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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59
ANO DE 1940 12 DE JANEIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 58 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 11 de Janeiro
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.
Manuel Lopes de Almeida
Gastão Carlos de Deus Figueira
Nota. - Foram publicados dois suplementos ao Diário das Sessões n.º 58, constando de avisos da Assemblea Nacional: o 1.º declara a interrupção do funcionamento efectivo da Assemblea Nacional e o 2.º marca a reabertura da Assemblea para o dia 11 de Janeiro, e não para o dia 8, como fora anteriormente designado.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 43 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o último número do Diário das Sessões.
O Sr. Presidente declarou estarem na Mesa, para serem submetidos à ratificação da Assemblea, os seguintes decretos-leis:
N.º 30:120, que autoriza a Câmara Municipal de Elvas a ceder gratuitamente à Casa do Povo de Barbacena. uma faixa de terreno com destino ao campo de jogos para os associados dêsse organismo corporativo;
N.º 30:121, que autoriza a Câmara Municipal do Figueira doa Vinhos a ceder gratuitamente à Casa do Povo local uma parcela de terreno com destino à edificação da no ca sede do referido organismo corporativo;
N.º 30:124, que abre um crédito para reforço da dotação inscrita no orçamento do Ministério da Guerra na alínea a) do n.º 2) do artigo 46.º, capitulo 3º:
N.º 30:129, que admito até ao fim do próximo ano a tolerância de 1 grau na acidez do azeito alimentar em relação à estabelecida no decreto n.º 17:774;
N.º 30:131, que estabelece as regras para o pagamento e remição do furo em propriedades;
N.º 30:133, que altera o disposto no § 2.º do artigo 14.º do decreto-lei n.º 28:210, que estabelece a organização da corporação dos oficiais da armada;
N.º 30:134, que reforça várias verbas do orçamento do Ministério da Guerra;
N.º 30:135, que estabelece os princípios gerais de orientação e coordenação a que hão-de submeter-se os estabelecimentos de educação para o serviço social e aprova o plano geral de estudos e programas, tudo para a formação de dirigentes idóneas e responsáveis no meio a que se destinam, ao mesmo tempo conscientes e activas cooperadoras da Revolução Nacional;
N.º 30:137, que autoriza o Governo, emquanto durar o estado de guerra na Europa e até onde o exija a defesa da economia nacional, a determinar, por intermédio dos Ministérios competentes, que as importações ou exportações de dados produtos sejam feitas em regime de contrato colectivo, celebrado pelo organismo corporativo ou de coordenação económica do respectivo sector;
N.º 30:138, que autoriza as Direcções Gerais dos Serviços Agrícolas e Florestais a ceder gratuitamente aos produtores agrícolas castanheiros, nogueiras e aveleiras para repovoamento e intensificação da cultura dessas espécies nas regiões apropriadas e autoriza a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas a ceder, a titulo de auxilio aos vinicultores menos- abastados, porta-enxertos adequados para substituição dos produtores directos americanos arrancados ou inutilizados por efeito da aplicação da lei n.º 1:891:
N.º 30:139, que autoriza a Câmara Municipal de Ourique a ceder gratuitamente ao Estado uma faixa de terreno com destino à construção de um edifício próprio para a instalação dos serviços dependentes da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones;
N.º 30:141, que aumenta os quadros do pessoal das delegações e dos serviços administrativos do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência a que se refere o decreto-lei n.º 23:0-53, desdobra em duas secções a Secção de Previdência Social do mesmo Instituto e deminue de uma unidade o número de segundas oficiais;
N.º 30:143, que autoriza um abono de acréscimo do gratificação mensal aos professores da Escola de Enfermagem Artur Ravara, dos Hospitais Civis de Lisboa, pelo desdobramento de turmas, durante oito meses em cada ano lectivo, desde que o número de alunos do 1.º ano do curso geral da mesma Escola seja superior a cento e vinte;
N.º 30:148, que determina que a pesca nos rios e lagoas, nos portos artificiais e docas e nas demais águas territoriais sob à jurisdição das autoridades marítimas só possa ser exercida por meio de redes e aparelhos autorizados e nas condições aprovadas pelo Ministro, ouvida a Comissão Central de Pescarias, e exceptua da aplicação do referido diploma, os rios Minho, Coura e Lima e a ria de Aveiro;
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N.º 30:202, que torna aplicável a todas as câmaras municipais, incluindo as de Lisboa e Porto, a doutrina do corpo do artigo 7.º e a do artigo 8.º do decreto n.º 22:520, com as alterações introduzidas pelo decreto n.º 28:955;
N.º 30:209, que autoriza o Ministro a, contratar para servido no Conselho Técnico Corporativo do Comercio e da Indústria o pessoal indispensável ao desempenho das funções especiais que lhe sejam cometidas para defesa da economia nacional;
N.º 30:214, que aprova o Estatuto dos distritos autónomos e a lei orgânica dos Heróicos das juntas gerais dos distritos autónomos das ilhas adjacentes;
N.º 30:215, que autorisa a Câmara Municipal do Montijo a ceder gratuitamente ao Estado uma porção de terreno com destino à construção de um edifício próprio pare a instalação dos serviços dependentes da Administração Geral dou Correios, Telégrafos e Telefones;
N.º 30:219, que modifica alguns artigos da tabela geral do imposto do selo, aprovada pelo decreto n.º 21:916;
N.º 30:222, que autoriza as Faculdades de Medicina o de Ciências das Universidades de Coimbra, Lisboa e Porto a contratar no ano escolar de 1939-1940 vário pessoal;
N.º 30:227, que permite à comissão administrativa da lotaria efectuar lotarias especiais, fazendo-se as emissões negando as exigências dos mercados.
A Assemblea autorizou o Sr. Deputado Abel Varzim a depor como testemunha, denegando autorização semelhante ao Sr. Deputado Favila Vieira.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Acácio Mendes, que homenageou a Finlândia, Nunes Mexia e Melo Machado, que se ocuparam dos desastres causados pelas recentes cheias, e Cancela de Abreu, que apresentou um projecto de lei para a suspensão da aplicação da lei, em 1940, aos portugueses em situação militar irregular que desejem visitar a Pátria, pedindo urgência para o projecto, que foi reconhecida pela Assemblea.
Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, sobre a ratificação do decreto-lei n.º 29:449 usaram da palavra os Srs. Deputados Braga da Cruz, Madeira Pinto e Augusto Crêspo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 58 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes.
Srs. Deputados presentes à chamada 71.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 6.
Srs. Deputados que faltaram a sessão, 5.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Ganha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
Clotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Quedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Pestana dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Angelo César Machado.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
João Xavier Camarate de Campos.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
António Maria Pinheiro Tôrres.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 36 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 43 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
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O Sr. Presidente: - Considero-o aprovado, visto ninguém pedir a palavra.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa para serem submetidos à ratificação da Assemblea os seguintes decretos-leis:
N.º 30:120, que autoriza a Câmara Municipal de Elvas a ceder gratuitamente à Casa do Povo de Barbacena uma faixa de terreno com destino ao campo de jogos para os associados desse organismo corporativo (Diário do Govêrno de 13 de Dezembro de 1939);
N.º 30:121, que autoriza a Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos a ceder gratuitamente à Casa do Povo local uma parcela de terreno com destino à edificação da nova sede do referido organismo corporativo (Diário do Govêrno de 13 de Dezembro de 1939);
N.º 30:124, que abre um crédito para refôrço da dotação inscrita no orçamento do Ministério da Guerra na alínea a) do n.º 2) do artigo 46.º, capítulo 3.º (Diário do Govêrno de 13 de Dezembro de 1939);
N.º 30:129, que admite até ao fim do próximo ano a tolerância de 1 grau na acidez do azeite alimentar em relação à estabelecida no decreto n.º 17:774 (Diário do Govêrno de 13 de Dezembro de 1939);
N.º 30:131, que estabelece as regras para o pagamento e remissão do fôro em propriedades (Diário do Govêrno de 14 de Dezembro de 1939);
N.º 30:133, que altera o disposto no § 2.º do artigo 14.º do decreto-lei n.º 28:210, que estabelece, a organização da corporação dos oficiais da armada (Diário do Govêrno de 14 de Dezembro de 1939);
N.º 30:134, que reforça várias verbas do orçamento do Ministério da Guerra (Diário do Govêrno de 14 de Dezembro de 1939);
N.º 30:135, que estabelece os princípios gerais cie orientação e coordenação a que hão-de submeter-se os estabelecimentos de educação para o serviço social e aprova o plano geral de estudos e programas, tudo para a formação de dirigentes idóneas e responsáveis no meio a que se destinam, ao mesmo tempo conscientes e activas cooperadoras da Revolução Nacional (Diário do Govêrno de 14 de Dezembro de 1939);
N.º 30:137, que autoriza o Govêrno, emquanto durar o estado de guerra na Europa e até onde o exija a defesa da economia nacional, a determinar, por intermédio dos Ministérios competentes, que as importações ou exportações de dados produtos sejam feitas em regime de contrato colectivo, celebrado pelo organismo corporativo ou de coordenação económica do respectivo sector (Diário do Govêrno de 14 de Dezembro de 1939);
N.º 30:138, que autoriza as Direcções Gerais dos Serviços Agrícolas e Florestais a ceder gratuitamente aos produtores agrícolas castanheiros, nogueiras e aveleiras para repovoamento e intensificação da cultura dessas espécies nas regiões apropriadas e autoriza a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas a ceder, a título de auxílio aos vinicultores menos abastados, porta-enxertos adequados para substituição dos produtores directos americanos arrancados ou inutilizados por efeito da aplicação da lei n.º 1:891 (Diário do Govêrno de 14 de Dezembro de 1939);
N.º 30:139, que autoriza a Câmara Municipal de Ourique a ceder gratuitamente ao Estado uma faixa de terreno com destino à construção de um edifício próprio para a instalação dos serviços dependentes da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones (Diário do Govêrno de 15 de Dezembro de 1939);
N.º 30:141, que aumenta os quadros do pessoal das delegações e dos serviços administrativos do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência a que se refere o decreto-lei n.º 23:053, desdobra em duas secções a Secção de Previdência Social do mesmo Instituto e deminue de uma unidade o número de segundos oficiais (Diário do Govêrno de 16 de Dezembro de 1939);
N.º 30:143, que autoriza um abono de acréscimo de gratificação mensal aos professores da Escola de Enfermagem Artur Ravara, dos Hospitais Civis de Lisboa, pelo desdobramento de turmas, durante oito meses em cada ano lectivo, desde que o número de alunos do 1.º ano do curso geral da mesma Escola seja superior a cento e vinte (Diário do Govêrno de 16 de Dezembro de 1939);
N.º 30:148, que determina que a pesca nos rios e lagoas, nos portos artificiais e docas e nas demais águas territoriais sob a jurisdição das autoridades marítimas só possa ser exercida por meio de rêdes e aparelhos autorizados e nas condições aprovadas pelo Ministro, ouvida a Comissão Central de Pescarias, e exceptua da aplicação do referido diploma os rios Minho, Coura e Lima e a ria de Aveiro (Diário do Govêrno de 16 de Dezembro de 1939);
N.º 30:202, que torna aplicável a todas as câmaras municipais, incluindo as de Lisboa e Porto, a doutrina do corpo do artigo 7.º e a do artigo 8.º do decreto n.º 22:520, com as alterações introduzidas pelo decreto n.º 28:955 (Diário do Govêrno de 22 de Dezembro de 1939);
N.º 30:209, que autoriza o Ministro a contratar, para serviço no Conselho Técnico Corporativo do Comércio e da Indústria, o pessoal indispensável ao desempenho das funções especiais que lhe sejam cometidas para defesa da economia nacional (Diário do Govêrno de 22 de Dezembro de 1939);
N.º 30:214, que aprova o Estatuto dós distritos autónomos e a lei orgânica dos serviços das juntas gerais dos distritos autónomos das ilhas adjacentes (Diário do Govêrno de 23 de Dezembro de 1939);
N.º 30:215, que autoriza a Câmara Municipal do Montijo a ceder gratuitamente ao Estado uma porção de terreno com destino u construção de um edifício próprio para a instalação dos serviços dependentes da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones (Diário do Govêrno de 23 de Dezembro de 1939);
N.º 30:219, que modifica alguns artigos da tabela geral do imposto do sêlo, aprovada pelo decreto n.º 21:916 (Diário do Govêrno de 26 de Dezembro de 1939);
N.º 30:222, que autoriza as Faculdades de Medicina e de Ciências das universidades de Coimbra, Lisboa e Porto a contratar, no ano escolar de 1939-1940, vário pessoal (Diário do Govêrno de 27 de Dezembro de 1939);
N.º 30:227, que permite à comissão administrativa da lotaria efectuar lotarias especiais, fazendo-se as emissões segundo as exigências dos mercados (Diário do Govêrno de 29 de Dezembro de 1939).
