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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

ANO DE 1940 17 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 76 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 16 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs.
Manuel Lopes de Almeida
Gastão Carlos de Deus Figueira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 54 minutos.

Antes da ontem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o Diário das Sessões.
Usaram da palavra o Sr. Deputado Pinto da Mota, acêrca do projecto de lei que ontem enviou para a Mesa, e o Sr. Deputado Favila Vieira, que se ocupou da forma como está sendo feita a emigração para o Brasil.
O Sr. Presidente indicou os nomes dos Srs. Deputados que hão-de constituir a sessão de estudo do projecto de lei dos Srs. Deputados Pinto da Mota e Sampaio Rio.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate relativo ao aviso prévio sobre o desemprego, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Diniz da Fonseca e Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente encenou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 69.
Sr. Deputado que entrou durante a sessão, 1.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 12.

Srs. Deputados que responderam â chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarães.

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José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Sr. Deputado que entrou durante a sessão:

Clotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Ângelo César Machado.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
João Antunes Guimarãis.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 48 minutos.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 69 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 54 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

O Sr. Belfort Cerqueira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações: a p. 290, col. 1.ª, 1. 62.ª, onde se lê: «pignoratícia», leia-se: «penhoratícia»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 15.ª, onde se lê: «trabalhos», leia-se: «elementos»; a p. 292, col. 1.ª, 1. 28.ª, onde se lê: «empregados», leia-se: «desempregados»; na mesma página, mesma coluna, 1. 35.ª, onde se lê: «saber que», leia-se: «saber também que»; a p. 293, col. 1.ª, entre as 15. 28.ª e 29.ª, intercalar: «Parece, portanto, poder concluir-se que as medidas disponíveis actuam principalmente sôbre os efeitos e não sôbre as causas do desemprego»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 67.ª, onde se lê: «na», leia-se: «pela»; na p. 296, col. 1.ª, 1. 62.ª, onde se diz que o Sr. Deputado Antunes
Guimarãis põe na minha boca a afirmação de que o desemprêgo em 1937 voltou a subir para o número de 100:000, deve ler-se, em vez de «1937», «1938».

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovado o Diário com as rectificações apresentadas.

O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: no relatório que precede o projecto de lei sôbre a promoção dos oficiais do exército na reserva, publicado no Diário das Sessões n.º 76, de ontem, a p. 287, diz-se:
«Sucede porém, e isto está a dar-se frequentemente, que estes oficiais são chamados a prestar serviço nas unidades das suas armas, estabelecimentos militares e distritos de recrutamento e mobilização, encontrando-se assim em concorrência de serviço com camaradas seus que à data da promulgação daquele decreto eram mais modernos».
Ora o que se queria dizer e não se disse, por lapso dos autores do projecto, era o seguinte:
«Sucede porém, e isto está a dar-se frequentemente, que êstes oficiais são chamados a prestar serviço nos centros de mobilização das unidades das suas armas, estabelecimentos militares e distritos de recrutamento e mobilização, podendo encontrar-se assim em serviço com camaradas seus que à data da promulgação daquele decreto eram mais modernos».
E já que estou no uso da palavra, insisto pela urgência do meu projecto de lei.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pinto da Mota tinha ontem pedido urgência para o projecto de lei que apresentou juntamente com o Sr. Deputado Sampaio Rio. Como, porém, aqui na Mesa não ouvi êsse pedido de urgência, não consultei ontem a Assemblea sôbre essa questão. Por isso vou agora consultá-la.

Consultada a Assemblea, foi concedida a urgência.

O Sr. Presidente:- Vamos agora marcar prazo para o parecer da Câmara Corporativa.
Proponho que esse prazo seja de quinze dias.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta do Sr. Presidente.

O Sr. Favila Vieira: - Sr. Presidente: as circunstâncias em que se está realizando a nossa emigração para o Brasil obrigam-me, por naturais sentimentos de humanidade e solidariedade nacional e razões de interêsse económico e político, a expor o assunto à Assemblea, embora sumàriamente, como o aconselham certas considerações, e a pedir ao Govêrno a sua intervenção no sentido de assegurar desde já ao nosso emigrante o seu transporte sem risco de vida e, num futuro próximo, pela revisão e solução do problema, melhores condições morais e económicas de existência. Em primeiro lugar, como questão de momento, desejo apreciar o que se está passando relativamente aos transportes. A orientação parece-me inaceitável. Os emigrantes viajam indistintamente nos navios de países neutros e beligerantes, sem a necessária consideração pelo estado de guerra, como se todos oferecessem mais ou menos os mesmos riscos. Acompanham-nos, por disposição da lei, o médico e pessoal da assistência, a quem, no regime de escala em vigor, não pode ser concedida a faculdade de optar por êste ou aquele barco.
Nos últimos sessenta dias, Sr. Presidente, embarcaram em vapores franceses e ingleses mais de oitocentos emigrantes do continente. Alguns dêstes barcos foram perseguidos e um dêles, pelo menos, alvejado no alto

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mar por submarinos alemãis. Um dos nossos emigrantes morreu a bordo, de forma desastrosa, em consequência dêstes factos.
Devo ainda acentuar, Sr. Presidente, que vários destes transportes, os franceses, são barcos velhos, mal cuidados e preparados, de pequena velocidade, que nem sequer dão aos passageiros a esperança de escapar à perseguição de qualquer navio de guerra.

O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª permite-me uma observação?

O Orador: - Essa e todas as que V. Ex.ª entenda dever fazer-me.

O Sr. Marques de Carvalho: - Exa. tem porventura conhecimento de uma diligência de alguns dos próprios interessados no sentido de serem autorizados a viajar em certos barcos beligerantes?

O Orador: - Não, mas o facto não atinge em nada os meus comentários, nem merece consideração especial.
Os perigos e inconvenientes de ordem pessoal e política que podem resultar de semelhante situação são de tal modo evidentes que me julgo até dispensado de enunciá-los à Assemblea e ao Govêrno.
Não conheço nem posso pressupor razões que a justifiquem satisfatoriamente. Quais podem ser? A de que o emigrante deve ter, como qualquer outra pessoa, o direito de escolher o barco? É manifestamente insubsistente, contrária às realidades e ao espírito essencial das leis de emigração. O emigrante não tem, em geral, condições para orientar-se num assunto desta natureza. E a agência de passaportes, na melhor das hipóteses, que, na prática, resolve o seu problema e decide, portanto, do seu destino. A dos diferentes preços das passagens? Não há diferença digna de nota, nem, mesmo que a houvesse, seria bastante a justificação. A da falta de transportes nacionais e neutros em número suficiente? Os barcos português, brasileiros e italianos que fazem actualmente carreira para o Brasil devem garantir o ritmo normal da nossa emigração, mas, quando assim não fôsse, o assunto teria de resolver-se sem os transportes dos países em guerra.
Ninguém pode deixar de considerar no primeiro plano a vida dêsses valorosos portugueses.
O afundamento de qualquer dêsses barcos seria uma perda irreparável, de largas e diversas repercussões.
A questão impõe-se por si mesma. Bastará pô-la ao Govêrno para que o Govêrno a resolva.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O incidente levanta diante de nós mais uma vez o problema principal. A nossa emigração desenvolve-se ainda em condições irregulares e precárias. A regulamentação do Estado não a enquadrou plenamente, nem atinge alguns dos seus interêsses mais importantes. O emigrante está ainda sujeito a graves abusos e extorsões, aqui e lá fora.
O problema tem de ser revisto, para obter-se a sua solução em novas bases. A orientação deve inspirar-se nos princípios fundamentais de solidariedade nacional e justiça social que dominam a doutrina da Revolução. O Estado Novo há-de valorizar e dignificar o nosso emigrante como valorizou e dignificou o nosso operário.
Os nossos ilustres colegas engenheiros Sebastião Ramires e André Navarro, com a autoridade que lhes dão os seus próprios méritos e a circunstância de terem visitado recentemente o Brasil em missão especial, expuseram-nos, nas últimas sessões de estudo, as possibilidades excepcionais que êste país oferece ao trabalho dos portugueses naquele nível moral e económico que não pode deixar de constituir a linha geral das nossas exigências.
Os interêsses dos dois países coincidem fundamentalmente. Não será, por isso, artificioso afirmar que aí se encontra a natural solução do problema, no domínio em que este excede as possibilidades de momento do nosso império ultramarino.
A crise sem par da Madeira, no aspecto dramático do desemprêgo, define só por si o carácter de urgência inadiável desta questão.
A acção do Govêrno não demorará. São estes os meus votos. Mais: é esta a minha certeza!

