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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 45

ANO DE 1939 3 DE MARÇO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.° 43 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 2 de Março

Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Ex.mos Srs.
Manuel Lopes de Almeida
Gastão Carlos de Deus Figueira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com rectificações, o Diário n.° 44, relativo às duas últimas sessões.
O Sr. Presidente declarou que iam ser remetidas aos Srs. Deputados Juvenal de Araújo e Abel Varzim as respostas aos pedidos de informação por eles formulados.
O Sr. Presidente anunciou que estavam na Mesa os seguintes decretos para serem submetidos à ratificação da Assemblea: n.°s 29:465, 29:468, 29:469 e 29:470.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Botto de Carralho, Luiz de Pina, Belfort Cerqueira e Carlos Moreira.
O Sr. Presidente, depois de várias considerações, consultou a Assemblea sobre a data do encerramento da actual sessão legislativa.
Posta à rotação a consulta do Sr. Presidente, a Assemblea resolveu que a referida sessão legislativa terminasse na próxima sessão da tarde.

Ordem do dia. - O Sr. Presidente, depois de declarar que ia pausar-se à ordem do dia, constituída por uma sessão de estudo, encerrou a sessão plenária às 11 horas e 47 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 78.
Sr. Deputado que entrou durante a sessão, 1.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 5.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
Angelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
Clotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.

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424-DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 45

João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches;
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Samuel de Matos Agostinho de Oliveira.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Vasco Borges.

Sr. Deputado que entrou durante a sessão:

Alberto Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Ribeiro Lopes.
João Garcia Nunes Mexia.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: -Vai proceder-se à chamada.
Eram 11 horas e 3 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente:-Estuo presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em discussão o Diário das duas últimas sessões.

O Sr. Antunes Guimarãis: -Pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das duas últimas sessões: a p. 414, col. 2.ª, 1. 2.ª em vez de "direcção", deve ler-se "dirigismo"; a p. 415, col. 1.ª, 1. 54.ª em vez de "simples", leia-se "errada"; ë na linha a seguir, adiante de "limitara", acrescente-se "depois".

O Sr. Sá Carneiro: -Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das sessões de ontem: a p. 415, col. 2.ª, 1. 41.ª, em vez de "indicação", deve ler-se "indicação"; e mais abaixo, nas Is. 47.ª e 52.ª, em vez de "indicados", deve ler-se "indiciados".

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovado o Diário com as alterações apresentadas.
Está na Mesa uma informação que tinha sido pedida pelo Sr. Deputado Juvenal de Araújo.
Está também na Mesa outra informação que tinha sido pedida pelo Sr. Deputado Abel Varzim.
Vão ser remetidas a S. Ex.ªs
Estão na Mesa, para serem submetidos à ratificarão da Assemblea, os decretos-leis n.ºs 29:465, 29:468, 29:469 e 29:470, publicados, o primeiro, no Diário do Governo de 27 de Fevereiro e os três últimos no Diário do Govêrno de 1 do corrente.
O decreto-lei n.° 29:465 autoriza o Ministério da Educação Nacional a alugar o palácio dos Condes da Ribeira, na Rua da Junqueira, para instalação da secção do Liceu Pedro Nunes.
O decreto-lei n.° 29:468 restabelece a freguesia de S. João da Talha, do concelho de Loures, que será desanexada da freguesia de Santa Iria da Azóia e ficará com a sede e área que tinha à data da anexação.
O decreto-lei n.° 29:469 abre um crédito destinado à concessão de um subsídio à Campanha de Auxilio aos Pobres no Inverno.
O decreto-lei n.° 29:470 regula a repartição das taxas de trânsito devidas ao Govêrno Português pelas companhias dos cabos submarinos, bem como o processo a seguir no pagamento das mesmas taxas.

O Sr. Botto de Carvalho:-Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Governo para um assunto que me parece estar inteiramente no ânimo desta Assemblea.
Pude constatar que, desde o inicio dos trabalhos deste período da sessão legislativa, mereceu sempre uma atenção especial o problema do trabalho nacional em relação à concorrência dos estrangeiros. E assim foi que eu pude verificar ter-se chamado a atenção do Governo, ou ter-se legislado, no sentido de que fosse dada aos trabalhadores nacionais aquela protecção que eles merecem e as circunstâncias justificam.
Parece-me, porém, que é preciso chamar a atenção do Governo para este problema relativamente aos artistas portugueses, quanto à expressão, ao sentido ou à interpretação de realizações que devam ter significado nacional.
Não compreendo bem como é que qualquer produção artística representando uma idea nacional possa ou deva ser confiada à execução ou interpretação de artistas estrangeiros, que necessariamente não possuem uma mentalidade nem uma sensibilidade que lhes permita interpretar, sentir e representar uma idea nacional numa época de revolução nacionalista.
Porque, Sr. Presidente, me parece que o problema deve ser apenas posto no seu aspecto genérico, dispenso-me de qualquer pormenorização e permito-me chamar para ele a atenção do Governo Português.
E, aproveitando estar no uso da palavra, desejo ainda chamar a atenção do Governo para que, pelo Ministério ou Ministérios competentes, tendo-se em consideração a forma como foi nesta Assemblea discutido e votado o projecto de lei relativo à assistência de menores a espectáculos públicos, se efectue a regulamentação dessa lei e se promova a sua entrada em vigor de modo a que rapidamente se possam atingir os fins que determinaram a atitude da Assemblea Nacional.
Tenho dito.

Vozes:-Muito bem!

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O Sr. Luiz de Pina -Sr. Presidente: em 16 de Fevereiro passado manifestou esta Asserablea, por unanimidade, em moção apresentada pelo ilustre Deputado Dr. Abel Varzim, o reconhecimento da obra social executada por intermédio da organização corporativa do trabalho nacional e por estas palavras traduziu um desejo: "confia em que o Governo mantenha o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência nas condições de exercer uma acção eficaz no sentido de valorizar os sindicatos nacionais e da realização de uma melhor justiça social".
Isto, como disse, foi aprovado por unanimidade por esta Assemblea Nacional, que reconhece, justamente, os altos benefícios prestados aos trabalhadores portugueses pela instituição dos sindicatos nacionais e pela acção do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
Dentro do sentido daquelas palavras é que direi hoje mais algumas. Sou dos que crêem sinceramente nessa obra. Entendo, porém, que a este Instituto compete ainda tarefa mais larga e delicada!
Nota-se, e já publicamente o afirmei, que o trabalhador, o operário, como unidade jurídico social, está bem definido no nosso País. jllesta definir o operário como, o artífice biológico, o homem-máquina, emfim, o homem músculo e cérebro, carne e nervos, corpo e espírito!
E são tantos os problemas: reforma de ferramentas, fadiga, alimentação racional, ambiente de trabalho, habitação, habilidade manual, repouso, férias, especialização do operário (escolas, viagens de estudo, etc.), orientação profissional, etc.
Eis o que falta: o estudo dos trabalhadores no ponto de vista biológico, o seu estudo biopsíquico. Por isso eu dizia que ao Instituto cabe tarefa mais larga. É essa!
De facto, no que respeita à assistência cientifica no trabalho, à psicotécnica industrial, à ciência do trabalho, como lhe chama o Prof. Agostinho Gemelli, ilustre director do laboratório de psicologia da Universidade Católica do Sacro-Cuore, em Milão, Portugal não demonstra aquele mesmo carinho, aquela mesma solicitude real e profícua que tem dado à parte jurídica do trabalho nacional.
E tempo é de começar. Todos sabem como a tarefa cuja falta aponto está a sor executada em muitos países. A Alemanha e a Itália, para não sairmos da Europa, são exemplos dignos de muita atenção. Basta ler-se, entre outros estudos que revelam o alcance dessa obra na Itália Nova de Mussolini, o trabalho do Prof. Gemelli sobre Os problemas actuais da psicotécnica na indústria nacional, que o mesmo é dizer da Scienza del Lavoro.
Da actividade científica de Gemelli, de Niceforo, de Vidoni, de Ferrari, de Cimatti e tantos outros cultores dessa especialidade surgiam estudos interessantíssimos sôbre a aplicação da psicologia à indústria, selecção dos pilotos da aviação, habilidade manual, selecção de aprendizes, organização racional do trabalho, os princípios fordianos, o hábito no trabalho, a introspecção na orientação profissional, efeitos psíquicos do trabalho manual, fadiga, etc.
Gemelli, em 1931, propunha que no Instituto per lo Studio del Lavoro fôssem criadas condições pura estudo e aplicações práticas da fisiologia, da psicologia e da patologia, abrindo-se as seguintes secções:

a) Fisiologia do trabalho;
b) Psicotécnica;
c) Doenças profissionais;
d) Acidentes de trabalho. Seguros.

E comenta o sábio professor da Universidade Católica de Milão:
"É absurdo pensar que somente o engenheiro, o economista ou o técnico ditem leis reguladoras do trabalho humano e determinem os modos, os limites, as formas
dêste. Notável parte desta tarefa cabe ao psicólogo. Ou, melhor, a determinação das leis do trabalho humano pode ser feita de várias maneiras: técnica, económica, fisiológica, psicológica, pedagógica. Nenhuma deve desprezar-se, porque cada uma tem importância própria e é insubstituível".

E no que respeita ao princípio do aumento da produção industrial, diz mais Gemelli:
"Não se procure na indústria, somente, a maior produção; é preciso equilibrar a exigência da produção com a do organismo humano, ao qual se devem evitar esforços excessivos ou supérfluos e todos os danos inúteis".

São muitos e profundos os problemas científicos com que se relaciona o trabalho.
E no que toca à crise da ocupação de trabalhadores e, nestes, à sua inhabilidade ou inaptidão haveria muito que fazer entre nós. O problema não é somente social, não é apenas económico: é, sobretudo, um problema psicológico. Já expus noutro lugar, e sucintamente, esta doutrina, para aqui a não repetir.
Ocuparia algumas horas, se pudesse, a falar destes problemas, fundamentalmente médicos ou, se quiserem, biológicos.
O estudo do homem que trabalha, no ponto de vista da sua compleição física e psíquica; das condições higiénicas da sua actividade; da máquina, do ambiente e da alimentação; da idade, do sexo e do estado; da cultura, mormente a profissional; da prevenção de acidentes, etc., merecem a atenção mais delicada do Governo Nacional.
Tempo é já de prestá-la!
Estas minhas palavras revelam, na sua sinceridade e no momento de encerrar-se esta 1.ª sessão legislativa, o anseio natural para o aperfeiçoamento dessa importantíssima instituição criada pelo Estado Novo Português, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
Como modesto investigador científico da personalidade humana, como médico, como português e como admirador da já fecunda tarefa da organização sindical dos trabalhadores portugueses, eu daqui peço que sejam dispensadas ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência as condições necessárias ao preenchimento da falta que acabo de significar a esta Assemblea.
Sr. Presidente: a V. Ex.ª, muito particularmente, eu apresento esta sugestão, pedindo que lhe preste o indispensável cuidado.
Disse.

Vozes:-Muito bem!

O Sr. Belfort Cerqueira: - Sr. Presidente: foi há dias distribuído o parecer da Câmara Corporativa sobre um projecto de lei que tive a honra de apresentar nesta Assemblea.
A urgência e a importância da electrificação rural foram corroboradas pelo próprio relator do parecer da Câmara Corporativa nestes termos:

"Por isso a electrificação rural, realizada em termos de a energia eléctrica se prestar economicamente para os trabalhos agrícolas que exigem fôrça e para a rega e o enxugo dos campos, dará um factor revolucionário da produção agrícola e até do povoamento o do arranjo social agrário. Um dos maiores factores do progresso da agricultura portuguesa".

Verifica-se, porém, Sr. Presidente, na iminência de terminarem os nossos trabalhos, que já não haverá tom pó para se trazer ao apreço e à discussão da Assemblea Nacional o meu projecto de lei. Por isso não quero nem posso deixar de produzir um esclarecimento que reputo

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indispensável pela conclusão a que chegou o parecer da Câmara Corporativa, que é do seguinte teor:
"Porque a electrificação rural é uma actividade a integrar na electrificação geral do País, devo ser estudada no plano desta; e por isso este projecto deverá aguardar a proposta de lei do Governo e nela ser considerado".

Ora, Sr. Presidente, a electrificação rural é, de facto, uma actividade a integrar na electrificação geral do País; como, porém, ela terá de desenvolver-se num meio onde as condições serão essencialmente diferentes das daquele meio onde possivelmente se irão estabelecer as realizações da grande produção e do grande transporte da energia eléctrica, dado que no último a concorrência das iniciativas é volumosa emquanto no primeiro falece por completo, julgo evidente que a electrificação rural põe um problema jurídico e administrativo para atender à economia, ao financiamento e até à técnica do sistema, que exige soluções particulares e independentes.
Não deixa por isso a electrificação rural de ser uma parte integrante da electrificação do País, mas tem uma política própria, que lhe dá individualidade.

Vozes:-Muito bem!

O Sr. Antunes Guimarãis:- V. Ex.ª permite-me uma rápida interrupção?