Vai ler-se o
Expediente
Representação
Exmo. Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - Excelência. - Os oficiais reformados que serviram Portugal em Angola vêm respeitosamente expor a V. Ex.ª as seguintes razões:
O Govêrno da Nação teve a bondade de estipular que a diferença de tratamento estabelecida para estes oficiais fosse para vigorar sòmente em 1933-1934 (artigos 28.º e 94.º do decreto n.º 22:793, de 30 de Junho de 1933).
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Posta aqui a promessa do Governo, não parece justo nem equitativo que o artigo 94.º ainda se encontre em vigor para o ano de 1940, porque:
1.º Os vencimentos dos oficiais reformados das forças coloniais com residência na metrópole são regulados pelas disposições vigentes para os oficiais reformados do Ministério da Guerra (artigo 20.º da lei n.º 1:355, de 15 de Setembro de 1922, decreto n.º 8:787, de 30 de Abril de 1923, e despachos ministeriais de 13 e 17 de Junho de 1932);
2.º O artigo 94.º do decreto n.º 22:793 veio estabelecer que os oficiais reformados que serviram em Angola passassem a ter vencimento inferior ao percebido pelos seus camaradas de menor graduação, o que não é sancionado pelas leis e regulamentos militares em vigor (artigo 15.º da lei n.º 1:355, de 15 de Setembro de 1922, e artigo 21.º do decreto n.º 20:247, de 24 de Agosto de 1931);
3.º Uma vez que os oficiais reformados que serviram em Angola sofreram o desconto do imposto de salvação pública até 30 de Novembro de 1938 (artigo 51.º do decreto n.º 28:263, de 8 de Dezembro de 1937), não parece de justiça que os seus vencimentos fossem, por outro lado, sacrificados anualmente em 595 contos, quando os orçamentos da colónia de Angola acusam todos os anos saldos positivos que ascendem a muitos milhares de contos (nota oficiosa do Ministério das Colónias de 9 de Julho de 1938);
4.º A diferença de tratamento estabelecida pelo artigo 94.º também não é sancionada pela doutrina moralizadora do Estado Novo, pela ilustre Assemblea Nacional e por um dos mais ilustres Ministros das Colónias (Diário das Sessões da Assemblea Nacional n.º 165, de 5 de Março de 1938, pp. 415-416, e n.º 34, de 7 de Fevereiro de 1939, p. 345).
Finalmente, não havendo no pensamento do Governo da Nação o propósito de estabelecer diferenças de tratamento para sacrificar sòmente alguns, os oficiais reformados que serviram Portugal em Angola vêm respeitosamente pedir a V. Ex.ª se digne ter a bondade de ordenar que as razões aqui expostas sejam submetidas à douta solução de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho.
A bem da Nação.
Lisboa, 10 de Janeiro de 1940. - Vítor Hugo Nogueira de Macedo Castelo Branco, major reformado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido de autorização para que o Sr. Deputado Abel Varzim deponha como testemunha.
Proponho que seja concedida a autorização.
Consultada a Assemblea, foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - Está também na Mesa um outro pedido de autorização semelhante, em relação ao Sr. Deputado Favila Vieira, mas êste pedido não tem já oportunidade.
Proponho que seja denegada a autorização.
Consultada a Assemblea, foi denegada a autorização.
O Sr. Acácio Mendes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma saudação e exprimir um voto congratulatório.
Está, Sr. Presidente, o mundo em crise. Crise do espírito, crise da civilização - diagnosticou com rigor o Sr. Presidente do Conselho, ainda há pouco, nesta casa e num dos seus mais notáveis discursos, com a singular clarividência e aquela impar e admirável segurança de critério que não pouco devem ter contribuído para que Bonard, um dos mais ilustres representantes do escol intelectual da França contemporânea, na sua recente visita a Portugal, o pudesse, insuspeitamente e com incontestável justiça, proclamar «um dos mais altos e nobres chefes que hoje existem na Terra».
Não é tam sòmente um acidental e efémero, embora violento, tufão que sacode e convulsiona o panorama político europeu; mais do que isso, é um devastador sismo que assola toda a paisagem social do mundo, ameaça fender, de alto a baixo, as próprias paredes mestras e abalar os alicerces do multi-secular edifício de uma civilização, e revolve já, patentemente, até às mais profundas camadas, o subsolo da sociedade, de onde emergem, num desconcertante caos, as mais puras virtudes cívicas e os mais perversos crimes colectivos, os mais sórdidos e ferozes egoísmos e as mais belas e assombrosas abnegações, heroísmos sublimes que quási tornam apertadas para o homem as fronteiras da zoologia, e abjectas monstruosidades morais que o rebaixam e inferiorizam até aos últimos degraus da escala animal.
Sr. Presidente: entre os acontecimentos de mais impressionante transcendência, de mais vasta e profunda repercussão internacional, que ocorreram dentro do curto parêntesis aberto nos trabalhos desta Assemblea, e que, porventura, se poderão já inscrever no quadro sintomatológico de um consolador começo de melhoras daquela mórbida crise, dois há, estreitamente ligados por uma íntima relação de causalidade, que, pelo seu relevo político, pela sua altitude moral e social e pela sua projecção histórica, feriram a retina de todo o mundo e, com irresistível força centrípeta, polarizam, ainda agora, a atenção, a ansiedade, as simpatias e as esperanças universais.
Quero referir-me, Sr. Presidente, ao quási sobrehumano heroísmo e à mística exaltação de fé com que um dos mais pequenos, mas não menos adiantados, povos da Europa - a martirizada Finlândia -, na noite da sua suprema angústia, que lhe vai sendo já quási tam longa como as noites polares, se bate pela sua independência, e, reflexamente, pela civilização mediterrânea, contra a expansão da barbárie soviética e do imperialismo pan-eslavista, vibrando-lhes o golpe até agora mais fundo, dando ao mundo a mais empolgante e fecunda lição de amor pátrio, escalando, numa surpreendente ascensão triunfal, as mais altas cumiadas da glória, e escrevendo, com a sua indómita coragem e o abençoado sangue dos seus soldados, algumas das mais belas e épicas páginas da história universal.
Que a Providência defenda e salve a Finlândia; mas, se ela, por mal da Europa e, quiçá, da humanidade, houvesse de morrer esmagada, à maravilha se ajustariam, como epitáfio honrosíssimo à sublime tragédia do seu sacrifício, aqueles versos de imortal beleza do divino cantor das glórias de Portugal:
«Digno feito de ser no mundo eterno
Grande no tempo antigo e no moderno!»
É o outro acontecimento a exclusão da Rússia da Sociedade das Nações, em cujo seio logrou infiltrar-se por um lamentável êrro de visão sociológica, que Portugal, desde o primeiro instante, combateu com previdente lucidez e corajoso desassombro, sempre inalterável e rìgidamente depois mantidos pela sua sistemática abstenção de relações diplomáticas e de qualquer outra ordem com os sovietes, e ainda agora mais uma vez e coerentemente afirmados pelo resoluto e decidido apoio dado em Genebra pelo Governo Português à proposta da República Argentina.
Vê-se tarde de mais - com justeza nota um escritor - o mal que todos vêem, e, nessa altura, já muitas vezes o mal é irremediável.
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Mas naqueles dois acontecimentos e nos factos que dêles têm decorrido, como naturais corolários, parece desenharem-se já, embora ainda com tímida e injustificável incerteza e com hesitantes duplicidades, animadores índices da formação do sentimento e da consciência colectiva duma ofensiva, anti comunista, da organização duma frente única do Ocidente contra o Oriente, da Civilização Cristã contra os iminentes perigos que ameaçam subvertê-la.
Parece reconhecerem as nações em fim, e oxalá não seja tarde, a necessidade de se fazer o vácuo em volta da mentira comunista e do imperialismo moscovita; e urge fazê-lo quanto antes, se se quere obter a sua asfixia.
