex.ª para engrandecimento da Pátria, para Bem da Nação!
Eram 16 horas e 53 minutos.
A assistência novamente se manifestou com aplausos calorosos aos Srs. Presidentes da República e do Conselho.
A sessão foi encerrada às 16 horas e 55 minutos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPBENSA NACIONAL DE LISBOA