O Orador: -Faz obséquio.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Eu estou absolutamente de acordo com V. Ex.ª sobre a alta importância e flagrante oportunidade de se tratar da electrificação rural, importante capítulo do problema da electrificação, e posso afirmar que quando V. Ex.ª desse lagar anunciou o seu projecto de lei eu aplaudi-o e intimamente me felicitei por V. Ex.ª trazer à Assemblea Nacional um tam importante assunto; e felicitei-me porque calculara que o Governo aproveitaria tam especial ensejo para trazer à Assemblea Nacional, simultaneamente com o projecto de V. Ex.ª, a solução em que anda empenhado, quanto ao grande problema da electricidade, considerado em todo o seu conjunto.
O projecto de V. Ex.ª, embora tendo individualidade, como V. Ex.ª muito bem disse, integra-se no problema da electrificação, no qual há que contar, além da distribuição rural, com a produção do energia e respectivo transporte e ainda com uma fórmula de conexão de todas as empresas e de coordenação do todos os elementos abrangidos na electrificação, para que se evite a actual disparidade profundamente deletéria que se verifica nas grandes diferenças de tarifas de concelho para concelho, as quais vão muitas vezes ao dobro e ao triplo, com reflexo nocivo nas actividades económicas, por isso que, consoante os concelhos onde laboram, as coloca em circunstâncias desiguais.
Mas há também a registar o preço da electricidade, geralmente incomportável e absolutamente proibitivo para a lavoura, que é a parte da actividade nacional que mais interessa ao projecto do V. Ex.ª.
Felicitei-me, já o disse, porque esperava que o Governo trouxesse, com o projecto de V. Ex.ª, a solução desse magno (problema, cada vez mais instante e urgente.
Eu sei que êsse problema é muito transcendente e cheio de dificuldades.
O Governo, dirigido por um estadista eminente, e, em especial o titular das Obras Públicas, bem sabem que êste assunto não pode resolver-se com fórmulas geométricas, estudadas nos gabinetes, pois tem de adaptar-se às realidades, às exigências de todos os pontos do País, bem como às possibilidades de cada região, para que do auxílio da electricidade venha a resultar um amparo profícuo, aliás bem necessário, a todos os que trabalham em Portugal.
Quando nós pugnamos pelo estabelecimento de indústrias, particularmente de pequenas oficinas, nos meios rurais, quando defendemos o desenvolvimento de iniciativas privadas, não queremos que tal se faça num ambiente de rotina. Nós, homens do Estado Novo, queremos que todos esses elementos de trabalho aproveitem, tanto quanto possível, os recursos que à nova técnica devemos.
E, para terminar esta interrupção, permita V. Ex.ª que eu diga também duas palavras de homenagem ao Governo, porque se o problema da distribuição eléctrica aias zonas rurais não tem sido tratado com a envergadura desejada pelo Sr. Deputado Belfort Cerqueira e por todos nós, tom contudo merecido toda a atenção do Govêrno. Já em 1931, quando foi publicado o decreto dos melhoramentos rurais, se previra a sua generalização às redes eléctricas rurais, mediante comparticipação do Estado, autarquias e mais interessados. E se a escassa verba anual de 10:000 contos não permitira desde logo tal aplicação, o certo é que aquela fórmula de equilibrada e útil cooperação pôde ser aplicada mercê do Fundo de Desemprêgo. Se compulsarmos a Estatística de Instalações Eléctricas, publicada em 1938 pela Junta de Electrificação Nacional, verificaremos que já suo bastantes as rêdes de electrificação rural levadas a efeito mercê da fórmula estabelecida em 1931 para melhoramentos rurais.
Termino, porque não tenho o direito de tomar o tempo que pertence a V. Ex.ª, Sr. engenheiro Belfort Cerqueira, saüdando-o pela sua iniciativa e fazendo votos por que o Governo, na próxima sessão legislativa, traga a esta Assemblea Nacional uma proposta de lei sobre produção, transporte, conexão, coordenação e tarifas eléctricas, a qual, completada pelo projecto de lei do Sr. engenheiro Belfort Cerqueira, constituirá o Código de Electrificação, que o País requere para que a economia nacional disponha, finalmente, de energia eléctrica em condições de preço e com garantias técnicas para que ao povo português sejam facultadas condições de trabalho e de viria já em vigor em quási todas as outras nações o que a política, acertada do Estado Novo não deixará de nos proporcionar com a possível brevidade.

O Sr. Presidente: -Está quási esgotado o período de dez minutos de que dispunha
o Sr. Deputado Belfort Cerqueira para fazer as suas considerações. Não posso, portanto, permitir que o Sr. Deputado Antunes Guimarãis dilate por mais tempo a sua interrupção.
O problema é do maior interêsse e fica registado que se chama a atenção do Governo para ele.
Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Belfort Cerqueira, a quem peco o obséquio de concluir rapidamente.

O Sr. Botelho Neves: -V. Ex.ª, Sr. Deputado Belfort Cerqueira, dá-me licença?
Todos os anos, quando a Assemblea termina os seus trabalhos, eu tenho protestado porque mais um ano da Revolução Nacional é passado e o País continua sem um plano geral de electrificação.
Como o trabalho que V. Ex.ª elaborou ficou amarrado ao plano geral do electrificação, eu tenho a esperança de que V. Ex.ª me possa informar de alguma cousa de concreto a êsse respeito ou, então, eu terei de dizer mais uma vez:
Mais um ano da Revolução Nacional é passado e o País continua sem um plano geral do electrificação!

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O Orador:- Concluindo, posso responder ao Sr. Deputado Botelho Neves, manifestando a esperança de que o esclarecimento que acabo de produzir, quanto à independência do problema, possa servir o interesse nacional na oportunidade em que se pense trazer o meu projecto à discussão da Assemblea Nacional.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Moreira:-Sr. Presidente: em 20 de Janeiro pedi ao Ministério das Colónias informações de que necessitava, para tratar de assuntos que interessam ao ultramar português.
Passados dias, anunciou V. Ex.ª que estavam na Mesa respostas a pedidos de alguns Deputados entre os quais estava indicado o meu nome.
Convém declarar que a resposta respeitante ao meu pedido se limitava a informar que não havia possibilidade de conseguir aqui em Lisboa os elementos que eu pretendia e que iam ser solicitados urgentemente à colónia de Moçambique.
Desejo que esta minha declaração fique exarada e continuarei aguardando os referidos elementos que me interessam.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Comércio comunicou-me que tinha o mais vivo desejo de que se realizasse o aviso prévio do Sr. Dr. Mário de Figueiredo sobre os vinhos da Adega do Dão. Mais: significou-me expressamente que era para ele uma grande contrariedade que o aviso prévio não tivesse lugar.
Declarei-lhe que tudo dependia do que viesse a resolver-se sobra a data do encerramento dos trabalhos da Assemblea. Se os trabalhos findassem hoje, o aviso prévio já não poderia fazer-se, porque não posso, nesta altura, modificar a ordem do dia da sessão desta tarde; se os trabalhos continuarem até sábado, o aviso prévio entrará na ordem do dia da sessão de amanhã.
Acrescentei que nenhuma relação de causalidade havia entre a questão da data do encerramento da sessão legislativa e a realização ou não realização do aviso prévio.
Com efeito assim é. Eu tinha assentado em que os trabalhos da Assemblea iriam até sábado; e tinha assentado nesta idea porque partia do pressuposto de que os três meses de duração da sessão legislativa se contavam de data a data, isto é, de 23 de Novembro a 23 de Fevereiro. Acrescentando a 23 de Fevereiro os oito dias de interrupção do funcionamento da Assemblea, o termo da sessão vinha a cair no dia 5 de Março; e, como êste dia é domingo, a última sessão teria lugar no sábado.
Mas o Sr. secretário da Assemblea Nacional submeteu à minha consideração os embaraços e perturbações de ordem administrativa que resultavam de tal determinação; e verifiquei que, na verdade, o assunto merecia ser considerado, que eram legítimas as dúvidas sobre se era em 2 ou em 3 de Março (pie n sessão legislativa devia considerar-se terminada.
A Constituição diz que a Assemblea abre em 23 de Novembro e funciona durante três meses. Mas como se contam os três meses?
Segundo as regras gerais do direito, há duas maneiras de contar o prazo de meses:
a) Ou de data a data;
b) Ou computando-se cada mês em trinta dias.
Pelo primeiro processo de contagem, a sessão começada em 23 de Novembro termina em 23 de Fevereiro; pelo segundo processo, a sessão começada em 23 de Novembro termina passados noventa dias, isto é, em 22 de Fevereiro.
Supunha eu que nas sessões legislativas da 1.ª Legislatura se tinha adoptado o primeiro sistema; mas das averiguações a que mandei proceder na secretaria resulta que o precedente é no sentido de se considerar a sessão legislativa com a duração de noventa dias.
A verdade é que a questão nunca foi posta, nem examinada, nem discutida. Surge agora pela primeira vez.
O modo como está redigida a lei eleitoral inculca que é de noventa dias a duração da sessão legislativa.
Desde que a questão surge, há que resolvê-la; e deve ser resolvida com plena independência e tranquilidade, segundo a opinião que se julgar mais acertada, sem a preocupação do precedente e sem a preocupação também das consequências que a resolução virá a ter "a ordem dos trabalhos.
Se vier a decidir-se que a sessão termina hoje, fica bem esclarecido e estabelecido que nenhuma ligação há entre tal decisão e o facto de já não poder realizar-se o aviso prévio do Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Apoiados.
Como tinha dito que consultaria a Assemblea, vou realmente consultá-la, mas convencido de que, de facto, a Solução acertada, que se adapta tanto ao precedente estabelecido como ao que se encontra disposto na lei eleitoral, é que a sessão termina hoje.
V. Ex.ªs devem encontrar-se suficientemente esclarecidos. Portanto, julgo que não há necessidade de nenhum debate sobre o assunto.
Apoiados.
Por consequência, vai votar-se:
Os Srs. Deputados que entendem que a sessão legislativa termina hoje deixam-se ficar sentados e os que entendem que a sessão legislativa termina no dia 5 levantam-se.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Em vista do resultado da votação, fica entendido que a sessão legislativa termina hoje.
Como não há mais assuntos a tratar antes da ordem do dia, vai passar-se à ordem do dia, quere dizer, a Assemblea vai funcionar em sessão de estudo, e como o único estudo que tem interesse nesta momento, em vista da resolução que acaba de tomar-se, é o que se refere ao projecto de lei sobre aviação sem motor, é êste assunto que vai ser examinado.

Está encerrada a sessão.

Eram 11 horas e 47 minutos.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

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428 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 45

SESSÃO N.° 44 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 2 de Março

Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Ex.mos Srs.
Manuel Lopes de Almeida
Gastão Carlos de Deus Figueira

SUMÁRIO: - O .Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 24 minutos.

Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra sobre diversos assuntos os Srs. Deputados Vasco Borges, Alberto Cruz, Cancela de Abreu, Álvaro Morna, Juvenal de Araújo e António Pinheiro Torres.

Ordem do dia. - Pausando-se à ordem do dia, iniciou-se e concluiu-se a discussão das contas gerais do listado referentes à gerência de 1937, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Diniz da Fonseca e Braga da Cruz.
Seguidamente foram aprovadas as contas da Junta do Crédito Público, tendo usado da palavra sôbre clas o Sr. Deputado Braga da Cruz.
Finalmente, iniciou-se e concluiu-se a discussão do projecto de lei sôbre aviação sem motor, tendo usado da palavra ou Srs. Deputados Nobre Guedes, Leite Pinto e Santos Sintra.
O Sr. Presidente, declarou terminados os trabalhos da primeira sessão desta Legislatura, encerrando-se a sessão às 17 horas e 50 minutos.

CAMARA CORPORATIVA. - Parecer sobre as rectificações dos mapas do plano de povoamento florestal enviados pelo Ex.mo Ministro da Agricultura.

Srs. Deputados presentes à chamada, 72.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 10.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 2.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Clotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Eduardo Valado Navarro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Carlos Mantero Belard.
João Luiz Augusto das Neves.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Samuel de Matos Agostinho de Oliveira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Artur Ribeiro Lopes.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 17 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aborta a sessão.
Eram 15 horas e 24 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Borges.