Sr. Presidente: afigurou-se-me que os representantes políticos, como nós somos, duma nação que vai memorar, em breve, com legítimo orgulho, as imperecíveis glórias internas e externas da sua épica história e relembrar a nacionais e a estranhos o que são, o que valem, e até onde podem chegar, o amor a Deus e à Pátria, quando elevados, como Portugal os elevou, ao mais alto expoente, e postos ao serviço da independência nacional e da civilização, afigurou-se-me, repito, que os representantes dessa nação não poderiam, como corpos diatérmicos, que se deixassem atravessar pelo calor sem aquecerem, deixar de marcar a sua posição ante os dois acontecimentos, já agora históricos, que foquei, e perante o vibrante, unânime e contagioso movimento de admiração e simpatia que no mundo suscitaram.
Com a anais profunda emoção rendo a minha homenagem e saúdo, pois, o valente e heróico povo que, na dolorosa e perturbada hora que passa, assinala, de direito e de facto, o norte para todo o mundo, não apenas geogràficamente, mas histórica, política, moral e socialmente; e congratulo-me vivamente por que, com a sua clara e intransigente atitude, desde a primeira hora, perante o sovietismo, a Nação portuguesa de novo tenha com denôdo terçado armas, como sempre e em todos os campos terçou, pela civilização mais alta, mais espiritual e mais estruturalmente dignificadora do homem, e ciente e conscientemente tenha, mais uma vez, precedido outras e maiores nações na demanda e no seguimento do melhor caminho para a bem servir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: trouxeram as recentes cheias a campo dois dos mais importantes problemas nacionais - a regularização dos nossos rios e a fixação do nosso solo, grandemente sujeito à erosão.
Julgo que, depois dos valores espirituais, constitue a camada arável sobre que temos de viver o mais valioso património nacional.
Defendê-la para a legarmos intacta afigura-se-me pois ser o mais imperativo dos nossos deveres.
Porque o problema é em todos os rios o mesmo e se avoluma no Tejo, com a grandeza própria deste rio e com a evocação de uma tragédia recente, a ele me referirei especialmente.
Julgo não errar afirmando que o maior mal do Tejo está no cultivo das suas vertentes, tal como o vimos praticando. Mobilizada a terra na época das chuvas, deminuída apreciàvelmente a quantidade de matéria orgânica que com a vegetação espontânea e arbórea anteriormente concorria para aglutinar as partículas de natureza diversa que constituem a camada arável, esta é arrastada até ao Tejo, onde se deixa separar segundo a densidade dos materiais que a compõem, perdendo-se no mar grande parte das arguas e os elementos nobres que continha e
ficando sôbre os campos marginais ou no leito do rio o restante, constituído por algumas argilas e por areias mais ou menos grossas.
Citarei três ordens de factos em abono do que acabo do expor:
A 1.ª, de ordem histórica, que apresento com as naturais reservas, consiste numa citação de Oliveira Martins, num projecto de decreto de fomento agrário, segundo o qual o censo do Imperador Augusto atribuía à Lusitânia a existência de 5.061:000 fogos, ou sejam cêrca de 20.000:000 de indivíduos;
A 2.ª de ordem geológica, refere-se a sondagens recentes efectuadas a montante de Vila Nova da Rainha, junto ao rio da Ota, as quais permitiram localizar o leito primitivo da torrente 16 metros abaixo do actual nível do leito do rio;
A 3.ª, de natureza mais objectiva, consiste na analiso de água colhida por mim nalguns afluentes do Tejo em época de chuvas persistentes e quo permitiram avaliar, por 1 metro cúbico do água corrente, em 1:674 gramas os materiais em suspensão carreados pelos referidos rios.
Se partirmos dêste elemento e considerarmos para o Tejo um período anual de cheias de vinte dias e o caudal, não o máximo de uns 10:000 metros cúbicos, mas apenas de 5:000 metros cúbicos, perfazem os materiais carreados anualmente pelo Tejo cêrca de 14.463:360 toneladas das melhores terras aráveis.
Tomando agora para base o teor médio das terras férteis em elementos nobres obter-se-iam em relação ao número de toneladas de terras acima indicado os seguintes resultados:
Toneladas
Azote 1 0/00 ..................... 14:463
Ácido fosfórico 2 0/00............ 28:926
Potassa 2,5 0/00 ................. 21:694
Estes elementos nobres vêm por sua vez a corresponder aos seguintes fertilizantes em uso no mercado:
Toneladas
Sulfato de amónio 21 0/00, cêrca de 72:000
Superfosfato de cal 18 0/00, cêrca
de .............................. 160:000
Cloreto de potassa 50 0/00 cêrca
de ............................. 43:398
A estas deposições sucessivas no leito do Tejo e à consequente criação de bancos de areia, ou mouchões, se deve a mudança de direcção da corrente, que, embatendo ora numa margem ora noutra, com uma velocidade e incidência diferentes daquelas que estavam nas condições de equilíbrio do rio, vem determinando os rombos nos valados e a formação de goivas nos terrenos marginais, sempre acompanhados pela formação, junto à margem oposta, de bancos de areia.
De todos estes males resulta não só o fraco aproveitamento dos mouchões, e que só na parte alta do Tejo totalizaram já em 1789 cêrca de 4:600 hectares e dariam, segundo os engenheiros desse tempo, quando convenientemente aproveitados, o sustento de perto de 40:000 pessoas, como dêsses danos também resulta que muitos milhares de hectares de terrenos de várzea e lezíria compreendidos nos 28:000 quilómetros quadrados da bacia do Tejo, em território nacional, se acham desaproveitados na cultura cerealífera.
Porque facto semelhante se verifica nas bacias confluenciais dos outros rios, tem a cultura cerealífera sido expulsa das várzeas e planícies para as encostas, assistindo-se hoje em Portugal ao contra-senso cultural de utilizarmos na cultura do trigo terras que, consoante o seu declive, deveriam produzir vinha, olival ou floresta, ao passo que deixamos a pastagem terras fertilíssimas,
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com todas as condições necessárias para numa área mais restrita produzirem intensivamente os cereais de que necessitamos.
Achando-se entregues à produção trigueira cerca de 540:000 hectares e colhendo o País, em média, cerca de 500 milhões de quilogramas de trigo, fácil se torna verificar que nem a quantidade média de semente empregada por unidade do superfície, nem a produção unitária média, de cêrca de 930 quilogramas por hectare, caracterizam as boas terras de trigo, antes denunciam a utilização duma apreciável percentagem de terras pouco aptas a essa produção.
Penso que se quisermos regularizar o Tejo, levando aos milhares de agricultores que nas suas margens trabalham a terra algum bem-estar e segurança, teremos de fazer anteceder ou acompanhar as obras de hidráulica a realizar no leito do rio e nas margens respectivas de medidas conducentes à redução da cultura cerealífera nas vertentes mais expostas à erosão e à sua progressiva substituição por outras culturas mais adequadas, de entre as quais destacarei a cultura florestal.
Impõe-se dotar os serviços de hidráulica do Tejo com os meios necessários para actuar com a simultaneidade que as obras desta natureza requerem, sustando pelo tempo necessário o critério seguido do dotar isoladamente esta ou aquela obra de reparação, pois quási sempre sucede que os trabalhos isolados de criação de diques, esporões, marachas, etc., defendendo uma margem ou uma zona desta, concorrem para avolumar os danos na outra, além de que deixam sem dotação grande parte do trabalho a realizar em todos os pontos do leito do rio em que se torna necessário intervir, mobilizando as areias e reconduzindo a corrente à sua primitiva direcção, única forma de se atacar o mal na sua origem.
Simultaneamente parece não restar dúvida de que se torna indispensável conjugar todos os empreendimentos indicados com o da construção das projectadas barragens no Sorraia e Zêzere, constituindo reservatórios reguladores de caudal, respectivamente de cerca de 6:270 e 5:043 quilómetros quadrados.
Como obras de detalho a realizar imediatamente e segundo a minha maneira de ver apontarei:
1.º As correcções de escoante no atêrro do Setil, atêrro êste que, fazendo passar para cerca de 1:000 metros as águas que normalmente se espraiavam em época de cheia por uma secção com dez vezes esta largura, determina a montante e a jusante, e neste caso até uns 30 quilómetros de distância, os graves prejuízos verificados;
2.º A supressão do corte no valado que, porto do Porto Alto, defende a chamada Lezíria Grande, corte êste efectuado para dar passagem à estrada do Cabo.
3.º O conserto de inúmeras portas de água que nas lezírias asseguram a defesa de campos pertencentes a numerosos proprietários e que por não estarem a cargo ou pertencerem a qualquer deles permanecem danificadas.
A não ser assim continuará o País registando anualmente prejuízos de muitas dezenas de milhares de contos, pois só em oito concelhos do distrito do Santarém, abrangidos na bacia do Tejo, esses prejuízos montam anualmente segundo cálculos por mim feitos sôbre elementos contidos numa representação do Sindicato Agrícola de Santarém, a cerca de 32:000 contos o continuarão os agricultores das margens do Tejo a ver inutilizados todos os seus esforços e capitais investidos na terra. Desses encargos é testemunho eloquente, por exemplo, o relatório da Companhia das Lezírias relativo a 1934, informando os seus accionistas de que de 1910 a 1934 os seus gastos com reparações de valados e marachas ascendiam a 117:079 libras-ouro, ou sejam 21:249.838£ ao câmbio actual.
Muito propositadamente deixei o problema da arborização da bacia do Tejo para o final das minhas considerações, pois não sendo econòmicamente defensável a substituição, por parte dos particulares, da cultura cerealífera pela cultura florestal, criou a guerra, a par de tantos males, possibilidades de que não dispúnhamos, nesse sentido, e que muito conviria aproveitar. Refiro-me à possibilidade da industrialização da produção florestal com vista à obtenção da celulose e sobretudo da pasta de papel, produtos êstes que a Europa adquiria na Finlândia, Suécia e Noruega e que estou certo se não recusaria a receber, na medida do que produzíssemos, se prontamente nos habilitássemos a fornecer-lhos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: não pode esta Câmara de modo algum deixar de lamentar a grande desgraça que assolou a região ribatejana. E se sob o aspecto social esse desastre foi tremendo, sob o aspecto económico não foi menor.
Infelizmente, Sr. Presidente, êstes desastres quási se repetem de ano para ano e ate já tem sucedido no mesmo ano repetirem-se quatro vezes.
Já o meu ilustro colega Sr. engenheiro Mexia se referiu a medidas de necessidade imediata que há a tomar para evitar quanto possível que êstes factos se repitam.