Vozes! - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:- Vou fazer a indicação dos Srs. Deputados para constituírem a sessão de estudo do projecto de lei dos Srs. Pinto da Mota e Sampaio Rio, e que são os seguintes: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, Alfredo Delesque dos Santos Sintra, Álvaro de Freitas Morna, Álvaro Salvação Barreto, António de Almeida Pinto da Mota, António Augusto Aires, António Cortês Lobão, António Rodrigues dos Santos Pedroso, António de Sousa Madeira Pinto, Gabriel Maurício Teixeira, Henrique Linhares de Lima, João Maria Teles de Sampaio Rio, Joaquim Diniz da Fonseca e Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.

Pausa.

O Sr. Presidente:- Vai entrar-se na

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Belfort Cerqueira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diniz da Fonseca.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: o Sr. engenheiro Belfort Cerqueira trouxe a esta Assemblea um problema que, sem necessidade de reforçar o adjectivo, podemos considerar candente. Efectivamente, Sr. Presidente, todos nós encontramos constantemente quem nos fale de desempregados; e é fácil encontrarmos também quem acuse os organismos encarregados de velar por êste problema, ou do pêso das taxas que têm sido lançadas, ou da aplicação que delas têm feito e até por vezes quem acuse o Govêrno de se ter desinteressado desta candente questão, dêste magno problema de carácter nacional.
Felicito, pois, o Sr. engenheiro Belfort Cerqueira pela oportunidade de a ter trazido a esta Assemblea. E creio, Sr. Presidente, pelo menos tem sido esta a minha opinião, mais de uma vez expendida, que o aviso prévio tem entre os seus objectivos o de informar o Govêrno das queixas e críticas que porventura se façam a determinada orientação ou à maneira de funcionar de quaisquer serviços ou de esclarecer a opinião pública sobre as mesmas queixas, da razão ou sem razão que às mesmas queixas ou críticas possa assistir.
Para abordar, porém, a questão suponho ser indispensável, antes de mais, delimitar o problema.
Que devemos entender por problema do desemprego?
Afastar-me-ei, de certo modo, da maneira como ontem o Sr. engenheiro Belfort Cerqueira o considerou na primeira parte das suas considerações.
Parece-me que, se em Portugal não existe o problema do desemprêgo com a característica, quanto à sua extensão e intensidade, de grandes massas de de-

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sempregados que ficam subitamente paralisados por desmoronamentos industriais que se verificam em larga escala, visto que no nosso País não temos essas grandes concentrações industriais, todavia, ao abordar o problema do desemprêgo, não poderemos esquecer essa característica do desemprêgo específico; e, assim, parece-me que não podemos considerar como fenómeno de desemprêgo-crise aquele que resulta da fraca intensidade das nossas actividades económicas pela viciosa estrutura económica nacional, pois sabemos muito bem que dessa estrutura viciosa resulta que o ritmo das actividades económicas não favorece uma grande intensidade do trabalho e que o trabalho e a produção que existem nos vários sectores têm um fraco rendimento, que não permite uma grande elevação do nosso nível social.
Mas êste, Sr. Presidente, suponho ser um problema de ordem geral que abrange e teia de ser considerado por todos os sectores da vida pública e não pròpriamente um problema específico de desemprêgo.
Na sua relação com o problema específico do desemprego, estas fraquezas da nossa estrutura económica encontram-se brilhantemente tratadas, e tenho prazer em o dizer desta tribuna, no Boletim do Comissariado do Desemprêgo n.º 17.
São sessenta páginas, que é pena, Sr. Presidente, que o Secretariado da Propaganda Nacional, que tem feito tantas edições, não se tivesse lembrado de publicar e distribuir largamente por forma que os portugueses lessem, relessem, essas sessenta páginas, onde o problema, sob este aspecto de desemprêgo resultante das deficiências da nossa estrutura económica, se encontra tratado por uma forma inteligente, objectiva e que considero perfeita.
Da leitura dêsse trabalho se pode chegar às conclusões seguintes: que o desemprêgo do braço português, considerado nessa atitude viciosa da nossa estrutura económica, resulta de certo modo do desemprego ou do mau emprêgo do capital e da inteligência, resulta do divórcio entre o capital e a terra, entre a inteligência e a propriedade, entre a inteligência e o braço, divórcio fomentado pela própria escola portuguesa na má orientação do seu ensino.
Mas, repito, Sr. Presidente, considero isto um problema de carácter geral, um problema de política geral, e não pròpriamente o problema de desemprêgo específico que, a meu ver, deve constituir a substância principal das análises e das considerações a propósito deste aviso prévio.
É certo que desta fraqueza económica resulta o primeiro fenómeno que entra neste sentido específico do desemprego, ou seja a paralisação periódica dos trabalhos rurais, mas não esta paralisação em si mesma, visto que ela é de todos os tempos e resulta dessa mesma viciosa estrutura económica portuguesa, mas o agravamento dessa paralisação notada nos últimos anos. Essa paralisação tem sido mais extensa e mais demorada, e é neste aspecto da maior extensão e da maior demora dessa paralisação que poderemos encontrar o primeiro aspecto específico do chamado fenómeno do desemprêgo-crise.
E como esta extensão maior e esta maior demora da paralisação dos trabalhos rurais têm causas ocasionais, causas imediatas, é natural poderem adoptar-se medidas de emergência para acudir aos efeitos dessas mesmas causas.
O mesmo fenómeno se dá nas actividades oficinais, em todas essas pequenas indústrias que têm períodos intermitentes de paralisação. A intensidade de trabalho nestes sectores de actividade é umas vezes mais intensa, outras vezes mais lenta.
Mas tal como acontece na paralisação dos trabalhos agrícolas, também aqui as paralisações e as deminuïções de ritmo têm sido mais extensas e mais demoradas e nisto constituem fenómeno específico de crise de desemprêgo.
Finalmente, Sr. Presidente, encontramos ainda desemprêgo, que poderemos chamar característico, nos seis, sete ou oito mil portugueses que constam dos registos de estatística que querem ocupação e que de facto a não encontram, ou que perderam as suas posições nas actividades económicas e não têm forma de as poder substituir no ritmo económico da hora presente.
E, assim; posso considerar delimitado o problema desemprêgo-crise, sôbre que me proponho fazer algumas considerações.
Quanto às suas causas, direi que elas são de ordem económica e de ordem social ou moral, mas não vou pelas razões dadas ocupar-me das causas remotas da nossa viciosa estrutura económica. Interessam, dentro do meu ponto de vista, sobretudo as causas imediatas, aquelas que posso chamar causas ocasionais, causas anormais, aquelas que fizeram avultar na hora presente o aumento do desemprêgo específico. E entre essas causas, que poderei chamar económico-sociais, posso apontar meia dúzia delas de entre outras:
a) Quebra de rendimentos - a que aliás já ontem se referiu o Sr. Deputado Belfort Cerqueira -, derivada de azares de produção, circunstâncias especiais atmosféricas, em alguns dos nossos produtos, e quebra de rendimentos pela falta de entrada dos provenientes de capitais no estrangeiro, sobretudo no Brasil.
b) Deminuïção de pesca nalgumas das nossas regiões litorais, que trouxe, para determinados sectores de actividade, uma quebra especial.
c) Deflação comercial e bancária.
Vivemos depois da guerra, aquela a que nós chamamos a última, visto que consideramos esta que agora se está desenrolando a presente, períodos de inflação. A deflação nunca chegou a verificar-se; tinha porém de verificar-se e com ela aumento de desemprego específico.
d) Temos também a eliminação de elementos derivada da reorganização de certos serviços e até do reajustamento económico que está sendo operado pelas actividades corporativas.
Não vou demorar-me na análise do facto; apenas o aponto, sem que isto queira dizer que não seja necessário êsse reajustamento.
e) Ainda podemos considerar como causa imediata e anormal deste desemprêgo específico a concorrência feminina às actividades consideradas até agora masculinas, e concorrência que influe especificamente no desemprêgo por dois aspectos. Por um lado, porque cria o desemprêgo dos próprios elementos femininos que se prepararam para a busca de determinadas actividades. Por outro lado, porque vai ocupar posições dentro do ritmo económico que eram ocupadas por elementos masculinos, e portanto aumento ocasional do desemprêgo masculino.
f) Finalmente, reflexos já da guerra europeia em algumas actividades. Por exemplo, no Funchal esse reflexo é a característica do desemprego ali; e o mesmo sucede noutras partes do País em actividades que têm relação com a vida estrangeira e o comércio externo.
Isto para apontar apenas algumas causas ocasionais ou imediatas. Mas creio que a visão exacta e completa do problema não ficaria ainda exposta se nós não descêssemos ainda a uma outra análise, qual seja a das características psicológicas de várias classes de desempregados.