O Sr. Vasco Borges: - Eu creio, Sr. Presidente, que a guerra de Espanha está virtualmente terminada. Em breves dias a paz deve pôr têrmo definitivo à tragédia que há longos trinta meses encharca de sangue a terra espanhola. Mas, nesse momento, encerrada esta sessão legislativa, não nos encontraremos aqui, para afirmar o nosso contentamento pela vitória absoluta do nacionalismo espanhol.
É por isso, Sr. Presidente, que eu quero dizer hoje, neste lugar, algumas das palavras que não deixaria de proferir nessa ocasião.
Limito-me a algumas dessas palavras, por o júbilo completo não ser oportuno, uma vez que os exércitos contendores em Espanha ainda não depuseram as armas. No entanto, Sr. Presidente, posso dizer já as palavras que me inspira o orgulho que me faz sentir a glória de que se cobriram os portugueses que se tem batido na Espanha nacionalista.
Não sei se são muitos, se são poucos, embora eu cuide que serão alguns milhares. Mas, sejam muitos ou poucos, eu sei isto: que há dias o general Queipo de Llano, ao discursar na parada militar com que Sevilha festejou a vitória da Catalunha, não se esqueceu de dizer que italianos e portugueses tinham contribuído para essa vitória. E sei mais e sabemo-lo todos: que o general Queipo de Llano designou esses portugueses pêlos "Viriatos".
Os "Viriatos", foi assim que a Espanha nacionalista lhes chamou porque se tratava de portugueses e de soldados que se batiam com extraordinário e raro denôdo. Também a História há-de conhecê-los por esse epíteto. E, na verdade, os "Viriatos" são uma expressão, uma expressão síntese da colaboração portuguesa na epopeia do reerguimento da Espanha.
Apoiados.
Quero crer, Sr. Presidente, que os nacionalistas espanhóis não esquecerão mais esta expressão, mas, sobretudo, impõe-se que os nacionalistas portugueses a gravem bem fundo e para sempre na sua admiração e no seu reconhecimento pêlos heróis que levantaram o nome de Portugal e concorreram, porventura, para salvar a própria independência da Pátria.
Apoiados.
Sr. Presidente: morrer na guerra é viver para sempre na recordação dos que ficam e na memória dos vindouros. Não obstante, receio que Portugal, que sentiu a dor intensa da Espanha e o perigo que ele próprio correu, não haja sentido do mesmo modo o sacrifício dos portugueses que tombaram para sempre na terra em que lutaram pelo futuro cristão da humanidade.
E, Sr. Presidente, eu desejaria poder dizer neste momento o nome de todos os que lá se bateram e lá caíram, soldados, sargentos e oficiais, para que ao menos
lhes prestássemos aqui a homenagem de os seus nomes haverem sido evocados sob esta cúpula. Não posso fazê-lo mas não quero dispensar-me de citar, de entre esses nomes, os dos capitais Lopes Praça e Soares Durão, tenente Ferreira da Silva, alferes Gomes Barroso e Marquês de Penafiel e aspirante Albugo de Oliveira.
Quero dar relêvo particular ao nome do Marquês de Penafiel. E porquê? Por virtude desta circunstância singular e chocante: o Marquês de Penafiel, tombado heroicamente em Espanha, era, em Portugal, um oficial na situação do reformado por motivos políticos.
Sr. Presidente: eu só dificilmente posso conceber, não chego mesmo a entender, como é possível que em Portugal se encontrasse na situação de oficial reformado por motivos políticos um oficial que em Espanha se bateu e perdeu a vida a combater o comunismo.
Apoiados.
Sr. Presidente: com efeito, há motivo para duvidar-se de que em Portugal exista verdadeiro espírito militar e o culto pelas virtudes militares.
Eu podia apontar casos impressionantes. Lembro-me, por exemplo, do caso do capitão Montenegro Carneiro. É um oficial que se bateu na Grande Guerra, na frente portuguesa.
O capitão Montenegro Carneiro foi um dia chamado ao quartel general da brigada e, de súbito, nomeado comandante interino do um batalhão que marchava para a frente, com a recomendação confidencial de esconder dos ingleses a falta de instrução suficiente das praças. Foi. E em dado momento, debaixo do fogo infernal da batalha de Armentières, quando os sargentos ingleses, que eram guias do batalhão, hesitavam, a atitude corajosa do capitão Montenegro Carneiro, à frente dos seus portugueses bisonhos, fez com que os sargentos ingleses seguissem também. E portugueses e ingleses, movidos todos pelo arrojo daquele homem, cumpriram o seu dever brilhantemente. Na dura batalha de La Lys foi ele o único oficial do seu batalhão que escapou de sor morto ou ferido. Regressou cruz de guerra de 1.ª classe e envolveu-se então em Portugal num conflito político já longínquo.
Foi julgado e absolvido, mas depois reformado por motivos políticos. A sua cruz de guerra, essa, para que não presenciasse, envergonhada, a miséria que ficou a rodeá-lo, escondeu-a no fundo de uma gaveta.
Hoje o capitão Montenegro, que tam elevado espírito militar revelou, anda a vender gabardines na cidade do Pôrto. Os 600$ da pensão de reformado não chegam para ele viver e a sua família. E assim que acaba a carreira de um soldado que pode considerar-se expoente de virtudes militares.
Já que me ocupei de modelos de virtude militar, não quero deixar de citar ainda uma vez o nome do tenente Ferreira da Silva. Êsse oficial morreu na frente da Catalunha, e morreu nestas circunstancias soberbas: havia um terreno que ninguém atravessava, nem se consentia que alguém tenta sse atravessar, até de rojos, tam batido ele era pelo fogo do inimigo; pois, por mais que lhe dissessem que não o fizesse porque ia morrer, o tenente Ferreira da Silva, de mãos nas algibeiras e com o passo descuidado e calmo de quem percorre as ruas de uma cidade, atravessou êsse terreno, despreocupado, indiferente e altivo, até que a 200 metros do local para onde se dirigia caiu finalmente varado.
Morreu desta maneira para quê? Para isto, Sr. Presidente, para mostrar aos espanhóis que se batiam juntamente com ele e aos espanhóis que se batiam contra ele como sabe morrer com desprezo impávido pela morte um oficial português. Sr. Presidente, admiremos todos o panache militar desse homem invulgar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Desejaria eu, Sr. Presidente, que a morte heróica dêste oficial fôsse relatada nas breves páginas de um opúsculo, seguidamente distribuído por todas as unidades militares de Portugal. Estou convencido, Sr. Presidente, de que não é inoportuno nem ocioso propagar-se o mais possível e até onde fôr possível, em Portugal, o espírito militar, e por esta razão: é que o espírito militar é o melhor, o mais firme e o último e invulnerável reduto contra o antinacionalismo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: há pouco tempo ainda, o Sr. Dr. Carneiro Pacheco, ilustre Ministro da Educação Nacional, enviou à Assemblea Nacional, para ser discutido, um notabilíssimo diploma que diz respeito à criação do Instituto Nacional de Educação Física. Pena foi que essa proposta de lei, de tam largo alcance, não tivesse vindo a tempo de ser apreciada devidamente neste primeiro período da 2.ª Legislatura. Nunca é demais tudo o que se faça pela mocidade; todo o dinheiro é bem gasto desde que contribua para o fortalecimento da raça, para tornar fortes as gerações vindouras. Quando vemos, com orgulho, desfilar pelas ruas das nossas cidades as garbosas formações da nossa mocidade, que necessitam do maior carinho do Estado, visionamos já o que elas serão quando se fizer tudo o que fôr possível para tornar essa mocidade forte e sã de espírito o corpo.
Só louvores merece o ilustro Ministro da Educação Nacional pela bem elaborada proposta de lei enviada a esta Assemblea, o que infelizmente não pode ser discutida neste período legislativo.
Mas julgo interpretar o sentir de todos os Deputados pedindo ao Govêrno a sua promulgação imediata, tam justa o tam importante é a doutrina que a informa.

Vozes: - Muito bom, muito bem!

O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: termina hoje a presente sessão legislativa. Só em fins de Novembro reabrirá a Assemblea Nacional, à porta de 1940. E em 1940 vão passar-se cousas grandes em Portugal. Considero, por isso, que são oportunas as considerações que pretendo fazer neste momento.
Essas considerações, Sr. Presidente, são-mo sugeridas por impressões colhidas recentemente rio Brasil e que guardo bem vivas no meu espírito e até no coração. Refiro-me à comovente ansiedade com que os mais mo destos elementos da nossa colónia aspiram a deslocar-se até à Pátria, que não esquecem e de que vivem permanentemente saudosos, para assistir às comemorações centenárias. Uns tom amealhado zelosamente o necessário para a sua deslocação; outros esforçam se por conseguir ainda o que lhes falta para isso; outros terão de desistir se não lhes valerem. Todos dão por bem empregadas as economias de anos de trabalho para vir a Portugal, onde muitos nunca voltaram. Recomeçarão de novo, refarão o mealheiro, recorrerão talvez ao crédito interesseiro. Não importa: tudo os senti prever, com olhos marejados de lágrimas e o coração em alvorôço. É preciso, de facto, ir ao Brasil para só avaliar o que é o português que moureja longe de Portugal!
Pois bem, Sr. Presidente, é preciso ajudar de qualquer forma essa boa gente a vir à sua terra nesta ocasião singular. É preciso facilitá-lo aos que só com dificuldade o farão; é preciso torná-lo possível aos que só por si o não poderiam fazer.
Apoiados.
Promova-se o barateamento excepcional das passagens marítimas; isente-se de taxas em todos os portos portugueses, insulares e continentais, os paquetes que trouxerem êsses portugueses lá de longe; facilite-se a permanência nos portos a êsses paquetes, que poderão manter a bordo a hospedagem, que será difícil em terra; organizem-se viagens especiais de navios portugueses aos portos do Brasil, desde o Rio Grande a Manaus; subsidie-se até, se fôr possível, a passagem de cada português saudoso e desprovido de meios.
Apoiados.
Recomendo a atenção do Govêrno para êste assunto e para um aspecto que constituo um corolário do anterior, pois trata-se também de proporcionar uma visita à sua Pátria a alguns que estão inibidos dessa visita. Refiro-me, Sr. Presidente, aos indivíduos emigrados do País à procura de trabalho em terra estranha que se encontrara em situação militar irregular por não terem podido satisfazer oportunamente as suas obrigações; peço benevolência para aqueles que em 1940 queiram vir a Portugal.
Apoiados.
Trata-se, evidentemente, de uma decisão só admissível em casos muito excepcionais. Mas nada se ganha em não a decretar, porque os abrangidos não virão correr o risco das sanções normais. E por outro lado, Sr. Presidente, centenários da fundação e da restauração da nacionalidade ... só se festejam de cem em cem anos!
O Govêrno chamará assim a Portugal mais um grande número de portugueses que por outra satisfação não aspiram com tanta ansiedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A outro assunto desejo dedicar as minhas ulteriores palavras nestes parcos dez minutos que o Regimento autoriza e que V. Ex.ª se dignou conceder-me.
Sr. Presidente: na sessão de 28 de Janeiro foi rejeitada por esta Assemblea a ratificação pura e simples do decreto-lei que remodelou os serviços da Câmara Municipal de Lisboa.
Quero dizer: a Assemblea Nacional, órgão legislativo do Estado, órgão a que constitucionalmente compete a apreciação dos decretos-leis publicados pelo Govêrno durante o seu funcionamento efectivo, foi de parecer que aquele decreto não devia prevalecer, pelo menos tal como foi publicado.
Pois bem, Sr. Presidente: êsse decreto, cuja vigência não foi afectada pela decisão da Assemblea, ameaça continuar da mesma forma vigorando, contra a opinião dêste órgão constitucional da soberania da Nação, leal colaborador do Govêrno, mesmo, sobretudo, quando discorda dos seus actos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E acontece assim porque só na véspera do seu encerramento esta Assemblea recebeu o parecer que a Câmara Corporativa foi convidada a emitir sôbre êsse decreto.
Êsse parecer ocupa, salvo êrro, 36 páginas do Diário das Sessões, mais 24 páginas do mapas, ou seja um total de 60 páginas.
Era manifestamente impossível a qualquer de nós tentar, sequer, lê-lo, estudá-lo, apreciá-lo, para o discutir e votar de ontem para hoje.
Apoiados.
E que ponto de vista ou aspiração tinha esboçado em 28 de Janeiro a Assemblea Nacional?
A Assemblea Nacional exteriorizou nìtidamente o desejo de voltar a discutir, em breve, aquele assunto, a ponto de ensaiar o propósito de definir a sua urgência para efeito da marcação de um prazo máximo - eviden-

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temente inferior ao de trinta dias - para a elaboração do parecer.
A Câmara Corporativa esgotou, no entanto, o prazo-limite que a Constituição estabelece, com a consequência de já não podermos, por isso, ocupar-nos do assunto nesta Assemblea.
Refiro apenas factos, Sr. Presidente. Não pretendo de forma alguma insinuar que o ilustre relator do parecer pudesse realizar em menos tempo - mesmo com a preocupação de satisfazer o desejo da Assemblea Nacional - um trabalho tam vasto e, por certo, tam profundo e douto como aquele que apresentou. E digo «por certo», que é menos categórico do que a afirmação pura e simples, porque só tive tempo para o folhear e para ler duas ou três passagens.
Mas lamento, Sr. Presidente, as circunstâncias que nos põem perante o facto consumado que nós queríamos justamente se não desse: - o da impossibilidade absoluta de examinar devidamente e decidir sôbre o conteúdo da proposta, em que nos parece existirem, pelo menos, disposições inconvenientes sob o aspecto político e social no momento presente.
Apoiados.
Como eu, Sr. Presidente, declarei expressamente em 28 de Janeiro que só tinha votado a ratificação com emendas na condição de que a proposta voltaria em breve à nossa apreciação, e como a essa declaração correspondeu um acolhimento de apoio geral por parte da Assemblea, não quis que a sessão legislativa se encerrasse som chamar para estes factos a atenção esclarecida de V. Ex.ª