Em primeiro lugar, é acabar com o aterro de 11 quilómetros que serve a linha do Setil a Vendas Novas e que causa a inundação a montante e a jusante, com resultados de ordem vária.
Já diversas vezes tem sido sugerido que esse aterro seja substituído por uma ponte. Infelizmente, como à tempestade se segue a bonança e à bonança se segue o dia de sol, tudo vai ficando na mesma, e assim se tem dado lugar a todos os desastres que tais condições podem causar.
Dá-se ainda também outra circunstância, qual é a de que, quando se fez a estrada que vai do Cabo a Vila Franca, se deixaram vaiadas que muito prejudicam aquele terreno; essas vaiadas dão lugar a que os terrenos se inundem, e foi pela sua existência que as cheias levaram até Vila Franca as inundações.
Êstes dois factos, oficialmente reconhecidos e comprovados, dão naturalmente lugar a providências imediatas.
Faço pois votos por que se não obliterem na memória das pessoas êstes casos tam tristes, de tamanha gravidade, e se não tarde a corrigir êstes dois erros.
V. Ex.ªs facilmente compreenderão qual é a situação dos agricultores, que viram destruídos todos os trabalhos de sementeiras e respectivas adubações, e que têm agora de os renovar, sem possuírem condições económicas para isso.
Parece-me que o Estado, com um pouco mais de largueza do que aquela com que tem acudido aos necessitados que ficaram privados de todos os seus bens, tem o dever de lançar a sua protecção a esses pobres lavradores, auxiliando-os para que êles possam repetir as suas sementeiras e continuar a cultivar essa admirável região do Ribatejo, que é uma das mais férteis de Portugal.
Para que essa riquíssima região se não transforme numa região de desgraça e de miséria é absolutamente indispensável que se ataque o problema no seu fundamento, regularizando o curso do Tejo.
Um Estado que se preza de governar bem, como o nosso, e que dispõe de possibilidades, não pode deixar de encarar esse problema, que é da mais alta importância económica, atendendo a que o dinheiro empregado impedirá que em cada ano se percam milhares de contos. Trata-se, por consequência, duma operação proveitosa.
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Espero que providências serão tomadas e, sôbretudo, que se entrará num período de regularização do curso do Tejo, para o que não falta sequer o estudo proficiente da repartição respectiva, que tem à sua frente um dos mais distintos engenheiros da especialidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, ao abrigo do § 4.º do artigo 22.º «o Regimento, fazer a apresentação do um projecto de lei; mas nem utilizarei, por desnecessária, a faculdade que essa disposição me dá de indicar as linhas gerais e as razões justificativas desse projecto.
Trata-se, em dois ou três artigos, apenas, duma simples suspensão da aplicação da lei, durante o ano de 1940 - ano dos centenários - , aos portugueses em situação militar irregular que desejem visitar a Pátria, de que estão afastados.
Já na sessão legislativa passada tive ocasião de dizer algumas palavras sôbre o assunto, a propósito dos portugueses do Brasil; e direi ainda, oportunamente, aquelas que forem indispensáveis; por agora basta frisar que chegou a ocasião de se tomarem providências no sentido desejado. E como o ano de 1940 já está decorrendo, essas providências, que têm ainda de ser regulamentadas e, sôbretudo, divulgadas, perderão a sua boa oportunidade se não forem promulgadas urgentemente.
Peço, por isso, a V. Ex.ª, Sr. Presidente, ao abrigo do artigo 30.º do Regimento, se digne considerar a urgência deste projecto de lei.
Tenho dito.
O projecto de lei é o seguinte:
O ano de 1940 será de regozijo nacional. Portugal comemora os seus oito séculos de existência e três séculos de independência restaurada. Todos os portugueses, os portugueses de todo o mundo, estão em festa e devem confraternizar durante êsse ano nas suas manifestações patrióticas e nos seus sentimentos de afeição e solidariedade.
Entre os portugueses espalhados pelo mundo e que desejam visitar a Pátria em festa - da qual muitos vivem afastados há longos anos - há alguns, possivelmente numerosos, que estão impedidos de o fazer por não terem podido cumprir oportunamente as suas obrigações militares. Emigrados do País à procura de trabalho em terra estranha, ou para lá conduzidos de tenra idade, não tiveram meios, na sua grande maioria, para vir prestar o seu serviço nas fileiras ou para remir essa sua obrigação. Alguns é possível que não tenham a mesma desculpa. Mas o certo é que o receio das consequências da lei afugenta da Pátria, e desnacionaliza cada vez mais, êsses portugueses, que não %irão a Portugal voluntariamente submeter-se às sanções ou penalidades legais, mas que vivem saudosos da sua terra e da sua família. Sendo assim, mesmo sob o aspecto disciplinar, nada se perde em lhes abrir a porta, ganhando-se, pelo contrário, em alegria e satisfação, que a todos se deseja estender.
Não se encara uma amnistia que não seria justa, nem uma medida que possa constituir precedente. Encara-se apenas, e com carácter muito especial, uma simples suspensão da aplicação da lei durante o ano de 1940, em que a Pátria deseja chamar a si o maior número dos seus filhos ausentes, que de outra forma não poderão visitá-la.
Nestes termos, tenho a honra de apresentar à Assemblea Nacional o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Os portugueses residentes habitualmente no estrangeiro há mais de um ano e que se encontrem em situação militar irregular poderão entrar no País e nele permanecer durante o ano de 1940 sem que sejam chamados à responsabilidade dessa sua situação irregular nem obrigados a regularizá-la.
Art. 2.º Os indivíduos abrangidos pelo artigo anterior que prolonguem a sua estadia no País além de 31 de Dezembro de 1940 ficarão sujeitos, a partir dessa data, às disposições legais actualmente em vigor relativas à regularização da sua situação militar.
§ único. Exceptuam-se aqueles que, por motivo de força maior devidamente comprovado, forem obrigados a permanecer no País além da referida data, aos quais será concedida prorrogação de prazo, que não deverá, em caso algum, exceder cento e vinte dias.
Art. 3.º O Ministério do Interior adoptará urgentemente as providências necessárias para a execução do presente lei.
Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 11 de Janeiro de 1940. - O Deputado A. Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente: - Consulto a Assemblea sôbre se considera urgente o projecto de lei que acaba de ser apresentado pelo Sr. engenheiro Cancela de Abreu.
Consultada a Assemblea, foi reconhecida a urgência.
O Sr. Presidente: - Tem a Assemblea que designar o prazo dentro do qual a Câmara Corporativa deve dar o seu parecer.
Proponho que êsse prazo seja de oito dias.
A Assemblea aprovou esta proposta.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A ordem do dia é constituída pela ratificação de vários decretos-leis.
Vai entrar em primeiro lugar em discussão a ratificação do decreto-lei n.º 29:449, que fixa a interpretação de algumas disposições relativas a contribuições e impostos e a execuções fiscais, equipara as dívidas do Estado às feitas à Caixa Geral de Depósitos e dá força executiva às certidões de dívidas passadas pelos Hospitais Civis de Lisboa.
Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.
O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: o decreto-lei n.º 29:449, de 16 de Fevereiro de 1939, que ora se acha sujeito à apreciação da Assemblea Nacional, deverá merecer a ratificação pura e simples, ser-lhe recusada a ratificação, ou deverá ser ratificado com emendas?
Desde já, Sr. Presidente, emito o meu voto, declarando que sou de parecer que tal decreto deve ser ratificado com emendas.
Vozes: - Apoiado, apoiado!
O Orador:- Das duas linhas que servem de pequeno relatório a este decreto-lei vê-se que êle veio para o Diário do Govêrno no intuito de se fixar a interpretação de algumas disposições de lei que tem dado origem a dúvidas nos tribunais.
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Em alguns espíritos surgem dúvidas, porém, sôbre se a redacção deste decreto interpreta realmente o pensamento do legislador.
Creio que, se algumas disposições deste decreto interpretarão tal pensar, outras disposições nele se contêm que, a meu ver, não são a interpretação verdadeira do pensamento do legislador, afastando-se este decreto das fontes donde provieram as disposições de lei que ele pretende interpretar.
E, como já várias vezes desta tribuna tenho emitido o meu pensar no sentido de frisar bem a necessidade que há da codificação do nosso direito fiscal, volto a insistir, uma vez mais, na necessidade que há de se consolidarem esse* preceitos do direito fiscal vigente, codificando-os de forma a que eles, como aqui disse o antigo e ilustre Deputado Sr. Pinto Mesquita, não continuem munia situação difusa e profusa.
Infelizmente, estou capacitado de que estas palavras são absolutamente exactas.
Mas, se é certo que não está feita ainda a compilação e a sistematização das disposições do nosso direito fiscal, certo é também que se começou já, e justo é frisá-lo, a organizar colectâneas dessa legislação, sendo para louvar o esforço que a Direcção Geral das Contribuições, e Impostos tem votado à regular publicação do seu Boletim, fazendo uma separata que é de inquestionável utilidade.
Mas, Sr. Presidente, disse eu que o decreto-lei n.º 29:449 me parecia não ter traduzido, na interpretação que pretendeu dar a algumas disposições do nosso direito fiscal o verdadeiro pensamento do legislador ao inscrever os preceitos de lei que este decreto-lei pretendeu interpretar.
E para exemplo cito o preceito contido no artigo 4.º. que não permite que se requeira avaliações para os fins do § 1.º do artigo 31.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, parecendo-me ter-se ido talvez um pouco mais longe do desejado e ter-se dado um afastamento dos princípios que o legislador a princípio fixara.
Relativamente aos traspasses, tenho para mim a opinião de que este cliché, à força de ser tantas vezes revelado, se acha já escurecido, o que traz como consequência dar muito pouco de positivo.
Fazendo uma enunciação rápida sôbre a legislação respeitante a esta matéria, vemos que foi a lei n.º 1:668, de 9 de Setembro de 1924, que, pela primeira vez, no seu artigo 3.º, fez incidir sôbre a cedência a título oneroso do direito ao arrendamento de prédio ou parte de prédio onde houvesse estabelecimento comercial ou industrial um imposto de 10 por cento sôbre o valor dessa cedência.
A seguir vieram os decretos n.º 11:440, de 9 de Fevereiro de 1926, n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, n.º 15:291, de 30 de Outubro de 1928, n.ºs 16:731 e 16:732, de 13 de Abril de 1929, n.º 17:331, de 13 de Setembro de 1929, portaria n.º 7:029, de 16 de Fevereiro de 1931, decretos n.º 21:916, de 28 de Novembro de 1932, n.º 27:104, de 31 de Outubro de 1936, e, finalmente, o decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro do mesmo ano.