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Eu poderei resumi-las em quatro:
1.º Os que não podem trabalhar, e terei para esta classe a invalidez e a deficiência fisiológica.
Notem V. Ex.ªs que não me refiro à invalidez que confundiria este aspecto com assistência; isto é, a invalidez por doença, desastre ou outros factores. A invalidez no aspecto que considero aqui é a invalidez do homem que trabalhou a vida inteira e que o próprio trabalho esgotou e cansou. Este, a quem a previdência devia ter assegurado o seu futuro ou velhice, ou porque a previdência não existiu ou por outras razoes, chegou a um momento em que ficou inválido por já estar gasto.
Este é a meu ver um desempregado neste sentido: ficou sem ter aproveitado os resultados que devia ter colhido do seu trabalho.
E, ainda, por deficiência fisiológica, neste aspecto: Há homens que podem trabalhar, que trabalham, mas cujo trabalho é de fraco rendimento. O ritmo de certas actividades económicas e a necessidade de aumentar o seu rendimento fez com que estes, fisiològicamente menos bem dotados, embora capazes, sejam eliminados pelo próprio ritmo da actividade, e, por conseguinte, ficam sem trabalho, porque não podem acompanhar o ritmo do trabalho deste sector.
2.º Os que não sabem trabalhar. Não sabem, porque não se preparam para a actividade profissional, ou porque têm uma preparação deficiente ou incompleta, ou porque, tendo perdido, errado, a sua vocação, ficam incapazes de se adaptarem, ou porque, socialmente mesmo, não existem os meios de reeducação. , Estes não sabem trabalhar, e, porque não sabem, o próprio sector da actividade económica que eles procuram elimina-os, porque dão trabalho inferior por falta de educação profissional.
E esta característica é de tal maneira saliente na nossa atmosfera que me tem sucedido várias vezes - e a V. Ex.ªs por certo também - notar este contraste, este paradoxo: ouvir queixarem-se chefes de oficina de que não têm trabalhadores, à mesma hora em que nós declaramos que existe uma crise de desemprego (Apoiados). Há, realmente, muitos desempregados, mas destes poucos são verdadeiros artistas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos, por consequência, nesta crise paradoxal muito quem peça trabalho, mas poucos que saibam trabalhar com perfeição.
3.º Mas há também os que não querem trabalhar, os viciosos, os ociosos por vício, que não querem trabalhar, que se consideram perpetuamente desempregados, porque nenhum trabalho lhes serve.
Notem V. Ex.ªs que isto não é uma característica dos nossos dias. V. Ex.ªs conhecem a nossa história e devem recordar-se, por isso, do que sucedeu no tempo dos nossos monarcas D. Afonso IV e D. Fernando, das queixas, nas Cortes dos séculos XV e XVI, contra os que não queriam trabalhar e que abandonavam as terras onde se lhes exigia qualquer esforço.
Também nesta característica moderna encontramos um certo número que não quere trabalhar. E se o homem tem direito a sustentar-se do seu trabalho, nem sempre pode ter direito a que lhe dêem apenas o trabalho que lhe apetece ou que o sustentem quando não quere produzir trabalho algum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há, finalmente:
4.º Os que podem, querem e sabem trabalhar, mas que infelizmente não encontram trabalho.
Se todas as outras classes não podem deixar de merecer a atenção do Estado, a atenção das autoridades sociais responsáveis, é evidente que o direito destes a exigir trabalho é muito mais clamoroso. Estes têm o direito de pedir que os deixem exercer o seu direito de trabalho; e têm o direito de o pedir a quem?
À terra, ao capital e aos Poderes Públicos.
Terão a terra e o capital feito tudo quanto era preciso que fizessem para deminuir por seu lado a crise do desemprego?
Ponho a pregunta. Não respondo, porque entendo que a resposta e a análise dela pertencem à viciosa estrutura da nossa economia; e, por conseguinte, a um plano que não considero incluído neste fenómeno específico do problema.
Passarei pois a considerar a responsabilidade que compete ao Estado e aos seus organismos; a analisar o que tem feito o Governo, o Comissariado do Desemprego, como organismo específico, sobre este problema ou para as soluções que conviria adoptar.
É possível que lá fora, não evidentemente nesta Assemblea, se encontrem pessoas capazes de subscrever esta crítica fácil: visto que continua a haver desempregados, é porque o Estado nada fez e o Comissariado do Desemprego nenhuma actividade desenvolveu.
A estas críticas poderemos opor esta pregunta: se o Estado, de facto, se tivesse desinteressado e o Comissariado do Desemprego não tivesse actuado, qual seria nesta hora o número de desempregados que existiria em Portugal?
Não seria muito mais horrível e mais desesperada a situação em todos os sectores do trabalho?
É claro que dirão que estes argumentos não podem ser fundamentados, mas eu creio que alguma cousa poderemos anotar em apoio da acção exercida pelo Estado de uma maneira geral, acção que podemos considerar sob o aspecto orçamental e sob o da actuação corporativa. Sob o aspecto orçamental tenho aqui um pequeno mapa de onde constam as verbas despendidas apenas nos dois últimos anos - 1938 e 1939.
Em edifícios e em monumentos nacionais e outras dotações a verba despendida foi de 177:675 contos em 1938 e 278:576 contos em 1939. Se sobre estas verbas tirarmos uma estimativa relativa à mão de obra, calculando para este fim uma média de 47 por cento, obteremos importâncias equivalentes a 8 milhões de salários em 1938 e 12 milhões em 1939, calculados à razão de 10$ por dia.

[Ver quadro na imagem]

Ora eu pregunto: se o Estado não tivesse inscrito no orçamento verbas tam avultadas e as não tivesse despendido nestas obras, qual seria a situação relativamente a desemprego no País? Não seria qualquer cousa muito alarmante, podemos mesmo dizer, pavorosa?

O Sr. Botelho Neves:- Nessas verbas estão incluídas as despesas com a reconstrução da rede de estradas?

O Orador: - Sim, senhor.
Ainda sob o aspecto geral, temos a actuação corporativa em todos os grémios, sindicatos e mais organismos.

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Em todos eles foi encarado o problema das colocações, o da fiscalização do trabalho e o do horário do trabalho.
Tudo isso influiu no aumento de colocações.
Não me demorarei, porém, na análise deste aspecto, porque me considero muito menos competente do que vários de V. Ex.ªs que me estão ouvindo (Não apoiados), e, com certeza, me levariam até a mal que eu fosse meter, como costuma dizer-se, foice em seara alheia.
Qualquer das pessoas que pertence à chefia dessas organizações poderia demonstrar qual tem sido sob o aspecto geral a actuação na deminuição do desemprego realizada pelas actividades corporativas.
Passarei, pois, à análise, de uma maneira especial, da acção do Comissariado. E, antes de mais nada, vejamos quais foram os objectivos da criação do organismo do Comissariado.
Foi ele criado pelo decreto n.º 21:699.
É possível que muitas pessoas que falam no desemprego nunca tenham lido ou, pelo menos, analisado este magnífico diploma.
Admiravelmente concebido, bem estudado nas suas linhas gerais, na sua economia geral, o que não quere dizer que não esteja neste momento carecido de pequenas modificações que tornem mais eficiente a actuação dos seus princípios, é minha opinião que este decreto continua a manter um sistema de intervenção no problema que posso dizer perfeito nas suas linhas gerais.
Este organismo, que a própria lei considera de carácter transitório e simples organismo de coordenação dos esforços do Estado com os esforços das actividades dos particulares, de coordenação das actividades exercidas por vários sectores e por várias funções do próprio Estado, este organismo de coordenação visava imediatamente a atenuar a crise do desemprego, visava - como se dizia no relatório do decreto - a condensar meia dúzia de tentativas para atenuar a crise da hora que passa.
Propunha-se estabelecer dois fundos: um, chamado Fundo de Desemprego, para cuja constituição chamava a colaborar a actividade patronal, os próprios operários e os proprietários rústicos e urbanos.
A actividade patronal contribuía com 1 por cento, calculado sobre os ordenados ou férias pagas, os empregados e operários com 2 por cento sobre os seus vencimentos ou férias e a propriedade urbana e rústica com um adicional de 2 por cento sobre as suas contribuições.
O Fundo de Desemprego destinava-se a quê?
Destinava-se em primeiro lugar a subsidiar ou a fornecer a empresas particulares, ou a organismos públicos, mão de obra mais barata. O Comissariado comprometia-se a pôr à disposição dessas entidades operários ou pessoal de escritório a quem paga, pelo Fundo de Desemprego, 50 por cento dos respectivos ordenados ou férias.
Para quê?
Para atenuar o desemprego e também com o fito, como acentuava o relatório, de dar às empresas particulares ensejo de melhorarem os seus serviços ou as suas instalações.
Queria, por conseguinte, contribuir, por um lado, para atenuar a crise e, por outro, ajudar a reformar e a melhorar as próprias actividades económicas.
Em segundo lugar com o Fundo de Desemprego seriam comparticipadas obras e melhoramentos de interesse local em que se empregasse pelo menos um terço de desempregados.
Previa o mesmo decreto a constituição de comissões distritais presididas pelo governador civil, com o objectivo de colaborarem regionalmente com os fins do Comissariado e de um modo especial indicando os planos de obras e melhoramentos que pudessem, ser adoptados oportunamente em trabalhos comparticipados pelo Fundo de Desemprego (n.º 5.º do artigo 11.º).
Ora, não me consta que estas comissões realmente chegassem a actuar verdadeiramente dentro do espírito da lei nas diferentes regiões ou se numa ou noutra chegaram a actuar por uma forma diferente.
Ontem o Sr. Deputado Belfort Cerqueira, por um pequenino equívoco, a meu ver, na leitura da lei, supôs que a lei não mandava tomar conta do desemprego rural, visto que proibia a inscrição em boletim dos trabalhadores rurais.
É o § 5.º do artigo 14.º que diz assim:

«Não serão aceites pelos regedores as inscrições dos indivíduos que exerçam normalmente uma profissão de carácter intermitente, embora se encontre na fase de paralisação».

Suponho que este artigo não se queria referir propriamente aos rurais agrícolas, mas às profissões de carácter intermitente. Em todo o caso, o equívoco do Sr. engenheiro estava, a meu ver, noutro aspecto.
De facto, a lei não quis a inscrição individual de todos os trabalhadores rurais em paralisação periódica.
E não quis porque a lei estava orientada no sentido de considerar o fenómeno desemprego especifico, não considerava para o facto a inscrição nominal de cada um dos trabalhadores rurais, mas impunha às autoridades administrativas, comissões distritais e ao próprio Comissariado registar e comunicar o facto da paralisação, para aí mandar intensificar os trabalhos.
São concludentes a tal respeito os artigos 2.º, n.º 6.º, 49.º e 112.º do decreto.
Se é verdadeira a primeira afirmação do Sr. engenheiro Belfort Cerqueira, de que não havia o boletim individual de cada trabalhador agrícola, o que me parece inexacta é a conclusão de que por esse motivo aqueles trabalhadores ficavam privados do socorro que poderia ser levado pelo Comissariado às populações agrícolas que tivessem paralisação de trabalho.

O Sr. Belfort Cerqueira: - É porque li no artigo 52.º do mesmo decreto que, para o efeito da colocação dos desempregados, só seriam considerados os indivíduos constantes do registo do Comissariado. Desde que não estão registados, não podem ser considerados de facto.

O Orador: - V. Ex.ª esquece-se de que há duas espécies de registos: o registo por boletim individual e a anotação nos registos do Comissariado por estimativa de paralisação comunicada pelas autoridades regionais.
Ora sendo as paralisações periódicas, flutuantes, e havendo maior ou menor intensidade nesta ou naquela região, é evidente que era inútil e confusionismo estar a estabelecer boletins individuais. As informações dadas pelas autoridades administrativas dizem que há paralisação de trabalho rural nesta ou naquela freguesia. Essa informação é anotada no Comissariado e tomada em conta para os efeitos dos artigos que citei a V. Ex.ªs

O Sr. Belfort Cerqueira:-Agradeço a explicação de V. Ex.ª, mas é uma interpretação que não está propriamente explícita na lei.

O Orador: - Esta interpretação é a única que sai da lei e a única que sempre se praticou.
Desta maneira, dizia eu, a conclusão a que o Sr. Belfort Cerqueira chegou não corresponde à realidade.
Também me parece que não corresponde bem à realidade uma outra conclusão a que S. Ex.ª chegou nas suas considerações, dizendo que nos benefícios do Fundo de Desemprego tinham sido abrangidas em primeiro lugar as cidades de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro.

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O Sr. Belfort Cerqueira: - Aí deve haver uma correcção. Não se trata de cidades, mas sim de distritos.

O Orador: - Aceito a correcção feita por V. Ex.ª, más a inexactidão continua.
Sr. Presidente: tenho ouvido dizer muitas vezes que não se sabia quanto o Comissariado do Desemprego tinha cobrado de receitas, que não se sabia da aplicação dada a essas receitas e ouvi outras vezes dizer que essas verbas tinham sido gastas quási exclusivamente em Lisboa e Porto em acréscimos às dotações do Estado e, por consequência, sem uma aplicação justa.
Se essas afirmações correspondessem à realidade, representavam um escândalo de ordem administrativa que nada nos impediria de trazer até esta tribuna.
Tomando os números oficiais do Boletim do Comissariado ao Desemprego consegui organizar dois mapas: um com as receitas cobradas e verbas despendidas pelo Comissariado, por distritos, desde o começo da vigência do Comissariado até 31 de Dezembro de 1938; outro com elementos, que posteriormente consegui colher, referentes a 1939 e dispostos da mesma forma.
O primeiro mapa, que abrange desde 1931 a Dezembro de 1938, mostra-nos qual o montante das receitas que tinham sido cobradas pelo Comissariado ou postas à sua ordem e dá uma totalidade de 289:077 contos. Dispenso-me de ler as verbas-escudos para maior facilidade.
Dos mesmos mapas constam as verbas despendidas em todas as aplicações com serviços subsidiados ou indivíduos colocados dentro das normas do decreto, quer em empresas particulares, quer em organismos do Estado - isto também por distritos -, e esse número é de 3:186 desempregados.
O número de inválidos subsidiados - inválidos naquele sentido que já expus, isto é, homens cansados -, e, porque não tinham previdência, ficaram absolutamente sem meios de subsistência, elevou-se a 1:699. Igualmente tenho, por distritos, quanto foi despendido em cada um deles e em todas as aplicações.
Uma das aplicações do fundo de reserva foi a distribuição de refeições. Tenho, por distritos, o número de refeições, que até 31 de Dezembro de 1938 atingiu o número de 9.000:000.
Segue-se depois uma das realizações mais interessantes, qual seja a distribuição de vestuário e calçado.
Para dar que fazer a desempregados alfaiates, costureiras e sapateiros o Comissariado adquiriu o material, mandando depois executar os respectivos trabalhos por desempregados, e, assim, depois de o fruto desse trabalho reverter para esses desempregados, fazia-se assistência, distribuindo fatos e calçado pelos filhos dos desempregados.
E uma das aplicações mais interessantes esta da assistência-trabalho.
Tenho depois a soma da totalidade das verbas despendidas até 31 de Dezembro de 1938 pelos diferentes distritos do País, podendo portanto responder com números às queixas ou críticas feitas de que se tenha gasto mais neste ou naquele distrito, de que se tenha favorecido este ou aquele na distribuição de subsídio. Para melhor esclarecimento peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de mandar inserir este mapa no Diário das Sessões como fazendo parte da minha exposição. Por ele V. Ex.ª e o País verão que, ao contrário do que tantas vezes tenho ouvido afirmar, os distritos com saldos positivos entre as receitas pagas e as verbas neles despendidas foram Braga, Lisboa, Setúbal, Funchal e Horta. Todos os outros distritos receberam muito mais do que aquilo com que contribuíram.

O Sr. Presidente:- V. Ex.ª tem quinze minutos para concluir as suas considerações.