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Álvaro Morna:-Sr. Presidente: não desejaria deixar passar êste período dos nossos trabalhos parlamentares sem chamar a atenção do Govêrno para a precária situação - situação verdadeiramente alarmante - em que se encontra o País em face do gravíssimo problema da defesa passiva da população civil contra os ataques aéreos e efeitos da guerra química.
Não é a primeira vez que sôbre tem momentosa questão levanto a voz nesta Câmara.
São decorridos quási dois anos depois que a Assemblea Nacional discutiu e transformou em Leis as propostas do Govêrno sôbre a organização militar - leis do recrutamento e da reorganização do exército.
Tomei, então, parte no debate.
Recordo-me de que, no relatório justificativo de uma delas, o Govêrno considerara mais lógico e racional proceder ao rearmamento do exército depois de convenientemente ajustada, a sua reorganização; mas, reconhecendo por outro lado toda a gravidade do momento internacional - a possibilidade de grandes e pequenos factos que de um momento para o outro desencadeassem a conflagração geral e obrigassem à defesa dos nossos interêsses -, concluía, e muito bem, por dizer que ninguém ousaria tomar para si a responsabilidade de deixar de encarar desde logo o problema do rearmamento só para se seguir o caminho mais lógico e racional - e que, por isso, rearmamento e reorganização se fariam em paralelo.
Razão tinha o relatório, sem dúvida, nós o dissemos; e logo acrescentámos que era de facto delicada a situação internacional, muito delicada, e tam delicada que íamos mais além - e, assim, pedimos que o rearmamento se fizesse depressa, que se fizesse imediatamente: rearmamento, municiamento, defesa passiva das populações contra, os efeitos dos ataques aéreos e da guerra química. Focámos então a situação verdadeiramente alarmante em que sob êste último aspecto da defesa nacional, a defesa passiva, se encontrava o País.
Pois bem, Sr. Presidente!
São já pasmados dois anos e nem a situação internacional melhorou, antes se agravou, nem se modificou tam pouco a deplorável incúria a que votámos tam grave problema e na qual vivemos.
Nos dois anos decorridos, por mais de uma vez êsses grandes e pequenos factos a que o Govêrno com tanta verdade aludiu colocaram esta Europa conturbada à beira da maior hecatombe de que porventura viria a rezar a história da humanidade em todos os tempos.
Crescem por toda a parte os armamentos, aumentam os preparativos bélicos sobem as despesas militares até cifras astronómicas que desequilibram e arrastam à ruína a vida económica e financeira das nações - não se lhes podendo admitir outra finalidade que não seja a tremenda desgraça da guerra mundial.
Guerra ainda, distante?
Quem sabe? Bem pode ser a guerra dentro de alguns dias.
É que a fôrça e a realidade dos factos são quási sempre superiores à vontade dos homens.
Apoiados.
Anseia-ve pela paz, é certo, mas caminha-se decididamente para a guerra. Apoiados.
E a ninguém que acompanhe com consciência a gravidade do drama que fermenta no mundo será lícita a surprêsa ao reconhecer amanhã que a guerra é dolorosamente um facto.
Perante tal emergência, não me proponho eu interpelar o Govêrno sôbre a organização e preparação militares, nem sôbre os delicados problemas do armamento e municiamento.
O Govêrno tem a sua política certamente há muito traçada e definida e dentro dela devidamente salvaguardado o interêsse nacional.
Mas pretendo considerar esta gravíssima questão que respeita à segurança das populações dos grandes centros urbanos - especialmente Lisboa e Pôrto - em face dos perigos que os ameaçam no caso de guerra geral ou parcial que venha a envolver-nos, problema que está a vista de todos e não depende da política militar traçada, qualquer que ela seja.
E êste problema, Sr. Presidente, tem sido inteiramente descurado.
Não turnos uma máscara antigás, não dispomos de um abrigo, não possuímos o mais rudimentar vislumbre de organização de defesa, não há nem pálida sombra de treino das populações contra as trágicas emergências que um conflito armado possa fazer desabar sôbre nós.
Apoiados.
Por ocasião do debate sôbre as leis militares de 1937 dissemos nessa tribuna, a propósito da actividade desenvolvida pela grande nação inglesa no ramo da defesa nacional, que estavam então concluídos e em via de conclusão, nos grandes e pequenos centros urbanos, formidáveis armazéns com a capacidade de 56 milhões de máscaras antigas para fornecer ao público.
Ali, como em todos os países onde se cuida a sério da defesa das populações, os exercícios de alarme dos ataques aéreos, o refúgio em abrigos, a evacuação total ou parcial dos bairros ou pontos de prováveis incidências estratégicas sucedem-se com a regularidade e o método que tam importante e complexo serviço exige.
Entre nós, Sr. Presidente, nada a êste respeito se faz. Dormimos o sono cómodo da incúria. Nada se faz - e isto sob a agravante de o assunto ter merecido já consciencioso estudo por parte da comissão que o nosso ilustre colega Sr. coronel Linhares de Lima, quando Ministro do Interior, nomeou para êsse fim, tendo a

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perfeita visão da gravidade do problema e da sua responsabilidade como homem de Estado.
Dela fizeram parte técnicos dos mais distintos, e entre êles quero citar o ilustre Deputado Sr. tenente-coronel Santos Sintra. Com perfeito conhecimento do que nesta transcendente matéria se pratica lá fora, elaborou a comissão trabalho perfeito e completo a respeito da organização e dos meios para a efectivar no nosso País.
Previa-se: fabrico e fornecimento de máscaras pela indústria nacional; abrigos naturais e artificiais, condicionando a estes as exigências das novas construções citadinas; serviços de desinfecção e neutralização de zonas empestadas; condução de feridos e gaseados; recolha de granadas e bombas não rebentadas; evacuação total ou parcial de bairros e centros urbanos; todos os serviços de organização e de exercícios e treino das populações. Em fim, valiosíssimo trabalho em que o problema se estudou nos seus precisos detalhes e maneira de realização, e que redundou em pura perda de actividades, vindo a ficar em letra morta.
Nada se fez até hoje. E não será, evidentemente, sob a acção premente dos acontecimentos em plena conflagração que nos podemos preparar para as emergências trágicas e abruptas da guerra moderna.
O momento, repito, Sr. Presidente, não pode ser mais sério.
E é por sentimentos de altruísmo que ao espírito e coração de todos desperta a situação indefesa das populações civis - homens, mulheres, velhos e crianças - e é por honra e dignidade da Nação em face da sua defesa e dos deveres de humanidade que outra vez dirijo ao Govêrno o apêlo muito sincero de que, sem demora, urgentemente, muito urgentemente, considere tam grave problema e adopte as medidas que tam flagrantemente se impõem.
Está nisto, Sr. Presidente, a própria honra e o decôro da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente:, pedi a palavra para me referir a um diploma publicado no Diário do Govêrno de 18 do mês passado - o decreto-lei n.° 29:455 - que faz parte de um conjunto de importantes medidas que, especialmente desde 1933 e por circunstâncias excepcionais, vêm sendo tomadas pelo Govêrno em auxílio à praça do Funchal.
A queda de dois grandes estabelecimentos bancários, com uma totalidade de cêrca de 80:000 contos de depósitos, trouxera àquela praça, tanto sob o aspecto financeiro, como sob o ponto de vista moral, o abalo que fàcilmente é de avaliar-se. À atmosfera de desconfianças e de receios que desde logo se estabeleceu, com todas as suas naturais consequências de corrida aos restantes bancos e de entesouramento propositado da maior parte das economias que se haviam salvo, sucedeu o período longo e doloroso das liquidações não só das existências dos próprios bancos desmoronados, como dos bens dos respectivos devedores chamados ao pagamento das suas contas.
Em qualquer meio em que um facto dêstes se produzisse êle teria, necessàriamente, reflexos mais ou menos consideráveis. Mas, num meio pequeno, em que numa área de 740 quilómetros quadrados se congrega uma população de cêrca de 200:000 habitantes, com uma densidade que é portanto de mais de 270 habitantes por quilómetro quadrado, sem o dinheiro que anos antes lhe vinha, em forte manancial de riqueza, da sua intensa emigração para as ilhas de Sandwich, para a América do Norte e para o Brasil, sem movimento de exportação que lhe assegure uma colocação regular e compensadora dos seus produtos característicos e com uma indústria de turismo decrescida notàvelmente em volume e em rendimento por virtude das condições gerais do mundo e, especialmente, das normas restritivas que alguns países têm estabelecido para a saída de capitais, todos V. Exas. podem calcular os efeitos que havia naturalmente de ter uma crise daquele género, surgida de surprêsa.

O Sr. Favila Vieira: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu tencionava justamente apreciar a situação económica da Madeira, nesses e noutros aspectos, na oportunidade que me ofereceria a ratificação do decreto-lei n.º 29:455, para concluir que a sua crise se filia não só nas condições especiais dos mercados externos e do mundo, mas também, em certos domínios, em causas próprias, de ordem interna. Seria impertinente que o fizesse agora, neste período da sessão, depois das considerações de V. Ex.ª, com prejuízo dos assuntos que constituem a ordem do dia. Direi simplesmente a V. Ex.ª, em refôrço das suas observações, que o rendimento da Alfândega do Funchal por si só exprime, em larga medida, a crise que domina a vida económica da Madeira. Em 1930 foi de 25:000 contos e em 1938 de 17:000, números redondos.

O Orador: - O àparte do ilustre Deputado Sr. Dr. Favila Vieira, em refôrço das minhas considerações, mais me autoriza a assegurar à Câmara que o choque foi, na verdade, tam profundo que a fisionomia da Madeira, sob os seus aspectos económico, financeiro e social, mudou inteiramente.
Foi então que o Govêrno, depois de mandar proceder a detidos estudos e de coligir todos os possíveis elementos de apreciação do problema, e tendo em vista o interêsse geral da economia da ilha, reorganizou pelo decreto n.° 23:020, de 12 de Setembro de 1933, a vida bancária do Funchal, autorizando a fusão de três estabelecimentos de crédito, dois dos quais haviam sido mais gravemente afectados pela crise, e todos considerados com condições de vitalidade e em posição de merecerem, uma vez transformados no sólido organismo que havia de resultar da sua fusão, a cooperação financeira que o Estado se proponha prestar-lhe.
Resultou dessa medida a constituição do actual Banco da Madeira, com o capital de 10:085 contos, e autorizado desde início a emitir, com a garantia dos seus bens e valores próprios e com o aval do Estado, 15:000 contos de obrigações preferenciais, do juro de 6 por cento, amortizáveis no prazo de vinte anos por anuidade constante de juro e amortização diferida de cinco anos. Feita a respectiva emissão, foram as obrigações tomadas e pagas ao par pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, achando-se hoje resgatadas e substituídas, ao abrigo de um diploma posterior - o decreto n.° 27:078, de 10 de Outubro de 1936 - por um contrato de abertura de crédito em conta corrente, ao juro de 4 por cento, sujeito às mesmas garantias e prazo de pagamento estabelecidos para as obrigações, por se ter reconhecido que esta modalidade trazia, na prática, mais vantagens à movimentação da conta.
A par da concessão dêste empréstimo outras disposições do decreto n.° 23:026 vieram facilitar a fusão, como fôssem: a dispensa de certas formalidades legais exigidas nos termos ordinários para a realização de operações daquela natureza, a obrigatoriedade imposta aos credores dos dois antigos bancos de participarem no capital do novo organismo e a isenção de contribuição industrial durante cinco anos, a contar da data da fusão.
Ora, tendo êste prazo terminado em 25 de Novembro último, chegou o Govêrno, por intermédio da Inspecção

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do Comércio Bancário e do seu delegado junto do Banco da Madeira, à verificação de dois factos de diversa ordem, mas filiados na mesma origem, que é ainda a má situação económica que diferentes factores e, designadamente, a crise bancária de 1931 trouxeram à Madeira: um, o de que as condições da praça não asseguram ainda ao seu Banco regional uma situação de tal volume de transacções que lhe permita a dispensa de certas facilidades, tidas como substanciais para o seu gradual fortalecimento; outro, o de que continua a figurar no seu activo, em rubrica de «Imóveis», uma suma de valores importantíssima, que, por corresponder em grande parte a alguns dos maiores e melhores prédios do Funchal, não se toma, nas condições usuais, fàcilmente convertível em numerário.
Mais uma vez o Govêrno acudiu a esta situação, publicando o decreto-lei n.° 29:433, de que me estou ocupando, e cujos principais preceitos, tendentes a facilitar a vida do Banco e, designadamente, a activar a liquidação das suas imobilizações são os seguintes: a concessão da isenção de contribuição industrial por mais cinco anos e a redução de 50 por cento na sisa que fôr devida pelas vendas de imóveis que, durante o período de três anos, o Banco realize e ainda pelas aquisições que êle, durante o mesmo período, efectue para cobrança dos seus créditos.
Sr. Presidente: esta medida constitue para a economia da Ilha e, sobretudo, para a praça do Funchal um benefício iniludível. Vem dar-lhe facilidades, no crédito e na movimentação geral dos valores, que, no meio da crise de que ela ainda se ressente, representam um amparo a cuja importância e a cujas intenções se tem de prestar a maior homenagem.
Homenagem, sobretudo, ao Sr. Ministro das Finanças, a quem a Madeira deve, em carinho, em solicitude, em exame reflectido e profundo dos seus problemas, em directrizes sôbre muitos aspectos da sua vida económica e social, em medidas que se traduzem em concessões de grande valor material, aquilo que não devo a nenhum homem de Estado que até hoje tenha passado pelas cadeiras do Poder.
Estou certo de que a Madeira, saberá corresponder devidamente a tam valiosos auxílios e que, com o seu esfôrço, com a sua união e com a perseverança nas virtudes que a ennobrecem, não deixará de aproveitá-los no sentido mais adequado ao seu próprio interêsse e progredimento.
É com êste espírito, Sr. Presidente, que entendo dever registar, dêste meu lugar, a publicação do decreto-lei n.° 29:433.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. António Pinheiro Tôrres: -Sr. Presidente: a poucos passos da Praça onde se ergue, no Pôrto, a estátua do Infante D. Henrique fica situada a casa onde a tradição refere ter nascido êsse magnífico Príncipe da «ínclita geração de altos infantes».
Tradição disse, porque, na verdade, não existe documento autêntico que prove ter sido nessa casa da rua que tem actualmente o seu nome, onde Filipa de Lencastre deu à Pátria o genial iniciador do nosso Império!
Mas, além de a história não apontar outro local ande ocorresse tam notável acontecimento, a lenda há muito fixou que foi aí que o quinto filho de D. João I veio ao mundo para glória de Portugal e da humanidade; a literatura há muito também aí lhe deu o berço, como Arnaldo Gama, na Ultima Dona de S. Nicolau, Pinho Leal, no Portugal Antigo e Moderno, Alfredo Alves, no D. Henrique, o Infante, e em tantos outros escritos que seria fastidioso inumerar; e a cidade, por iniciativa da Câmara, em 4 de Março de 1894, nas festas do centenário henriquino, igualmente nessa casa o deu como nascido, inaugurando na Sua frontaria uma lápide que o afirma.
A atitude dos representantes da edilidade portuense representa e confirma a consagração oficial dessa tradição.
Desta forma, hoje, para todos, nacionais e estrangeiros, foi nessa casa onde nasceu o Infante de Sagres, o grande impulsionador dos descobrimentos!
Sendo assim, o nosso legítimo orgulho não pode permitir que essa casa continue a servir, como serve, de armazém de bacalhau e arroz de uma firma que explora êsses ramos de negócio!
A ela tem de se dar um fim que não deslustre o papel que para a tradição a Providência a destinou!
E, porque o Govêrno, nesta admirável hora de ressurgimento pátrio, dá constantes provas de quanto o interessa a política do espírito, em que o cuidar da conservação e restauro do que o pasmado glorioso nos legou ocupa primacial lugar, ousamos, chamar a sua atenção para as considerações que vimos fazendo, lembrando a urgência, da aquisição da «Casa do Infante», para nela ser instalado um museu henriquino ou um museu das navegações, que ficaria ilustrado pela reunião do que existe referente a essa época e com o muito que se poderia innovar em reproduções elucidativas do que era então a arte de marear.
Assim, quando dos festejos pelas comemorações centenárias os nacionais e estrangeiros que visitassem o Pôrto poderiam admirar qualquer cousa de interessante no género, que ao mesmo tempo representasse uma lição iluminada de uma era de ouro para a nossa história.
E já que talei nas comemorações centenárias, que Salazar num genial momento de inspiração patriótica concebeu, seja-me permitido, e ainda com referência ao Pôrto, destacar a parte, embora pequena, que, na distribuição de verbas para restauros, feita há dias pelo ilustre Ministro das Obras Públicas, lhe coube, para a Sé Catedral e Mosteiro da Serra do Pilar.
Sr. Presidente: até aqui falei do passado ...
Mas o Porto tem também o seu presente.
Como segunda cidade do País e centro obrigatório de turismo para o visitante que ao norte vá, precisa de melhoramentos que o valorizem.
As comemorações centenárias levam a algumas terras do País importantes innovações, assinalando o Govêrno, também por essa forma, a celebração de tam faustosas datas.
O Pôrto deve ser igualmente contemplado, por forma, ao menos, a que sejam nessa altura satisfeitas velhas e legítimas aspirações.
Estão neste caso, e em primeiro plano, o Palácio de Justiça e o campo de aviação.
Apoiados.
Na passada Legislatura estas duas aspirações do velho burgo tiveram eco na Assemblea.
Quanto ao Palácio de Justiça, foi votada a lei que o criou, juntamente com o de Lisboa.
Ora, segundo creio, já existe verba destinada, à sua construção, bem como se diz que já está escolhido o local onde há-de ser erguido.
Se está tudo aplanado para que se lhe dê comêço, por que se espera?
Porque não aproveitar esta ocasião para dar início às obras?
Certamente que o Govêrno, pelo seu Ministro das Obras Públicas, de tam notáveis qualidades de iniciativa e realização, há-de interessar-se por forma a que se dê início imediato a essa justa aspiração da cidade