Devo dizer que, na realidade, este último decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, procurou uniformizar toda a legislação, mas a sua redacção também não é suficientemente clara.
Relativamente às fontes de onde provêm as disposições citadas no artigo 4.º do decreto-lei que ora se debate, nós vamos encontrá-las no § 1.º do artigo 10.º do projecto de lei que foi elaborado pela comissão que era presidida pelo Sr. Dr. Oliveira Salazar, e explicadas luminosamente no relatório dessa comissão, onde se distinguem os diversos elementos componentes do traspasse.
É claro que, distinguindo os três elementos do traspasse, se vê que ao inquilino compete o valor da clientela, o valor do local pertence ao proprietário e a capitalização da diferença de renda entre as rendas que o senhorio é obrigado a receber e as que seriam pagas sem as restrições legais não pode deixar de pertencer ao proprietário também.
Mas será possível fazer-se uma justa tributação nos traspasses? Será possível obter nos traspasses uma justa medida da matéria colectável? Entendo que não, e formei esta minha opinião precisamente no argumento constante desse notabilíssimo relatório.
É que é muito mais favorável para o inquilino o aumento da renda derivada de uma louvação que se concede ao proprietário, do que sujeitar o novo adquirente ao pagamento por uma só vez, e no seu total, dos direitos de chave, por vezes exorbitante.
Claro está que se o novo adquirente procura obter por traspasse qualquer estabelecimento comercial ou industrial, se tem de pagar de pronto o respectivo traspasse, o fisco não sabe, nunca poderá saber, qual foi o verdadeiro preço do traspasse, e se porventura se der ao proprietário a faculdade de requerer a avaliação do prédio onde se acha instalado o estabelecimento comercial ou industrial, dessa avaliação resulta à certa uma maior contribuição pelo aumento da renda.
De maneira que o novo adquirente - o raciocínio não é meu, resulta deste notabilíssimo relatório - obtém mais suave o pagamento, pois o vai fazendo em prestações, representadas pela renda satisfeita ao verdadeiro dono do prédio, apenas de pronto tendo de pagar o valor-clientela. E o Estado lucra, visto que tem matéria tributária certa e definida. De outra maneira - palavras do próprio relatório - seria possível definir e precisar a respectiva matéria colectável.
Eu entendo que é de aceitar o pensamento deste relatório, sendo, como incontestavelmente é, este relatório a pedra angular do nosso sistema tributário, porque foi deste relatório e dos trabalhos da comissão que o elaborou que nasceram a nossa renovação e ressurgimento financeiros, embora os primeiros decretos que foram publicados não tivessem traduzido o pensar desta comissão, como já tive ocasião de dizer nesta tribuna, e de só mais tarde até ter sido publicado este relatório, e já depois da publicação daqueles decretos.
O certo é que os seus princípios não deixam de ter oportunidade e ser absolutamente justos e precisos.
Portanto, tenho uma certa dúvida se este decreto-lei, ao fixar pela maneira como o faz no seu artigo 4.º esta matéria, teria precisado nitidamente - porque isto é uma interpretação autêntica que se quere fazer - o pensamento do legislador ao estabelecer as normas pré-existentes e até suas adaptações a novas necessidades.
Mais. Eu entendo que o próprio decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, não é de todo feliz na sua redacção e nada teria a perder se fosse novamente revisto.
E, portanto, toda a vantagem haveria e haverá, a meu ver, em que este decreto, sendo ratificado com emendas, vá à Câmara Corporativa, onde nova redacção pode ser proposta e, assim, melhor se apreender, por uma análise completa de toda a legislação e de todas as fontes de onde dimanam estas normas de lei, e das necessidades subsequentes, qual seja realmente a norma jurídica mais própria a exprimir pelo legislador.
Além dessa disposição, que me parece poderá levantar certas dúvidas - e eu sei que algumas já se tem levantado em vários pontos do País a respeito da apreciação deste decreto-lei - há também uma outra disposição que me parece nada teria a perder se tivesse uma nova redacção.
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Refiro-me à disposição expressa no artigo 6.º dêste decreto-lei n.º 29:449.
Não cita este artigo 6.º qual o preceito de lei que pretende interpretar, mas fácil é ver que esse preceito de lei é o artigo 137.º do decreto n.º 4:563, de 9 de Julho de 1918, ao qual foi dada uma nova redacção pelo decreto n.º 20:454, de 4 de Junho de 1930, onde se diz que as contas de despesa pelo tratamento de doentes dos Hospitais Civis de Lisboa, extraídas dos respectivos livros, por certidão, têm força de sentença, e como tais são exequíveis contra os mesmos, seus herdeiros e representantes, fiadores ou responsáveis, como se fôssem dívidas de contribuições ao Estado.
Tenho a impressão de que também não é inteiramente feliz a redacção dada ao artigo 6.º dêste decreto.
Eu não ponho dúvidas, quero crer até que, por parte dos Hospitais Civis de Lisboa, há-de haver todo o cuidado no apuramento das entidades responsáveis. Mas pode haver um engano, um êrro, e muitas vezes êsses erros podem acarretar consequências bem lamentáveis.
Mas não é ainda pròpriamente êsse o aspecto que mais impressiona o meu espírito de jurista. O que mais impressiona o meu espírito é o facto de se ir considerar um documento emanado dos Hospitais Civis de Lisboa como um título executivo, título executivo que é instituído, digamos, naqueles Hospitais sem processo de declaração e onde se achem consignados os direitos e as obrigações das pessoas chamadas a estas responsabilidades. E, assim, eu achava que é bem mais natural que se aguarde a declaração do direito, que se aguarde que o tribunal competente pronuncie o seu veredictum, e só depois se vá tratar da respectiva execução.
Assim, pode dar-se êste caso, que eu não sei até se já se terá dado: um operário, que foi despedido por uma determinada emprêsa, sofreu mais tarde um acidente muito grave e não teve pejo em ir declarar aos Hospitais Civis de Lisboa que o seu acidente foi um acidente de trabalho e tinha ocorrido em ocasião em que se achava ao serviço daquela emprêsa, de que fora despedido, e com a qual, aliás, naquela ocasião já nada tinha.
Essa emprêsa, como não era ouvida para o caso, nem de nada sabia, deixou correr, passam dias, meses até, e, depois de certo tempo passado, é citada para uma execução em que tem de pagar a quantia exeqüenda.
Embora essa emprêsa nada tenha com o caso, porque foi um caso porventura ad odium, pode ela pensar em lançar mão do meio de embargos de executado que o artigo 86.º do Código das Execuções Fiscais, já modificado pelo artigo 17.º do decreto n.º 17:730, lhe confere, mas pela redacção dada ao artigo 6.º do decreto que se discute tal não lhe é possível.
A defesa de que a emprêsa podia lançar mão não pode ser levada a efeito, e terá de ir para os meios ordinários.
Sr. Presidente: depois de muitas e penosas canseiras e despesas com os meios ordinários é que surge a declaração da sua irresponsabilidade, quando logo a poderia ter demonstrado com os embargos.
Isto é a inversão de todos os princípios de direito.
Quero crer que não fosse esse o pensamento do legislador, mas as palavras contidas no artigo 6.º do decreto-lei que estamos a analisar levam infelizmente a esta conclusão.
Eu poderia citar inúmeros casos que se podem vir a dar, e que não sei se já se estão dando, resultantes da execução do decreto-lei que estamos analisando.
Ora, para avaliarmos bem o assunto, temos naturalmente de ir às fontes e fazer a análise de todos os diplomas que conduziram, aos que este decreto-lei pretende interpretar, e bem assim analisar as necessidades e situações que há que acautelar.
Desta maneira parece-me, Sr. Previdente, que a Assemblea Nacional, embora não recusando a sua ratificação a este decreto-lei, o deve fazer, todavia, com emendas, para assim se evitarem dúvida»» e irregularidades, que podem ser muito graveis.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: está na ordem do dia a ratificação do decreto-lei n.º 29:449, de 16 de Fevereiro do ano pasmado.
Na matéria versada neste decreto há uma disposição para a qual foi solicitada, particularmente, a minha atenção e que me parece ser de molde a que sôbre ela incida também a atenção da Assemblea.
(Nesta altura da sessão assumiu a Presidência o Sr. Albino dos Reis).
Refiro-me ao artigo 6.º, que diz assim:
Leu.
Certamente ao ler esta disposição cada um de V. Ex.ªs se compenetrou já da gravidade do problema que se pode pôr. Mas talvez um exemplo possa focar mais precisamente o assunto.
Suponhamos que, num determinado dia, a um hospital de Lisboa acorreu um indivíduo gravemente ferido, que, preguntado sôbre o motivo daquele acidente, disse que tinha sido atropelado e que, preguntado sôbre o nome de quem o atropelara, indicou o de certa pessoa.
O hospital tomou conta da ocorrência e inscreveu, como responsável por todas as despesas a que deu lugar o tratamento do sinistrado, a pessoa por ele indicada.
Mas essa pessoa não foi a causadora do desastre: houve equívoco, houve - suponhamos mesmo - indicação conscientemente errada.
No entanto, como a tal respeito não se fizeram incontroversas averiguações, acabado o tratamento, que pode ter dado lugar a uma despesa avultada, essa pessoa, que está inocente do malefício, é convidada pelo hospital a pagar a conta, não podendo defender-se, por lhe ser impossível provar ao hospital que não foi ela a culpada do sinistro.
Inexoravelmente, nos termos deste artigo 6.º do decreto que ora se discute, instaurar-se-á contra o suposto causador do sinistro uma execução fiscal em termos processuais tam rígidos que não comporta a averiguação da verdade quanto à culpabilidade do suposto responsável, quanto à sua identidade, sequer; e a pessoa inculcada, que, por hipótese, nada tem que ver com a ocorrência, terá de suportar o pagamento das despesas que o hospital lhe fixou, sofrendo os vexames dos devedores relapsos se não quiser pagar de pronto ...
Se quiser provar a sua irresponsabilidade, se quiser rehaver o seu dinheiro, terá de propor uma acção, pelos meios ordinários, como diz o artigo 6.º, para convencer a administração do hospital de que não foi o causador do desastre, com todas as demoras, e todas as despesas inerentes.
É isto justo?