O Orador: - Perfeitamente. Irei até onde o tempo me permitir.
Seria ainda interessante, e eu procurei fazê-lo, mas não consegui elementos suficientes para isso, averiguar das três contribuições - a patronal, a dos operários e a das propriedades rústica e urbana - qual o valor de cada uma delas para o Fundo de Desemprego.
Não consegui elementos suficientes para destrinçar as três contribuições, mas consegui apurar o que pagou a propriedade rústica e urbana para o Fundo de Desemprego ; e consegui-o, porque na estatística de 1938 encontrei esses elementos.
Assim, no continente a propriedade rústica e urbana pagou o total de 4:449 contos em 1938, 4:624 contos em 1937 e 4:589 contos em 1936.
Temos, portanto, uma média de 4:500 contos. Vê-se, por conseguinte, que nos distritos agrícolas, nos distritos propriamente de propriedade rural e urbana, onde não existe grande actividade industrial, se justificam as baixas das suas contribuições para o Fundo de Desemprego, visto, relativamente às verbas globais da contribuição do desemprego, a maior parte pertencer à classe operária e ao patronato.
A origem das receitas do Fundo justifica bem a parte de assistência e solidariedade que ele presta.
O princípio informador do decreto que criou o Comissariado é não um subsídio-esmola, mas a remuneração do trabalho. E através das comparticipações se vê que realmente o Comissariado orientou neste sentido a sua actividade. Mas não podia por direito de humanidade, e porque a própria lei mandava que assim fosse, deixar de ter em conta o direito à vida daqueles que, não tendo culpa da situação em que se viam, não tinham meios de sustentação, e daí as várias aplicações com carácter de assistência.
Hás, digo eu, essa assistência não se confunde com a assistência pública ou com a assistência sustentada com réditos do Estado.
Estamos aqui em face de assistência-solidariedade, visto que o fundo de reserva vem das cotizações pagas pelos próprios operários em solidariedade com a actividade patronal e a da terra.
Há uma solidariedade de factores da produção, e a origem destes rendimentos faz com que seja diferente a característica desta assistência.
Se nós queremos que numa orgânica mais perfeita da vida económica e social a maior parte da assistência seja substituída por previdência, o que estamos fazendo com esta espécie de assistência fundada em receitas de origem de solidariedade? Estamos fazendo uma pre-previdência.
O inválido gasto pelo trabalho deve ter direito à sua pensão de previdência. Não a tem, porque essa organização não está feita devidamente, mas não passa duma espécie de pensão de reforma o subsídio que recebe do Fundo de Desemprego.
Se o trabalhador durante um certo número de anos contribuiu para o Fundo de Desemprego, como contribuiria para uma caixa de previdência, segundo determinadas reservas e estatísticas, se deu a sua cota de solidariedade para um fundo de desemprego, há, sem dúvida, uma certa justiça de solidariedade em que mais tarde o Fundo de Desemprego, quando se verifica a sua invalidez, lhe dê uma espécie de pensão que não obedeça, embora, às regras da orgânica das caixas de previdência, mas que tenha a mesma base de justiça social.
Não se confunde pois com assistência pública a assistência-solidariedade, chamemos-lhe assim, feita através destas fórmulas de aplicação do fundo de reserva pelo Comissariado do Desemprego.

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O Sr. Melo Machado: - Mas que infelizmente chega a muito pouco, Sr. Deputado.

O Orador: - Eu respondo a V. Ex.ª Deve chegar a mais quando se aumentarem os próprios rendimentos do Fundo de Desemprego. Uma das deficiências que existe na lei actual é esta: a falta de uma fiscalização devidamente legalizada. Por ordens de serviço várias e por um despacho do Sr. Ministro das Finanças está hoje permitida ao Comissariado a fiscalização das cobranças. É certo, em todo o caso, que ainda praticamente se registam injustiças, isto é, emquanto uns pagam aquilo que é justo e de razão, o que está na lei e manda a boa solidariedade, outro? fogem a esse pagamento por falta de fiscalização.
Conviria nesta lei, que, repito, nas suas linhas gerais, me parece corresponder ao melhor sistema e tem nos seus traços fundamentais alguma cousa de perfeito, fazer-se uma actualização qual é a de reforçar a fiscalização, para que não escapassem determinados sectores de actividade que não contribuem para o Fundo de Desemprego.
Quando esse Fundo aumentar - e pode aumentar - estou certo de que aumentarão as aplicações dos socorros sociais, não só no tocante a subsídios para desempregados, como pelo que respeita às próprias comparticipações.

O Sr. Melo Machado:- V. Ex.ª dá-me licença? ...

O Orador: - Eu dou, com todo o gosto, contanto que V. Ex.ª consiga que o Sr. Presidente me desconte no tempo de que disponho aquele que V. Ex.ª demorar na interrupção.

O Sr. Presidente: - Eu tenho de cingir-me ao que manda o Regimento.

O Sr. Melo Machado: - Era apenas para dizer a V. Ex.ª que é pena que, uma vez que não está o Fundo de Desemprego incluído nas Contas Gerais do Estado, se não façam das contas do Fundo de Desemprego as precisas publicações que dêem conhecimento a todo o País das várias operações feitas. Há o Boletim, mas é só para quem está em graça. E pode V. Ex.ª ter a certeza de que isso tem influência maléfica nos factos que muitas vezes se observam.

O Orador: - Dou inteiramente razão a V. Ex.ª Exactamente uma das deficiências que noto nestas cousas é a da falta de publicidade. A deficiência não é da lei, porque nela está prevista a publicidade pelo menos trimestral, sendo de notar que os últimos Boletins apareceram já semestrais. E quando eu preguntei por que razão a publicação passou a ser semestral, foi-me dito: porque custa muito dinheiro e o orçamento não permite maior publicidade. Eu tive então de afirmar que se devia cumprir o que está na lei, que a publicidade das contas do Fundo de Desemprego devia ser mesmo mensal, como as Contas Gerais do Estado, e feita com uma clareza absoluta, para que todos soubessem o que se passa e não houvesse razões para se formular qualquer queixa infundada ou crítica injusta por parte da opinião pública, que tem todo o direito de ser esclarecida onde quer que haja um conceito nobre e alto do civismo. Por isso dou razão inteiramente a V. Ex.ª
Se tivesse tempo responderia ainda a várias queixas que tenho ouvido formular relativamente às comparticipações para obras públicas. Responderia sobretudo a algumas afirmações feitas pelo Sr. Belfort Cerqueira e que não correspondem à realidade.
Assim, disse S. Ex.ª que se tinham feito comparticipações pelo Fundo de Desemprego em melhoramentos rurais. Não me parece isso exacto, porque é contra a lei. As comparticipações para melhoramentos rurais, segundo diz a lei, são pagas pelas dotações próprias orçamentais. S. Ex.ª queria naturalmente referir-se às comparticipações nos serviços urbanos.
A lei faz distinção entre «melhoramentos rurais» e a melhoramentos urbanos».
E tanto estou em desacordo com S. Ex.ª que vejo precisamente nisso uma das deficiências da lei, que não permite que possa ser valorizada a verba orçamental para melhoramentos rurais com a comparticipação do Fundo de Desemprego, porque, prevendo essa comparticipação para melhoramentos de águas, saneamento, etc., cinco qualidades de obras -eu não vou citá-las porque não tenho tempo-, não prevê as comparticipações para os melhoramentos rurais pelo Fundo de Desemprego.
Ora seu creio que haveria toda a vantagem em se fazer a modificação da lei no sentido de permitir que as comparticipações do Fundo de Desemprego pudessem ser aproveitadas também para os melhoramentos rurais, e não apenas para os melhoramentos urbanos, pois estes últimos prestam-se mais a que elas sejam desviadas para obras de luxo e que não visam à finalidade que a lei teve em vista, que foi a de elevar o nível da vida rural, conforme está prescrito no seu relatório.

O Sr. Belfort Cerqueira: - Parece-me que há equívoco da parte de V. Ex.ª ao interpretar as minhas afirmações dê ontem. Eu, quando me referi à necessidade de corrigir as comparticipações, referi-me quer às que são concedidas para melhoramentos urbanos, quer a melhoramentos rurais.

O Orador:- Parece-me que o equívoco de V. Ex.ª está noutro ponto, isto é, na forma como são pagas essas comparticipações.

O Sr. Belfort Cerqueira:-O que eu disse é que entendia conveniente que se fizesse coincidir as obras com os períodos de crise, quer o pagamento proviesse do Fundo de Desemprego quer se realizasse pela verba dos melhoramentos rurais.

O Orador:- É possível que o equívoco seja meu e que houvesse apenas uma troca de expressões por parte de V. Ex.ª.
Nessa parte em que V. Ex.ª disse que muitas vezes as comparticipações não chegam a tempo V. Ex.ª tem razão. Simplesmente nós não podemos culpar o Comissariado do Desemprego nem tam pouco, em muitos casos, os serviços.

O Sr. Belfort Cerqueira: - Eu não culpei o Comissariado.