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do Pôrto; ter um tribunal capaz de instalar os serviços de justiça por forma a que esta possa ser exercida com o prestígio e a dignidade exigidos!
Quanto ao campo de aviação, foi aqui seu paladino o Dr. Pinto de Mesquita.
S. Exa. pôs então em destaque as razões que reclamam a sua instalação na capital do norte.
Se então as circunstâncias o determinavam, mais agora elas o impõem.
De facto, cada vez mais urgente se manifesta a sua criação, não só sob o ponto de vista militar e comercial como sob o ponto de vista desportivo e turístico. Desde a parte lucrativa à defesa nacional, ao desenvolvimento das viagens de recreio e ao revigoramento da raça - tudo isto exige o campo de aviação.
De resto, o Conselho Nacional do Ar já deu a sua aprovação aos terrenos escolhidos para o futuro campo e são inúmeras as facilidades encontradas por parte dos donos dos mesmos terrenos e das entidades oficiais para a sua aquisição.
Porque não há-de o Govêrno dar ao Pôrto também esta satisfação, realizando até à data idas comemorações essa obra, que é afinal em proveito do País?
Estamos certos de que êle, verificando o interêsse manifesto que têm para a cidade e para o País, repito, os melhoramentos a que fiz referência, lhes vai dar execução!
Sr. Presidente: o Pôrto deve especialmente ser contemplado na altura das celebrações centenárias, por razões do próprio momento a comemorar - de ter sido o Pôrto quem deu o nome a Portugal e de ter sido ainda êle quem contribuiu eficazmente para que, com rapidez, triunfasse a revolução de 1640!

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

Estão em discussão as Contas Gerais do Estado referentes à gerência do 1937.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diniz da Fonseca.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: V. Ex.ª por certo, e a Assemblea não esperam que eu neste momento venha fazer uma análise demorada das contas públicas em apreciação.
O n.° 3.° do artigo 17.° do nosso Regimento diz:

«Compete à Assemblea tomar as contas respeitantes a cada ano económico, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, se êste as tiver julgado, e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação».

Sr. Presidente: ao contrário do que algumas vezes tenho ouvido dizer, ligo uma grande importância a esta atribuição dada à Assemblea Nacional, de tomar as contas respeitantes a cada ano económico, e creio que pensando assim não andarei fora das intenções e dos propósitos do Sr. Ministro das Finanças nas suas moralizadoras reformas.
Basta ler o que se escreveu no relatório do decreto n.º 27:223, publicado em 21 de Novembro de 1936, com respeito à história das contas públicas e à nova maneira de as organizar por forma a torná-las suficientemente simples e actuais, a fim de poderem ser anualmente examinadas, apreciadas e julgadas pela Assemblea Nacional.
A possibilidade e a garantia desta apreciação constituem a meu ver um dos pontos basilares da reforma política empreendida.
Pela história das contas públicas, resumida nesse relatório, se vê como a sua apresentação ou esquecimento andaram ligados às vicissitudes políticas; aos bons propósitos de ordem financeira ou ao cansaço da ordem, que de novo cedia às dificuldades que se havia intentado remover. O resultado acusado pelo mesmo relatório fôra êste: «os dois volumes em que a nossa sábia legislação mandava compendiar a Conta Geral do Estado referente a cada gerência custavam l conto de réis, pesavam oito quilogramas, tinham 2:000 páginas, mas ninguém os lia». Eram contas que se prestavam apenas para a história, e nem para a história, visto que muitas delas nunca chegaram a ser publicadas! E quando o eram, saíam atrasadas dezenas de anos! Neste relatório se informa, por exemplo, que em 1936 as únicas contas que estavam na Imprensa Nacional par ser publicadas eram velhas, de dezasseis anos, pois referiam-se à gerência de 1919-1920!
Isto quere dizer que pelo velho sistema parlamentar-se discutia largamente o Orçamento, em todas as suas minúcias e pormenores, mas que nunca se chegavam a apreciar as contas públicas.
Pràticamente havia um orçamento que se discutia largamente, numa discussão sem eficiência fiscalizadora, porque nem as receitas a cobrar nem as despesas a liquidar seriam sòmente as que ficassem figurando nos cálculos orçamentais.
Contas não existiam, não se publicavam ou nunca eram sujeitas à apreciação. E não o eram porquê? Porque não valia a pena.
A apreciação devia, naturalmente, incidir sôbre os cálculos que tinham sido feitos no Orçamento, sôbre a forma como tinham sido geridas as receitas cobradas.
Tal apreciação porém não era tècnicamente possível, porque faltava a correspondência entre os cálculos orçamentais e os resultados da gerência.
Por outro lado, polìticamente não importava tomar responsabilidades a um Govêrno que quási sempre, para são dizer em todos os casos, era já constituído por homens diferentes dos que tinham apresentado ao Parlamento o respectivo Orçamento.
O velho Parlamento, se alguma vez tentasse fazer o julgamento das contas, não teria meio de o efectuar, porque veria diante de si homens que nenhuma responsabilidade tinham no Orçamento que fôra apresentado, homens de um Govêrno que não pertenciam à, gerência a que as contas diziam respeito, visto que estas atingiam três, quatro, até cinco anos, consoante os vários regulamentos da contabilidade.
A grande reforma orçamental, financeira, administrativa e política foi, portanto, sob êste aspecto, tornar possível o julgamento das contas públicas, aproximando os cálculos orçamentais dos seus resultados, as responsabilidades administrativas dos organizadores do Orçamento das que podem ser pedidas aos organizadores das contas de gerência.
Nós estamos julgando neste momento os resultados da lei de meios, que votámos aqui em 11 de Dezembro de 1936. Seguiu-se a gerência de 1937, neste momento sujeita à nossa apreciação.
Podemos não só verificar a correspondência entre os cálculos do Orçamento para 1937 e os resultados da gerência do mesmo ano, isto sob o aspecto financeiro, e podemos ainda apreciar a correcção jurídica e económica das cobranças e despesas levadas a efeito.
Tenho a opinião de que o julgamento sob todos êsses aspectos está dentro da alçada desta Assemblea e constitue uma das suas mais importantes e graves atribuições.
Sendo esta a extensão e a importância do julgamento das contas públicas, creio dever merecer a esta Assemblea o maior e mais largo interêsse. Como elemento da

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comissão que foi encarregada de dar parecer sôbre as contas públicas, quero penitenciar-me nesta hora de ter contribuído, ou, por outra, de não ler feito todos os esforços de que serra capaz para que o respectivo parecer fôsse presente à Assemblea mais cedo, por forma a dêle poderem, tomar cabal conhecimento todos os ilustres parlamentares.
O ST. relator trabalhou incansàvelmente, mas o seu trabalho não pôde evitar que o parecer fôsse presente ao conhecimento da Assemblea já quando ela se prepara para encerrar os trabalhos desta sessão.
E, no entanto, repito, creio que o exame das contas públicas deve merecer a sua particular atenção. Se nos faltam hoje atribuições para discutir o Orçamento do Estado e as verbas nêle inscritas, temos, ao contrário do que sucede nos sistemas parlamentares, possibilidade prática de fazer uma análise minuciosa da forma como o Govêrno gemi e administrou a cousa pública ao longo de cada ano económico. Análise e julgamento imediatos. É uma das grandes atribuições cometidas à Assemblea Nacional. Emquanto esta atribuição constitucional subsistir não haverá possibilidade de voltar a erros do passado, a desequilíbrios financeiros escandalosos. Emquanto o ritmo das contas públicas se mantiver tal como está regulado na Constituição e nas leis do contabilidade não serão possíveis os antigos esquecimentos e desvios dos preceitos regulamentares da contabilidade; a sua publicidade tornaria impossível a vida de qualquer Govêrno que as houvesse cometido.
Êste julgamento e publicidade tornaram-se fundamentais dentro da organização do Estado Novo e emquanto ,se mantiverem inflexíveis podemos dizer que o País tem aquela administração eficaz que lhe permite tomar conta a tempo e horas da marcha quer da política financeira, quer da política, económica.
Vou concluir, Sr. Presidente: não foi meu propósito fazer uma análise pormenorizada das contas públicas. E não é que elas não merecessem sua análise. Pelo contrário, se antigamente se julgavam os homens públicos pelas suas promessas, dentro da política nova só podem julgar-se pelas suas realizações, pelas realidades que podem apresentar diante da Nação. E nas contas públicas sujeitas à nossa apreciação há realidades que bastam para, fazer o elogio bem cabido, sob todas os aspectos, dos homens que têm estado à frente da nossa administração pública. Mas, se não foi meu propósito fazer essa análise, teve no entanto estoutro: o de afirmar mais uma, vez nesta tribuna o interêsse que devem merecer nos anos futuros as contas públicas do Estado.
A apreciação por esta Assemblea representa, no meu modo de ver, uma das grandes atribuições e funções cometidas à Assemblea Política e terá sempre uma influência, bem cabida no caminho que vai seguindo a nossa administração pública, sejam quais forem os homens que, no futuro, estejam à frente dos destinos do nosso País.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bom, muito bom!

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: contra todas as incredulidades derrotistas, publicava já o Sr. Ministro das Finanças em 27 de Junho de 1938 a conta provisória de 1937 e em sessão de 9 de Janeiro de 1939 eram apresentadas na Mesa desta Assemblea Nacional as contas definitivas, com uma impressionante pontualidade.
Se analisarmos, ràpidamente embora, o nosso passado, com respeito a contas públicas, bem justificada se encontrará a admiração que tal facto causa.
O confuso sistema de administração da Fazenda Pública e da Fazenda Real fez levantar os clamores do povo, então.
Já no tempo de D. João I houve a instituição da Casa dos Contos, onde se procurou centralizar toda a contabilidade da Fazenda Pública.
Mas, apesar de tam louváveis intuitos, os clamores do povo continuaram a fazer-se ouvir, e mais tarde surgiu o regulamento das sisas, de 6 de Março de 1509, e as notáveis ordenações fiscais de D. Manuel, de 17 de Outubro de 1516, e que em grande parte ainda vigoravam na primeira metade do século XVIII.
Depois, apesar dos esforços da parte dos monarcas para atender as solicitações do povo, o certo é que várias irregularidades continuavam surgindo, e assim em 1591 a criação do Conselho da Fazenda em parte veio dar satisfação a essas reclamações.
Mas nem ainda tais reclamações ficaram satisfeitas, e logo no ano imediato houve a necessidade da criação do Tribunal do Consulado, ao qual sucessivamente se foram segundo o Tribunal da Alfândega, a Repartição das Sete Casas, a Casa da índia e a Casa dos Cinco.
Apesar, porém, de todo o cuidado em atender os clamores do povo, jamais foi possível organizar, sistemàticamente, a contabilidade da Fazenda Pública.
É que as deficiências na sistematização e administração das receitas públicas eram em parte resultante do caos financeiro.
Se nada se conseguiu fazer nem no tempo da monarquia limitada pelas ordens nem no tempo do regime absoluto, o mesmo poderemos dizer do constitucionalismo azul e branco, o qual não foi parco em disposições atinentes a resolver êste assunto.
Logo em primeiro lugar surgiu a Constituição de 1822, a qual, no artigo 103.°, n.° 9.°, declara competir às Côrtes fiscalizar o emprêgo das rendas públicas e as contas da sua receita e despesa. Foi porém letra morta tudo isso.
Seguiu-se a Constituição de 1826, que, no seu artigo 36.°, § 1.°, e artigos 136.°, 137.° e 138.º, contém idênticos preceitos.
Mais tarde, pela Constituição de 1838, artigo 135.°, foi criado o Tribunal de Coutas, eleito pela Câmara dos Deputados, ao qual competia a verificação e liquidação das contas do Estado.
Finalmente, pelo primeiro Acto Adicional de 5 de Julho de 1852, artigos 12.° e 13.°, surgiu a obrigação de o Govêrno apresentar no primeiro mês depois de constituída a Câmara dos Deputados as contas de gerência e de exercício.
Todavia o constitucionalismo azul e branco não conseguiu organizar essas contas por forma a que o seu julgamento regularmente se fizesse.
E, se assim sucedeu, o mesmo veio a acontecer com o constitucionalismo verde-rubro, porquanto, pela Constituição de 1911, artigo 26.°, n.° 3.°, aparecem os mesmos preceitos de tomar as contas de receita e despesa do Estado, preceitos estes que mais tarde se procurou regulamentar pela lei n.° 403, de 9 de Setembro de 1915, a qual, no seu artigo 40.°, procurava dar ao Govêrno os poderes necessários para regulamentar os referidos preceitos da Constituição de 1911.
Não faltavam, como acabamos de ver, numerosos preceitos, numerosas disposições de lei, que procuravam regularizar o assunto, mas jamais se conseguiu na realidade fazer qualquer cousa de positivo. Sempre tudo em vão.
Surgiu, emfim, a revolução de 28 de Maio, a qual, a princípio de vacilantes passos em assuntos financeiros, conseguiu, encontrar alguém que a conduzisse a pôrto seguro, e pela Constituição de 1933 foi dada competência à Assemblea Nacional para tomar as contas res-