Parece-me que este exemplo, como simples enunciado da matéria, será suficiente para mostrar a gravidade da disposição do artigo 6.º do decreto e do perigo que pode haver em V. Ex.ªs lhe outorgarem a sua concordância, ratificando-a pura e simplesmente.
Sei que V. Ex.ª poderão dizer-me que por detrás desta disposição há-de haver uma razão determinante.
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Evidentemente que uma disposição tam severa como esta há-de ter qualquer justificação, que, porventura, será esta: os Hospitais Civis, os hospitais em geral, vivem uma vida precária quanto a receitas, e portanto é preciso impedir os abusos que se dão muitas vezes de as pessoas averiguadamente responsáveis pelo sinistro, que têm a obrigação moral e legal de responder por todas as despesas que os hospitais foram obrigados a fazer no desempenho da sua função social de imediato auxílio aos sinistrados, dilatarem, o momento do pagamento, porem entraves à liquidação das contas, chicanarem nos processos respectivos.
Isso poderia dar-se, e o não recebimento, em curto prazo, pelos hospitais de uma e outra e mais outra conta de despesa poderia pesar de tal forma nos orçamentos respectivos que ocasionasse embaraços sérios à sua vida administrativa.
Será êste o mal que o preceito procura prevenir? Talvez; mas, se é, tem de reconhecer-se que o remédio que se procurou dar-lhe não foi o adequado.
Sr. Presidente: se o mal está na escassez, na insuficiência das receitas das dotações hospitalares, o remédio não pode consistir em compelir pessoas, a que não pode legal, nem moralmente, ser exigido o pagamento de certas despesas, a pagá-las por processos draconianos, e a terem de arcar com incómodos e despesas grandes para rehaverem o que violentamente lhes foi exigido.
O remédio é outro, e muito diverso.
Se os Hospitais vivem uma vida tam precária a ponto de o pagamento das despesas que êles adiantam não poder aguardar o tempo razoàvelmente bastante para se apurar, com segurança, que é por elas responsável, se isso faz falta aos seus orçamentos - o remédio é outro!
O Sr. Carlos Borges: - Faz falta e bastante!
O Orador: - Eu concordo com V. Ex.ª, mas, tendo em alto apreço a sua formação jurídica, não creio que V. Ex.ª concorde com o meio que o decreto preconiza.
Se os Hospitais Civis vivem vida precária - e todos sabemos que, infelizmente, assim é - o remédio é dar-lhes as dotações suficientes e bastantes para os pôr a coberto dessa e de outras eventualidades.
Sr. Presidente: é preciso que os Hospitais Civis desempenhem, na maior medida possível, a importantíssima missão social que devem desempenhar; o que eles vêm fazendo, por falta de dotações suficientes, é ... uma miniatura de acção social, incompatível com a grandeza da sua função pública.
Talvez uma dia me ocupe especialmente desta matéria.
Resumindo, devo dizer que me parece grave ratificar sem nenhuma espécie de objecção a matéria do artigo 6.º, porque pode dar lugar às consequências que apontei. Entendo que a melhor forma é encontrar uma fórmula em que equilibradamente se respeitem o interesse público e o particular e não a de sacrificar impiedosamente os legítimos interesses privados, merecedores de respeito e consideração.
Tenho dito.
O Sr. Augusto Crespo: - Sr. Presidente: as considerações que acabam de ser produzidas pelos ilustres Deputados Braga da Cruz e Madeira Pinto são de claro ataque ao disposto nos artigos 4.º e 6.º do decreto que está sendo submetido à apreciação da Assemblea.
Este decreto contém mais disposições, mas como para elas não houve quaisquer referências dos ilustres Deputados, daí o inferir que têm a sua concordância.
O diploma que estamos apreciando é de natureza interpretativa, como se diz no próprio preâmbulo. Contém várias disposições que têm por fim terminar com dúvidas existentes e corresponde, como os vários outros diplomas emanados do Ministério das Finanças, ao desejo sempre manifestado de tornar claras, certas e de fácil compreensão as leis fiscais e ao mesmo tempo simplificar os serviços e processos respectivos, e isto de forma que os contribuintes, ou quaisquer devedores de prestações ao Estado ou os órgãos da sua administração, não fiquem sujeitos às contingências de decisões contraditórias.
Todos estes diplomas têm por base normas jurídicas inspiradas nos melhores conceitos de justiça social.
Êste, não se afasta dos restantes. A sua leitura, o conhecimento de determinados factos, as decisões dos tribunais mostram-nos quais os princípios que terão orientado o legislador e dão nos a certeza consciente dos sérios fundamentos em que assentam as disposições contidas no diploma em discusão.
Vou responder primeiro às considerações formuladas pelo Sr. Deputado Braga da Cruz a respeito do artigo 4.º, que diz o seguinte:
«Não podem ser requeridas avaliações para os fins consignados na última parte do § 1.º do artigo 35.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928».
Quere dizer: nos casos de traspasse de um estabelecimento industrial ou comercial não é permitido ao senhorio requerer a avaliação com o fim de aumentar a renda ao inquilino.
Parece-me que a questão a ventilar acerca deste artigo foi posta num plano diferente daquele que interessa à Assemblea. É que não se trata neste momento de saber qual a melhor interpretação a dar às leis existentes; o que se torna preciso saber é se a proibição de avaliação, neste caso, é ou não de manter.
A argumentação produzida pelo ilustre Deputado foi tendente a demonstrar que a interpretação consignada no decreto não corresponde à dos preceitos legais anteriores, e portanto devia ser outra a interpretação.
Ora é preciso ter em atenção que quando os órgãos legislativos interpretam as leis existentes não têm de atender ou seguir esta ou aquela corrente de interpretação, ainda mesmo que seja a que melhor se lhes ajuste, mas simplesmente a que melhor servir no momento da sua publicação o interesse e ordem social.
É bom acrescentar: quer esta disposição seja de carácter interpretativo, quer seja a criação de um novo direito, o que é certo é que a Assemblea tem apenas de examinar se a matéria do artigo 4.º traduz ou não uma necessidade social.
Parece-me pois que o problema a pôr à Assemblea Nacional é êste: a norma jurídica em discussão deriva da necessidade social? Mais ainda, elucidando: a nova orgânica das contribuições e impostos, na parte referente à contribuição predial urbana, admite que o proprietário venha pedir a avaliação das suas propriedades por julgar deminuto o seu rendimento colectável. Será moral e jurídico que o proprietário pretenda aumentar o seu rendimento, agravando a sua contribuição?
O Sr. Carlos Borges: - Acho o máximo da moralidade. Uma pessoa que quere pagar mais ao Estado, porque entende que assim o deve fazer, é o máximo da moralidade.
O Orador: - V. Ex.ª ouça o seguimento das minhas considerações e verá que tenho razão.
O Sr. Carlos Borges: - Ou julga que a tem.
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O Orador: - Estou disso convencido.
Continuando: A nossa legislação sobre inquilinato, de liberdade contratual restringida, de manifesta protecção ao inquilino, e mormente ao comercial e industrial, comporta uma tal excepção? São as leis fiscais o lugar próprio para regular as questões emergentes do inquilinato?
O pagamento das contribuições representa sempre um encargo para o contribuinte, e por vezes bem custoso. É lógico admitir que êles procurem deminuir êsse ónus, e nunca aumentá-lo. Todas as leis fiscais são moldadas no sentido de evitar a fuga do imposto, deixando, é certo, aos contribuintes a possibilidade de, pelos moios competentos, pagarem apenas o que fôr justo e legal. O Estado não aceita, nem quere dádivas dos contribuintes. Só pretende receber o que poios seus órgãos de administração for fixado, e nada mais. Sendo assim, como é, a avaliação requerida pelos proprietários por acharem deminuto o seu rendimento colectável tem um fim que não é o do interêsse fiscal; logo tem um fim antijurídico.
Eu conheço - e agora vai a resposta ao Sr. Dr. Carlos Borges - vários casos em que os contribuintes vêm pedir a avaliação das suas propriedades com o fim manifesto de lhes ser aumentado o rendimento colectável. Posso citar o caso daqueles que pretendem fazer empréstimos na Caixa Geral de Depósitos ou noutros estabelecimentos de crédito para mostrarem que têm rendimentos suficientes para o sustento da família que deixam no País.
O Sr. Carlos Borges: - Isso é um expediente absolutamente anódino. Os estabelecimentos de crédito, em regra, não emprestam tendo por base o valor matricial, têm os seus louvados. Tomáramos nós que as matrizes estivessem tam bem elaboradas como estão as dos estabelecimentos de crédito!
O Orador: - Posso afirmar que os estabelecimentos de crédito referidos e as caixas de crédito agrícola mútuo tomam, em regra, por base o rendimento dos prédios nas matrizes, emprestando apenas metade ou menos do valor correspondente.
Tenho conhecimento ainda de mais estes casos: os devedores de pensões por acidentes no trabalho obrigados a afectar bens à Inspecção de Seguros para garantia do pagamento das pensões aos sinistrados ou à família. E até dêste meio se têm servido os pretendentes à mão das professoras de ensino primário que devem ter rendimentos não inferiores aos proventos destas.
Em todos estes casos, e noutros, o fim com que pretendem o aumento não é, pelo menos, jurídico.
Pregunto agora:
Ao Estado interessa porventura o agravamento dêste imposto quando ele se vai reflectir na ordem social estabelecida noutros sectores da vida pública?
Parece-me que não.
Tanto o Estado como os contribuintes têm interesse em que o rendimento colectável seja tam perfeito quanto possível e que essa determinação se faça com todas as garantias de imparcialidade. É, sem dúvida, a avaliação um dos melhores meios de determinar o valor da propriedade. É aquela que pode oferecer maiores probabilidades de corresponder à verdade.
Sendo assim, parecia portanto lógico que o Estado deveria permitir a avaliação sempre que alguém a requeresse.
De facto, era esta a razão que informava as leis anteriores à elaboração das novas matrizes urbanas. Mas o Estado promoveu ultimamente a avaliação de todas as propriedades urbanas do País, e essa avaliação foi feita com o rigor possível, adoptando-se em toda a parte os mesmos critérios, as mesmas normas e os mesmos preceitos.
O Sr. Carlos Borges: - E em regra não foram nada mal feitas.
O Orador: - Apraz-me registar a declaração de V. Ex.ª E, depois de feitas, essas matrizes foram postas em reclamação, foram corrigidas e concertadas para o fim de representarem sérios elementos de tributação da propriedade urbana.