O Orador: - A culpa vem, muitas vezes, dos organismos que solicitam essas comparticipações, pois bastas vezes lançam-se as derramas, pedem-se as comparticipações, mas nem sequer se manda aos respectivos serviços o processo pelo qual elas devem ser pedidas.
Assim, pede-se o lançamento das derramas, pede-se a comparticipação, mas não se faz mais nada, quando a lei dispõe que o processo será acompanhado dos projectos.
É, pois, evidente que só se pode pedir a responsabilidade disto aos próprios interessados na comparticipação, isto é, temos de admitir que as responsabili-

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dades se diluem através de vários organismos administrativos, que não funcionam com aquele apuramento e com aquela ordem e noção das responsabilidades que deviam impor-se nesta hora não apenas àqueles que estão no alto, mas a todos os que em Portugal exercem algum prestígio e alguma parcela de autoridade.
Sr. Presidente: vejo que o tempo me foge e, por isso, deixando tudo o mais, quero dizer apenas duas palavras sobre emigração, colonização interna e colonização no ultramar.
Tenho ouvido advogar estas três ideas como sendo elementos poderosos para a solução da crise do desemprego.
O Sr. engenheiro Belfort Cerqueira referiu-se aqui à colonização interna. Realmente é uma idea interessante, mas como ela para ter efectividade se liga com outro problema, que é o da irrigação, e como esta supõe, para ser eficiente, também a parte electrificação, essa idea por emquanto não tem solução imediata.
Com respeito à emigração, não vou desenvolver, nem sequer analisar o problema. Lembrarei apenas a V. Ex.ªs o seguinte: é que os países não só põem embargos aos contingentes de emigração, mas fecham as fronteiras aos rendimentos do trabalho, aos rendimentos ganhos com o suor do próprio rosto. E quando não se concede àqueles que trabalham em países alheios a faculdade de poderem com o rendimento do seu trabalho socorrer a sua própria família que deixaram na pátria, esta emigração passa a ser escravatura.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador:- Quanto à colonização no ultramar, ao contrário do que tenho ouvido dizer - V. Ex.ªs não se escandalizem com o barbarismo da minha opinião!-, suponho que será possível fazer colonização no nosso ultramar, contra a opinião de técnicos sabedores desta problema, de que me confesso um simples amador. Simplesmente a colonização a que em regra se alude é uma colonização para produção intensiva e para se exportar para o estrangeiro, e, por conseguinte, supõe a possibilidade de mercados receptores noutros países. Mas a colonização que suponho possível é aquela que nós mesmos em Portugal, na metrópole, durante tantos séculos realizámos; aquela colonização que arranca à terra pelo menos o sustento e alimentação daqueles próprios que a trabalham; aquela que arranca à terra o produto para fiar a própria camisa que se veste e alimentar os animais que dão a lã para o vestuário com que o homem se cobre. Esta colonização de consumo próprio e não de exportação suponho não só que é possível, mas que será a que vingará dentro de alguns anos, quando nesta catástrofe económica e financeira em que está caindo a Europa inteira se tornarem mais patentes os erros das falsas industrializações.
Dirão que será economia regressiva, mas que me importa, se ela for humana, se der de comer àqueles que não têm pão e der o manto para se cobrirem àqueles que já não ganham para se vestirem numa sociedade que se dizia tam alta na civilização.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

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MAPA N.º 1

Verbas despendidas desde o início até 31 de Dezembro de 1938

[Ver Quadro na Imagem]

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MAPA N.º 2

Verbas despendidas de Janeiro a Novembro de 1939

[Ver Quadro na Imagem]

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O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: é tam vasto o campo onde se exprime o problema do desemprego, são tam variadas, divergentes e complexas as soluções indicadas e adequadas, que tenho de comportar-me hoje, dentro da tirania do tempo regimental, sempre no círculo das maiores generalidades.
De resto, os oradores que me precederam esclareceram já brilhantemente muitos pontos e aspectos; sôbretudo eu não teria dúvida em subscrever as considerações muito judiciosas que o Sr. Dr. Diniz da Fonseca acaba de fazer sôbre êste problema e sôbre a sua solução e orientação que lhe foi dada neste País, ainda que lhe apagara por certo muito do seu brilho.
O Sr. engenheiro Belfort Cerqueira pôs aqui, na Assemblea Nacional, uma questão perturbante, mas do maior interêsse. Não conheço outra que o seja e tenha mais. Ela deixa o trabalhador em face da sua desgraça ou da infelicidade do seu vizinho. Deixa escritores às voltas com a sua consciência, na meditação dos remédios e panaceias recomendáveis para a sua solução. Deixa os homens do Govêrno em frente da maior adversidade pública de todos os tempos. E deixa as boas almas tolhidas de melancólica impotência, porque parece que não haverá quem seja capaz de expulsar o mal da face enrugada do mundo contemporâneo.
Não é novo o fenómeno das massas humanas condenadas ao desemprêgo, batendo à porta do Estado ou das emprêsas a pedir pão, mas ávidas de trabalho.
Na Idade Clássica multidões pediam a César que lhes dêsse trabalho e lhes dêsse pão. César, que não regateava depois das conquistas, sabia dar terras e cereais.
A Idade Média conheceu essas legiões esfomeadas. Na Idade Média também havia desempregados, não obstante o regime da terra e o regime profissional, que atenuavam de certo modo a crise de subsistências e falta de trabalho.
Os conventos e os aventureiros remediavam a falta de ocupação das gentes sem trabalho.
Na época da Revolução Francesa milhares e milhares de vagabundos e famélicos condenados à desocupação produziram aquela hiperestesia colectiva que degenerou nos actos de revolta.
O que se considera verdadeiramente desemprego?
Creio que há conveniência em balizar, em marcar o âmbito do problema, para não o tornar ainda mais extenso e complexo do que ele vem a ser já de si mesmo.
Não se considera como desocupação forçada, que entra, portanto, na preocupação dos governantes actuais, uma flutuação de desemprêgo que deriva do carácter próprio das indústrias de estação, que varia de uma época do ano para outra e duma estação para outra.
Não há, verdadeiramente, desemprêgo nessas indústrias. Na confecção de lanifícios para o inverno, na própria indústria da caça, antes da abertura, dá-se, efectivamente, êsse fenómeno. O mesmo se verifica na destilação de bagaços. Aí a desocupação é meramente ocasional, é transitória, tem certa correlação aos meses, mas não reveste a forma duma desocupação forçada.
Também não é considerada desemprêgo, e, portanto, entrando no âmbito das preocupações do problema do desemprêgo, a desocupação fatal que há em todas as épocas, em todos os tempos e em todas as classes de algumas pessoas irredutíveis a qualquer espécie de trabalho. Mesmo na época de maior prosperidade comercial e industrial há uma legião de ferro, uma legião irredutível de desempregados. São os semi-fracos, são os incapazes, são os preguiçosos, são os doentes, que em todas as épocas e em todos os tempos, à margem da organização profissional, constituem esta legião de ferro, êste exército de reserva da indústria, em todas as sociedades.
Essa gente não pode ou não quere trabalhar, mas não são os desempregados das preocupações modernas.
Portanto, na economia pública e privada melhor organizada há sempre uma certa margem irredutível de desempregados que revela má adaptação ao trabalho, que revela uma baixa de potencialidade fisiológica de aptidão, mas que não é o fenómeno do desemprêgo característico que merece hoje a nossa atenção.
Desemprêgo forçado, desemprego com carácter objectivo, resulta em primeiro lugar do facto de a emprêsa ter cessado o seu trabalho, e confirma-se quando o trabalhador, uma vez despedido, uma vez expulso ou distante da sua actividade económica, olha em volta de si e encontra uma falta absoluta de ocupação. Então, temos o fenómeno actual; um desequilíbrio enorme entre a oferta de mão de obra, que busca trabalho susceptível de continuada ocupação, e a procura dessa mão de obra, feita pelas emprêsas.
O desempregado é, portanto, um trabalhador que, tendo perdido o emprego por motivo que não é de sua culpa, não encontra a ocupação adequada às suas aptidões.
Êsse sim, que é o maior desgraçado, mas não são as jeremiadas que lhe hão-de mitigar o sofrimento.
Isto na teoria, porque na prática legal, nas praxes administrativas e na estatística o desempregado vem a ser outra cousa.
E assim é que na França são desempregados apenas aqueles que são registados pelos serviços oficiais. Na Inglaterra são desempregados os que pagaram determinados prémios para o efeito de seguro social, São, pois, considerados tal os operários segurados. Nos Estados Unidos são desempregados aqueles que são assim classificados pela administração pública nas suas estimativas. Em Portugal, em regra, as estatísticas fornecem números dos inscritos no Comissariado do Desemprêgo e dos apurados administrativamente.
Portanto, quando se queira fazer confrontos quando se queiram tirar ilações e fazer apreciações, mesmo de ordem genérica, os homens que têm pensado bastante neste problema dizem: estatísticas difíceis, estatísticas perturbadoras, estatísticas medíocres cautela, demasiada cautela!
O fenómeno do desemprêgo já era muito conhecido e muito estudado antes da crise de 1929. Simplesmente nêsse tempo, no plano jurídico e na vida económica, ele comportava-se no sector onde imperava o que chamarei do risco profissional.
O desemprego apresentava-se já como um fatalismo em que a acção oficial e privada pareciam condenadas a constante ineficácia. O desemprêgo era concebido como uma consequência da actividade profissional e como um risco igual a alguns outros. Era, pois, um risco a acrescentar a tantos - a invalidez, a velhice, a doença. Até parecia fácil determinar antecipadamente, dentro do quadro geral das profissões, os limites em que se comportava esse risco: 1 a 5 por cento e, muito excepcionalmente, 10 por cento.
Por outro lado, como atingia a mão de obra pròpriamente dita e permitia a repartição da sociedade trabalhadora em grupos, permitia determinar coeficientes e riscos que se generalizavam a quási todos os países.
Mas o desemprêgo forçado actual parece-me que é outra cousa completamente diferente, que se projecta para bem longe do écran profissional.
E como era um problema profissional de trabalho, era também um problema técnico, porque grande parte da sua origem derivava da máquina ou da racionalização das emprêsas económicas, que era ainda a organização tornada máquina. Mas de problema técnico ele passou a ser - com a crise que se iniciou em Outubro de 1929 - um problema social vastíssimo.
Multiplicam-se então as origens, as formas, e o caso atinge cifras e gravidade espantosas, extraordinárias.