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peitantes a cada ano económico, que seriam apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas e demais elementos que fôssem necessários para a sua apreciação.
Mas para que na realidade não fôsse cerceada esta apreciação das contas nem retardado o seu julgamento, a lei n.º 1:885, de 23 de Março de 1935, veio libertar a sua apresentação e julgamento pela Assemblea Nacional da prévia decisão do Tribunal de Contas.
Ora, na realidade, não há em toda a matéria referente ao julgamento das contas públicas falta de preceitos através de todo o largo período histórico que muito sucintamente apresentei. Mas, se não há falta dessas disposições, o que é certo é que só agora se conseguiu, por uma forma bem positiva e bem firme, que tais contas viessem a ser aqui pontualmente apresentadas para serem por esta Assemblea julgadas por uma forma tam livre e consciente.
Eu não quero deixar de me associar, pùblicamente, ao julgamento destas contas. Diz-se, e corre mundo, que alguma cousa de novo e de grande se passa em Portugal. Diz-se e é verdade. Por isso é com o mais patriótico orgulho que eu dou o meu voto de aprovação às Contas Gerais do Estado da gerência de 1937.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a discussão, visto mais nenhum Sr. Deputado desejar falar.
Encontra-se na Mesa uma proposta de resolução, assinada pelo Sr. Deputado Araújo Correia, sôbre as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1937, e que é assim redigida:

A Assemblea Nacional, reconhecendo:
A) Que a cobrança das receitas públicas durante a gerência compreendida entre l de Janeiro e 31 de Dezembro de 1937 se adaptou quanto possível às condições económicas e sociais do País;
B) Que as despesas públicas nesse período deram satisfação às obrigações normais e extraordinárias do Estado, em conformidade com as disposições da lei;
C) Que o produto dos empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
f) Que foi mantido durante o mesmo período um rigoroso equilíbrio orçamental e é verdadeiro e legítimo o saldo de 211:972 contos apresentado nas contas respeitantes a 1937:
Resolve dar a sua plena aprovação às Contas Gerais do Estado do ano económico de 1937.

Assemblea Nacional, 2 de Março de 1939. - O Deputado José Dias de Araújo Correia.

Vai votar-se esta proposta de resolução.

O Sr. Linhares de Lima (para um requerimento): - Sequeiro que a votação se faça de pé.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam esta proposta de resolução tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão as contas da Junta do Crédito Público.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: vai a hora adiantada e só hoje foi distribuído aos Srs. Deputados o parecer da respectiva comissão acêrca das contas da Junta do Crédito Público de 1937.
Serei, por tais motivos, muito breve nas considerações que vou fazer acerca de tal assunto.
De todas as instituições do Estado Português certamente não haverá muitas, e poucas haverá até, cujos serviços estejam tam perfeitamente montados como estão os da Junta do Crédito Público, patentemente dêles se vendo a superior direcção que lhes é dada. Disso é prova evidente a maneira como tom apresentado as suas contas, designadamente as contas do ano de 1937, e o parecer que esta manhã nos foi distribuído não hesita em afirmar terem sido essas contas elaboradas e apresentadas em termos que se devem considerar notáveis.
Eu associo-me inteiramente a afirmação do parecer, porque reputo, na minha consciência, que, na realidade, as contas da Junta do Crédito Público são inegàvelmente notáveis. E seja-me permitido fazer uma pequena referência ao eco que no estrangeiro a Junta do Crédito Público merece, facto que ainda há bem pouco tempo se revelou notòriamente, depois das palavras do distinto professor Sr. Dr. Fernando Emídio da Silva, que, com o seu nome bem conhecido e apreciado nos meios universitários e bancários, conseguiu em Paris chamar a atenção para a remodelação da divida pública portuguesa e para os serviços da Junta do Crédito Público perante uma assistência selectíssima.
Nestas condições, e cumprido êste meu dever de consciência, eu felicito-me por ver que êste organismo do Estado conseguiu dar inteiro cumprimento ao disposto na lei n.° 1:933, de 13 de Fevereiro de 1936, simplificando e aperfeiçoando os seus serviços de uma forma tam satisfatória. E é consolador para mim ver que os serviços da Junta do Crédito Público merecem a todas as pessoas que se dão ao trabalho de os analisar uma apreciação tam lisonjeira.
Nestas condições, Sr. Presidente, eu gostosamente dou a minha aprovação às contas da Junta do Crédito Público de 1937.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Ninguém mais quere usar da palavra?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a discussão. Está na Mesa uma proposta de resolução assinada pelo Sr. Deputado João das Neves, que vou ler:

Considerando que durante o ano de 1937 continuou o reajustamento dos serviços da Junta do Crédito Público aos princípios informadores da lei n.º 1:933, de 13 de Fevereiro de 1936, no sentido de simplificar e aperfeiçoar os mesmos serviços e reforçar a eficácia do seu Fundo de amortização;
Considerando que a política do Govêrno em matéria de dívida pública continuou a afirmar-se durante o ano como a mais conveniente aos interêsses nacionais e aos princípios de boa administração financeira:
A Assemblea Nacional resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano económico de 1937.

Assemblea Nacional, 2 de Março de 1939. - O Deputado João Luiz Augusto das Neves.

Vai votar-se esta proposta de resolução e vai fazer-se a votação nos mesmos termos em que se fez a antecedente.

Consultada a Assemblea, foi aprovada por unanimidade.

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O Sr. Presidente: - Está em discussão o projecto de lei assinado pelos Srs. Deputados Nobre Guedes e Leite Pinto, sôbre aviação sem motor.
Tem a palavra o Sr. engenheiro Nobre Guedes.

O Sr. Nobre Guedes: - Sr. Presidente: quando apresentei o projecto que temos em discussão, disse a V. Ex.ª que me pareciam as suas disposições suficientemente claras e guardaria para êste momento algumas considerações que me parece podem justificá-lo.
Além do Sr. Deputado Leite Pinto deveria também assinar o projecto o Sr. Deputado Alfredo Sintra, que nêle colaborou. Não aconteceu assim simplesmente porque este Sr. Deputado esteve fora de Portugal e se se esperasse a sua chegada não seria possível discutir o projecto antes do encerramento da Assemblea.
Em resumo, pretende-se, por um lado acautelar os riscos do vôo à vela, através de uma conveniente fiscalização, e, por outro, proteger o seu desenvolvimento.
É confiado ao organismo próprio - o Conselho Nacional do Ar - cumprir pelos seus serviços, que sofrem uma pequena alteração no sentido conveniente, ambas as intenções.
A Câmara Corporativa, pelas suas secções de Defesa nacional e Educação física e desportos, deu uma parecer em todos os pontos concordante com o projecto. Êste parecer chegaria para justificar o que se tem em vista, dada a competência com que foi elaborado e as razões convincentes que apresenta.
As minhas palavras de modo algum podem acrescentar nada de novo, depois de tam expressivo parecer.
No entanto julgo-me na obrigação de fazer uma sucinta justificação da iniciativa do projecto, sem preocupações de ordem técnica, para o que me falta a competência necessária. E fá-lo-ei da maneira mais rápida para causar a V. Ex.ª o menor incómodo de me ouvir.
Sr. Presidente: entre nós n prática do vôo à vela pode dizer-se que foi iniciada, com sistema, pela Mocidade Portuguesa. Não se negam os merecimentos de outras tentativas isoladas, feitas anteriormente, mas deve reconhecer-se que elas não atingiram forma apreciável.
Desde 1937 que a Mocidade Portuguesa criou o seu centro de especialização de vôo à vela, tendo contratado, com a colaboração do Instituto para a Alta Cultura, técnicos estrangeiros, na falta dos nacionais com competência suficiente.
Neste primeiro ano de trabalho, em três meses de verão sensìvelmente, o centro passou:
11 certificados A e 2 B, tendo havido apenas 3 desistências.
No ano de 1938 trabalhou-se de Maio a Outubro.
Em 83 dias de instrução fizeram-se l:176 partidas:
1:077 com reboque de automóvel;
82 por bobine;
17 com reboque de aviação.
Passaram-se:
23 certificados A e 10 B, tendo havido 2 desistências e l reprovação.
Também no verão do ano passado um dirigente da Mocidade Portuguesa e dois filiados frequentaram a Escola de Vôo à Vela de Grunau, e os três obtiveram o certificado que corresponde à habilitação internacional para instrução do vôo à vela.
Actualmente a Mocidade Portuguesa estuda com o Aero Club de Portugal o aproveitamento racional dos elementos de que dispõem um e outro organismo para a instalação de uma escola destinada à instrução dos seus filiados e sócios. A criação dêste novo centro deve permitir uma grande melhoria de processos e pode vir a ter um rendimento muito apreciável, não só no número de certificados a conseguir em cada período de trabalho, mas também no ponto de vista económico.
O vôo à vela é hoje praticado em muitos países, pelo que não é fácil dar uma idea completa do que se faz em cada um dêles. Faz-se vôo à vela na Itália, na Alemanha, na Polónia, na Suíça, na Checo-Eslováquia, na Inglaterra, na França, na Rússia, etc.
Pode marcar-se 1920 como ano de início. A Alemanha, que viu a sua aviação militar quási destruída depois da guerra e impedida a sua reorganização pelos tratados de paz, lançou-se com entusiasmo na aviação sem motor e pode considerar-se, com justiça, um país da vanguarda na matéria.
Para se dar uma nota do actual estado de cousas neste país basta citar os resultados da sua prova de maior importância, que é a Taça do Reno. Em 1935 foi disputada por 60 concorrentes.
41 fizeram vôos de 200 quilómetros,
16 fizeram vôos de 300 quilómetros e
4 fizeram vôos superiores a 500 quilómetros.

É bom dizer que todos estes percursos são feitas com indicação do ponto de chegada.
O recrutamento para a aviação com motor na Alemanha é feito entre os pilotos do vôo à vela e o número dêstes permite que por cada 50 se encolha um.
Em França, onde o vôo à vela se fez livremente, de entrada, sem fiscalização capaz e, portunto, tendo-se obtido uma prática viciada, o número de acidentes, embora sem gravidade, provocou uma campanha de descrédito. Mas por fim acabou por ser Consagrado. E assim foi o próprio Ministro do Ar dêste país quem estabeleceu as seguintes condições: para fazer um piloto de aviação de turismo são impostas por lei quinze horas de treino. Êste número reduz-se para doze se se trata de indivíduo com o certificado B e a oito para um do certificado C. Estas disposições de lei são de 1935 e 1936.
Na Rússia, onde a aviação constitue uma preocupação sobejamente conhecida, há 1:200 centros locais de aviação sem motor e 200 centros regionais.
Como V. Exas. sabem a aviação sem motor baseia-se essencialmente no aproveitamento das correntes de ar ascendentes, pelo que na construção dos aparelhos se procura reduzir ao mínimo a velocidade de queda e ao máximo a velocidade de trajectória.
Sr. Presidente: no desenrolar do desenvolvimento da aviação sem motor podem -considerar-se duas fases distintas; uma de 1920 a 1925 e outra desta data por diante. Os resultados no primeiro período foram de tal sorte animadores que lhe foram exageradas as possibilidades, a ponto de se admitir que a aviação sem motor poderia substituir a aviação com motor. Esta falsa idea trouxe desilusões, naturalmente, e arriscou o futuro da aviação sem motor. Felizmente o êrro desfez-se a tempo e os progressos acentuaram-se notàvelmente quando prevaleceu a idea verdadeira, isto é, quando a aviação sem motor se afirmou com possibilidades próprias, independentes.
Parece-me curioso dizer a V. Exas. os resultados máximos obtidos até ao presente, comparados com os melhores resultados de 1925, quanto a duração de vôo, distância e altitude:

[Ver Tabela na Imagem]

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Até 1926 utilizaram-se no vôo, exclusivamente, as correntes de ar ascendentes das vertentess das montanhas.
A partir de 1928, depois de longos estudos e experiências, foi descoberta a utilização das correntes ascendentes térmicas existentes acima das planícies. O avanço dado por esta descoberta foi extraordinário.
Chama-se no vôo à vela o «vôo térmico puro» a esta espécie de vôo com o aproveitamento de correntes ascendentes térmicas sem a existência de nuvens. Para o empreender o pilôto deve guiar-se pelos sentidos e com a ajuda dum aparelho especial, o «variómetro», que acusa a entrada nas zonas ascendentes térmicas.
Para esta espécie de vôo tem servido de elemento de estudo o vôo das aves. Como elas, o pilôto deve atingir as grandes altitudes em espirais contínuas, procurando as zonas de correntes ascendentes térmicas.
Um grande subsídio para êste estudo do vôo das aves foi dado pelo francês Pierre Idrac, que recolheu grande soma de ensinamentos das excursões feitas à África entre 1919 e 1923 e aos mares polares de 1924 a 1932.
O Prof. Walter Giorgii, que, a convite do Instituto para a Alta Cultura, esteve em Portugal, onde fez interessantíssimas conferências, o Prof. Giorgii, que é o director do Instituto de Investigação do Vôo à Vela em Damstadr, na Alemanha, fala-nos duma espécie de abutres que encontrou mis regiões tropicais e que são famosos especialistas do vôo à vela. Em grandes bandos, sem o menor movimento das asas, circulam nas zonas das correntes de ar ascendentes térmicas.
O vôo sem motor abaixo das nuvens oferece menos dificuldade do que o vôo térmico puro pròpriamente dito. As correntes ascendentes térmicas abaixo das nuvens oferecem, além duma indicação mais segura, uma zona extensa com grande velocidade na direcção vertical. Não admira portanto que nesta espécie de vôo se tenham alcançado as maiores proesas do vôo à vela.
Uma outra espécie de vôo que à primeira vista pode parecer extremamente perigoso é o que se realiza aproveitando a testa das tempestades. A penetração das massas de ar frio nas do ar quente provocam fortes correntes ascendentes. O risco esta em se deixar o pilôto envolver pelas nuvens de tempestade, o que não é difícil evitar, desde que seja prudente.
A violência dos ventos ascendentes no interior das nuvens é extraordinária. Numa experiência feita com um avião com motor, um trimotor Junker, que se envolveu nas nuvens, verificou-se que, tendo o avião para se libertar que picar de 5:500 metros para 1:200, a curva de descida acusou momentos de elevação, apesar de a velocidade de descida ser de 200 quilómetros à hora.
O vôo nas nuvens tem uma grande importância para a obtenção de grandes distâncias pelo aproveitamento das linhas de nuvens, que em todo o seu comprimento oferecem um largo campo de correntes ascendentes.
Sr. Presidente: por último direi poucas palavras sôbre o vôo marítimo. Foi um compatriota nosso, o bolseiro do Instituto para a Alta Cultura na Alemanha, dos primeiros que construíram um hidro-pairador, que ensaiou no Tejo. Depois dêle o Instituto alemão já construiu um modêlo moderno e resistente, que ensaiou com bons resultados aio Lago Constança. O Prof. Giorgii tem muitas esperanças no futuro do vôo marítimo o pensa, aproveitar os navios porta-aviões que a Companhia Lufthansa tem instalados como pontos de apoio para a navegação aérea nas costas da África e da América do Sul para prosseguimento dos seus estudos.
Como V. Exas. sabem, ao contrário do que acontece com a aviação terrestre, a época mais favorável para o vôo à vela marítimo é o inverno, visto que a água se conserva nesta época mais quente do que o ar, fenómeno inverso do que se verifica no solo.
Não é fácil prever até onde podem ir os progressos do vôo à vela, para o que basta pensar que até hoje só têm sido utilizadas as correntes térmicas ascendentes, provenientes do solo aquecido, e só muito raramente foram aproveitadas no vôo as correntes ascendentes que provêm do resfriamento nas grandes altitudes.
O vôo à vela, como desporto, reúne todas as qualidades, que o recomendam para a juventude. Constitue um treino excelente de resistência física e moral, e é ao mesmo tempo uma magnífica escola de disciplina, uma preocupação séria com os seus aspectos científicos e técnicos.
Por outro lado, é de considerar a vantagem do vôo à vela no campo da preparação para a aviação com motor.
Em regra os praticantes do vôo à vela devem colaborar com as suas próprias mãos na construção dos aparelhos, o que lhes dá uma noção clara das responsabilidades e lhes permite adquirir conhecimentos de aeronáutica, embora elementares.
Além disso o pilôto do vôo à vela dispõe dos conhecimentos fundamentais da técnica do vôo. No treino adquire o sentido do vôo, educa a vista e a segurança da mão, ao mesmo tempo que toma contacto com os fenómenos atmosféricos. Êste facto é tam importante que a Companhia Lufthansa faz a maior propaganda do vôo à vela entre os seus pilotos, porque a sua prática facilita a consolidação e aperfeiçoamento dos conhecimentos sôbre os elementos atmosféricos.
Mas onde mais assinaladamente se reconhecem as vantagens do vôo à vela, com vista ao vôo com motor, é no estudo dos tipos de aparelhos, na constante busca das formas de maior perfeição aerodinâmica. Os benefícios neste campo de investigação já se têm sentido com consequência nos tipos de aviação com motor o continuarão naturalmente a sentir-se.
Parece-me ter dito, embora ràpidamente e mal, o bastante para justificar a oportunidade da aprovação do presente projecto de lei. Mas V. Exas. dirão a êste respeito a última palavra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Leite Pinto: - Sr. Presidente: apresento a V. Ex.ª as minhas saudações muito respeitosas e os protestos da mais leal colaboração.
Sr. Deputados: para V. Exas. os meus cumprimentos e a sincera expressão da melhor camaradagem.
Sr. Presidente: em 1932, no Observatório de Meudon, onde trabalhava, fui pôsto em contacto com um repetidor da Escola Politécnica de Paris, Pierre Idrac.
Interessava à direcção do Observatório que êle e eu nos puséssemos de acôrdo quanto às horas de utilização de um instrumento de que ambos necessitávamos para as nossas pesquisas.
Logo no primeiro dia soube, sem curiosidade de maior, que as investigações a que procedia respeitavam às correntes atmosféricas no que interessava ao seu aproveitamento para o vôo à vela.
Nos dias seguintes, durante os dez minutos da, digamos, rendição da posse do aparelho com que ambos trabalhávamos, fui pouco a pouco sabendo que Idrac tinha sido subsidiado pela Junta Francesa das Investigações e Inventos para efectuar nos mares polares do norte e do sul, na África sahariana e tropical e no Estado Brasileiro de Amazonas expedições científicas que atingiam já naquele tempo o número de doze!
Estas expedições haviam tido por fim o estudo experimental do vôo à vela das aves, melhor diremos dos vôos à vela, visto haver mais do que uma espécie dêsses vôos.
O lançamento de papagaios nas regiões atmosféricas onde vôam as aves veleiras permitiu o estudo das fon-

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tes de energia interna do ar, tanto estática como dinâmica.
As medidas de temperatura foram feitas com base nas variações da resistividade da platina.
Instalava-se no papagaio uma pequena bobine de fio de platina, ligada, ao longo do cabo, a unia ponte de Wheastone.
As medidas de pressão foram feitas com base no desnível de tubos ligados a um termostato, desnível êsse mensurável no chão por intermédio da determinação da resistência óhmica de dois fios mergulhados no líquido.
As medidas da velocidade do vento foram feitas com base na tracção do cabo, tendo-se prèviamente, em túnel aerodinâmico, determinado a função que liga as duas grandezas.
As medidas da componente vertical do vento foram feitas por duas formas:
1) Por balões-sondas portadores de bases de l metro observadas por teodolito especial;
2) Por galhardetes presos ao cabo do papagaio e examinados por outro teodolito.
Uma vez conhecidos os valores da temperatura, da pressão e das velocidades locais em determinados instantes, Idrac examinou o vôo das aves no mesmo intervalo de tempo nos arredores do papagaio e de tal exame sistemático tirou leis experimentais.
Uma série de ensaios de laboratório levou à conclusão da existência de correntes do convexão sôbre os desertos e em nova expedição a regiões desérticas verificou-se que as aves veleiras deslizavam em tôrno dos papagaios quando a temperatura e a componente vertical da velocidade aumentavam e só afastavam dêles quando aquelas grandezas deminuíam.
As correntes de convexão evidenciavam-se pelo vôo de conjunto dos abutres que subiam helicoidalmente nas chaminés ascendentes e só atravessavam as chaminés descendentes para entrarem em nova corrente ascendente.
Quere dizer: as aves veleiras do deserto fazem vôo à vela térmico.
Em contacto com Idrac fui levado, por simples curiosidade cultural, à leitura de algumas memórias sôbre a matéria, e verifiquei então a importância do assunto tanto na aerodinâmica como nas suas aplicações ao vôo humano.
Sob o ponto de vista da aerodinâmica, o vôo à vela - que podemos definir como o motivado pela utilização metódica e científica das correntes ascendentes da atmosfera, - tem permitido grandes progressos no estudo da estrutura do vento. E tal estrutura há longos anos que preocupa os homens de ciência e os engenheiros.
Uma das primeiras comissões de inquérito que se ocuparam do assunto foi a constituída em Inglaterra quando, em 1879, caiu a ponte de Tay, arrastando um comboio na sua queda. Dessa comissão fez parte Stokes, que bem previu a necessidade de pesquisas feitas por observadores que estivessem integralmente mergulhados no meio atmosférico.
Conclusão idêntica tirou a Wind Structure Sub-Comitee do Aeronautical Research Comitee, criado a seguir à catástrofe do R. 33, em 1925.
Ora a partir de 1934 as comissões de investigação científica, criadas para assuntos análogos - como a formada em França quando do desastre do trimotor Emêraude - agregaram a si técnicos do vôo sem motor e investigadores de uma nova especialidade, a meteorologia do relevo, nascida da interpretação científica dos vôos de Kronfeld.
Sr. Presidente: em 1934, o benemérito organismo que o Estado Novo criou com o nome de Junta de Educação Nacional, organismo hoje fortalecido sob o nome de Instituto para a Alta Cultura, entendeu que se devia iniciar entre nós o estudo do voo sem motor. E entendeu-o até porque êste estudo orienta cientificamente um desporto que, de entre todos, mais deve preocupar na nossa época as instituições tendentes ao fortalecimento da Nação.
O vôo à vela tem, além de todas as vantagens de qualquer desporto - desenvolvimento da atenção, da presença de espírito, da bravura, da camaradagem, da disciplina - a grande vantagem da aviação: criar o sentimento do ar.
É o desporto que melhor mostra que prudência e coragem podem e devem marchar juntas, o desporto arejado por excelência, um desporto sem perigo, quando bem praticado, um desporto onde o desportista deve construir o seu aparelho, quási com êle se irmanando!
A aviação sem motor é o único desporto, que permite aos rapazes abraçar com os olhou a sua terra - a nossa terra vista de alto!
Os homens e as paixões esbatem-se, desaparecem, e vale bem a pena educar assim os rapazes do nosso tempo!
A idea do Instituto para a Alta Cultura encontrou bom terreno na Mocidade Portuguesa.
As duas maiores obras do Estado Novo no campo da educação nacional - Instituto para a Alta Cultura e Mocidade Portuguesa - uniram-se para que se fizesse entre nós um grande ensaio educativo: o do vôo sem motor!
O Sr. engenheiro Nobre Guedes acaba de nos informar que tal experiência se fez com êxito: 30 a 40 brevets de pilotos de vôo pairado.
A experiência da Mocidade Portuguesa mostrou que a prática do vôo sem motor deve ser generalizada e a tal generalização visa o projecto que tive a honra de subscrever com aquele meu colega.
A Mocidade Portuguesa fez o seu ensaio com método e cautelas e para isso foi buscar instrutores à Alemanha, onde êles são melhores e onde há três anos se haviam colhido elementos; para o estudo do problema.
Os vôos pairado e à vela tinham-se desenvolvido nesse país, graças a uma disposição do Tratado de Versalhes e por tal forma se desenvolveram que o vôo sem motor chegou a ser encarado como vôo do futuro!
A Alemanha, vai neste ramo da aviação e da aerodinâmica à frente das outras nações, porque pilotos e investigadores, sôbre a orientação do Estado, formam uma mesma corporação. Na Alemanha o estudo é sistemático e contínuo em inúmeros institutos oficiais de investigação e a prática, feita em larga escala e obedecendo a programas pre-estabelecidos e cumpridos, já deu o brevet de piloto de vôo à vela a mais de 12:000 rapazes.
O grande cientista alemão do vôo sem motor, o Prof. engenheiro Walter Georgii, que a convite do Instituto pura a Alta Cultura nos visitou há dois anos, pôs em relêvo a grande importância dêste desporto como prática para a aviação com motor, como introdução elementar à construção aeronáutica, como escola de moral e de energia, como desporto científico por excelência.
Também sob o ponto de viste dos ensinamentos técnicos do vôo sem motor na construção de aviões é de notar que as linhas aerodinâmicas dos aviões actuais foram inspiradas nos estudos dos pairadores de performance e que os ensaios sôbre tipos de pairadores substituíram em parte os ensaios sôbre modelos reduzidos em túneis aerodinâmicos, porque o vento artificial que nestes sopra não tem as características do vento real.
Sob o ponto de vista da aviação com motor já aqui foi dito, e vem escrito no parecer da Câmara Corporativa, que novas possibilidades foram abertas à aviação

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sôbre montanhas. As mesmas possibilidades aparecem nos vôos sôbre regiões desérticas, nas aterragens forçadas, nos vôos picados dentro de nuvens e nas frentes das tempestades.
Sr. Presidente: há poucos anos - ontem ainda - os pilotos do vôo à vela orientavam-se pelo vôo das aves veleiras. Onde estas evolucionavam havia, certamente, uma corrente ascendente.
Hoje, para glória do homem, são as aves veleiras que seguem os pairadores!
Bom destino o da Mocidade Portuguesa: poder sulcar sem guia nenhum e com segurança o oceano aéreo de Portugal!

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Sintra: - Sr. Presidente: é a primeira vez que nesta Legislatura subo a esta tribuna e - não por ser praxe desta casa, mas por não querer perder qualquer oportunidade de o fazer -, antes de entrar no assunto em discussão, novamente apresento a V. Ex.ª a expressão da minha grande admiração pelas suas altas virtudes e qualidades.
O douto parecer da Câmara Corporativa e as brilhantes considerações aqui feitas pelos ilustres Deputados engenheiro Nobre Guedes e Dr. Leite Pinto são, segundo julgo, mais do que suficientes para esclarecer V. Ex.ª e para demonstrar que o projecto de lei em discussão merece a nossa completa aprovação, e, se não fôsse o facto de eu ser aviador, embora um dos mais apagados, mas o único que faz parte desta Assemblea, vir desempenhando há já bastante tempo as funções de secretário do Conselho Nacional do Ar e ter colaborado, ainda que muito ao de leve, na redacção do projecto de decreto, o que me fez pensar que tinha obrigação de aqui vir, não me teria atrevido a cansar a atenção de V. Ex.ª em assunto que, como disse, considero já esclarecido.
Visa o projecto de decreto da autoria dos Srs. Deputados Nobre Guedes e Leite Pinto a regulamentação entre nós do vôo sem motor, por forma a que a sua prática se faça com ordem, evitando que más orientações prejudiquem o seu natural desenvolvimento.
Os diplomas que actualmente regem a navegação aérea em Portugal são a Convenção Internacional de Navegação Aérea, de 13 de Outubro de 1919, à qual Portugal deu a sua adesão, e o regulamento de navegação aérea, publicado com o decreto n.° 20:062.
O organismo encarregado de estudar os problemas da aviação civil e de proceder à sua fiscalização é o Conselho Nacional do Ar, criado pelo decreto n.° 16:522. Tanto aqueles diplomas como os decretos que criaram o Conselho Nacional do Ar e o regulamentaram não contêm, porém, disposições concretas sôbre a prática do vôo sem motor.
Qualquer dêstos documentos visou especialmente a regulamentação da navegação da aviação com motor, dos dirigíveis e dos balões, e, embora se refiram à aviação sem motor, na classificação das aeronaves, considerando os pairadores como aeronaves, que devem portanto ser matriculadas, e estabelecendo certas regras na circulação aérea quando estejam voando aviões sem motor, o que é certo é que não contêm todos os elementos indispensáveis.
No que se refere à aviação com motor ficaram claramente definidas as condições a que devem obedecer tanto o pessoal como o material.
Quanto ao pessoal, ficaram estabelecidas as condições físicas a que devo satisfazer - foram classificados os certificados de competência e as licenças para poder pilotar, exercer as funções de navegador, radiotelegrafista e mesmo ficaram estabelecidas as provas a que deve ser submetido para a obtenção do cada um dos certificados, os exames médicos a que periòdicamente tem do ser sujeito, etc.
Quanto no material, foram classificados os aparelhos conforme a sua utilização e foram estabelecidas as condições mínimas a que deverão obedecer para poderem ser admitidos na circulação aérea.
O Sr. engenheiro Nobre Guedes disse há pouco que a Mocidade Portuguesa (organização digna da nossa admiração o à qual presto a minha homenagem tanto pela iniciativa que tomou a êste respeito como pelos resultados obtidos) tinha concedido um certo número de certificados A e B de piloto de avião sem motor.
Eu sei que estes certificados foram concedidos de acôrdo com os princípios estabelecidos pela Federação Aeronáutica Internacional, mas o que é certo é que, não sendo a Federação Aeronáutica Internacional um organismo reconhecido oficialmente, os certificados concedidos ou não têm valor ou têm valor ilimitado, não sendo de admitir qualquer destas hipóteses.
É pois indispensável regulamentar a fim de serem fixadas regras sôbre o assunto.
É necessário fixar, a semelhança do que está feito para a aviação com motor:
As condições a que deverão obedecer os centros de aviação sem motor para poderem funcionar;
As condições a que deverão obedecer os candidatos a admissão nos centros de aviação sem motor;
A classificação dos certificados e respectivos direitos e as provas para a sua obtenção;
As condições a que deverão obedecer os pilotos de vôo sem motor para poderem ser instrutores.
No que respeita ao material não estão determinadas as condições a que deve obedecer; é também necessário determiná-las, isto é, é preciso estabelecer um regulamento precisando as qualidades que deverão ter os aviadores para poderem ser utilizados seja em instrução seja em vôos de treino.
No que respeita ao pessoal e material é êste o objectivo do projecto de decreto-lei.
É claro que sem os necessários elementos a fiscalização por quem de direito não é possível e é também claro que corremos o risco, por má orientação no desenvolvimento entre nós do vôo sem motor, de assistir a desastres que acarretarão o natural retraimento para uma actividade que deve merecer toda a atenção, visto interessar sob vários aspectos, inclusive no que se refere à defesa nacional.
A êste respeito diz a Camará Corporativa no seu parecer:

«Pelo que respeita à defesa nacional facilita-se quanto à arma de aeronáutica a solução de um problema que hoje se apresenta em todas as armas o em todos os países.
A preparação em períodos curtos do pessoal necessário às múltiplas especializações de aprendizagem demorada».

Uma das especializações que mais tem preocupado as nações na sua preparação para a guerra tem sido sem dúvida a formação de um grande número de pilotos aviadores. Muito mais do que a constituição de uma grande reserva de aviões.
No momento que antecede a guerra é fácil improvisar uma grande frota aérea no que respeita ao material; é porém impossível improvisar o seu pessoal técnico.
O aeroplano é uma máquina que se fabrica em série e que pode, portanto, fazer-se muito ràpidamente. Com o pilôto não sucede o mesmo: trata-se de um ser humano que necessita de demorada instrução e adaptação a um meio novo para poder exercer as suas funções,

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Como muito bem disseram os ilustres Deputados engenheiro Nobre Guedes e Dr. Leite Pinto, o pilôto de vôo à vela adquire no treino «o sentido do vôo, educa a vista e a segurança da mão e familiariza-se com os fenómenos atmosféricos».
Sendo estas algumas das qualidades que os pilotos de avião com motor mais tempo levam a adquirir, é indiscutível que a prática de vôo sem motor por um grande número de indivíduos será um factor importantíssimo para o fácil recrutamento de pilotos para a nossa aviação militar.
Não é, porém, só esta a facilidade que se encontra para o recrutamento de pessoal especializado para a aeronáutica militar pela prática nos centros de vôo sem motor.
Há mais:
Á instrução nos centros de aviação sem motor não Comporta sòmente a prática do vôo; comporta também a reparação dos pairadores e sua conservação e até a sua construção - tudo feito pelos próprios alunos.
Aqueles portanto que, por qualquer circunstância, não puderam ser aproveitados para pilotos ficarão tendo conhecimentos que permitirá o seu aproveitamento para outras especialidades.
A célula de um pairador é muito semelhante à célula de um avião, a prática de tratamento, reparação e construção de pairadores dará naturalmente possibilidades de recrutamento de pessoal para o tratamento, reparação e mesmo construção de aviões.
Em conclusão: concorrendo a aviação sem motor para a resolução do difícil problema do recrutamento de pessoal técnico para a nossa aeronáutica, é indispensável e urgente que a sua prática passe a fazer-se segundo regras que asseguram o seu desenvolvimento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Considera-se encerrada a discussão na generalidade. Vai passar-se à discussão na especialidade.
Está em discussão o artigo 1.° do projecto.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 2.°, tenho algumas dúvidas e por isso peço ao Sr. Deputado autor do projecto o favor de me esclarecer. Diz-se ali o seguinte:
Leu.
Eu pregunto se esta disposição traz aumento de despesa.

O Sr. Nobre Guedes: - Não traz aumento de despesa, porque êsses cargos são gratuitos.

O Sr. Presidente: - Está muito bem. Os cargos são gratuitos. Fica isso consignado.
Está em discussão o artigo 2.°
Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.°.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.°

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Pelo que respeita ao artigo 5.°, não o posso pôr à discussão, nem à votação, porque o reputo inconstitucional.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 6.º.

Pausa.

O Sr. Presidenta: - Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão e votação dêste projecto e está concluída também a matéria da ordem do dia desta sessão.
Nestas circunstâncias, vão terminar os trabalhos da primeira sessão legislativa.
Antes de terminar, porém, devo notar que a Comissão de Redacção, como V. Exas. sabem, tem de dar a forma última a dois diplomas que foram aprovados: o projecto que acaba de ser votado e o outro que se votou relativamente ao exercício da medicina por parte de médicos estrangeiros.
Não podem contudo os textos que forem aprovados pela Comissão de Redacção ser já submetidos à apreciação da Assemblea nesta sessão legislativa.
De harmonia portanto com a prática que se tem seguido, proponho que se dê um voto de confiança à omissão de Redacção para dar redacção definitiva a êsses dois projectos.
Os Srs. Deputados que aprovam esta proposta deixam-se ficar sentados; os que rejeitam levantam-se.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Agora apresento a V. Exas. os meus afectuosos cumprimentos e os meus agradecimentos pela cooperação leal e dedicada que sempre me dispensaram.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

O REDACTOR - Costa Brochado.

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CAMARÁ CORPORATIVA

Parecer sôbre as rectificações dos mapas do plano do povoamento florestal, enviados pelo Exmo. Ministro da Agricultura

Estamos seguros de não exagerar dizendo que S. Ex.ª o Ministro da Agricultura dá, com o envio das rectificações que nos cumpre apreciar, um alto, raro, exemplo de isenção e - permita-se-nos a expressão - de louvável modéstia governativa, aliado ao imito da verdade e do rigor nos processos administrativos, que constituem o timbre da sua acção ministerial e são, aliás, presentemente, a regra da administração nos serviços públicos do Estado.
Com efeito, a proposta de lei sôbre o povoamento florestal, de que S. Ex.ª teve a feliz iniciativa, foi pròpriamente constituída apenas pelas quinze bases do que se compunha, acompanhadas dum lúcido relatório que as explicava.
A apreciação desta Câmara foi submetida, porém, uma série de mapas que se propunham a elucidar sôbre as condições financeiras em que aquele vasto empreendimento se deveria realizar, escalonando-se os gastos pelo previsto período de trinta anos.
Evidentemente, tratava-se de meras estimativas, e não de orçamentos com tabelas de despesas de carácter rígido. Bem o reconheceu esta Câmara quando no seu relatório disse: «As bases da proposta de lei não contêm um plano financeiro detalhado. Dos mapas que a acompanham só há referência expressa aos anos 3 e 7, mas estes não contêm cláusulas financeiras. Os mapas n.ºs 4 e 4-A para as dunas e 8 e 8-A para as serras estabelecem o cômputo provável, que é, só para as serras, de 640:638.428$ nos trinta anos» e quando, noutro passo, afirmou ser impossível fazer previsão segura sôbre as despesas efectivas que haverá de fazer-se no decurso de trinta anos, de tal modo, durante tam longo período, é provável que variem os preços da mão de obra e dos materiais.
Nestas condições, ainda quando se não tratasse dos meros lapsos de escrita ou dos pequenos erros de cálculo, que não são de estranhar em tam numerosos mapas eriçados de cifras, não poria esta Câmara dúvida em reconhecer a necessidade de se fazerem algumas e porventura sucessivas correcções nas estimativas da primeira hora. A mais importante rectificação agora feita diz respeito à construção das estradas florestais, que, por lapso de cifra, foram calculadas a 5.000$ por quilómetro, quando deve ser de 50.000$ por quilómetro, como de resto é óbvio.
Efectivamente no parecer desta Câmara - e nesta orientação se mantém ainda - atendeu-se sobretudo às vantagens de ordem económica, higiénica, militar e turística que do sistemático revestimento florestal certamente resultarão.
As rectificações agora apresentadas importam, bem feitas as contas, num aumento global de despesa, durante os trinta anos, de 106:801.572$, a que corresponde a média de 3:560.052$40 por ano. E dizemos média porque as despesas não são escalonadas por igual, sendo maiores em alguns anos que noutros.
Dados os benefícios apontados - e considerando mesmo a possibilidade de que, de facto, nem tanto seja preciso gastar, pois que, como também foi observado já por esta Câmara, em regra, as estimativas de despesas oficiais «as condições em que estas foram feitas excedem o que na realidade; virá a gastar-se, desde que continuem a observar-se, como se espera, as boas regras de administração agora em prática -, o aumento de despesa é, em verdade, muito pouco vultuoso para que possa modificar o aplauso que o plano de povoamento florestal lhe mereceu.
É, pois, parecer da Câmara Corporativa, na sua função consultiva sôbre os planos de reconstituição económica, que as rectificações agora presentes são inteiramente de aceitar e em nada modificam a opinião anteriormente formulada sobre a alta conveniência da execução do plano de povoamento florestal tal como foi votado pela Assemblea Nacional, sob proposta de S. Ex.ª o Ministro da Agricultura.

Lisboa, 2 de Março de 1939.

Afonso de Melo, assessor, relator.
José Inácio de Castelo Branco.
João Lourenço Castelo Branco.
José Gabriel de Noronha e Silveira.
Albino Vieira, da Rocha.
Ezequiel de Campos.
Rui Enes Ulrich.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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