Assim, eu posso dizer que o rendimento colectável hoje constante das matrizes urbanas corresponde a uma melhor distribuição de rendimento colectável.
A avaliação de um prédio certo e determinado, de possuidor atento e interessado na avaliação, não pode oferecer uma garantia de imparcialidade tam grande como a resultante das avaliações gerais.
O Estado confia hoje nas novas matrizes; e, por esta razão, na legislação posterior não permite as avaliações senão em casos especialmente marcados na própria lei.
Assim, no caso de traspasse de estabelecimento comercial e industrial apenas a permite quando o rendimento for considerado excessivo pelos contraentes ou pelo senhorio, segundo o artigo 4.º do decreto n.º 27:235.
A legislação sobre inquilinato faz certas restrições à liberdade contratual, proibindo o aumento das antigas rendas além de determinados limites.
As razões de ordem social e política que têm imposto esta situação anormal ainda não desapareceram, antes se vêem fortalecidas nesta conturbada hora que passa.
O preceito em discussão está de harmonia com os que informam as actuais leis sôbre o inquilinato.
Acrescentaremos que para a situação do inquilinato comercial não deriva do estabelecido neste artigo qualquer falta de protecção, antes, pelo contrário, é favorecida.
Anteriormente podia o senhorio requerer a avaliação e aumentar a renda ao inquilino. Agora tal não sucede.
São as únicas consequências da norma jurídica que estive analisando.
Resta-me agora responder às observações em parte produzidas pelo Sr. Deputado Dr. Braga da Cruz e noutra parte pelo Sr. Deputado Madeira Pinto.
Parece-me que posso sintetizar todas as razões de ataque, segundo as quais se deve determinar a emenda ou a supressão do artigo do decreto que estamos discutindo, pela forma seguinte:
A determinação do responsável pelas contas das despesas com os sinistrados feita nos Hospitais Civis de Lisboa é arbitrária, podendo dar lugar a que seja proposta uma execução contra pessoa ou entidade que nada tivesse com o desastre.
O caso referido pelo Sr. Dr. Madeira Pinto seria, pela maneira como S. Ex.ª o expôs, mais da sua fantasia do que dos factos. O Sr. Dr. Braga da Cruz exprimiu-se claramente como tratando de um «caso possível».
De uma maneira ou de outra, tais casos têm de ser analisados.
Disse-se mais: não têm os Hospitais Civis de Lisboa maneira de investigar acerca da forma como o desastre teve lugar.
Não há defesa contra a má indicação de responsável. Desigualdade de tratamento e inferioridade do garantias aos devedores dos Hospitais, em relação aos devedores de contribuições ao Estado.
Em síntese, parece-me que foram estes os pontos versados.
Antes, porém, de mostrar a não razão destas observações permita-se-me que eu explique a breves traços o que se tem passado relativamente ao pagamento das contas dos sinistrados nos Hospitais Civis de Lisboa.
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Dispenso-me de ler o disposto no artigo 137.º do decreto n.º 4:563, que reorganizou os serviços dêstes Hospitais, e a alteração que lhe foi dada em 1935 pelo decreto n.º 25:454.
É do conhecimento de todos.
Direi apenas que nesta última redacção foram acrescentadas as palavras «fiadores ou responsáveis», e esta designação refere-se, como da letra e da manifesta vontade da lei se vê claramente, aos causadores dos acidentes ou desastres ou às companhias seguradoras para quem aqueles tivessem transferido a sua responsabilidade.
Durante os anos do 1935-1936 houve apenas treze execuções fiscais.
O Sr. João do Amaral (interrompendo): - Quantas execuções foram mandadas para as execuções fiscais?
O Orador: - 569, em 1937.
O Sr. João do Amaral: - E embargos?
O Orador: - 360, salvo erro, opostos a execuções por quantias que vão de 7$50 a algumas centenas de escudos.
Os Hospitais Civis deixaram de receber em certa altura as quantias que lhes eram devidas por os devedores acharem mais fácil e cómodo eximir-se ao pagamento deduzindo nas execuções a sua costumada e feliz oposição.
Quási que tiveram do suspender as remessas das certidões, e por isso em 1938 o seu número baixou para quási uma centena.
O Sr. João do Amaral: - O meio de que se podia dispor era legal, porque havia termo de responsabilidade.
O Orador: - Segundo informações que tenho, durante muitos anos os termos de responsabilidade não se fizeram.
O sinistrado precisa evidentemente de um tratamento imediato e urgente.
Seria deshumano que a Direcção dos Hospitais ordenasse que previamente fôsse lavrado termo de responsabilidade, ou se tornasse dependente da assinatura de tal termo o tratamento do sinistrado. Na hipótese em discussão ainda há que considerar o facto de as companhias estarem sob a fiscalização do Estado, o que justificaria até não lhe ser exigido termo de responsabilidade.
O Sr. João do Amaral: - O que eu desejava era que V. Ex.ª me esclarecesse acerca dos pontos a que há pouco me referi ou seja da questão da remessa para os tribunais das execuções fiscais, pelos Hospitais Civis, das certidões já sem base para julgamento por não estar averiguada a responsabilidade dos indivíduos a que as mesmas respeitam.
O Orador: - Não tenho agora aqui elementos com que possa responder a todos os pontos concretos de V. Ex.ª
O Sr. Botto de Carvalho: - Referiu-se V. Ex.ª há pouco aos embargos. Ora êstes são um meio legal de defesa dos indivíduos, são julgados por um tribunal presidido por um juiz togado e por consequência com todos os elementos de justiça. De forma que eu sou forçado a inferir que se os embargos forem julgados procedentes é porque a defesa é justa; e, assim, se não for reconhecido o direito de procedência dos embargos, o indivíduo não tem defesa nenhuma, o que na verdade não é legítimo.
O Orador: - Disse há pouco que a interpretação da lei existente podia, como pode, levar à procedência dos embargos nos tribunais das execuções fiscais, mas hoje, pela nova lei, os interessados podem fazer valer todos os seus direitos nos tribunais comuns. Adiante me referirei a este assunto.
Uma cousa absolutamente certa é que a falta de pagamento aos Hospitais coloca-os numa situação o mais crítica possível. A este respeito há uma cousa que é interessante lembrar: em todos os processos do execução fiscal figuram como embargantes companhias seguradoras ou companhias que fazem os seguros por conta própria. Se verificarmos, repito, todos os embargos, verificamos que os embargantes são aquelas o não outros.
A meu ver, estas companhias eram aqueles «responsáveis» a que se refere o artigo 137.º da organização dos serviços hospitalares. Porém, em face do uma interpretação que eu não compreendo bem, essa designação começou a ser aplicada àqueles indivíduos que tinham assinado o têrmo de responsabilidade, o só a êsses.
Ora não me parece que seja de admitir u exigência de um termo de responsabilidade a um sinistrado previamente ao tratamento. Tenho a impressão de que a faculdade dada por esse decreto aos Hospitais, referentemente ao termo de responsabilidade e fiança, se refere aos pensionistas e não aos sinistrados.
Sr. Presidente: conheço bem o que se passa nos Hospitais Civis de Lisboa, porque fui ali averiguar como é determinado o responsável pelas contas das despesas dos sinistrados.
Há uma secção de contencioso. Essa secção é composta pelo inspector geral, pelo chefe da 2.ª Repartição e pelo advogado síndico dos Hospitais e tem a seu cargo a organização dos processos para a determinação do montante das despesas efectuadas pelos sinistrados, e, depois de colher os elementos necessários, comunica por carta registada, com aviso de recepção, aos presumidos responsáveis para virem alegar as suas razões e para oferecerem testemunhas ou outras espécies de prova.
O Sr. João do Amaral: - Posso afirmar que essa comissão não faz as averiguações como V. Ex.ª diz e é natural que não o possa fazer e que nem tenha tempo para isso.
O Orador: - Mas o que eu disse consta do regulamento interno dos Hospitais. Tenho conhecimento dos processos instaurados neste sentido e tenho conhecimento também de que foram enviadas cartas registadas com aviso de recepção aos presumíveis responsáveis.
O Sr. João do Amaral: - Mas foram chamados esses presumíveis responsáveis para dizerem da sua justiça?
O Orador: - Sim, senhor.
Como disse, isto está expresso no regulamento interno dos Hospitais, mas, se os funcionários a que me referi não cumprem o seu dever, o caso então é outro, e V. Ex.ª ou qualquer pessoa poderá exigir então as competentes sanções.
Mas, repito, os processos são elaborados, os respectivos presumidos devedores são avisados das contas e da sua responsabilidade e podem apresentar testemunhas a fim de serem inquiridas pela comissão, que dará parecer, e este será homologado por despacho do enfermeiro-mor.
O Sr. Carlos Borges:- É quáse um tribunal especial.
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O Orador:- Corresponde-lhe. Posso pôr em confronto o que se passa nos Hospitais Civis de Lisboa com o que tem lugar nos tribunais judiciais, onde para dívidas até ao montante de 2.000$ há apenas, na fase declaratória, o processo sumaríssimo.
Note-se quási todas as quantias exequendas eram inferiores àquele limite. Como há pouco disse, o total das quantias por que foram movidas execuções com base nas certidões dos Hospitais durante os quatro últimos anos foi de cêrca do 360 contos.
Já vê V. Ex.ª que as quantias pedidas em cada processo foram deminutas. No processo sumaríssimo o juiz profere a sentença, da qual não há recurso. A decisão tem força exequível.
A secção do contencioso existente nos Hospitais, composta por alguns dos seus funcionários superiores, que são também funcionários do Estado, como os juizes, emitindo o seu parecer, e o enfermeiro-mor, lavrando o competente despacho, devem-nos oferecer segura garantia de imparcialidade.
O Sr. João do Amaral: - Não se trata disso.
Eu sei da existência dessa comissão, resultante de uma ordem de serviço. Não é um tribunal. E eu posso fazer esta declaração: é que nunca nenhuma companhia de seguros foi convidada a apresentar quaisquer provas perante essa comissão; e, mais, nem sequer foram prevenidas de que tinham essa faculdade.
O Orador:- Tive conhecimento de que as companhias foram avisadas. Por exemplo: a Mundial, a Ultramarina ...
O Sr. João do Amaral:- Nunca essa companhia foi avisada.
O Orador:- Tenho a informação contrária. Ainda outras: a Tagus, a Préservatrice, a Royal Exchange, a Sagres, e mais ainda, tem sido avisadas das quantias a pagar, quando são responsáveis.