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O 1 a 5 por cento torna-se em 22, 24, 29 e 30 por cento, como na Dinamarca, Inglaterra e outros países.
Na Alemanha havia õ milhões de desempregados no período de 1930 a 1931. Nos Estados Unidos havia em 1933 15.500:000. O total mundial nesta época devia orçar por 20 a 25 milhões de desempregados, o que representa uma massa formidável de 60 a 70 milhões de pessoas sem os meios de subsistência necessários, sofrendo de vida misérrima.
Mas não é só o facto de a desocupação aumentar e atingir cifras extraordinárias. É o facto de ela ser mais incidente e concentrada em certas regiões e em certos sectores económicos.
Como mal económico assanhado, torna-se em problema político das massas.
E para mais esse problema vai surpreender-se agravado pelas condições próprias do País, pelas condições sociais de troca e, sobretudo, pelas dificuldades e peias que existem em todos os países, sem excepção, relativas a emigração e migração dos povos.
Esta crise aparece começando numa crise geral de produção, para depois se converter, de uma certa altura em diante, numa crise de sub-consumo e resultar uma debilitação e um empobrecimento dos organismos nacionais.
As crises desta espécie não são muito antigas. Só o século XIX é que as conheceu com este aspecto.
A Idade Média não conheceu o fenómeno do desemprego nem a crise com este aspecto de sub-consumo. A desocupação forçada, que era tida pelos escritores de há quarenta ou cinquenta anos como um fenómeno familiar, passou a ser a mais terrível desgraça social. Ela deminue a vitalidade dos trabalhadores, quebra-lhes ou elimina-lhes as faculdades, coloca-os sem meios de subsistência para si e suas famílias, e importa num decrescimento de forças físicas, depois de vitimá-los.
Ataca o corpo social por vários lados, na produção, no consumo produz desequilíbrios, entre aquilo que se compra e o que se gasta, entre o que se poupa e o que se consome. É mais um fermento de desespero a acrescentar a tantos outros. O indivíduo sente-se abandonado pela comunidade e protesta, desgosta-se, revolta-se abertamente.
O que é muito importante é que este flagelo social ameaça o futuro económico do País, ameaça o futuro industrial pelo declínio consequente das aptidões, pela omissão ou impossibilidade de toda a instrução profissional.
Em Portugal, examinado o fenómeno muito por alto, suponho que pode tirar-se a impressão de que há coincidência do fenómeno particular com o fenómeno mundial.
Digo: pode tirar-se a impressão ... Não extraio uma certeza.
É natural que haja um certo particularismo na nossa vida, dado o regime agrário próprio deste País e dado o atraso da sua economia em relação aos outros países da Europa Ocidental. Mas a curva mundial ostenta este desenvolvimento: tinha descido até Outubro de 1929, subiu regularmente até ao fim de 1931, subiu mais um bocado durante 1932 e no começo de 1933, depois dos primeiros meses de 1933 em diante desceu regularmente até 1937 e subiu novamente muito desde meados de 1937.
A curva portuguesa parece, realmente, irregular e menos nítida do que aquela. Naquilo que é perceptível, através das nossas estatísticas, a crise manifesta-se em 1931 e aumenta continuadamente até 1933. Em 1933 começa a campanha do desemprego e o aumento ainda continua, atenuando-se embora. Deminue um pouco em 1937, mas esta deminuição julga-se mais aparente do que real, porque se trata duma revisão de quadros. No 1.º semestre de 1938 a crise suponho que recrudesce.
Desta altura em diante os números e mapas divergem dos anteriores e o fenómeno reveste, nos dados oficiais, compreensão e extensão.
Esta crise do desemprego, que em toda a parte constituiu uma doença social, pode dizer-se que em Portugal teve um carácter mais benigno. Assim, Madrid tinha mais do que o dobro dós desempregados portugueses em 1933. A Bélgica, com uma população pouco maior do que a nossa, tinha um número de desempregados muito superior ao que acusam as estatísticas portuguesas.
Ao passo que esta tendência se dá, o nível de vida sobe. Há necessidades maiores a satisfazer e aumenta a distância entre o activo e o passivo da vida económica de cada uni. A vida social transforma-se. As mulheres e os novos invadem as profissões. Na família todos querem ganhar a sua vida. A deminuição de poder comprador e o peso que para o contribuinte representam os subsídios constituem factor de permanência e agravamento de crise.
Em outros países a crise do desemprego foi atenuada pela preparação da guerra actual. Deu-se isto na Alemanha, na Itália, na França e nos Estados Unidos. Mas no nosso País o caso muda de figura. São muitos milhares de contos que vão ,ser gastos, ou já o foram, aplicados ao rearmamento, que vão pagar fornecimentos da indústria estrangeira. A economia nacional tem de sofrer esta perda.
A defesa nacional, que em certos países e num dado momento foi um remédio ad hoc para a crise do desemprego, no nosso País a sua despesa de importação do material de guerra é um mal necessário que desfalca o Tesouro nacional. Só muito restritamente representa criação de trabalho ou emprego.
Outro fenómeno também importante: a compensação do desemprego.
Há uma certa margem livre em que a própria economia nacional, pela sua elasticidade, se encarrega de absorver os operários desocupados pelas respectivas empresas em crise. Empresas que despedem, empresas que recebem. Empresas que fecham, novas empresas que abrem ou alargam os seus negócios.
A economia portuguesa é dotada de uma certa elasticidade.
A organização corporativa de marca salazarista conserva, e muito bem, livre uma certa margem. Nem tudo é corporativismo do alto, rígido. Emquanto o movimento de produção é menos constrito, certas consequências do desemprego podem ser anuladas.
Uma grande massa de trabalhadores fica compensada: desocupada hoje, ocupada amanhã.
Fenómeno característico de compensação do desemprego é o dos músicos, que o cinema sonoro expulsou das casas de espectáculos e que as empresas de radiotelefonia absorveram.
Em Portugal, há sobretudo, o desemprego nos campos; e eu não possuo tempo bastante para levar a análise deste problema um pouco mais longe.
O relatório e inquérito citados, de 1937, considera inteiramente ocupados os indivíduos que têm uma garantia de oito meses de salário nos campos.
Países há onde os rurais com cerca de seis meses de salário por ano se consideram perfeitamente satisfeitos.
O que é importante é que o homem do campo supõe que o remédio do desemprego rural está na fuga para a cidade, tal como o homem citadino supõe que o remédio do desemprego na indústria está na ocupação dos campos.
Mas em todos os países, velhos e novos, a população agrícola, por condições de racionalização, de cultura, de emprego de máquinas e de progresso técnico, agrícola, tende a deminuir. Se há os mesmos trabalhadores, o trabalho remunerado decresce também.

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312 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 77

A receptividade dos campos para alojar desempregados é reduzida. Isto não quere dizer que a comparticipação da agricultura no rendimento nacional seja cada vez mais pequena.
Já é muito difícil encontrar um lote de terra para meter na cultura, mas ainda mais difícil é pôr essa terra em condições de produzir bastante e de alimentar os que a trabalham. A principal dificuldade reside nisto.
Claro que eu sei que uma quinta que alimenta vinte homens pode vir a alimentar cinco vezes mais, mas a verdade é esta: é que nesta altura pode aumentar o rendimento dos que trabalham a terra e pode deminuir o rendimento nacional, e as questões têm de ser encaradas sob o ponto de vista nacional. Uma província podia abrigar um dia tanta gente que não desse nada para o resto do País.
Eu sei também que seria defensável encontrar o arranjo agrário necessário a uma intensificação maior do labor agrícola à custa de grandes capitais e esforços de forma que se ocupassem mais braços na terra, mas, desde D. Fernando I e do velho Severim de Faria, que o problema é posto aos governantes portugueses; simplesmente, a zona onde se estadeia a grande propriedade, a propriedade latifundiária, e onde era possível tentar uma forma de acesso à pequena propriedade, tem condições naturais que explicam o seu regime tradicional.
A carestia da operação e os resultados problemáticos tornam de momento inviável tal medida.
O problema, portanto, é difícil, e ainda que não tenha sido tentada a sua solução, é naturalmente caro pela experiência que dão as reformas agrícolas, e é de resultados muito incertos porque os imponderáveis, a cada momento, obrigam a novas decepções. Colonização sim! Colonização sim, para fertilizar os planaltos africanos, mas não fiemos demasiadamente na colonização interior para resolver as dificuldades dos desempregados.
Para os homens do campo, para os empresários agrícolas, o problema não é só de encargos, não podendo ser visto apenas por esse lado. O problema também é do pessimismo económico, da maneira como eles julgam do futuro económico das suas empresas e dos seus negócios, isto em todos os países.
E as causas? E as autênticas causas do mal?
Três observações vão-nos pôr no caminho duma verdade. Primeiramente, a evolução da crise mundial de 1929 não coincidiu com o desenvolvimento normal das outras crises, as quais dão origem ao chamado regime cíclico, que se explica em poucas palavras: optimismo dos empresários, grande incremento dos negócios, inflação, novas tentativas, novas empresas, alta de preços, negócios muito animadores e, numa certa altura, um crack, uma baixa de preços, um pânico, depressão, receio, falta de crédito, uma crise económica em grande escala, descida dos valores, o optimismo transformado em pessimismo, toda a gente receando o futuro dos negócios, a restrição do crédito como defesa tentada pelos organismos bancários contra a crise; de queda em queda os valores desceram até ao abismo e a crise seguiu o seu desenvolvimento até à fase final de liquidação.
Com a crise de 1929 as cousas passam-se absolutamente de uma forma diversa do chamado regime cíclico das crises.
Por outro lado, os aumentos de população verificados de 1929 para cá nem conduzem a aumentos correspondentes na produção, nem a aumentos de consumo.
E, finalmente, o desequilíbrio de toda a vida económica, repercutindo-se sobre toda a vida social, começa pelos fundamentos. E a técnica por um lado, é a autarquia por outro, que torna não só precária, terrível e crítica a vida económica de uma nação em si, mas a de todas as nações, visto que as trocas do século XIX em diante se tornaram solidárias. Os alicerces abrem brecha, a explicação habitual do pessimismo e optimismo dos interessados não serve; há aqui outra cousa, há aquilo que se chama as razões de sistema, os factores estruturais.
Há na orgânica económica contemporânea, que marca a chamada época do apogeu do capitalismo, qualquer cousa que não funciona bem, que não está certa, que não tem um futuro perdurável. E é isso que representa a grande causa da crise mundial de 1929.
A organização económica do apogeu capitalista carreia a grande dose das culpas da crise mundial. Nem o pensamento corporativista é outro.
Como se traduz isso? Traduz-se por uma maneira expressiva. Ao passo que as outras crises tinham feitio ondulatório, a crise de 1929 tem uma linha que se prolonga para o abismo, para a queda, e contra a qual parece não haver forças humanas.
Há quem diga serem flutuações de preços seculares. É possível, mas quando se entra nos cálculos económicos de espécie astronómica o terreno falha ao observador, como na fábula do astrónomo que caiu ao poço.
Como se traduz isto? Isto traduz-se, sobretudo, nessas flutuações, cuja amplitude ninguém sabe determinar: flutuações de preços, de valores, de situações essenciais para a vida económica. Traduz-se na rigidez dos custos, que impedem novos equilíbrios, reajustamentos. Traduz-se em baixas de volume de trocas, de trabalho e do preço dos salários. Traduz-se em deminuições de riquezas e perdas de poder do comprador, sem remissão possível; na desaparição de empresas que não tinham condições; traduz-se, ainda, na necessidade de adaptar a produção ao consumo, o que até aqui se fazia em regime livre; traduz-se na defesa como recurso a uma economia restritiva, quando era preciso que fosse expansiva.
Mas a verdade é que estes grandes acontecimentos têm qualquer aspecto de estrutural no fundo, que deriva da própria organização da vida contemporânea. Em Portugal vemos tudo isso: falências por imprevisão económica; a liquidação de empresas incapazes de se manterem na nova ordem de valores; restrições como defesa contra a crise geral, quando era preciso para uma massa de consumidores adoptar uma atitude contrária; a desaparição de algumas indústrias locais, como as doa tapetes, das olarias, das tecelagens; a charrua em vez do campónio, a máquina em vez do homem; a racionalização de várias empresas num sistema restrito; igualmente vimos uma massa populacional formidável, com o predomínio da classe capaz de plena actividade.
Por outro lado, algumas centenas de milhares de contos perdidos para a economia nacional. E esta para a solução dos problemas curvada sobre si mesma.
São múltiplos os remédios previstos para acudir à crise de desemprego e eu lamento, realmente, que não tenha tempo para entrar no desenvolvimento necessário desta matéria, ainda que os oradores que me precederam tivessem procedido já ao seu exame.
Se pegarmos na classificação mais rigorosa dos meios previstos, das panaceias e remédios que se apontam para o desemprego em si e para atenuação das suas consequências, encontraremos que o Governo Português tem atacado o mal por todos os lados.
Há uma classificação feita por um ilustre professor de Varsóvia que sistematiza a matéria.
A cessão da riqueza, feita na ordem jurídica, a redução nas horas ide trabalho, as reformas de carácter social, as operações de financiamento e crédito para os trabalhos públicos, etc., todos estes remédios foram tentados pelo Governo Português.

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17 DE FEVEREIRO DE 1940 313

Para acudir ao problema do desemprego não se limitou apenas à acção do Comissariado do Desemprego. Estabeleceu, em primeiro lugar, uma orientação destinada a proporcionar maior riqueza ao País, uma política de fomento geral, a lei da reconstituição económica e a hidráulica agrícola, a qual, segundo os cálculos a que se procedeu, deve dar ocupação a alguns milhares de portugueses, em número superior a dez vezes o que é ocupado por terras não irrigadas.
A política aduaneira, por meio de restrições, teve também em vista concorrer para a solução deste problema. Por outro lado, uma política de regulamentação do horário de trabalho, no sentido de serem eliminadas as horas extraordinárias e regulamentada a actividade, visou ao mesmo fim.
Nesta ordem de ideas terei ainda de me referir à criação de um organismo específico, nos termos do decreto n.º 22:669, visto que se trata de um fundo especial baseado numa aquisição de receita de carácter particular.
O Governo tomou uma atitude firme entre duas escolas, a que preconiza os trabalhos públicos e a que preconiza a assistência social aos desempregados.
Por outro lado, o Governo Português levou ao máximo a execução de trabalhos públicos, como já foi indicado.
Portanto, em resumo, e no desenvolvimento das considerações feitas, parece, em primeiro lugar, que o desemprego em Portugal, como em todos os países, desemprego actual, depois da crise de 1929, é um mal de estrutura a que deve corresponder um certo segredo de organização, que há-de integrar-se no quadro da nossa orgânica corporativa. Em segundo lugar, tratando-se de uma crise que sai fora dos moldes e do ritmo das outras crises, requere-se uma política de adaptação contínua. Em terceiro lugar, ainda que disciplinada e coordenada, a economia portuguesa tem de ser expansiva, no sentido da criação de trabalho e do desenvolvimento de novas actividades económicas. Em último lugar, como disse um grande mestre, os trabalhos públicos destinados ao desemprego devem sobretudo ser de utilidade actual e de utilidade substancial.
Portanto, ao Estado, que tanto tem feito, e às empresas particulares, que vão fazendo aquilo que podem, pede-se ainda que lutem cada vez mais contra o fenómeno da desocupação forçada, que lutem coordenando, agrupando e unindo os seus esforços.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será no dia 20 do corrente, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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