O Sr. João do Amaral: - Mas o facto de êsses responsáveis serem avisados das quantias que tem a pagar não significa que sejam convidados a apresentar a sua defesa.
O Orador: - Mas porque é que quando são avisados não vão lá saber do que se trata? Qualquer rural, na província, quando é avisado para ir aos tribunais ou a qualquer repartição procura informar-se sempre do que se trata.
O Sr. João do Amaral: - Peço desculpa ao Sr. Deputado destas minhas interrupções.
O Orador: - Está desculpado. Tenho até muito prazer em que V. Ex.ª me interrompa.
Sr. Presidente: mas há que acrescentar: à volta de cada um dêsses casos do acidentes no trabalho ou de desastre de viação estabelece-se sempre um conflito de interêsses que a lei tem de considerar aplicando na sua solução uma determinada norma de justiça.
O primeiro interêsse que surge é o dos sinistrados, daqueles que sofrem as mais dolorosas consequências do desastre ou acidente, quási sempre pessoas de condição humilde, operários e trabalhadores, pessoas que ganham o seu sustento e que não trabalhando levam uma situação aflitiva à família. Depois, surge o interêsse dos Hospitais Civis, que prestaram o seu serviço numa alta função humanitária das mais nobres, a que não devemos deixar de prestar louvores. Depois há os interêsses dos causadores dos desastres ou culpados dos sinistros; e, paralelamente a estes, vêm os das companhias seguradoras para quem hajam transferido as suas responsabilidades.
O Sr. João do Amaral: - Todos êsses interêsses de que V. Ex.ª fala são legítimos, e, assim, vai colocá-los no mesmo plano.
O Orador: - Coloco-os no plano que lhes compete, pois para êsses estabelece a lei a presunção de responsabilidade.
O Sr. João do Amaral: - Por isso concordo que possam provar a sua irresponsabilidade.
O Orador: - No processo competente, com certeza. Sabe V. Ex.ª que a legislação tem vindo a aplicar a teoria da responsabilidade objectiva aos acidentes de trabalho e aos desastres de viação.
O Sr. Carlos Borges: - Nem sempre.
O Orador:- Eu digo a V. Ex.ª as excepções que conheço.
Nos acidentes no trabalho apenas vemos na lei exceptuados os casos de força maior e os de grave culpa do sinistrado.
Nos acidentes de viação, e segundo o Código da Estrada, não há responsabilidade para aqueles quando o desastre fôr devido a culpa ou dolo da vítima ou de terceiro, a que segundo a jurisprudência estabelecida e hoje assente pelo Supremo Tribunal de Justiça, temos de acrescentar o caso de força maior.
Fora dêstes casos é sempre responsável o patrão ou o causador do desastre ou o dono do maquinismo ou cousa perigosa que o originou.
O Sr. Carlos Borges:- Isso é uma innovação da ditadura de Sidónio Pais.
O Orador:- Mas estabeleceu a doutrina que ainda está em vigor.
O Sr. Gastão Figueira:- A lei que está em vigor não é essa.
O Orador:- A lei dos acidentes no trabalho em vigor estabelece que a simples culpa do sinistrado não isenta o patrão de responsabilidade.
O Sr. Gastão Figueira: - Desculpa se houver uma desobediência simultânea do patrão.
O Orador:- Então já ai temos uma culpa qualificada.
Voltando à teoria da responsabilidade objectiva:
A teoria tem sido aplicada àquelas formas de actividade que, para o seu desenvolvimento ou fins, põem em acção cousas perigosas, e portanto criadoras de risco.
Há princípios que se têm de observar necessàriamente:
«Quem cria o risco e tira os benefícios da cousa perigosa deve suportar as consequências e encargos que dela resultam».
É lógico o moral que não sejam lesados, pelos efeitos da actividade perigosa, os que para ela nada contribuíram e nada dela auferem.
Acresce que quem utiliza para benefício próprio cousas ou maquinismos perigosos, que em geral são caros, está em melhores condições para sofrer o prejuízo do que as vítimas dos sinistros que recorrem aos hospitais, e que são quási sempre pessoas necessitadas.
A aplicação dêste conceito de responsabilidade objectiva importa que, em quási todos os desastres, a responsabilidade recai sôbre os patrões ou causadores dos sinistros ou donos das cousas que os originaram.
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Mas, feita esta pequena digressão, continuemos.
São aqueles três referidos interêsses em jôgo que o legislador teve de considerar ao estabelecer a necessária norma de direito, que tinha vincadamente de ser uma norma de justiça social.
Os dois primeiros interêsses aparecem-nos de uma forma concreta, clara e positiva.
É gritante a necessidade de os respeitar. Impõe-se à consciência pública não os deixar abandonados.
São os dos que sofreram física, material e moralmente as mais graves consequências dos sinistros.
São os dos que, desempenhando solicitamente uma função humanitária das mais nobres, devem estar a coberto da indiferença, e até do menos escrúpulo dos que não têm a noção verdadeira e exacta dos seus deveres cívicos.
O interêsse dos últimos, também, sem dúvida, respeitável, já nos não aparece de uma forma tam concreta e positiva, e, por vezes, assenta em bases falíveis ou falsas, pela adulteração dos factos ocorridos.
O artigo 6.º do decreto-lei n.º 29:449, que não contém matéria nova, mas sim, como já demonstrei, é a interpretação legal de disposições anteriores, não fez mais do que tornar bem claro que o pagamento daquelas contas será de preferência feito pelos responsáveis, ou seja pelos causadores dos sinistros ou companhias seguradoras.
Há ainda a considerar que estas companhias cobram prémios para pagar as indemnizações e despesas provenientes dos sinistros, e que, dentro da sua função, lhes cumpre, para seu bom nome, a indispensável assistência ao sinistrado.
É por isso que o interesse dos Hospitais Civis de Lisboa, que desempenham funções do Estado, começa por ser atendido, como é justo e moral, recebendo os primeiros benefícios da lei.
O Sr. João do Amaral: - Estou absolutamente de acordo, mas desde que não haja ofensa dos interesses legítimos.
O Orador: - Parece-me que a lei não coarcta quaisquer direitos de, pelos meios competentes, se averiguar em cada hipótese a responsabilidade pelas despesas e de se determinar o verdadeiro responsável.
O que o artigo estabelece é que o processo fiscal não é o competente para se dirimirem questões que exigem conhecimentos especiais, facilidade de provas e averiguação e apreciação de factos estranhos à natureza e âmbito dos tribunais das execuções fiscais.
Deve ser mantido na sua plenitude o referido artigo 6.º para se evitar a repetição do facto triste e sintomático de se deduzirem embargos em execuções fiscais por quantias insignificantes, muitas vezes inferiores às despesas que ocasionavam.
Convém êle às companhias seguradoras e principalmente a quem não usou daqueles processos, para que se lhe não movam campanhas de descrédito e para que desapareça este motivo de ataque.
Convém também ao Estado, que, doutra forma, seria forçado à criação de mais tribunais de execuções fiscais.
Sr. Presidente: em sugestão, direi: bom seria que tam salutar e justa disposição se tornasse extensiva à Santa Casa da Misericórdia do Porto, que tem a seu cargo o Hospital Geral de Santo António, e aos outros hospitais civis, para que todos pudessem cumprir a sua alta função humanitária, e que sempre se traduz em beneficio das pessoas necessitadas.
As quantias não pagas aos hospitais pelos responsáveis de tais sinistros, e nomeadamente pelas companhias seguradoras - o que para a Santa Casa da Misericórdia do Porto já atinge 300 contos -, fazem bastante falta a tam úteis instituições para alargamento da sua acção em prol dos doentes desprotegidos.
Termino dizendo que com o disposto no citado artigo 6.º não há denegarão de justiça a quem a tem.
O que há é uma mais equitativa distribuição de justiça.
Isto importa essencialmente à sociedade.
São todas estas razões, e outras tantas que se esperam do vosso douto suprimento, que devem, sem sombra de dúvida, levar a Assemblea a votar a ratificação pura e simples do decreto.
Julgo, Sr. Presidente, que as considerações produzidas são suficientes para demonstrar que, quer no campo moral e social, quer no campo jurídico, tem o mesmo decreto inteira justificação na sua oportunidade e até na necessidade da sua publicação.
Longe de vermos deminuída a garantia que tínhamos derivada da proveniência do decreto devemos antes reconhecer que ela continua a ser forte e segura.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Devido ao adiantado da hora, vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã será constituída por duas partes:
1.ª parte. - Continuação da discussão, na generalidade, do decreto-lei n.º 29:449, publicado no Diário do Governo de 16 de Fevereiro de 1939, que fixa a interpretação de algumas disposições relativas a contribuições e impostos e a execuções fiscais, equipara as dívidas do Estado às feitas à Caixa Geral de Depósitos e dá força executiva às certidões de dívidas passadas pelos Hospitais Civis de Lisboa, e ratificação dos decretos-leis n.ºs 30:098 e 30:104, publicados respectivamente no Diário do Governo de 4 e 5 de Dezembro de 1939, o primeiro que suspende até ulterior resolução ministerial o que se dispõe no artigo 28.º do Regulamento da Caixa Nacional de Crédito (decreto n.º 17:210), e o segundo que desanexa da freguesia de Enxara do Bispo, concelho de Mafra, os lugares de Vila Franca do Rosário, Passos e Vale da Guarda, e respectivos casais, para constituírem uma nova freguesia, com sede em Vila Franca do Rosário.
2.ª parte. - Continuação da sessão de estudo da proposta de lei n.º 36, sôbre a exploração de pedreiras.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 58 minutos.
O REDACTOR - Carlos Cília.
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CÂMARA CORPORATIVA
Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes
A Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 106.º da Constituição Política, e tendo em vista o disposto na lei n.º 1:920, de 11 de Fevereiro de 1936. e no decreto-lei n.º 29:111, de lá de Novembro de 1938 e a relação a que se refere o artigo 8.º deste diploma, publicado no Diário do Governo n.º 265, 1.ª série, de 15 do mesmo mês e ano, reconhece e valida os poderes dos seguintes dignos Procuradores:
Dr. Júlio Dantas, vice-presidente da Academia das Ciências de Lisboa (documentos n.ºs 1 e 2);
Alfredo Augusto de Almeida, presidente do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe do Centro (documentos n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7).
Palácio de S. Bento e. Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 11 de Janeiro de 1940.
Domingos Fezas Vital.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano de Sousa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Ivo Cruz.
João Baptista de Almeida Ares.
José Gabriel Pinto Coelho.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA